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Centro de Ciências Sociais
Departamento de Geografia e Meio Ambiente
Monografia Final de Conclusão de Curso
Rogério Pereira dos Santos
Complexo da Maré:
Múltiplas Territorialidades Locais em Movimento
Profª Drª Haidine da Silva Barros Duarte
Rio de Janeiro
Dezembro/2005
Agradecimentos:
Aos meus pais, apesar de estarem um tanto distante da minha realidade
acadêmica...
À minha orientadora, professora Haidine Duarte, pela paciência, disponibilidade
de tempo e, principalmente, pelo suporte acadêmico durante este trabalho final de curso e
também, nas disciplinas ministradas por ela durante esses longos anos nesta
universidade.
Aos professores do Departamento de Geografia e Meio Ambiente pelos
ensinamentos que adquiri durante esta longa jornada como graduando e à Edna,
funcionária, que tantos galhos quebrou a este aluno! E também ao Cláudio e a Anair do
Departamento de História que muito me ajudaram durante esses anos.
Aos professores que compuseram a banca avaliadora, profºs João Rua e Regina
Célia, e que aceitaram esse pequeno desafio de avaliar essa minha monografia.
Aos funcionários do campus da PUC-RJ: André (Laboratório de Informática –
RDC), Sebastião (da Biblioteca – 3º andar do prédio Frings), ao pessoal da Pastoral (a
qual presto uma homenagem em especial pois, sem o benefício do FESP, minha
caminhada estudantil aqui na academia não seria completa), aos ascensoristas que
diariamente contribuíam para a minha chegada/saída às aulas.
Aos colegas que conheci durante o curso, em especial, ao amigo Filósofo-
Geógrafo Profº Paulo José (PJDADS) que, sem dúvida alguma, foi um dos alicerces que
muito contribuiu para meu progresso como aluno.
Ao meu irmão Rildo, que muito me ajudou, principalmente, com xerox de livros
durante esses anos.
Ao técnico de informática Fernando Santos (Bimbão) pelo suporte operacional
dedicados a mim durante esses quatro anos e meio.
Dedico esta monografia em nome de José Rinaldo Pereira dos Santos, meu irmão
já falecido e a minha filha Ellen Ferreira Pereira dos Santos!!!!
Sumário
I – Apresentação ......................................................................................... 05
Capítulo 01: A Cidade do Rio de Janeiro e as Territorialidades em
Movimento .................................................................................................. 10
1.1 – Territorialidades e a Problemática Conceitual .............................. 10
1.2 – Territorialidades e Segregação Sócio-Espacial Urbana ................17
Capítulo 02: A Formação do Complexo da Maré ..................................... 25
2.1 – Primórdios da Ocupação na Maré (1940/1960) .............................. 25
2.2 – Políticas Públicas e Seus Reflexos na Segregação do Espaço
(1960/1980) ........................................................................................... 35
2.3 – Reconhecimento de Um Bairro Popular e as intervenções Públicas
(1980/2005) .................................................................................................. 40
Capítulo 03: Os Territórios da Maré e Suas Particularidades ................ 45
3.1 – Os Atores Sociais e Suas Atuações na Maré: As Territorialidades
em Movimento ............................................................................................ 45
4 – Conclusão ............................................................................................. 60
5 – Anexos .................................................................................................. 61
6 – Referências Bibliográficas .................................................................. 65
"A favela é um espaço em constante movimento
porque os moradores são os verdadeiros responsáveis
por sua construção, ao contrário do morador da cidade
formal, que muito raramente se sente envolvido na
construção do seu espaço urbano e, em particular, dos
espaços públicos de sua cidade. A participação
comunitária ocorre de forma muito mais representativa
nas favelas e áreas favelizadas em geral do que na
cidade formal. Os técnicos, arquitetos e urbanistas
responsáveis por projetos e intervenções em favelas, na
maioria dos casos, em vez de tentar seguir os
movimentos já iniciados pêlos moradores, impõem sua
própria lógica construtiva, diretamente ligada à cultura e
à estética da cidade formal. Esses profissionais lutam
exatamente contra tal movimento do espaço das favelas,
com a finalidade de estabelecer uma pretensa "ordem".
O resultado (...) é uma rejeição por parte dos moradores
dessa imposição formal, o que resulta em uma
favelização ainda mais radical, como no exemplo das
alterações realizadas pelos próprios moradores nos
conjuntos habitacionais ". (Jacques 2002, p. 48).
In memória de José Rinaldo Pereira dos Santos
Complexo da Maré: Múltiplas Territorialidades Locais em Movimento
1 – Apresentação:
Este trabalho final de curso tem como objetivo central identificar os territórios que
envolvem o complexo da Maré e suas particularidades, tendo como foco principal o tema
“Complexo da Maré: As Múltiplas Territorialidades Locais em Movimento”, então
observadas na área de estudo. Para tal será utilizado, com freqüência, “A História da
Maré em Capítulos”, encontrado na internet em http://www.ceasm.org.br e que discutirá
com muita eficácia a trajetória da formação do Bairro “Maré”.
De acordo com o site da Prefeitura (2003) a área territorial da Maré corresponde a
426,88 ha (a densidade demográfica de cada comunidade está no Anexo I). O recorte
definido pelo IBGE ignorou a condição formal de bairro da Maré, estabelecida desde o
final da década de 80, reconhecendo as comunidades locais como “Unidades Territoriais
Específicas” – é a maior concentração de população de baixa renda do município do Rio
de Janeiro. O conjunto de 16 comunidades [Morro do Timbáu (1930/1940), Baixa do
Sapateiro (1947), Conjunto Marcílio Dias (1948), Parque Maré (1953), Parque Roquete
Pinto (1955), Parque Rubens Vaz (1961), Parque União (1961), Nova Holanda (1962),
Praia de Ramos (1962), Conjunto Esperança (1982), Vila do João (1982), Vila do Pinheiro
(1989), Conjunto Pinheiro (1989), Conjunto Bento Ribeiro Dantas ou Fogo Cruzado
(1992), Nova Maré (1996) e Salsa e Merengue (2000)] totaliza, segundo o “Censo Maré –
2.000”1
, uma população de 132.176 representando esse contingente, 2,26% da população
do município do Rio de Janeiro e apenas 0.97 % dos habitantes do Estado do Rio de
Janeiro abrigado em 38.273 domicílios (Censo Maré 20002
). A densidade habitacional da
Maré está representada no Anexo II.
Para Jacques (2002, p. 19) a Maré se diferencia de uma outra favela pois;
“A Maré não é simplesmente uma favela, mas o que se denomina um complexo de
favelas, várias comunidades diferentes juntas, como se fossem vários bairros distintos,
uma quase cidade formal. Assim a Maré se torna um dos maiores laboratórios urbanos de
habitação popular do país, onde inúmeras experiências habitacionais foram feitas nas
últimas décadas. O próprio sítio sofreu tantas alterações que a própria maré que deu nome
ao complexo já não existe mais; foram tantos os aterros, que o mar já ficou bem distante”.
1
O Censo Maré, a fim de melhor descrição da heterogeneidade local, considerou a comunidade de
Mandacaru, localizada no território de Marcílio Dias, como uma comunidade específica, devido às suas
condições peculiares.
2
O “Censo Maré 2000” foi um empreendimento com iniciativa do CEASM, com financiamento do BNDES e
com vínculos a um conjunto de iniciativas de Políticas Sociais da Prefeitura do Rio de Janeiro e que ficou
conhecido como “Projeto Multissetorial da Maré”.
Ainda Jacques (Ibidem, p. 21):
“A pseudo-semelhança entre as mais diversas favelas cariocas pode ser desmentida em
um rápido passeio pela Maré. A diversidade de formas está patente nas diferentes
comunidades do complexo. Quase todas as morfologias urbanas e tipologias
arquitetônicas referentes a habitações populares têm ou tiveram um exemplar na Maré: da
favela labiríntica de morro ao mais cartesiano conjunto habitacional modernista, passando
por palafitas em áreas alagadas e conjunto habitacionais favelizados. Vai-se do padrão
mais informal ao mais formal, que acaba se informalizando também”.
Tomadas no interior de uma mesma unidade territorial, as comunidades que
compõem o bairro da Maré possuem, na sua dimensão populacional absoluta, uma
expressão significativa em relação ao conjunto da população da Região Metropolitana e
do próprio Estado do Rio de Janeiro (Fonte: Censo Maré 2000).
A expressividade do tamanho do Complexo da Maré pode ser constatada quando
se toma como referência os 22 municípios mais populosos da malha municipal do Estado
do Rio de Janeiro, hoje composta por 91 unidades administrativas. Um olhar superficial
verifica que o bairro da Maré possui um número de habitantes superior aos identificados
para Macaé (131.550 hab), Cabo Frio (126.894 hab), Queimados (121.688 hab), Angra
dos Reis (119.180 hab), Resende (104.482 hab) e Barra do Piraí (88.475 hab). E, numa
classificação por ordem de grandeza, se o bairro da Maré recebesse o status de
município, ocuparia a 17ª posição em termos populacionais nesse estado (Ibidem).
O destaque da Maré torna-se mais evidente e visível quando comparamos o
tamanho absoluto de sua população com os números identificados para os municípios da
Região Metropolitana do Rio de Janeiro, conforme apresenta o Tabela I.
Tabela I – População Residente nos Municípios da Região Metropolitana
do Rio de Janeiro:
Município População Município População
1 – Rio de Janeiro 5.851.944 11 – Queimados 121.688
2 – Nova Iguaçu 915.366 12 – Japeri 83.160
3 – São Gonçalo 889.828 13 – Itaguaí 81.952
4 – Duque de Caxias 770.865 14 – Maricá 78.556
5 – Niterói 458.465 15 – Seropédica 65.020
6 – São João de Meriti 449.229 16 – Paracambi 40.412
7 – Belford Roxo 433.120 17 – Guapimirim 37.940
8 – Magé 205.669 18 – Tanguá 26.001
9 – Itaboraí 187.127 19 – Mangaratiba 24.854
10 – Nilópolis 153.572 XXXXXXXXXXXXX XXXXXXXXXX
Fonte: (Censo Maré 2000) http://www.ceasm.org.br
A simples observação dos dados nos indica que a população da Maré apresenta
um tamanho absoluto superior aos números apresentados por nove municípios da Região
Metropolitana (Queimados, Japeri, Itaguaí, Maricá, Seropédica, Paracambi, Guapimirim,
Tanguá e Mangaratiba). Tomando a Maré como um município hipotético, ele ocuparia a
11ª posição em termos de população desta região do Estado. Seu contingente
demográfico corresponde à população de um município com a possibilidade de
representação política, segundo o que determina a Constituição Federal.
No que concerne aos outros complexos de comunidades populares do Rio de
Janeiro, Rocinha, Alemão e Jacarezinho, observa-se que o bairro em estudo aparece
como o de maior concentração populacional.
Tabela II – População nas Principais Favelas do Rio de Janeiro:
Localidade 1991 1996 2000
Rocinha 42.892 45.585 56.313
Alemão 51.591 54.795 65.637
Jacarezinho 37.393 34.919 36.428
Maré 62.458 68.817 113.817 /
132.176*
Fonte: (Censo IBGE – 2000; *Censo CEASM-2000).
Embora a Tabela II confirme a concentração da população na Maré, cabe destacar
que o crescimento revelado pelos números do IBGE, não expressa um incremento real,
por que o Instituto levou em consideração na sua contagem da população da Maré, nos
anos de 1991 e 1996, apenas nove comunidades: Baixa do Sapateiro, Parque Maré, Nova
Holanda, Roquete Pinto, Rubens Vaz, Parque União, Praia Ramos e Timbáu. As demais
não foram incorporadas por serem definidas como conjuntos habitacionais.
Na composição social do Bairro Maré é bastante relevante a questão de gênero. A
presença feminina destaca-se ali como sendo a maioria dos seus habitantes (vide Tabela
III), acompanhando a tendência da distribuição da população por gênero no estado e no
município do Rio de Janeiro (vide Tabela IV), onde as mulheres também se apresentam
com expressiva maioria.
Tabela III – Distribuição da População Residente no Bairro Maré por Gênero:
Comunidades Homens Mulheres Sub-total
Parque União 8.911 8.885 17.796
Vila Pinheiros 7.641 7.844 15.485
Parque Maré 7.557 7.842 15.399
Baixa do Sapateiro 5.512 5.955 11.467
Nova Holanda 5.547 5.748 11.295
Vila do João 5.280 5.371 10.651
Rubens Vaz 4.060 3.936 7.996
Marcílio Dias 3.610 3.569 7.179
Timbáu 2.962 3.069 6.031
Conjunto Esperança 2.827 2.901 5.728
Salsa e Merengue 2.644 2.665 5.309
Praia de Ramos 2.287 2.507 4.794
Conjunto Pinheiros 2.319 2.448 4.767
Nova Maré 1.517 1.625 3.142
Roquete Pinto 1.238 1.276 2.514
Bento Ribeiro Dantas 1.082 1.117 2.199
Mandacarú 206 218 424
Maré 65.200 66.976 Total 132 176
Fonte: Censo Maré – 2000
Tabela IV – População por Gênero no Estado e no Município do Rio de Janeiro – 2000
Unidade Mulheres Homens
Estado do Rio 7.490.947 6.900.335
Município 3.109.761 2.748.143
Maré 66.976 65.200
Fonte: Censo IBGE – 2000
Ao longo dos últimos 10 anos, a Maré apresentou um rápido incremento de
domicílios e, evidentemente, de população. Com isso, ela aparece, pela primeira vez,
como o mais populoso complexo de favelas do Rio de Janeiro. O fato decorre da
incorporação ao bairro, pelo IBGE, das comunidades locais até então identificadas como
conjuntos habitacionais. Outro fator significativo foi a construção, entre 1993 e 1997, de
três novos conjuntos, realizada pelo programa municipal de remoção de populações em
áreas de risco: Nova Maré; Bento Ribeiro Dantas e Salsa e Merengue (oficialmente
identificado como Novo Pinheiros).
A grande fronteira interna existente atualmente no Complexo da Maré não está
entre as comunidades mas, infelizmente, entre as três diferentes facções do tráfico de
drogas e do crime organizado que, literalmente, cortam a Maré ao meio com suas
disputas de territórios de dominação. Verdadeiras batalhas são travadas quase sempre
entre as facções rivais ou entre essas e a polícia, o que acaba, de fato, formando áreas
de confronto perigosas, verdadeiras ‘linhas-de-tiro’ dentro do complexo, afetando de
forma direta a vida cotidiana de seus moradores.
O objetivo em estudar esse complexo encravado no espaço urbano carioca (ver a
disposição espacial da Maré no Anexo III) advém não só de uma vivência cotidiana como
morador que nasceu e cresceu acompanhando seus movimentos sociais mas, sobretudo,
de procurar entender suas possíveis territorialidades, decorrentes do conflito de
interesses entre os atores sociais que interagem no processo de estruturação do local.
O primeiro capítulo procura de forma, sucinta, mostrar o Complexo da Maré como
produto da chamada “fragmentação do tecido sócio-político espacial”, como define Souza
(2003, p. 500), no processo de expansão da cidade do Rio de Janeiro e a constituição de
territorialidades em seu tecido urbano, partindo de considerações de natureza conceitual
formulada por autores que têm se dedicado ao tema territorialidades.
O segundo capítulo, de caráter empírico, trata de forma factual a formação do
Complexo da Maré e suas vinculações com as políticas públicas voltadas para a
população de baixa renda, tema este que extrapolando o objeto da presente dissertação
mantém-se na pauta de discussões, como as que ainda hoje, em pleno século XXI,
envolvem as lideranças políticas do Município do Rio de Janeiro.
No terceiro capítulo são apresentados os principais atores sociais que fazem do
Complexo da Maré um espaço partido, fragmentado e marcado pelo interesse de facções
antagônicas, suas práticas sociais e, de que algum modo, caracterizam as territorialidades
e as desterritorialidades evidenciadas no local.
Finalmente, na tentativa de arriscar algumas conclusões, são feitas as
considerações finais sobre esta monografia.
1 – A Cidade do Rio de Janeiro e as Territorialidades em Movimento:
1.1 – Territorialidades e a Problemática Conceitual:
Antes de esclarecer de que forma entendo o termo território – para logo em
seguida tratar das possíveis territorialidades que possam ser identificadas nas áreas da
Maré – acho de suma importância definir o conceito de espaço pois, é nele que se insere
o território e como diz Raffestin (1993, p. 178): “o espaço é anterior ao território”.
De acordo com Andrade (1994, p. 213) o conceito de território:
“não deve ser confundido com o de espaço ou de lugar, estando muito ligado à idéia de
domínio ou de gestão de uma determinada área, sendo assim, deve-se ligar sempre a
idéia de território à idéia de poder, quer se faça referência ao poder público, estatal, quer
ao poder das grandes empresas que estendem os seus tentáculos por grandes áreas
territoriais, ignorando as fronteiras políticas”.
Este mesmo autor cita que “o território, unidade de gestão, se expande pelo
espaço não conquistado e cria novas formas de territorialidades que dialeticamente
provocam novas formas de desterritorialidades e dá origem a novas territorialidades”
(Ibidem, p. 220).
Milton Santos (1997, p. 51) foi um dos autores que mais trabalhou com este tema
geográfico e segundo ele o espaço seria formado: “por um conjunto indissociável,
solidário e também contraditório, de sistemas de objetos e sistemas de ações, não
considerados isoladamente, mas como o quadro único no qual a história se dá”.
Define ainda que (Ibidem, p. 83):
“O espaço, uno e múltiplo, por suas diversas parcelas, e através do seu uso, é um
conjunto de mercadorias, cujo valor individual é função do valor que a sociedade, em um
dado momento, atribui a cada pedaço de matéria, isto é, cada fração da paisagem”.
Para o mesmo autor, “o espaço é hoje um sistema de objetos cada vez mais
artificiais, povoado por sistemas de ações igualmente imbuídos de artificialidade, e cada
vez mais tendentes a fins estranhos ao lugar e a seus habitantes.”(Ibidem p. 51).
Santos, afirma, entretanto, que espaço e paisagem não são sinônimos. “A
paisagem é o conjunto de formas que, num dado momento, exprimem as heranças que
representam as sucessivas relações localizadas entre o homem e a natureza. O espaço
são essas formas mais a vida que as anima” (Ibidem, p. 83).
Para Lefebvre, citado por Ferreira (2005):
“a utilização da noção de forma, função e estrutura (utilizadas com o mesmo peso de
importância) que contribuiriam para a revelação do espaço produzido, já que permitiria a
apreensão de suas estabilidades provisórias e de seus equilíbrios momentâneos, até
porque a própria noção de estrutura tem, também, um caráter provisório. Ademais, a
conjunção das três noções permite desvelar um conteúdo sócio-espacial que se encontra
oculto, posto que dissimulado nas formas, funções e estruturas analisadas”.
