Mais uma publicação no afã de difundir a mais pura exposição do ensino genuíno da Palavra de Deus, especialmente do Evangelho de nosso Senhor Jesus Cristo, fundamentada nos escritos dos puritanos históricos e daqueles que foram os seus seguidores até o presente.
1. O Oleiro e o Barro
Por George Whitefield
Jul/2017
2. 2
“A palavra do SENHOR, que veio a Jeremias,
dizendo: 2 Levanta-te, e desce à casa do oleiro, e
lá te farei ouvir as minhas palavras. 3 E desci à
casa do oleiro, e eis que ele estava fazendo a sua
obra sobre as rodas, 4 Como o vaso, que ele fazia
de barro, quebrou-se na mão do oleiro, tornou a
fazer dele outro vaso, conforme o que pareceu
bem aos olhos do oleiro fazer. 5 Então veio a mim
a palavra do Senhor, dizendo: 6 Não poderei eu
fazer de vós como fez este oleiro, ó casa de Israel?
diz o Senhor. Eis que, como o barro na mão do
oleiro, assim sois vós na minha mão, ó casa de
Israel” (Jeremias 18:1-6)
Em diversas ocasiões e de diversas maneiras,
agradou a Deus falar aos nossos pais pelos
profetas, antes de falar a nós nestes últimos dias
por Seu Filho. Para Elias, Ele se revelou através
de uma voz tranquila. Para Jacó, por um sonho.
Com Moisés, falou face a face. Em alguns
momentos Ele se agradou de enviar um profeta
escolhido em alguma tarefa especial; e enquanto
ele era assim usado, este profeta era agraciado por
Deus com uma mensagem particular, a qual era
ordenado a anunciar a todos os habitantes da terra.
Um exemplo muito instrutivo deste tipo de
mensagem nós temos registrado nesta passagem
que acabamos de ler para vocês. O primeiro
versículo nos informa que foi uma palavra, ou
3. 3
mensagem, que veio imediatamente do Senhor
para o profeta Jeremias. Mas não somos
informados em que momento, ou como o profeta
foi direcionado quando ela veio. Talvez, enquanto
ele estava intercedendo por aqueles que não
orariam por si mesmos. Talvez, ao amanhecer,
quando o profeta ainda estava dormindo ou
meditando em sua cama.
Mas o que interessa é que a palavra veio a ele,
dizendo: “Levanta-te”. E o que ele deveria fazer
ao se levantar? Ele tinha “que descer à casa do
oleiro” (e o profeta sabia onde encontrá-lo) “lá”
[diz o grande Yahwéh] “te farei ouvir as minhas
palavras”. Jeremias não consulta carne e sangue,
ele não se opõe dizendo que estava escuro ou frio,
ou deseja que possa receber a mensagem ali
mesmo, mas sem a menor hesitação
imediatamente é obediente à visão celestial. “E
[disse Jeremias] desci à casa do oleiro, e eis que
ele estava fazendo a sua obra sobre as rodas”.
Assim que ele estava entrando na casa ou na
oficina, o oleiro, ao que parece, tinha um vaso em
sua roda. E havia algo tão extraordinário nisso,
que deveria ser introduzido com a palavra “Eis”?
Que sonhador visionário ou entusiasta
supersticioso Jeremias seria considerado mesmo
por muitos que liam suas profecias com aparente
respeito, ele estaria vivo agora? Mas esta não foi
a primeira vez que Jeremias ouviu a Deus desde o
4. 4
Céu desta maneira. Ele prontamente obedeceu; e
se eu e você tivéssemos o acompanhado até a casa
do oleiro, creio que o veríamos em silêncio e
aguardando intensamente o seu Grande e Sábio
Comandante para saber por que o enviou ali.
Parece-me que o vejo com total atenção. Ele notou
que o vaso era de “barro”, e aconteceu que quando
o oleiro o segurou entre as mãos e girou a roda, a
fim de trabalhá-lo de alguma forma particular,
“quebrou-se na mão do oleiro”, e
consequentemente ficou impróprio para o uso
intencionado. E o que faz ele então com o vaso
estragado? Estando o vaso tão desfigurado,
suponho que o oleiro, sem a menor injustiça,
poderia tê-lo jogado de lado e ter tomado outra
quantidade de argila em seu depósito, ele não fez
isso, mas, “tornou a fazer dele outro vaso”. E por
acaso o oleiro pede conselho aos seus domésticos
e lhe pergunta que tipo de vaso eles o aconselham
a fazer? Não, de forma alguma. Ele fez um vaso
novo “conforme o que pareceu bem aos olhos do
oleiro fazer”.
“Então”, acrescenta Jeremias, enquanto estava no
caminho do dever, estava mentalmente
suplicando, Senhor, o que Senhor quer que eu
faça? “Então veio a mim a palavra do Senhor,
dizendo: Não poderei eu fazer de vós como fez
este oleiro, ó casa de Israel? diz o Senhor. Eis que,
como o barro na mão do oleiro [deformado,
5. 5
estragado e impróprio para o primeiro propósito
designado], assim sois vós na minha mão, ó casa
de Israel”. Finalmente, Deus dá a Jeremias o seu
sermão: curto, mas pungente, o qual deveria ser
anunciado a toda a casa de Israel, aos príncipes,
aos sacerdotes e ao povo: curto, mas pungente,
ainda mais afiado do que uma espada de dois
gumes.
“O quê?”, diz o soberano Senhor do Céu e da
Terra, “me seria negado o privilégio de um oleiro
comum? Não posso fazer o que Eu quero com que
é Meu? Eis que o barro está nas mãos do oleiro,
assim vós estais nas minhas mãos, ó casa de Israel.
