SlideShare uma empresa Scribd logo
1 de 11
Baixar para ler offline
UM ENCONTRO ENTRE A ACADEMIA E A ARTE: o sentido da viagem
                    ilustrado no filme Diários de Motocicleta


                                                                      Deja que el mundo te cambie
                                                                     y tu podrás cambiar el mundo.
                                                            (Cartaz do filme Diários de motocicleta)


                                   Mariana Carrara Descio1

                                   Manolita Correia Lima2

Resumo
           O presente ensaio acadêmico pretende relacionar o filme Diários de
Motocileta com o ato de viajar, tendo em vista que os protagonistas do referido
filme podem ser considerados viajantes. Serão explorados os seguintes temas: os
motivos para se viajar, a busca por uma identidade, os tipos de viajantes e a
questão das fronteiras. Todos esses temas estão, direta ou indiretamente,
presentes no longa-metragem, que ainda traz uma síntese da biografia de “Che”
Guevara e os problemas socioculturais presentes na América do Sul. Considerando o
tipo de trabalho desenvolvido, o conteúdo está fundamentando em levantamento
bibliográfico e na interpretação do roteiro do filme.


Palavras-chave: viagem; viajante; ato de viajar; Diários de Motocicleta.


Introdução
           A mobilidade física de natureza espacial não pode ser reconhecida como
um objeto de estudo recente. O que parece ser novo e característico do mundo
contemporâneo é a escala com que os movimentos se processam, a complexidade e
a diversidade dos sistemas que os sustentam, a pluralidade de espaços onde

1
   Estudante do curso de graduação em Relações Internacionais da ESPM-SP. E-mail:
mari_carrarad@yahoo.com.br.
2
  Doutora do curso de pós-graduação em Estratégia em Gestão Internacional da ESPM-SP. E-mail:
mclima@espm.br.


        I Seminário de Iniciação Científica da ESPM – São Paulo – 29 a 30 de outubro de 2012
2


ocorrem e tempos envolvidos, sobretudo os múltiplos significados que eles podem
assumir (MANTAS, s.d.).
           Tendo em vista a intensificação dos projetos de viagem e o gradativo
aumento de materiais que vem nascendo nessa área, como filmes e músicas, obras
literárias e acadêmicas, programas de TV e sítios na internet, fóruns e reuniões
acadêmicas, entre outros, houve a ideia de interpretar o filme Diários de
Motocicleta, produzido pelo brasileiro Walter Salles em 2004, na perspectiva da
literatura que discute o sentido da viagem.
           O longa-metragem conta a história de dois jovens argentinos, Ernesto
Guevara de La Serna e Alberto Granado, que decidem inicialmente viajar 8.000 km
em quatro meses com o objetivo de verificar com os próprios olhos um continente
que conheciam somente pelos livros. Ao longo do percurso, os amigos passam por
transformações interiores na medida em que entram em contato com a realidade
dos países que visitam.
           O filme, além de ser uma breve biografia do revolucionário “Che
Guevera” e retratar a realidade sociocultural no continente sul americano, aborda
temas como o sentido e as motivações de uma viagem, o cruzamento de fronteiras,
o que significa ser viajante e o contato com pessoas e culturas diferentes.


O sentido da viagem ilustrado no filme Diários de Motocicleta
           Os projetos de viagem se intensificam a partir do século XVI, com “a
descoberta de novos continentes, a penetração dos povos uns nos outros, o
desaparecimento progressivo dos espaços vazios nos mapas, as conquistas mútuas e
o cosmopolitismo generalizado” (ONFRAY, 2009, p. 57). Assim, é difícil imaginar a
expansão das fronteiras da humanidade sem considerar as grandes viagens
ocorridas nos últimos séculos (GUIA FUJA POR UM ANO, 2006).
      Segundo Bauman (1999, p.8) “ser local num mundo globalizado é sinal de
privação e degradação social”. A globalização fez com que a mobilidade deixasse
de ser uma opção, mas enquanto alguns indivíduos tornaram-se “globais”, outros
preferiram se fixar em uma única localidade. Devido ao fato de que, a partir da
pós-modernidade, a mobilidade transformou-se em um bem de consumo que pode
ser mensurado, viajar tornou-se um bem imaterial socialmente valorizado.
Consumir deixou de ser somente um ato de colecionar “coisas”, mas também de



        I Seminário de Iniciação Científica da ESPM – São Paulo – 29 a 30 de outubro de 2012
3


consumir experiências e sensações. No entanto, a estratificação social acarreta
desigualdades e alguns indivíduos consomem essa experiência mais do que outros
(BAUMAN, 1999).
      A procura por uma identidade não fixa foi uma das consequências mais
impactantes para os indivíduos que transitaram da modernidade para a
hipermodernidade. O ato de viajar tornou-se essencial para que o indivíduo busque
e remodele sua identidade quantas vezes lhe parecer necessário, dependendo do
lugar em que estiver e das experiências vivenciadas.
      Onfray (2009) defende a ideia de que para cada personalidade corresponde
um lugar apropriado no mundo. No entanto, todo viajante possui certas
características milenares comuns:
                        O gosto pelo movimento, a paixão pela mudança, o desejo ardoroso de
                        mobilidade, a incapacidade visceral de comunhão gregária, a vontade de
                        independência, o culto da liberdade e a paixão pela improvisação de seus
                        menores atos e gestos...(ONFRAY, 2009, p.13).

             Todas essas características observadas acima são precedidas de uma
motivação intrínseca ao indivíduo, compreensíveis de um psicológico que direciona
a pessoa a desejar o novo, ao desafio da descoberta, a insubordinação à rotina, ao
interesse pelo diferente (o ‘outro’ no sentido antropológico). Raramente existe
apenas um motivo para se querer viajar (ISO-AHOLA, 1982).
             Na trilha do raciocínio em construção, o filme Diários de Motocicleta
ganha destaque neste ensaio acadêmico. Dirigido pelo brasileiro Walter Salles, o
longa-metragem de 2004, baseado no livro Notas de Viaje de Ernesto “Che”
Guevara, conta a história de dois jovens argentinos – Ernesto Guevara de La Serna
(Gael García Bernal), estudante de medicina, e Alberto Granado (Rodrigo de La
Serna), formado em bioquímica - que juntos decidem viajar pela América do Sul a
fim de explorar um continente, apenas conhecido por meio de leituras e relatos de
terceiros.




        I Seminário de Iniciação Científica da ESPM – São Paulo – 29 a 30 de outubro de 2012
4




                                 Fig.1 – Cartaz original do filme


          Ernesto e Alberto deixam Buenos Aires no dia 04/01/1952, e a viagem,
inicialmente planejada para durar quatro meses, estendeu-se por seis. No trajeto
percorrido de 12.425 km, os viajantes passaram por cidades de diversos países da
América do Sul, tais como Argentina, Chile, Peru e Colômbia. Muitas delas foram
percorridas com “La Poderosa”, uma velha moto Norton 500, abandonada depois
pela dupla que, a partir de então, passa a viajar de carona ou fazendo
intermináveis caminhadas e inúmeras paradas que davam oportunidade de
conhecer diferentes lugares e pessoas.
          Ao longo do filme, é possível perceber as transformações internas
vivenciadas pelos dois amigos. Inicialmente, os dois jovens tinham em comum a
inquietude e a curiosidade própria da idade, o espírito sonhador e a paixão pela
estrada que anunciava aventuras em busca de diversão e conhecimento de lugares,
pessoas e culturas diversas. A partir do momento em que Ernesto e Alberto deixam
a motocicleta para trás, é possível observar que se estabelece um contato mais



       I Seminário de Iniciação Científica da ESPM – São Paulo – 29 a 30 de outubro de 2012
5


profundo entre os protagonistas, as paisagens e as pessoas que cruzam seus
caminhos. A passagem a seguir ilustra o pensamento de Ernesto após conversar com
o casal de chilenos comunistas que havia perdido as suas terras para um
latifundiário:
                         Seus olhos tinham uma expressão sombria e trágica. Contaram do
                         companheiro desaparecido em circunstâncias misteriosas e que
                         aparentemente havia terminado no fundo do mar. Foi uma das noites mais
                         frias da minha vida. Mas conhecê-los me fez sentir mais próximo da raça
                         humana, que parecia tão estranha para mim (DIÁRIOS DE MOTOCICLETA,
                         2004).