Ainda Ferreira (2005) citando Santos, apoiado por Lefebvre, propõe a utilização
dessas categorias como um auxílio na interpretação do espaço em sua totalidade –
acrescentando aqui outra variável, o processo. Para Ferreira o espaço deve ser analisado
a partir de algumas categorias a qual ele classifica como: Forma (o aspecto visível de um
objeto), Função (atividade a ser desempenhada pelo objeto criado, a forma), Estrutura
(trata-se da natureza social e econômica de uma sociedade em um dado momento do
tempo: matriz social onde as formas e funções são criadas e justificadas) e Processo (é
uma estrutura em seu movimento de transformação). A esse respeito Correia (1995, p.
29-30) escreve que:
“Forma, função, estrutura e processo são quatro termos disjuntivos associados, a
empregar segundo um contexto do mundo de todo dia. Tomados individualmente,
representam apenas realidades parciais, limitadas, do mundo. Considerados em conjunto,
porém, e relacionados entre si, eles constroem uma base teórica e metodológica a partir
da qual podemos discutir os fenômenos espaciais em totalidade”.
Referindo à sua natureza multifacetada como aspecto teórico mais importante do
espaço, Lefebvre citado por Gottdiener (1993, p. 127), menciona que:
“O espaço é ao mesmo tempo o local geográfico da ação e a possibilidade social de
engajar-se na ação. Isto é, num plano individual, por exemplo, ele não só representa o
local onde ocorrem os eventos (a função de receptáculo), mas também significa a
formação social de engajar-se nesses eventos (a função da ordem social)”.
Lefebvre conceitua “design espacial” como sendo ele próprio, um aspecto das
forças produtivas da sociedade – que, juntamente com a tecnologia, o conhecimento
humano e a força de trabalho, contribuem para o nosso “potencial de produção – assinala
ele que:
“A cidade, o espaço urbano e a realidade urbana não podem ser concebidos apenas como
a soma dos locais de produção e de consumo... O arranjo espacial de uma cidade, uma
região, um país ou um continente aumenta as forças produtivas, do mesmo modo que o
equipamento a as máquinas de uma fábrica ou de um negócio, mas em outro nível. Usa-se
espaço exatamente como se usa uma máquina.” (Ibidem, p. 128).
“O design espacial é um instrumento político de controle social que o Estado usa para
promover seus interesses administrativos. O espaço de autoridades e administrações
políticas dá, assim, ao Estado um instrumento independente para promover seus
interesses”. (Ibidem, p. 130).
Já Geiger, (1994, p. 238) analisa a cidade de forma que ela “aparece
implicitamente como o elo entre o território e o amplo espaço, o material, e o abstrato, do
pensamento. O território corresponde a um nível de produção social do espaço”. Este
autor também defende a tese de que “espaço e território não significam exatamente a
mesma coisa e o esclarecimento deste fato tem a ver com a argumentação sobre os
conceitos de des-territorialização e espacialização ora em uso” (Ibidem, p. 235).
A respeito de território, Raffestin (1993, p. 59-60) entende ser “um trunfo particular,
recurso e entrave, continente e conteúdo, tudo ao mesmo tempo. O território é o espaço
político por excelência, o campo de ação dos trunfos”.
Neves (1994, p. 271) define os territórios como “espaços de ação e de poderes e
esse poder – como capacidade de decidir – é adaptado às circunstâncias contraditórias e
particulares no tempo e no espaço [cada vez mais diversificado e heterogêneo]”.
Ainda para esse mesmo autor, “os novos territórios estão sendo formados e
transformados em todas as partes sobre os escombros das territorialidades, da luta de
classes ou das novas fontes espacializadas de produção de mercadorias” (Ibidem, p.
273).
Já Corrêa (1989, p. 09) analisa o espaço urbano como sendo um local
“fragmentado e articulado, reflexo e condicionante social, um conjunto de símbolos e
campo de lutas”. É assim a própria sociedade em uma de suas dimensões, aquela mais
aparente, materializada nas formas espaciais. Cita ainda que “este espaço seja um
produto social, resultado de ações acumuladas através do tempo e engendradas por
agentes que produzem e consomem espaços, são agentes sociais concretos”. A esses
agentes que fazem e refazem a cidade ele nomeou-os em: proprietários dos meios de
produção (os grandes industriais); os proprietários fundiários (interessados no valor de
troca da terra e não no seu valor de uso); os promotores imobiliários (que realizam
operações de incorporação, financiamento...); o Estado (que atua diretamente como
grande produtor e consumidor de espaço) e os grupos sociais excluídos (que tinham
como possibilidades de moradia os densamente ocupados cortiços localizados próximos
ao centro da cidade). E assim o espaço transforma-se, através da política, em território.
Para Andrade (1994, p. 251) o “território não é sinônimo de espaço... do mesmo
modo territorialidade e espacialidade não devem ser empregadas de modo
indiferenciado”. Para ele “território constitui-se, em realidade, em um conceito
subordinado a um outro mais abrangente, o espaço, isto é, à organização espacial; ele é
o espaço revestido da dimensão política, afetiva ou ambas”.
Trindade Júnior (1996, p. 139) analisa da seguinte forma: “O espaço urbano não é
sujeito, mas produto, condição e meio de (re)produção das relações sociais. Nesse
sentido, a reprodução da vida da e na cidade hoje faz-se num contexto de instauração de
uma, como diz Lefebvre, sociedade urbana que é, ao mesmo tempo, real e virtual”.
Ramagem (1996, p. 49) diz que “um território pressupõe um povo, um grupamento
com unidade cultural, o qual reclama uma dada porção do espaço como exclusivamente
sua; um espaço vivido, campo de representações simbólicas, lócus de solidariedades
territoriais, percebido através do sentimento”.
Outro autor que trabalha com este tema é Souza (1995, p. 78) que define o
território fundamentalmente como: “um espaço definido e delimitado por e a partir de
relações de poder”.
Souza (Ibidem, p. 99) prefere empregar o termo “Territorialismo” – que longe de ser
uma simples questão de instinto, é também uma estratégia – para designar o conteúdo de
territorialidade. Diz ainda que no singular (territorialidade) “remeteria a algo extremamente
abstrato: aquilo que faz de qualquer território um território, isto é, relações de poder
espacialmente delimitadas e operando sobre um substrato referencial” e no plural
(territorialidades) significariam “os tipos gerais em que podem ser classificados os
territórios conforme suas propriedades, dinâmicas, etc”. O autor exemplifica: territórios
contínuos e territórios descontínuos singulares são representantes de duas
territorialidades distintas, contínuas e descontínuas. A territorialidade remete a um certo
tipo de interação entre o homem e o espaço, a qual é sempre uma interação entre seres
humanos “mediatizada pelo espaço” (Raffestin, 1993 p. 160). Já Robin, citado por
Haesbaert (1995, p. 202) indaga que:
“Quanto ao espaço e ao território, eles tendem a ser escamoteados: a mundialização
operada pela multimídia e a infovias apagam nossas referências espaciais. O espaço
público vivido, aquele da rua, da cidade (...), desaparece. Ora, o território é o lugar
privilegiado da construção social, o laço maior de articulação entre o social e o econômico;
é aí também que se constata a alteridade e se opera o confronto com os outros. De fato,
não existe político que não se inscreva sobre um território.”.
O geógrafo Haesbaert é o autor que tem se dedicado a discutir o conceito de
território, alimentando com suas formulações o conhecimento das relações sociais
inerentes ao processo da produção do espaço. Compreende o autor (2001, p. 1770) que
as concepções de território podem ser agrupadas em três pontos – tendo como
influências as leituras de Augé (1992), Deleuze, Guattari (1997), Storper (1994), Raffestin
(1993) e Sack (1986):
* Jurídico-político = “... é a mais difundida, onde o território é visto como um
espaço delimitado e controlado, através do qual se exerce um determinado poder,
na maioria das vezes visto como o poder político do Estado”.
* Cultural(ista) = “... prioriza a dimensão simbólico-cultural, mais subjetiva, em que
o território é visto sobretudo como o produto da apropriação/valorização simbólica
de um grupo sobre seu espaço”.
* Econômico = “... bem menos difundida, enfatiza a dimensão espacial das
relações econômicas, no embate entre classes sociais e na relação capital-trabalho”.
O território define-se, segundo Ferreira (2005), essencialmente, a partir de
relações de poder:
“... o território seria relacional não somente no sentido da incorporação de um conjunto de
relações sociais, mas também no de desenvolver uma complexa relação entre processos
sociais e espaço material, onde se conclui que o território inclui o movimento, a fluidez e as
redes – sendo relacional".
Ainda Haesbaert (2001, p. 1770):
“... o território envolve sempre, ao mesmo tempo, uma dimensão simbólica, cultural, através
de uma identidade territorial atribuída pelos grupos sociais, como forma de ‘controle
simbólico’ sobre o espaço onde vivem (sendo também, portanto, uma forma de
apropriação), e uma dimensão mais correta, de caráter político-disciplinar: a apropriação e
ordenação do espaço como forma de domínio e disciplinarização dos indivíduos.”.
Corrêa (1994, p. 251) aproxima-se de Haesbaert (2001, p. 1770) quando afirma
que a “territorialidade, por sua vez, refere-se ao conjunto de práticas e suas expressões
materiais e simbólicas capazes de garantirem a apropriação e permanência de um dado
território por um determinado agente social, o Estado, os diferentes grupos sociais e as
empresas”.3
A expansão do território, segundo Andrade (1994, p. 214), ao mesmo tempo em
que promovia a ampliação da territorialidade: “provocava a desterritorialidade nos grupos
que se sentiam prejudicados com a forma e a violência com que era feita”.
E assim “o território – que ficou ausente das preocupações geográficas até
recentemente – retorna com insistência na última década do século XX como elemento
que condiciona as relações de produção”, como salienta Sposito (2004, p. 119).
E dessa convergência espacial dos contrários, surgiu a reação à gestão central, à
desterritorialização e à integração com a formação de novas territorialidades, novas
formas de concepção do uso e do processo de domínio do território.
Com esta base conceitual seguirá uma apresentação sobre as denominações:
territorialização, desterritorialização e re-territorialização (des-re-territorialização).
Com uma grande ligação com o lugar, a territorialização é iniciada sem a
preocupação de estar fincada somente no viés da ocupação do espaço de forma
3
Esta definição de territorialidade está embasada em Sack (apud, Corrêa/1994) onde ele aceita que “para
os seres humanos (territorialidade) é uma poderosa estratégia geográfica para controlar pessoas e coisas
através do controle de uma área”.
materialmente construída, mas também, através de um processo de criação de símbolos
e códigos que caracterizam um lugar para um indivíduo ou grupo social, estando esse
próprio lugar, interligado às relações travadas entre as pessoas ao longo do tempo – o
lugar embebido de objetos comuns. Conforme afirmam Deleuze e Guattari, citados por
Ferreira (2005): “não há território sem um vetor de saída do território, e não há saída do
território, ou seja, desterritorialização, sem, ao mesmo tempo, um esforço para se
reterritorializar em outra parte”.
Haesbaert (1995, p. 168) define desterritorialização como “a superação constante
das distâncias, a tentativa de superar os entraves espaciais pela velocidade, de tornar-se
‘liberto’ em relação aos constrangimentos geográficos – ou rugosidades”, quando se
refere Milton Santos. Quando se remete a desterritorialização percebe-se a perda dos
vínculos com o lugar e as relações nele realizadas. Santos, citado por Ferreira (2005),
enfatiza essa tese quando argumenta que:
“hoje, a mobilidade se tornou praticamente uma regra. O movimento se sobrepõe ao
repouso. Os homens mudam de lugar(...) mas também os produtos, as mercadorias, as
imagens, as idéias. Tudo voa. Daí a idéia de desterritorialização. Desterritorialização é,
freqüentemente, uma outra palavra para significar estranhamento, que é, também,
desculturização”.
Ainda Ferreira (Ibidem):
“A desterritorialização rompe com toda uma formação de sistemas simbólicos de
significados, de valores, que foram instituídos através de práticas sócio-culturais que, por
sua vez, foram responsáveis pela construção social do lugar. A noção de
desterritorialização deve ser percebida como uma concepção mais integradora do
território, ao mesmo tempo espaço de apropriação/reprodução concreta e simbólica”.
Um processo de desterritorialização pode ser tanto simbólico – com a destruição
de símbolos, marcos históricos, identidades – quanto concreto, material [político e/ou
econômico], pela destruição de antigos laços/fronteiras econômico-políticas de integração.
É bom lembrar que a produção do espaço envolve sempre e, concomitantemente,
a desterritorialização e a reterritorialização como definiu Barel, citado por Haesbaert
(1995, p. 170):
“(...) seria interessante se representar a mudança social [e seu contrário, o bloqueio] sob a
forma de uma dinâmica territorial, pois a mudança social é em parte esta: a vida e a morte
dos territórios. Estes territórios têm uma história. A mudança social é vista aqui como um
movimento de territorialização-desterritorialização-reterritorialização bem entendido, a
história territorial da transformação social resta inteira por escrever (...) De uma certa
maneira, pode-se representar a modernidade como o lento aparecimento de códigos
desterritorializantes que engendram seu contrário, isto é, a necessidade de novos
territórios”
As práticas sócio-culturais, que foram responsáveis pela construção social do
lugar, fazem com que haja uma ruptura de toda uma formação de sistemas simbólicos de
significados e de valores através da desterritorialização.
A reterritorialização representa uma nova rede de relações e processos que
geralmente desencadeiam uma nova codificação; ela rompe com toda uma formação de
sistemas simbólicos e significados e de valores instituídos que foram responsáveis pela
elaboração do lugar. Quando é realizada guarda novos traços e trajetórias. O processo de
reterritorialização se manifesta em associação a um movimento dentro da própria
organização espacial do lugar.
Um exemplo disso é um indivíduo que passa a trabalhar como autônomo e
permanece com seu vínculo empregatício; ele monta em sua própria residência um mini-
escritório de vendas de pequenos produtos para beleza feminina, por exemplo, – com
esse movimento de migração de tarefas de um determinado lugar para outro ele exercita
uma desterritorialização e uma reterritorialização para logo após, desterritorializar-se e
reterritorializar-se novamente.
Concluindo, Corrêa (1994, p. 252) menciona que a desterritorialização:
“É entendida como a perda do território apropriado e vivido em razão de diferentes
processos derivados de contradições capazes de desfazerem o território. Novas
territorialidades ou re-territorialidades, por sua vez, dizem respeito à criação de novos
territórios, seja através da reconstrução parcial, in situ, de velhos territórios, seja por meio
da recriação parcial, em outros lugares, de um território novo que contém, entretanto,
parcela das características do velho território: neste caso os deslocamentos espaciais
como as migrações, constituem a trajetória que possibilita o abandono dos velhos
territórios para os novos”.
O que pode ser observado é que quando o território, unidade de gestão, se
expande pelo espaço não conquistado cria novas formas de territorialidades que
dialeticamente provocam novas formas de desterritorialização e dá origem a novas
territorialidades – é um ciclo contínuo. E é sobre essas (possíveis) territorialidades que o
estudo de três comunidades do “Complexo da Maré” (foco desse trabalho) objetiva
identificar as relações sociais do processo de construção do espaço.
A compreensão de uma realidade local insere-se na compreensão do processo de
formação do espaço à qual pertence. Neste sentido, faz-se necessária uma abordagem,
ainda que sumária, da constituição do espaço urbano da cidade do Rio de Janeiro e as
suas territorialidades resultantes da segregação sócio-espacial ou ainda, da fragmentação
do tecido sóciopolítico-espacial, conforme apontado por Souza (2003a, p. 90).
1.2 – Territorialidades e Segregação Sócio-Espacial Urbana:
O entendimento das possíveis territorialidades existentes na cidade do Rio de
Janeiro, exige ema volta no tempo para que se possa compreender como ocorreu e para
qual direção se deu o espraiamento da população carioca.
Um marco decisivo para o processo de urbanização da cidade do Rio de Janeiro
foi sem dúvida a chamada “revolução” ocorrida nos meios de transporte coletivo da cidade
carioca no último quartel do século XIX, onde “as empresas de ‘carris’ comandaram – em
larga medida – o espraiamento da malha urbana para muito além do antigo perímetro da
Cidade Velha e da Ulterior Cidade Nova, contribuindo, ao mesmo tempo, para tornar cada
vez mais nítida uma nova estruturação social do espaço carioca”, Benchimol (1990, p.
96).
Neste momento a tendência da cidade era a de bifurcar-se em dois viézes
distintos: de um lado os bairros com predomínio do uso residencial localizados nas áreas
norte e sul e de outro uma área central com características “febril, multiforme,
superpopulosa e insalubre”. Para fazer a conexão entre a zona norte surge o tronco
ferroviário da Estação Ferroviária D. Pedro II, aonde os bairros do subúrbio iriam
progressivamente se estruturar até final do século, dando início a implementação das
principais estações ferroviárias e conseqüentemente, o espraiamento da população
carioca. (ibidem).
Os conflitos e as contradições espaciais tornaram-se presentes no espaço urbano
durante a transição de cidade colonial – tendo em sua base a mão-de-obra escravista –
para a cidade capitalista. Neste instante, século XIX, surgiram os primeiros elementos
segregadores do espaço com a introdução do bonde e do trem que torna a expansão
física do espaço expressiva.
Entre 1850-1870, a crise habitacional – dita como “escassez e carestia das
habitações para gente pobre” – emergiu como um dos traços mais característicos e
recorrentes da vida urbana do Rio de Janeiro, somando-se a isso, ter-se-ia ainda a
incidência de epidemias, onde o epicentro desta crise seria a área central onde coabitava-
se em grande número e de forma desordenada, grande parte da população carioca.
Apoiando-se em Engels, Benchimol (1990, p. 124) cita que: “a crise da habitação é
produto da forma social burguesa; sua história está, portanto, indissoluvelmente
subordinada ao desenvolvimento das relações capitalistas de produção no espaço urbano
carioca (e à conseqüente apropriação capitalista desse espaço).
No início do século XX, o prefeito Pereira Passos (1902-1906), aliado ao governo
republicano, realizou a primeira grande intervenção urbana no Rio de Janeiro, Ao procurar
embelezar e modernizar a cidade, o denominado “Haussmann Tropical” iniciou a
reestruturação da cidade, redefinindo o centro e as áreas residenciais, oficializando a
segregação espacial entre ricos e pobres, e tornando-se, paradoxalmente, um grande
responsável pela consolidação inicial das favelas4
.
Corrêa (1989, p. 65), citando Harvey, diz que a segregação significa:
“diferencial de renda real. Proximidade às facilidades de vida urbana, como água, esgoto,
áreas verdes, melhores serviços educacionais, etc; e ausência de proximidade aos custos
da cidade, como crime, serviços educacionais inferiores, ausência de infra-estrutura, etc.
se já há diferença de renda monetária, a localização residencial pode implicar diferença
ainda maior no que diz respeito à renda real”.