Eu vos criei e formei em povo, e vos abençoei
acima de qualquer outra nação debaixo do céu;
assim como o oleiro poderia simplesmente ter
jogado de lado o seu vaso de barro estragado,
assim também Eu poderia ter lhe deserdado da
assembleia e lhe feito deixar de ser povo. Mas, o
que Eu poderia fazer se Eu passasse sobre as
montanhas de sua culpa, curasse suas feridas,
reavivasse a minha obra neste tempo e lhe desse
um fim grande e maravilhoso? Eis, que o barro
está nas mãos do oleiro, e está à sua disposição,
ou para ser destruído ou para ser transformado em
outro vaso, assim vós estais em minhas mãos, ó
casa de Israel: Posso tanto rejeitar-lhe e, assim,
lhes arruinar ou revisitar e revivificar-lhes de
6. 6
acordo com a minha soberana vontade e prazer, e
quem pode me dizer: Que fazes?”
Esta parece ser a interpretação genuína e a
intenção primária dessa bela porção da Escritura
Sagrada. Mas considerando todos os
questionamentos sobre o seu propósito principal
ou significado, vou agora mostrar que aquilo que
o glorioso Yahweh diz aqui em geral para a casa
de Israel é aplicável a cada indivíduo da
humanidade em particular. E como eu presumo
que isso pode ser feito sem torcer a Escritura, por
um lado, ou forçar o seu significado original por
outro. E para não me deter por mais tempo,
deduzirei e me esforçarei para explicar da
passagem assim explicada e parafraseada, estes
dois tópicos gerais.
EM PRIMEIRO LUGAR, provarei que todo
homem que nasceu naturalmente da descendência
de Adão, é à vista dAquele que tudo vê e que
perscruta os corações, apenas como um “caco de
barro arruinado”.
EM SEGUNDO LUGAR, que, sendo assim, o
homem natural necessariamente deve ser
regenerado; e sob essa linha de raciocínio também
indicaremos por que agência essa poderosa
mudança deve ser feita.
7. 7
Essas particularidades serão discutidas de maneira
que serão naturalmente levadas a uma breve
palavra de aplicação.
I. Buscarei provar que todo homem que nasceu
naturalmente da descendência de Adão, é à vista
dAquele que tudo vê e que perscruta os corações,
apenas como um “caco de barro arruinado”.
Agradem-se em observar que cada homem
NATURALMENTE nascido na descendência de
Adão, ou todo homem desde a Queda; pois se
considerarmos o homem como ele primeiro saiu
das mãos de seu Criador, ele estava longe de estar
em tal melancólica circunstância. Não, o homem
era originalmente exaltado; ou como Moisés,
aquele escritor sagrado, declara: “E criou Deus o
homem à sua imagem” [Gênesis 1:27a].
Certamente nunca tanto foi expresso em tão
poucas palavras; que muitas vezes me faz ficar
impressionado como esse grande crítico Longino,
que tão justamente admira a dignidade e a
grandeza do relato de Moisés sobre a criação, e “E
disse Deus: Haja luz; e houve luz” [Gênesis 1:3].
Eu me pergunto porque ele não leu um pouco mais
e concedeu apenas uma aclamação desta curta,
porém inexplicavelmente nobre e abrangente
descrição da formação do homem: “criou Deus o
homem à sua imagem”. Com um profundo senso
dessa bondade maravilhosa, e sabendo que ele
8. 8
poderia gravar o mesmo em um sentido mais
profundo em nossas mentes, ele imediatamente
acrescenta: “à imagem de Deus o criou” [Gênesis
1:27b]. O conselho adorável da Trindade foi
aludido nesta importante ocasião: Deus não disse:
Haja um homem, e houve um homem, mas Deus
disse: “Façamos o homem à nossa imagem,
conforme a nossa semelhança” [Gênesis 1:26].
Esse é o relato que os vivos oráculos de Deus nos
dão do homem em seu primeiro estado; mas é
muito notável a transição do relato de sua criação
para o de sua miséria, o qual é muito rápido, e por
quê? Por uma razão muito simples, porque ele
logo caiu de sua dignidade primitiva; e por essa
Queda a imagem divina foi tão desfigurada, que
agora deve ser valorizada apenas como algo
antigo, como o valor de uma medalha antiga,
apenas por causa da imagem e da inscrição uma
vez impressa sobre ela; ou deve ser valorizada por
causa de uma segunda impressão divina, que, pela
graça, ainda pode receber.
Examinemos o homem e vejamos se essas coisas
são assim ou não. Em primeiro lugar, quanto ao
seu ENTENDIMENTO. Como o homem foi
originalmente criado “segundo Deus no
conhecimento”, bem como em verdadeira
santidade e justiça, podemos deduzir
racionalmente que seu entendimento quanto às
coisas naturais e divinas possuía uma extensão
9. 9
prodigiosa: já que o homem foi feito um pouco
menor do que os anjos, e consequentemente sendo
como eles, excelente em seu entendimento, ele
sabia muito de Deus, de si mesmo e tudo ao seu
respeito; e nisso, assim como em todos os outros
aspectos, era, como o Sr. Golter expressa em um
de seus ensaios: “um supervisor perfeito”; mas
esse está longe de ser nosso assunto agora. Pois,
em relação às COISAS NATURAIS, nossos
entendimentos estão evidentemente escurecidos.
É muito pouco o que podemos saber, e mesmo
esse pequeno conhecimento que podemos adquirir
é com muito cansaço da carne, e estamos
condenados a ganhá-lo como fazemos com o
nosso pão de cada dia, ou seja, com o suor do
nosso rosto.
Os homens de mentes medíocres e estreitas logo
se consideram sábios em seus próprios conceitos:
e tendo adquirido um pouco de conhecimento das
línguas conhecidas e tendo alguma pequena
proficiência nas ciências exatas, são facilmente
tentados a olhar para si mesmos como tendo
inteligência privilegiada quando comparados aos
seus companheiros mortais, e, em consequência
disso, muitas vezes são cheios de palavras de
vaidade. Mas as pessoas que possuem mais
elevado e extenso alcance de pensamento não se
atrevem a se gabar. Não, os tais sabem que os
maiores estudiosos estão como que no escuro, até
10. 10
mesmo em relação às menores coisas da vida: e
depois de todas as suas pesquisas dolorosas sobre
as coisas da natureza, eles encontram um vazio
imenso, uma extensão imensurável ainda a ser
explorada, que eles são obrigados a concluir
finalmente, quase com respeito a tudo: “que eles
ainda não sabem nada como convêm saber” [Cf. 1
Coríntios 8:2]. E sem dúvida, essa consideração
levou Sócrates, quando foi perguntado por um de
seus eruditos por que o oráculo lhe declarou o
homem mais sábio na terra, a dar esta resposta
judiciosa: “Talvez seja, porque eu sou o mais
sensível à minha própria ignorância”. Quisera
Deus que todos os que se chamam Cristãos
tivessem aprendido tanto quanto esse pagão!
