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1
O Transporte Ferroviário como Infraestrutura em Rede:
Desafios Regulatórios e Econômicos na Articulação do Território Brasileiro
Felipe Fernandes Rocha N° USP 295173-5
1. Nota Introdutória
2. Infraestruturas em Rede
3. Características da Malha Ferroviária Brasileira
4. O Desafio Regulatório - Tráfego Mútuo e Direito de Passagem:
Desverticalização.
5. O Desafio Econômico - Redução das Desigualdades Regionais.
6. Conclusão.
1. Nota Introdutória.
A circulação de bens e pessoas por um território não é apenas um
fenômeno econômico, mas também político1
. Ele decorre da atribuição ao Estado do
controle exclusivo de um determinado espaço geográfico sobre o qual se integra o sistema
econômico, articulando-o e promovendo os fluxos dos fatores de produção. Ao organizar
o território segundo os interesses de seus cidadãos2
, o Estado preocupa-se precipuamente
com a criação de riqueza e sua distribuição regional, tendo em vista as consequências
desagregadoras de uma perversa divisão espacial do trabalho3
.
1
(VALAUX, p. 272)
2
“Na teoria política moderna (...) alguns escritores deram em sustentar (e com êxito)
que todos os Governos que existiram ou estão por existir foram ou serão sempre
Governos de poucos (...) de minorias organizadas ou de elites. (...) segundo a teoria das
elites, a Oligarquia é, no sentido etimológico da palavra, a única forma possível de
Governo.” (BOBBIO, MATTEUCCI e PASQUINO, p. 835-836). Por outro lado, Jean
Jacques Rosseau escreve: “A primeira e mais importante consequência dos princípios
acima estabelecidos está em que somente a vontade geral tem possibilidade de dirigir as
forças do Estado, segundo o fim de sua instituição, isto é, o bem comum; pois, se a
oposição dos interesses particulares tornou necessário o estabelecimento das sociedades,
foi a conciliação desses mesmos interesses que a tornou possível. (...) Ora, é unicamente
à base desse interesse comum que a sociedade deve ser governada.” (ROSSEAU, p. 36)
Tenhamos em mente, portanto, que as teorias sobre o Estado e os Governos divergem
quanto aos beneficiários do exercício efetivo de seus poderes.
3
“A riqueza econômica e o poder político nem sempre coincidiram em sua distribuição
espacial; na verdade, muitos países viveram em um equilíbrio delicado, no qual as
2
A regularidade da intervenção política do Estado sobre as redes de
circulação no território é garantida pelas cartas constitucionais4
. A exploração direta ou
mediante concessão dos serviços de transporte rodoviário, aquaviário, aeroviário e
ferroviário pode ser vista, portanto, como exercício da soberania do Estado. Ao retirar
essas atividades econômicas do rol daquelas atribuídas à livre iniciativa, o Estado exerce
poder. Nas palavras de Claude Raffestin:
Quem procura tomar o poder se apropria pouco a pouco das redes de
circulação e de comunicação: controle dos eixos rodoviários e
ferroviários, controle das redes de alimentação e energia, controle das
centrais telefônicas, das estações de rádio e de televisão. Controlar as
redes é controlar os homens e é impor-lhes uma nova ordem que
substituirá a antiga. (RAFFESTIN, p. 213 (g.n.))
No Brasil, as redes de transportes refletiram, ao menos inicialmente,
a dependência do desenvolvimento regional e nacional a fatores externos. A inserção dos
variados complexos geoeconômicos estabelecidos sobre nosso território na divisão
internacional do trabalho em períodos históricos distintos culminou em uma rede
fragmentada, alternando vastas concentrações de força produtiva com regiões
relativamente vazias ao longo de nossa história5
.
autoridades governantes obtiveram seu principal apoio nas seções mais pobres do
território, dando-as influência política para restringir o frequentemente turbulento
dinamismo das seções mais ricas e mais economicamente avançadas. Costuma-se dizer
a respeito da França que o seu norte pagava as taxas enquanto o Sul comandava a
política. Uma fórmula similar poderia muito bem ser aplicada aos Estados Unidos,
durante um período de tempo.” (GOTTMAN, p. 537)
4
“Cartas constitucionais” ou “cartas políticas”, não por acaso. Na Constituição Federal
de 1988, o art. 21 dispõe que “Compete à União: (...) XII – explorar, diretamente ou
mediante autorização, concessão ou permissão: (...) c) a navegação aérea, aeroespacial
e a infraestrutura aeroportuária; d) os serviços de transporte ferroviário e aquaviário
entre portos brasileiros e fronteiras nacionais, ou que transponham os limites de Estado
ou Território; e) os serviços de transporte rodoviário interestadual e internacional de
passageiros; (...)” BRASIL. Constituição (1988). AASP: Constituição Federal, 7ª ed.,
São Paulo, p. 18-19, 2014.
5
Entre 1879 e 1912, como também durante a 2ª Guerra Mundial, a Região Norte viveu o
ciclo da borracha, consequência do aproveitamento desse produto para fins
industriais. Para escoamento da produção, foram construídos os 366 km da Estrada de
Ferro Madeira – Mamoré. Milhares de trabalhadores morreram durante as obras,
principalmente de doenças tropicais. A distância dos mercados globais e o difícil acesso
fez com que a região perdesse a primazia do monopólio de produção para seringais
3
O transporte ferroviário herdou da condição periférica de nossa economia
algumas virtudes e muitos vícios. A adoção do modal rodoviário como prioritário a partir
dos anos 30 do século XX obedeceu ao propósito de promoção da industrialização por
meio da substituição de importações. Critérios como a natureza das cargas transportadas
ou as distâncias no interior do território6
não foram levados em consideração, revelando
o caráter político da escolha. Por esse motivo, o modal ferroviário constitui um desafio
para o Estado Brasileiro, tanto do ponto de vista da escolha do modelo regulatório
apropriado para os investimentos, como também da perspectiva de prover seu território
das infraestruturas em rede que promovam internamente a reprodução eficiente do capital.
O presente ensaio tratará do desafio político (transporte ferroviário como
serviço público) e do desafio econômico (transporte ferroviário como infraestrutura em
rede), indissociáveis nos estudos relativos ao desenvolvimento e à geografia política.
2. Infraestruturas em Rede.
O conceito de infraestrutura é delineado da perspectiva político-jurídica a
partir do início do século XX pela terminologia administrativa francesa, designando as
instalações permanentes das ferrovias, como pontes, túneis, redes de trilhos e estações7
.
A partir da década de 1960, a infraestrutura torna-se objeto de pesquisa acadêmica e os
problemas a ela relacionados evocam a atenção cada vez maior de economistas, juristas,
engenheiros e geógrafos em lhe dar uma definição precisa e investigar sua racionalidade
no tocante a sua função, planejamento, financiamento, preço, risco, organização e
desenvolvimento8
.
plantados na Malásia, no Ceilão e na África Tropical. A estrada de ferro foi abandonada,
por definitivo, em 10 de julho de 1972.
6
“A introdução das ferrovias no Brasil, portanto, de sua rápida expansão na transição
do século XIX ao XX e sua crise em meados do século XX não pode ser compreendida
apenas pelas determinações internas a esse projeto. Avaliar quem lutou por sua
introdução, quem defendeu outros modelos viários ou mesmo como se deu as disputas
em torno dos projetos de transporte no Brasil, revela-se apenas como parte das causas
dessa trajetória. Assim, para entendermos o processo de expansão das estradas de ferro
no Brasil, devemos nos voltar também para um todo mais complexo, avaliando o sentido
destas ferrovias brasileiras num contexto de capitalismo mundial.” (SAES e
HESPANHOL, 2012)
7
(BERTHÉLEMY, 1920, p. 724-725)
8
(BERCOVICI, 2015, p. 17)
4
Reimut Jochimsen, economista alemão, foi o primeiro a apresentar uma
definição relevante de infraestrutura, segundo a qual “infraestrutura consiste no conjunto
de instalações e condições de natureza material, institucional e pessoal, disponibilizado
a unidades econômicas no âmbito de uma economia baseada na divisão do trabalho, e
que auxiliam, de um lado, a reduzir as diferenças na remuneração de fatores de
produção, regional e setorialmente, e, de outro, a promover o crescimento da
economia”9
.
Fundamento da atividade econômica, os empreendimentos de
infraestrutura passam a ser reconhecidos como essenciais a seu desenvolvimento. O
progresso da acumulação capitalista depende e pressupõe a existência de quantidades
necessárias de meios de produção (bens de capital, matéria prima, infraestrutura física,
etc.) que possibilitem a expansão da produção conforme o capital seja reinvestido10
.
A alta complexidade na concepção, implantação e operação dos
empreendimentos de infraestrutura requerem vultosos investimentos cujo financiamento
e custeio pela coletividade pode ocorrer tanto por intermédio de instituições de caráter
privado, por exemplo, bancos e mercado de capitais, como também pelo Estado. A
assunção pelo Estado dessa tarefa outorgando-lhe a chancela de serviço público é
consequência da função central que as ações de infraestrutura apresentam na sociedade11
.
Não obstante essas peculiaridades, a infraestrutura ainda está vinculada ao
local e caracteriza-se pela artificialidade. A intervenção humana sobre o território, ou
seja, o seu uso é que faz dele objeto da análise social12
e, em um contexto de produção
capitalista, promove a divisão espacial do trabalho. A competição entre locais, regiões e
9
“Infrastruktur ist die Gesamtheit der materiellen, institutionellen und personalen
Anlagen, Einrichtungen und Gegebenheiten, die den Wirtschaftseinheiten im Rahmen
einer arbeitsteiligen Wirtschaft zur Verfügung steht, und die helfen, einerseits die
Unterschiede in der Entlohnung de Produktionsfaktoren zwischen Regionen und
zwischen Sektoren zu verringern und anderseits das Wachstum der Volkswirtschaft zu
erhöhen“. (JOCHIMSEN, 1966, p. 145)
10
(HARVEY, 2005, p. 42-43)
11
A expansão da produção e o crescimento econômico são condições para a formulação
de políticas de pleno emprego, para o bem-estar da população e mesmo para a elevação
da arrecadação do Estado com tributos sobre os resultados obtidos. Mais tarde, veremos
o conceito de coesão social e monopólio natural para melhor compreensão do fenômeno.
12
(SANTOS, 1996, p. 15)
5
países no oferecimento da melhor base material para a reprodução do capital é
necessariamente injusta e culmina inexoravelmente em um “desenvolvimento geográfico
desigual” do capitalismo13
, pois a infraestrutura é consequência (e não causa) da
acumulação de capital em um determinado território.
Para os fins do presente estudo, consideraremos o conceito de rede em seu
aspecto material14
, cuja definição formal é oferecida por N. Curien (1985, p. 49): “toda
infraestrutura, permitindo o transporte de matéria, de energia ou de informação, e que
se inscreve sobre um território onde se caracteriza pela topologia dos seus pontos de
acesso ou pontos terminais, seus arcos de transmissão, seus nós de bifurcação ou de
comunicação”15
.
