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O NÓ DA MOBILIDADE URBANA
Severino Soares Silva - Engenheiro Civil
“Deve-se considerar o transporte como a prioridade máxima da cidade, devido à sua poderosa
influência sobre o uso do solo, pois, a fluida mobilidade das pessoas e das mercadorias é essencial
para o crescimento, o bem-estar e a riqueza das sociedades urbanas de hoje; mas, a nossa
necessidade de nos movermos de um lugar a outro, nas cidades e nos complexos conurbanos (sic),
há superado seriamente a nossa capacidade de fazê-lo”. Philip Gillespie (Londres/1968).
I – SINOPSE
O conteúdo do texto O NÓ DA MOBILIDADE URBANA, na visão do autor e com base no
‘garimpo’ que fez, apresenta breve análise sobre a temática que se revela cada vez mais
complexa para se encontrar solução sistêmica em razão da forma como foi e continua sendo
tratada pelo poder público. Faz breve resgate histórico, desde o Império; recorda o modelo de
governança concebido; revela tendências futuras baseadas em projeções a partir de pesquisas,
depoimentos, bibliografias e entidades credenciadas. Enfim, tenta mostrar, que, ou agir-se
com rapidez, eficiência e eficácia, ou penalizar-se irreversivelmente a sociedade urbana.
II – CENÁRIO PASSADO
● Primeiras considerações
Antes de um diagnóstico-síntese sobre o status quo do cenário da mobilidade urbana em
médias e grandes cidades brasileiras, registra-se nesse texto uma retrospectiva breve sobre em
que contexto foi concebido pelo Estado brasileiro no passado o modelo de governança para
lidar com essa temática. Ou seja, que conteúdo, quais diretrizes, premissas, e resultados
obtidos, oriundos daquele modelo, possibilitando se fazer uma comparação com o ‘novo
modelo proposto’ a partir da CF/1988, e adendos complementares posteriores, vigente até os
dias de hoje.
Por outro lado, como essência do tema ora titulado, assume também relevância apresentar sem
qualquer pretexto – exceto o de recordar e bem informar - uma visão que se pode imaginar
para um cenário sobre a mobilidade urbana no Brasil, no médio e no longo prazo. Vale
afirmar ser importante regredir um pouco ao passado para ver como se sucedeu no País nas
últimas décadas a ‘evolução’ das políticas governamentais estabelecidas (1970/1976) para
essa temática urbana, porém, sucumbida 20 anos depois.
2
Na sequência, observar que, no presente, o cenário mostra que houve involução e não
evolução na tratativa do processo de planejamento dos transportes públicos como condição
sine qua non para o sucesso em implantações e operações de sistemas, cujos reflexos são
evidentes nas médias e grandes aglomerações urbanas.
Por derradeiro, tentou-se mergulhar no futuro, sem pretensão de fazer profecia, mas, à luz de
alguns dados históricos e registros estatísticos oficiais, mediante previsões realizadas por
estimação matemática. Veja-se, então. O governo brasileiro somente despertou no sentido de
esboçar um planejamento estratégico em nível nacional quando constatou a ocorrência, na
década de 1960, de pelo menos quatro fatores preponderantes, três de natureza
socioeconômica e um de caráter político para boa governança. A saber:
1) advento e consolidação da indústria automobilística (1950/1960);
2) aceleração do processo migratório em direção às cidades de médio e grande porte,
dada à atratividade de melhores oportunidades para estudo e emprego (1950/1970);
3) despreparo do país na infraestrutura em diversos setores (transportes, energia
elétrica, telecomunicações, habitação, etc.); e,
4) ausência de diretrizes nacionais sobre políticas urbanas e regionais.
Tal constatação, àquela época, identificou muitas dificuldades e problemas de grande monta
para equacionar soluções de forma sistêmica, valendo destacar, dentre outros, o vertiginoso
crescimento da frota de automóveis – com sinalização de conseqüências danosas daí advindas
–, a ocupação urbana ocorrendo de forma desordenada, e os impactos cada vez mais
acentuados sobre a infraestrutura viária urbana e rodoviária.
Somando-se a tudo isso, no ambiente macroeconômico no qual o país estava inserido, os
recursos financeiros se revelavam insuficientes para fazer frente às crescentes e aceleradas
demandas urbanas e regionais proporcionadas pelo processo migratório há 40/50 anos
passados. Aos problemas e às dificuldades deve-se ainda agregar com muita ênfase a
extraordinária carência de recursos humanos qualificados, praticamente inexistentes naqueles
setores, decorrentes da reduzidíssima oferta de universidades, sendo constatação, que,
sobremaneira, agravava bem mais o grau das dificuldades. O cenário, portanto, exigia grandes
desafios em todos os sentidos, tendo o Brasil mergulhado fundo na internação de recursos
financeiros externos em grandes proporções e despertado para a preparação de recursos
humanos em razoável escala voltados ao desenvolvimento.
3
● Resgate histórico
Não obstante as enormes carências caracterizando um cenário muito desfavorável, o mais
impressionante é que paradoxalmente o Brasil usufruía em alguns centros urbanos, de
prestígio e condição privilegiada no setor dos transportes urbanos. Assim, ainda por conta do
rescaldo de benefícios e da cultura imperial, o país contava com sistemas eletrificados em 63
cidades, tanto de bondes como de trólebus.
Releva, então, fazer um significativo parêntese - não apenas para deixar registrado, mas para
fazer um resgate que se deve à História -, que, nos tempos do Império, o Brasil possuía
Companhias que exploravam o transporte urbano por bondes à tração animal noutros países,
conforme os Decretos Imperiais a seguir relacionados: DI 4.990 (26/06/1872), concede à Cia.
Ferro-Carril de Montevidéu autorização para funcionar (companhia brasileira, que, mediante
o citado Decreto, instalava e movimentava bondes, na capital do Uruguai; DI 5.087
(18/09/1872), homologa à Cia. Carris de Ferro de Lisboa autorização para funcionar (outra
companhia brasileira que se propunha instalar serviços de bondes nas terras de além-mar).
Além destes, dois outros Decretos também homologaram a concessão para operação de
sistemas na mesma direção. O DI 5.130 (06/11/1872), concedeu à Cia. Brasileira de Carris de
Ferro de Bruxelas/Bélgica, autorização para funcionar e aprova estatutos (sede no Rio de
Janeiro); e, o DI 5.687 (08/07/1874), homologa à Cia. Brasileira de Tramways, em Paris,
autorização para funcionar. Esta companhia obteve privilégio para “construir, usar, e gozar de
linhas de trilhos por tração animal nas ruas e arrabaldes da cidade de Paris”1
.
Vê-se, então, ao contrário do que se possa imaginar, o quanto o Brasil já foi evoluído nesse
setor de atendimento aos deslocamentos da população no meio urbano, embora noutros
tempos bastante diferentes dos dias de hoje em termos de desenvolvimento, densidade
populacional e gigantesca evolução tecnológica.
As conseqüências do extraordinário e progressivo avanço em escala geométrica do automóvel
e sua aceitação cada vez maior pelas classes mais favorecidas da sociedade, decorreu de
competente estratégia de marketing difundida pela indústria automobilística. Acrescente-se a
isso, concomitantemente, os interesses incomensuráveis da indústria de caminhões (100% da
frota de ônibus utilizava chassis de caminhão) para também contribuir em acelerar e
1 - STIEL, Waldemar Correa - HISTÓRIA DO TRANSPORTE URBANO NO BRASIL - Editora PINI – 1984.
4
consolidar no Brasil o modelo focado na modalidade sobre pneus, dessa forma, dilapidando o
que de melhor existia no setor urbano e regional.
Ou seja, como que sob uma ação conspiratória e articulada, os sistemas eletrificados decaiam,
sendo aos poucos eliminados, ao mesmo tempo em que subia de forma acentuada a curva de
crescimento da frota de veículos automotores – automóveis e caminhões, tal qual continua até
hoje. Esse perverso processo, ou seja, a desmobilização dos sistemas eletrificados (trólebus e
bondes), praticamente foi consolidado em meados de 1970. Enquanto isso, 48 países
continuaram implantando ou ampliando seus sistemas, totalizando hoje 358 sistemas com
40.665 veículos eletrificados.
A grande argumentação associada ao discurso desenvolvimentista era a elevada quantidade de
empregos patrocinada pela indústria automobilística (como de fato ocorreu nos primeiros
anos). Mas, hoje, a variável emprego foi engolida pela tecnologia industrial que acelerou a
curva de produção da indústria, ou seja, em 1957 um operário fazia três carros/ano e hoje um
operário produz 26 carros/ano, como mostram as curvas do Gráfico I2
.
Gráfico I: Produção de Veículos versus Emprego.
● Essência do modelo de governança
A desmobilização dos sistemas eletrificados da época ocorreu num período mesclado com o
início dos conflitos na questão da “mobilidade urbana”, pelo aumento elevado do número de
acidentes de trânsito, e pela identificação de significativos custos socioeconômicos
acarretados para a população. Nesse cenário, o governo brasileiro concebeu e estruturou um
modelo de governança ancorado em “diretrizes de planejamento para o setor de transporte
público e regional e numa política urbana para as cidades brasileiras”. Surgiu, então, a
2 Anuário da Indústria Automobilística Brasileira - ANFAVEA – Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores - 2011
5
CNPU/Comissão Nacional de Políticas Urbanas, vinculada ao CNPU/Conselho Nacional de
Desenvolvimento Urbano da SEPLAN/Secretaria de Planejamento da Presidência da
República (1974).
Em decorrência da constituição desses organismos foi constituída a EBTU/Empresa Brasileira
dos Transportes Urbanos e reforçadas as atribuições do GEIPOT/Grupo Executivo para
Políticas de Transportes, ambos vinculadas ao MT/Ministério dos Transportes, ancorados
fortemente pelo FNDU/Fundo Nacional de Desenvolvimento Urbano (1975). Um modelo
acertado, condizente com o sistema federativo e focado no gerenciamento das questões das
políticas urbanas e regionais, sobretudo porque consistido em padrões técnicos com poucas
injunções políticas, e ancorado no fundo financeiro constituído.
Tal modelo permeou estados e municípios fomentando programas de apoio técnico e de
natureza financeira de forma continuada mediante critérios técnicos pré-estabelecidos. As
políticas de transporte urbano eram traçadas em conjunto com estes dois entes federativos,
fazendo as cidades conhecerem pela primeira vez (depois do planejamento do Metrô/SP,
década de 1960), as pesquisas de origem e destino (o/d). Ou seja, como identificar e
caracterizar, consoante conceitos científicos aplicados pelo mundo desenvolvido, os desejos
de deslocamentos que ocorrem numa área urbana e como distribuí-los numa rede de
transporte simulada mediante dados e informações oriundos de uma matriz o/d.
Também surgiram os planos diretores de transportes urbanos elaborados para várias cidades
brasileiras, além dos incentivos à formação e especialização de recursos humanos. Por outro
lado, a eclosão da primeira grande crise mundial do petróleo (1973), mergulhara o país na
condição de grande importador desse produto passando a enfrentar grandes dificuldades para
o abastecimento dos seus sistemas de transportes, com reflexos os mais perversos para a
macroeconomia nacional.