Então, não ouviríamos mais tantos homens
eruditos, falsamente assim chamados,
demonstrarem sua ignorância, vangloriando-se da
vastidão de seu entendimento superficial, nem se
dizendo tão sábios, provando serem apenas tolos
pedantes.
Se avaliarmos os nossos entendimentos com
relação às coisas espirituais, veremos que eles não
são apenas obscurecidos, mas se tornam as
próprias trevas: “trevas que se apalpem” [Cf.
Êxodo 10:21]. Isso pode ser visto por todos que
não são insensíveis. E como poderia ser de outro
modo, uma vez que a Palavra infalível de Deus
nos assegura que estamos alienados da luz da vida
11. 11
de Deus e, portanto, naturalmente incapazes de
julgar as coisas divinas e as espirituais.
Comparativamente falando, como um cego de
nascença é incapacitado de distinguir as várias
cores do arco-íris. “O homem natural [diz o
apóstolo inspirado] não compreende as coisas do
Espírito de Deus”, elas estão tão além de sua
compreensão que “lhe parecem loucura”, e por
quê? Porque elas “se discernem espiritualmente”
[1 Coríntios 2:14]. Por isso Nicodemos, que foi
abençoado com uma revelação externa e divina, o
qual era um legislador dos judeus e um mestre em
Israel, quando nosso Senhor lhe disse que
“necessário lhe era nascer de novo”, parecia estar
bastante confuso. “Como pode um homem nascer,
sendo velho? Pode, porventura, tornar a entrar no
ventre de sua mãe, e nascer? Como poderia isto
acontecer?” [Cf. João 3:4]. Estas foram as três
perguntas mais absurdas já propostas pelo mais
ignorante dos homens? Ou pode haver uma prova
mais clara da cegueira do entendimento humano,
em relação às coisas divinas assim como das
coisas naturais? Logo, o homem não é um caco de
barro arruinado?
Isso nos parecerá ainda mais evidente, se
considerarmos a PERVERSA INCLINAÇÃO DE
SUA VONTADE. Sendo feitos a própria imagem
de Deus; sem dúvida, antes da Queda, o homem
não tinha outra vontade senão a do seu Criador. A
12. 12
vontade de Deus e a de Adão eram como
uníssonos em uma música. Não havia a menor
separação ou discórdia entre eles. Mas agora o
homem tem uma vontade diretamente contrária à
vontade de Deus, como a luz é contrária as trevas
e o Céu é contrário ao Inferno. Todos entraram no
mundo com uma mente carnal, que não é apenas
inimiga de Deus, mas é a “inimizade em si
mesma, e que, portanto, não se sujeita à lei de
Deus, nem poderia ser de outro modo” [Cf.
Romanos 8:7].
Muitos se mostram zelosos em falar contra o
homem do pecado, e em voz alta (e, de fato, muito
justamente) clamam contra o Papa por sentar-se
no templo, quero dizer na igreja de Cristo e “se
levantar contra tudo o que se chama Deus” [2
Tessalonicenses 2:4]. Mas não digas dentro de ti
mesmo que irá até Roma para derrubar esse
anticristo espiritual. Como se não houvesse um
anticristo dentro de nós. Pois saiba, ó homem, seja
quem você for, existe um anticristo infinitamente
mais perigoso, porque menos discernido, que é a
SUA PRÓPRIA VONTADE, que se acomoda
diariamente no templo do seu coração, exaltando-
se acima de tudo o que se chama Deus e obrigando
todos os seus devotos a dizerem do próprio Cristo,
o príncipe da paz: “Não queremos que este reine
sobre nós” [Lucas 19:14]. O povo de Deus, cujos
sentidos espirituais são exercitados nas coisas
13. 13
espirituais e cujos olhos são abertos para ver as
abominações que estão em seus corações,
frequentemente sentem isso com muita tristeza.
Quer queiram ou não, essa inimizade de vez em
quando insurge dentro deles, e apesar de toda a
sua vigilância e cuidado, quando estão sob a
pressão de alguma aflição dolorosa, de uma longa
solidão ou de uma noite de tentação tediosa,
muitas vezes encontram algo crescendo no seu
peito como uma rebelião contra as disposições
sábias da divina providência, e dizendo a Deus o
seu Pai celestial: “Que fazes?”. Isso os faz chorar
(e não é de se admirar, que venha a constranger
um dos maiores santos e apóstolos que foi o
primeiro a introduzir a expressão: “Miserável
homem que eu sou! quem me livrará do corpo
desta morte?” [Romanos 7:24]). A alma espiritual
e regenerada geme assim ao estar sobrecarregada;
mas quanto ao homem natural e não desperto, não
é assim com ele; a sua vontade própria, assim
como todos os outros males, de uma forma latente
e discernível, reina em sua alma não regenerada;
provando a ele e demonstrando aos outros — quer
ele saiba ou não, quer ele confesse ou não— que
em relação às falhas de sua vontade assim como
de seu entendimento, o homem é apenas um caco
de barro arruinado.
Uma observação breve das AFEIÇÕES do
homem caído confirmará ainda mais firmemente
14. 14
esta triste verdade. No paraíso de Deus, as
afeições sempre foram mantidas dentro de limites
próprios, fixadas em seus próprios objetivos e,
como rios suaves, doces, espontâneas e
habitualmente corriam em direção ao oceano, que
é Deus. Mas agora a cena está diferente. Pois
somos naturalmente cheios de afeições vis, que,
como uma torrente poderosa e impetuosa,
carregam tudo diante de si. Nós amamos o que
deveríamos odiar, e odiamos o que deveríamos
amar; tememos o que devemos esperar e
esperamos o que devemos temer; nossas afeições
chegam a tal altura ingovernável, que embora
nossos julgamentos sejam convencidos do
contrário, ainda assim satisfaremos nossas
paixões embora seja à custa de nosso bem-estar
presente e eterno. Sentimos uma guerra de nossas
afeições, lutando contra a lei de nossas mentes, e
nos trazemos cativos à lei do pecado e da morte.