Podemos concluir que as infraestruturas em rede apresentam três
características que lhe diferem das infraestruturas convencionais: Primeiro, a ideia de
fluxo, ou seja, por essas infraestruturas trafegam matéria, energia ou informação. Em
segundo lugar, essas infraestruturas articulam-se por nós e interconexões que obedecem
a padrões espaciais de hierarquia, complementariedade e influência sobre determinadas
áreas, estabelecidas pelo complexo processo de organização espacial socialmente
engendrado16
. Por fim, dada sua qualidade de serviço público, as infraestruturas em rede
oferecem a possibilidade de segregação entre o titular ou concessionário das redes
(infraestrutura) daqueles concessionários que detém o direito de prestação do serviço ao
usuário final17
.
13
(HARVEY, 2013, p. 478)
14
Para Milton Santos (1996, p. 211) é indispensável considerar a matriz social e política
da rede, pelas pessoas, mensagens e valores que as frequentam, sem a quais, a despeito
da materialidade com que se impõe aos nossos sentidos é, na verdade, uma mera
abstração.
15
“Toute infrastructure permettant le transport de matière, d’énergie ou d’information,
qui s’inscrit sur un territoire où elle est caractérisée par la topologie de ses points d’accès
ou points terminaux, de ses arcs de transmission, de ses nœuds de bifurcation ou de
commutation”. (CURIEN, 1985, p. 49)
16
(CORREA, 1997a, p. 306-307)
17
“Trata-se de um desmembramento do setor, permitindo que a concorrência se instaure
ao menos em uma das fases... A desverticalização (unbundling) ou desintegração vertical
busca coibir a concentração em diversas atividades do mesmo setor”. (ARAGÃO, 2013,
p. 415-416)
6
A Figura 1 traz como exemplo da segunda característica das infraestruturas
em rede a dispersão e concentração das redes de energia elétrica nos cinco continentes.
As áreas mais claras do mapa correspondem aos pontos luminosos interligados por redes
de transmissão. Notem como o padrão espacial da rede pode ser descrito a partir da
configuração histórica dessas sociedades. O interior dos continentes sul-americano e
africano estão “às escuras” e as faixas luminosas concentram-se no litoral, denunciando
sociedades que ao longo de sua formação tiveram no exterior suas referências econômicas
e culturais. Europa e Japão apresentam uma distribuição mais uniforme pelo território.
Os Estados Unidos são um caso interessante: a ocupação alienígena do território iniciou-
se pela costa (leste) como na América do Sul e na África; ao longo dos anos, áreas
interioranas passam a ser densamente ocupadas em “uma marcha para o oeste”18
. A
sociedade americana e seus milhões de imigrantes movem-se para o interior do território.
Em suma, para cada formação econômica e social, um padrão espacial diferente de
infraestrutura de redes de transmissão.
Figura 1 – Padrões espaciais de distribuição de energia pelo mundo.
Fonte: National Aeronautics and Space Administration (Nasa)
18
“Seja qual for a forma que escolhermos para analisar a transformação dos Estados
Unidos, se o final de um sonho revolucionário ou o início de uma era, o fato é que isso
aconteceu no período de 1848-75. A mitologia em si mesma testemunha a importância
dessa época, com os dois temas mais profundos e duradouros da história americana
localizados na cultura popular: a Guerra Civil e o Oeste. Ambos estão intimamente
interligados, já que foi a abertura do Oeste (ou mais exatamente suas partes sul e central)
que precipitou o conflito entre os que representavam os colonos livres e o despontar do
capitalismo do Norte, e os da sociedade escravista do Sul”. (HOBSBAWM, 1996, p.
199-200)
3
O transporte ferroviário herdou da condição periférica de nossa economia
algumas virtudes e muitos vícios. A adoção do modal rodoviário como prioritário a partir
dos anos 30 do século XX obedeceu ao propósito de promoção da industrialização por
meio da substituição de importações. Critérios como a natureza das cargas transportadas
ou as distâncias no interior do território6
não foram levados em consideração, revelando
o caráter político da escolha. Por esse motivo, o modal ferroviário constitui um desafio
para o Estado Brasileiro, tanto do ponto de vista da escolha do modelo regulatório
apropriado para os investimentos, como também da perspectiva de prover seu território
das infraestruturas em rede que promovam internamente a reprodução eficiente do capital.
O presente ensaio tratará do desafio político (transporte ferroviário como
serviço público) e do desafio econômico (transporte ferroviário como infraestrutura em
rede), indissociáveis nos estudos relativos ao desenvolvimento e à geografia política.
2. Infraestruturas em Rede.
O conceito de infraestrutura é delineado da perspectiva político-jurídica a
partir do início do século XX pela terminologia administrativa francesa, designando as
instalações permanentes das ferrovias, como pontes, túneis, redes de trilhos e estações7
.
A partir da década de 1960, a infraestrutura torna-se objeto de pesquisa acadêmica e os
problemas a ela relacionados evocam a atenção cada vez maior de economistas, juristas,
engenheiros e geógrafos em lhe dar uma definição precisa e investigar sua racionalidade
no tocante a sua função, planejamento, financiamento, preço, risco, organização e
desenvolvimento8
.
plantados na Malásia, no Ceilão e na África Tropical. A estrada de ferro foi abandonada,
por definitivo, em 10 de julho de 1972.
6
“A introdução das ferrovias no Brasil, portanto, de sua rápida expansão na transição
do século XIX ao XX e sua crise em meados do século XX não pode ser compreendida
apenas pelas determinações internas a esse projeto. Avaliar quem lutou por sua
introdução, quem defendeu outros modelos viários ou mesmo como se deu as disputas
em torno dos projetos de transporte no Brasil, revela-se apenas como parte das causas
dessa trajetória. Assim, para entendermos o processo de expansão das estradas de ferro
no Brasil, devemos nos voltar também para um todo mais complexo, avaliando o sentido
destas ferrovias brasileiras num contexto de capitalismo mundial.” (SAES e
HESPANHOL, 2012)
7
(BERTHÉLEMY, 1920, p. 724-725)
8
(BERCOVICI, 2015, p. 17)
8
produção e transbordo de cargas23
. As interações perpendiculares ao eixo de tráfego são
muito pouco significativas e ocorrem nos poucos centros nodais em que uma estrada de
ferro voltada para os portos localizados no Atlântico cruzam com estradas de ferro com
as mesmas características.
Na figura 02, também visualizamos a baixa densidade territorial da malha
se comparada a de outros países24
. Os Estados Unidos, por exemplo, apresentam uma rede
de múltiplos circuitos, na qual existem várias ligações possíveis entre um mesmo par de
nós25
. Difere da rede ferroviária brasileira, pois mais complexa, havendo o cruzamento
de ligações sem a mediação de um nó, ou nós com hierarquias ou complementariedade
entre eles.
Figura 3 – Malha Ferroviária dos EUA.
Fonte: Maps of World (www.mapsofworld.com)
23
A disputa entre Municípios para se tornarem centros nodais ao longo da Ferrovia Norte-
Sul foi narrada em reportagem realizada pelo jornal Estado de S. Paulo em julho de 2016:
“A ferrovia era nossa esperança. Hoje, não tenho mais informações sobre o nosso
terminal. Nem sei mais onde ficará, diz (o Prefeito de Santa Isabel) Levino de Souza.”
Em outro trecho, a estatal responsável pela construção, pronuncia-se sobre o destino da
cidade: “A Valec informou que não adianta mais esperar por terminais ali. A estatal
declarou que, depois de reestudar o trecho, percebeu que a proximidade de outras
cidades (Uruaçu e Anápolis) com maior estrutura acabaram por não justificar o
investimento adicional no meio do caminho.” (BORGES e SAMPAIO, 2016, p. B8-B9)
24
A densidade territorial da malha no Brasil é de 3,4 Km/1000Km².
25
(CORREA, 1997a, p. 312-313). A densidade territorial das ferrovias americanas é de
29,8 Km/1000Km².
9
Essas características interferem diretamente no custo logístico das
empresas brasileiras, uma vez que são obrigadas a utilizarem o modal rodoviário para
transportes à grandes distâncias, de maneira exclusiva ou combinada com o modal
ferroviário. Da perspectiva econômica, uma infraestrutura em rede axial é prejudicial aos
ganhos de escala em rede, enquanto do ponto de vista regulatório torna-se um entrave ao
compartilhamento da infraestrutura e adoção de mecanismos de competição entre os
transportadores, conforme veremos a seguir.
4. O Desafio Regulatório - Tráfego Mútuo e Direito de Passagem: Desverticalização.
O transporte ferroviário constitui serviço público por determinação
constitucional26
. Serviços públicos são parcelas da atividade econômica que a
constituição ou a lei atribuem ao Estado para a satisfação de necessidades públicas. Tentar
definir se esta ou aquela parcela da atividade econômica é serviço público, ou mesmo de
estabelecer um conceito de serviço público, decorre de nossa tentativa de raciocinar em
termos de um modelo ideal, em princípio atemporal e permanente27
.
Eros Roberto Grau28
remete à realidade social a obtenção de um
significado de serviço público, visto tratar-se de um conceito aberto sujeito às vicissitudes
das relações entre as forças sociais. Desse modo, na relação capital - trabalho, os
trabalhadores aspiram que o maior número possível de atividades econômicas seja
atribuído ao Estado para que as desenvolva de maneira não especulativa. O retrato desse
confronto em um momento histórico específico determinará os âmbitos das atividades
econômicas em sentido estrito29
e dos serviços públicos.
Dois elementos, segundo Léon Duguit, pai da “Escola do Serviço
Público”, seriam fundamentais na conceptualização de serviço público. Primeiramente, o
serviço em questão deveria ser relevante para a interdependência social, ou seja, prestado
26
Ver nota 4.
27
(ARAGÃO, 2013)
28
(GRAU, 2014, p. 107)
29
Atividade econômica em sentido estrito é a parcela da atividade econômica em sentido
amplo subtraída da parcela destinada aos serviços públicos. A atividade econômica em
sentido estrito é exercida pela iniciativa privada e, excepcionalmente, pelo Estado.
10
pelo Estado como justificativa racional de sua soberania sobre os governados, sendo a
garantia dessa solidariedade social sua razão de ser. Além disso, o mercado deve se
revelar incapaz de proporcionar essa interdependência social em prol do interesse
público30
.
Da relação entre interesses econômicos e configuração atual da rede
ferroviária brasileira, podemos extrair que a intervenção política é condição sine qua non
para que essa modalidade de serviço público produza a interdependência social e
econômica desejada por Duguit. A infraestrutura (trilhos, dormentes, terraplenagem,
fundação, etc.) constitui um monopólio natural31
, com relevantes custos fixos e custos
irrecuperáveis (“sunk costs”), o que exige uma escala elevada32
. Para minimizar os
impactos negativos desse monopólio inexorável, surgiu a necessidade de regulação.
