1. A época mercantilista
O conceito de mercantilismo define-se a partir dos grandes descobrimentos, consequência da abertura das rotas
comerciais marítimas pelos portugueses entre o século XV e 1500 (data do descobrimento do Brasil) e a consolidada
corrente do metal precioso (ouro e prata nomeadamente) levado dos territórios novos para a Europa, em particular
depois do estabelecimento dos vice-reinos da Nova Espanha e do Peru pelos castelhanos. Intimamente ligado à
emergência do Estado-nação moderno e baseado na existência do binômio "metrópole – colônias", o mercantilismo
assumiu formas nacionais, das quais podem citar-se, em ordem cronológica: Portugal, Espanha, Inglaterra, Holanda,
França, Dinamarca e Suécia durante os séculos XVI, XVII e XVIII. Nesta época, o mercantilismo evolui de tal
maneira que gera um estudo apropriado e traduz-se como uma atividade econômica, em tal grau que se fala de
políticas econômicas e normas econômicas. O mercantilismo começa a ser conhecido com outras denominações, as
mesmas que dão senso ao seu conceito: sistema mercantil, sistema restritivo, sistema comercial, colbertismo na
França e cameralismo na Alemanha. Derivado da expansão militar europeia e do incipiente desenvolvimento
manufatureiro, como complemento da produção clássica da agricultura, o mercantilismo incrementou notavelmente o
comércio internacional. Os mercantilistas foram os primeiros em identificar a importância monetária e política deste.
O mercantilismo desenvolveu-se numa época na que a economia europeia estava em transição do feudalismo ao
capitalismo. As monarquias feudais medievais estavam sendo substituídas pelas novas nações-estado centralizadas,
em forma de monarquias absolutas ou (em Inglaterra e Holanda) parlamentares. Os câmbios tecnológicos na
navegação e o crescimento dos núcleos urbanos também contribuíram decisivamente ao rápido acréscimo do
comércio internacional.[20] O mercantilismo focava em como este comércio podia ajudar melhor os Estados. Outro
câmbio importante foi a introdução da contabilidade moderna e as técnicas de dupla entrada. A nova contabilidade
permitia levar um claro seguimento do comércio, contribuindo para a possibilidade de fiscalizar a balança de
comércio.[21] E evidentemente, também não se pode ignorar o impacto do descobrimento da América. Os novos
mercados e minas descobertas impulsionaram o comércio exterior a cifras até não concebidas. Isto levou a um grande
acréscimo dos preços e a um acréscimo na própria atividade comercial.[22] Curiosamente, a relação entre a chegada de
metais preciosos americanos e a inflação europeia do século XVI (um fenômeno a uma escala até então
desconhecida) não foi plenamente estabelecido até as pesquisas de Earl J. Hamilton numa data tão tardia quanto 1934
(O tesouro americano e a revolução dos preços na Espanha, 1501-1650). Antes do mercantilismo, os estudos
econômicos mais importantes realizados na Europa foram as teorias da Escolástica medieval. O objetivo destes
pensadores era encontrar um sistema econômico que fosse compatível com as doutrinas cristãs com respeito à
piedade e a justiça. Eram centrados nomeadamente nas questões microeconômicas e nas trocas locais entre
indivíduos. O mercantilismo, por sua vez, estava alinhado com as outras teorias e ideias que estavam substituindo o
ponto de vista medieval. Nesta época foram adotadas também as teorias da Realpolitik impulsionadas por Nicolau
Maquiavel e a primazia do interesse nacional nas relações internacionais. A ideia mercantilista de o comércio ser uma
soma zero na qual cada parte fazia o possível para ganhar numa dura concorrência, integrava-se dentro das teorias
filosóficas de Thomas Hobbes. Os jogos de soma zero, como o dilema do prisioneiro, podem ser consistentes com um
ponto de vista mercantilista. No mencionado dilema, os jogadores são premiados por atraiçoar os seus companheiros,
embora todos ficassem melhor se todos cooperassem. Esse ponto de vista pessimista sobre a natureza humana
também se encaixa na visão de mundo puritana, que inspirou parte da legislação mercantilista mais dura, como as
Atos de Navegação (Navigation Acts) introduzidos pelo governo de Oliver Cromwell.