           Passando por Machu Picchu, pelo Chile e pela colônia de leprosos na
Amazônia peruana, a dupla se depara com uma realidade pouco retratada nos
livros lidos e que contrastava a beleza da paisagem descrita com a dureza da vida
daquela comunidade. Essa realidade os levava a questionar a validade do progresso
econômico na região na medida em que excluía muitos e privilegiava reduzidos
grupos sociais. Indignação que os aproximou do clássico texto do escritor e
jornalista uruguaio Eduardo Galeano, Las venas abiertas de America Latina.




                 Fig.2 – Capa original do livro Las venas abiertas de America Latina



           Uma das passagens mais significativas para Ernesto e Alberto é o período
que passam em uma colônia de leprosos, no Peru. Além de ajudarem no tratamento
dos doentes, os amigos deram início a uma importante revolução na colônia: eles
não utilizavam luvas quando estavam em contato com os doentes, conquistando
ainda mais a admiração por parte dos doentes, enfermeiros, religiosas e médicos.



        I Seminário de Iniciação Científica da ESPM – São Paulo – 29 a 30 de outubro de 2012
6


            O longa-metragem também retrata as consequências danosas resultantes
da colonização espanhola. É possível afirmar que o choque sofrido por Ernesto e
Alberto – diante das injustiças e mazelas sociais presenciadas – ocasionou em uma
mudança de percepção do mundo e de ideais dos dois amigos. Ao final do filme,
Alberto vai trabalhar em Caracas, na Venezuela, enquanto Ernesto regressa à
Argentina para concluir seus estudos em medicina. No ano de 1959, Ernesto torna-
se conhecido mundialmente como “Che” Guevara ao participar da Revolução
Cubana junto a Fidel Castro, idealizando e implementando o socialismo em Cuba.
“Che” é assassinado em 1967 pela polícia bolivariana com o apoio da agência
estadunidense CIA.
            Não é sem razão de ser que o longa-metragem recebeu diversas
indicações e prêmios nacionais e internacionais.               O diretor conseguiu, de modo
lúdico e respeitoso, tratar sobre temas como: uma parte da biografia de “Che”
Guevara, a realidade socioeconômica da América do Sul naquele período, a forte
amizade entre os dois personagens, e a importância da viagem na vida de um
indivíduo, foco deste ensaio.
            O ato de viajar (distintamente de viajar por turismo) tem como essência
a busca de si, de uma razão superior (porque pouco individualista) para viver, uma
vez que o indivíduo em mobilidade física tem mais chance de refletir sobre a sua
autoaprendizagem e modificar suas referências. Esse exercício abre portas para a
descoberta de “verdades essenciais”, construtivas e formadoras dos pilares da
identidade, de modo que “a grande volta ao mundo permite nos reencontrarmos da
maneira como a eternidade nos conserva” (ONFRAY, 2009, p. 76). A exemplo do
filme, “Che” e Alberto deixam de olhar para si mesmos e passam a descobrir “de si
mesmo no outro e do outro em si mesmo” (WALTY; CURY; ALMEIDA, 2009, p. 228),
desenvolvendo a capacidade de ver o mundo.
            Os motivos para se viajar já foram objeto de muitos estudos que, apesar
de divergirem em certos aspectos, apresentam a mesma essência. McDonnell, Allen
e O’Toole (1999) defendem quatro razões que instigam as pessoas a viajarem: a
motivação      social     (interação),        a     motivação        organizacional            (status/
reconhecimento), os motivos fisiológicos (exercícios de relaxamento) e os motivos
pessoais (novas experiências, realização pessoal). Já Crompton e McKay (1997)




        I Seminário de Iniciação Científica da ESPM – São Paulo – 29 a 30 de outubro de 2012
7


acrescentam aspectos como aprendizagem, condicionamento cultural, influências
sociais, e novas percepções.
           Os estudiosos Uysal e Jurowski (1994) perceberam que as pessoas viajam
porque são empurradas por forças internas (psicológicas) e puxadas por forças
externas (atributos do destino). Enquanto os motivos que empurram os indivíduos
explicam, por exemplo, o desejo de sair de férias, os motivos que puxam
contribuem na explicação da escolha do destino (CROMPTON, 1979).
           Crompton e McKay (1997) identificaram sete razões integrantes dos
fatores que empurram: (i) novidade, o desejo de procurar ou descobrir
experiências novas e diferentes por meio de viagens recreativas; (ii) socialização, o
desejo de interagir com um grupo e seus membros; (iii) prestígio/status, o desejo
de alcançar uma elevada reputação aos olhos das outras pessoas; (iv) repouso e
relaxamento, desejo de descansar mental e psicologicamente para diminuir a
pressão do dia-a-dia; (v) valor educacional ou enriquecimento intelectual, desejo
de obter conhecimento e de expandir os horizontes intelectuais; (vi) reforço do
parentesco e procura de relações familiares mais intensas; e (vii) regressão, desejo
de reencontrar um comportamento remanescente da juventude ou infância e de
subtrair constrangimentos sociais.
           Em relação aos fatores que puxam, Fakeye e Crompton (1991) apontaram
seis domínios: (i) oportunidades sociais e atrações; (ii) atrativos naturais e
culturais; (iii) acomodação e transporte; (iv) infraestrutura, alimentação e povo
amigável; (v) amenidades físicas e atividades de recreio; e (vi) bares e
entretenimento noturno.
           A partir das propostas de Crompton e McKay (1997), foram definidos
quatro pilares que representam as razões para viajar: (i) exploração cultural; (ii)
novidade; (iii) equilíbrio; e (iv) socialização. Esses pilares podem ser identificados
ao longo do filme: na ânsia dos jovens em conhecer novos lugares; no desejo de
aprender e colaborar com as pessoas que encontram no caminho; no compartilhar
de experiências diversas e nutrir o desejo de transformação das pessoas e de suas
realidades.
           Outro aspecto relevante implícito em Diários de Motocicleta é a
diferença existente entre turista e viajante, ou ainda, entre turista e vagabundo. A
primeira categorização – entre turista e viajante – foi apresentada por Onfray



        I Seminário de Iniciação Científica da ESPM – São Paulo – 29 a 30 de outubro de 2012
8