A partir da inclusão da Rede Ferroviária Nacional S.A. (RFFSA)33
, no
Programa Nacional de Desestatização - PND34
em 1992, o objetivo do Governo Federal
passou a ser a transferência da operação da malha ferroviária e da prestação do serviço à
iniciativa privada. Nas primeiras concessões realizadas nos anos 90 com base na Lei n°
8.987/95, o concessionário controla a infraestrutura, a operação e a comercialização dos
serviços de transporte ferroviário em uma determinada região.
As expectativas de investimento na ampliação da rede e,
consequentemente, de aumento das metas quinquenais da produção anual do modal
previstas no contrato de concessão foram frustradas. Na tentativa de aumentar os fluxos
sobre a infraestrutura ferroviária, a ANTT aprovou a Resolução n° 3.695 de 14 de julho
30
Duguit define serviço público como « toute activité dont l’accomplissement doit être
assuré, réglé et contrôlé par les gouvernants parce que l’accomplissement de cette
activité est indispensable à la réalisation et au développement de l’interdépendance
sociale, et qu’elle est de telle nature qu’elle ne peut être réalisée complètement que par
l’intervention de la force gouvernante » (g.n.)
31
Determinada atividade constitui um monopólio natural se uma empresa possuir
capacidade de produção para todo o mercado com custo menor ao que existiria se várias
empresas exercessem a mesma atividade.
32
(O sistema ferroviário brasileiro, 2013, p. 15)
33
Sociedade de economia mista criada pela Lei 3.115/57 cujo propósito era administrar,
operar, conservar e planejar as estradas de ferro de propriedade da União.
34
Decreto n° 473, de 10.03.1992.
11
de 2011 e criou o regulamento das operações de direito de passagem e tráfego mútuo35
da
rede. Por fim, o Governo Federal promoveu à desverticalização do setor com o objetivo
de torna-lo mais eficiente, competitivo e atrativo para o investimento privado. A
infraestrutura ferroviária seria objeto de concessão, enquanto a delegação do transporte
ferroviário de cargas a operador ferroviário independente dar-se-ia mediante regime de
autorização36
.
David Harvey, ao tratar das relações de transporte e a mobilidade do
capital como mercadoria, descreve a política de desverticalização do ponto de vista dos
capitalistas que atuam nessa indústria:
Como grandes quantidades de capital são com frequência necessárias
para a construção de linhas ferroviárias, docas e portos, aeroportos, etc.,
os capitalistas podem não estar dispostos a investir sem proteção contra
o risco da desvalorização de uma localização específica mediante a
competição. Isso significa a restrição da competição e a criação de
monopólios regulados pelo Estado ou até pertencentes ao Estado. (...)
A tensão pode ser em parte resolvida se o capital dentro da indústria de
transporte se dividir em capital fixo de um tipo independente que circula
no ambiente construído e outros tipos de capital (caminhões, navios,
etc.) que são livres para se mover no espaço. (HARVEY, 2013, p. 483-
484 (g.n)
Como já exposto, a malha brasileira apresenta deficiência na integração,
principal motivo da ineficiência do sistema. A miopia própria das políticas neoliberais do
período seduziu os formuladores de políticas para o setor a ponto de acreditarem que a
transferência da prestação do serviço e da gestão da infraestrutura para a iniciativa privada
seriam suficientes para o desenvolvimento natural e espontâneo do modal. A aplicação
de categorias próprias a esse setor em países cuja rede ferroviária é densa trazia ares de
35
Define-se “direito de passagem” como a operação em que uma concessionária, para
deslocar a carga de um ponto a outro da malha ferroviária federal, utiliza, mediante
pagamento, via permanente e sistema de licenciamento de trens da concessionária em
cuja malha dar-se-á parte da prestação de serviço. “Tráfego mútuo” é a operação em que
uma concessionária compartilha com outra concessionária, mediante pagamento, via
permanente e recursos operacionais para prosseguir ou encerrar a prestação de serviço
público de transporte ferroviário de cargas.
36
Lei n° 12.743/12 e Resolução ANTT n° 4.348/14.
4
Reimut Jochimsen, economista alemão, foi o primeiro a apresentar uma
definição relevante de infraestrutura, segundo a qual “infraestrutura consiste no conjunto
de instalações e condições de natureza material, institucional e pessoal, disponibilizado
a unidades econômicas no âmbito de uma economia baseada na divisão do trabalho, e
que auxiliam, de um lado, a reduzir as diferenças na remuneração de fatores de
produção, regional e setorialmente, e, de outro, a promover o crescimento da
economia”9
.
Fundamento da atividade econômica, os empreendimentos de
infraestrutura passam a ser reconhecidos como essenciais a seu desenvolvimento. O
progresso da acumulação capitalista depende e pressupõe a existência de quantidades
necessárias de meios de produção (bens de capital, matéria prima, infraestrutura física,
etc.) que possibilitem a expansão da produção conforme o capital seja reinvestido10
.
A alta complexidade na concepção, implantação e operação dos
empreendimentos de infraestrutura requerem vultosos investimentos cujo financiamento
e custeio pela coletividade pode ocorrer tanto por intermédio de instituições de caráter
privado, por exemplo, bancos e mercado de capitais, como também pelo Estado. A
assunção pelo Estado dessa tarefa outorgando-lhe a chancela de serviço público é
consequência da função central que as ações de infraestrutura apresentam na sociedade11
.
Não obstante essas peculiaridades, a infraestrutura ainda está vinculada ao
local e caracteriza-se pela artificialidade. A intervenção humana sobre o território, ou
seja, o seu uso é que faz dele objeto da análise social12
e, em um contexto de produção
capitalista, promove a divisão espacial do trabalho. A competição entre locais, regiões e
9
“Infrastruktur ist die Gesamtheit der materiellen, institutionellen und personalen
Anlagen, Einrichtungen und Gegebenheiten, die den Wirtschaftseinheiten im Rahmen
einer arbeitsteiligen Wirtschaft zur Verfügung steht, und die helfen, einerseits die
Unterschiede in der Entlohnung de Produktionsfaktoren zwischen Regionen und
zwischen Sektoren zu verringern und anderseits das Wachstum der Volkswirtschaft zu
erhöhen“. (JOCHIMSEN, 1966, p. 145)
10
(HARVEY, 2005, p. 42-43)
11
A expansão da produção e o crescimento econômico são condições para a formulação
de políticas de pleno emprego, para o bem-estar da população e mesmo para a elevação
da arrecadação do Estado com tributos sobre os resultados obtidos. Mais tarde, veremos
o conceito de coesão social e monopólio natural para melhor compreensão do fenômeno.
12
(SANTOS, 1996, p. 15)
13
extraordinária extensão da construção de troncos e ramais42
. Os ganhos de velocidade
ocorreram de maneira sucessiva anos mais tarde, mas a locomotiva como existia em 1830
já possuía extraordinária eficiência. O transporte de matéria primas, o escoamento da
produção, a unificação dos mercados consumidor e produtor, como também a crescente
industrialização mantinham, entre si, uma relação de causa e efeito.
Nathaniel H. Leff, professor brasilianista da Universidade de Columbia,
ao discorrer sobre a gênese do desenvolvimento dos Estados Unidos da América e a
persistência do subdesenvolvimento do Brasil no séc. XIX, atribui à ausência de ferrovias
e outras vias de transporte um dos fatores de contenção do nosso crescimento econômico.
O aumento crescente no custo do transporte no território brasileiro em relação à distância
limitou a capacidade da economia de atingir novos fornecedores diante de flutuações
positivas na demanda local, tendo como consequência pressões inflacionárias. Sobre o
elevado custo da circulação do excedente no interior do território e a ausência de uma
malha ferroviária vistosa, diz o autor:
Further, the social returns to railways were probably much larger in
Brazil than in the United States. This is because the alternative
transportation modes which are relevant for calculating the “social
savings” of railways in Brazil are generally not improved rivers or
canals (as in the United States), but mule trains over very poor roads,
or small boats on difficult rivers. Each of the latter modes involved
relatively high unit transport costs. Similarly, the social savings and
social returns attributable to the railroads in Brazil were also higher
because of another major difference with the United States. Brazil’s
individual railway lines did not connect easily to form a single national
or regional system. (LEFF, 2011 [1982], p. 151 (g.n)
A percepção das ferrovias como indutoras do crescimento pela redução do
custo de transporte está presente em outros estudos que demonstram, por exemplo, que o
PIB dos Estados Unidos teria um valor de 10% a 20% inferior ao apresentado na década
42
(HOBSBAWM, 1996, p. 85-86)
14
de 1960 na ausência da infraestrutura ferroviária43
. As ferrovias também contribuíram
decisivamente para o crescimento do PIB do Japão no período de 1875 a 194044
.
A difusão de uma rede de transportes terrestres em larga escala também
criaria condições para que os lugares se especializassem sem a necessidade de produzir
tudo para sua reprodução45
. O fracasso na integração espacial, ou seja, no vínculo da
produção de mercadorias em diferentes localizações no interior do território, conduziu as
regiões brasileiras a trocas desiguais quando do ingresso na divisão internacional do
trabalho. Processos produtivos atingiram escala meramente regional, fator de restrição
aos ganhos de escala que, no médio prazo, poderiam estimular o desenvolvimento de
processos com maior complexidade. Essa é uma das razões pelas quais a política de
desenvolvimento regional no Brasil tem sido pautada pela promoção da integração das
bases produtivas regionais na economia nacional e internacional de maneira
competitiva46
.
As linhas férreas no Brasil, com pequenos trechos esparsos ao longo do
território, não se conectaram de modo a formar uma rede nacional. O fato de a maioria
das estradas de ferro terem sido construídas para transportar produtos destinados à
exportação para os portos influenciou demasiadamente as perspectivas futuras para o
modal47
. Se antes de 1930 a ausência de integração inter-regionais retardou o surto
industrial e a constituição de um mercado interno que lhe desse lastro, a concentração do
capital nas regiões sudeste-sul “primitivamente” acumulado a partir da exploração do café
demandou uma imigração em massa no sentido nordeste-sudeste48
, com a região que
43
Para fins de comparação, em 1900, a extensão da malha ferroviária norte-americana
era quase vinte vezes maior do que a brasileira. Mesmo após a grande expansão a partir
de 1900, o Brasil tinha em 1914 apenas 26,06 Km de estradas de ferro, número que havia
sido superado pelos Estados Unidos em 1850. (LEFF, 2011 [1982], p. 145)
44
(O sistema ferroviário brasileiro, 2013, p. 9)
45
(ARROYO, 2015, p. 41)
46
BRASIL. Lei Complementar n° 125, de 3 de janeiro de 2007. Institui, na forma do art.