De acordo com a definição da Escola de Chicago, “Segregação Residencial” seria
“uma concentração de tipos de população dentro de um território”, onde a área natural –
”uma área geográfica caracterizada pela individualidade física e cultural resultante do
processo de competição impessoal que geraria espaços de dominação dos diferentes
grupos sociais, replicando ao nível da cidade processos que ocorrem no mundo vegetal” –
seria a expressão espacial da segregação (Zorbaugh, apud Corrêa/1989, p. 59).
Castells (apud Corrêa, 1989 p. 60) define a Segregação Residencial como “um
processo que origina a tendência a uma organização espacial em áreas de forte
homogeneidade social interna e de forte disparidade entre elas, sendo um produto da
existência de classes sociais e tendo sua espacialização no urbano” . Ainda Corrêa
escreve que: “A segregação residencial pode ser vista como um meio de reprodução
social, e neste sentido o espaço social age como um elemento condicionador sobre a
sociedade”.
Assim, enquanto o lugar de trabalho, fábricas e escritórios, constitui-se no local de
produção, as residências e os bairros, definidos como unidades territoriais e sociais,
constituem-se no local de reprodução e deste modo a segregação residencial significa
não apenas um meio de privilégios para a classe dominante, mas também um meio de
controle e de reprodução social para o futuro (Corrêa, 1989 p. 60).
A questão de como morar é concomitantemente associado à problemática da
produção da habitação – que se trata de uma mercadoria cujo valor de uso é superado
pelo valor de troca, fazendo dela uma mercadoria sujeita aos mecanismos de mercado –
e tem um caráter especial surgido na medida em que depende de outra mercadoria
especial, a terra urbana, cuja produção é cara, o que exclui boa parte da população.
No problema de moradia o Estado intervêm de forma direta através da construção
de habitações e indiretamente na forma de financiamento aos consumidores e às firmas
construtoras, ampliando a demanda solvável e viabilizando o processo de acumulação
4
Caracteriza-se pela precariedade das condições de habitabilidade, tanto no que se refere à moradia
(construções feitas com materiais perecíveis), como à oferta de infra-estruturas básicas (saneamento e
drenagem), à ocupação (morfologia e tipologia) e à propriedade da terra. (IPEA 2001).
capitalista. Isso define a questão de “como e onde morar” apontada por Corrêa (1989, p.
63), onde “ambos se fundem dando origem a áreas que tendem a ser uniformes
internamente em termos de renda, padrões culturais, valores e, sobretudo, em termos dos
papéis a serem cumpridos na sociedade pelos seus habitantes”, onde esta tendência que
se mostra mais marcante nos extremos da sociedade: nos grupos mais elevados e mais
baixos da sociedade.
Se por um lado o Estado exerce o papel na ação estatal, a classe dominante (ou
algumas de suas frações) exerce, subjacente, este poder na segregação residencial na
medida em que controla o mercado de terras, a incorporação imobiliária e a construção,
direcionando seletivamente a localização dos demais grupos sociais no espaço urbano,
atuando indiretamente através do Estado.
O primeiro registro referente a uma favela no Rio deu-se no recenseamento de
1920, que documentou uma aglomeração de 839 casas no Morro da Providência
organizada por veteranos da guerra dos Canudos. A primeira leva importante de
migrantes rurais no Brasil, nos primeiros anos da década de 1930, provocou o rápido
crescimento da população favelada. Aos novos migrantes à procura de casa vinham
somar-se os moradores da cidade que não mais podiam pagar os aluguéis nem mesmo
de cortiços, avenidas ou cabeças de porco. As favelas, nas colinas ao redor do centro da
cidade, ofereciam a dupla vantagem de não cobrarem aluguel e de serem bem
localizadas, e para muitos constituíram a melhor solução.
Com isso foi inevitável o acentuado número de favelas concentradas na cidade do
Rio de Janeiro, já a partir da década de 60, quando sua população teve um crescimento
bastante significativo, conforme se observa na Tabela V e nos Gráficos I, II, III e IV.
As favelas, definidas e contabilizadas, começaram a ser estudadas, tornando-se
cada vez mais visíveis e tema de vários debates. Portanto apenas em meados do século
XX é que se problematiza novamente a questão da habitação popular, tendo então como
eixo principal a favela. Este padrão de habitação auto-produzido caracterizava-se pela
sua ilegalidade em termos jurídicos e sua irregularidade em termos urbanísticos, além da
precariedade e da insalubridade. Assim, quando não pôde mais ser negada, sua
existência foi considerada uma “chaga” que deveria ser extirpada e seus moradores
removidos.
Tabela V – Evolução do Crescimento da População de Favelas,
da População Total e do Crescimento de Favelas no Estado do Rio de Janeiro
Entre as Décadas de 1950/1991.
Ano
População de
Favelas (A)
População total do
Rio (B)
A/B (%)
% do crescimento
de Favela por
Década
% de crescimento da
População do Rio por
Década
1950 169.305 2.337.451 7.24 _____ _____
1960 337.412 3.307.163 10.20 99.29 41.49
1970 563.970 4.251.918 13.26 67.15 28.57
1980 628.170 5.093.232 12.33 11.38 19.79
1991 1.001.336 5.480.768 18.27 59.41 7.60
Fonte: http:www.ibge.gov.Br
Gráfico I – Percentual de Moradores de Favelas
Fonte: http://www.favelatemmemoria.com.br
Gráfico II – Evolução da População de Favelas no Município do Rio de
Janeiro
Fonte: http://www.favelatemmemoria.com.br
Gráfico III – Evolução do Nº de Favelas no Município do Rio de Janeiro
Fonte: http://www.favelatemmemoria.com.br
Gráfico IV – Crescimento Populacional de 04 Favelas:
Fonte: http://www.favelatemmemoria
De 14 favelas em 1920 para mais de 500 no ano 2000. Nesse período, muita coisa
mudou na realidade dos morros cariocas. Hoje, o número de favelados representa quase
20% da população total do município do Rio de Janeiro. Algumas comunidades viraram
complexos, Alemão, Jacarezinho e Maré, que conforme o gráfico acima, ultrapassaram
os 50 mil habitantes, enquanto áreas como a Zona Oeste – antes um vazio no mapa –
viraram opção de moradia barata e hoje lideram o ranking de novas construções.
Embora não haja uma explicação unânime para a segregação social, é evidente
que a cidade formal sempre manteve um posicionamento contrário à favela, sugerindo a
formação de uma cidade à parte pela presença desses assentamentos. A partir da
década de 40, as favelas começam a ser vistas pelos moradores da cidade formal como
“aglomerados invasores” e “ocupações ilegais de terra” embora a crítica à chamada
“teoria da marginalidade” tenha buscado mostrar o equívoco dos discursos dualistas
sobre as favelas a partir da década de 70.
De qualquer forma, a visão dualista por parte da cidade formal ganhou novo fôlego
com a inclusão do narcotráfico e da violência urbana e foi dotada de legitimidade social
pela utilização freqüente pela mídia de metáforas como “cidade partida” e “desordem
urbana”. De fato, a partir da primeira metade do século 20, o próprio Estado mudou sua
forma de encarar as favelas, baseando-se em políticas de controle e repressão sendo os
aglomerados usualmente comparados a “doenças sociais”. Por outro lado, ao mesmo
tempo em que políticas de remoção das favelas são postas em práticas, emergem
demandas por parte de governo e instituições não governamentais de novos discursos
que subsidiem a política de “integração da favela ao bairro”.
Na realidade, o distanciamento social entre a cidade formal e as favelas continua
em curva ascendente. A barreira invisível entre estas e a cidade, materializa-se através
da auto-segregação da classe média em condomínios exclusivos e somam-se aos muros
invisíveis da estigmatização e do preconceito geradas pela associação simplista entre
favelas e tráfico de drogas. Segundo Souza (2002 p. 500), o ingrediente principal para
esta “fragmentação do tecido sócio-político-espacial” encontra-se na multiplicação de
enclaves territoriais controlados por traficantes de drogas de quem se necessita a
anuência para que sejam viabilizados quaisquer tipos de intervenção estatais.
Embora não seja prerrogativa das favelas a existência do tráfico de droga e sua
conseqüente violência, a falta de governança nessas áreas empobrecidas encorajou o
surgimento de um novo poder paralelo que desafia constantemente o poder público oficial
e espalha o terror por todo o território urbano. De fato, o comprometimento do poder
público com a cidade formal em detrimento das populações mais carentes, resultou em
assentamentos irregulares de tipologia urbano-arquitetônica característica. A alta
densidade desses assentamentos juntamente às precárias condições de vida traduziu de
forma contundente o descaso de toda a sociedade com a população mais empobrecida.
Se por um lado a cidade formal cresceu dentro de parâmetros urbanos definidos, por
outro, as favelas se multiplicaram em um estado de completa desordem impossibilitando a
integração com o resto da urbe e perpetuando o ciclo de pobreza e exclusão.
Através de indicadores sociais pode-se considerar que algumas das principais
questões que diferenciam um bairro formal de uma favela, além da questão da ilegalidade
seja ela fundiária ou edilícia, são: a falta de infra-estrutura urbana e serviços essenciais, o
baixo valor da renda da população, a alta taxa de desemprego, o alto índice de
analfabetismo e o baixo grau de escolaridade. No entanto, para que se possa entender
melhor as características das favelas e suas diferenças em relação à cidade formal, além
dos índices socioeconômicos, deve-se levar em consideração as relações sociais
existentes dentro dessas comunidades, seus símbolos e seu dinamismo, bem como a sua
relação com a cidade formal.
É amplamente reconhecido – pelo menos na mídia especializada – que o
agravamento dos problemas urbanos associados à pobreza, relacionados espacialmente
aqueles associados à favelização e ao ímpeto da incorporação de novas áreas nas
periferias, tem-se constituído em importante desafio para o poder público.
A política governamental do Estado em relação às favelas mudou radicalmente na
última década do século XX – anteriormente o que se pretendia era o desfavelamento
(erradicação), hoje a “urbanização e regularização de favelas”5
são consideradas
importantes instrumentos para possibilitar o acesso da população de mais baixa renda à
terra urbana. Sobre o programa de erradicação das mesmas será melhor abordado no
item 04 deste trabalho.
Sabe-se que as favelas são, atualmente, territórios em constante conflito entre
traficantes de facções rivais e destes com a polícia, e que a população, sem ter como se
defender, fica vulnerável às vontades e ações desses vários exércitos, que dominam e
impõem a sua própria lei aos moradores, os quais não tem outra saída a não ser aprender
a conviver e respeitar as regras a eles impostas, uma vez que diferentemente de qualquer
morador da cidade formal, não tem nenhum acesso à segurança e à polícia. Essa última
vê em todos os moradores da favela um bandido em potencial, dando o mesmo
tratamento a todos: a intimidação e a repressão violenta.
Como fato social, a favela deve ser enquadrada em um processo histórico mais
generoso tendo em vista a dinâmica de seus atores: os favelados. Neste sentido,
entende-se que a única estrutura espacial urbana que atende é o quilombo. Assim, a
favela vem representando para a república o mesmo que o quilombo representou para a
ordem imperial, onde a ação do Estado se fez presente somente através do aparelho
repressivo policial. Desta maneira, o espaço favelado vem passando por um processo
contraditório de construção (busca de habitação pelos mais pobres) e desconstrução
(“necessidade” do ordenamento espacial da cidade). Um mix de fatores como ausência do
Estado na dotação infra-estrutural, sobretudo para saúde e educação; falta de absorção
desta mão-de-obra pelo mercado de trabalho, dentre outros fatores; juntamente com pré-
disposição do aparelho repressivo fizeram da favela ‘locus’ da violência urbana nos dias
de hoje.
Em se tratando de Rio de Janeiro, fica evidente que, desde sua origem, se
pensarmos em um processo, os lugares ocupados pelos mais pobres vêm recebendo
pouca atenção do poder público no que se refere ao tamanho dos problemas sociais.
Entretanto, como no passado, em sua versão anterior à República, o quilombo, a favela
recebe uma atenção especial do aparelho policial, tendo em vista que favelas e favelados
são considerados como um caso de polícia, mas não como um problema da sociedade.
“Atualmente, a favelização e a periferização, expressões espaciais mais marcantes da
reprodução da pobreza urbana, impressionam não somente por sua magnitude, mas
igualmente por sua complexidade (Souza, 2000 p. 193).”
5
Ação mais complexa que a regularização de loteamentos – integração de assentamentos urbanos ilegais
ao conjunto da cidade legal, mediante investimentos públicos e medidas administrativas e jurídicas para
promover a compatibilização da realidade física (do local), registraria (do direito de propriedade) e a
administrativa (da gestão urbanística) –, pois geralmente exige investimentos públicos para urbanização e
mesmo para substituição de habitações removidas para dar lugar às obras de urbanização.
De acordo com Souza (2000, p. 193), “o traço mais impressionante da favelização,
da década passada para cá, fica por conta, porém, da ‘territorialização de favelas por
parte do tráfico de drogas”, onde os espaços socialmente segregados que oferecem
suporte logístico para as quadrilhas que operam no varejo nas metrópoles não se
restringem às favelas... Elas são, dentre todos os espaços segregados, os palcos
preferenciais da territorialização protagonizada por traficantes de varejo, inexistente em
bairros de classe média.
Essa territorialização ficou evidenciada na virada dos anos 70 para os anos 80
sendo um marco histórico pois conduziu a uma fragmentação que envolveu não apenas
dos ‘territórios ilegais’ – as favelas e outros espaços controlados por alguma quadrilha de
traficantes vinculada a algum ‘comando’ – mas igualmente, aqueles espaços que não
estão submetidos a qualquer ‘poder paralelo’ ao Estado.
O que pode ser observado é que quando o território, unidade de gestão, se
expande pelo espaço não conquistado cria novas formas de territorialidade que
dialeticamente provocam novas formas de desterritorialidade e dá origem a novas
territorialidades – é um ciclo contínuo. E é sobre essas (possíveis) territorialidades que o
estudo das comunidades da Maré procura identificar.
2 – A Formação do Complexo da Maré:
O modelo econômico adotado pelo país, após a Segunda Guerra Mundial,
consolidou o poder da burguesia urbano-industrial. Com a decadência da agricultura e a
forte industrialização, intensos movimentos migratórios se formaram em direção às
cidades. Os migrantes chegavam à Capital e se instalavam nos subúrbios distantes ou
nas favelas. A distância entre o local de trabalho e o domicílio aumentou
consideravelmente e a necessidade de morar perto do local de trabalho levou a
população migrante a se instalar nos terrenos não ocupados que escaparam da
especulação imobiliária pela dificuldade, ou mesmo, impossibilidade de construção:
morros, terrenos inundáveis e de propriedade duvidosa. Favelas se propagaram tanto em
zonas industriais, como residenciais.
O poder público pouco se manifestava face ao aumento do fluxo migratório, uma
vez que o aumento da mão-de-obra barata era necessário para a indústria em
crescimento e os terrenos ocupados pelas favelas eram públicos ou pouco valorizados.
Por outro lado, pelo caráter populista da política governamental, entre 1945 e 1964, as
favelas passaram a ser vistas como fontes de numerosos votos.
Os anos 40 marcaram um período de mais forte proliferação de favelas no Rio de
Janeiro. Foi nesta época que o primeiro Censo oficial foi realizado. Apesar dos números
deste Censo terem sido controvertidos, ele se tornou o marco do reconhecimento oficial
pelo Estado da existência das favelas, que já faziam parte da paisagem da cidade do Rio
de Janeiro.
2.1 – Primórdios da Ocupação na Maré (1940/1960):
Conforme quadro abaixo observa-se, ao início da década de 50, a existência de
105 favelas no Rio de Janeiro, abrigando um total de 169.305 de moradores. As favelas
concentravam-se na chamada zona suburbana (44% das favelas e 43% da população
favelada), seguida da zona sul (24% e 21% respectivamente) e da região Centro-Tijuca
(com 22% e 30%). Esse recenseamento, realizado pelo IBGE em 1970, também revelou a
predominância de uma população de migrantes nas favelas cariocas: 52% eram naturais
do Estado do Rio de Janeiro (na ocasião a capital federal – a Cidade do Rio de Janeiro –
constituía o Distrito Federal), Minas Gerais, Espírito Santo e regiões do nordeste
brasileiro.
Tabela VI – Evolução do Número de Favelas em Relação aos Domicílios
e Habitantes da Cidade do Rio de Janeiro
ANO Nº DE FAVELAS DOMICÍLIOS HABITANTES
1950 105 44.000 169.305
1960 147 69.680 335.696
1967 230 162.741 757.696
1970 300 185.000 1.000.000
Fonte: Anuário Estatístico da Guanabara, do Censo de 1970 – IBGE. Extraído de “Metrópole de 300
Favelas”. Nunes, Guida. Ed. Petrópolis. 1976.
Em 1950, 36% da população brasileira viviam na área urbana, enquanto 63,8%
faziam do Brasil um país predominantemente rural. Em 1991, verifica-se que este quadro
inverteu-se, drasticamente, passando o país a ter 75,2% de sua população vivendo nos
grandes centros urbanos. Esse crescimento da população urbana no Brasil foi
conseqüência de vários fatores, mas nenhum tão marcante como o êxodo rural.
Na cidade do Rio de Janeiro, como em outras áreas urbanas do país, o fluxo
migratório agravou o problema da escassez de moradias, já comprometido com a
descontinuidade de uma política urbana e habitacional voltada para população de baixa
renda, problemática esta agravada a partir da década de 40 quando assumiu proporções
cada vez maiores, permanecendo ainda hoje como tema de um debate político sem
soluções concretas legitimadas. Mesmo assim, medidas governamentais foram objeto de
políticas públicas que visavam a proibição do crescimento das favelas.
A vinda de migrantes nordestinos foi marcante para as áreas deste estudo. Eles
procuravam áreas pertencentes à União. Neste sentido, a área ocupada hoje pela Maré,
oferecia todas as condições para este tipo de ocupação, pois se tratava, em boa parte, de
terras devolutas e terrenos da Marinha Brasileira. Na figura abaixo pode-se observar a
antiga área de mangue, hoje ocupada pela Maré.
Figura 01. “Maré – Época de Manguezal”. (Fonte: http://www.ceasm.org.br)
Fato fundamental para o surgimento e crescimento do Complexo da Maré foi a
construção, em 1946, da chamada “Variante Rio-Petrópolis”, que mais tarde se tornaria a
conhecida Avenida Brasil (Fig. 02).
Fig. 02 – “Obra de construção da Avenida Brasil, trecho Manguinhos, 1940”. Acervo do Arquivo
Geral da Cidade. In: http://www.ceasm.org.br
O projeto de construção de uma via (ver fig. 03) tinha a finalidade principal de
expandir a antiga área industrial do Rio de Janeiro – e que acabou por se tornar a
principal via de comunicação entre o centro, os bairros do subúrbio e a periferia da
cidade.