(2009): enquanto o primeiro compara, o segundo separa, ou seja, o viajante não
mede tampouco compara as outras civilizações que conhece a partir de pré-
conceitos; ele simplesmente absorve as diversidades presentes. O turista “toca de
leve uma cultura e se contenta em perceber sua espuma” (p. 58), mantendo-se
como espectador e com certa distância em relação aquele novo mundo; o viajante,
por sua vez, adentra em um universo novo sem julgamentos e condenações,
preferindo sempre compreender aquilo que lhe é desconhecido. Ele sabe que viajar
“solicita o desejo e o prazer da alteridade” (ONFRAY, 2009, p. 60) humanizante
aquela que tem chance de colaborar para a concretização do conceito de “aldeia
global” formulado na década de 1960 pelo filósofo e educador canadense Hebert
Marshall McLuhan.
           Já a segunda categorização – entre turista e vagabundo – foi apresentada
por Bauman (1998), considerada bastante adequada no contexto da sociedade pós-
moderna (ou hipermoderna na perspectiva de Lipovetsky): os turistas e os
vagabundos. Enquanto “os turistas viajam porque querem; os vagabundos, porque
não têm nenhuma outra escolha” (BAUMAN, 1998, p. 118). Os turistas possuem a
habilidade de não pertencerem aos lugares visitados, ou seja, é “deles o milagre de
estar dentro e fora do lugar ao mesmo tempo” (BAUMAN, 1998, p. 114).
           Além disso, eles têm a aptidão da mobilidade, podendo mudar de acordo
com suas necessidades e desejos. Essa aptidão pode ser chamada também de
independência, liberdade ou autonomia, sendo considerada a “conditio sine qua
non de tudo o mais que seus corações desejam”, tornando-se viajantes (BAUMAN,
1998, p. 114).
           Já os vagabundos encaram o significado da liberdade como a não
obrigatoriedade do viajar, e consideram o mundo “insuportavelmente inóspito”
(BAUMAN, 1998). Eles sabem que não ficarão por muito tempo em um lugar, pois
não são bem-vindos, sendo considerados “turistas involuntários”. Vale ressaltar que
os termos utilizados por Bauman (1998) são metáforas e que para um indivíduo ser
considerado turista ou vagabundo ele não precisar viajar fisicamente.
           Apesar das distinções existentes nas categorizações apresentadas acima,
é importante destacar que tanto a condição de viajante quanto a de turista
coexiste no mesmo indivíduo – tanto Ernesto quanto Alberto podem ser
caracterizados como tal -, sobrepondo-se uma à outra em função do desejo e da



        I Seminário de Iniciação Científica da ESPM – São Paulo – 29 a 30 de outubro de 2012
9


busca pela liberdade e pelo autoconhecimento. O turista de Bauman (1998) e o
viajante de Onfray (2009) consistem em indivíduos que buscam sempre encontrar
um sentido na mobilidade – ou até mesmo a quintessência da viagem.
            Outro tema de bastante relevância, abordado ao longo de filme Diários
de Motocicleta, e sempre presente em qualquer viagem de âmbito internacional, é
a questão do cruzar fronteiras. Ao passar pela fronteira do Chile, Ernesto escreve a
seguinte carta para sua mãe:
                              Querida mãe, o que é que se perde ao se cruzar uma fronteira? Cada
                        momento parece partido em dois. Saudades do que ficou para trás e, por
                        outro lado, entusiasmo por entrar em terras novas (DIÁRIOS DE
                        MOTOCICLETA, 2004).


            São diversas as sensações experimentadas e vivenciadas nesse momento,
como “o desejo de mergulhar na realidade sociocultural de um universo que se
apresenta como porto de abrigo do que não é comum, do que não está catalogado,
do que causa espanto” (WALTY; CURY; ALMEIDA, 2009, p. 185). A possibilidade de
observar o próprio país de outros lugares permite ao viajante ver outros ângulos,
reforçando a ideia de ampliação de sentidos.
            Além disso, a possibilidade de cruzar fronteiras permite a produção de
identidades, sendo essa uma das razões que instigam o indivíduo a viajar. Pode-se
afirmar que “a fronteira essencializa a nossa identidade: a sua imposição e o nosso
cruzamento nos permite saber quem somos [...] onde estamos” (WALTY; CURY;
ALMEIDA, 2009, p. 228), facilitando a experiência da alteridade. O filme termina
com uma passagem do livro de “Che” Guevara que ilustra esse pensamento:
                               Este não é um relato de feitos históricos. É um fragmento de duas
                        vidas que percorreram juntas um caminho, compartilhando as mesmas
                        aspirações e os mesmos sonhos. Será que nossa visão foi estreita demais,
                        parcial demais, apressada demais? Nossas conclusões foram rígidas demais?
                        Talvez. Mas esse vagar sem rumo por nossa América colossal me
                        transformou mais do que pensava. Eu já não sou mais eu. Pelo menos, não
                        sou mais o mesmo por dentro (DIÁRIOS DE MOTOCICLETA, 2004).




Conclusão
            O presente ensaio acadêmico procurou relacionar o filme Diários de
Motocicleta, de Walter Salles, com              o ato de viajar, buscando identificar os
sentidos da viagem no longa-metragem. A partir do filme, diversos temas
relacionados ao ato de viajar foram abordados, como: o sentido e as motivações de



        I Seminário de Iniciação Científica da ESPM – São Paulo – 29 a 30 de outubro de 2012
10


uma viagem, o significado de ser viajante, o significado do cruzar fronteiras e o
contato com pessoas e culturas diferentes.
              Os sentidos encontrados no ato de viajar ao longo do filme foram a busca
de si mesmo e razões maiores para viver, precedidos tanto por fatores que puxam
quanto por fatores que empurram. O exercício da mobilidade física permite a
formação dos pilares da identidade por meio do descobrimento de “verdades
essenciais” a partir da autoaprendizagem e da mudança de referências. Essa
mudança fez com que os viajantes deixassem de olha para si mesmo e
descobrissem “de si mesmo no outro e do outro em si mesmo” (WALTY; CURY;
ALMEIDA, 2009, p. 228), desenvolvendo a capacidade de ver o mundo.
              O trajeto percorrido por Ernesto e por Alberto foi responsável por
diversas tranformações internas que os dois amigos experimentaram. O que
inicialmente seria uma viagem direcionada para diversão e conhecer novas pessoas
e lugares tomou um rumo diferente, fazendo com que ambos se conscientizassem
da realidade de seu continente e das injustiças presentes. Assim, os personagens
do filme podem ser caracterizados como viajantes/ turistas na medida em que
buscam encontrar um sentido na mobilidade e na sua formação.
              O cruzamento de diversas fronteiras e o contato com os diferentes
lugares,     costumes      e    pessoas     circunscritos     em     cada    país,    possibilitou   e
“essencializou a identidade” dos dois amigos que vivenciaram a experiência da
alteridade. Provavelmente, caso Ernesto não tivesse passado pela experiência de
viajante relatada no longa-metragem, ele não teria se tornado um revolucionário
mundiamente conhecido como “Che” Guevara.


Referências

BAUMAN, Zygmunt. O mal-estar da pós- modernidade. Rio de Janeiro: Zahar, 1998.

______. Globalização; as consequências humanas. Rio de Janeiro: Zahar, 1999.

CROMPTON, J. L. (1979). Motivations for pleasure vacations. Annals of Tourism
Research, 6(4), 408-424.

CROMPTON, J. L., & MCKAY, S. L. (1997). Motives of visitors attending festival
events. Annals of Tourism Research, 24(2), 425-439.




           I Seminário de Iniciação Científica da ESPM – São Paulo – 29 a 30 de outubro de 2012
11


DIÁRIOS DE MOTOCILCETA. Direção: Walter Salles. Produção: Robert Redford.
Roteiro: Jose Rivera. Intérpretes: Gael Garcia Bernal, Rodrigo de La Serna, Mía
Maestro, Mercedes Morán, Jean Pierre Noher, Lucas Oro, Marina Glezer, Sofia
Bertolotto, Franco Solazzi, Diego Giorzi e Facundo Espinosa. Música: Gustavo
Santaolalla e Jorge Drexler. FilmFour, 2004.

FAKEYE, P. C., & CROMPTON, J. L. (1991). Image differences between prospective,
first-time and repeat visitors to the Lower Rio Grand Valley. Journal of Travel
Research, 30(2), 10-16.

ISO-AHOLA, S. E. (1982). Towards a social psychological theory of tourism
motivation: a rejoinder. Annals of Tourism Research, 9(2), 256-262.

MCDONNELL, I., ALLEN, J., & O'TOOLE, W. (1999). Festival and special event
management. Brisbane: John Wiley & Sons.

ONFRAY, Michel. Teoria da viagem. Porto Alegre: L&PM EDITORES, 2009.

UYSAL, M., & JUROWSKY, C. (1994). Testing the push and pull factors. Annals of
Travel Research, 21(4), 844-846.