43 da Constituição Federal, a Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste –
SUDENE. Presidência da República. Disponível em: www.planalto.gov.br. Acesso em
25 jul. 2016.
47
(LEFF, 2011 [1982], p. 152)
48
Inicialmente, os cafeicultores utilizaram mão-de-obra escrava; no período pós-
abolição, a mão de obra dos imigrantes europeus. Somente após a industrialização, a mão-
de-obra de brasileiros nascidos em outras regiões foram incorporadas em larga escala ao
processo produtivo.
15
concentrava capital separada por distância continental daquela em que habitava a reserva
de mão de obra.
Essa distância, apesar da livre mobilidade da força de trabalho, constituía
barreira intransponível ao retorno daqueles que recebiam renda de natureza salarial no
sul-sudeste, como também o estabelecimento de vínculos financeiros pertinentes com a
região de origem49
. A ausência de uma rede de transportes que as interligasse e reduzisse
o tempo de deslocamento de pessoas50
e de capitais de modo a permitir maiores interações
entre os locais de partida e de chegada de migrantes, provocou o agravamento das
desigualdades entre as duas regiões.
Uma vez imigrante, o trabalhador perdia os laços com a origem e com eles
a chance de formar poupança para o financiamento de pequenos investimentos na
produção da região nordeste, por exemplo. Atualmente, na era dos serviços,
infraestruturas em rede para o transporte de pessoas fazem tanta falta ao Brasil quanto o
transporte de cargas inter-regional sempre nos fez51
.
6. Conclusão.
A superação de barreiras espaciais pelo capitalismo ocorre mediante a
construção de infraestruturas físicas que são imóveis no espaço, porém vulneráveis à
49
“Em busca de emprego e de um salário para sobreviver, o trabalhador é obrigado a
acompanhar o capital para onde ele flua. (...) O capital em geral se vale dessa busca
eterna dos trabalhadores por uma vida melhor – definida em termos materiais e
monetários – como um meio para organizar a mobilidade do trabalho segundo suas
exigências e disciplinar os capitalistas individuais segundo às exigências da classe.
(HARVEY, 2013, p. 486 e 490)
50
“Fortes lealdades à família, à comunidade, ao lugar e ao meio cultural atuam como
barreiras à mobilidade geográfica.” Acrescentaríamos “meios de transporte lentos,
desconfortáveis e distâncias aterrorizantes” à relação de empecilhos à mobilidade
geográfica apontadas por Harvey. (HARVEY, 2013, p. 490-491)
51
A Lei n° 12.404/11 criou a Empresa de Planejamento e Logística S.A. – EPL com o
objetivo de “planejar e promover o desenvolvimento do serviço de transporte ferroviário
de alta velocidade de forma integrada com as demais modalidades de transporte, por
meio de estudos, pesquisas, construção da infraestrutura, operação e exploração do
serviço, administração e gestão de patrimônio, desenvolvimento tecnológico e atividades
destinadas à absorção e transferência de tecnologias”. Se a Valec é a estatal do
transporte ferroviário de carga, a EPL representa o esforço estatal voltado para o
transporte de passageiros sobre trilhos em alta velocidade.
16
desvalorização específica de um lugar. No Brasil, as ferrovias são utilizadas para o
escoamento de produtos suscetíveis às oscilações da demanda de mercados externos ao
sabor dos ciclos do capitalismo global52
. Considerando que ferrovias não podem ser
realocadas sem que o valor nelas incorporado seja perdido, a desvalorização específica
de um lugar pode ter seus efeitos reduzidos se tais infraestruturas físicas locais passarem
a integrar uma rede de âmbito nacional, tornando-as parte de um todo que articular nosso
mercado interno e o potencializa.
O uso de mecanismos de mercado para tornar a prestação do serviço de
transporte ferroviário mais eficiente, como a concessão e a desverticalização, encontra
limitações. Na perspectiva keynesiana, decisões intertemporais como a construção de
uma ferrovia por exemplo, não tem bases firmes, isto é, não apresentam “fundamentos”
que possam livrá-las da incerteza radical em que os capitalistas estão mergulhados. Para
Keynes, a incerteza radical não corresponde a uma etapa nem é um atributo determinado
por certa fase da economia, mas, sim, o estado permanente sobre o qual repousam as
decisões de longo prazo que regem o investimento em uma economia capitalista53
.
Tendo em vista que o retorno a investimentos de longo prazo como as
ferrovias está sujeito à “incerteza radical” dos capitalistas e considerando que esses
investimentos são justificados em termos das externalidades positiva e ganhos coletivos
que proporcionam, o assunto deve ser abordado de uma perspectiva diferente. Em
princípio, a tarefa de prover o país com um sistema de transporte adequado deve ser
levada a cabo pelo Estado, como já era a prática nos Estados Unidos no provimento de
infraestrutura de transportes no séc. XIX:
52
Cabendo-nos, portanto, uma posição não muito “agradável” na divisão internacional
do trabalho como exposto ao longo do ensaio.
53
“O fato mais destacado na matéria é a extrema precariedade dos dados em que terão
de basear-se os nossos cálculos de rendimentos prováveis. O nosso conhecimento dos
fatores que governarão o rendimento de um investimento alguns anos mais tarde é, em
geral, muito limitado e, com frequência, desdenhável. Para falar com franqueza, temos
de admitir que as bases de nosso conhecimento para calcular o rendimento provável, nos
próximos dez anos ou mesmo cinco anos, de uma estrada de ferro, uma mina de cobre,
uma fábrica de tecidos, um produto farmacêutico patenteado, uma linha transatlântica
de navios ou um imóvel na City de Londres se reduzem a bem pouco e às vezes a nada”.
(KEYNES, 1970, p. 147 (g.n)
5
países no oferecimento da melhor base material para a reprodução do capital é
necessariamente injusta e culmina inexoravelmente em um “desenvolvimento geográfico
desigual” do capitalismo13
, pois a infraestrutura é consequência (e não causa) da
acumulação de capital em um determinado território.
Para os fins do presente estudo, consideraremos o conceito de rede em seu
aspecto material14
, cuja definição formal é oferecida por N. Curien (1985, p. 49): “toda
infraestrutura, permitindo o transporte de matéria, de energia ou de informação, e que
se inscreve sobre um território onde se caracteriza pela topologia dos seus pontos de
acesso ou pontos terminais, seus arcos de transmissão, seus nós de bifurcação ou de
comunicação”15
.
Podemos concluir que as infraestruturas em rede apresentam três
características que lhe diferem das infraestruturas convencionais: Primeiro, a ideia de
fluxo, ou seja, por essas infraestruturas trafegam matéria, energia ou informação. Em
segundo lugar, essas infraestruturas articulam-se por nós e interconexões que obedecem
a padrões espaciais de hierarquia, complementariedade e influência sobre determinadas
áreas, estabelecidas pelo complexo processo de organização espacial socialmente
engendrado16
. Por fim, dada sua qualidade de serviço público, as infraestruturas em rede
oferecem a possibilidade de segregação entre o titular ou concessionário das redes
(infraestrutura) daqueles concessionários que detém o direito de prestação do serviço ao
usuário final17
.
13
(HARVEY, 2013, p. 478)
14
Para Milton Santos (1996, p. 211) é indispensável considerar a matriz social e política
da rede, pelas pessoas, mensagens e valores que as frequentam, sem a quais, a despeito
da materialidade com que se impõe aos nossos sentidos é, na verdade, uma mera
abstração.
15
“Toute infrastructure permettant le transport de matière, d’énergie ou d’information,
qui s’inscrit sur un territoire où elle est caractérisée par la topologie de ses points d’accès
ou points terminaux, de ses arcs de transmission, de ses nœuds de bifurcation ou de
commutation”. (CURIEN, 1985, p. 49)
16
(CORREA, 1997a, p. 306-307)
17
“Trata-se de um desmembramento do setor, permitindo que a concorrência se instaure
ao menos em uma das fases... A desverticalização (unbundling) ou desintegração vertical
busca coibir a concentração em diversas atividades do mesmo setor”. (ARAGÃO, 2013,
p. 415-416)
18
Bibliografia
ARAGÃO, A. S. D. Direito dos serviços públicos. 3a. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2013.
ARROYO, M. Redes e circulação no uso do território. In: ARROYO, M.; DA CRUZ, R.
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BERCOVICI, G. Infraestrutura e Desenvolvimento. In: BERCOVICI, G.; VALIM, R.
Elementos de Direito de Infraestrutura. São Paulo: Contracorrente, 2015. p. 17-26.
BERTHÉLEMY, H. Traité Élémentaire de Droit Administratif. 9a. ed. Paris:
Rousseau, 1920.
BOBBIO, N.; MATTEUCCI, N.; PASQUINO, G. Dicionário de Política. 9a. ed.
Brasília: Universidade de Brasília, v. 2, 1997.
BORGES, A.; SAMPAIO, D. Reportagem especial: ferrovias ociosas. O Estado de S.
Paulo , São Paulo, 03 jul. 2016. B8-B9.
CORREA, R. L. Interações Espaciais. In: CASTRO, I.; GOMES, P. C.; CORRÊA, R.
Explorações Geográficas. Percursos no fim do século. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil
, 1997a. p. 279-318.
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transport des information. In: ______ Cahier / Groupe Réseaux. [S.l.]: [s.n.], v. n°2,
1985. p. 48-62.
FURTADO, C. Formação econômica do Brasil: edição comemorativa 50 anos. São
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GOTTMAN, J. A evolução do conceito de território. Boletim Campineiro de Geografia,
Campinas, v. 2, n. 3, 2012.
GRAU, E. R. A Ordem Econômica na Constituição de 1988. 16a. ed. São Paulo:
Malheiros, 2014.
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HARVEY, D. Os limites do capital. São Paulo: Boitempo, 2013.
HOBSBAWM, E. J. A Era do Capital, 1848-1875. 11a. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra,
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KEYNES, J. M. Teoria geral do emprego, do juro e do dinheiro. Rio de Janeiro: Fundo
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LEFF, N. H. Underdevelopment and Development in Brazil. New York: Routledge, v.
I: Economic Structure and Change, 1822 - 1947, 2011 [1982].
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19
RAFFESTIN, C. Por uma geografia do poder. São Paulo: Ática, 1993.
ROSSEAU, J. J. Do Contrato Social: princípios do direito político. 2a. ed. São Paulo:
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Jornal O Lince, n° 47, set. / out. 2012. Disponivel em:
<www.jornalolince.com.br/2012/out/47>. Acesso em: 13 agosto 2015.
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SILVEIRA, M. L. Território: globalização e fragmentação. São Paulo: Hucitec/Anpur,
1994. p. 15-20.
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Hucitec, 1996.
SANTOS, M. Economia Espacial: críticas e alternativas. São Paulo: Edusp, 2003.
VALAUX, C. El Suelo y el Estado. Madrid: Daniel Jorro, 1914.