Contudo, esse modelo de governança, bem estimulado e estruturado, além de contar com o
apoio de instituições de fomento internacionais com destaque para o BIRD/Banco Mundial,
também proporcionou retomada dos sistemas eletrificados de transportes dilapidados
(modernos sistemas de trólebus, e o VAL/Veículo Automático Ligeiro, (hoje tecnologia
VLT). Havia, de fato, foco na questão dos deslocamentos urbanos. Mas, numa década,
injunções políticas, interesses endógenos, e, possivelmente também exógenos, corroeram o
modelo tratando-o como um ‘paciente com status terminal’.
6
Ao invés de curá-lo, se assim fosse de todo verdadeiro, a solução ‘mais adequada’ para
aqueles que o colocaram na ‘UTI’ da governança pública, foi sucumbi-lo de vez. Assim,
esvaiu-se também o capital intelectual, uns para o setor da consultoria privada, outros
desistiram da atuação no setor, por fim, alguns continuam no serviço público em outros
setores perdidos na burocracia.
III – CENÁRIO ATUAL X CENÁRIO FUTURO
A ‘grande alternativa’ encontrada para o modelo de governança já referido foi repassar aos
municípios, com ancoragem na CF/1988, todas as atribuições do planejamento, dos projetos e
do gerenciamento, dos sistemas de transportes e do tráfego urbano. Um ônus incomensurável
para os municípios sem qualquer bônus que viesse também vinculado.
Dessa forma está o Brasil hoje na temática da mobilidade urbana, com os entes federativos
praticamente falidos, sem recursos financeiros para investir, muitos despreparados, e outros,
no geral, desprovidos de pessoal especializado; pode-se até arriscar que, a grande maioria, não
apresenta condições para preparar um plano de mobilidade de transportes exigido pela Lei de
Mobilidade Urbana, de Nº 12.587/12, consoante requisitos técnicos e científicos inerentes ao
plano. Mas, se não o fizerem, estarão submetidos como inadimplentes cerceados de receberem
recursos financeiros para desenvolvimento de programas de mobilidade urbana.
A CF/1988 estabeleceu a obrigatoriedade da elaboração de planos diretores urbanos pelos
municípios para o patamar populacional de vinte mil habitantes, exigência essa também
ratificada pelo Estatuto das Cidades que fixou prazo até 2006 para os municípios cumprirem
as exigências da Constituição e do Estatuto. No entanto, depois de quase duas décadas, 63%
dos municípios cumpriram tal exigência3
.
Registre-se, ainda, que a preparação de plano diretor urbano, atribuição legal do arquiteto,
dispõe no mercado razoável quantidade de profissionais habilitados para a tarefa, todavia,
conceber um plano de mobilidade urbana requer conhecimento técnico específico, sendo
escassa a gama de profissionais nessa área – não obstante muitos curiosos e dissimuladores
vendem ilusões se passando por hábeis para esta função. Vale afirmar, não será cumprida a
exigência legal (art. 20, Lei 12.587/12), nem no tempo exigido nem tampouco se pode avaliar
quando isso ocorrerá. A declaração revelando a gravidade da desestruturação do setor sobre a
3 IBGE - Pesquisa de Informações Básicas Municipais/2013
7
carência de pessoal técnico especializado em planejamento e projeto de mobilidade urbana foi
escancarada na mídia:
“Banco envia equipe de técnicos a municípios para elaborar projetos de
mobilidade e liberar os R$ 50 bilhões prometidos pela presidente para
aplicação nos projetos de mobilidade urbana. O governo federal diz que parte
considerável da demanda não possui projetos completos em condições
adequadas para serem licitados. Segundo o presidente da Caixa, Jorge Hereda,
o Banco foi convocado para suprir essa deficiência: mandar uma equipe de
engenheiros, arquitetos, técnicos-sociais e analistas do Banco para auxiliar
governantes locais na elaboração dos projetos.”4
É inexorável a pergunta: desde quando, funcionários de Banco, no caso, da CEF, tem a
função, prerrogativa, ou formação técnica suficiente, para elaborar projetos de engenharia
sobre mobilidade urbana consoante os padrões técnicos e científicos que são exigidos?
Infelizmente, esse cenário é parte do modelo de governança de hoje, e, dessa forma, o cenário
atual da mobilidade das pessoas nas médias e grandes cidades vem colocando as
administrações das aglomerações urbanas num labirinto que tende a ser de difícil saída.
Embora o fenômeno não seja tipicamente brasileiro, mas, de escala mundial. Todavia, as
aglomerações urbanas dos países desenvolvidos que também estimularam o uso do
automóvel, a questão é tratada mediante critérios de planejamento e com maior rigorismo.
No Brasil, a opção pelo modelo automobilístico, tem conduzido as prioridades públicas para
investimentos - em geral onerosos - inadequadamente cada vez mais em sistemas viários e
incentivos ao modo individual, em detrimento dos investimentos imprescindíveis aos sistemas
do transporte massivo deteriorando a qualidade e os deslocamentos das pessoas. O problema
se afigura cada vez mais grave, portanto, tendente num futuro não muito distante à
imobilidade urbana como se pode ver melhor no item seguinte considerando ser maciça
(84,4%) a ocupação urbana brasileira.
Para repassar uma ideia mais abrangente sobre a gravidade da questão, veja-se que a frota
mundial de automóvel em 2008 registrou em arquivos oficiais de governos 1,0 bilhão de
unidades. A partir desse registro, dois norte-americanos analisaram os meandros da indústria
automobilística mundial. Estabeleceram uma metodologia com base nas taxas de crescimento
dos dez anos anteriores a 2008, investigaram se foram ou não concretizadas as estratégias do
setor na década anterior ao ano do registro histórico, e quais as expectativas para 2020.
4 Prefeitos terão tutela da Caixa em Projetos – Jornal “O Estado de São Paulo” – Ed. de 29/10/2013 – pág. 06.
8
Pesquisaram ainda a capacidade gerencial dos poderes públicos para contemplar soluções de
mobilidade urbana compatíveis com o aumento das frotas e o status predominante do
automóvel no mundo atual. Por derradeiro, avaliaram o comportamento dos países do BRIC
sobre o crescimento para os próximos anos. Após isso, modelaram o crescimento da frota
mundial para 2020 admitindo as mesmas premissas adotadas no decênio anterior a 2008. Os
resultados estão numa bibliografia5
que causou elevado impacto nos meios técnicos.
Ou seja, daqui mais oito anos, segundo os autores, as rodovias e os sistemas viários das
aglomerações urbanas estarão suportando 2 bilhões de veículos. Transportando a revelação
dos autores, e, grosso modo, adotando-se suas premissas em relação ao binômio frota-
população, veja-se a seguir um paralelo para nossa realidade, mediante o comparativo entre
estas duas variáveis conforme indicado no Gráfico II6
.
Gráfico II
Projeção do Crescimento da Frota de Veículos (2000-2050).
30
32
34
37
39
42
45
50
55
59
65
71
76
104
154
335
20
21
22
24
25
26
28
30
32
35
37
40
43
58
86
188
4
4
5
5
6
7
8
9
11
12
14
16
17
23
34
75
6
7
7
8
8
9
10
10
11
12
14
15
17
23
33
73
0
50
100
150
200
250
300
350
2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2020 2030 2050
FROTA(EMMILHÕESDEVEÍCULOS)
PERÍODO (ANO)
TOTAL
AUTOMÓVEIS
MOTOCICLETAS
OUTROS
Pelas projeções para o longo prazo, vê-se que a evolução da frota tende a atingir o
estratosférico patamar de 188 milhões de automóveis e 75 milhões de motos em 2050
totalizando com outros veículos automotores (ônibus, caminhões, caminhonetas, etc.) 263
milhões de unidades, praticamente no mesmo patamar da população (previsão de população
de 230 milhões naquele horizonte). Mesmo ainda diante disso admita-se que o crescimento da
frota de veículos ocorra no patamar mais conservador conforme apresentado no PNE-Plano
Nacional de Energia, documento recente, denso, que estabelece premissas e projeções para a
matriz energética no longo prazo (2050). Lançado pela EPL7
, apresenta análises sobre os
significativos setores macroeconômicos do Brasil e de mais 8 países, estipulando para o setor
5 SPERLING, Daniel e GORDON, Débora. Two Billions Cars. Califórnia-EUA, Oxford University Press – 2008;
6 Severino Soares Silva, Engenheiro Civil - 2012
7 PNE-Plano Nacional de Energia/EPL – Empresa de Planejamentos Logísticos, 2014.
y = 77.078,04x² - 306.148.851,99x + 304.016.840.130,23
y = 47.509,81x² - 189.108.593,84x + 188.199.094.818,36
y = 12.835,67x² - 50.855.884,08x + 49.838.770.913,42
y = 16.732,55x² - 66.451.374,07x + 66.978.974.398,46
Equações das Curvas de Crescimento
9
de veículos automotores que naquele horizonte o Brasil terá quatro vezes mais automóveis do
que hoje. Ou seja, em torno de 190 milhões de unidades (somente automóveis), em torno de
90% do número de pessoas (estimada em 230 milhões no PNE).
Isto, no entanto, não invalida as premissas iniciais nem tampouco reduz a visão apocalíptica
para o cenário urbano no longo prazo (25/35 anos). Mas, ratifica que da forma como o país se
posiciona nessa temática vai cada vez mais adentrando num enorme labirinto de difícil saída.
Veja, p. ex., os sistemas de alta capacidade nas maiores aglomerações urbanas, no caso, os
metrôs de São Paulo e de outras capitais brasileiras e mundiais. Comparativo entre os
sistemas paulistano e londrino mostra que São Paulo levaria 172 anos para ter metrô como o
de Londres seguindo a média de expansão anual desde suas inaugurações.
Cálculo feito pela BBC Brasil8
com base nos dados de extensão atual e dos anos de existência
de cada sistema; o metrô paulistano, inaugurado em 1974, tem hoje 74,3 quilômetros - média
de expansão de 1,91 km/ano. O metrô de Londres, operando desde 1863, tem expansão média
de 2,68 km/ano. A Tabela I mostra o comparativo entre o sistema metroviário brasileiro e os
sistemas de outros países. Deve-se ressaltar que o metrô paulistano é um dos mais densos do
mundo (mais passageiros/m2
).
A maioria de outros sistemas de metroviários brasileiros (Rio de Janeiro, Porto Alegre,
Recife, Belo Horizonte) tem um quadro ainda pior do que o de São Paulo. Segundo cálculos
feitos pela BBC Brasil, o metrô do Rio de Janeiro precisaria de mais 300 anos para chegar à
extensão atual do metrô de Londres, o de Recife precisaria de 257 anos, o de Porto Alegre,
305 anos, e o de Belo Horizonte, 358 anos. A lista compilada pela BBC Brasil indica que o
metrô de Xangai, na China, inaugurado em 1995, é o que tem o maior ritmo de expansão
média do mundo, com 24,3 km/ano.