Assim, “video meliora proboque,
deteriora foquor”, é muitas vezes a prática de
todos nós.
Sinto que muitos se ofendem quando a
humanidade é comparada a bestas e a demônios.
E eles poderiam ter alguma sombra de razão por
pensar assim, se afirmássemos em um sentido
físico, que eles eram realmente bestas e eram
demônios. Pois, como ouvi certa vez um prelado
muito instruído, que se opunha a essa
15. 15
comparação, observar: “um homem sendo uma
besta seria incapaz, e sendo um demônio, estaria
sob a impossibilidade de ser salvo”. Mas quando
fazemos uso de tais comparações chocantes, como
ele se agradou de chamá-las, queremos afirmar
isso apenas em um sentido moral; e, ao fazê-lo,
afirmamos não mais do que alguns dos mais
santos homens de Deus disseram de si mesmos, e
outros, nos oráculos vivos há muitos séculos. O
santo Asafe, o salmista, falando sobre si mesmo,
diz: “Assim me embruteci, e nada sabia; fiquei
como um animal perante ti” [Salmos 73:22]. O
santo Jó, falando do homem em geral, diz que “o
homem nasce como a cria do jumento montês” [Jó
11:12]. E assim diz o nosso Senhor: “Vós tendes
por pai ao diabo” [João 8:44], e também é dito
houve um tempo em que todos “andaram segundo
o curso deste mundo, segundo o príncipe das
potestades do ar, do espírito que agora opera nos
filhos da desobediência” [Cf. Efésios 2:2], isto é,
em todas as almas não regeneradas. A nossa
estupidez e prontidão para fixar as nossas afeições
nas coisas terrenas, e a nossa ânsia de fazer
provisão para a carne, para cumprir as suas
concupiscências, evidenciam que somos terrenos
e embrutecidos; e nossas paixões mentais: raiva,
ódio, malícia, inveja e coisas semelhantes,
provam com igual força que somos também
diabólicos. Ambos juntos conspiram para
demonstrar que, no que diz respeito às suas
16. 16
afeições, bem quanto ao seu entendimento e sua
vontade, o homem merecidamente pode ser
chamado de um caco de barro arruinado.
A atual CEGUEIRA DA CONSCIÊNCIA
NATURAL faz com que isso seja mostrado em
uma luz ainda mais evidente. Na alma do primeiro
homem Adão, a consciência era sem dúvida
iluminada pelo Senhor e lhe permitia discernir de
forma justa e instantânea entre o bem e o mal, o
certo e o errado. E, bendito seja Deus, alguns
resquícios de discernimento ainda foram
deixados; mas infelizmente, quão pequena é sua
chama, e quão fácil e rapidamente é coberta,
apagada e extinguida. Eu não preciso lhes enviar
para o mundo pagão para que aprenda a verdade
disso; todos o sabem por experiência própria. Não
há outra evidência necessária, já que as suas
próprias consciências são melhores do que mil
testemunhas, que o homem, no que diz respeito à
sua consciência natural assim como ao seu
entendimento, sua vontade e suas afeições é como
barro arruinado.
Nem aquela grande e vangloriada Diana, ou seja,
a RAZÃO NÃO AJUDADA E NÃO
ILUMINADA pela graça, demonstra menos a
justiça de tal afirmação. Longe de mim que
censure ou brade contra a razão humana. O
próprio Cristo é chamado de “LOGOS, a Razão”,
17. 17
e creio que não exigiria muito aprendizado ou
seria necessário muito tempo para provar que se
até agora agimos de acordo com as leis de Cristo
Jesus, estamos nós conformado às leis da razão
correta. Seu trabalho é, portanto, chamado de
“culto racional” [Romanos 12:1]. E, ainda assim,
os Seus servos e seguidores podem agora ser
considerados como tolos e loucos; contudo,
chegará um tempo em que aqueles que desprezam
e se opõem à revelação divina descobrirão que
aquilo que agora chamam de razão é apenas
RAZÃO DEPRAVADA e absolutamente incapaz
de nos guiar ao caminho da paz, ou mostrar o
caminho da salvação, como os homens de Sodoma
estavam diante da porta de Ló quando foram
atingidos com cegueira pelos anjos, que vieram
para levar Ló para fora da cidade. Os erros
horríveis e terríveis que os pensadores mais
refinados do mundo pagão encontraram tanto no
objeto como no modo de adoração divina
demonstraram suficientemente a fraqueza e a
depravação da razão humana. As melhores provas
da grandeza e da força deles, já que o maior ganho
que geralmente fazem da razão é apenas
raciocinar em infidelidade puramente voluntária,
e assim se colocam racionalmente fora da
salvação eterna. Precisamos agora de mais alguma
testemunha, de que o homem caído é apenas um
caco de barro arruinado?
18. 18
Mas isso não é tudo, ainda temos mais evidências
a serem mostradas; porque a cegueira dos nossos
entendimentos, a perversidade da nossa vontade,
a rebelião das nossas afeições, a corrupção das
nossas consciências e a depravação da nossa razão
provam esta acusação; e além disso, a
ESTRUTURA DESORDENADA E A
CONSTITUIÇÃO DE NOSSOS CORPOS
também não confirmam o mesmo? Sem dúvida a
este respeito, o homem, no sentido mais literal da
palavra, é um caco de barro arruinado. Porque
Deus originalmente o fez do “pó da terra”. De
modo que, apesar de nos vangloriarmos de nossas
nobres descendências, todos nós estamos
originalmente no nível de uma pequena porção de
terra que é a substância comum a partir da qual
todos nós fomos formados. Realmente era barro,
mas barro maravilhosamente modificado, pelo
toque imediato das mãos do Criador do Céu e da
Terra.