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  • 1. 1 O Transporte Ferroviário como Infraestrutura em Rede: Desafios Regulatórios e Econômicos na Articulação do Território Brasileiro Felipe Fernandes Rocha N° USP 295173-5 1. Nota Introdutória 2. Infraestruturas em Rede 3. Características da Malha Ferroviária Brasileira 4. O Desafio Regulatório - Tráfego Mútuo e Direito de Passagem: Desverticalização. 5. O Desafio Econômico - Redução das Desigualdades Regionais. 6. Conclusão. 1. Nota Introdutória. A circulação de bens e pessoas por um território não é apenas um fenômeno econômico, mas também político1 . Ele decorre da atribuição ao Estado do controle exclusivo de um determinado espaço geográfico sobre o qual se integra o sistema econômico, articulando-o e promovendo os fluxos dos fatores de produção. Ao organizar o território segundo os interesses de seus cidadãos2 , o Estado preocupa-se precipuamente com a criação de riqueza e sua distribuição regional, tendo em vista as consequências desagregadoras de uma perversa divisão espacial do trabalho3 . 1 (VALAUX, p. 272) 2 “Na teoria política moderna (...) alguns escritores deram em sustentar (e com êxito) que todos os Governos que existiram ou estão por existir foram ou serão sempre Governos de poucos (...) de minorias organizadas ou de elites. (...) segundo a teoria das elites, a Oligarquia é, no sentido etimológico da palavra, a única forma possível de Governo.” (BOBBIO, MATTEUCCI e PASQUINO, p. 835-836). Por outro lado, Jean Jacques Rosseau escreve: “A primeira e mais importante consequência dos princípios acima estabelecidos está em que somente a vontade geral tem possibilidade de dirigir as forças do Estado, segundo o fim de sua instituição, isto é, o bem comum; pois, se a oposição dos interesses particulares tornou necessário o estabelecimento das sociedades, foi a conciliação desses mesmos interesses que a tornou possível. (...) Ora, é unicamente à base desse interesse comum que a sociedade deve ser governada.” (ROSSEAU, p. 36) Tenhamos em mente, portanto, que as teorias sobre o Estado e os Governos divergem quanto aos beneficiários do exercício efetivo de seus poderes. 3 “A riqueza econômica e o poder político nem sempre coincidiram em sua distribuição espacial; na verdade, muitos países viveram em um equilíbrio delicado, no qual as
  • 2. 2 A regularidade da intervenção política do Estado sobre as redes de circulação no território é garantida pelas cartas constitucionais4 . A exploração direta ou mediante concessão dos serviços de transporte rodoviário, aquaviário, aeroviário e ferroviário pode ser vista, portanto, como exercício da soberania do Estado. Ao retirar essas atividades econômicas do rol daquelas atribuídas à livre iniciativa, o Estado exerce poder. Nas palavras de Claude Raffestin: Quem procura tomar o poder se apropria pouco a pouco das redes de circulação e de comunicação: controle dos eixos rodoviários e ferroviários, controle das redes de alimentação e energia, controle das centrais telefônicas, das estações de rádio e de televisão. Controlar as redes é controlar os homens e é impor-lhes uma nova ordem que substituirá a antiga. (RAFFESTIN, p. 213 (g.n.)) No Brasil, as redes de transportes refletiram, ao menos inicialmente, a dependência do desenvolvimento regional e nacional a fatores externos. A inserção dos variados complexos geoeconômicos estabelecidos sobre nosso território na divisão internacional do trabalho em períodos históricos distintos culminou em uma rede fragmentada, alternando vastas concentrações de força produtiva com regiões relativamente vazias ao longo de nossa história5 . autoridades governantes obtiveram seu principal apoio nas seções mais pobres do território, dando-as influência política para restringir o frequentemente turbulento dinamismo das seções mais ricas e mais economicamente avançadas. Costuma-se dizer a respeito da França que o seu norte pagava as taxas enquanto o Sul comandava a política. Uma fórmula similar poderia muito bem ser aplicada aos Estados Unidos, durante um período de tempo.” (GOTTMAN, p. 537) 4 “Cartas constitucionais” ou “cartas políticas”, não por acaso. Na Constituição Federal de 1988, o art. 21 dispõe que “Compete à União: (...) XII – explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão: (...) c) a navegação aérea, aeroespacial e a infraestrutura aeroportuária; d) os serviços de transporte ferroviário e aquaviário entre portos brasileiros e fronteiras nacionais, ou que transponham os limites de Estado ou Território; e) os serviços de transporte rodoviário interestadual e internacional de passageiros; (...)” BRASIL. Constituição (1988). AASP: Constituição Federal, 7ª ed., São Paulo, p. 18-19, 2014. 5 Entre 1879 e 1912, como também durante a 2ª Guerra Mundial, a Região Norte viveu o ciclo da borracha, consequência do aproveitamento desse produto para fins industriais. Para escoamento da produção, foram construídos os 366 km da Estrada de Ferro Madeira – Mamoré. Milhares de trabalhadores morreram durante as obras, principalmente de doenças tropicais. A distância dos mercados globais e o difícil acesso fez com que a região perdesse a primazia do monopólio de produção para seringais
  • 3. 3 O transporte ferroviário herdou da condição periférica de nossa economia algumas virtudes e muitos vícios. A adoção do modal rodoviário como prioritário a partir dos anos 30 do século XX obedeceu ao propósito de promoção da industrialização por meio da substituição de importações. Critérios como a natureza das cargas transportadas ou as distâncias no interior do território6 não foram levados em consideração, revelando o caráter político da escolha. Por esse motivo, o modal ferroviário constitui um desafio para o Estado Brasileiro, tanto do ponto de vista da escolha do modelo regulatório apropriado para os investimentos, como também da perspectiva de prover seu território das infraestruturas em rede que promovam internamente a reprodução eficiente do capital. O presente ensaio tratará do desafio político (transporte ferroviário como serviço público) e do desafio econômico (transporte ferroviário como infraestrutura em rede), indissociáveis nos estudos relativos ao desenvolvimento e à geografia política. 2. Infraestruturas em Rede. O conceito de infraestrutura é delineado da perspectiva político-jurídica a partir do início do século XX pela terminologia administrativa francesa, designando as instalações permanentes das ferrovias, como pontes, túneis, redes de trilhos e estações7 . A partir da década de 1960, a infraestrutura torna-se objeto de pesquisa acadêmica e os problemas a ela relacionados evocam a atenção cada vez maior de economistas, juristas, engenheiros e geógrafos em lhe dar uma definição precisa e investigar sua racionalidade no tocante a sua função, planejamento, financiamento, preço, risco, organização e desenvolvimento8 . plantados na Malásia, no Ceilão e na África Tropical. A estrada de ferro foi abandonada, por definitivo, em 10 de julho de 1972. 6 “A introdução das ferrovias no Brasil, portanto, de sua rápida expansão na transição do século XIX ao XX e sua crise em meados do século XX não pode ser compreendida apenas pelas determinações internas a esse projeto. Avaliar quem lutou por sua introdução, quem defendeu outros modelos viários ou mesmo como se deu as disputas em torno dos projetos de transporte no Brasil, revela-se apenas como parte das causas dessa trajetória. Assim, para entendermos o processo de expansão das estradas de ferro no Brasil, devemos nos voltar também para um todo mais complexo, avaliando o sentido destas ferrovias brasileiras num contexto de capitalismo mundial.” (SAES e HESPANHOL, 2012) 7 (BERTHÉLEMY, 1920, p. 724-725) 8 (BERCOVICI, 2015, p. 17)
  • 4. 4 Reimut Jochimsen, economista alemão, foi o primeiro a apresentar uma definição relevante de infraestrutura, segundo a qual “infraestrutura consiste no conjunto de instalações e condições de natureza material, institucional e pessoal, disponibilizado a unidades econômicas no âmbito de uma economia baseada na divisão do trabalho, e que auxiliam, de um lado, a reduzir as diferenças na remuneração de fatores de produção, regional e setorialmente, e, de outro, a promover o crescimento da economia”9 . Fundamento da atividade econômica, os empreendimentos de infraestrutura passam a ser reconhecidos como essenciais a seu desenvolvimento. O progresso da acumulação capitalista depende e pressupõe a existência de quantidades necessárias de meios de produção (bens de capital, matéria prima, infraestrutura física, etc.) que possibilitem a expansão da produção conforme o capital seja reinvestido10 . A alta complexidade na concepção, implantação e operação dos empreendimentos de infraestrutura requerem vultosos investimentos cujo financiamento e custeio pela coletividade pode ocorrer tanto por intermédio de instituições de caráter privado, por exemplo, bancos e mercado de capitais, como também pelo Estado. A assunção pelo Estado dessa tarefa outorgando-lhe a chancela de serviço público é consequência da função central que as ações de infraestrutura apresentam na sociedade11 . Não obstante essas peculiaridades, a infraestrutura ainda está vinculada ao local e caracteriza-se pela artificialidade. A intervenção humana sobre o território, ou seja, o seu uso é que faz dele objeto da análise social12 e, em um contexto de produção capitalista, promove a divisão espacial do trabalho. A competição entre locais, regiões e 9 “Infrastruktur ist die Gesamtheit der materiellen, institutionellen und personalen Anlagen, Einrichtungen und Gegebenheiten, die den Wirtschaftseinheiten im Rahmen einer arbeitsteiligen Wirtschaft zur Verfügung steht, und die helfen, einerseits die Unterschiede in der Entlohnung de Produktionsfaktoren zwischen Regionen und zwischen Sektoren zu verringern und anderseits das Wachstum der Volkswirtschaft zu erhöhen“. (JOCHIMSEN, 1966, p. 145) 10 (HARVEY, 2005, p. 42-43) 11 A expansão da produção e o crescimento econômico são condições para a formulação de políticas de pleno emprego, para o bem-estar da população e mesmo para a elevação da arrecadação do Estado com tributos sobre os resultados obtidos. Mais tarde, veremos o conceito de coesão social e monopólio natural para melhor compreensão do fenômeno. 12 (SANTOS, 1996, p. 15)