WALTY, Ivete Lara C.; CURY, Maria Zilda F.; ALMEIDA, Sandra Regina G..
Mobilidades culturais: agentes e processos. Belo Horizonte: Veredas & Cenários,
2009.




       I Seminário de Iniciação Científica da ESPM – São Paulo – 29 a 30 de outubro de 2012

Mais conteúdo relacionado

Destaque

Diáriospower
DiáriospowerDiáriospower
DiáriospowerTytha
 
Diario de motocicleta
Diario de motocicletaDiario de motocicleta
Diario de motocicletakarillopart
 
Che guevara
Che guevaraChe guevara
Che guevarapklaumir
 
Media essay motorcycle diaries
Media essay   motorcycle diariesMedia essay   motorcycle diaries
Media essay motorcycle diariesalanacoulter
 
The Motorcycle Diaries
The Motorcycle DiariesThe Motorcycle Diaries
The Motorcycle DiariesLeo Burnett
 
Che Guevara - The Motorcycle Diaries vs his story
Che Guevara - The Motorcycle Diaries vs his storyChe Guevara - The Motorcycle Diaries vs his story
Che Guevara - The Motorcycle Diaries vs his storyAimee H
 
Power point sample apa
Power point sample apaPower point sample apa
Power point sample apaLeecyB75
 
Power point sample
Power point samplePower point sample
Power point sampleLeecyB75
 
Mapa conceptual
Mapa conceptualMapa conceptual
Mapa conceptualAdamirez
 
A diversidade no editorial da revista de moda Vogue e Manequim
A diversidade no editorial da revista de moda Vogue e ManequimA diversidade no editorial da revista de moda Vogue e Manequim
A diversidade no editorial da revista de moda Vogue e ManequimI SEMIC ESPM - 2012
 
Guerra fría en américa latina
Guerra fría en américa latinaGuerra fría en américa latina
Guerra fría en américa latinaJulio Reyes Ávila
 
La Guerra Fría en América Latina
La Guerra Fría en América LatinaLa Guerra Fría en América Latina
La Guerra Fría en América LatinaHistorias del Barri
 

Destaque (16)

Diáriospower
DiáriospowerDiáriospower
Diáriospower
 
Diario de motocicleta
Diario de motocicletaDiario de motocicleta
Diario de motocicleta
 
Wikisnaeducacaofinal
WikisnaeducacaofinalWikisnaeducacaofinal
Wikisnaeducacaofinal
 
Che guevara
Che guevaraChe guevara
Che guevara
 
Contexto
ContextoContexto
Contexto
 
Media essay motorcycle diaries
Media essay   motorcycle diariesMedia essay   motorcycle diaries
Media essay motorcycle diaries
 
The Motorcycle Diaries
The Motorcycle DiariesThe Motorcycle Diaries
The Motorcycle Diaries
 
Che Guevara - The Motorcycle Diaries vs his story
Che Guevara - The Motorcycle Diaries vs his storyChe Guevara - The Motorcycle Diaries vs his story
Che Guevara - The Motorcycle Diaries vs his story
 
Power point sample apa
Power point sample apaPower point sample apa
Power point sample apa
 
Che Guevara
Che GuevaraChe Guevara
Che Guevara
 
Power point sample
Power point samplePower point sample
Power point sample
 
Mapa conceptual
Mapa conceptualMapa conceptual
Mapa conceptual
 
A diversidade no editorial da revista de moda Vogue e Manequim
A diversidade no editorial da revista de moda Vogue e ManequimA diversidade no editorial da revista de moda Vogue e Manequim
A diversidade no editorial da revista de moda Vogue e Manequim
 
Diarios demotocicleta
Diarios demotocicletaDiarios demotocicleta
Diarios demotocicleta
 
Guerra fría en américa latina
Guerra fría en américa latinaGuerra fría en américa latina
Guerra fría en américa latina
 
La Guerra Fría en América Latina
La Guerra Fría en América LatinaLa Guerra Fría en América Latina
La Guerra Fría en América Latina
 

Semelhante a Um encontro entre a academia e a arte o sentido da viagem ilustrado no filme Diários de Motocicleta

Edgardo lander-org-a-colonialidade-d
Edgardo lander-org-a-colonialidade-dEdgardo lander-org-a-colonialidade-d
Edgardo lander-org-a-colonialidade-dFelix
 
A reescrita da história colonial nicaraguense em o estreito duvidoso de ernes...
A reescrita da história colonial nicaraguense em o estreito duvidoso de ernes...A reescrita da história colonial nicaraguense em o estreito duvidoso de ernes...
A reescrita da história colonial nicaraguense em o estreito duvidoso de ernes...Renata Bomfim
 
História da Antropologia_ teoria, método e colonialismo.pdf
História da Antropologia_ teoria, método e colonialismo.pdfHistória da Antropologia_ teoria, método e colonialismo.pdf
História da Antropologia_ teoria, método e colonialismo.pdfFelipeCavalcantiFerr
 
Seminário sobre Miriam L. Moreira Leite
Seminário sobre Miriam L. Moreira LeiteSeminário sobre Miriam L. Moreira Leite
Seminário sobre Miriam L. Moreira LeiteCarolina Seixas Lima
 
Introdução reflexões sobre história
Introdução reflexões sobre históriaIntrodução reflexões sobre história
Introdução reflexões sobre históriamkobelinski
 
O espetáculo das raças antropologia brasileira
O espetáculo das raças antropologia brasileiraO espetáculo das raças antropologia brasileira
O espetáculo das raças antropologia brasileiraJéssica de Paula
 
Gringo na laje producao circulacao e consumo da favela turistica nodrm
Gringo na laje producao circulacao e consumo da favela turistica nodrmGringo na laje producao circulacao e consumo da favela turistica nodrm
Gringo na laje producao circulacao e consumo da favela turistica nodrmGustavo Gomes
 
Cultura do espaço virtual
Cultura do espaço virtual Cultura do espaço virtual
Cultura do espaço virtual Ana Barreiros
 
2023_EF_ Anos Finais_História.pdf
2023_EF_ Anos Finais_História.pdf2023_EF_ Anos Finais_História.pdf
2023_EF_ Anos Finais_História.pdflorena718313
 
Palestra jorge eremites
Palestra jorge eremitesPalestra jorge eremites
Palestra jorge eremitesMarinaMarcos
 
2019_Plano-de-aula-Projeto-História-do-meu-bairro-história-de-mim-Mayra-Matta...
2019_Plano-de-aula-Projeto-História-do-meu-bairro-história-de-mim-Mayra-Matta...2019_Plano-de-aula-Projeto-História-do-meu-bairro-história-de-mim-Mayra-Matta...
2019_Plano-de-aula-Projeto-História-do-meu-bairro-história-de-mim-Mayra-Matta...SandraBarbosa101
 
Terra em transe (1967) análise do filme de de glauber rocha- lucas schuab...
Terra em transe  (1967)   análise do filme de de glauber rocha-  lucas schuab...Terra em transe  (1967)   análise do filme de de glauber rocha-  lucas schuab...
Terra em transe (1967) análise do filme de de glauber rocha- lucas schuab...Lucas Schuab Vieira
 

Semelhante a Um encontro entre a academia e a arte o sentido da viagem ilustrado no filme Diários de Motocicleta (20)

Antropologia e cultura
Antropologia e culturaAntropologia e cultura
Antropologia e cultura
 
Edgardo lander-org-a-colonialidade-d
Edgardo lander-org-a-colonialidade-dEdgardo lander-org-a-colonialidade-d
Edgardo lander-org-a-colonialidade-d
 
A reescrita da história colonial nicaraguense em o estreito duvidoso de ernes...
A reescrita da história colonial nicaraguense em o estreito duvidoso de ernes...A reescrita da história colonial nicaraguense em o estreito duvidoso de ernes...
A reescrita da história colonial nicaraguense em o estreito duvidoso de ernes...
 