O sistema de Xangai, com 437 km de extensão, já ultrapassou a extensão do metrô de Londres
e levou apenas 16,6 anos desde sua abertura para atingir o tamanho da rede da capital
britânica. Inaugurado em 2002, o metrô da capital da Índia, Nova Déli, tem a segunda maior
média de expansão mundial, com uma média de 17,6 km/ano. Em menos de 11 anos, o metrô
de Nova Déli já tem mais que o dobro da extensão do metrô de São Paulo, com 193 km de
linhas no total. .O metrô de Seul, na Coreia do Sul, foi inaugurado no mesmo ano que o de
São Paulo - 1974 -, mas sua expansão média em 39 anos de existência é a terceira maior do
8 Rogerio Wasserman, BBC de Londres, disponível em http://www.bbc.co.uk/
10
mundo, com 14,33 km/ano. Com isso, a cidade tem a maior rede do mundo, com 558,9 km de
extensão.
Tabela I
Metrôs do Brasil versus Metrôs de outros Países.
ORDEM CIDADE
INÍCIO DE
OPERAÇÃO
EXTENSÃO
(km)
MÉDIA DE
CONSTRUÇÃO
(km/ano)
ESTAÇÕES
POPULAÇÃO
(MILHARES)
PASSAGEIROS
/DIA
(MILHARES)
1° PEQUIM 1969 442,0 10,05 262 11100 9800,0
2° XANGAI 1965 437,0 9,10 296 15000 7000,0
3° LONDRES 1863 402,0 2,68 270 8600 2700,0
4° NOVA IORQUE 1904 368,0 3,38 468 19000 4800,0
5° SEUL 1974 326,5 8,37 302 9800 5500,0
6° MOSCOU 1935 309,0 3,96 186 10500 8000,0
7° TÓQUIO 1927 304,5 3,54 290 35700 7200,0
8° MADRI 1919 286,3 3,05 282 5600 1700,0
10° PARIS 1900 218,0 1,93 382 9900 3600,0
12° CIDADEDO MÉXICO 1969 180,0 4,09 195 19000 3900,0
30° SANTIAGO 1975 102,4 2,69 108 5700 2300,0
39° SÃO PAULO 1974 74,3 1,91 67 18800 4500,0
65° BUENOS AIRES 1913 49,3 0,49 78 12800 1700,0
75° BRASÍLIA 2001 42,0 3,50 24 3600 130,0
76° RIO DEJANEIRO 1979 42,0 1,24 34 11800 700,0
80° RECIFE 1985 39,7 1,42 30 3600 200,0
86° PORTO ALEGRE 1985 33,8 1,21 17 3900 150,0
103° BELO HORIZONTE 1986 28,1 1,04 19 5600 230,0
METRÔS PELO MUNDO
● O case Florianópolis
Na década 2000-2010 o Brasil experimentou crescimento populacional de 12,32%, as Regiões
Sul e Sudeste cresceram por igual 0,98%. Veja-se, o comparativo entre o crescimento da
população e da frota de veículos no Brasil e em Santa Catarina, p. ex., que teve sua população
aumentada em 16,67% em Florianópolis e os municípios do aglomerado urbano em 23,04% e
24,06%; ou seja, nesse caso, praticamente o dobro do crescimento da população brasileira. No
que tange à frota, entre 2002-2010 (período com dados disponíveis) o agravamento do
diagnóstico configura-se latente em se comparando à taxa do crescimento populacional. Ou
seja, o Brasil aumentou sua frota de 35,5 para 64,8 milhões de veículos (114,39%); Santa
Catarina, de 1,73 para 3,41 milhões (129,73%); Florianópolis, de 159,4 para 270,4 mil
(70,07%), tendo o aglomerado urbano atingido 80,95% (ver Tabela II).
Tabela II9
Comparativos de Crescimento/População versus Frota de Veículos.
2000 2010 Cresc. 2020 2002 2010 Cresc. 2020
BRASIL 169.799.170 190.732.694 1,17% 214.246.987 35.523.633 64.817.974 7,81% 137.457.376
SANTA CATARINA 5.356.360 6.249.682 1,55% 7.291.990 1.731.414 3.414.195 8,86% 7.978.065
FLORIANÓPOLIS 342.315 421.203 2,10% 518.271 159.423 270.463 6,83% 523.666
POPULAÇÃO FROTA
ABRANGÊNCIA
POPULAÇÃO X FROTA DE VEÍCULOS
9 Departamento Nacional de Trânsito – DENATRAN.
11
Enquanto isso, o crescimento da população (2000-2010) ocorreu na ordem de 1,17% (Brasil),
1,75% (Santa Catarina) e 2,10% (Florianópolis). A consequência foi que a capital catarinense
assumiu o índice de 642 veículos para cada 1.000 habitantes, cujo patamar coloca-a em
terceiro lugar no ranking das capitais com esse indicador, ficando abaixo apenas de Goiânia
(669 veiculos/habitantes) e Curitiba (714 veículos/1000 habitantes).
Extrapolando o raciocínio para as dez maiores cidades catarinenses chega-se à conclusão de
que estas aglomerações urbanas, sem exceção, terão frotas dobradas, assim, mais veículos do
que população, já em 2020. Ao se fazer uma abordagem sobre a capital catarinense vê-se que
a situação assume maior gravidade em razão de que a parte insular é ligada à porção
continental só por duas pontes (Colombo M. Salles e Pedro Ivo Campos), 4 faixas/ponte, cujo
volume médio diário anual (2012) constatou 182.000 veículos/dois sentidos (Gráfico III).
Gráfico III: VMDA Projetado – (1991/2020)
Pontes Pedro Ivo Campos e Colombo Machado Salles.
Por sua vez, a situação será agravada durante as obras de duplicação da ‘via expressa’ (6 km),
que liga as duas pontes à rodovia BR-101; responsável por 2/3 do grande volume da travessia
com agravante de que não há qualquer alternativa a oferecer para o desvio do tráfego
enquanto executadas as obras. Várias interseções complexas para serem executadas, redes de
serviços públicos de alta complexidade a remanejar, etc., trarão seríssimos problemas
durantes as atividades. Nesse segmento viário, considerado como a ‘veia aorta’ de todo o
sistema viário do aglomerado urbano, já não há mais ‘horário de pico’, considerando que os
picos tradicionais foram achatados ao longo do dia, nos dois sentidos, conforme se observa no
GRÁFICO V10
provocando ondas de choque que se arrastam por várias outras vias contíguas.
10 ESSE Engenharia Consultiva – Projeto de Duplicação da Via Expressa, Consórcio SOTEPA-IGUATEMI-ESSE/DNIT
Capacidade Travessia Atual (Pontes Colombo Salles + Pedro Ivo)
Capacidade Ponte Colombo Salles
12
Constitui o maior volume de tráfego numa travessia sobre o mar, superando inclusive ao
volume/dia sobre a ponte Rio-Niterói. Isto significa que a capacidade de ambas está no limiar
da saturação, devendo de fato ocorrer o colapso até 2022-2024, a depender do comportamento
das variáveis socioeconômicas nesse período (frota, população, empregos e escola – variáveis
utilizadas na modelagem matemática para as projeções de longo prazo), conforme Gráfico
IV11
. Por si só torna evidente que se avizinha um grande caos urbano na capital dos
catarinenses e no seu aglomerado urbano, se nada for feito com urgência para contribuir para
a reverter o problema que é gravíssimo.
Gráfico IV – Variação do Volume ao longo de 24 hs
Via Expressa-Florianópolis/São José (2012).
0
500
1000
1500
2000
2500
3000
3500
4000
4500
5000
0 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21 22 23 24
Segunda
Terça
Quarta
Quinta
Sexta
Sábado
Domingo
Nesse contexto a capital catarinense e sua aglomeração urbana estão mapeadas entre as
primeiras regiões urbanas brasileiras para experimentar a ‘grande parada’.
● Óbices no caminho da reversão
É evidente que o cenário de crescimento assustador na frota de automóveis consoante as
premissas de Daniel & Déborah está atrelado ao crescimento macroeconômico do Brasil, tal
qual ocorreu no decênio anterior a 2012 conforme comentado acima. No entanto, o crescimento
brasileiro tem refreado nos dois últimos anos, com tendência de se manter dessa forma, ou até
mesmo estagnar para os próximos dois anos, segundo renomados economistas. Nesse caso, a
curva da evolução da frota de veículos ocorrerá de maneira menos agressiva, ou seja, impelindo
para mais à frente os transtornos causados pelo automóvel no meio urbano. Todavia, os
números indicam que isso será inexorável.
É bem verdade que, há vários técnicos, sobretudo conceituados especialistas nacionais em
transporte urbano, que continuam se mostrando otimistas em relação à inversão da matriz da
mobilidade urbana sempre acreditando nos maciços investimentos governamentais no
11 ESSE Engenharia Consultiva – Projeto de Duplicação da Via Expressa, Consórcio SOTEPA-IGUATEMI-ESSE/DNIT
13
transporte massivo, em geral prometidos, de tal forma que as pessoas passem a se deslocar
muito mais pelo modal coletivo do que pelo automóvel invertendo a matriz da atual divisão
modal das 200 milhões de viagens/dia nas cidades brasileiras acima de 60 mil habitantes12
.
Ocorre, porém, ser histórico no país, pelo menos nas últimas décadas, que a prioridade
predominante do poder público tem sido direcionada aos incentivos ao automóvel (e motos) em
que pese os investimentos também em transporte público. No entanto, sempre aquém das reais
demandas requeridas pelas pessoas dependentes do transporte público. Ou seja, no período
1990-2010, para cada R$ 1 investido no transporte público foi destinado R$ 12 em incentivo ao
automóvel; o preço do óleo diesel subiu 50% a mais do que a gasolina em 10 anos; nesse
mesmo período o transporte público experimentou uma queda em torno de 30%13
.
O resultado é a divisão modal desequilibrada na qual o automóvel assume (27%) equivalente
proporção à do transporte massivo (ônibus-trem-metrô) como mostra o Gráfico V14
.
Gráfico V: Distribuição Modal dos Transportes.
36%
29%
27%
4%
4%
A pé
TC
Automóvel
Bicicleta
Motocicleta
20%
5%
4%
Ônibus Municipal
Ônibus Metropolitano
Trilho
Por outro lado, não se pode desconhecer de que não há atualmente no país suficiente foco
político nem tampouco capital intelectual na maioria dos estados e municípios para fazer frente
às questões da mobilidade urbana consoante os princípios técnicos como se deve exigir. O
depoimento a seguir é assaz interessante dada à representatividade de quem o faz, sobre o
comportamento dos candidatos à presidência da República nessa temática.