A Av. Brasil proporcionou o crescimento de um cinturão industrial às suas
margens, que somado ao isolamento dos terrenos na orla da Baía de Guanabara e à
facilidade de acesso a tais áreas, criou condições bastante favoráveis para o surgimento
das comunidades da Maré, pois em sua construção trabalharam muitos dos primeiros
moradores destas áreas – como se percebe na figura abaixo a Av. Brasil e o viaduto de
Bonsucesso em construção.
Fig. 03. “Variante Rio-Petrópolis – atual Av. Brasil – com o Instituto Oswaldo Cruz ao
centro/acima”. (Foto: acervo da Casa de Oswaldo Cruz). In: http://www.ceasm.org.br
E segue adiante um pequeno recorte das comunidades da Maré...
As comunidades da área hoje conhecida como Complexo da Maré surgiram a partir
das décadas de 30/40, sendo a mais antiga a que se originou no Morro do Timbáu, região
já ocupada desde o período colonial, por se localizar, ali, o antigo Porto de Inhaúma.
Posteriormente, a área foi ocupada por portugueses e italianos que ali estabeleceram
suas chácaras e por pescadores que fundaram uma colônia de pesca. O nome da
comunidade passa a ser o da região, que era conhecida como thybau, do tupi-guarani,
"entre as águas", o que denota terem sido os índios os primeiros habitantes do lugar.
Esse local “é uma formação típica de favelas em encostas mas com uma grande
diferença em comparação com outras favelas de morro; o Timbáu apresenta uma
densidade habitacional extremamente baixa” (Jacques, p. 25). A ocupação da
comunidade propriamente dita se dá a partir da chegada da primeira moradora da
comunidade, D. Orosina, que num passeio de final de semana se apaixona pelo lugar, e
recolhendo a madeira que a maré trazia, demarca uma área e constrói o primeiro barraco,
com a ajuda de seu marido.
Este primeiro casal vinha do centro do Rio, onde viviam numa casa de cômodos,
atrás da Estação da Central do Brasil. A mulher tinha acabado de chegar do interior de
Minas Gerais e não conseguia viver sufocada no pequeno cômodo, "com a chuva caindo
em goteiras". Ela escolheu um ponto seco, conveniente, numa pequena elevação próxima
ao mar e levantou seu pequeno barraco com os materiais que a maré trazia de graça.
Mais tarde, ela se dedicou a plantar árvores frutíferas e uma horta e a cercar seu
"território". Ela conseguiu fazer tudo sem que qualquer pessoa a perturbasse. Mesmo
assim, o casal estava bastante assustado, percebendo que eles estavam ocupando algo,
sem autorização, que não lhes pertencia. Sobre o processo de formação das
comunidades da Maré, Jacques (2002, p. 22) argumenta que:
“As comunidades que formam o complexo têm características e processos espaciais bem
distintos, que vão do mais planejado ao mais espontâneo, do mais regular ao mais
irregular, do mais formal ao mais informal, do mais projetado ao mais livre. As diferentes
entre as formas, que hoje constituem uma diversidade muito rica, se deram por vários
fatores: a história de cada ocupação, as características do sítio, as questões de
propriedade, as origens da população, a organização da comunidade, os contextos
políticos e sociais. Uma grande gama de formas espaciais pode ser encontradas na
Maré... As diferentes comunidades são tão distintas como os diferentes bairros de uma
cidade formal e chegam a ter identidades próprias, que constituem, todas juntas, a cultura
multifacetada da Maré”.
O 1º Regimento de Carros de Combate (RCC) instalou-se defronte ao Morro do
Timbáu, e sob a justificativa de impedir a ocupação de terrenos que lhe pertenciam (o que
mais tarde se vai verificar não ser verdade) passou a exercer um controle sistemático
sobre a comunidade com a derrubada de barracos, o controle da entrada de moradores
através da colocação de cercas de arame farpado e a cobrança, por parte, de alguns
militares de ‘taxas de ocupação’.
A história da comunidade do Timbáu vai ser, na década de 50, marcada pela
resistência ao exército que reclamava a propriedade da área e que vai tentar impedir por
todos os meios, inclusive pela violência, a sua ocupação. Por intervenção de D. Orosina,
que escreve uma carta denunciando tal situação ao Presidente Getúlio Vargas, que a
recebe no Palácio e lhe responde dando garantias contra os agentes militares, a
comunidade passou a crescer e se organizar tendo, em 1954, fundado a terceira
associação de favelas do Rio de Janeiro.
Enquanto a comunidade do Timbáu apresentou um lento crescimento,
permanecendo na década de 40 com poucos habitantes surgia, ao final deste período
(1947), a primeira grande concentração humana que foi a Baixa do Sapateiro que na
época, teve sua formação a partir de um pequeno grupo de barracos construídos sobre
palafitas. Não há consenso sobre a origem do nome.
A ocupação por moradias, inicialmente, ocorreu a partir dos limites do “loteamento
de Bonsucesso”, onde ainda se podem notar muitas casas do início do século XX. Nessa
época se tem notícias dos primeiros barracos:
“Há dois anos moradores iniciaram a construção de barracões nos terrenos da Marinha à
margem da Avenida Brasil em Bonsucesso. Os terrenos formavam um charco que, à
medida que iam levantando as casas, iam aterrando. Se localizam ali hoje cerca de 800
barracos. Já havia na parte alta da Rua Jerusalém outro grupo de residências. A Prefeitura
mandou destruir tudo”.(Fonte: Jornal ‘A Noite’, 24/11/1947).
“Cerca de 2000 pessoas ficarão desabrigadas (...) Prefeitura ameaça demolir 800
barracões. Há quase dois anos construídos por operários, em terrenos existentes no lugar
denominado ‘Favelinha do Mangue de Bonsucesso’, no fim da Rua Nova Jerusalém –
Comissão faz veemente apelo ao prefeito Ângelo Mendes de Moraes”.(Fonte: Jornal ‘O
Globo’, 26/11/1947).
Estes artigos publicados em diferentes jornais da cidade dão notícia, já em 1947,
da existência de uma ocupação com grande número de barracos, no final da Rua
Jerusalém, hoje principal acesso à comunidade da Baixa do Sapateiro e dessa forma,
pode-se dizer que a localidade é uma das mais antigas comunidades da Maré. Em 1957
surge a “União de Defesa e Melhoramentos do Parque Proletário da Baixa do Sapateiro”,
que somente foi registrada em 1959, sendo uma das primeiras associações de favelas do
Rio de Janeiro.
Em 1944, após pedido do ministro Gustavo Capanema ao Presidente da República
decide-se pelo aterramento do arquipélago das ilhas do Fundão para tornar realidade o
sonho de uma universidade neste local, o que provocou diversas alterações no quadro
social da região, pois muitos dos que trabalharam na sua construção vieram a se instalar
na Maré, devido à proximidade, o que provocou um incremento na ocupação e
crescimento das comunidades – principalmente no Morro Timbáu e na Baixa do
Sapateiro.
“É interessante notar que na Maré, ao contrário da maioria das favelas de morro, os
terrenos mais valorizados eram os mais altos, por serem os mais secos. Na parte mais
baixa ficava a população mais pobre, geralmente em palafitas nas áreas inundáveis. Foi só
com o ‘Projeto Rio’ que as palafitas desapareceram completamente... Mesmo que hoje já
não existam palafitas nem áreas inundáveis na comunidade, em sua configuração urbana,
e principalmente na irregularidade do tecido, podemos ainda notar sinais desse passado
próximo de precariedade e instabilidade. A Baixa do Sapateiro junto com parte do Morro do
Timbáu e do Parque Maré são as áreas onde as características típicas das favelas
cariocas – arquiteturas fragmentária, tecido urbano labiríntico, desenvolvimento territorial
orgânico – se apresentam de forma mais evidente dentro do Complexo da Maré” (Jacques
2002 p. 32-33).
Em 1950, surgem as primeiras moradias do Parque Maré (vide fig. 04) como um
prolongamento da ocupação ocorrida na Baixa do Sapateiro e essa área tornou-se
bastante atrativa às populações que chegavam com o fluxo migratório, principalmente da
Região Nordeste. A área que ia sendo ocupada pelos moradores do Parque da Maré
(1953 já consolidado) era dominada pela lama, por vegetação de mangue e pelo
movimento das águas, tendo a partir da década de 60 ocorrido uma grande expansão da
ocupação em direção à Baía da Guanabara, sendo o Parque Maré, nesta época,
predominantemente dominado pelas palafitas, conforme as figuras abaixo:
Fig. 04 – “Parque Maré – Década de 50”. Fonte: http://www.favelatemmemoria.com.br
Fig. 05 – “Maré em 1960”. Fonte: http://www.favelatemmemoria.com.br
Não havia qualquer infra-estrutura, a luz era coisa rara nas casas, inicialmente
puxada, através dos "gatos" e posteriormente por meio de cabines onde havia um
medidor da LIGHT e a luz era revendida às casas. Posteriormente, por medida do próprio
governo, foram criadas as Comissões de Luz. A água chegava através de pequenas
bicas, puxadas clandestinamente dos ramais, onde se formavam grandes filas. Muitos
apanhavam água do outro lado da Avenida Brasil, que pela distância exigia meios
criativos para o transporte de uma maior quantidade. Daí surgiram os chamados "rola-
rola" ou "água-de-rôla": um barril de madeira, envolto em pneus, ou com madeira
emborrachada, puxado por uma alça de ferro. Comuns eram os atropelamentos na
"variante" (atual avenida Brasil) e face as dificuldades, muitos faziam um verdadeiro
comércio com a água.
Enquanto isso acontecia as crianças não tinham local apropriado para brincarem,
pois eram escasso os locais de entretenimento – somente nas escolas ou quando saíam
com os pais –, sendo assim, elas brincavam em ambientes inadequados como, por
exemplo, nas pontes sobre a maré negra e correndo sérios riscos à sua integridade física
(como retratada na fig. 07).
Fig. 06 – “Armazenamento caseiro d’água”. Fonte: http://www.favelatemmemoria.com.br
O esgoto, muito precário foi feito pelos próprios moradores, e era despejado por
ligações clandestinas nas galerias construídas pelo Governo Carlos Lacerda na Rua
Flávia Farnese – no Parque Maré. Também na década de 60 é fundada a Associação de
Moradores do Parque Maré que teve importante papel na consolidação da comunidade,
principalmente na época de instituição do Projeto-Rio.
Fig. 07 – “Crianças sobre as pontes da maré”. Fonte: http://www.favelatemmemoria.com.br
A história do “Parque Rubens Vaz” começa no ano de 1951, quando surgem no
local os primeiros barracos. A área, nesta época, era conhecida como areal, devido à
grande quantidade de areia espalhada no local, por ocasião da drenagem e canalização
do Canal da Portuária. Quando uma pessoa chegava à área para fixar residência, já era
avisada de que não deveria construir à margem da avenida Brasil, porque esta seria
futuramente alargada, como de fato foi. Sendo assim, ninguém construiu sua habitação a
menos de 40 metros da variante Rio-Petrópolis.
Os barracos eram construídos, inicialmente, com um cômodo só e, de acordo com
as possibilidades, os moradores iam aumentando o número de cômodos. As construções
eram rudimentares e sem nenhuma tecnologia. Segundo os moradores, era proibida a
construção em alvenaria sob pena de demolição por parte da polícia.
Em 1965, durante o Governo Carlos Lacerda, a população da área sente
necessidade de encontrar um nome oficial para o lugar. Escolhem o nome Rubens Vaz
em homenagem ao major assassinado em atentado na Rua Toneleros, em Copacabana.
A Associação de moradores é então registrada com o nome de Associação de Moradores
do Parque Major Rubens Vaz.6
Fig. 08. “Construção de palafita na Maré em 06/09/1971”. Fonte: http://www.favelatemmemoria.com.br
O advogado Margarino Torres – o mesmo que defendeu a população e seu direito
de permanecerem na área hoje conhecida como Parque Major Rubens Vaz – ligado ao
PCB e que tinha um escritório nesta localidade, deu todas as coordenadas para a
estruturação da comunidade Parque União, em 1959, e esta localidade foi uma das áreas
com um certo “planejamento de ocupação”, pois ele demarcou áreas para a permanência
6
História dos Bairros da Maré, coordenado por Lilian Fessler Vaz, UFRJ, 1994. Retirado da internet em
http:// www.ceasm.gov.br em 05/10/05.
dessa população. Segundo Vaz (1994), “As casas eram construídas primeiramente em
madeira. Internamente eles iam levantando as paredes em alvenaria, isso tudo feito às
escondidas, pois, segundo a população, o governo proibia a construção em alvenaria. A
madeira só era retirada, quando a casa já estava praticamente pronta”. Margarino e sua
equipe lideraram e administraram a área até 1961.
2.2 – Políticas Públicas e Seus Reflexos na Segregação do Espaço (1960/80):
Nova Holanda foi concebida como um Centro de Habitação Provisória (CHP) que
funcionaria como um local de triagem, dentro da política de remoções do governo, que
visava muito mais retirar núcleos favelados de áreas nobres da cidade, do que resolver o
problema habitacional. A tarefa de controlar o processo de transferência dos moradores
de favelas a serem erradicadas ficou a cargo da Fundação Leão XIII, que foi incorporada
à Secretaria de Serviço Social da Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro. Para uma
melhor análise dessa situação é preciso voltar ao passado e conhecer melhor o
“Programa de Erradicação de Favelas”, que deu origem aos CHPs – como a Nova
Holanda.
“No CHP os moradores removidos passariam por um processo de preparação para
morarem em locais urbanizados, tendo noções de higiene e educação, além de cuidados
com a nova moradia. No período de 1962-63 foi construído o primeiro setor, que era
formado por 981 (conforme quadro abaixo) casas de madeira construídas em lotes 5 X 10
mts e o segundo setor foi construído no último ano de governo de Lacerda, onde se
construíram 228 vagões de madeira divididos em 39 unidades... O que era transitório,
acabou por se tornar definitivo, e até hoje vivem na comunidade, muitas famílias que foram
para Nova Holanda aguardar sua remoção para um novo conjunto da cidade, o que nunca
chegou a acontecer. Com a degradação dos serviços de água e esgoto e a chegada em
1971 dos removidos da Favela Macedo Sobrinho, a situação do CHP se agrava e dessa
forma, os moradores de Nova Holanda iam se integrando, pelos problemas comuns, cada
vez mais aos demais moradores da Maré” (Fonte: http://www.ceasm.org.br).
“A comunidade Nova Holanda (1962) teve um processo de
ocupação completamente diferente, para não dizer oposto, ao
das demais formações que vimos até agora. Sua origem não foi
um invasão espontânea, nem mesmo uma invasão planejada,
como ocorreu no Parque União. A comunidade de Nova Holanda
foi inteiramente planejada e construída pelo poder público na
década de 60, no governo Carlos Lacerda, sobre um imenso
aterro realizado ao lado do Parque Maré. As dimensões do
aterro realizado impressionaram tanto que influenciaram até a
escolha do nome da comunidade, uma homenagem à Holanda,
o país europeu quase inteiramente construído abaixo do nível do
mar sobre aterros e diques. Outra semelhança são as roldanas,
que podemos encontrar em algumas casas e que indicam que
as mudanças eram feitas por cabos externos, exatamente como
ocorre em cidades holandesas, principalmente Amsterdã”
(Fonte:http://www.ceasm.org.br).
Em 1956, foi criado o SERFHA – Serviços Especial de Recuperação das Favelas e
Habitações Anti-Higiênicas – que sofreu uma reestruturação em 1960, tornando-se o
primeiro organismo oficial voltado mais precisamente para “urbanização de favelas”.
Na década de 60, inaugura-se uma nova forma de tratamento das favelas com o
lançamento do “Programa de Remoção das Favelas”, cujo objetivo era de “eliminar as
favelas e transferir suas populações para outros locais, apoiados pela administração de
Lacerda (1960-1965), criando assim a COHAB-GB (1962), órgão estadual.
“Durante o governo Lacerda (1961-1965) foram adotadas diversas medidas a fim de dar um
aspecto moderno à cidade. Tal política baseava-se na realização de obras suntuosas
como a construção de viadutos, túneis e parques e jardins na zona sul da cidade. Ao
mesmo tempo, a população mais pobre sofria com uma política de erradicação de favelas
e remoção de sua população para áreas distantes e desvalorizadas da cidade e nesse
contexto surge o projeto do ‘cais de saneamento’, que visava construir uma cais de pedra
por toda a extensão da orla da baía do Cajú ao Rio Meriti, seguindo à Avenida Brasil, e
portanto, o cais de saneamento visava atingir a dois problemas que vinham preocupando
as autoridades na época: a poluição da Baía de Guanabara e a saturação da Avenida
Brasil”. (Fonte: Ceasm).
Com o aumento do número de habitantes nas favelas do Rio de Janeiro, as
associações de moradores se mobilizavam – tanto no nível interno, quanto no nível de
suas articulações externas, com grupos de apoio tais como a igreja, através da Pastoral
das Favelas e a Federação das Associações de Favelas (antiga FAFEG e atual FAFERJ).
Em dado momento da história (1969) esta repressão [ao tentar liderar os moradores da
primeira favela atingida pela ação da CHISAM7
– Coordenação de Habitação de Interesse
Social da Área Metropolitana do Grande Rio (1968-1973)], junto a eles a CODEFAM
(Comissão de Defesa das Favelas da Maré) que conseguiu criar um espaço de
participação na elaboração definitiva do “Projeto Rio” [projeto esse que veio a beneficiar
os moradores da maré na década de 80] foram órgãos fundamentais na luta dos
favelados pela posse definitiva de seu barraco.
Nesta época de trabalho da CHISAM (1968-1973) se assistiu à maior operação
anti-favela que a cidade jamais tinha conhecido. Os órgãos governamentais então
envolvidos eram o BNH (1967) – Banco Nacional de Habitação, como financiador – , a
própria CHISAM, como coordenadora do programa de remoção, a COHAB-GB –
Companhia de Habitação Popular, como construtora e comercializadora das unidades
habitacionais e a Secretaria de Serviços Sociais, como responsável pela ação social junto
às populações atingidas. Com o fim da CHISAM o órgão que ficou encarregado de dirigir
as esporádicas remoções que continuavam a ocorrer foi a Fundação Leão XIII – que
surgiu em 1946 a partir de entendimento entre a Arquidiocese e a Prefeitura do Rio de
7
O programa da CHISAM se iniciou com a remoção das favelas situadas em torno da Lagoa Rodrigo de
Freitas. Valladares (1980, p. 30).