História da Antropologia_ teoria, método e colonialismo.pdf
História da Antropologia_ teoria, método e colonialismo.pdfHistória da Antropologia_ teoria, método e colonialismo.pdf
História da Antropologia_ teoria, método e colonialismo.pdf
 
Introdução
IntroduçãoIntrodução
Introdução
 
Antropologia da religião 2
Antropologia da religião 2Antropologia da religião 2
Antropologia da religião 2
 
Seminário sobre Miriam L. Moreira Leite
Seminário sobre Miriam L. Moreira LeiteSeminário sobre Miriam L. Moreira Leite
Seminário sobre Miriam L. Moreira Leite
 
Introdução reflexões sobre história
Introdução reflexões sobre históriaIntrodução reflexões sobre história
Introdução reflexões sobre história
 
O espetáculo das raças antropologia brasileira
O espetáculo das raças antropologia brasileiraO espetáculo das raças antropologia brasileira
O espetáculo das raças antropologia brasileira
 
Caderno diário os loucos anos 20
Caderno diário os loucos anos 20Caderno diário os loucos anos 20
Caderno diário os loucos anos 20
 
Gringo na laje producao circulacao e consumo da favela turistica nodrm
Gringo na laje producao circulacao e consumo da favela turistica nodrmGringo na laje producao circulacao e consumo da favela turistica nodrm
Gringo na laje producao circulacao e consumo da favela turistica nodrm
 
Antropologia visual ii atualizado
Antropologia visual ii atualizadoAntropologia visual ii atualizado
Antropologia visual ii atualizado
 
Final
FinalFinal
Final
 
Milton santos
Milton santosMilton santos
Milton santos
 
Cultura do espaço virtual
Cultura do espaço virtual Cultura do espaço virtual
Cultura do espaço virtual
 
2023_EF_ Anos Finais_História.pdf
2023_EF_ Anos Finais_História.pdf2023_EF_ Anos Finais_História.pdf
2023_EF_ Anos Finais_História.pdf
 
Palestra jorge eremites
Palestra jorge eremitesPalestra jorge eremites
Palestra jorge eremites
 
2019_Plano-de-aula-Projeto-História-do-meu-bairro-história-de-mim-Mayra-Matta...
2019_Plano-de-aula-Projeto-História-do-meu-bairro-história-de-mim-Mayra-Matta...2019_Plano-de-aula-Projeto-História-do-meu-bairro-história-de-mim-Mayra-Matta...
2019_Plano-de-aula-Projeto-História-do-meu-bairro-história-de-mim-Mayra-Matta...
 
Não lugar
Não lugarNão lugar
Não lugar
 
Terra em transe (1967) análise do filme de de glauber rocha- lucas schuab...
Terra em transe  (1967)   análise do filme de de glauber rocha-  lucas schuab...Terra em transe  (1967)   análise do filme de de glauber rocha-  lucas schuab...
Terra em transe (1967) análise do filme de de glauber rocha- lucas schuab...
 

Mais de I SEMIC ESPM - 2012

O mangá e a Turma da Mônica Jovem: processos de interculturalidade
O mangá e a Turma da Mônica Jovem: processos de interculturalidadeO mangá e a Turma da Mônica Jovem: processos de interculturalidade
O mangá e a Turma da Mônica Jovem: processos de interculturalidadeI SEMIC ESPM - 2012
 
O nível de relação do design emocional com as principais marcas do segmento e...
O nível de relação do design emocional com as principais marcas do segmento e...O nível de relação do design emocional com as principais marcas do segmento e...
O nível de relação do design emocional com as principais marcas do segmento e...I SEMIC ESPM - 2012
 
O valor da viagem para o jovem que realiza o intercâmbio viabilizado pelo Rot...
O valor da viagem para o jovem que realiza o intercâmbio viabilizado pelo Rot...O valor da viagem para o jovem que realiza o intercâmbio viabilizado pelo Rot...
O valor da viagem para o jovem que realiza o intercâmbio viabilizado pelo Rot...I SEMIC ESPM - 2012
 
O movimento pela educação de 2011 e a crise institucional chilena
O movimento pela educação de 2011 e a crise institucional chilenaO movimento pela educação de 2011 e a crise institucional chilena
O movimento pela educação de 2011 e a crise institucional chilenaI SEMIC ESPM - 2012
 
Caracterização dos atributos de decisão do produtor rural: um comparativo ent...
Caracterização dos atributos de decisão do produtor rural: um comparativo ent...Caracterização dos atributos de decisão do produtor rural: um comparativo ent...
Caracterização dos atributos de decisão do produtor rural: um comparativo ent...I SEMIC ESPM - 2012
 
Homens, perfume e autoconceito: qual a relação entre eles?
Homens, perfume e autoconceito: qual a relação entre eles?Homens, perfume e autoconceito: qual a relação entre eles?
Homens, perfume e autoconceito: qual a relação entre eles?I SEMIC ESPM - 2012
 
A paralaxe de Marine Le Pen: um estudo sobre a construção da imagem na políti...
A paralaxe de Marine Le Pen: um estudo sobre a construção da imagem na políti...A paralaxe de Marine Le Pen: um estudo sobre a construção da imagem na políti...
A paralaxe de Marine Le Pen: um estudo sobre a construção da imagem na políti...I SEMIC ESPM - 2012
 
Rap no Brasil e em Cuba: uma análise intercultural
Rap no Brasil e em Cuba: uma análise interculturalRap no Brasil e em Cuba: uma análise intercultural
Rap no Brasil e em Cuba: uma análise interculturalI SEMIC ESPM - 2012
 
Política de hidrocarbonetos russa: dependência europeia do gás natural russo ...
Política de hidrocarbonetos russa: dependência europeia do gás natural russo ...Política de hidrocarbonetos russa: dependência europeia do gás natural russo ...
Política de hidrocarbonetos russa: dependência europeia do gás natural russo ...I SEMIC ESPM - 2012
 

Mais de I SEMIC ESPM - 2012 (9)

O mangá e a Turma da Mônica Jovem: processos de interculturalidade
O mangá e a Turma da Mônica Jovem: processos de interculturalidadeO mangá e a Turma da Mônica Jovem: processos de interculturalidade
O mangá e a Turma da Mônica Jovem: processos de interculturalidade
 
O nível de relação do design emocional com as principais marcas do segmento e...
O nível de relação do design emocional com as principais marcas do segmento e...O nível de relação do design emocional com as principais marcas do segmento e...
O nível de relação do design emocional com as principais marcas do segmento e...
 
O valor da viagem para o jovem que realiza o intercâmbio viabilizado pelo Rot...
O valor da viagem para o jovem que realiza o intercâmbio viabilizado pelo Rot...O valor da viagem para o jovem que realiza o intercâmbio viabilizado pelo Rot...
O valor da viagem para o jovem que realiza o intercâmbio viabilizado pelo Rot...
 
O movimento pela educação de 2011 e a crise institucional chilena
O movimento pela educação de 2011 e a crise institucional chilenaO movimento pela educação de 2011 e a crise institucional chilena
O movimento pela educação de 2011 e a crise institucional chilena
 
Caracterização dos atributos de decisão do produtor rural: um comparativo ent...
Caracterização dos atributos de decisão do produtor rural: um comparativo ent...Caracterização dos atributos de decisão do produtor rural: um comparativo ent...
Caracterização dos atributos de decisão do produtor rural: um comparativo ent...
 
Homens, perfume e autoconceito: qual a relação entre eles?
Homens, perfume e autoconceito: qual a relação entre eles?Homens, perfume e autoconceito: qual a relação entre eles?
Homens, perfume e autoconceito: qual a relação entre eles?
 
A paralaxe de Marine Le Pen: um estudo sobre a construção da imagem na políti...
A paralaxe de Marine Le Pen: um estudo sobre a construção da imagem na políti...A paralaxe de Marine Le Pen: um estudo sobre a construção da imagem na políti...
A paralaxe de Marine Le Pen: um estudo sobre a construção da imagem na políti...
 