“O debate sobre o tema deixou a desejar. A mobilidade não foi citada como
prioridade por nenhum candidato. Nem mesmo as páginas deles na internet
deram destaques sobre as diretrizes e programas de governo para a mobilidade
urbana e para o transporte público. O que foi dito pelos candidatos sobre o
transporte público foi bem superficial. As propostas de governo não estão
detalhadas ou não trazem algo concreto para o setor. É uma pena que em um
12 Associação Nacional de Empresas de Transportes Urbanos – NTU.
13 “UM PANORAMA DA POLÍTICA DE MOBILIDADE URBANA NO BRASIL”, Batinga, Carlos Alberto – Brasília, dezembro/2011.
14 Associação Nacional das Empresas de Transporte Público – ANTP, Sistema fr Informações e Mobilidade Urbana, relatório 2012, pg. 06.
14
momento tão importante para o país, um assunto de extrema urgência e
relevância tenha sido adormecido nos debates”.15
Nas três últimas décadas muito se tem discutido, falado, escrito, promovido debates,
seminários, congressos, visitado governos, parlamentares, etc., com foco voltado para a questão
da mobilidade urbana. Em geral, estruturas não governamentais à frente das pautas, como
ANTP e NTU, principalmente, como entidades de vanguarda em nível nacional, dado ao
elevado capital intelectual que arregimentam. Outras entidades, porém, como SINAENCO,
CONFEA, CREA, IAB, CAU, etc., também se incorporaram à causa. Somente a ANTP fundou
e congrega o Movimento MDP16
composto por 16 entidades de elevada representatividade de
vários segmentos da sociedade organizada.
Contudo, nada tem sensibilizado o governo para assumir postura de governança que
proporcione respostas à altura das reais necessidades exigidas pela sociedade para a questão da
mobilidade das pessoas nas aglomerações urbanas. Por isso, é acertada a afirmação de que “os
movimentos sociais, como os que se manifestaram nos protestos do ano passado, são a força
capaz de reverter a situação caótica e de exclusão a que o país chegou. Desde os anos 50 somos
reféns do automóvel. Nossa urbanização desenfreada colocou o pobre na periferia, sem acesso
à mobilidade urbana, e as forças políticas seguiram neste modelo”17
.
Então, pelo histórico, é difícil crer que possa haver uma reversão focando diretrizes, ações
programáticas, e decisões políticas, no sentido da reversão da matriz de viagens nas médias e
grandes aglomerações urbanas no curto/médio prazo. As causas que exigem/inibem a radical
mudança são diversas, porém, destaca-se pelo menos algumas como relevantes:
1) falta de planejamento governamental sistêmico e de projetos consistentes e sustentáveis para
atender às demandas e o tempo requerido para preparação de modo a se evitar desperdício de
tempo e de recursos financeiros como hoje ocorre em larga escala;
2) a equação difícil de ser resolvida pelo governo no sentido de inibir o crescimento da
indústria automobilista para produzir em ritmo menor (interesse do governo, em razão de que o
setor consolidou-se como um dos três principais arrecadadores de impostos);
3) atual escassez de recursos financeiros para programar grandes investimentos que requer
transporte e logística (R$ 987 bilhões); para o transporte massivo algo da ordem de R$ 240
15 Revista NTUurbano, presidente da NTU Otávio Cunha (set/out-2014, pág. 16).
16 MDP – Movimento Nacional pelo Direito ao Transporte Público, suprapartidário, que reúne organizações não governamentais, trabalhadores, sindicatos de
trabalhadores e de empresas operadoras de ônibus e metrô, movimentos sociais e sindicatos, e associações profissionais. O objetivo é inserir na agenda econômica da Nação o
Transporte Público, um serviço essencial, como um direito para todos, visando a inclusão social, a melhoria da qualidade de vida, e o desenvolvimento sustentável.
17 Vasconcellos, Eduardo – Seminário Debate e Soluções para Mobilidade, SINAENCO, 29 de setembro de 2014.
15
bilhões para 343 projetos (2015-2017)18
; tal escassez, tem como pano de fundo questões do
crescimento macroeconômico quase zero (2014), projetando cenários não otimistas
(2015/2017) e ajuste fiscal requerendo cobertura de quase R$ 100 bilhões;
4) carência de pessoal técnico em termos qualitativos e quantitativos na maioria das médias e
grandes aglomerações urbanas para fazer frente com velocidade a essa demanda de
investimentos se disponível estivesse;
5) órgãos de gerência desestruturados ou despreparados, tanto no governo federal (inexistente),
quanto nos governos estaduais e municipais.
Há que se reconhecer que essa temática urbana é de difícil solução para provocar reversão com
fortes impactos no modelo atual. Ainda se somam dois grandes óbices atrelados a qualquer
alternativa de relevo para inibir fortemente o uso do automóvel:
a) o automóvel se tornou o principal instrumento de arrecadação do país: ‘de cada R$ 100 que o
governo arrecada em impostos R$ 6 vêm do setor de veículos. “O carro é a prima-dona da
arrecadação”19
.
b) “mais de 200 mil empresas no Brasil têm suas atividades ligadas direta ou indiretamente à
indústria automobilística, que tem peso correspondente a 21% do setor industrial e representa
5% do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro”20
.
● Impactos sobre a vida humana
Por outro lado, no que tange aos impactos ambientais incidentes sobre a saúde do brasileiro nas
aglomerações urbanas, independente dos acidentes cada vez mais mutilando e ceifando vidas, e
dos desperdícios de tempo nos congestionamentos, destaca-se o caso revelado por uma recente
pesquisa21 “
Avaliação da poluição atmosférica sob a visão da saúde no Estado de São Paulo”
elaborada pelos professores Paulo Saldiva e Evangelina A. Vormittag, doutores em patologia
da Faculdade de Medicina da USP, que apresentou as seguintes conclusões impactantes:
a) “...se houvesse uma redução de 10% nos poluentes na capital, entre 2000 e 2020, seriam
evitadas 114 mil mortes, 118 mil visitas de crianças e jovens a consultórios, 103 mil a prontos-
socorros (doenças respiratórias), 817 mil ataques de asma, 50 mil bronquites, além da perda de
atividades em 7 bilhões de dias e 2,5 milhões de ausências ao trabalho;
18 Confederação Nacional do Transporte – CNT – Plano de Transporte e Logística 2014.
19 Everardo Maciel, ex-Secretário da Receita Federal/Revista Época – 21/10/2011.
20 Associação Nacional de Fabricantes de Veículos Automotores – ANFAVEA/2012.
21 Paulo Saldiva e Evangelina A. Vormittag, Instituto “Saúde e Sustentabilidade”, professores/doutores em Patologia (Faculdade de Medicina/USP).
16
b) “...os volumes de tráfego e a poluição atmosférica e sonora explicam 15% dos casos de
enfarte na cidade de São Paulo”;
c) “...o aumento do tráfego em 4 mil veículos/dia numa via até 100 metros da residência
mostrou ser um fator de risco “...a diminuição de 40% na concentração de poluentes evitou 50
mil mortes e gastos de R$ 4,5 bilhões com saúde”;
d) a poluição do ar “deve se tornar a principal causa ambiental de mortalidade prematura”;
e) se todos os ônibus a diesel usassem etanol, seria possível reduzir em 4.588 o número de
internações, em 745 o número de mortes/ano por doenças geradas/agravadas pela poluição. O
sistema do Metrô/SP reduz em R$ 10,75 bilhões/ano os gastos com a poluição;
f) os ônibus a diesel respondem hoje por 40% das emissões totais, enquanto que ao processo
industrial cabem 10%;
g) os veículos respondem por 17,4 mil mortes anuais nas regiões metropolitanas paulistas –
7.932 em São Paulo; 4.655 somente na capital. Ou seja, a cada 6 anos morre uma população
equivalente à de uma cidade de 100 mil pessoas em consequência da poluição.
Embora revelando o status dos danos causados à vida humana na aglomeração urbana da
capital paulista, decorrente do predomínio do automóvel, certamente se expandida a pesquisa
para outras aglomerações urbanas o incremento dos efeitos nocivos seria maior, o que sinaliza
com evidência o quanto custou e custará à sociedade brasileira o poder público continuar
caminhando na contramão da racionalidade.
Eis, portanto, a pergunta-chave: haverá tempo hábil, disposição política, gestão administrativa,
reversão na ocupação e no uso do solo urbano, pessoal técnico qualificado, suficientes recursos
financeiros para reverter o grave NÓ DA MOBILIDADE URBANA, que rapidamente se
avizinha com a velocidade que o cenário exige, e proporcionar decentes e confortáveis
deslocamentos às respectivas populações?
V – CONCLUSÕES E RECOMENDAÇÕES
No capítulo das conclusões sobre os cenários atual e futuro são preocupantes, sobretudo no que
diz respeito à qualidade de vida das populações nas aglomerações urbanas e a lentidão na
implantação de sistemas massivos de alta capacidade, em razão dos seguintes aspectos: 1 - falta
de Plano Master em nível nacional para debater e tratar a mobilidade urbana no curto-médio-
longo prazo; 2 - estruturas gerenciais carentes/deficientes, em muitas situações, inexistentes; 3 -
recursos financeiros insuficientes quando confrontados com a magnitude das demandas e o
17
tempo que se requer para evitar o colapso em várias aglomerações urbanas; 4 - carência de
recursos humanos para controlar o estupendo avanço do modal automóvel nas áreas urbanas.
Por sua vez, os custos socioeconômicos serão cada vez maiores pelos seguintes fatores: 1 -
perdas da produtividade no trabalho e reflexos na produção e produtividade econômica do País;
2 - desperdícios crescentes de tempo nas viagens, acarretando diminuição de horas no bem-
estar e no lazer com a família; 3 - dispêndios financeiros crescentes nas viagens; 4 –
encurtamento do tempo de conflitos acentuados nas aglomerações urbanas.
No capítulo das recomendações, dentre outras, sugere-se, pelo menos:
1 - tratar o setor da mobilidade urbana de forma sistêmica, mediante um PLANO DE METAS
consoante o modelo federativo atual, criteriosamente elaborado por profissionais do setor
(poder público, setor privado), ou seja, no planejamento urbano, na engenharia de transporte e
de tráfego urbano, e nas áreas correlatas;
2 - criar novas estruturas públicas (dos três entes federativos) mecanismos gerenciais e de
controle – com participação efetiva dos técnicos especializados, além de outros profissionais de
apoio – e/ou reforçar aquelas já existentes; em ambos os casos, estimular os profissionais que
serão sempre quando bem preparados e apoiados os verdadeiros ‘médicos’ das pequenas,
médias e grandes ‘cirurgias urbanas’;
3 - constituir Fundo Financeiro para Investimento na Mobilidade Urbana com participação dos
entes federativos;
4 - utilizar o trinomial arrecadador ipva-multas-cide, com amarrações legais vinculantes (evitar
contingenciamento financeiro), mediante controle partilhado entre poder público, e setores
representativos da sociedade, incluso ministério público;
5 - taxar com rigor o uso do automóvel nas áreas urbanas adensadas, como já ocorre noutros
países, vinculando e revertendo a receita ao transporte massivo exclusivamente.