  • 5. 5 países no oferecimento da melhor base material para a reprodução do capital é necessariamente injusta e culmina inexoravelmente em um “desenvolvimento geográfico desigual” do capitalismo13 , pois a infraestrutura é consequência (e não causa) da acumulação de capital em um determinado território. Para os fins do presente estudo, consideraremos o conceito de rede em seu aspecto material14 , cuja definição formal é oferecida por N. Curien (1985, p. 49): “toda infraestrutura, permitindo o transporte de matéria, de energia ou de informação, e que se inscreve sobre um território onde se caracteriza pela topologia dos seus pontos de acesso ou pontos terminais, seus arcos de transmissão, seus nós de bifurcação ou de comunicação”15 . Podemos concluir que as infraestruturas em rede apresentam três características que lhe diferem das infraestruturas convencionais: Primeiro, a ideia de fluxo, ou seja, por essas infraestruturas trafegam matéria, energia ou informação. Em segundo lugar, essas infraestruturas articulam-se por nós e interconexões que obedecem a padrões espaciais de hierarquia, complementariedade e influência sobre determinadas áreas, estabelecidas pelo complexo processo de organização espacial socialmente engendrado16 . Por fim, dada sua qualidade de serviço público, as infraestruturas em rede oferecem a possibilidade de segregação entre o titular ou concessionário das redes (infraestrutura) daqueles concessionários que detém o direito de prestação do serviço ao usuário final17 . 13 (HARVEY, 2013, p. 478) 14 Para Milton Santos (1996, p. 211) é indispensável considerar a matriz social e política da rede, pelas pessoas, mensagens e valores que as frequentam, sem a quais, a despeito da materialidade com que se impõe aos nossos sentidos é, na verdade, uma mera abstração. 15 “Toute infrastructure permettant le transport de matière, d’énergie ou d’information, qui s’inscrit sur un territoire où elle est caractérisée par la topologie de ses points d’accès ou points terminaux, de ses arcs de transmission, de ses nœuds de bifurcation ou de commutation”. (CURIEN, 1985, p. 49) 16 (CORREA, 1997a, p. 306-307) 17 “Trata-se de um desmembramento do setor, permitindo que a concorrência se instaure ao menos em uma das fases... A desverticalização (unbundling) ou desintegração vertical busca coibir a concentração em diversas atividades do mesmo setor”. (ARAGÃO, 2013, p. 415-416)
  • 6. 6 A Figura 1 traz como exemplo da segunda característica das infraestruturas em rede a dispersão e concentração das redes de energia elétrica nos cinco continentes. As áreas mais claras do mapa correspondem aos pontos luminosos interligados por redes de transmissão. Notem como o padrão espacial da rede pode ser descrito a partir da configuração histórica dessas sociedades. O interior dos continentes sul-americano e africano estão “às escuras” e as faixas luminosas concentram-se no litoral, denunciando sociedades que ao longo de sua formação tiveram no exterior suas referências econômicas e culturais. Europa e Japão apresentam uma distribuição mais uniforme pelo território. Os Estados Unidos são um caso interessante: a ocupação alienígena do território iniciou- se pela costa (leste) como na América do Sul e na África; ao longo dos anos, áreas interioranas passam a ser densamente ocupadas em “uma marcha para o oeste”18 . A sociedade americana e seus milhões de imigrantes movem-se para o interior do território. Em suma, para cada formação econômica e social, um padrão espacial diferente de infraestrutura de redes de transmissão. Figura 1 – Padrões espaciais de distribuição de energia pelo mundo. Fonte: National Aeronautics and Space Administration (Nasa) 18 “Seja qual for a forma que escolhermos para analisar a transformação dos Estados Unidos, se o final de um sonho revolucionário ou o início de uma era, o fato é que isso aconteceu no período de 1848-75. A mitologia em si mesma testemunha a importância dessa época, com os dois temas mais profundos e duradouros da história americana localizados na cultura popular: a Guerra Civil e o Oeste. Ambos estão intimamente interligados, já que foi a abertura do Oeste (ou mais exatamente suas partes sul e central) que precipitou o conflito entre os que representavam os colonos livres e o despontar do capitalismo do Norte, e os da sociedade escravista do Sul”. (HOBSBAWM, 1996, p. 199-200)
  • 7. 3 O transporte ferroviário herdou da condição periférica de nossa economia algumas virtudes e muitos vícios. A adoção do modal rodoviário como prioritário a partir dos anos 30 do século XX obedeceu ao propósito de promoção da industrialização por meio da substituição de importações. Critérios como a natureza das cargas transportadas ou as distâncias no interior do território6 não foram levados em consideração, revelando o caráter político da escolha. Por esse motivo, o modal ferroviário constitui um desafio para o Estado Brasileiro, tanto do ponto de vista da escolha do modelo regulatório apropriado para os investimentos, como também da perspectiva de prover seu território das infraestruturas em rede que promovam internamente a reprodução eficiente do capital. O presente ensaio tratará do desafio político (transporte ferroviário como serviço público) e do desafio econômico (transporte ferroviário como infraestrutura em rede), indissociáveis nos estudos relativos ao desenvolvimento e à geografia política. 2. Infraestruturas em Rede. O conceito de infraestrutura é delineado da perspectiva político-jurídica a partir do início do século XX pela terminologia administrativa francesa, designando as instalações permanentes das ferrovias, como pontes, túneis, redes de trilhos e estações7 . A partir da década de 1960, a infraestrutura torna-se objeto de pesquisa acadêmica e os problemas a ela relacionados evocam a atenção cada vez maior de economistas, juristas, engenheiros e geógrafos em lhe dar uma definição precisa e investigar sua racionalidade no tocante a sua função, planejamento, financiamento, preço, risco, organização e desenvolvimento8 . plantados na Malásia, no Ceilão e na África Tropical. A estrada de ferro foi abandonada, por definitivo, em 10 de julho de 1972. 6 “A introdução das ferrovias no Brasil, portanto, de sua rápida expansão na transição do século XIX ao XX e sua crise em meados do século XX não pode ser compreendida apenas pelas determinações internas a esse projeto. Avaliar quem lutou por sua introdução, quem defendeu outros modelos viários ou mesmo como se deu as disputas em torno dos projetos de transporte no Brasil, revela-se apenas como parte das causas dessa trajetória. Assim, para entendermos o processo de expansão das estradas de ferro no Brasil, devemos nos voltar também para um todo mais complexo, avaliando o sentido destas ferrovias brasileiras num contexto de capitalismo mundial.” (SAES e HESPANHOL, 2012) 7 (BERTHÉLEMY, 1920, p. 724-725) 8 (BERCOVICI, 2015, p. 17)
  • 8. 8 produção e transbordo de cargas23 . As interações perpendiculares ao eixo de tráfego são muito pouco significativas e ocorrem nos poucos centros nodais em que uma estrada de ferro voltada para os portos localizados no Atlântico cruzam com estradas de ferro com as mesmas características. Na figura 02, também visualizamos a baixa densidade territorial da malha se comparada a de outros países24 . Os Estados Unidos, por exemplo, apresentam uma rede de múltiplos circuitos, na qual existem várias ligações possíveis entre um mesmo par de nós25 . Difere da rede ferroviária brasileira, pois mais complexa, havendo o cruzamento de ligações sem a mediação de um nó, ou nós com hierarquias ou complementariedade entre eles. Figura 3 – Malha Ferroviária dos EUA. Fonte: Maps of World (www.mapsofworld.com) 23 A disputa entre Municípios para se tornarem centros nodais ao longo da Ferrovia Norte- Sul foi narrada em reportagem realizada pelo jornal Estado de S. Paulo em julho de 2016: “A ferrovia era nossa esperança. Hoje, não tenho mais informações sobre o nosso terminal. Nem sei mais onde ficará, diz (o Prefeito de Santa Isabel) Levino de Souza.” Em outro trecho, a estatal responsável pela construção, pronuncia-se sobre o destino da cidade: “A Valec informou que não adianta mais esperar por terminais ali. A estatal declarou que, depois de reestudar o trecho, percebeu que a proximidade de outras cidades (Uruaçu e Anápolis) com maior estrutura acabaram por não justificar o investimento adicional no meio do caminho.” (BORGES e SAMPAIO, 2016, p. B8-B9) 24 A densidade territorial da malha no Brasil é de 3,4 Km/1000Km². 25 (CORREA, 1997a, p. 312-313). A densidade territorial das ferrovias americanas é de 29,8 Km/1000Km².
  • 9. 9 Essas características interferem diretamente no custo logístico das empresas brasileiras, uma vez que são obrigadas a utilizarem o modal rodoviário para transportes à grandes distâncias, de maneira exclusiva ou combinada com o modal ferroviário. Da perspectiva econômica, uma infraestrutura em rede axial é prejudicial aos ganhos de escala em rede, enquanto do ponto de vista regulatório torna-se um entrave ao compartilhamento da infraestrutura e adoção de mecanismos de competição entre os transportadores, conforme veremos a seguir. 4. O Desafio Regulatório - Tráfego Mútuo e Direito de Passagem: Desverticalização. O transporte ferroviário constitui serviço público por determinação constitucional26 . Serviços públicos são parcelas da atividade econômica que a constituição ou a lei atribuem ao Estado para a satisfação de necessidades públicas. Tentar definir se esta ou aquela parcela da atividade econômica é serviço público, ou mesmo de estabelecer um conceito de serviço público, decorre de nossa tentativa de raciocinar em termos de um modelo ideal, em princípio atemporal e permanente27 . Eros Roberto Grau28 remete à realidade social a obtenção de um significado de serviço público, visto tratar-se de um conceito aberto sujeito às vicissitudes das relações entre as forças sociais. Desse modo, na relação capital - trabalho, os trabalhadores aspiram que o maior número possível de atividades econômicas seja atribuído ao Estado para que as desenvolva de maneira não especulativa. O retrato desse confronto em um momento histórico específico determinará os âmbitos das atividades econômicas em sentido estrito29 e dos serviços públicos. Dois elementos, segundo Léon Duguit, pai da “Escola do Serviço Público”, seriam fundamentais na conceptualização de serviço público. Primeiramente, o serviço em questão deveria ser relevante para a interdependência social, ou seja, prestado 26 Ver nota 4. 27 (ARAGÃO, 2013) 28 (GRAU, 2014, p. 107) 29 Atividade econômica em sentido estrito é a parcela da atividade econômica em sentido amplo subtraída da parcela destinada aos serviços públicos. A atividade econômica em sentido estrito é exercida pela iniciativa privada e, excepcionalmente, pelo Estado.