Observa-se, portanto, que como se diz: “E criou
Deus o homem à sua imagem”; não o formou de
modo imprudente ou precipitado, mas o fez
segundo o plano estabelecido em Sua mente
eterna. Como o grande Deus é sem corpo, partes
ou paixões, não podemos supor quando se diz “à
imagem de Deus o criou”, que isso tem qualquer
referência a seu corpo, contudo eu não posso
deixar de pensar (junto com o doutor South) que,
19. 19
assim como o eterno Logos apareceria como Deus
manifestado em carne, assim também a sabedoria
infinita foi indubitavelmente exercida na
formação de um tabernáculo [corpo humano] em
que uma pérola tão inestimável deveria ser
depositada na plenitude do tempo.
É dito que alguns dos antigos afirmaram que o
homem antes da Queda tinha o que chamamos
brilho de glória que o rodeava; mas sem tentarmos
ser sábios acima do que está escrito, podemos
ousar afirmar que ele tinha um corpo glorioso, que
sem conhecer o pecado, não conhecia a doença
nem a dor. Mas agora pode ser justamente
chamado Icabode; pois a sua força primitiva e sua
glória se afastaram tristemente dele e, como as
ruínas de algum tecido antigo e majestoso, apenas
dá agora alguma ideia muito pálida do que era
quando apareceu pela primeira vez em sua beleza
original e perfeita. Assim, o apóstolo Paulo que
sabia chamar as coisas por seus nomes próprios,
melhor do que qualquer homem vivo, não tem
receio de chamar o corpo humano, embora em sua
constituição original feito tão assombrosa e
maravilhosamente, de um “corpo vil” [Cf.
Filipenses 3:21, KJV], visto que que está sujeito a
tais doenças vis, a tais usos vis (sim demasiado
vis) e a ter um fim tão vil. “Pois somos pó e ao pó
tornaremos”. Por isso, entre outras considerações,
podemos bem supor, o que levou o bendito
20. 20
Salvador Jesus a chorar perante o túmulo de
Lázaro. Ele chorou, não só porque seu amigo
Lázaro estava morto, mas chorou por ver a
natureza humana, que por suas próprias falhas foi
assim arruinada; por estar sujeita a tal dissolução,
assim como os animais que perecem.
Vamos fazer uma pequena pausa, e com nosso
Senhor que tem simpatia por nós, vejamos se não
podemos derramar pelo menos algumas lágrimas
pela mesma triste ocasião. Quem, entre nós, que,
diante dessa melancólica análise da depravação
atual, que é real e muito deplorável, tanto no corpo
como na alma, pode se abster de chorar por este
caco de barro arruinado? Quem pode ajudar a se
unir à lamentação do santo Davi sobre Saul e
Jônatas? “Como caíram os poderosos, no meio da
peleja! Jônatas nos teus altos foi morto” [2 Samuel
1:25]. Originalmente não era assim. Não, “E criou
Deus o homem à sua imagem à imagem de Deus
o criou”. Nunca tanto foi declarado em tão poucas
palavras. O homem foi criado segundo Deus em
justiça e verdadeira santidade.
Essa é a afirmação que o Livro Sagrado nos dá
sobre esse assunto. Esse é aquele Livro
abençoado, aquele Livro dos livros, de onde,
juntamente com um apelo à experiência de nossos
próprios corações e testemunhos de todas as eras
passadas, achamos apropriado buscar as provas do
21. 21
que dizemos. Pois, afinal, devemos nos apegar à
revelação divina a fim de sabermos o que éramos,
o que somos e o que devemos ser. Nas Escrituras
Sagradas, como em um verdadeiro espelho,
podemos ver nossa própria e verdadeira
aparência. E só a partir disso podemos traçar a
origem e a fonte de todos esses males
inumeráveis, que, como um dilúvio, transbordam
no mundo natural e moral. Se alguém se opuser à
autenticidade dessa revelação e,
consequentemente ser contra a doutrina extraída
daí, tal pessoa, na minha opinião, somente a
confirma ainda mais. Pois, a menos que um
homem estivesse realmente muito desorientado
no que concerne ao seu entendimento, à sua
vontade, às suas afeições, à sua consciência
natural e ao seu poder de raciocínio, jamais
poderia negar tal revelação, que se baseia em uma
multiplicidade de evidências externas infalíveis e
em muitas evidências internas com o selo divino
em cada página que são tão adequadas às
exigências comuns de toda a humanidade, que é
apropriada à experiência de todos os homens e que
foram tão maravilhosamente preservadas e
anunciadas a nós, que tem sido tão instrumental
para o convencimento, conversão e consolação de
tantos milhões de almas e que resistiu ao teste dos
escrutínios mais severos e críticas dos inimigos
mais sutis e refinados, bem como aos mais
22. 22
maliciosos inimigos e perseguidores que já
viveram, desde o início do tempo até hoje.
Penso que as pessoas de tal inclinação de espírito
devam ser levadas a Deus em oração, invés de
gastarmos tempo em debates com elas, só assim,
essa perversa maldade de seus corações poderá
lhes ser perdoada: “Eles estão em fel de amargura
e devem ter suas consciências cauterizadas” [Cf.
Atos 8:23; 1 Timóteo 4:2], e eles têm seus olhos
“cegos pelo deus deste mundo” [2 Coríntios 4:4],
senão não poderiam deixar de ver, sentir e
concordar com a verdade dessa doutrina de que
todos os homens são totalmente depravados; que
não só em uma ou duas, mas em uma ou duas mil
vezes, em cada página, eu poderia afirmar, está
escrito, em caracteres legíveis, que até aquele que
corre poderia ler. Na verdade, a própria revelação
em si é fundamentada sobre a doutrina da Queda.