Finalmente, diante do exposto, o cenário sugere que seja repensado urgentemente o modelo de
governança atual e seja encontrado outro modelo que possa apresentar eficiência e eficácia
antes que seja tarde demais e torne o processo urbano irreversível, como já se vislumbra em
algumas das capitais brasileiras. Ou aguardar se acontece espontaneamente o retorno de muitas
pessoas às origens interioranas, isto é, a ocorrência massiva do êxodo no sentido inverso, ou,
assumir o danoso legado histórico a ser deixado aos jovens de hoje, adultos de amanhã.

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"O Nó da Mobilidade Urbana"

  • 1. O NÓ DA MOBILIDADE URBANA Severino Soares Silva - Engenheiro Civil “Deve-se considerar o transporte como a prioridade máxima da cidade, devido à sua poderosa influência sobre o uso do solo, pois, a fluida mobilidade das pessoas e das mercadorias é essencial para o crescimento, o bem-estar e a riqueza das sociedades urbanas de hoje; mas, a nossa necessidade de nos movermos de um lugar a outro, nas cidades e nos complexos conurbanos (sic), há superado seriamente a nossa capacidade de fazê-lo”. Philip Gillespie (Londres/1968). I – SINOPSE O conteúdo do texto O NÓ DA MOBILIDADE URBANA, na visão do autor e com base no ‘garimpo’ que fez, apresenta breve análise sobre a temática que se revela cada vez mais complexa para se encontrar solução sistêmica em razão da forma como foi e continua sendo tratada pelo poder público. Faz breve resgate histórico, desde o Império; recorda o modelo de governança concebido; revela tendências futuras baseadas em projeções a partir de pesquisas, depoimentos, bibliografias e entidades credenciadas. Enfim, tenta mostrar, que, ou agir-se com rapidez, eficiência e eficácia, ou penalizar-se irreversivelmente a sociedade urbana. II – CENÁRIO PASSADO ● Primeiras considerações Antes de um diagnóstico-síntese sobre o status quo do cenário da mobilidade urbana em médias e grandes cidades brasileiras, registra-se nesse texto uma retrospectiva breve sobre em que contexto foi concebido pelo Estado brasileiro no passado o modelo de governança para lidar com essa temática. Ou seja, que conteúdo, quais diretrizes, premissas, e resultados obtidos, oriundos daquele modelo, possibilitando se fazer uma comparação com o ‘novo modelo proposto’ a partir da CF/1988, e adendos complementares posteriores, vigente até os dias de hoje. Por outro lado, como essência do tema ora titulado, assume também relevância apresentar sem qualquer pretexto – exceto o de recordar e bem informar - uma visão que se pode imaginar para um cenário sobre a mobilidade urbana no Brasil, no médio e no longo prazo. Vale afirmar ser importante regredir um pouco ao passado para ver como se sucedeu no País nas últimas décadas a ‘evolução’ das políticas governamentais estabelecidas (1970/1976) para essa temática urbana, porém, sucumbida 20 anos depois.
  • 2. 2 Na sequência, observar que, no presente, o cenário mostra que houve involução e não evolução na tratativa do processo de planejamento dos transportes públicos como condição sine qua non para o sucesso em implantações e operações de sistemas, cujos reflexos são evidentes nas médias e grandes aglomerações urbanas. Por derradeiro, tentou-se mergulhar no futuro, sem pretensão de fazer profecia, mas, à luz de alguns dados históricos e registros estatísticos oficiais, mediante previsões realizadas por estimação matemática. Veja-se, então. O governo brasileiro somente despertou no sentido de esboçar um planejamento estratégico em nível nacional quando constatou a ocorrência, na década de 1960, de pelo menos quatro fatores preponderantes, três de natureza socioeconômica e um de caráter político para boa governança. A saber: 1) advento e consolidação da indústria automobilística (1950/1960); 2) aceleração do processo migratório em direção às cidades de médio e grande porte, dada à atratividade de melhores oportunidades para estudo e emprego (1950/1970); 3) despreparo do país na infraestrutura em diversos setores (transportes, energia elétrica, telecomunicações, habitação, etc.); e, 4) ausência de diretrizes nacionais sobre políticas urbanas e regionais. Tal constatação, àquela época, identificou muitas dificuldades e problemas de grande monta para equacionar soluções de forma sistêmica, valendo destacar, dentre outros, o vertiginoso crescimento da frota de automóveis – com sinalização de conseqüências danosas daí advindas –, a ocupação urbana ocorrendo de forma desordenada, e os impactos cada vez mais acentuados sobre a infraestrutura viária urbana e rodoviária. Somando-se a tudo isso, no ambiente macroeconômico no qual o país estava inserido, os recursos financeiros se revelavam insuficientes para fazer frente às crescentes e aceleradas demandas urbanas e regionais proporcionadas pelo processo migratório há 40/50 anos passados. Aos problemas e às dificuldades deve-se ainda agregar com muita ênfase a extraordinária carência de recursos humanos qualificados, praticamente inexistentes naqueles setores, decorrentes da reduzidíssima oferta de universidades, sendo constatação, que, sobremaneira, agravava bem mais o grau das dificuldades. O cenário, portanto, exigia grandes desafios em todos os sentidos, tendo o Brasil mergulhado fundo na internação de recursos financeiros externos em grandes proporções e despertado para a preparação de recursos humanos em razoável escala voltados ao desenvolvimento.
  • 3. 3 ● Resgate histórico Não obstante as enormes carências caracterizando um cenário muito desfavorável, o mais impressionante é que paradoxalmente o Brasil usufruía em alguns centros urbanos, de prestígio e condição privilegiada no setor dos transportes urbanos. Assim, ainda por conta do rescaldo de benefícios e da cultura imperial, o país contava com sistemas eletrificados em 63 cidades, tanto de bondes como de trólebus. Releva, então, fazer um significativo parêntese - não apenas para deixar registrado, mas para fazer um resgate que se deve à História -, que, nos tempos do Império, o Brasil possuía Companhias que exploravam o transporte urbano por bondes à tração animal noutros países, conforme os Decretos Imperiais a seguir relacionados: DI 4.990 (26/06/1872), concede à Cia. Ferro-Carril de Montevidéu autorização para funcionar (companhia brasileira, que, mediante o citado Decreto, instalava e movimentava bondes, na capital do Uruguai; DI 5.087 (18/09/1872), homologa à Cia. Carris de Ferro de Lisboa autorização para funcionar (outra companhia brasileira que se propunha instalar serviços de bondes nas terras de além-mar). Além destes, dois outros Decretos também homologaram a concessão para operação de sistemas na mesma direção. O DI 5.130 (06/11/1872), concedeu à Cia. Brasileira de Carris de Ferro de Bruxelas/Bélgica, autorização para funcionar e aprova estatutos (sede no Rio de Janeiro); e, o DI 5.687 (08/07/1874), homologa à Cia. Brasileira de Tramways, em Paris, autorização para funcionar. Esta companhia obteve privilégio para “construir, usar, e gozar de linhas de trilhos por tração animal nas ruas e arrabaldes da cidade de Paris”1 . Vê-se, então, ao contrário do que se possa imaginar, o quanto o Brasil já foi evoluído nesse setor de atendimento aos deslocamentos da população no meio urbano, embora noutros tempos bastante diferentes dos dias de hoje em termos de desenvolvimento, densidade populacional e gigantesca evolução tecnológica. As conseqüências do extraordinário e progressivo avanço em escala geométrica do automóvel e sua aceitação cada vez maior pelas classes mais favorecidas da sociedade, decorreu de competente estratégia de marketing difundida pela indústria automobilística. Acrescente-se a isso, concomitantemente, os interesses incomensuráveis da indústria de caminhões (100% da frota de ônibus utilizava chassis de caminhão) para também contribuir em acelerar e 1 - STIEL, Waldemar Correa - HISTÓRIA DO TRANSPORTE URBANO NO BRASIL - Editora PINI – 1984.
  • 4. 4 consolidar no Brasil o modelo focado na modalidade sobre pneus, dessa forma, dilapidando o que de melhor existia no setor urbano e regional. Ou seja, como que sob uma ação conspiratória e articulada, os sistemas eletrificados decaiam, sendo aos poucos eliminados, ao mesmo tempo em que subia de forma acentuada a curva de crescimento da frota de veículos automotores – automóveis e caminhões, tal qual continua até hoje. Esse perverso processo, ou seja, a desmobilização dos sistemas eletrificados (trólebus e bondes), praticamente foi consolidado em meados de 1970. Enquanto isso, 48 países continuaram implantando ou ampliando seus sistemas, totalizando hoje 358 sistemas com 40.665 veículos eletrificados. A grande argumentação associada ao discurso desenvolvimentista era a elevada quantidade de empregos patrocinada pela indústria automobilística (como de fato ocorreu nos primeiros anos). Mas, hoje, a variável emprego foi engolida pela tecnologia industrial que acelerou a curva de produção da indústria, ou seja, em 1957 um operário fazia três carros/ano e hoje um operário produz 26 carros/ano, como mostram as curvas do Gráfico I2 . Gráfico I: Produção de Veículos versus Emprego. ● Essência do modelo de governança A desmobilização dos sistemas eletrificados da época ocorreu num período mesclado com o início dos conflitos na questão da “mobilidade urbana”, pelo aumento elevado do número de acidentes de trânsito, e pela identificação de significativos custos socioeconômicos acarretados para a população. Nesse cenário, o governo brasileiro concebeu e estruturou um modelo de governança ancorado em “diretrizes de planejamento para o setor de transporte público e regional e numa política urbana para as cidades brasileiras”. Surgiu, então, a 2 Anuário da Indústria Automobilística Brasileira - ANFAVEA – Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores - 2011
  • 5. 5 CNPU/Comissão Nacional de Políticas Urbanas, vinculada ao CNPU/Conselho Nacional de Desenvolvimento Urbano da SEPLAN/Secretaria de Planejamento da Presidência da República (1974). Em decorrência da constituição desses organismos foi constituída a EBTU/Empresa Brasileira dos Transportes Urbanos e reforçadas as atribuições do GEIPOT/Grupo Executivo para Políticas de Transportes, ambos vinculadas ao MT/Ministério dos Transportes, ancorados fortemente pelo FNDU/Fundo Nacional de Desenvolvimento Urbano (1975). Um modelo acertado, condizente com o sistema federativo e focado no gerenciamento das questões das políticas urbanas e regionais, sobretudo porque consistido em padrões técnicos com poucas injunções políticas, e ancorado no fundo financeiro constituído. Tal modelo permeou estados e municípios fomentando programas de apoio técnico e de natureza financeira de forma continuada mediante critérios técnicos pré-estabelecidos. As políticas de transporte urbano eram traçadas em conjunto com estes dois entes federativos, fazendo as cidades conhecerem pela primeira vez (depois do planejamento do Metrô/SP, década de 1960), as pesquisas de origem e destino (o/d). Ou seja, como identificar e caracterizar, consoante conceitos científicos aplicados pelo mundo desenvolvido, os desejos de deslocamentos que ocorrem numa área urbana e como distribuí-los numa rede de transporte simulada mediante dados e informações oriundos de uma matriz o/d. Também surgiram os planos diretores de transportes urbanos elaborados para várias cidades brasileiras, além dos incentivos à formação e especialização de recursos humanos. Por outro lado, a eclosão da primeira grande crise mundial do petróleo (1973), mergulhara o país na condição de grande importador desse produto passando a enfrentar grandes dificuldades para o abastecimento dos seus sistemas de transportes, com reflexos os mais perversos para a macroeconomia nacional. Contudo, esse modelo de governança, bem estimulado e estruturado, além de contar com o apoio de instituições de fomento internacionais com destaque para o BIRD/Banco Mundial, também proporcionou retomada dos sistemas eletrificados de transportes dilapidados (modernos sistemas de trólebus, e o VAL/Veículo Automático Ligeiro, (hoje tecnologia VLT). Havia, de fato, foco na questão dos deslocamentos urbanos. Mas, numa década, injunções políticas, interesses endógenos, e, possivelmente também exógenos, corroeram o modelo tratando-o como um ‘paciente com status terminal’.