Rap no Brasil e em Cuba: uma análise intercultural
Rap no Brasil e em Cuba: uma análise interculturalRap no Brasil e em Cuba: uma análise intercultural
Rap no Brasil e em Cuba: uma análise intercultural
 
Política de hidrocarbonetos russa: dependência europeia do gás natural russo ...
Política de hidrocarbonetos russa: dependência europeia do gás natural russo ...Política de hidrocarbonetos russa: dependência europeia do gás natural russo ...
Política de hidrocarbonetos russa: dependência europeia do gás natural russo ...
 

Um encontro entre a academia e a arte o sentido da viagem ilustrado no filme Diários de Motocicleta

  • 1. UM ENCONTRO ENTRE A ACADEMIA E A ARTE: o sentido da viagem ilustrado no filme Diários de Motocicleta Deja que el mundo te cambie y tu podrás cambiar el mundo. (Cartaz do filme Diários de motocicleta) Mariana Carrara Descio1 Manolita Correia Lima2 Resumo O presente ensaio acadêmico pretende relacionar o filme Diários de Motocileta com o ato de viajar, tendo em vista que os protagonistas do referido filme podem ser considerados viajantes. Serão explorados os seguintes temas: os motivos para se viajar, a busca por uma identidade, os tipos de viajantes e a questão das fronteiras. Todos esses temas estão, direta ou indiretamente, presentes no longa-metragem, que ainda traz uma síntese da biografia de “Che” Guevara e os problemas socioculturais presentes na América do Sul. Considerando o tipo de trabalho desenvolvido, o conteúdo está fundamentando em levantamento bibliográfico e na interpretação do roteiro do filme. Palavras-chave: viagem; viajante; ato de viajar; Diários de Motocicleta. Introdução A mobilidade física de natureza espacial não pode ser reconhecida como um objeto de estudo recente. O que parece ser novo e característico do mundo contemporâneo é a escala com que os movimentos se processam, a complexidade e a diversidade dos sistemas que os sustentam, a pluralidade de espaços onde 1 Estudante do curso de graduação em Relações Internacionais da ESPM-SP. E-mail: mari_carrarad@yahoo.com.br. 2 Doutora do curso de pós-graduação em Estratégia em Gestão Internacional da ESPM-SP. E-mail: mclima@espm.br. I Seminário de Iniciação Científica da ESPM – São Paulo – 29 a 30 de outubro de 2012
  • 2. 2 ocorrem e tempos envolvidos, sobretudo os múltiplos significados que eles podem assumir (MANTAS, s.d.). Tendo em vista a intensificação dos projetos de viagem e o gradativo aumento de materiais que vem nascendo nessa área, como filmes e músicas, obras literárias e acadêmicas, programas de TV e sítios na internet, fóruns e reuniões acadêmicas, entre outros, houve a ideia de interpretar o filme Diários de Motocicleta, produzido pelo brasileiro Walter Salles em 2004, na perspectiva da literatura que discute o sentido da viagem. O longa-metragem conta a história de dois jovens argentinos, Ernesto Guevara de La Serna e Alberto Granado, que decidem inicialmente viajar 8.000 km em quatro meses com o objetivo de verificar com os próprios olhos um continente que conheciam somente pelos livros. Ao longo do percurso, os amigos passam por transformações interiores na medida em que entram em contato com a realidade dos países que visitam. O filme, além de ser uma breve biografia do revolucionário “Che Guevera” e retratar a realidade sociocultural no continente sul americano, aborda temas como o sentido e as motivações de uma viagem, o cruzamento de fronteiras, o que significa ser viajante e o contato com pessoas e culturas diferentes. O sentido da viagem ilustrado no filme Diários de Motocicleta Os projetos de viagem se intensificam a partir do século XVI, com “a descoberta de novos continentes, a penetração dos povos uns nos outros, o desaparecimento progressivo dos espaços vazios nos mapas, as conquistas mútuas e o cosmopolitismo generalizado” (ONFRAY, 2009, p. 57). Assim, é difícil imaginar a expansão das fronteiras da humanidade sem considerar as grandes viagens ocorridas nos últimos séculos (GUIA FUJA POR UM ANO, 2006). Segundo Bauman (1999, p.8) “ser local num mundo globalizado é sinal de privação e degradação social”. A globalização fez com que a mobilidade deixasse de ser uma opção, mas enquanto alguns indivíduos tornaram-se “globais”, outros preferiram se fixar em uma única localidade. Devido ao fato de que, a partir da pós-modernidade, a mobilidade transformou-se em um bem de consumo que pode ser mensurado, viajar tornou-se um bem imaterial socialmente valorizado. Consumir deixou de ser somente um ato de colecionar “coisas”, mas também de I Seminário de Iniciação Científica da ESPM – São Paulo – 29 a 30 de outubro de 2012
  • 3. 3 consumir experiências e sensações. No entanto, a estratificação social acarreta desigualdades e alguns indivíduos consomem essa experiência mais do que outros (BAUMAN, 1999). A procura por uma identidade não fixa foi uma das consequências mais impactantes para os indivíduos que transitaram da modernidade para a hipermodernidade. O ato de viajar tornou-se essencial para que o indivíduo busque e remodele sua identidade quantas vezes lhe parecer necessário, dependendo do lugar em que estiver e das experiências vivenciadas. Onfray (2009) defende a ideia de que para cada personalidade corresponde um lugar apropriado no mundo. No entanto, todo viajante possui certas características milenares comuns: O gosto pelo movimento, a paixão pela mudança, o desejo ardoroso de mobilidade, a incapacidade visceral de comunhão gregária, a vontade de independência, o culto da liberdade e a paixão pela improvisação de seus menores atos e gestos...(ONFRAY, 2009, p.13). Todas essas características observadas acima são precedidas de uma motivação intrínseca ao indivíduo, compreensíveis de um psicológico que direciona a pessoa a desejar o novo, ao desafio da descoberta, a insubordinação à rotina, ao interesse pelo diferente (o ‘outro’ no sentido antropológico). Raramente existe apenas um motivo para se querer viajar (ISO-AHOLA, 1982). Na trilha do raciocínio em construção, o filme Diários de Motocicleta ganha destaque neste ensaio acadêmico. Dirigido pelo brasileiro Walter Salles, o longa-metragem de 2004, baseado no livro Notas de Viaje de Ernesto “Che” Guevara, conta a história de dois jovens argentinos – Ernesto Guevara de La Serna (Gael García Bernal), estudante de medicina, e Alberto Granado (Rodrigo de La Serna), formado em bioquímica - que juntos decidem viajar pela América do Sul a fim de explorar um continente, apenas conhecido por meio de leituras e relatos de terceiros. I Seminário de Iniciação Científica da ESPM – São Paulo – 29 a 30 de outubro de 2012
  • 4. 4 Fig.1 – Cartaz original do filme Ernesto e Alberto deixam Buenos Aires no dia 04/01/1952, e a viagem, inicialmente planejada para durar quatro meses, estendeu-se por seis. No trajeto percorrido de 12.425 km, os viajantes passaram por cidades de diversos países da América do Sul, tais como Argentina, Chile, Peru e Colômbia. Muitas delas foram percorridas com “La Poderosa”, uma velha moto Norton 500, abandonada depois pela dupla que, a partir de então, passa a viajar de carona ou fazendo intermináveis caminhadas e inúmeras paradas que davam oportunidade de conhecer diferentes lugares e pessoas. Ao longo do filme, é possível perceber as transformações internas vivenciadas pelos dois amigos. Inicialmente, os dois jovens tinham em comum a inquietude e a curiosidade própria da idade, o espírito sonhador e a paixão pela estrada que anunciava aventuras em busca de diversão e conhecimento de lugares, pessoas e culturas diversas. A partir do momento em que Ernesto e Alberto deixam a motocicleta para trás, é possível observar que se estabelece um contato mais I Seminário de Iniciação Científica da ESPM – São Paulo – 29 a 30 de outubro de 2012