Janeiro, que tinha como meta a “recuperação das favelas”. A COHAB-GB e a Secretaria
de Serviço Social desapareceram com a fusão dos estados da Guanabara e do Rio de
Janeiro e foram substituídas respectivamente pela CEHAB-RJ e pela Coordenadoria do
Bem-Estar Social. Enquanto a COHAB-GB, organismo estadual, desenvolvia sua ação no
sentido da remoção das favelas, a administração de Negrão de Lima criava, em 1968, a
CODESCO – Companhia de Desenvolvimento de Comunidade – a partir de uma
alternativa oposta à remoção: a “Urbanização”. (ver Tabelas VII e VIII).
Tabela VII – Conjuntos Habitacionais da COHAB-GB por Localização,
Ano de Ocupação, Nº e Tipos de Unidades
Nome do
Conj.
Bairro Ano de
Ocup.
Triagem Casa Apartº Total por Conj.
Nova
Holanda
Bonsucesso 1963 981 xxxx xxxx 981
Cidade de
Deus
Jacarepaguá 1966 1.193 3.865 1.600 6.658
Miguel
Gustavo
Senador Camará 1972 2.466 xxxx xxxx 2.466
Total xxxx xxxx 4.640 3.865 1.600 10.105
(Fonte: CEHAB-RJ – Extraído de Valladares (1980, p. 40) – Adaptado.
“Foram tais problemas básicos que serviram para justificar a elaboração de pelo menos
quatro projetos de intervenção na região. Como as favelas ali existentes eram
responsabilizadas por grande parte da poluição da baía, e por outro lado, ocupavam parte
da área por onde deveria passar a nova via paralela à Avenida Brasil, os projetos previam
a remoção de grande parte da população residente no local” (Fonte:
http://www.ceasm.org.br).
Tabela VIII – Remoções Realizadas na Guanabara, no Período de 1962-1974.
Administração e
Períodos das Remoções
Total de Favelas
Atingidas
Total de Barracos
Removidos
Total de
Habitantes
Removidos
Calos Lacerda (1962-
1965) 27 8.078 41.958
Negrão de Lima (66-
67/68-71)
66-67 (s/r) 68-71
(33)
66-67 (s/r) 68-71
(12.782) 6.685/63.910
Chagas Freitas (1971-
1974) 20 5.333 26.665
Total 80 26.193 139.218
Fonte: COHAB-GB – Extraído de Valladares (1980, p. 39) – Adaptado.
Em decorrência da renúncia de Jânio Quadros em agosto de 1961, grande parceiro
na realização do Projeto com o Governo do Distrito Federal, o “Cais de Saneamento” se
resumiu apenas a estudos preliminares, tendo sido retomado apenas em 1966, pela
Superintendência de Urbanização e Saneamento (SURSAM), do então Estado da
Guanabara.
Em janeiro de 1969, houve no Rio de Janeiro uma reunião com membros
relacionados ao assunto favela onde foi simulado um jogo em que se traçava o futuro das
favelas para os próximos dez anos. No desenrolar da reunião, três pontos de vista
emergiram, sintetizando tanto a opinião erudita como as idéias populares de como, as
favelas eram consideradas: “Aglomerações patológicas”, “Comunidades em busca de
superação” ou como “Uma calamidade inevitável”.
Esse período marca, também, a primeira grande intervenção do Governo Federal
na área: o “Projeto Rio”, que previa o aterro das regiões alagadas e a transferência dos
moradores das palafitas para construções pré-fabricadas. São hoje as comunidades da
Vila do João, Vila do Pinheiro, Conjunto Pinheiro e Conjunto Esperança, localizados
próximo ao “Parque Ecológico da Ilha do Pinheiro”, na Maré.
Dos projetos que antecederam ao “Projeto Rio”, o mais ambicioso foi aquele
elaborado no final do primeiro mandato do Governador Chagas Freitas (1971-1974) onde
a área ocupada pelas favelas foi declarada “non aedificandi”, como forma de conter o
avanço das favelas sobre aterros clandestinos. (Ibidem).
“Em maio de 1979, no momento em que Freitas exercia o seu segundo mandato (1979-
82), o projeto foi novamente apresentado, cedendo lugar ao Projeto Rio anunciado um mês
depois, e por este motivo e pelas semelhanças entre ambos os projetos, o Governador, na
época, reivindicou a paternidade do Projeto Rio, que foi anunciado pelo Governo Federal,
via o Ministério do Interior (DNOS e BNH), através do então ministro Mário Andreazza”.
(Fonte: http://www.ceasm.org.com.br).
E, em 08/06/1979, o próprio ministro anuncia o mais audacioso projeto com a
finalidade de sanear a orla da Baía de Guanabara e que na verdade, se baseava nos
projetos anteriores apresentados pelo Governo Chagas Freitas que não foram
implementados (Ibidem).
O “Projeto Rio” previa uma intervenção desde a Ponta do Caju, até os rios Sarapuí
e Meriti, em Duque de Caxias, num trecho de 27 quilômetros, e apresentava como
objetivos centrais a criação de espaços para abrigar populações de baixa renda e criação
de condições para ambientação ecológica e paisagística do trecho mais poluído da Baía
de Guanabara. A execução do projeto coube ao Banco Nacional de Habitação (BNH),
como órgão financiador, e ao Departamento Nacional de Obras e Saneamento, incumbido
de fazer os aterros e macrodrenagem. À FUNDREM, órgão estadual, coube o encargo
das pesquisas de levantamento cadastral.
Segundo o levantamento inicial, um terço dos habitantes da área da Maré morava
em palafitas, sendo o conjunto formado, até então, por seis favelas: Timbáu, Baixa do
Sapateiro, Parque Maré, Nova Holanda, Parque Rubens Vaz e Parque União, e para
execução desse programa, o BNH criou o “PROMORAR” – Programa de Erradicação da
Sub-habitação – que seria o responsável pelo processo de construção de 9.531 unidades
habitacionais para o assentamento dos moradores das palafitas. O projeto previa, ainda, o
saneamento do trecho da Baía da Guanabara que se estendia do Caju até a Praia de
Ramos, considerado o mais poluído, mediante a construção de um aterro de 2.300
hectares.
Várias vezes surgiam desconfianças por parte dos moradores devido aos atrasos
nas obras e ao não cumprimento dos cronogramas e, neste sentido, as associações de
moradores tiveram um papel de suma importância ao criarem a CODEFAM – Comissão
de Defesas das Favelas da Maré – onde exerceram forte pressão para que as promessas
de campanha fossem cumpridas.
2.3 – Reconhecimento de um Bairro Popular e as Intervenções Públicas (1980/2005):
Até o início dos anos de 1980, a Maré das palafitas era tida como símbolo da
miséria nacional como retrata a música “Alagados” (1984) da Banda Paralamas do
Sucesso, que estourou nas rádios naquele momento:
Alagados
(Música: Herbert Vianna, Bi Ribeiro e João Barone
Letra: Herbert Vianna)
Todo dia
O sol da manhã vem e lhes desafia
Traz do sonho pro mundo que já não queria
Palafitas, trapiches, farrapos
Filhos da mesma agonia
E a cidade
Que tem braços abertos no cartão-postal
Com os punhos fechados da vida real
Lhes nega oportunidades
Mostra a face dura do mal
Alagados, Trenchtown, Favela da Maré
A esperança não vem do mar
Nem das antenas de Tevê
A arte de viver da fé
Só não se sabe fé em quê
Os primeiros conjuntos habitacionais construídos na Maré surgiram na década de
1980. A Vila do João (1982) era vista como uma esperança de vida para os moradores
das palafitas que após cadastro no programa Promorar, receberam suas casas. A Vila do
João, na época de sua inauguração, foi apelidada pela população de “Malvinas” e de
“Inferno Colorido”, sendo o primeiro nome uma alusão à Guerra das Malvinas – entre
Argentina e Inglaterra –, devido aos intensos tiroteios e, o segundo, por causa do sortido
colorido e calor das casas recém construídas, apelidos esses que caíram no desuso
(Fonte: http://www.ceasm.org.br).
A Vila do Pinheiro (1983) nasce na região remanescente da Bela “Ilha do Pinheiro”,
na época de aterramento das sete ilhas onde atualmente está erguida a Universidade
Federal do Rio de Janeiro (a UFRJ), a Ilha do Pinheiro foi excluída do projeto, mas
acabou sendo anexada ao continente nos aterros promovidos pelo Projeto Rio. Na época,
a ilha comportava um centro de pesquisa com macacos da espécie Rhesus da Fundação
Fiocruz e, neste período, foi retomada pela União para fins de aterramento e construção
de Unidades Habitacionais. O que restou da ilha virou um pequeno parque ecológico. Nos
terrenos da Vila dos Pinheiros foi erguido um conjunto de prédio chamado de Conjunto
Pinheiros (1989) e um outro conjunto de casas de nome Salsa e Merengue (2000).
“Em frente ao Conjunto Pinheiros foi construído, já na década de 1990, o Conjunto Bento
Ribeiro Dantas, mais conhecido como ‘Fogo Cruzado’, por ter estado por muito tempo
próximo da ‘linha de tiro’ entre as facções criminosas rivais... atualmente, percebe-se no
conjunto um processo contínuo de favelização e até mesmo de verticalização. Os
moradores desse conjunto foram transferidos de outras favelas consideradas de risco,
através do ‘Programa Morar Sem Risco’, ou seja, favelas que não poderiam ser
urbanizadas pelo programa municipal de urbanização sistemática de favelas criado em
1994 – o “Favela Bairro”. Tratava-se basicamente das ditas “favelas de Rua”, que se
situavam na beira de avenidas, embaixo de viadutos ou ainda na margem de rios urbanos;
ou ainda de áreas de risco das favelas que estavam sendo “urbanizadas” pelo Favela-
Bairro. O novo “modelo” ou padrão construtivo do conjunto foi repetido em outras
comunidades carentes da cidade, inclusive na própria Maré, com a construção do Conjunto
Nova Maré em um aterro próximo à Baixa, decorrente da construção da Linha Vermelha,
como cita Jacques”. (2002, p. 47-48).
A identificação da Maré como um bairro popular ocorre principalmente pela criação
em 15/08/1988 da XXXª Região Administrativa (ver figura 09 e 10) – a primeira de favelas
da cidade através do Decreto de 24/01/1994 – como um marco no reconhecimento das
novas características da Maré, que vai se consolidando como um complexo de bairros
populares. A figura 11 mostra a delimitação territorial do Complexo da Maré nos dias de
hoje (e assim se observa a evolução urbana ocorrida na Maré, conforme apresentada no
Anexo IV).
Em 21/04/1992, é inaugurado um antigo projeto – elaborado na época de Carlos
Lacerda passando pelos governos de Chagas Freitas e por Leonel Brizola – a Linha
Vermelha. Construída sob a alegação de promover o desafogo no trânsito da saturada
Avenida Brasil, tornou-se na verdade, uma via de elite que favorece o trânsito de carros
particulares, tendo promovido forte impacto, uma espécie de ‘tiro de misericórdia’, no que
sobrou da Baía de Guanabara.
Em 1996, a Prefeitura do Rio de Janeiro elege a Maré como uma nova área de
assentamentos, face a sua política de remoção de moradores de áreas consideradas de
risco em toda a cidade e tendo em vista o grande número de grandes áreas
remanescentes do Projeto Rio que não haviam sido utilizadas. A Prefeitura, na gestão do
Prefeito César Maia, adquire tais áreas da Caixa Econômica Federal e inicia a construção
de novas casas, nos molde do Conjunto Bento Ribeiro Dantas (1992), surgindo o
Conjunto Nova Maré (1996).
Outra via de transporte importante, criada na região, foi a Linha Amarela em
24/11/1997. Sua construção tornou-se realidade pela utilização do modelo de concessão
de serviços públicos, sendo a primeira e, até hoje, a única concessão rodoviária municipal
do país. Uma solução pioneira de uma grande parceria envolvendo enormes desafios e
que beneficiou, de um certo modo, a população da Maré no intuito de encurtar a distância
entre a Maré e a Barra da Tijuca, local de trabalho de boa parte dessa população.
Em 1998, a Prefeitura, com base numa idéia inicialmente proposta pela União das
Associações de Moradores do Bairro Maré (UNIMAR), inicia no Parque Burle Marx, área
verde contígua à Linha Vermelha – as obras da Vila Olímpica da Maré, que viria a ser um
dos mais importantes agentes sociais presentes na Maré. Sem dúvida, a Vila Olímpica da
Maré (1999) atende a mais de 8.000 alunos em seus mais diversos projetos educacionais
e em 23 modalidades esportivas. Ela foi criada em parceria com a iniciativa privada e em
convênio com a gestora UEVOM (União Esportiva da Vila Olímpica da Maré).
Fig. 09 – “Localização da XXXª R.A. da Maré”. Fonte: http://www.armazemdedados.com.br
Fig. 10 – “Área de atuação da XXXª R.A. da Maré”. Fonte: http://www.armazemdedados.com.br
O desenho territorial da Maré encontra-se atualmente rearranjado como observado
na ortofoto abaixo:
Fig. 11 – “Desenho territorial da Maré nos dias de hoje”. Fonte: http://www.armazemdedados.com.br
3. Os Territórios da Maré e Suas Particularidades:
3.1 – Os atores sociais e suas atuações na Maré: as territorialidades em movimento:
Neste capítulo será descrita a atuação dos atores sociais envolvidos nas possíveis
territorialidades encontradas na Maré: a Ong CEASM8
, as Associações de Moradores, a
Igreja, o Poder Público (a Polícia), a Vila Olímpica da Maré (ligada à Prefeitura da cidade)
e o próprio tráfico como ator circunstancial de transformação do espaço segregado,
responsável principal das territorialidades em movimento.
O texto está fundamentado nas informações obtidas através de uma entrevista
concedida pelo Srº Lourenço César – um dos diretores da ong CEASM, com sede nas
comunidades do Morro do Timbáu e da Nova Holanda, e morador há mais de 30 anos da
Maré. Seu testemunho, somado ao conhecimento adquirido pela convivência cotidiana
com o lugar, permite traçar um perfil das relações e conflitos decorrentes do jogo de
interesses entre os atores envolvidos.
•••• A respeito da ong CEASM:
É inegável a atuação positiva das ações realizadas por esta instituição nas
comunidades da Maré, principalmente, no tocante às práticas sociais que envolvem, de
um lado, profissionais capacitados nas mais diversas áreas do planejamento educacional
e, do outro, o jovem – presente no âmago da população interessada por novos
conhecimentos – que representa o desejo cada vez maior pelo saber e pelo discernimento
do aprendizado que no futuro, lhe será de grande valia.
Assim, se inicia essa entrevista com o discurso real de um diretor de uma
importante organização educacional e, acima de tudo, um morador que percebe, a cada
dia que passa, a realidade de um imenso complexo de favelas que se territorializa,
desterritorializa para mais adiante voltar a re-territorializar-se, em um verdadeiro círculo
vicioso. Suas visões a respeito da ong são as seguintes:
8
O Centro de Estudos e Ações Solidárias da Maré – CEASM – é uma associação civil, sem fins
lucrativos, criada em 15 de agosto de 1997 que atua no conjunto de comunidades populares da Maré. O
Centro foi fundado e é dirigido por moradores e ex-moradores locais que, em sua grande maioria,
conseguiram chegar à universidade. Os projetos desenvolvidos pelo CEASM visam superar as condições
de pobreza e exclusão existentes na Maré, apontado como o terceiro bairro de pior Índice de
Desenvolvimento Humano (IDH) da cidade (Censo 2000).
“A proposta do CEASM é de uma atuação na área política, através da educação, da cultura
e da comunicação. Essas três linhas serão norteadoras de uma intervenção na área da
Maré a médio e longo prazos”.
“Foi sempre passado pelos fundadores do CEASM que a idéia era de que a entidade
pudesse aos poucos se libertar dessa função – que seria do Estado – e estar ocupando
um papel cada vez mais político e mobilizador”.
“A prática do cotidiano foi solapando um projeto político de futuro que atualmente está em
discussão por aqui: ‘O que a gente está fazendo’? e ‘O que pretendemos fazer’? Essa
seria a avaliação do que estamos concretizando no nosso dia a dia.”
“As ongs fazem, sim, o trabalho que seria próprio do Estado. Elas poderiam ser
classificadas como ‘Potencializadoras de Movimentos Sociais’. Há a dificuldade dos
movimentos sociais em mobilizar a mídia, e neste sentido, surge a ong com o propósito de
colaborar; exemplo disso foi no Fórum Social Mundial em que a presença de várias ongs
contribui para que as classes menos favorecidas participassem neste evento – antes
marcados pela presença somente da classe média bancada pelo Estado e pelas
Universidades”.
Neste sentido as ongs, têm papel fundamental no processo de estruturação social
do lugar, embora deixe de cumprir seus objetivos seja pela necessidade de estar aliada
aos interesses do ‘financiador’, que pode não concordar com a forma de atuação, ou
pelas demandas do próprio cotidiano de estar atrás de recursos e financiamentos, para a
manutenção do espaço da entidade. Continuando, Lourenço destaca que:
“Aqui dentro do CEASM eu puxo muito para essas questões como, por exemplo, a criação
da U.A.U. (União de Alunos Universitários) que surgiu com a finalidade de mobilizar
universitários de favelas; a Rede Maré Jovem – rede de jovens que contribui com o debate
de vários temas criando mobilizações nas ruas – e o Fórum Maré que já ocorre há um ano
e que conta com a participação de várias instituições, líderes comunitários etc.”.
Na realidade, ocorre, também, a presença de movimentos sociais externos à Maré,
que, de forma geral, atingem as comunidades do complexo, como o Movimento dos
Trabalhadores Sem Terra, o MST, que se coloca sempre à disposição das necessidades
do CEASM, no sentido de somarem forças potencializadoras, embora, muitas vezes, a
relação dos atores sociais na Maré acabe por inibir os efeitos dessa potencialidade, como
afirma Lourenço:
“A incapacidade nossa de não conseguirmos mobilizar uma determinada comunidade em
um evento participativo de uma outra devido à questão da ‘fronteira’ causada pelo tráfico
de drogas, faz com que essa mobilização seja fragilizada, ou seja, nem todo mundo está
apto ou com garantias de vida para se fazer presente em outra comunidade num ato
público, por exemplo. Uma ação que fazemos aqui no CEASM (Morro do Timbáu), que se
faz necessária a essas pessoas, é impedida, através do tráfico, de que moradores de outra
comunidade possam assistir”.
As políticas de mobilização realizadas pela ong CEASM é assim destacada por
Lourenço quando ele afirma que:
“As políticas de mobilização na Maré são realizadas nas dezesseis comunidades o que
causa um grande desgaste de várias ordens, ocorre que em cada reunião do movimento
surgem grupos distintos participando e isto é um fator que tem prejudicado em muito as
nossas ações. Outra dificuldade é que o público alvo das comunidades trabalha e estuda e
o tempo disponível é limitado, muito reduzido, e que as vezes inviabiliza os
questionamentos sobre as ‘Utopias Coletivas’ que exige certa mobilização e uma
disponibilidade de tempo muito grande e um arcabouço financeiro-familiar que o
impossibilita a uma liberdade para estar realizando suas ações, sendo isso mais um fator
negativo”.