  • 6. 6 Ao invés de curá-lo, se assim fosse de todo verdadeiro, a solução ‘mais adequada’ para aqueles que o colocaram na ‘UTI’ da governança pública, foi sucumbi-lo de vez. Assim, esvaiu-se também o capital intelectual, uns para o setor da consultoria privada, outros desistiram da atuação no setor, por fim, alguns continuam no serviço público em outros setores perdidos na burocracia. III – CENÁRIO ATUAL X CENÁRIO FUTURO A ‘grande alternativa’ encontrada para o modelo de governança já referido foi repassar aos municípios, com ancoragem na CF/1988, todas as atribuições do planejamento, dos projetos e do gerenciamento, dos sistemas de transportes e do tráfego urbano. Um ônus incomensurável para os municípios sem qualquer bônus que viesse também vinculado. Dessa forma está o Brasil hoje na temática da mobilidade urbana, com os entes federativos praticamente falidos, sem recursos financeiros para investir, muitos despreparados, e outros, no geral, desprovidos de pessoal especializado; pode-se até arriscar que, a grande maioria, não apresenta condições para preparar um plano de mobilidade de transportes exigido pela Lei de Mobilidade Urbana, de Nº 12.587/12, consoante requisitos técnicos e científicos inerentes ao plano. Mas, se não o fizerem, estarão submetidos como inadimplentes cerceados de receberem recursos financeiros para desenvolvimento de programas de mobilidade urbana. A CF/1988 estabeleceu a obrigatoriedade da elaboração de planos diretores urbanos pelos municípios para o patamar populacional de vinte mil habitantes, exigência essa também ratificada pelo Estatuto das Cidades que fixou prazo até 2006 para os municípios cumprirem as exigências da Constituição e do Estatuto. No entanto, depois de quase duas décadas, 63% dos municípios cumpriram tal exigência3 . Registre-se, ainda, que a preparação de plano diretor urbano, atribuição legal do arquiteto, dispõe no mercado razoável quantidade de profissionais habilitados para a tarefa, todavia, conceber um plano de mobilidade urbana requer conhecimento técnico específico, sendo escassa a gama de profissionais nessa área – não obstante muitos curiosos e dissimuladores vendem ilusões se passando por hábeis para esta função. Vale afirmar, não será cumprida a exigência legal (art. 20, Lei 12.587/12), nem no tempo exigido nem tampouco se pode avaliar quando isso ocorrerá. A declaração revelando a gravidade da desestruturação do setor sobre a 3 IBGE - Pesquisa de Informações Básicas Municipais/2013
  • 7. 7 carência de pessoal técnico especializado em planejamento e projeto de mobilidade urbana foi escancarada na mídia: “Banco envia equipe de técnicos a municípios para elaborar projetos de mobilidade e liberar os R$ 50 bilhões prometidos pela presidente para aplicação nos projetos de mobilidade urbana. O governo federal diz que parte considerável da demanda não possui projetos completos em condições adequadas para serem licitados. Segundo o presidente da Caixa, Jorge Hereda, o Banco foi convocado para suprir essa deficiência: mandar uma equipe de engenheiros, arquitetos, técnicos-sociais e analistas do Banco para auxiliar governantes locais na elaboração dos projetos.”4 É inexorável a pergunta: desde quando, funcionários de Banco, no caso, da CEF, tem a função, prerrogativa, ou formação técnica suficiente, para elaborar projetos de engenharia sobre mobilidade urbana consoante os padrões técnicos e científicos que são exigidos? Infelizmente, esse cenário é parte do modelo de governança de hoje, e, dessa forma, o cenário atual da mobilidade das pessoas nas médias e grandes cidades vem colocando as administrações das aglomerações urbanas num labirinto que tende a ser de difícil saída. Embora o fenômeno não seja tipicamente brasileiro, mas, de escala mundial. Todavia, as aglomerações urbanas dos países desenvolvidos que também estimularam o uso do automóvel, a questão é tratada mediante critérios de planejamento e com maior rigorismo. No Brasil, a opção pelo modelo automobilístico, tem conduzido as prioridades públicas para investimentos - em geral onerosos - inadequadamente cada vez mais em sistemas viários e incentivos ao modo individual, em detrimento dos investimentos imprescindíveis aos sistemas do transporte massivo deteriorando a qualidade e os deslocamentos das pessoas. O problema se afigura cada vez mais grave, portanto, tendente num futuro não muito distante à imobilidade urbana como se pode ver melhor no item seguinte considerando ser maciça (84,4%) a ocupação urbana brasileira. Para repassar uma ideia mais abrangente sobre a gravidade da questão, veja-se que a frota mundial de automóvel em 2008 registrou em arquivos oficiais de governos 1,0 bilhão de unidades. A partir desse registro, dois norte-americanos analisaram os meandros da indústria automobilística mundial. Estabeleceram uma metodologia com base nas taxas de crescimento dos dez anos anteriores a 2008, investigaram se foram ou não concretizadas as estratégias do setor na década anterior ao ano do registro histórico, e quais as expectativas para 2020. 4 Prefeitos terão tutela da Caixa em Projetos – Jornal “O Estado de São Paulo” – Ed. de 29/10/2013 – pág. 06.
  • 8. 8 Pesquisaram ainda a capacidade gerencial dos poderes públicos para contemplar soluções de mobilidade urbana compatíveis com o aumento das frotas e o status predominante do automóvel no mundo atual. Por derradeiro, avaliaram o comportamento dos países do BRIC sobre o crescimento para os próximos anos. Após isso, modelaram o crescimento da frota mundial para 2020 admitindo as mesmas premissas adotadas no decênio anterior a 2008. Os resultados estão numa bibliografia5 que causou elevado impacto nos meios técnicos. Ou seja, daqui mais oito anos, segundo os autores, as rodovias e os sistemas viários das aglomerações urbanas estarão suportando 2 bilhões de veículos. Transportando a revelação dos autores, e, grosso modo, adotando-se suas premissas em relação ao binômio frota- população, veja-se a seguir um paralelo para nossa realidade, mediante o comparativo entre estas duas variáveis conforme indicado no Gráfico II6 . Gráfico II Projeção do Crescimento da Frota de Veículos (2000-2050). 30 32 34 37 39 42 45 50 55 59 65 71 76 104 154 335 20 21 22 24 25 26 28 30 32 35 37 40 43 58 86 188 4 4 5 5 6 7 8 9 11 12 14 16 17 23 34 75 6 7 7 8 8 9 10 10 11 12 14 15 17 23 33 73 0 50 100 150 200 250 300 350 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2020 2030 2050 FROTA(EMMILHÕESDEVEÍCULOS) PERÍODO (ANO) TOTAL AUTOMÓVEIS MOTOCICLETAS OUTROS Pelas projeções para o longo prazo, vê-se que a evolução da frota tende a atingir o estratosférico patamar de 188 milhões de automóveis e 75 milhões de motos em 2050 totalizando com outros veículos automotores (ônibus, caminhões, caminhonetas, etc.) 263 milhões de unidades, praticamente no mesmo patamar da população (previsão de população de 230 milhões naquele horizonte). Mesmo ainda diante disso admita-se que o crescimento da frota de veículos ocorra no patamar mais conservador conforme apresentado no PNE-Plano Nacional de Energia, documento recente, denso, que estabelece premissas e projeções para a matriz energética no longo prazo (2050). Lançado pela EPL7 , apresenta análises sobre os significativos setores macroeconômicos do Brasil e de mais 8 países, estipulando para o setor 5 SPERLING, Daniel e GORDON, Débora. Two Billions Cars. Califórnia-EUA, Oxford University Press – 2008; 6 Severino Soares Silva, Engenheiro Civil - 2012 7 PNE-Plano Nacional de Energia/EPL – Empresa de Planejamentos Logísticos, 2014. y = 77.078,04x² - 306.148.851,99x + 304.016.840.130,23 y = 47.509,81x² - 189.108.593,84x + 188.199.094.818,36 y = 12.835,67x² - 50.855.884,08x + 49.838.770.913,42 y = 16.732,55x² - 66.451.374,07x + 66.978.974.398,46 Equações das Curvas de Crescimento
  • 9. 9 de veículos automotores que naquele horizonte o Brasil terá quatro vezes mais automóveis do que hoje. Ou seja, em torno de 190 milhões de unidades (somente automóveis), em torno de 90% do número de pessoas (estimada em 230 milhões no PNE). Isto, no entanto, não invalida as premissas iniciais nem tampouco reduz a visão apocalíptica para o cenário urbano no longo prazo (25/35 anos). Mas, ratifica que da forma como o país se posiciona nessa temática vai cada vez mais adentrando num enorme labirinto de difícil saída. Veja, p. ex., os sistemas de alta capacidade nas maiores aglomerações urbanas, no caso, os metrôs de São Paulo e de outras capitais brasileiras e mundiais. Comparativo entre os sistemas paulistano e londrino mostra que São Paulo levaria 172 anos para ter metrô como o de Londres seguindo a média de expansão anual desde suas inaugurações. Cálculo feito pela BBC Brasil8 com base nos dados de extensão atual e dos anos de existência de cada sistema; o metrô paulistano, inaugurado em 1974, tem hoje 74,3 quilômetros - média de expansão de 1,91 km/ano. O metrô de Londres, operando desde 1863, tem expansão média de 2,68 km/ano. A Tabela I mostra o comparativo entre o sistema metroviário brasileiro e os sistemas de outros países. Deve-se ressaltar que o metrô paulistano é um dos mais densos do mundo (mais passageiros/m2 ). A maioria de outros sistemas de metroviários brasileiros (Rio de Janeiro, Porto Alegre, Recife, Belo Horizonte) tem um quadro ainda pior do que o de São Paulo. Segundo cálculos feitos pela BBC Brasil, o metrô do Rio de Janeiro precisaria de mais 300 anos para chegar à extensão atual do metrô de Londres, o de Recife precisaria de 257 anos, o de Porto Alegre, 305 anos, e o de Belo Horizonte, 358 anos. A lista compilada pela BBC Brasil indica que o metrô de Xangai, na China, inaugurado em 1995, é o que tem o maior ritmo de expansão média do mundo, com 24,3 km/ano. O sistema de Xangai, com 437 km de extensão, já ultrapassou a extensão do metrô de Londres e levou apenas 16,6 anos desde sua abertura para atingir o tamanho da rede da capital britânica. Inaugurado em 2002, o metrô da capital da Índia, Nova Déli, tem a segunda maior média de expansão mundial, com uma média de 17,6 km/ano. Em menos de 11 anos, o metrô de Nova Déli já tem mais que o dobro da extensão do metrô de São Paulo, com 193 km de linhas no total. .O metrô de Seul, na Coreia do Sul, foi inaugurado no mesmo ano que o de São Paulo - 1974 -, mas sua expansão média em 39 anos de existência é a terceira maior do 8 Rogerio Wasserman, BBC de Londres, disponível em http://www.bbc.co.uk/