  • 10. 10 pelo Estado como justificativa racional de sua soberania sobre os governados, sendo a garantia dessa solidariedade social sua razão de ser. Além disso, o mercado deve se revelar incapaz de proporcionar essa interdependência social em prol do interesse público30 . Da relação entre interesses econômicos e configuração atual da rede ferroviária brasileira, podemos extrair que a intervenção política é condição sine qua non para que essa modalidade de serviço público produza a interdependência social e econômica desejada por Duguit. A infraestrutura (trilhos, dormentes, terraplenagem, fundação, etc.) constitui um monopólio natural31 , com relevantes custos fixos e custos irrecuperáveis (“sunk costs”), o que exige uma escala elevada32 . Para minimizar os impactos negativos desse monopólio inexorável, surgiu a necessidade de regulação. A partir da inclusão da Rede Ferroviária Nacional S.A. (RFFSA)33 , no Programa Nacional de Desestatização - PND34 em 1992, o objetivo do Governo Federal passou a ser a transferência da operação da malha ferroviária e da prestação do serviço à iniciativa privada. Nas primeiras concessões realizadas nos anos 90 com base na Lei n° 8.987/95, o concessionário controla a infraestrutura, a operação e a comercialização dos serviços de transporte ferroviário em uma determinada região. As expectativas de investimento na ampliação da rede e, consequentemente, de aumento das metas quinquenais da produção anual do modal previstas no contrato de concessão foram frustradas. Na tentativa de aumentar os fluxos sobre a infraestrutura ferroviária, a ANTT aprovou a Resolução n° 3.695 de 14 de julho 30 Duguit define serviço público como « toute activité dont l’accomplissement doit être assuré, réglé et contrôlé par les gouvernants parce que l’accomplissement de cette activité est indispensable à la réalisation et au développement de l’interdépendance sociale, et qu’elle est de telle nature qu’elle ne peut être réalisée complètement que par l’intervention de la force gouvernante » (g.n.) 31 Determinada atividade constitui um monopólio natural se uma empresa possuir capacidade de produção para todo o mercado com custo menor ao que existiria se várias empresas exercessem a mesma atividade. 32 (O sistema ferroviário brasileiro, 2013, p. 15) 33 Sociedade de economia mista criada pela Lei 3.115/57 cujo propósito era administrar, operar, conservar e planejar as estradas de ferro de propriedade da União. 34 Decreto n° 473, de 10.03.1992.
  • 11. 11 de 2011 e criou o regulamento das operações de direito de passagem e tráfego mútuo35 da rede. Por fim, o Governo Federal promoveu à desverticalização do setor com o objetivo de torna-lo mais eficiente, competitivo e atrativo para o investimento privado. A infraestrutura ferroviária seria objeto de concessão, enquanto a delegação do transporte ferroviário de cargas a operador ferroviário independente dar-se-ia mediante regime de autorização36 . David Harvey, ao tratar das relações de transporte e a mobilidade do capital como mercadoria, descreve a política de desverticalização do ponto de vista dos capitalistas que atuam nessa indústria: Como grandes quantidades de capital são com frequência necessárias para a construção de linhas ferroviárias, docas e portos, aeroportos, etc., os capitalistas podem não estar dispostos a investir sem proteção contra o risco da desvalorização de uma localização específica mediante a competição. Isso significa a restrição da competição e a criação de monopólios regulados pelo Estado ou até pertencentes ao Estado. (...) A tensão pode ser em parte resolvida se o capital dentro da indústria de transporte se dividir em capital fixo de um tipo independente que circula no ambiente construído e outros tipos de capital (caminhões, navios, etc.) que são livres para se mover no espaço. (HARVEY, 2013, p. 483- 484 (g.n) Como já exposto, a malha brasileira apresenta deficiência na integração, principal motivo da ineficiência do sistema. A miopia própria das políticas neoliberais do período seduziu os formuladores de políticas para o setor a ponto de acreditarem que a transferência da prestação do serviço e da gestão da infraestrutura para a iniciativa privada seriam suficientes para o desenvolvimento natural e espontâneo do modal. A aplicação de categorias próprias a esse setor em países cuja rede ferroviária é densa trazia ares de 35 Define-se “direito de passagem” como a operação em que uma concessionária, para deslocar a carga de um ponto a outro da malha ferroviária federal, utiliza, mediante pagamento, via permanente e sistema de licenciamento de trens da concessionária em cuja malha dar-se-á parte da prestação de serviço. “Tráfego mútuo” é a operação em que uma concessionária compartilha com outra concessionária, mediante pagamento, via permanente e recursos operacionais para prosseguir ou encerrar a prestação de serviço público de transporte ferroviário de cargas. 36 Lei n° 12.743/12 e Resolução ANTT n° 4.348/14.
  • 12. 4 Reimut Jochimsen, economista alemão, foi o primeiro a apresentar uma definição relevante de infraestrutura, segundo a qual “infraestrutura consiste no conjunto de instalações e condições de natureza material, institucional e pessoal, disponibilizado a unidades econômicas no âmbito de uma economia baseada na divisão do trabalho, e que auxiliam, de um lado, a reduzir as diferenças na remuneração de fatores de produção, regional e setorialmente, e, de outro, a promover o crescimento da economia”9 . Fundamento da atividade econômica, os empreendimentos de infraestrutura passam a ser reconhecidos como essenciais a seu desenvolvimento. O progresso da acumulação capitalista depende e pressupõe a existência de quantidades necessárias de meios de produção (bens de capital, matéria prima, infraestrutura física, etc.) que possibilitem a expansão da produção conforme o capital seja reinvestido10 . A alta complexidade na concepção, implantação e operação dos empreendimentos de infraestrutura requerem vultosos investimentos cujo financiamento e custeio pela coletividade pode ocorrer tanto por intermédio de instituições de caráter privado, por exemplo, bancos e mercado de capitais, como também pelo Estado. A assunção pelo Estado dessa tarefa outorgando-lhe a chancela de serviço público é consequência da função central que as ações de infraestrutura apresentam na sociedade11 . Não obstante essas peculiaridades, a infraestrutura ainda está vinculada ao local e caracteriza-se pela artificialidade. A intervenção humana sobre o território, ou seja, o seu uso é que faz dele objeto da análise social12 e, em um contexto de produção capitalista, promove a divisão espacial do trabalho. A competição entre locais, regiões e 9 “Infrastruktur ist die Gesamtheit der materiellen, institutionellen und personalen Anlagen, Einrichtungen und Gegebenheiten, die den Wirtschaftseinheiten im Rahmen einer arbeitsteiligen Wirtschaft zur Verfügung steht, und die helfen, einerseits die Unterschiede in der Entlohnung de Produktionsfaktoren zwischen Regionen und zwischen Sektoren zu verringern und anderseits das Wachstum der Volkswirtschaft zu erhöhen“. (JOCHIMSEN, 1966, p. 145) 10 (HARVEY, 2005, p. 42-43) 11 A expansão da produção e o crescimento econômico são condições para a formulação de políticas de pleno emprego, para o bem-estar da população e mesmo para a elevação da arrecadação do Estado com tributos sobre os resultados obtidos. Mais tarde, veremos o conceito de coesão social e monopólio natural para melhor compreensão do fenômeno. 12 (SANTOS, 1996, p. 15)
  • 13. 13 extraordinária extensão da construção de troncos e ramais42 . Os ganhos de velocidade ocorreram de maneira sucessiva anos mais tarde, mas a locomotiva como existia em 1830 já possuía extraordinária eficiência. O transporte de matéria primas, o escoamento da produção, a unificação dos mercados consumidor e produtor, como também a crescente industrialização mantinham, entre si, uma relação de causa e efeito. Nathaniel H. Leff, professor brasilianista da Universidade de Columbia, ao discorrer sobre a gênese do desenvolvimento dos Estados Unidos da América e a persistência do subdesenvolvimento do Brasil no séc. XIX, atribui à ausência de ferrovias e outras vias de transporte um dos fatores de contenção do nosso crescimento econômico. O aumento crescente no custo do transporte no território brasileiro em relação à distância limitou a capacidade da economia de atingir novos fornecedores diante de flutuações positivas na demanda local, tendo como consequência pressões inflacionárias. Sobre o elevado custo da circulação do excedente no interior do território e a ausência de uma malha ferroviária vistosa, diz o autor: Further, the social returns to railways were probably much larger in Brazil than in the United States. This is because the alternative transportation modes which are relevant for calculating the “social savings” of railways in Brazil are generally not improved rivers or canals (as in the United States), but mule trains over very poor roads, or small boats on difficult rivers. Each of the latter modes involved relatively high unit transport costs. Similarly, the social savings and social returns attributable to the railroads in Brazil were also higher because of another major difference with the United States. Brazil’s individual railway lines did not connect easily to form a single national or regional system. (LEFF, 2011 [1982], p. 151 (g.n) A percepção das ferrovias como indutoras do crescimento pela redução do custo de transporte está presente em outros estudos que demonstram, por exemplo, que o PIB dos Estados Unidos teria um valor de 10% a 20% inferior ao apresentado na década 42 (HOBSBAWM, 1996, p. 85-86)
  • 14. 14 de 1960 na ausência da infraestrutura ferroviária43 . As ferrovias também contribuíram decisivamente para o crescimento do PIB do Japão no período de 1875 a 194044 . A difusão de uma rede de transportes terrestres em larga escala também criaria condições para que os lugares se especializassem sem a necessidade de produzir tudo para sua reprodução45 . O fracasso na integração espacial, ou seja, no vínculo da produção de mercadorias em diferentes localizações no interior do território, conduziu as regiões brasileiras a trocas desiguais quando do ingresso na divisão internacional do trabalho. Processos produtivos atingiram escala meramente regional, fator de restrição aos ganhos de escala que, no médio prazo, poderiam estimular o desenvolvimento de processos com maior complexidade. Essa é uma das razões pelas quais a política de desenvolvimento regional no Brasil tem sido pautada pela promoção da integração das bases produtivas regionais na economia nacional e internacional de maneira competitiva46 . As linhas férreas no Brasil, com pequenos trechos esparsos ao longo do território, não se conectaram de modo a formar uma rede nacional. O fato de a maioria das estradas de ferro terem sido construídas para transportar produtos destinados à exportação para os portos influenciou demasiadamente as perspectivas futuras para o modal47 . Se antes de 1930 a ausência de integração inter-regionais retardou o surto industrial e a constituição de um mercado interno que lhe desse lastro, a concentração do capital nas regiões sudeste-sul “primitivamente” acumulado a partir da exploração do café demandou uma imigração em massa no sentido nordeste-sudeste48 , com a região que 43 Para fins de comparação, em 1900, a extensão da malha ferroviária norte-americana era quase vinte vezes maior do que a brasileira. Mesmo após a grande expansão a partir de 1900, o Brasil tinha em 1914 apenas 26,06 Km de estradas de ferro, número que havia sido superado pelos Estados Unidos em 1850. (LEFF, 2011 [1982], p. 145) 44 (O sistema ferroviário brasileiro, 2013, p. 9) 45 (ARROYO, 2015, p. 41) 46 BRASIL. Lei Complementar n° 125, de 3 de janeiro de 2007. Institui, na forma do art. 43 da Constituição Federal, a Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste – SUDENE. Presidência da República. Disponível em: www.planalto.gov.br. Acesso em 25 jul. 2016. 47 (LEFF, 2011 [1982], p. 152) 48 Inicialmente, os cafeicultores utilizaram mão-de-obra escrava; no período pós- abolição, a mão de obra dos imigrantes europeus. Somente após a industrialização, a mão- de-obra de brasileiros nascidos em outras regiões foram incorporadas em larga escala ao processo produtivo.