Recentemente um artigo vinculado num jornal de grande circulação na cidade
promoveu um reboliço nas classes menos favorecidas da Maré, pois colocava em pauta a
discussão sobre a remoção de favelas, como cita nosso entrevistado:
“A questão da polícia e a relação com o Estado e a mídia que, ao mesmo tempo que cobra
do Estado uma ação mais efetiva, inibe por parte do Estado, uma ação mais cidadã; Um
exemplo disso foi uma matéria vinculada no jornal ‘O Globo’ intitulada ‘Ilegal e daí?’ que é
uma campanha em relação às favelas, onde o presidente do Sindicato das Empresas de
Materiais de Construções criticava uma tentativa do Governo do Estado de se criar uma
cesta básica para materiais de construções. A alegação era que se ‘baratear’ o preço
desses materiais para a construção de obras iria se consolidar a favela, pois o pobre teria
acesso a esses materiais e assim ele melhoraria sua qualidade de moradia e de vida
dentro de suas casas. O que se percebe é que uma ação dessas, proveniente dessas
organizações venham inibir que o Governo/Estado façam qualquer tipo de ação que é
apoiada por essas instituições. Eles são a favor das ‘remoções de favelas’.
A favela começa a conquistar o direito de ser ouvida e representada como voz
atuante de seu caminho. E para tanto, torna-se essencial o conhecimento, não só de suas
carências, mas também de suas virtudes, de seu passado e de seu presente, de suas
generalidades e particularidades, e principalmente, de seus desejos. Por isso o Censo
Maré 2000, trabalho realizado pelo CEASM, representou a possibilidade de realização de
um estudo específico da realidade das várias marés.
Ou seja, as várias histórias e geografias das favelas que foram se formando na
área hoje reconhecida como XXXª Região Administrativa. Tem-se agora, um instrumento
primordial na luta por uma vida mais digna e justa, pois os dados permitem uma atuação
consciente na gestão pública e comunitária, possibilitando uma visão mais focal, centrada
em algumas particularidades e uma visão global, que apreende as generalidades da XXXª
R.A. Um instrumento que permite a ação conjunta frente aos órgãos públicos e entidades
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Complexo da Maré: Múltiplas Territorialidades

  • 1. Centro de Ciências Sociais Departamento de Geografia e Meio Ambiente Monografia Final de Conclusão de Curso Rogério Pereira dos Santos Complexo da Maré: Múltiplas Territorialidades Locais em Movimento Profª Drª Haidine da Silva Barros Duarte Rio de Janeiro Dezembro/2005
  • 2. Agradecimentos: Aos meus pais, apesar de estarem um tanto distante da minha realidade acadêmica... À minha orientadora, professora Haidine Duarte, pela paciência, disponibilidade de tempo e, principalmente, pelo suporte acadêmico durante este trabalho final de curso e também, nas disciplinas ministradas por ela durante esses longos anos nesta universidade. Aos professores do Departamento de Geografia e Meio Ambiente pelos ensinamentos que adquiri durante esta longa jornada como graduando e à Edna, funcionária, que tantos galhos quebrou a este aluno! E também ao Cláudio e a Anair do Departamento de História que muito me ajudaram durante esses anos. Aos professores que compuseram a banca avaliadora, profºs João Rua e Regina Célia, e que aceitaram esse pequeno desafio de avaliar essa minha monografia. Aos funcionários do campus da PUC-RJ: André (Laboratório de Informática – RDC), Sebastião (da Biblioteca – 3º andar do prédio Frings), ao pessoal da Pastoral (a qual presto uma homenagem em especial pois, sem o benefício do FESP, minha caminhada estudantil aqui na academia não seria completa), aos ascensoristas que diariamente contribuíam para a minha chegada/saída às aulas. Aos colegas que conheci durante o curso, em especial, ao amigo Filósofo- Geógrafo Profº Paulo José (PJDADS) que, sem dúvida alguma, foi um dos alicerces que muito contribuiu para meu progresso como aluno. Ao meu irmão Rildo, que muito me ajudou, principalmente, com xerox de livros durante esses anos. Ao técnico de informática Fernando Santos (Bimbão) pelo suporte operacional dedicados a mim durante esses quatro anos e meio. Dedico esta monografia em nome de José Rinaldo Pereira dos Santos, meu irmão já falecido e a minha filha Ellen Ferreira Pereira dos Santos!!!!
  • 3. Sumário I – Apresentação ......................................................................................... 05 Capítulo 01: A Cidade do Rio de Janeiro e as Territorialidades em Movimento .................................................................................................. 10 1.1 – Territorialidades e a Problemática Conceitual .............................. 10 1.2 – Territorialidades e Segregação Sócio-Espacial Urbana ................17 Capítulo 02: A Formação do Complexo da Maré ..................................... 25 2.1 – Primórdios da Ocupação na Maré (1940/1960) .............................. 25 2.2 – Políticas Públicas e Seus Reflexos na Segregação do Espaço (1960/1980) ........................................................................................... 35 2.3 – Reconhecimento de Um Bairro Popular e as intervenções Públicas (1980/2005) .................................................................................................. 40 Capítulo 03: Os Territórios da Maré e Suas Particularidades ................ 45 3.1 – Os Atores Sociais e Suas Atuações na Maré: As Territorialidades em Movimento ............................................................................................ 45 4 – Conclusão ............................................................................................. 60 5 – Anexos .................................................................................................. 61 6 – Referências Bibliográficas .................................................................. 65
  • 4. "A favela é um espaço em constante movimento porque os moradores são os verdadeiros responsáveis por sua construção, ao contrário do morador da cidade formal, que muito raramente se sente envolvido na construção do seu espaço urbano e, em particular, dos espaços públicos de sua cidade. A participação comunitária ocorre de forma muito mais representativa nas favelas e áreas favelizadas em geral do que na cidade formal. Os técnicos, arquitetos e urbanistas responsáveis por projetos e intervenções em favelas, na maioria dos casos, em vez de tentar seguir os movimentos já iniciados pêlos moradores, impõem sua própria lógica construtiva, diretamente ligada à cultura e à estética da cidade formal. Esses profissionais lutam exatamente contra tal movimento do espaço das favelas, com a finalidade de estabelecer uma pretensa "ordem". O resultado (...) é uma rejeição por parte dos moradores dessa imposição formal, o que resulta em uma favelização ainda mais radical, como no exemplo das alterações realizadas pelos próprios moradores nos conjuntos habitacionais ". (Jacques 2002, p. 48). In memória de José Rinaldo Pereira dos Santos
  • 5. Complexo da Maré: Múltiplas Territorialidades Locais em Movimento 1 – Apresentação: Este trabalho final de curso tem como objetivo central identificar os territórios que envolvem o complexo da Maré e suas particularidades, tendo como foco principal o tema “Complexo da Maré: As Múltiplas Territorialidades Locais em Movimento”, então observadas na área de estudo. Para tal será utilizado, com freqüência, “A História da Maré em Capítulos”, encontrado na internet em http://www.ceasm.org.br e que discutirá com muita eficácia a trajetória da formação do Bairro “Maré”. De acordo com o site da Prefeitura (2003) a área territorial da Maré corresponde a 426,88 ha (a densidade demográfica de cada comunidade está no Anexo I). O recorte definido pelo IBGE ignorou a condição formal de bairro da Maré, estabelecida desde o final da década de 80, reconhecendo as comunidades locais como “Unidades Territoriais Específicas” – é a maior concentração de população de baixa renda do município do Rio de Janeiro. O conjunto de 16 comunidades [Morro do Timbáu (1930/1940), Baixa do Sapateiro (1947), Conjunto Marcílio Dias (1948), Parque Maré (1953), Parque Roquete Pinto (1955), Parque Rubens Vaz (1961), Parque União (1961), Nova Holanda (1962), Praia de Ramos (1962), Conjunto Esperança (1982), Vila do João (1982), Vila do Pinheiro (1989), Conjunto Pinheiro (1989), Conjunto Bento Ribeiro Dantas ou Fogo Cruzado (1992), Nova Maré (1996) e Salsa e Merengue (2000)] totaliza, segundo o “Censo Maré – 2.000”1 , uma população de 132.176 representando esse contingente, 2,26% da população do município do Rio de Janeiro e apenas 0.97 % dos habitantes do Estado do Rio de Janeiro abrigado em 38.273 domicílios (Censo Maré 20002 ). A densidade habitacional da Maré está representada no Anexo II. Para Jacques (2002, p. 19) a Maré se diferencia de uma outra favela pois; “A Maré não é simplesmente uma favela, mas o que se denomina um complexo de favelas, várias comunidades diferentes juntas, como se fossem vários bairros distintos, uma quase cidade formal. Assim a Maré se torna um dos maiores laboratórios urbanos de habitação popular do país, onde inúmeras experiências habitacionais foram feitas nas últimas décadas. O próprio sítio sofreu tantas alterações que a própria maré que deu nome ao complexo já não existe mais; foram tantos os aterros, que o mar já ficou bem distante”. 1 O Censo Maré, a fim de melhor descrição da heterogeneidade local, considerou a comunidade de Mandacaru, localizada no território de Marcílio Dias, como uma comunidade específica, devido às suas condições peculiares. 2 O “Censo Maré 2000” foi um empreendimento com iniciativa do CEASM, com financiamento do BNDES e com vínculos a um conjunto de iniciativas de Políticas Sociais da Prefeitura do Rio de Janeiro e que ficou conhecido como “Projeto Multissetorial da Maré”.
  • 6. Ainda Jacques (Ibidem, p. 21): “A pseudo-semelhança entre as mais diversas favelas cariocas pode ser desmentida em um rápido passeio pela Maré. A diversidade de formas está patente nas diferentes comunidades do complexo. Quase todas as morfologias urbanas e tipologias arquitetônicas referentes a habitações populares têm ou tiveram um exemplar na Maré: da favela labiríntica de morro ao mais cartesiano conjunto habitacional modernista, passando por palafitas em áreas alagadas e conjunto habitacionais favelizados. Vai-se do padrão mais informal ao mais formal, que acaba se informalizando também”. Tomadas no interior de uma mesma unidade territorial, as comunidades que compõem o bairro da Maré possuem, na sua dimensão populacional absoluta, uma expressão significativa em relação ao conjunto da população da Região Metropolitana e do próprio Estado do Rio de Janeiro (Fonte: Censo Maré 2000). A expressividade do tamanho do Complexo da Maré pode ser constatada quando se toma como referência os 22 municípios mais populosos da malha municipal do Estado do Rio de Janeiro, hoje composta por 91 unidades administrativas. Um olhar superficial verifica que o bairro da Maré possui um número de habitantes superior aos identificados para Macaé (131.550 hab), Cabo Frio (126.894 hab), Queimados (121.688 hab), Angra dos Reis (119.180 hab), Resende (104.482 hab) e Barra do Piraí (88.475 hab). E, numa classificação por ordem de grandeza, se o bairro da Maré recebesse o status de município, ocuparia a 17ª posição em termos populacionais nesse estado (Ibidem). O destaque da Maré torna-se mais evidente e visível quando comparamos o tamanho absoluto de sua população com os números identificados para os municípios da Região Metropolitana do Rio de Janeiro, conforme apresenta o Tabela I. Tabela I – População Residente nos Municípios da Região Metropolitana do Rio de Janeiro: Município População Município População 1 – Rio de Janeiro 5.851.944 11 – Queimados 121.688 2 – Nova Iguaçu 915.366 12 – Japeri 83.160 3 – São Gonçalo 889.828 13 – Itaguaí 81.952 4 – Duque de Caxias 770.865 14 – Maricá 78.556 5 – Niterói 458.465 15 – Seropédica 65.020 6 – São João de Meriti 449.229 16 – Paracambi 40.412 7 – Belford Roxo 433.120 17 – Guapimirim 37.940 8 – Magé 205.669 18 – Tanguá 26.001 9 – Itaboraí 187.127 19 – Mangaratiba 24.854 10 – Nilópolis 153.572 XXXXXXXXXXXXX XXXXXXXXXX Fonte: (Censo Maré 2000) http://www.ceasm.org.br
  • 7. A simples observação dos dados nos indica que a população da Maré apresenta um tamanho absoluto superior aos números apresentados por nove municípios da Região Metropolitana (Queimados, Japeri, Itaguaí, Maricá, Seropédica, Paracambi, Guapimirim, Tanguá e Mangaratiba). Tomando a Maré como um município hipotético, ele ocuparia a 11ª posição em termos de população desta região do Estado. Seu contingente demográfico corresponde à população de um município com a possibilidade de representação política, segundo o que determina a Constituição Federal. No que concerne aos outros complexos de comunidades populares do Rio de Janeiro, Rocinha, Alemão e Jacarezinho, observa-se que o bairro em estudo aparece como o de maior concentração populacional. Tabela II – População nas Principais Favelas do Rio de Janeiro: Localidade 1991 1996 2000 Rocinha 42.892 45.585 56.313 Alemão 51.591 54.795 65.637 Jacarezinho 37.393 34.919 36.428 Maré 62.458 68.817 113.817 / 132.176* Fonte: (Censo IBGE – 2000; *Censo CEASM-2000). Embora a Tabela II confirme a concentração da população na Maré, cabe destacar que o crescimento revelado pelos números do IBGE, não expressa um incremento real, por que o Instituto levou em consideração na sua contagem da população da Maré, nos anos de 1991 e 1996, apenas nove comunidades: Baixa do Sapateiro, Parque Maré, Nova Holanda, Roquete Pinto, Rubens Vaz, Parque União, Praia Ramos e Timbáu. As demais não foram incorporadas por serem definidas como conjuntos habitacionais. Na composição social do Bairro Maré é bastante relevante a questão de gênero. A presença feminina destaca-se ali como sendo a maioria dos seus habitantes (vide Tabela III), acompanhando a tendência da distribuição da população por gênero no estado e no município do Rio de Janeiro (vide Tabela IV), onde as mulheres também se apresentam com expressiva maioria.
  • 8. Tabela III – Distribuição da População Residente no Bairro Maré por Gênero: Comunidades Homens Mulheres Sub-total Parque União 8.911 8.885 17.796 Vila Pinheiros 7.641 7.844 15.485 Parque Maré 7.557 7.842 15.399 Baixa do Sapateiro 5.512 5.955 11.467 Nova Holanda 5.547 5.748 11.295 Vila do João 5.280 5.371 10.651 Rubens Vaz 4.060 3.936 7.996 Marcílio Dias 3.610 3.569 7.179 Timbáu 2.962 3.069 6.031 Conjunto Esperança 2.827 2.901 5.728 Salsa e Merengue 2.644 2.665 5.309 Praia de Ramos 2.287 2.507 4.794 Conjunto Pinheiros 2.319 2.448 4.767 Nova Maré 1.517 1.625 3.142 Roquete Pinto 1.238 1.276 2.514 Bento Ribeiro Dantas 1.082 1.117 2.199 Mandacarú 206 218 424 Maré 65.200 66.976 Total 132 176 Fonte: Censo Maré – 2000 Tabela IV – População por Gênero no Estado e no Município do Rio de Janeiro – 2000 Unidade Mulheres Homens Estado do Rio 7.490.947 6.900.335 Município 3.109.761 2.748.143 Maré 66.976 65.200 Fonte: Censo IBGE – 2000 Ao longo dos últimos 10 anos, a Maré apresentou um rápido incremento de domicílios e, evidentemente, de população. Com isso, ela aparece, pela primeira vez, como o mais populoso complexo de favelas do Rio de Janeiro. O fato decorre da incorporação ao bairro, pelo IBGE, das comunidades locais até então identificadas como conjuntos habitacionais. Outro fator significativo foi a construção, entre 1993 e 1997, de três novos conjuntos, realizada pelo programa municipal de remoção de populações em áreas de risco: Nova Maré; Bento Ribeiro Dantas e Salsa e Merengue (oficialmente identificado como Novo Pinheiros).
  • 9. A grande fronteira interna existente atualmente no Complexo da Maré não está entre as comunidades mas, infelizmente, entre as três diferentes facções do tráfico de drogas e do crime organizado que, literalmente, cortam a Maré ao meio com suas disputas de territórios de dominação. Verdadeiras batalhas são travadas quase sempre entre as facções rivais ou entre essas e a polícia, o que acaba, de fato, formando áreas de confronto perigosas, verdadeiras ‘linhas-de-tiro’ dentro do complexo, afetando de forma direta a vida cotidiana de seus moradores. O objetivo em estudar esse complexo encravado no espaço urbano carioca (ver a disposição espacial da Maré no Anexo III) advém não só de uma vivência cotidiana como morador que nasceu e cresceu acompanhando seus movimentos sociais mas, sobretudo, de procurar entender suas possíveis territorialidades, decorrentes do conflito de interesses entre os atores sociais que interagem no processo de estruturação do local. O primeiro capítulo procura de forma, sucinta, mostrar o Complexo da Maré como produto da chamada “fragmentação do tecido sócio-político espacial”, como define Souza (2003, p. 500), no processo de expansão da cidade do Rio de Janeiro e a constituição de territorialidades em seu tecido urbano, partindo de considerações de natureza conceitual formulada por autores que têm se dedicado ao tema territorialidades. O segundo capítulo, de caráter empírico, trata de forma factual a formação do Complexo da Maré e suas vinculações com as políticas públicas voltadas para a população de baixa renda, tema este que extrapolando o objeto da presente dissertação mantém-se na pauta de discussões, como as que ainda hoje, em pleno século XXI, envolvem as lideranças políticas do Município do Rio de Janeiro. No terceiro capítulo são apresentados os principais atores sociais que fazem do Complexo da Maré um espaço partido, fragmentado e marcado pelo interesse de facções antagônicas, suas práticas sociais e, de que algum modo, caracterizam as territorialidades e as desterritorialidades evidenciadas no local. Finalmente, na tentativa de arriscar algumas conclusões, são feitas as considerações finais sobre esta monografia.