Se mantivéssemos nossa integridade original, a lei
de Deus teria sido escrita em nossos corações, e
assim a necessidade de uma revelação divina, pelo
menos tal como a que temos, nunca teria existido;
mas, em vez de nos rebelarmos contra Deus,
devemos estar cheios de inefável gratidão a nosso
Criador generoso, que por algumas linhas em seu
próprio livro nos revelou mais do que todos os
filósofos e homens mais instruídos poderiam, ou
teriam descoberto, mesmo que estudassem por
toda a eternidade.
23. 23
Estou bem ciente de que alguns que fingem
possuir a eficácia da revelação divina são, não
obstante, inimigos da doutrina que agora está
sendo pregada, e se esquivarão da força das
provas geralmente usadas para defendê-la,
dizendo, que essas falam somente da corrupção de
pessoas particulares ou que se referem apenas ao
mundo pagão. Mas essas pessoas erram, não
conhecendo seus próprios corações, nem o poder
de Jesus Cristo, pois por natureza não há diferença
entre judeus ou gentios, gregos ou bárbaros,
escravos ou livres. Somos igualmente
abomináveis aos olhos de Deus, todos igualmente
destituídos da glória de Deus e,
consequentemente, somos todos igualmente cacos
de barro arruinados.
Como Deus permitiu a Queda do homem? Por
quanto tempo o homem viveu no Paraíso antes de
cair? E como a corrupção contraída pela Queda, é
propagada a cada indivíduo de sua espécie, são
questões de tal natureza ocultas e críticas, que se
eu me comprometo a respondê-las, seria apenas
para gratificação de uma curiosidade pecaminosa,
e para tentar você, como Satanás tentou os nossos
primeiros pais, a comer o fruto proibido. Será
muito mais apropriado para o propósito deste
atual discurso, que é muito prático, passar a
considerar a próxima proposição.
24. 24
II. Nesta proposição devo demonstrar para você a
absoluta necessidade desta natureza caída de ser
regenerada.
Eu tive essa necessidade o tempo todo diante de
meus olhos, e por conta disso, tenho
propositadamente sido tão explícito na primeira
parte. Pois Arquimedes certa vez disse: “Dê-me
um ponto fixo de apoio e eu moverei o mundo”,
sem a menor imputação de arrogância, com a qual,
talvez, ele fosse justamente responsável, podemos
nos aventurar a dizer: se admitirmos que a
doutrina anterior seja verdadeira, então, depois
disso, ninguém pode negar a necessidade de o
homem ser regenerado.
Suponho que posso dar por certo que todos vocês,
entre os quais agora prego o Reino de Deus,
esperam depois da morte ir a um lugar que
chamamos Céu. É o desejo de meu coração e a
minha oração a Deus por vocês, é que todos vocês
possam ter habitações preparadas para você lá.
Mas deixe-me dizer-lhes, se vocês agora podem
ver os Céus abertos, e o anjo, com um pé sobre a
terra, e outro sobre o mar; se você visse e ouvisse
o Anjo da Aliança Eterna, o próprio Jesus Cristo,
proclamando “o tempo não mais existe”, e dando
a todos um convite imediato para vir ao Céu; o
Céu não seria um paraíso para vocês, mas sim um
inferno para as suas almas, a menos que, enquanto
25. 25
estão aqui na Terra tenham sido preparados
adequadamente para poderem desfrutar dele. Pois
“que comunhão tem a luz com as trevas?” [2
Coríntios 6:14]. Ou que comunhão poderiam os
filhos não regenerados de Belial com o puro e
imaculado Jesus?
As pessoas em geral formam ideias estranhas
acerca do Céu. E porque as Escrituras, em
condescendência com a fraqueza de nossas
capacidades, descrevem o Céu por imagens
tiradas de deleites terrenos e de grandeza humana,
portanto elas são propensas a levar seus
pensamentos não mais alto e, na melhor das
hipóteses, apenas formar para si uma espécie de
paraíso maometano. Permitam-me, porém, que
vos diga, e que Deus permita que isso penetre
profundamente em vossos corações! O Céu é mais
um estado do que um lugar; e consequentemente,
a menos que você esteja predisposto por um
estado de espírito adequado, você não seria feliz
nem mesmo no próprio Céu. Pois o que é graça,
senão glória militante? O que é a glória, senão a
graça triunfante? Esta consideração fez um autor
piedoso dizer, que “a santidade, a felicidade e o
Céu, eram apenas três palavras diferentes para
uma e a mesma coisa”. E isso fez com que o
grande Preston, quando estava prestes a morrer, se
voltasse para seus amigos, dizendo: “Estou
mudando de lugar, mas não de minha
26. 26
companhia”. Conversara com Deus e com os
homens de bem na terra; ele iria manter a mesma
e infinitamente mais refinada comunhão com
Deus, seus santos anjos e os espíritos dos justos
aperfeiçoados, no Céu.
Para nos fazer participantes felizes de tal
companhia celestial, este “barro arruinado”, isto é,
esta nossa natureza depravada, necessariamente
sofrerá uma mudança moral universal; nossos
entendimentos devem ser iluminados; nossas
vontades, razão e a consciência devem ser
regeneradas; nossas afeições devem ser atraídas e
fixadas nas coisas do alto; e porque a carne e o
sangue não podem herdar o reino dos céus, o que
é corruptível deve revestir-se de
incorruptibilidade, o que é mortal deve vestir-se
da imortalidade. E assim as coisas velhas devem
literalmente passar, e todas as coisas, tanto o
corpo como as faculdades da alma devem se
tornar novos.
Essa mudança moral é o que alguns chamam de
arrependimento, de conversão, de regeneração;
escolha o nome que quiser, eu só peço a Deus,
para que todos possamos ter essa experiência. As
Escrituras chamam de santidade, de santificação,
de ser uma nova criatura. E nosso Senhor a chama
de “Novo nascimento, nascer de novo ou nascido
de cima”. Estas não são apenas expressões
27. 27
figurativas ou delírios da linguagem oriental, nem
apenas denotam uma mudança relativa de estado
conferida a todos aqueles que são admitidos na
igreja de Cristo pelo batismo; mas denotam uma
mudança real, moral de coração e de vida, uma
participação real da vida de Deus na alma do
homem. Alguns, de fato, se contentam com uma
interpretação figurativa; mas a menos que tenham
experimentado o poder e a eficácia da vida de
Deus na alma do homem, por uma experiência
viva em suas próprias almas, todo seu aprendizado
e toda sua crítica trabalhada não os eximirá de
uma condenação real. Cristo o disse e Ele o
cumprirá: “aquele” — erudito ou ignorante, alto
ou baixo, embora seja um mestre de Israel como
Nicodemos — “que não nascer de novo, não pode
ver o reino de Deus” [João 3:3].