  • 10. 10 mundo, com 14,33 km/ano. Com isso, a cidade tem a maior rede do mundo, com 558,9 km de extensão. Tabela I Metrôs do Brasil versus Metrôs de outros Países. ORDEM CIDADE INÍCIO DE OPERAÇÃO EXTENSÃO (km) MÉDIA DE CONSTRUÇÃO (km/ano) ESTAÇÕES POPULAÇÃO (MILHARES) PASSAGEIROS /DIA (MILHARES) 1° PEQUIM 1969 442,0 10,05 262 11100 9800,0 2° XANGAI 1965 437,0 9,10 296 15000 7000,0 3° LONDRES 1863 402,0 2,68 270 8600 2700,0 4° NOVA IORQUE 1904 368,0 3,38 468 19000 4800,0 5° SEUL 1974 326,5 8,37 302 9800 5500,0 6° MOSCOU 1935 309,0 3,96 186 10500 8000,0 7° TÓQUIO 1927 304,5 3,54 290 35700 7200,0 8° MADRI 1919 286,3 3,05 282 5600 1700,0 10° PARIS 1900 218,0 1,93 382 9900 3600,0 12° CIDADEDO MÉXICO 1969 180,0 4,09 195 19000 3900,0 30° SANTIAGO 1975 102,4 2,69 108 5700 2300,0 39° SÃO PAULO 1974 74,3 1,91 67 18800 4500,0 65° BUENOS AIRES 1913 49,3 0,49 78 12800 1700,0 75° BRASÍLIA 2001 42,0 3,50 24 3600 130,0 76° RIO DEJANEIRO 1979 42,0 1,24 34 11800 700,0 80° RECIFE 1985 39,7 1,42 30 3600 200,0 86° PORTO ALEGRE 1985 33,8 1,21 17 3900 150,0 103° BELO HORIZONTE 1986 28,1 1,04 19 5600 230,0 METRÔS PELO MUNDO ● O case Florianópolis Na década 2000-2010 o Brasil experimentou crescimento populacional de 12,32%, as Regiões Sul e Sudeste cresceram por igual 0,98%. Veja-se, o comparativo entre o crescimento da população e da frota de veículos no Brasil e em Santa Catarina, p. ex., que teve sua população aumentada em 16,67% em Florianópolis e os municípios do aglomerado urbano em 23,04% e 24,06%; ou seja, nesse caso, praticamente o dobro do crescimento da população brasileira. No que tange à frota, entre 2002-2010 (período com dados disponíveis) o agravamento do diagnóstico configura-se latente em se comparando à taxa do crescimento populacional. Ou seja, o Brasil aumentou sua frota de 35,5 para 64,8 milhões de veículos (114,39%); Santa Catarina, de 1,73 para 3,41 milhões (129,73%); Florianópolis, de 159,4 para 270,4 mil (70,07%), tendo o aglomerado urbano atingido 80,95% (ver Tabela II). Tabela II9 Comparativos de Crescimento/População versus Frota de Veículos. 2000 2010 Cresc. 2020 2002 2010 Cresc. 2020 BRASIL 169.799.170 190.732.694 1,17% 214.246.987 35.523.633 64.817.974 7,81% 137.457.376 SANTA CATARINA 5.356.360 6.249.682 1,55% 7.291.990 1.731.414 3.414.195 8,86% 7.978.065 FLORIANÓPOLIS 342.315 421.203 2,10% 518.271 159.423 270.463 6,83% 523.666 POPULAÇÃO FROTA ABRANGÊNCIA POPULAÇÃO X FROTA DE VEÍCULOS 9 Departamento Nacional de Trânsito – DENATRAN.
  • 11. 11 Enquanto isso, o crescimento da população (2000-2010) ocorreu na ordem de 1,17% (Brasil), 1,75% (Santa Catarina) e 2,10% (Florianópolis). A consequência foi que a capital catarinense assumiu o índice de 642 veículos para cada 1.000 habitantes, cujo patamar coloca-a em terceiro lugar no ranking das capitais com esse indicador, ficando abaixo apenas de Goiânia (669 veiculos/habitantes) e Curitiba (714 veículos/1000 habitantes). Extrapolando o raciocínio para as dez maiores cidades catarinenses chega-se à conclusão de que estas aglomerações urbanas, sem exceção, terão frotas dobradas, assim, mais veículos do que população, já em 2020. Ao se fazer uma abordagem sobre a capital catarinense vê-se que a situação assume maior gravidade em razão de que a parte insular é ligada à porção continental só por duas pontes (Colombo M. Salles e Pedro Ivo Campos), 4 faixas/ponte, cujo volume médio diário anual (2012) constatou 182.000 veículos/dois sentidos (Gráfico III). Gráfico III: VMDA Projetado – (1991/2020) Pontes Pedro Ivo Campos e Colombo Machado Salles. Por sua vez, a situação será agravada durante as obras de duplicação da ‘via expressa’ (6 km), que liga as duas pontes à rodovia BR-101; responsável por 2/3 do grande volume da travessia com agravante de que não há qualquer alternativa a oferecer para o desvio do tráfego enquanto executadas as obras. Várias interseções complexas para serem executadas, redes de serviços públicos de alta complexidade a remanejar, etc., trarão seríssimos problemas durantes as atividades. Nesse segmento viário, considerado como a ‘veia aorta’ de todo o sistema viário do aglomerado urbano, já não há mais ‘horário de pico’, considerando que os picos tradicionais foram achatados ao longo do dia, nos dois sentidos, conforme se observa no GRÁFICO V10 provocando ondas de choque que se arrastam por várias outras vias contíguas. 10 ESSE Engenharia Consultiva – Projeto de Duplicação da Via Expressa, Consórcio SOTEPA-IGUATEMI-ESSE/DNIT Capacidade Travessia Atual (Pontes Colombo Salles + Pedro Ivo) Capacidade Ponte Colombo Salles
  • 12. 12 Constitui o maior volume de tráfego numa travessia sobre o mar, superando inclusive ao volume/dia sobre a ponte Rio-Niterói. Isto significa que a capacidade de ambas está no limiar da saturação, devendo de fato ocorrer o colapso até 2022-2024, a depender do comportamento das variáveis socioeconômicas nesse período (frota, população, empregos e escola – variáveis utilizadas na modelagem matemática para as projeções de longo prazo), conforme Gráfico IV11 . Por si só torna evidente que se avizinha um grande caos urbano na capital dos catarinenses e no seu aglomerado urbano, se nada for feito com urgência para contribuir para a reverter o problema que é gravíssimo. Gráfico IV – Variação do Volume ao longo de 24 hs Via Expressa-Florianópolis/São José (2012). 0 500 1000 1500 2000 2500 3000 3500 4000 4500 5000 0 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21 22 23 24 Segunda Terça Quarta Quinta Sexta Sábado Domingo Nesse contexto a capital catarinense e sua aglomeração urbana estão mapeadas entre as primeiras regiões urbanas brasileiras para experimentar a ‘grande parada’. ● Óbices no caminho da reversão É evidente que o cenário de crescimento assustador na frota de automóveis consoante as premissas de Daniel & Déborah está atrelado ao crescimento macroeconômico do Brasil, tal qual ocorreu no decênio anterior a 2012 conforme comentado acima. No entanto, o crescimento brasileiro tem refreado nos dois últimos anos, com tendência de se manter dessa forma, ou até mesmo estagnar para os próximos dois anos, segundo renomados economistas. Nesse caso, a curva da evolução da frota de veículos ocorrerá de maneira menos agressiva, ou seja, impelindo para mais à frente os transtornos causados pelo automóvel no meio urbano. Todavia, os números indicam que isso será inexorável. É bem verdade que, há vários técnicos, sobretudo conceituados especialistas nacionais em transporte urbano, que continuam se mostrando otimistas em relação à inversão da matriz da mobilidade urbana sempre acreditando nos maciços investimentos governamentais no 11 ESSE Engenharia Consultiva – Projeto de Duplicação da Via Expressa, Consórcio SOTEPA-IGUATEMI-ESSE/DNIT
  • 13. 13 transporte massivo, em geral prometidos, de tal forma que as pessoas passem a se deslocar muito mais pelo modal coletivo do que pelo automóvel invertendo a matriz da atual divisão modal das 200 milhões de viagens/dia nas cidades brasileiras acima de 60 mil habitantes12 . Ocorre, porém, ser histórico no país, pelo menos nas últimas décadas, que a prioridade predominante do poder público tem sido direcionada aos incentivos ao automóvel (e motos) em que pese os investimentos também em transporte público. No entanto, sempre aquém das reais demandas requeridas pelas pessoas dependentes do transporte público. Ou seja, no período 1990-2010, para cada R$ 1 investido no transporte público foi destinado R$ 12 em incentivo ao automóvel; o preço do óleo diesel subiu 50% a mais do que a gasolina em 10 anos; nesse mesmo período o transporte público experimentou uma queda em torno de 30%13 . O resultado é a divisão modal desequilibrada na qual o automóvel assume (27%) equivalente proporção à do transporte massivo (ônibus-trem-metrô) como mostra o Gráfico V14 . Gráfico V: Distribuição Modal dos Transportes. 36% 29% 27% 4% 4% A pé TC Automóvel Bicicleta Motocicleta 20% 5% 4% Ônibus Municipal Ônibus Metropolitano Trilho Por outro lado, não se pode desconhecer de que não há atualmente no país suficiente foco político nem tampouco capital intelectual na maioria dos estados e municípios para fazer frente às questões da mobilidade urbana consoante os princípios técnicos como se deve exigir. O depoimento a seguir é assaz interessante dada à representatividade de quem o faz, sobre o comportamento dos candidatos à presidência da República nessa temática. “O debate sobre o tema deixou a desejar. A mobilidade não foi citada como prioridade por nenhum candidato. Nem mesmo as páginas deles na internet deram destaques sobre as diretrizes e programas de governo para a mobilidade urbana e para o transporte público. O que foi dito pelos candidatos sobre o transporte público foi bem superficial. As propostas de governo não estão detalhadas ou não trazem algo concreto para o setor. É uma pena que em um 12 Associação Nacional de Empresas de Transportes Urbanos – NTU. 13 “UM PANORAMA DA POLÍTICA DE MOBILIDADE URBANA NO BRASIL”, Batinga, Carlos Alberto – Brasília, dezembro/2011. 14 Associação Nacional das Empresas de Transporte Público – ANTP, Sistema fr Informações e Mobilidade Urbana, relatório 2012, pg. 06.