  • 5. 5 profundo entre os protagonistas, as paisagens e as pessoas que cruzam seus caminhos. A passagem a seguir ilustra o pensamento de Ernesto após conversar com o casal de chilenos comunistas que havia perdido as suas terras para um latifundiário: Seus olhos tinham uma expressão sombria e trágica. Contaram do companheiro desaparecido em circunstâncias misteriosas e que aparentemente havia terminado no fundo do mar. Foi uma das noites mais frias da minha vida. Mas conhecê-los me fez sentir mais próximo da raça humana, que parecia tão estranha para mim (DIÁRIOS DE MOTOCICLETA, 2004). Passando por Machu Picchu, pelo Chile e pela colônia de leprosos na Amazônia peruana, a dupla se depara com uma realidade pouco retratada nos livros lidos e que contrastava a beleza da paisagem descrita com a dureza da vida daquela comunidade. Essa realidade os levava a questionar a validade do progresso econômico na região na medida em que excluía muitos e privilegiava reduzidos grupos sociais. Indignação que os aproximou do clássico texto do escritor e jornalista uruguaio Eduardo Galeano, Las venas abiertas de America Latina. Fig.2 – Capa original do livro Las venas abiertas de America Latina Uma das passagens mais significativas para Ernesto e Alberto é o período que passam em uma colônia de leprosos, no Peru. Além de ajudarem no tratamento dos doentes, os amigos deram início a uma importante revolução na colônia: eles não utilizavam luvas quando estavam em contato com os doentes, conquistando ainda mais a admiração por parte dos doentes, enfermeiros, religiosas e médicos. I Seminário de Iniciação Científica da ESPM – São Paulo – 29 a 30 de outubro de 2012
  • 6. 6 O longa-metragem também retrata as consequências danosas resultantes da colonização espanhola. É possível afirmar que o choque sofrido por Ernesto e Alberto – diante das injustiças e mazelas sociais presenciadas – ocasionou em uma mudança de percepção do mundo e de ideais dos dois amigos. Ao final do filme, Alberto vai trabalhar em Caracas, na Venezuela, enquanto Ernesto regressa à Argentina para concluir seus estudos em medicina. No ano de 1959, Ernesto torna- se conhecido mundialmente como “Che” Guevara ao participar da Revolução Cubana junto a Fidel Castro, idealizando e implementando o socialismo em Cuba. “Che” é assassinado em 1967 pela polícia bolivariana com o apoio da agência estadunidense CIA. Não é sem razão de ser que o longa-metragem recebeu diversas indicações e prêmios nacionais e internacionais. O diretor conseguiu, de modo lúdico e respeitoso, tratar sobre temas como: uma parte da biografia de “Che” Guevara, a realidade socioeconômica da América do Sul naquele período, a forte amizade entre os dois personagens, e a importância da viagem na vida de um indivíduo, foco deste ensaio. O ato de viajar (distintamente de viajar por turismo) tem como essência a busca de si, de uma razão superior (porque pouco individualista) para viver, uma vez que o indivíduo em mobilidade física tem mais chance de refletir sobre a sua autoaprendizagem e modificar suas referências. Esse exercício abre portas para a descoberta de “verdades essenciais”, construtivas e formadoras dos pilares da identidade, de modo que “a grande volta ao mundo permite nos reencontrarmos da maneira como a eternidade nos conserva” (ONFRAY, 2009, p. 76). A exemplo do filme, “Che” e Alberto deixam de olhar para si mesmos e passam a descobrir “de si mesmo no outro e do outro em si mesmo” (WALTY; CURY; ALMEIDA, 2009, p. 228), desenvolvendo a capacidade de ver o mundo. Os motivos para se viajar já foram objeto de muitos estudos que, apesar de divergirem em certos aspectos, apresentam a mesma essência. McDonnell, Allen e O’Toole (1999) defendem quatro razões que instigam as pessoas a viajarem: a motivação social (interação), a motivação organizacional (status/ reconhecimento), os motivos fisiológicos (exercícios de relaxamento) e os motivos pessoais (novas experiências, realização pessoal). Já Crompton e McKay (1997) I Seminário de Iniciação Científica da ESPM – São Paulo – 29 a 30 de outubro de 2012
  • 7. 7 acrescentam aspectos como aprendizagem, condicionamento cultural, influências sociais, e novas percepções. Os estudiosos Uysal e Jurowski (1994) perceberam que as pessoas viajam porque são empurradas por forças internas (psicológicas) e puxadas por forças externas (atributos do destino). Enquanto os motivos que empurram os indivíduos explicam, por exemplo, o desejo de sair de férias, os motivos que puxam contribuem na explicação da escolha do destino (CROMPTON, 1979). Crompton e McKay (1997) identificaram sete razões integrantes dos fatores que empurram: (i) novidade, o desejo de procurar ou descobrir experiências novas e diferentes por meio de viagens recreativas; (ii) socialização, o desejo de interagir com um grupo e seus membros; (iii) prestígio/status, o desejo de alcançar uma elevada reputação aos olhos das outras pessoas; (iv) repouso e relaxamento, desejo de descansar mental e psicologicamente para diminuir a pressão do dia-a-dia; (v) valor educacional ou enriquecimento intelectual, desejo de obter conhecimento e de expandir os horizontes intelectuais; (vi) reforço do parentesco e procura de relações familiares mais intensas; e (vii) regressão, desejo de reencontrar um comportamento remanescente da juventude ou infância e de subtrair constrangimentos sociais. Em relação aos fatores que puxam, Fakeye e Crompton (1991) apontaram seis domínios: (i) oportunidades sociais e atrações; (ii) atrativos naturais e culturais; (iii) acomodação e transporte; (iv) infraestrutura, alimentação e povo amigável; (v) amenidades físicas e atividades de recreio; e (vi) bares e entretenimento noturno. A partir das propostas de Crompton e McKay (1997), foram definidos quatro pilares que representam as razões para viajar: (i) exploração cultural; (ii) novidade; (iii) equilíbrio; e (iv) socialização. Esses pilares podem ser identificados ao longo do filme: na ânsia dos jovens em conhecer novos lugares; no desejo de aprender e colaborar com as pessoas que encontram no caminho; no compartilhar de experiências diversas e nutrir o desejo de transformação das pessoas e de suas realidades. Outro aspecto relevante implícito em Diários de Motocicleta é a diferença existente entre turista e viajante, ou ainda, entre turista e vagabundo. A primeira categorização – entre turista e viajante – foi apresentada por Onfray I Seminário de Iniciação Científica da ESPM – São Paulo – 29 a 30 de outubro de 2012