  • 10. 1 – A Cidade do Rio de Janeiro e as Territorialidades em Movimento: 1.1 – Territorialidades e a Problemática Conceitual: Antes de esclarecer de que forma entendo o termo território – para logo em seguida tratar das possíveis territorialidades que possam ser identificadas nas áreas da Maré – acho de suma importância definir o conceito de espaço pois, é nele que se insere o território e como diz Raffestin (1993, p. 178): “o espaço é anterior ao território”. De acordo com Andrade (1994, p. 213) o conceito de território: “não deve ser confundido com o de espaço ou de lugar, estando muito ligado à idéia de domínio ou de gestão de uma determinada área, sendo assim, deve-se ligar sempre a idéia de território à idéia de poder, quer se faça referência ao poder público, estatal, quer ao poder das grandes empresas que estendem os seus tentáculos por grandes áreas territoriais, ignorando as fronteiras políticas”. Este mesmo autor cita que “o território, unidade de gestão, se expande pelo espaço não conquistado e cria novas formas de territorialidades que dialeticamente provocam novas formas de desterritorialidades e dá origem a novas territorialidades” (Ibidem, p. 220). Milton Santos (1997, p. 51) foi um dos autores que mais trabalhou com este tema geográfico e segundo ele o espaço seria formado: “por um conjunto indissociável, solidário e também contraditório, de sistemas de objetos e sistemas de ações, não considerados isoladamente, mas como o quadro único no qual a história se dá”. Define ainda que (Ibidem, p. 83): “O espaço, uno e múltiplo, por suas diversas parcelas, e através do seu uso, é um conjunto de mercadorias, cujo valor individual é função do valor que a sociedade, em um dado momento, atribui a cada pedaço de matéria, isto é, cada fração da paisagem”. Para o mesmo autor, “o espaço é hoje um sistema de objetos cada vez mais artificiais, povoado por sistemas de ações igualmente imbuídos de artificialidade, e cada vez mais tendentes a fins estranhos ao lugar e a seus habitantes.”(Ibidem p. 51). Santos, afirma, entretanto, que espaço e paisagem não são sinônimos. “A paisagem é o conjunto de formas que, num dado momento, exprimem as heranças que representam as sucessivas relações localizadas entre o homem e a natureza. O espaço são essas formas mais a vida que as anima” (Ibidem, p. 83). Para Lefebvre, citado por Ferreira (2005): “a utilização da noção de forma, função e estrutura (utilizadas com o mesmo peso de importância) que contribuiriam para a revelação do espaço produzido, já que permitiria a
  • 11. apreensão de suas estabilidades provisórias e de seus equilíbrios momentâneos, até porque a própria noção de estrutura tem, também, um caráter provisório. Ademais, a conjunção das três noções permite desvelar um conteúdo sócio-espacial que se encontra oculto, posto que dissimulado nas formas, funções e estruturas analisadas”. Ainda Ferreira (2005) citando Santos, apoiado por Lefebvre, propõe a utilização dessas categorias como um auxílio na interpretação do espaço em sua totalidade – acrescentando aqui outra variável, o processo. Para Ferreira o espaço deve ser analisado a partir de algumas categorias a qual ele classifica como: Forma (o aspecto visível de um objeto), Função (atividade a ser desempenhada pelo objeto criado, a forma), Estrutura (trata-se da natureza social e econômica de uma sociedade em um dado momento do tempo: matriz social onde as formas e funções são criadas e justificadas) e Processo (é uma estrutura em seu movimento de transformação). A esse respeito Correia (1995, p. 29-30) escreve que: “Forma, função, estrutura e processo são quatro termos disjuntivos associados, a empregar segundo um contexto do mundo de todo dia. Tomados individualmente, representam apenas realidades parciais, limitadas, do mundo. Considerados em conjunto, porém, e relacionados entre si, eles constroem uma base teórica e metodológica a partir da qual podemos discutir os fenômenos espaciais em totalidade”. Referindo à sua natureza multifacetada como aspecto teórico mais importante do espaço, Lefebvre citado por Gottdiener (1993, p. 127), menciona que: “O espaço é ao mesmo tempo o local geográfico da ação e a possibilidade social de engajar-se na ação. Isto é, num plano individual, por exemplo, ele não só representa o local onde ocorrem os eventos (a função de receptáculo), mas também significa a formação social de engajar-se nesses eventos (a função da ordem social)”. Lefebvre conceitua “design espacial” como sendo ele próprio, um aspecto das forças produtivas da sociedade – que, juntamente com a tecnologia, o conhecimento humano e a força de trabalho, contribuem para o nosso “potencial de produção – assinala ele que: “A cidade, o espaço urbano e a realidade urbana não podem ser concebidos apenas como a soma dos locais de produção e de consumo... O arranjo espacial de uma cidade, uma região, um país ou um continente aumenta as forças produtivas, do mesmo modo que o equipamento a as máquinas de uma fábrica ou de um negócio, mas em outro nível. Usa-se espaço exatamente como se usa uma máquina.” (Ibidem, p. 128). “O design espacial é um instrumento político de controle social que o Estado usa para promover seus interesses administrativos. O espaço de autoridades e administrações políticas dá, assim, ao Estado um instrumento independente para promover seus interesses”. (Ibidem, p. 130).
  • 12. Já Geiger, (1994, p. 238) analisa a cidade de forma que ela “aparece implicitamente como o elo entre o território e o amplo espaço, o material, e o abstrato, do pensamento. O território corresponde a um nível de produção social do espaço”. Este autor também defende a tese de que “espaço e território não significam exatamente a mesma coisa e o esclarecimento deste fato tem a ver com a argumentação sobre os conceitos de des-territorialização e espacialização ora em uso” (Ibidem, p. 235). A respeito de território, Raffestin (1993, p. 59-60) entende ser “um trunfo particular, recurso e entrave, continente e conteúdo, tudo ao mesmo tempo. O território é o espaço político por excelência, o campo de ação dos trunfos”. Neves (1994, p. 271) define os territórios como “espaços de ação e de poderes e esse poder – como capacidade de decidir – é adaptado às circunstâncias contraditórias e particulares no tempo e no espaço [cada vez mais diversificado e heterogêneo]”. Ainda para esse mesmo autor, “os novos territórios estão sendo formados e transformados em todas as partes sobre os escombros das territorialidades, da luta de classes ou das novas fontes espacializadas de produção de mercadorias” (Ibidem, p. 273). Já Corrêa (1989, p. 09) analisa o espaço urbano como sendo um local “fragmentado e articulado, reflexo e condicionante social, um conjunto de símbolos e campo de lutas”. É assim a própria sociedade em uma de suas dimensões, aquela mais aparente, materializada nas formas espaciais. Cita ainda que “este espaço seja um produto social, resultado de ações acumuladas através do tempo e engendradas por agentes que produzem e consomem espaços, são agentes sociais concretos”. A esses agentes que fazem e refazem a cidade ele nomeou-os em: proprietários dos meios de produção (os grandes industriais); os proprietários fundiários (interessados no valor de troca da terra e não no seu valor de uso); os promotores imobiliários (que realizam operações de incorporação, financiamento...); o Estado (que atua diretamente como grande produtor e consumidor de espaço) e os grupos sociais excluídos (que tinham como possibilidades de moradia os densamente ocupados cortiços localizados próximos ao centro da cidade). E assim o espaço transforma-se, através da política, em território. Para Andrade (1994, p. 251) o “território não é sinônimo de espaço... do mesmo modo territorialidade e espacialidade não devem ser empregadas de modo indiferenciado”. Para ele “território constitui-se, em realidade, em um conceito subordinado a um outro mais abrangente, o espaço, isto é, à organização espacial; ele é o espaço revestido da dimensão política, afetiva ou ambas”. Trindade Júnior (1996, p. 139) analisa da seguinte forma: “O espaço urbano não é sujeito, mas produto, condição e meio de (re)produção das relações sociais. Nesse
  • 13. sentido, a reprodução da vida da e na cidade hoje faz-se num contexto de instauração de uma, como diz Lefebvre, sociedade urbana que é, ao mesmo tempo, real e virtual”. Ramagem (1996, p. 49) diz que “um território pressupõe um povo, um grupamento com unidade cultural, o qual reclama uma dada porção do espaço como exclusivamente sua; um espaço vivido, campo de representações simbólicas, lócus de solidariedades territoriais, percebido através do sentimento”. Outro autor que trabalha com este tema é Souza (1995, p. 78) que define o território fundamentalmente como: “um espaço definido e delimitado por e a partir de relações de poder”. Souza (Ibidem, p. 99) prefere empregar o termo “Territorialismo” – que longe de ser uma simples questão de instinto, é também uma estratégia – para designar o conteúdo de territorialidade. Diz ainda que no singular (territorialidade) “remeteria a algo extremamente abstrato: aquilo que faz de qualquer território um território, isto é, relações de poder espacialmente delimitadas e operando sobre um substrato referencial” e no plural (territorialidades) significariam “os tipos gerais em que podem ser classificados os territórios conforme suas propriedades, dinâmicas, etc”. O autor exemplifica: territórios contínuos e territórios descontínuos singulares são representantes de duas territorialidades distintas, contínuas e descontínuas. A territorialidade remete a um certo tipo de interação entre o homem e o espaço, a qual é sempre uma interação entre seres humanos “mediatizada pelo espaço” (Raffestin, 1993 p. 160). Já Robin, citado por Haesbaert (1995, p. 202) indaga que: “Quanto ao espaço e ao território, eles tendem a ser escamoteados: a mundialização operada pela multimídia e a infovias apagam nossas referências espaciais. O espaço público vivido, aquele da rua, da cidade (...), desaparece. Ora, o território é o lugar privilegiado da construção social, o laço maior de articulação entre o social e o econômico; é aí também que se constata a alteridade e se opera o confronto com os outros. De fato, não existe político que não se inscreva sobre um território.”. O geógrafo Haesbaert é o autor que tem se dedicado a discutir o conceito de território, alimentando com suas formulações o conhecimento das relações sociais inerentes ao processo da produção do espaço. Compreende o autor (2001, p. 1770) que as concepções de território podem ser agrupadas em três pontos – tendo como influências as leituras de Augé (1992), Deleuze, Guattari (1997), Storper (1994), Raffestin (1993) e Sack (1986): * Jurídico-político = “... é a mais difundida, onde o território é visto como um espaço delimitado e controlado, através do qual se exerce um determinado poder, na maioria das vezes visto como o poder político do Estado”.
  • 14. * Cultural(ista) = “... prioriza a dimensão simbólico-cultural, mais subjetiva, em que o território é visto sobretudo como o produto da apropriação/valorização simbólica de um grupo sobre seu espaço”. * Econômico = “... bem menos difundida, enfatiza a dimensão espacial das relações econômicas, no embate entre classes sociais e na relação capital-trabalho”. O território define-se, segundo Ferreira (2005), essencialmente, a partir de relações de poder: “... o território seria relacional não somente no sentido da incorporação de um conjunto de relações sociais, mas também no de desenvolver uma complexa relação entre processos sociais e espaço material, onde se conclui que o território inclui o movimento, a fluidez e as redes – sendo relacional". Ainda Haesbaert (2001, p. 1770): “... o território envolve sempre, ao mesmo tempo, uma dimensão simbólica, cultural, através de uma identidade territorial atribuída pelos grupos sociais, como forma de ‘controle simbólico’ sobre o espaço onde vivem (sendo também, portanto, uma forma de apropriação), e uma dimensão mais correta, de caráter político-disciplinar: a apropriação e ordenação do espaço como forma de domínio e disciplinarização dos indivíduos.”. Corrêa (1994, p. 251) aproxima-se de Haesbaert (2001, p. 1770) quando afirma que a “territorialidade, por sua vez, refere-se ao conjunto de práticas e suas expressões materiais e simbólicas capazes de garantirem a apropriação e permanência de um dado território por um determinado agente social, o Estado, os diferentes grupos sociais e as empresas”.3 A expansão do território, segundo Andrade (1994, p. 214), ao mesmo tempo em que promovia a ampliação da territorialidade: “provocava a desterritorialidade nos grupos que se sentiam prejudicados com a forma e a violência com que era feita”. E assim “o território – que ficou ausente das preocupações geográficas até recentemente – retorna com insistência na última década do século XX como elemento que condiciona as relações de produção”, como salienta Sposito (2004, p. 119). E dessa convergência espacial dos contrários, surgiu a reação à gestão central, à desterritorialização e à integração com a formação de novas territorialidades, novas formas de concepção do uso e do processo de domínio do território. Com esta base conceitual seguirá uma apresentação sobre as denominações: territorialização, desterritorialização e re-territorialização (des-re-territorialização). Com uma grande ligação com o lugar, a territorialização é iniciada sem a preocupação de estar fincada somente no viés da ocupação do espaço de forma 3 Esta definição de territorialidade está embasada em Sack (apud, Corrêa/1994) onde ele aceita que “para os seres humanos (territorialidade) é uma poderosa estratégia geográfica para controlar pessoas e coisas através do controle de uma área”.
  • 15. materialmente construída, mas também, através de um processo de criação de símbolos e códigos que caracterizam um lugar para um indivíduo ou grupo social, estando esse próprio lugar, interligado às relações travadas entre as pessoas ao longo do tempo – o lugar embebido de objetos comuns. Conforme afirmam Deleuze e Guattari, citados por Ferreira (2005): “não há território sem um vetor de saída do território, e não há saída do território, ou seja, desterritorialização, sem, ao mesmo tempo, um esforço para se reterritorializar em outra parte”. Haesbaert (1995, p. 168) define desterritorialização como “a superação constante das distâncias, a tentativa de superar os entraves espaciais pela velocidade, de tornar-se ‘liberto’ em relação aos constrangimentos geográficos – ou rugosidades”, quando se refere Milton Santos. Quando se remete a desterritorialização percebe-se a perda dos vínculos com o lugar e as relações nele realizadas. Santos, citado por Ferreira (2005), enfatiza essa tese quando argumenta que: “hoje, a mobilidade se tornou praticamente uma regra. O movimento se sobrepõe ao repouso. Os homens mudam de lugar(...) mas também os produtos, as mercadorias, as imagens, as idéias. Tudo voa. Daí a idéia de desterritorialização. Desterritorialização é, freqüentemente, uma outra palavra para significar estranhamento, que é, também, desculturização”. Ainda Ferreira (Ibidem): “A desterritorialização rompe com toda uma formação de sistemas simbólicos de significados, de valores, que foram instituídos através de práticas sócio-culturais que, por sua vez, foram responsáveis pela construção social do lugar. A noção de desterritorialização deve ser percebida como uma concepção mais integradora do território, ao mesmo tempo espaço de apropriação/reprodução concreta e simbólica”. Um processo de desterritorialização pode ser tanto simbólico – com a destruição de símbolos, marcos históricos, identidades – quanto concreto, material [político e/ou econômico], pela destruição de antigos laços/fronteiras econômico-políticas de integração. É bom lembrar que a produção do espaço envolve sempre e, concomitantemente, a desterritorialização e a reterritorialização como definiu Barel, citado por Haesbaert (1995, p. 170): “(...) seria interessante se representar a mudança social [e seu contrário, o bloqueio] sob a forma de uma dinâmica territorial, pois a mudança social é em parte esta: a vida e a morte dos territórios. Estes territórios têm uma história. A mudança social é vista aqui como um movimento de territorialização-desterritorialização-reterritorialização bem entendido, a história territorial da transformação social resta inteira por escrever (...) De uma certa maneira, pode-se representar a modernidade como o lento aparecimento de códigos desterritorializantes que engendram seu contrário, isto é, a necessidade de novos territórios” As práticas sócio-culturais, que foram responsáveis pela construção social do lugar, fazem com que haja uma ruptura de toda uma formação de sistemas simbólicos de significados e de valores através da desterritorialização.
  • 16. A reterritorialização representa uma nova rede de relações e processos que geralmente desencadeiam uma nova codificação; ela rompe com toda uma formação de sistemas simbólicos e significados e de valores instituídos que foram responsáveis pela elaboração do lugar. Quando é realizada guarda novos traços e trajetórias. O processo de reterritorialização se manifesta em associação a um movimento dentro da própria organização espacial do lugar. Um exemplo disso é um indivíduo que passa a trabalhar como autônomo e permanece com seu vínculo empregatício; ele monta em sua própria residência um mini- escritório de vendas de pequenos produtos para beleza feminina, por exemplo, – com esse movimento de migração de tarefas de um determinado lugar para outro ele exercita uma desterritorialização e uma reterritorialização para logo após, desterritorializar-se e reterritorializar-se novamente. Concluindo, Corrêa (1994, p. 252) menciona que a desterritorialização: “É entendida como a perda do território apropriado e vivido em razão de diferentes processos derivados de contradições capazes de desfazerem o território. Novas territorialidades ou re-territorialidades, por sua vez, dizem respeito à criação de novos territórios, seja através da reconstrução parcial, in situ, de velhos territórios, seja por meio da recriação parcial, em outros lugares, de um território novo que contém, entretanto, parcela das características do velho território: neste caso os deslocamentos espaciais como as migrações, constituem a trajetória que possibilita o abandono dos velhos territórios para os novos”. O que pode ser observado é que quando o território, unidade de gestão, se expande pelo espaço não conquistado cria novas formas de territorialidades que dialeticamente provocam novas formas de desterritorialização e dá origem a novas territorialidades – é um ciclo contínuo. E é sobre essas (possíveis) territorialidades que o estudo de três comunidades do “Complexo da Maré” (foco desse trabalho) objetiva identificar as relações sociais do processo de construção do espaço. A compreensão de uma realidade local insere-se na compreensão do processo de formação do espaço à qual pertence. Neste sentido, faz-se necessária uma abordagem, ainda que sumária, da constituição do espaço urbano da cidade do Rio de Janeiro e as suas territorialidades resultantes da segregação sócio-espacial ou ainda, da fragmentação do tecido sóciopolítico-espacial, conforme apontado por Souza (2003a, p. 90).