As ideias mercantilistas
O pensamento mercantilista pode ser sintetizado através das nove regras de Von Hornick: [24]
1. Que cada polegada do chão de um país seja utilizada para a agricultura, a mineração ou as manufaturas.
2. Que todas as primeiras matérias que se encontrem num país sejam utilizadas nas manufaturas nacionais,
porque os bens acabados têm um valor maior que as matérias-primas
3. Que seja fomentada uma população grande e trabalhadora.
4. Que sejam proibidas todas as exportações de ouro e prata e que todo o dinheiro nacional seja mantido em
circulação.
5. Que seja obstaculizado tanto quanto for possível todas as importações de bens estrangeiros
6. Que onde sejam indispensáveis determinadas importações devam ser obtidas de primeira mão, em troca de
outros bens nacionais, e não de ouro e prata.
7. Que na medida em que for possível, as importações sejam limitadas às primeiras matérias que possam
acabar-se no país.
8. Que sejam procuradas constantemente as oportunidades para vender o excedente de manufaturas de um
país aos estrangeiros, na medida necessária, em troca de ouro e prata.
9. Que não seja permitida nenhuma importação se os bens que se importam existissem suficiente e
adequadamente no país.
Contudo, a política econômica interna que defende o mercantilismo estava ainda mais fragmentada do que a
internacional. Enquanto Adam Smith apresentava um mercantilismo que apoiava o controlo estrito da economia,
muitos mercantilistas não se identificavam com tais ideias. Durante os começos da era moderna estava na ordem do
2. dia o uso das patentes reais e a imposição governamental de monopólios. Alguns mercantilistas apoiavam-nos,
enquanto outros viam a corrupção e ineficiência desses sistemas. Um dos elementos nos quais os mercantilistas
estavam de acordo era a opressão econômica dos trabalhadores. Os assalariados e os granjeiros deviam viver nas
"margens de subsistência". O objetivo era maximizar a produção, sem nenhum tipo de atenção sobre o consumo. O
fato de as classes mais baixas terem mais dinheiro, tempo de lazer, ou educação era visto como um problema que
degeneraria em poucas ganhas de trabalhar, danando a economia do país. [25] Por outro lado, os estudiosos não se
põem de acordo no motivo pelo qual o mercantilismo foi a ideologia ou teoria econômica dominante durante dois
séculos e meio.[26] Um grupo, representado por Jacob Viner, argumenta que o mercantilismo foi simplesmente um
sistema muito direto e que contava com senso comum. Contudo, sustentava-se sobre uma série de falácias lógicas que
não podiam ser descobertas pelas pessoas da época, dado que não tinham as ferramentas analíticas necessárias. Outra
escola, apoiada por economistas como Robert B. Ekelund, entende que o mercantilismo não era um erro, mas o
melhor sistema possível para aqueles que o desenvolveram. Esta escola argumenta que as políticas mercantilistas
foram desenvolvidas e postas em prática por comerciantes e governos, cujo objetivo era incrementar ao máximo os
benefícios empresariais. Os empresários beneficiavam-se enormemente, e sem que isso lhes supusesse um esforço,
pela imposição de monopólios, as proibições às importações e a pobreza dos trabalhadores. Os governos, pela sua
vez, beneficiavam-se do cobro das tarifas alfandegárias e os pagamentos dos mercadores. Se bem que as ideias
econômicas mais tardias foram desenvolvidas com freqüência por acadêmicos e filósofos, quase todos os escritores
mercantilistas eram comerciantes ou pessoas com cargos no governo.[27]