Se for questionado, quem é o oleiro? E por que
ação esse barro estragado deve ser transformado
em outro vaso? Ou, em outras palavras, se for
perguntado, como essa grande e poderosa
mudança deve ser efetuada? Eu respondo, não por
mera força nem através de persuasão moral. Estas
coisas são boas quando colocadas em seu devido
lugar. E estou tão longe de pensar que os
pregadores Cristãos não devem fazer uso de
argumentos e motivos racionais em seus sermões,
que eu não posso deixar de pensar que aqueles que
não podem ou não querem usá-los sejam
28. 28
capacitados para pregar. Temos o exemplo do
grande Deus o qual usa tal prática: “Vinde, pois, e
arrazoemos, diz o Senhor” [Isaías 1:18, ARA]. E
Paulo, o príncipe dos pregadores, “arrazoando
sobre a temperança, sobre justiça e sobre um juízo
vindouro” [Atos 24:25, KJV]. E é notável que
enquanto ele estava expondo essas coisas “Félix
ficou atemorizado”.
Tampouco as tendências mais persuasivas da
santa retórica são menos necessárias para um
escriba instruído no reino de Deus. As Escrituras
tanto do Antigo quanto do Novo Testamento, em
cada parte estão cheias delas. E quando esses
argumentos podem ser mais bem empregados e
usados do que quando estamos agindo como
embaixadores do Céu, e exortamos pobres
pecadores, como na presença de Cristo, para que
se reconciliem com Deus. Tudo isso nós
admitimos prontamente. Mas, ao mesmo tempo,
eu iria logo para o cemitério da igreja e tentaria
levantar os cadáveres dos mortos dizendo-lhes
“saiam”, se eu não esperar por algum poder
superior para fazer a Palavra eficaz para o fim
designado isto seria como pregar aos defuntos. Eu
seria como um latão que retine para qualquer
finalidade de salvação, ou como um címbalo soa.
Nenhuma mudança será feita pelo poder do nosso
livre-arbítrio. Este ídolo está em todo lugar, mas
não ousamos nos prostrar e adorá-lo. “Ninguém
29. 29
pode vir a mim [diz o Senhor Jesus Cristo], se o
Pai que me enviou o não trouxer” [João 6:44]. O
nosso livre-arbítrio, se melhorado, pode nos
restringir de cometer muitos males e nos colocar
no caminho da conversão; mas, depois de
exercermos os nossos maiores esforços (e estamos
obrigados a exercê-los), acharemos verdadeiras as
palavras de nosso próprio artigo da igreja, que “o
homem desde a Queda não tem poder para se
voltar para Deus”. Não, nós não poderíamos tentar
parar o refluxo e fluir da maré, e acalmar o mar
mais tempestuoso, assim como também não
podemos imaginar que nós podemos subjugar, ou
fazer submeter a regulamentos apropriados, as
nossas próprias vontades e afeições
indisciplinadas por qualquer força inerente em nós
mesmos.
E, portanto, para que eu não vos deixe mais em
suspenso, informo-vos que esse oleiro celestial,
esse agente abençoado, é o Espírito Todo-
Poderoso de Deus, o Espírito Santo, a Terceira
Pessoa da adorável Trindade, coessencial com o
Pai e o Filho. Esse é aquele Espírito, que no início
dos tempos se moveu na face das águas, quando a
natureza estava em um caos universal. Esse foi o
Espírito que cobriu com a Sua sombra a Maria,
antes que o Santo nascesse dela. E esse mesmo
Espírito deve vir e se mover sobre o caos de
nossas almas, antes que possamos ser
30. 30
adequadamente chamados filhos de Deus. Isto é o
que João Batista chama de “ser batizado com o
Espírito Santo”, sem o qual, os seus e todos os
outros batismos, sejam eles infantis ou adultos,
nada valem. Esse é o fogo que nosso Senhor veio
enviar aos nossos corações terrenos, e que eu rogo
ao Senhor de todos os senhores que acenda em
cada um dos não regenerados neste dia.
Quanto às operações extraordinárias do Espírito
Santo, tais como a operação de milagres, ou o
falar em diversas línguas, há muito que cessaram.
Mas quanto a esse milagre de milagres, de fazer
voltar-se a alma para Deus pelas operações mais
comuns do Espírito Santo, isso ainda permanece e
permanecerá até o fim dos tempos. Pois é Ele
quem nos santifica assim como também santifica
a todos os eleitos de Deus. Por isso, é dito que os
verdadeiros crentes “não nasceram do sangue,
nem da vontade da carne, nem da vontade do
homem, mas de Deus” [João 1:13]. A sua segunda
criação assim como sua primeira é
verdadeiramente e puramente divina. É, portanto,
chamado “uma criação”. O apostolo Paulo
escreve: “E vos revistais do novo homem, que
segundo Deus é criado”, e como? Assim como o
primeiro homem foi, “em verdadeira justiça e
santidade” [Efésios 4:24].
31. 31
Essas são as preciosas verdades que um mundo
zombador ridiculariza. Para produzir essa gloriosa
mudança, essa nova criação, foi preciso que o
glorioso Jesus deixasse o seio de Seu Pai. Por isso
Ele viveu uma vida de perseguição; por isso Ele
morreu uma morte ignominiosa e amaldiçoada;
para isso Ele ressuscitou; e por isso Ele se assenta
agora à direita de Seu Pai. Todos os preceitos de
Seu Evangelho, todas as Suas ordenanças, todas
as Suas providências, sejam de natureza aflitiva
ou próspera, todas as revelações divinas desde o
princípio até o fim, todos se centram nesses dois
pontos, para nos mostrar nossa Queda e para
começar, continuar e completar uma gloriosa e
abençoada mudança em nossas almas.
