1. O
convidado
30• REVISTA O GLOBO• 29 DE JANEIRO DE 2012
Colunista
Fernando Caruso*
Divulgação
Riso não tem sotaque
‘‘
É apenas o começo. É bem verdade que já é demos ver como um mineiro percebe o Rio,
apenas o começo há seis anos, quando nós como o carioca se sente em Curitiba, e
realmente começamos. Mas naquela época como é divertido sacanear um paulista em
era o começo pra gente, ninguém sabia o que qualquer canto. Rixas centenárias ganham
estávamos começando, então o começo não outra roupagem e geram novas piadas. Po-
existia. Era como se fôssemos aqueles ban- demos acompanhar a formação de uma
deirantes cortando o mato, ou os primeiros nova cultura, através dos tipos diferentes
tratores antes da BR. As pessoas não sabiam o de humor. Claro que isso é um trabalho para
que era stand up, a explicação se fazia ne- um historiador num futuro distante, mas,
cessária sempre. Nas primeiras vezes em que me antecipando a ele, arriscaria teorizar
Nessa troca, me apresentei sozinho, cheguei a ouvir que “o
público brasileiro não estava preparado pra
um pouco sobre o assunto.
O carioca é mais discursivo. Costuma de-
podemos ver isso, sentiria falta de uma peruca”.
Agora, finalmente, sinto que algumas pes-
senvolver temas mais longos, e suas histórias
tendem a ser verdadeiras. Os paulistas abordam
soas já sabem do que se trata, não precisando a comédia de maneira mais pragmática e dis-
como um mineiro mais justificar a desperuquência. O gênero tanciada, quase “topical”, trocando de assunto à
começa a despontar em programas de TV, sem medida que trocam de piada, se importando
percebe o Rio, falar, é claro, de todos os bares, muquifos e
lugares onde o dono “tem uma ideia diferente
mais com a objetividade de se chegar ao riso e a
ele mais vezes, do que com o caminho trilhado
‘‘
como o carioca
se sente em
Curitiba, e como
é divertido
sacanear um
paulista em
qualquer canto
pra dar uma movimentada no lugar”. Isso
significa que ele veio pra ficar. O Brasil ar-
ranjou uma forma dinâmica e rápida de se
apropriar de seus mais variados assuntos
com potencial para comédia. Tudo que acon-
tece vira piada e, com igual velocidade, é
levado aos palcos pelos nossos novos in-
trépidos comediantes, sem nem gastar tempo
passando uma maquiagem ou botando uma
peruca. Pode parecer absurdo, mas eu vejo
um valor ufanista nesse tipo de humor.
O interesse por novos comediantes pode
gerar um interesse subsequente pelo seu
background e a cena na qual está imerso.
Dessa forma, temos polos fortes em Rio, SP,
Curitiba e um contingente de comediantes
para tanto. Se um paulista em seu show diz que
tem uma namorada, uma vizinha gorda ou uma
irmã lésbica, muito provavelmente ela não exis-
te, sendo apenas um meio para alcançar a piada.
Os curitibanos são uma espécie de meio-termo.
Se estendem em temas um pouco mais como os
cariocas, mas “incrementam” as suas história
mais a serviço da piada e menos por com-
promisso com a realidade. Então o curitibano
provavelmente tem a namorada que ele disse
que tinha, mas com certeza tudo o que ele disse
que aconteceu no motel era mentira.
É o mais curioso. O que me interessa mais
é esse intercâmbio, que pode nos unir como
povo e despertar nosso interesse para den-
tro. O Brasil é um país muito grande e tem
em Minas, com alguma coisinha no Norte e um potencial enorme para se unificar atra-
Nordeste. Cada comediante fala da sua vés do stand up, mesmo reconhecendo a
realidade ou da sua percepção da realidade ironia de ser um gênero americano. Afinal, o
alheia, como visitante. Nessa troca, po- riso não tem sotaque.
*FernandoCarusoéator,autorediretor