  • 15. 15 concentrava capital separada por distância continental daquela em que habitava a reserva de mão de obra. Essa distância, apesar da livre mobilidade da força de trabalho, constituía barreira intransponível ao retorno daqueles que recebiam renda de natureza salarial no sul-sudeste, como também o estabelecimento de vínculos financeiros pertinentes com a região de origem49 . A ausência de uma rede de transportes que as interligasse e reduzisse o tempo de deslocamento de pessoas50 e de capitais de modo a permitir maiores interações entre os locais de partida e de chegada de migrantes, provocou o agravamento das desigualdades entre as duas regiões. Uma vez imigrante, o trabalhador perdia os laços com a origem e com eles a chance de formar poupança para o financiamento de pequenos investimentos na produção da região nordeste, por exemplo. Atualmente, na era dos serviços, infraestruturas em rede para o transporte de pessoas fazem tanta falta ao Brasil quanto o transporte de cargas inter-regional sempre nos fez51 . 6. Conclusão. A superação de barreiras espaciais pelo capitalismo ocorre mediante a construção de infraestruturas físicas que são imóveis no espaço, porém vulneráveis à 49 “Em busca de emprego e de um salário para sobreviver, o trabalhador é obrigado a acompanhar o capital para onde ele flua. (...) O capital em geral se vale dessa busca eterna dos trabalhadores por uma vida melhor – definida em termos materiais e monetários – como um meio para organizar a mobilidade do trabalho segundo suas exigências e disciplinar os capitalistas individuais segundo às exigências da classe. (HARVEY, 2013, p. 486 e 490) 50 “Fortes lealdades à família, à comunidade, ao lugar e ao meio cultural atuam como barreiras à mobilidade geográfica.” Acrescentaríamos “meios de transporte lentos, desconfortáveis e distâncias aterrorizantes” à relação de empecilhos à mobilidade geográfica apontadas por Harvey. (HARVEY, 2013, p. 490-491) 51 A Lei n° 12.404/11 criou a Empresa de Planejamento e Logística S.A. – EPL com o objetivo de “planejar e promover o desenvolvimento do serviço de transporte ferroviário de alta velocidade de forma integrada com as demais modalidades de transporte, por meio de estudos, pesquisas, construção da infraestrutura, operação e exploração do serviço, administração e gestão de patrimônio, desenvolvimento tecnológico e atividades destinadas à absorção e transferência de tecnologias”. Se a Valec é a estatal do transporte ferroviário de carga, a EPL representa o esforço estatal voltado para o transporte de passageiros sobre trilhos em alta velocidade.
  • 16. 16 desvalorização específica de um lugar. No Brasil, as ferrovias são utilizadas para o escoamento de produtos suscetíveis às oscilações da demanda de mercados externos ao sabor dos ciclos do capitalismo global52 . Considerando que ferrovias não podem ser realocadas sem que o valor nelas incorporado seja perdido, a desvalorização específica de um lugar pode ter seus efeitos reduzidos se tais infraestruturas físicas locais passarem a integrar uma rede de âmbito nacional, tornando-as parte de um todo que articular nosso mercado interno e o potencializa. O uso de mecanismos de mercado para tornar a prestação do serviço de transporte ferroviário mais eficiente, como a concessão e a desverticalização, encontra limitações. Na perspectiva keynesiana, decisões intertemporais como a construção de uma ferrovia por exemplo, não tem bases firmes, isto é, não apresentam “fundamentos” que possam livrá-las da incerteza radical em que os capitalistas estão mergulhados. Para Keynes, a incerteza radical não corresponde a uma etapa nem é um atributo determinado por certa fase da economia, mas, sim, o estado permanente sobre o qual repousam as decisões de longo prazo que regem o investimento em uma economia capitalista53 . Tendo em vista que o retorno a investimentos de longo prazo como as ferrovias está sujeito à “incerteza radical” dos capitalistas e considerando que esses investimentos são justificados em termos das externalidades positiva e ganhos coletivos que proporcionam, o assunto deve ser abordado de uma perspectiva diferente. Em princípio, a tarefa de prover o país com um sistema de transporte adequado deve ser levada a cabo pelo Estado, como já era a prática nos Estados Unidos no provimento de infraestrutura de transportes no séc. XIX: 52 Cabendo-nos, portanto, uma posição não muito “agradável” na divisão internacional do trabalho como exposto ao longo do ensaio. 53 “O fato mais destacado na matéria é a extrema precariedade dos dados em que terão de basear-se os nossos cálculos de rendimentos prováveis. O nosso conhecimento dos fatores que governarão o rendimento de um investimento alguns anos mais tarde é, em geral, muito limitado e, com frequência, desdenhável. Para falar com franqueza, temos de admitir que as bases de nosso conhecimento para calcular o rendimento provável, nos próximos dez anos ou mesmo cinco anos, de uma estrada de ferro, uma mina de cobre, uma fábrica de tecidos, um produto farmacêutico patenteado, uma linha transatlântica de navios ou um imóvel na City de Londres se reduzem a bem pouco e às vezes a nada”. (KEYNES, 1970, p. 147 (g.n)
  • 17. 5 países no oferecimento da melhor base material para a reprodução do capital é necessariamente injusta e culmina inexoravelmente em um “desenvolvimento geográfico desigual” do capitalismo13 , pois a infraestrutura é consequência (e não causa) da acumulação de capital em um determinado território. Para os fins do presente estudo, consideraremos o conceito de rede em seu aspecto material14 , cuja definição formal é oferecida por N. Curien (1985, p. 49): “toda infraestrutura, permitindo o transporte de matéria, de energia ou de informação, e que se inscreve sobre um território onde se caracteriza pela topologia dos seus pontos de acesso ou pontos terminais, seus arcos de transmissão, seus nós de bifurcação ou de comunicação”15 . Podemos concluir que as infraestruturas em rede apresentam três características que lhe diferem das infraestruturas convencionais: Primeiro, a ideia de fluxo, ou seja, por essas infraestruturas trafegam matéria, energia ou informação. Em segundo lugar, essas infraestruturas articulam-se por nós e interconexões que obedecem a padrões espaciais de hierarquia, complementariedade e influência sobre determinadas áreas, estabelecidas pelo complexo processo de organização espacial socialmente engendrado16 . Por fim, dada sua qualidade de serviço público, as infraestruturas em rede oferecem a possibilidade de segregação entre o titular ou concessionário das redes (infraestrutura) daqueles concessionários que detém o direito de prestação do serviço ao usuário final17 . 13 (HARVEY, 2013, p. 478) 14 Para Milton Santos (1996, p. 211) é indispensável considerar a matriz social e política da rede, pelas pessoas, mensagens e valores que as frequentam, sem a quais, a despeito da materialidade com que se impõe aos nossos sentidos é, na verdade, uma mera abstração. 15 “Toute infrastructure permettant le transport de matière, d’énergie ou d’information, qui s’inscrit sur un territoire où elle est caractérisée par la topologie de ses points d’accès ou points terminaux, de ses arcs de transmission, de ses nœuds de bifurcation ou de commutation”. (CURIEN, 1985, p. 49) 16 (CORREA, 1997a, p. 306-307) 17 “Trata-se de um desmembramento do setor, permitindo que a concorrência se instaure ao menos em uma das fases... A desverticalização (unbundling) ou desintegração vertical busca coibir a concentração em diversas atividades do mesmo setor”. (ARAGÃO, 2013, p. 415-416)
  • 18. 18 Bibliografia ARAGÃO, A. S. D. Direito dos serviços públicos. 3a. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2013. ARROYO, M. Redes e circulação no uso do território. In: ARROYO, M.; DA CRUZ, R. D. C. A. Território e Circulação: a dinâmica contraditória da globalização. São Paulo: FAPESP/PPGH/CAPES/Annablume Geografias, 2015. p. 37-49. BERCOVICI, G. Infraestrutura e Desenvolvimento. In: BERCOVICI, G.; VALIM, R. Elementos de Direito de Infraestrutura. São Paulo: Contracorrente, 2015. p. 17-26. BERTHÉLEMY, H. Traité Élémentaire de Droit Administratif. 9a. ed. Paris: Rousseau, 1920. BOBBIO, N.; MATTEUCCI, N.; PASQUINO, G. Dicionário de Política. 9a. ed. Brasília: Universidade de Brasília, v. 2, 1997. BORGES, A.; SAMPAIO, D. Reportagem especial: ferrovias ociosas. O Estado de S. Paulo , São Paulo, 03 jul. 2016. B8-B9. CORREA, R. L. Interações Espaciais. In: CASTRO, I.; GOMES, P. C.; CORRÊA, R. Explorações Geográficas. Percursos no fim do século. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil , 1997a. p. 279-318. CURIEN, N. D'une problématique générale des réseaux à l'analyse économique du transport des information. In: ______ Cahier / Groupe Réseaux. [S.l.]: [s.n.], v. n°2, 1985. p. 48-62. FURTADO, C. Formação econômica do Brasil: edição comemorativa 50 anos. São Paulo: Companhia das Letras, 2009. GOTTMAN, J. A evolução do conceito de território. Boletim Campineiro de Geografia, Campinas, v. 2, n. 3, 2012. GRAU, E. R. A Ordem Econômica na Constituição de 1988. 16a. ed. São Paulo: Malheiros, 2014. HARVEY, D. A produção capitalista do espaço. 2a. ed. São Paulo: Annablume, 2005. HARVEY, D. Os limites do capital. São Paulo: Boitempo, 2013. HOBSBAWM, E. J. A Era do Capital, 1848-1875. 11a. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1996. JOCHIMSEN, R. Theorie der Infrastruktur: Grundlagen de markwirtschaftlichen Entwicklung. Tübingen: Mohr Siebeck, 1966. KEYNES, J. M. Teoria geral do emprego, do juro e do dinheiro. Rio de Janeiro: Fundo da Cultura, 1970. LEFF, N. H. Underdevelopment and Development in Brazil. New York: Routledge, v. I: Economic Structure and Change, 1822 - 1947, 2011 [1982]. O sistema ferroviário brasileiro. Brasília: CNT, 2013.
  • 19. 19 RAFFESTIN, C. Por uma geografia do poder. São Paulo: Ática, 1993. ROSSEAU, J. J. Do Contrato Social: princípios do direito político. 2a. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. SAES, A. M.; HESPANHOL, G. C. M. G. Ferrovias, Capitalismo e História Econômica. Jornal O Lince, n° 47, set. / out. 2012. Disponivel em: <www.jornalolince.com.br/2012/out/47>. Acesso em: 13 agosto 2015. SANTOS, M. O retorno do território. In: SANTOS, M.; SOUZA, M. A. A. D.; SILVEIRA, M. L. Território: globalização e fragmentação. São Paulo: Hucitec/Anpur, 1994. p. 15-20. SANTOS, M. A natureza do espaço. Técnica e tempo. Razão e emoção. São Paulo: Hucitec, 1996. SANTOS, M. Economia Espacial: críticas e alternativas. São Paulo: Edusp, 2003. VALAUX, C. El Suelo y el Estado. Madrid: Daniel Jorro, 1914.