Esse é um fim apropriado da vinda de uma pessoa
tão divina: Livrar uma multidão de almas de todas
as nações, línguas e dialetos, de tantos males
morais, e reintegrá-los em uma condição
incomparavelmente mais excelente do que a de
onde caíram, é um fim digno para o derramamento
de sangue tão precioso. Que sistema de religião
existe agora, ou alguma vez foi exibido ao mundo,
que possa ser de qualquer forma comparado a
isso? Pode o esquema deísta pretender em
qualquer grau se assemelhar ao sacrifício de
Cristo? É por acaso nobre, racional e
verdadeiramente divino? Por que então todos os
que até agora são estranhos a esta restauração
32. 32
abençoada de suas naturezas caídas, (porque meu
coração está muito cheio para que eu me abstenha
de mais uma aplicação) por que você ainda quer
discutir ou se manter contra ela? Por que você não
quer trazer o seu barro para esse Oleiro celestial,
e dizer do mais profundo da sua alma: “Converte-
nos a ti, ó bom Senhor, e seremos convertidos”
[Cf. Lamentações 5:21]. Deus pode e irá fazer
isso; quem sabe, se neste mesmo dia, sim, nesta
mesma hora, o Oleiro celestial pode tomá-lo em
Suas mãos, e fazer de você um vaso de honra, apto
para uso do Redentor? Outros que estiveram tão
longe do reino de Deus como vocês estão, foram
participantes desta bem-aventurança.
Que criatura miserável era Maria Madalena? Dela
Jesus Cristo expulsou sete demônios. Mas foi a ela
que Ele apareceu primeiro, depois que ressuscitou
dos mortos, e ela se tornou como se fosse um
apóstolo para os próprios apóstolos. Quão
cobiçoso era Zaqueu? Ele era um publicano
trapaceiro; e ainda assim, talvez, em um quarto de
hora, seu coração foi transformado e ele se dispôs
a dar metade de seus bens para alimentar os
pobres. E para não mencionar mais, que pessoa
cruel era Paulo. Ele era um perseguidor, um
blasfemador, que promovia muitas injúrias contra
os Cristãos; ele respirava ameaças contra os
discípulos do Senhor, e fez muitos estragos à
igreja de Cristo. E, no entanto, que reviravolta
33. 33
maravilhosa ele encontrou, enquanto viajava para
Damasco? De perseguidor, ele se tornou
pregador; foi depois transformado em pai
espiritual para milhares, e agora provavelmente se
senta mais perto do Senhor Jesus Cristo na glória.
E por que tudo isso? Para que ele possa ser um
exemplo para aqueles que irão crer. Então creia e
arrependa-se; eu lhe suplico, creia no Evangelho.
Na verdade, é uma boa notícia, é uma notícia de
grande alegria. Você não terá mais nada a dizer
contra a doutrina do pecado original e nem
acusará tolamente o Todo-Poderoso por ter
permitido aos nossos primeiros pais comerem
uvas verdes, estragando assim os dentes de seus
filhos. Você não vai mais vociferar contra a
doutrina do novo nascimento, como entusiasta e
nem irá classificar os defensores de tais verdades
abençoadas com os nomes impróprios de tolos e
loucos. Depois de ter sentido, então você vai
acreditar; tendo crido, por isso falará; e em vez de
serem vasos para ira, e sendo entesourados cada
vez mais para o fogo do inferno, como vasos no
forno do Oleiro, vocês serão transformados em
vasos de honra, para serem apresentados no
grande dia pelo Senhor Jesus, ao Seu Pai celestial,
e serem transladados para viver com Ele como
monumentos da rica, livre, distintiva e soberana
graça de Deus, para todo o sempre.
34. 34
Vocês que, em certa medida, experimentaram a
influência vivificante (pois eu não devo concluir
sem deixar de transmitir uma ou duas palavras aos
filhos de Deus) vocês sabem compadecer-se e,
portanto, peço-lhes também que orem por aqueles
que por suas circunstâncias foi essa pregação
direcionada e peculiarmente adaptada. Mas você
vai se contentar em orar por eles? Vocês não verão
razões para orar por vocês mesmos também? Sim,
sem dúvida, para vocês também. Vocês sabem o
quanto ainda falta na vossa fé, e o quanto estão
longe daquele grau de da mente de Cristo que
vocês desejam alcançar. Vocês sabem quanto do
corpo de pecado e de morte carregam consigo, e
que necessariamente devem esperar muitas voltas
da providência e da graça de Deus, antes que
sejam totalmente libertados. Mas graças a Deus,
estamos em boas mãos, mãos seguras. Aquele que
foi o autor, também será o consumador de nossa
fé. Todavia, mais um pouco de tempo, e nós
poderemos dizer com Ele: “Está consumado”,
inclinaremos nossas cabeças e passaremos desta
para melhor.
Até então (pois a ti, ó Senhor, faremos agora nossa
oração) ajude-nos, ó Pai Todo-Poderoso, com
paciência para possuirmos nossas almas. Eis que
somos o barro, e Tu és o Oleiro. Que a coisa
formada não diga Àquele que a formou, quaisquer
que sejam as futuras dispensações de Tua vontade
35. 35
a nosso respeito: Por que nos tratas assim? Eis que
nos colocamos como vazios nas Tuas mãos, trata-
nos como parecer bem aos Teus olhos, apenas que
cada cruz, cada aflição e toda tentação sejam
anuladas pela Tua imagem abençoada sendo
formada em nossos corações; que assim de glória
em glória, pelas poderosas operações do Teu
bendito Espírito, possamos ser feitos cada vez
mais conformes e, finalmente, sermos
transladados para um pleno, perfeito, infinito e
ininterrupto prazer de glória no futuro, conTigo
Pai, Filho e Espírito bendito; três Pessoas, mas um
só Deus, sejam atribuídos, como é devido, toda
honra, toda força, todo poder, a majestade e o
domínio, agora e por toda a eternidade. Amém e
amém.