  • 14. 14 momento tão importante para o país, um assunto de extrema urgência e relevância tenha sido adormecido nos debates”.15 Nas três últimas décadas muito se tem discutido, falado, escrito, promovido debates, seminários, congressos, visitado governos, parlamentares, etc., com foco voltado para a questão da mobilidade urbana. Em geral, estruturas não governamentais à frente das pautas, como ANTP e NTU, principalmente, como entidades de vanguarda em nível nacional, dado ao elevado capital intelectual que arregimentam. Outras entidades, porém, como SINAENCO, CONFEA, CREA, IAB, CAU, etc., também se incorporaram à causa. Somente a ANTP fundou e congrega o Movimento MDP16 composto por 16 entidades de elevada representatividade de vários segmentos da sociedade organizada. Contudo, nada tem sensibilizado o governo para assumir postura de governança que proporcione respostas à altura das reais necessidades exigidas pela sociedade para a questão da mobilidade das pessoas nas aglomerações urbanas. Por isso, é acertada a afirmação de que “os movimentos sociais, como os que se manifestaram nos protestos do ano passado, são a força capaz de reverter a situação caótica e de exclusão a que o país chegou. Desde os anos 50 somos reféns do automóvel. Nossa urbanização desenfreada colocou o pobre na periferia, sem acesso à mobilidade urbana, e as forças políticas seguiram neste modelo”17 . Então, pelo histórico, é difícil crer que possa haver uma reversão focando diretrizes, ações programáticas, e decisões políticas, no sentido da reversão da matriz de viagens nas médias e grandes aglomerações urbanas no curto/médio prazo. As causas que exigem/inibem a radical mudança são diversas, porém, destaca-se pelo menos algumas como relevantes: 1) falta de planejamento governamental sistêmico e de projetos consistentes e sustentáveis para atender às demandas e o tempo requerido para preparação de modo a se evitar desperdício de tempo e de recursos financeiros como hoje ocorre em larga escala; 2) a equação difícil de ser resolvida pelo governo no sentido de inibir o crescimento da indústria automobilista para produzir em ritmo menor (interesse do governo, em razão de que o setor consolidou-se como um dos três principais arrecadadores de impostos); 3) atual escassez de recursos financeiros para programar grandes investimentos que requer transporte e logística (R$ 987 bilhões); para o transporte massivo algo da ordem de R$ 240 15 Revista NTUurbano, presidente da NTU Otávio Cunha (set/out-2014, pág. 16). 16 MDP – Movimento Nacional pelo Direito ao Transporte Público, suprapartidário, que reúne organizações não governamentais, trabalhadores, sindicatos de trabalhadores e de empresas operadoras de ônibus e metrô, movimentos sociais e sindicatos, e associações profissionais. O objetivo é inserir na agenda econômica da Nação o Transporte Público, um serviço essencial, como um direito para todos, visando a inclusão social, a melhoria da qualidade de vida, e o desenvolvimento sustentável. 17 Vasconcellos, Eduardo – Seminário Debate e Soluções para Mobilidade, SINAENCO, 29 de setembro de 2014.
  • 15. 15 bilhões para 343 projetos (2015-2017)18 ; tal escassez, tem como pano de fundo questões do crescimento macroeconômico quase zero (2014), projetando cenários não otimistas (2015/2017) e ajuste fiscal requerendo cobertura de quase R$ 100 bilhões; 4) carência de pessoal técnico em termos qualitativos e quantitativos na maioria das médias e grandes aglomerações urbanas para fazer frente com velocidade a essa demanda de investimentos se disponível estivesse; 5) órgãos de gerência desestruturados ou despreparados, tanto no governo federal (inexistente), quanto nos governos estaduais e municipais. Há que se reconhecer que essa temática urbana é de difícil solução para provocar reversão com fortes impactos no modelo atual. Ainda se somam dois grandes óbices atrelados a qualquer alternativa de relevo para inibir fortemente o uso do automóvel: a) o automóvel se tornou o principal instrumento de arrecadação do país: ‘de cada R$ 100 que o governo arrecada em impostos R$ 6 vêm do setor de veículos. “O carro é a prima-dona da arrecadação”19 . b) “mais de 200 mil empresas no Brasil têm suas atividades ligadas direta ou indiretamente à indústria automobilística, que tem peso correspondente a 21% do setor industrial e representa 5% do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro”20 . ● Impactos sobre a vida humana Por outro lado, no que tange aos impactos ambientais incidentes sobre a saúde do brasileiro nas aglomerações urbanas, independente dos acidentes cada vez mais mutilando e ceifando vidas, e dos desperdícios de tempo nos congestionamentos, destaca-se o caso revelado por uma recente pesquisa21 “ Avaliação da poluição atmosférica sob a visão da saúde no Estado de São Paulo” elaborada pelos professores Paulo Saldiva e Evangelina A. Vormittag, doutores em patologia da Faculdade de Medicina da USP, que apresentou as seguintes conclusões impactantes: a) “...se houvesse uma redução de 10% nos poluentes na capital, entre 2000 e 2020, seriam evitadas 114 mil mortes, 118 mil visitas de crianças e jovens a consultórios, 103 mil a prontos- socorros (doenças respiratórias), 817 mil ataques de asma, 50 mil bronquites, além da perda de atividades em 7 bilhões de dias e 2,5 milhões de ausências ao trabalho; 18 Confederação Nacional do Transporte – CNT – Plano de Transporte e Logística 2014. 19 Everardo Maciel, ex-Secretário da Receita Federal/Revista Época – 21/10/2011. 20 Associação Nacional de Fabricantes de Veículos Automotores – ANFAVEA/2012. 21 Paulo Saldiva e Evangelina A. Vormittag, Instituto “Saúde e Sustentabilidade”, professores/doutores em Patologia (Faculdade de Medicina/USP).
  • 16. 16 b) “...os volumes de tráfego e a poluição atmosférica e sonora explicam 15% dos casos de enfarte na cidade de São Paulo”; c) “...o aumento do tráfego em 4 mil veículos/dia numa via até 100 metros da residência mostrou ser um fator de risco “...a diminuição de 40% na concentração de poluentes evitou 50 mil mortes e gastos de R$ 4,5 bilhões com saúde”; d) a poluição do ar “deve se tornar a principal causa ambiental de mortalidade prematura”; e) se todos os ônibus a diesel usassem etanol, seria possível reduzir em 4.588 o número de internações, em 745 o número de mortes/ano por doenças geradas/agravadas pela poluição. O sistema do Metrô/SP reduz em R$ 10,75 bilhões/ano os gastos com a poluição; f) os ônibus a diesel respondem hoje por 40% das emissões totais, enquanto que ao processo industrial cabem 10%; g) os veículos respondem por 17,4 mil mortes anuais nas regiões metropolitanas paulistas – 7.932 em São Paulo; 4.655 somente na capital. Ou seja, a cada 6 anos morre uma população equivalente à de uma cidade de 100 mil pessoas em consequência da poluição. Embora revelando o status dos danos causados à vida humana na aglomeração urbana da capital paulista, decorrente do predomínio do automóvel, certamente se expandida a pesquisa para outras aglomerações urbanas o incremento dos efeitos nocivos seria maior, o que sinaliza com evidência o quanto custou e custará à sociedade brasileira o poder público continuar caminhando na contramão da racionalidade. Eis, portanto, a pergunta-chave: haverá tempo hábil, disposição política, gestão administrativa, reversão na ocupação e no uso do solo urbano, pessoal técnico qualificado, suficientes recursos financeiros para reverter o grave NÓ DA MOBILIDADE URBANA, que rapidamente se avizinha com a velocidade que o cenário exige, e proporcionar decentes e confortáveis deslocamentos às respectivas populações? V – CONCLUSÕES E RECOMENDAÇÕES No capítulo das conclusões sobre os cenários atual e futuro são preocupantes, sobretudo no que diz respeito à qualidade de vida das populações nas aglomerações urbanas e a lentidão na implantação de sistemas massivos de alta capacidade, em razão dos seguintes aspectos: 1 - falta de Plano Master em nível nacional para debater e tratar a mobilidade urbana no curto-médio- longo prazo; 2 - estruturas gerenciais carentes/deficientes, em muitas situações, inexistentes; 3 - recursos financeiros insuficientes quando confrontados com a magnitude das demandas e o
  • 17. 17 tempo que se requer para evitar o colapso em várias aglomerações urbanas; 4 - carência de recursos humanos para controlar o estupendo avanço do modal automóvel nas áreas urbanas. Por sua vez, os custos socioeconômicos serão cada vez maiores pelos seguintes fatores: 1 - perdas da produtividade no trabalho e reflexos na produção e produtividade econômica do País; 2 - desperdícios crescentes de tempo nas viagens, acarretando diminuição de horas no bem- estar e no lazer com a família; 3 - dispêndios financeiros crescentes nas viagens; 4 – encurtamento do tempo de conflitos acentuados nas aglomerações urbanas. No capítulo das recomendações, dentre outras, sugere-se, pelo menos: 1 - tratar o setor da mobilidade urbana de forma sistêmica, mediante um PLANO DE METAS consoante o modelo federativo atual, criteriosamente elaborado por profissionais do setor (poder público, setor privado), ou seja, no planejamento urbano, na engenharia de transporte e de tráfego urbano, e nas áreas correlatas; 2 - criar novas estruturas públicas (dos três entes federativos) mecanismos gerenciais e de controle – com participação efetiva dos técnicos especializados, além de outros profissionais de apoio – e/ou reforçar aquelas já existentes; em ambos os casos, estimular os profissionais que serão sempre quando bem preparados e apoiados os verdadeiros ‘médicos’ das pequenas, médias e grandes ‘cirurgias urbanas’; 3 - constituir Fundo Financeiro para Investimento na Mobilidade Urbana com participação dos entes federativos; 4 - utilizar o trinomial arrecadador ipva-multas-cide, com amarrações legais vinculantes (evitar contingenciamento financeiro), mediante controle partilhado entre poder público, e setores representativos da sociedade, incluso ministério público; 5 - taxar com rigor o uso do automóvel nas áreas urbanas adensadas, como já ocorre noutros países, vinculando e revertendo a receita ao transporte massivo exclusivamente. Finalmente, diante do exposto, o cenário sugere que seja repensado urgentemente o modelo de governança atual e seja encontrado outro modelo que possa apresentar eficiência e eficácia antes que seja tarde demais e torne o processo urbano irreversível, como já se vislumbra em algumas das capitais brasileiras. Ou aguardar se acontece espontaneamente o retorno de muitas pessoas às origens interioranas, isto é, a ocorrência massiva do êxodo no sentido inverso, ou, assumir o danoso legado histórico a ser deixado aos jovens de hoje, adultos de amanhã.