  • 8. 8 (2009): enquanto o primeiro compara, o segundo separa, ou seja, o viajante não mede tampouco compara as outras civilizações que conhece a partir de pré- conceitos; ele simplesmente absorve as diversidades presentes. O turista “toca de leve uma cultura e se contenta em perceber sua espuma” (p. 58), mantendo-se como espectador e com certa distância em relação aquele novo mundo; o viajante, por sua vez, adentra em um universo novo sem julgamentos e condenações, preferindo sempre compreender aquilo que lhe é desconhecido. Ele sabe que viajar “solicita o desejo e o prazer da alteridade” (ONFRAY, 2009, p. 60) humanizante aquela que tem chance de colaborar para a concretização do conceito de “aldeia global” formulado na década de 1960 pelo filósofo e educador canadense Hebert Marshall McLuhan. Já a segunda categorização – entre turista e vagabundo – foi apresentada por Bauman (1998), considerada bastante adequada no contexto da sociedade pós- moderna (ou hipermoderna na perspectiva de Lipovetsky): os turistas e os vagabundos. Enquanto “os turistas viajam porque querem; os vagabundos, porque não têm nenhuma outra escolha” (BAUMAN, 1998, p. 118). Os turistas possuem a habilidade de não pertencerem aos lugares visitados, ou seja, é “deles o milagre de estar dentro e fora do lugar ao mesmo tempo” (BAUMAN, 1998, p. 114). Além disso, eles têm a aptidão da mobilidade, podendo mudar de acordo com suas necessidades e desejos. Essa aptidão pode ser chamada também de independência, liberdade ou autonomia, sendo considerada a “conditio sine qua non de tudo o mais que seus corações desejam”, tornando-se viajantes (BAUMAN, 1998, p. 114). Já os vagabundos encaram o significado da liberdade como a não obrigatoriedade do viajar, e consideram o mundo “insuportavelmente inóspito” (BAUMAN, 1998). Eles sabem que não ficarão por muito tempo em um lugar, pois não são bem-vindos, sendo considerados “turistas involuntários”. Vale ressaltar que os termos utilizados por Bauman (1998) são metáforas e que para um indivíduo ser considerado turista ou vagabundo ele não precisar viajar fisicamente. Apesar das distinções existentes nas categorizações apresentadas acima, é importante destacar que tanto a condição de viajante quanto a de turista coexiste no mesmo indivíduo – tanto Ernesto quanto Alberto podem ser caracterizados como tal -, sobrepondo-se uma à outra em função do desejo e da I Seminário de Iniciação Científica da ESPM – São Paulo – 29 a 30 de outubro de 2012
  • 9. 9 busca pela liberdade e pelo autoconhecimento. O turista de Bauman (1998) e o viajante de Onfray (2009) consistem em indivíduos que buscam sempre encontrar um sentido na mobilidade – ou até mesmo a quintessência da viagem. Outro tema de bastante relevância, abordado ao longo de filme Diários de Motocicleta, e sempre presente em qualquer viagem de âmbito internacional, é a questão do cruzar fronteiras. Ao passar pela fronteira do Chile, Ernesto escreve a seguinte carta para sua mãe: Querida mãe, o que é que se perde ao se cruzar uma fronteira? Cada momento parece partido em dois. Saudades do que ficou para trás e, por outro lado, entusiasmo por entrar em terras novas (DIÁRIOS DE MOTOCICLETA, 2004). São diversas as sensações experimentadas e vivenciadas nesse momento, como “o desejo de mergulhar na realidade sociocultural de um universo que se apresenta como porto de abrigo do que não é comum, do que não está catalogado, do que causa espanto” (WALTY; CURY; ALMEIDA, 2009, p. 185). A possibilidade de observar o próprio país de outros lugares permite ao viajante ver outros ângulos, reforçando a ideia de ampliação de sentidos. Além disso, a possibilidade de cruzar fronteiras permite a produção de identidades, sendo essa uma das razões que instigam o indivíduo a viajar. Pode-se afirmar que “a fronteira essencializa a nossa identidade: a sua imposição e o nosso cruzamento nos permite saber quem somos [...] onde estamos” (WALTY; CURY; ALMEIDA, 2009, p. 228), facilitando a experiência da alteridade. O filme termina com uma passagem do livro de “Che” Guevara que ilustra esse pensamento: Este não é um relato de feitos históricos. É um fragmento de duas vidas que percorreram juntas um caminho, compartilhando as mesmas aspirações e os mesmos sonhos. Será que nossa visão foi estreita demais, parcial demais, apressada demais? Nossas conclusões foram rígidas demais? Talvez. Mas esse vagar sem rumo por nossa América colossal me transformou mais do que pensava. Eu já não sou mais eu. Pelo menos, não sou mais o mesmo por dentro (DIÁRIOS DE MOTOCICLETA, 2004). Conclusão O presente ensaio acadêmico procurou relacionar o filme Diários de Motocicleta, de Walter Salles, com o ato de viajar, buscando identificar os sentidos da viagem no longa-metragem. A partir do filme, diversos temas relacionados ao ato de viajar foram abordados, como: o sentido e as motivações de I Seminário de Iniciação Científica da ESPM – São Paulo – 29 a 30 de outubro de 2012
  • 10. 10 uma viagem, o significado de ser viajante, o significado do cruzar fronteiras e o contato com pessoas e culturas diferentes. Os sentidos encontrados no ato de viajar ao longo do filme foram a busca de si mesmo e razões maiores para viver, precedidos tanto por fatores que puxam quanto por fatores que empurram. O exercício da mobilidade física permite a formação dos pilares da identidade por meio do descobrimento de “verdades essenciais” a partir da autoaprendizagem e da mudança de referências. Essa mudança fez com que os viajantes deixassem de olha para si mesmo e descobrissem “de si mesmo no outro e do outro em si mesmo” (WALTY; CURY; ALMEIDA, 2009, p. 228), desenvolvendo a capacidade de ver o mundo. O trajeto percorrido por Ernesto e por Alberto foi responsável por diversas tranformações internas que os dois amigos experimentaram. O que inicialmente seria uma viagem direcionada para diversão e conhecer novas pessoas e lugares tomou um rumo diferente, fazendo com que ambos se conscientizassem da realidade de seu continente e das injustiças presentes. Assim, os personagens do filme podem ser caracterizados como viajantes/ turistas na medida em que buscam encontrar um sentido na mobilidade e na sua formação. O cruzamento de diversas fronteiras e o contato com os diferentes lugares, costumes e pessoas circunscritos em cada país, possibilitou e “essencializou a identidade” dos dois amigos que vivenciaram a experiência da alteridade. Provavelmente, caso Ernesto não tivesse passado pela experiência de viajante relatada no longa-metragem, ele não teria se tornado um revolucionário mundiamente conhecido como “Che” Guevara. Referências BAUMAN, Zygmunt. O mal-estar da pós- modernidade. Rio de Janeiro: Zahar, 1998. ______. Globalização; as consequências humanas. Rio de Janeiro: Zahar, 1999. CROMPTON, J. L. (1979). Motivations for pleasure vacations. Annals of Tourism Research, 6(4), 408-424. CROMPTON, J. L., & MCKAY, S. L. (1997). Motives of visitors attending festival events. Annals of Tourism Research, 24(2), 425-439. I Seminário de Iniciação Científica da ESPM – São Paulo – 29 a 30 de outubro de 2012
  • 11. 11 DIÁRIOS DE MOTOCILCETA. Direção: Walter Salles. Produção: Robert Redford. Roteiro: Jose Rivera. Intérpretes: Gael Garcia Bernal, Rodrigo de La Serna, Mía Maestro, Mercedes Morán, Jean Pierre Noher, Lucas Oro, Marina Glezer, Sofia Bertolotto, Franco Solazzi, Diego Giorzi e Facundo Espinosa. Música: Gustavo Santaolalla e Jorge Drexler. FilmFour, 2004. FAKEYE, P. C., & CROMPTON, J. L. (1991). Image differences between prospective, first-time and repeat visitors to the Lower Rio Grand Valley. Journal of Travel Research, 30(2), 10-16. ISO-AHOLA, S. E. (1982). Towards a social psychological theory of tourism motivation: a rejoinder. Annals of Tourism Research, 9(2), 256-262. MCDONNELL, I., ALLEN, J., & O'TOOLE, W. (1999). Festival and special event management. Brisbane: John Wiley & Sons. ONFRAY, Michel. Teoria da viagem. Porto Alegre: L&PM EDITORES, 2009. UYSAL, M., & JUROWSKY, C. (1994). Testing the push and pull factors. Annals of Travel Research, 21(4), 844-846. WALTY, Ivete Lara C.; CURY, Maria Zilda F.; ALMEIDA, Sandra Regina G.. Mobilidades culturais: agentes e processos. Belo Horizonte: Veredas & Cenários, 2009. I Seminário de Iniciação Científica da ESPM – São Paulo – 29 a 30 de outubro de 2012