  • 17. 1.2 – Territorialidades e Segregação Sócio-Espacial Urbana: O entendimento das possíveis territorialidades existentes na cidade do Rio de Janeiro, exige ema volta no tempo para que se possa compreender como ocorreu e para qual direção se deu o espraiamento da população carioca. Um marco decisivo para o processo de urbanização da cidade do Rio de Janeiro foi sem dúvida a chamada “revolução” ocorrida nos meios de transporte coletivo da cidade carioca no último quartel do século XIX, onde “as empresas de ‘carris’ comandaram – em larga medida – o espraiamento da malha urbana para muito além do antigo perímetro da Cidade Velha e da Ulterior Cidade Nova, contribuindo, ao mesmo tempo, para tornar cada vez mais nítida uma nova estruturação social do espaço carioca”, Benchimol (1990, p. 96). Neste momento a tendência da cidade era a de bifurcar-se em dois viézes distintos: de um lado os bairros com predomínio do uso residencial localizados nas áreas norte e sul e de outro uma área central com características “febril, multiforme, superpopulosa e insalubre”. Para fazer a conexão entre a zona norte surge o tronco ferroviário da Estação Ferroviária D. Pedro II, aonde os bairros do subúrbio iriam progressivamente se estruturar até final do século, dando início a implementação das principais estações ferroviárias e conseqüentemente, o espraiamento da população carioca. (ibidem). Os conflitos e as contradições espaciais tornaram-se presentes no espaço urbano durante a transição de cidade colonial – tendo em sua base a mão-de-obra escravista – para a cidade capitalista. Neste instante, século XIX, surgiram os primeiros elementos segregadores do espaço com a introdução do bonde e do trem que torna a expansão física do espaço expressiva. Entre 1850-1870, a crise habitacional – dita como “escassez e carestia das habitações para gente pobre” – emergiu como um dos traços mais característicos e recorrentes da vida urbana do Rio de Janeiro, somando-se a isso, ter-se-ia ainda a incidência de epidemias, onde o epicentro desta crise seria a área central onde coabitava- se em grande número e de forma desordenada, grande parte da população carioca. Apoiando-se em Engels, Benchimol (1990, p. 124) cita que: “a crise da habitação é produto da forma social burguesa; sua história está, portanto, indissoluvelmente subordinada ao desenvolvimento das relações capitalistas de produção no espaço urbano carioca (e à conseqüente apropriação capitalista desse espaço). No início do século XX, o prefeito Pereira Passos (1902-1906), aliado ao governo republicano, realizou a primeira grande intervenção urbana no Rio de Janeiro, Ao procurar embelezar e modernizar a cidade, o denominado “Haussmann Tropical” iniciou a
  • 18. reestruturação da cidade, redefinindo o centro e as áreas residenciais, oficializando a segregação espacial entre ricos e pobres, e tornando-se, paradoxalmente, um grande responsável pela consolidação inicial das favelas4 . Corrêa (1989, p. 65), citando Harvey, diz que a segregação significa: “diferencial de renda real. Proximidade às facilidades de vida urbana, como água, esgoto, áreas verdes, melhores serviços educacionais, etc; e ausência de proximidade aos custos da cidade, como crime, serviços educacionais inferiores, ausência de infra-estrutura, etc. se já há diferença de renda monetária, a localização residencial pode implicar diferença ainda maior no que diz respeito à renda real”. De acordo com a definição da Escola de Chicago, “Segregação Residencial” seria “uma concentração de tipos de população dentro de um território”, onde a área natural – ”uma área geográfica caracterizada pela individualidade física e cultural resultante do processo de competição impessoal que geraria espaços de dominação dos diferentes grupos sociais, replicando ao nível da cidade processos que ocorrem no mundo vegetal” – seria a expressão espacial da segregação (Zorbaugh, apud Corrêa/1989, p. 59). Castells (apud Corrêa, 1989 p. 60) define a Segregação Residencial como “um processo que origina a tendência a uma organização espacial em áreas de forte homogeneidade social interna e de forte disparidade entre elas, sendo um produto da existência de classes sociais e tendo sua espacialização no urbano” . Ainda Corrêa escreve que: “A segregação residencial pode ser vista como um meio de reprodução social, e neste sentido o espaço social age como um elemento condicionador sobre a sociedade”. Assim, enquanto o lugar de trabalho, fábricas e escritórios, constitui-se no local de produção, as residências e os bairros, definidos como unidades territoriais e sociais, constituem-se no local de reprodução e deste modo a segregação residencial significa não apenas um meio de privilégios para a classe dominante, mas também um meio de controle e de reprodução social para o futuro (Corrêa, 1989 p. 60). A questão de como morar é concomitantemente associado à problemática da produção da habitação – que se trata de uma mercadoria cujo valor de uso é superado pelo valor de troca, fazendo dela uma mercadoria sujeita aos mecanismos de mercado – e tem um caráter especial surgido na medida em que depende de outra mercadoria especial, a terra urbana, cuja produção é cara, o que exclui boa parte da população. No problema de moradia o Estado intervêm de forma direta através da construção de habitações e indiretamente na forma de financiamento aos consumidores e às firmas construtoras, ampliando a demanda solvável e viabilizando o processo de acumulação 4 Caracteriza-se pela precariedade das condições de habitabilidade, tanto no que se refere à moradia (construções feitas com materiais perecíveis), como à oferta de infra-estruturas básicas (saneamento e drenagem), à ocupação (morfologia e tipologia) e à propriedade da terra. (IPEA 2001).
  • 19. capitalista. Isso define a questão de “como e onde morar” apontada por Corrêa (1989, p. 63), onde “ambos se fundem dando origem a áreas que tendem a ser uniformes internamente em termos de renda, padrões culturais, valores e, sobretudo, em termos dos papéis a serem cumpridos na sociedade pelos seus habitantes”, onde esta tendência que se mostra mais marcante nos extremos da sociedade: nos grupos mais elevados e mais baixos da sociedade. Se por um lado o Estado exerce o papel na ação estatal, a classe dominante (ou algumas de suas frações) exerce, subjacente, este poder na segregação residencial na medida em que controla o mercado de terras, a incorporação imobiliária e a construção, direcionando seletivamente a localização dos demais grupos sociais no espaço urbano, atuando indiretamente através do Estado. O primeiro registro referente a uma favela no Rio deu-se no recenseamento de 1920, que documentou uma aglomeração de 839 casas no Morro da Providência organizada por veteranos da guerra dos Canudos. A primeira leva importante de migrantes rurais no Brasil, nos primeiros anos da década de 1930, provocou o rápido crescimento da população favelada. Aos novos migrantes à procura de casa vinham somar-se os moradores da cidade que não mais podiam pagar os aluguéis nem mesmo de cortiços, avenidas ou cabeças de porco. As favelas, nas colinas ao redor do centro da cidade, ofereciam a dupla vantagem de não cobrarem aluguel e de serem bem localizadas, e para muitos constituíram a melhor solução. Com isso foi inevitável o acentuado número de favelas concentradas na cidade do Rio de Janeiro, já a partir da década de 60, quando sua população teve um crescimento bastante significativo, conforme se observa na Tabela V e nos Gráficos I, II, III e IV. As favelas, definidas e contabilizadas, começaram a ser estudadas, tornando-se cada vez mais visíveis e tema de vários debates. Portanto apenas em meados do século XX é que se problematiza novamente a questão da habitação popular, tendo então como eixo principal a favela. Este padrão de habitação auto-produzido caracterizava-se pela sua ilegalidade em termos jurídicos e sua irregularidade em termos urbanísticos, além da precariedade e da insalubridade. Assim, quando não pôde mais ser negada, sua existência foi considerada uma “chaga” que deveria ser extirpada e seus moradores removidos.
  • 20. Tabela V – Evolução do Crescimento da População de Favelas, da População Total e do Crescimento de Favelas no Estado do Rio de Janeiro Entre as Décadas de 1950/1991. Ano População de Favelas (A) População total do Rio (B) A/B (%) % do crescimento de Favela por Década % de crescimento da População do Rio por Década 1950 169.305 2.337.451 7.24 _____ _____ 1960 337.412 3.307.163 10.20 99.29 41.49 1970 563.970 4.251.918 13.26 67.15 28.57 1980 628.170 5.093.232 12.33 11.38 19.79 1991 1.001.336 5.480.768 18.27 59.41 7.60 Fonte: http:www.ibge.gov.Br Gráfico I – Percentual de Moradores de Favelas Fonte: http://www.favelatemmemoria.com.br
  • 21. Gráfico II – Evolução da População de Favelas no Município do Rio de Janeiro Fonte: http://www.favelatemmemoria.com.br Gráfico III – Evolução do Nº de Favelas no Município do Rio de Janeiro Fonte: http://www.favelatemmemoria.com.br
  • 22. Gráfico IV – Crescimento Populacional de 04 Favelas: Fonte: http://www.favelatemmemoria De 14 favelas em 1920 para mais de 500 no ano 2000. Nesse período, muita coisa mudou na realidade dos morros cariocas. Hoje, o número de favelados representa quase 20% da população total do município do Rio de Janeiro. Algumas comunidades viraram complexos, Alemão, Jacarezinho e Maré, que conforme o gráfico acima, ultrapassaram os 50 mil habitantes, enquanto áreas como a Zona Oeste – antes um vazio no mapa – viraram opção de moradia barata e hoje lideram o ranking de novas construções. Embora não haja uma explicação unânime para a segregação social, é evidente que a cidade formal sempre manteve um posicionamento contrário à favela, sugerindo a formação de uma cidade à parte pela presença desses assentamentos. A partir da década de 40, as favelas começam a ser vistas pelos moradores da cidade formal como “aglomerados invasores” e “ocupações ilegais de terra” embora a crítica à chamada “teoria da marginalidade” tenha buscado mostrar o equívoco dos discursos dualistas sobre as favelas a partir da década de 70. De qualquer forma, a visão dualista por parte da cidade formal ganhou novo fôlego com a inclusão do narcotráfico e da violência urbana e foi dotada de legitimidade social pela utilização freqüente pela mídia de metáforas como “cidade partida” e “desordem urbana”. De fato, a partir da primeira metade do século 20, o próprio Estado mudou sua forma de encarar as favelas, baseando-se em políticas de controle e repressão sendo os aglomerados usualmente comparados a “doenças sociais”. Por outro lado, ao mesmo tempo em que políticas de remoção das favelas são postas em práticas, emergem
  • 23. demandas por parte de governo e instituições não governamentais de novos discursos que subsidiem a política de “integração da favela ao bairro”. Na realidade, o distanciamento social entre a cidade formal e as favelas continua em curva ascendente. A barreira invisível entre estas e a cidade, materializa-se através da auto-segregação da classe média em condomínios exclusivos e somam-se aos muros invisíveis da estigmatização e do preconceito geradas pela associação simplista entre favelas e tráfico de drogas. Segundo Souza (2002 p. 500), o ingrediente principal para esta “fragmentação do tecido sócio-político-espacial” encontra-se na multiplicação de enclaves territoriais controlados por traficantes de drogas de quem se necessita a anuência para que sejam viabilizados quaisquer tipos de intervenção estatais. Embora não seja prerrogativa das favelas a existência do tráfico de droga e sua conseqüente violência, a falta de governança nessas áreas empobrecidas encorajou o surgimento de um novo poder paralelo que desafia constantemente o poder público oficial e espalha o terror por todo o território urbano. De fato, o comprometimento do poder público com a cidade formal em detrimento das populações mais carentes, resultou em assentamentos irregulares de tipologia urbano-arquitetônica característica. A alta densidade desses assentamentos juntamente às precárias condições de vida traduziu de forma contundente o descaso de toda a sociedade com a população mais empobrecida. Se por um lado a cidade formal cresceu dentro de parâmetros urbanos definidos, por outro, as favelas se multiplicaram em um estado de completa desordem impossibilitando a integração com o resto da urbe e perpetuando o ciclo de pobreza e exclusão. Através de indicadores sociais pode-se considerar que algumas das principais questões que diferenciam um bairro formal de uma favela, além da questão da ilegalidade seja ela fundiária ou edilícia, são: a falta de infra-estrutura urbana e serviços essenciais, o baixo valor da renda da população, a alta taxa de desemprego, o alto índice de analfabetismo e o baixo grau de escolaridade. No entanto, para que se possa entender melhor as características das favelas e suas diferenças em relação à cidade formal, além dos índices socioeconômicos, deve-se levar em consideração as relações sociais existentes dentro dessas comunidades, seus símbolos e seu dinamismo, bem como a sua relação com a cidade formal. É amplamente reconhecido – pelo menos na mídia especializada – que o agravamento dos problemas urbanos associados à pobreza, relacionados espacialmente aqueles associados à favelização e ao ímpeto da incorporação de novas áreas nas periferias, tem-se constituído em importante desafio para o poder público. A política governamental do Estado em relação às favelas mudou radicalmente na última década do século XX – anteriormente o que se pretendia era o desfavelamento
  • 24. (erradicação), hoje a “urbanização e regularização de favelas”5 são consideradas importantes instrumentos para possibilitar o acesso da população de mais baixa renda à terra urbana. Sobre o programa de erradicação das mesmas será melhor abordado no item 04 deste trabalho. Sabe-se que as favelas são, atualmente, territórios em constante conflito entre traficantes de facções rivais e destes com a polícia, e que a população, sem ter como se defender, fica vulnerável às vontades e ações desses vários exércitos, que dominam e impõem a sua própria lei aos moradores, os quais não tem outra saída a não ser aprender a conviver e respeitar as regras a eles impostas, uma vez que diferentemente de qualquer morador da cidade formal, não tem nenhum acesso à segurança e à polícia. Essa última vê em todos os moradores da favela um bandido em potencial, dando o mesmo tratamento a todos: a intimidação e a repressão violenta. Como fato social, a favela deve ser enquadrada em um processo histórico mais generoso tendo em vista a dinâmica de seus atores: os favelados. Neste sentido, entende-se que a única estrutura espacial urbana que atende é o quilombo. Assim, a favela vem representando para a república o mesmo que o quilombo representou para a ordem imperial, onde a ação do Estado se fez presente somente através do aparelho repressivo policial. Desta maneira, o espaço favelado vem passando por um processo contraditório de construção (busca de habitação pelos mais pobres) e desconstrução (“necessidade” do ordenamento espacial da cidade). Um mix de fatores como ausência do Estado na dotação infra-estrutural, sobretudo para saúde e educação; falta de absorção desta mão-de-obra pelo mercado de trabalho, dentre outros fatores; juntamente com pré- disposição do aparelho repressivo fizeram da favela ‘locus’ da violência urbana nos dias de hoje. Em se tratando de Rio de Janeiro, fica evidente que, desde sua origem, se pensarmos em um processo, os lugares ocupados pelos mais pobres vêm recebendo pouca atenção do poder público no que se refere ao tamanho dos problemas sociais. Entretanto, como no passado, em sua versão anterior à República, o quilombo, a favela recebe uma atenção especial do aparelho policial, tendo em vista que favelas e favelados são considerados como um caso de polícia, mas não como um problema da sociedade. “Atualmente, a favelização e a periferização, expressões espaciais mais marcantes da reprodução da pobreza urbana, impressionam não somente por sua magnitude, mas igualmente por sua complexidade (Souza, 2000 p. 193).” 5 Ação mais complexa que a regularização de loteamentos – integração de assentamentos urbanos ilegais ao conjunto da cidade legal, mediante investimentos públicos e medidas administrativas e jurídicas para promover a compatibilização da realidade física (do local), registraria (do direito de propriedade) e a administrativa (da gestão urbanística) –, pois geralmente exige investimentos públicos para urbanização e mesmo para substituição de habitações removidas para dar lugar às obras de urbanização.
  • 25. De acordo com Souza (2000, p. 193), “o traço mais impressionante da favelização, da década passada para cá, fica por conta, porém, da ‘territorialização de favelas por parte do tráfico de drogas”, onde os espaços socialmente segregados que oferecem suporte logístico para as quadrilhas que operam no varejo nas metrópoles não se restringem às favelas... Elas são, dentre todos os espaços segregados, os palcos preferenciais da territorialização protagonizada por traficantes de varejo, inexistente em bairros de classe média. Essa territorialização ficou evidenciada na virada dos anos 70 para os anos 80 sendo um marco histórico pois conduziu a uma fragmentação que envolveu não apenas dos ‘territórios ilegais’ – as favelas e outros espaços controlados por alguma quadrilha de traficantes vinculada a algum ‘comando’ – mas igualmente, aqueles espaços que não estão submetidos a qualquer ‘poder paralelo’ ao Estado. O que pode ser observado é que quando o território, unidade de gestão, se expande pelo espaço não conquistado cria novas formas de territorialidade que dialeticamente provocam novas formas de desterritorialidade e dá origem a novas territorialidades – é um ciclo contínuo. E é sobre essas (possíveis) territorialidades que o estudo das comunidades da Maré procura identificar. 2 – A Formação do Complexo da Maré: O modelo econômico adotado pelo país, após a Segunda Guerra Mundial, consolidou o poder da burguesia urbano-industrial. Com a decadência da agricultura e a forte industrialização, intensos movimentos migratórios se formaram em direção às cidades. Os migrantes chegavam à Capital e se instalavam nos subúrbios distantes ou nas favelas. A distância entre o local de trabalho e o domicílio aumentou consideravelmente e a necessidade de morar perto do local de trabalho levou a população migrante a se instalar nos terrenos não ocupados que escaparam da especulação imobiliária pela dificuldade, ou mesmo, impossibilidade de construção: morros, terrenos inundáveis e de propriedade duvidosa. Favelas se propagaram tanto em zonas industriais, como residenciais. O poder público pouco se manifestava face ao aumento do fluxo migratório, uma vez que o aumento da mão-de-obra barata era necessário para a indústria em crescimento e os terrenos ocupados pelas favelas eram públicos ou pouco valorizados. Por outro lado, pelo caráter populista da política governamental, entre 1945 e 1964, as favelas passaram a ser vistas como fontes de numerosos votos.
  • 26. Os anos 40 marcaram um período de mais forte proliferação de favelas no Rio de Janeiro. Foi nesta época que o primeiro Censo oficial foi realizado. Apesar dos números deste Censo terem sido controvertidos, ele se tornou o marco do reconhecimento oficial pelo Estado da existência das favelas, que já faziam parte da paisagem da cidade do Rio de Janeiro. 2.1 – Primórdios da Ocupação na Maré (1940/1960): Conforme quadro abaixo observa-se, ao início da década de 50, a existência de 105 favelas no Rio de Janeiro, abrigando um total de 169.305 de moradores. As favelas concentravam-se na chamada zona suburbana (44% das favelas e 43% da população favelada), seguida da zona sul (24% e 21% respectivamente) e da região Centro-Tijuca (com 22% e 30%). Esse recenseamento, realizado pelo IBGE em 1970, também revelou a predominância de uma população de migrantes nas favelas cariocas: 52% eram naturais do Estado do Rio de Janeiro (na ocasião a capital federal – a Cidade do Rio de Janeiro – constituía o Distrito Federal), Minas Gerais, Espírito Santo e regiões do nordeste brasileiro. Tabela VI – Evolução do Número de Favelas em Relação aos Domicílios e Habitantes da Cidade do Rio de Janeiro ANO Nº DE FAVELAS DOMICÍLIOS HABITANTES 1950 105 44.000 169.305 1960 147 69.680 335.696 1967 230 162.741 757.696 1970 300 185.000 1.000.000 Fonte: Anuário Estatístico da Guanabara, do Censo de 1970 – IBGE. Extraído de “Metrópole de 300 Favelas”. Nunes, Guida. Ed. Petrópolis. 1976. Em 1950, 36% da população brasileira viviam na área urbana, enquanto 63,8% faziam do Brasil um país predominantemente rural. Em 1991, verifica-se que este quadro inverteu-se, drasticamente, passando o país a ter 75,2% de sua população vivendo nos grandes centros urbanos. Esse crescimento da população urbana no Brasil foi conseqüência de vários fatores, mas nenhum tão marcante como o êxodo rural. Na cidade do Rio de Janeiro, como em outras áreas urbanas do país, o fluxo migratório agravou o problema da escassez de moradias, já comprometido com a descontinuidade de uma política urbana e habitacional voltada para população de baixa
  • 27. renda, problemática esta agravada a partir da década de 40 quando assumiu proporções cada vez maiores, permanecendo ainda hoje como tema de um debate político sem soluções concretas legitimadas. Mesmo assim, medidas governamentais foram objeto de políticas públicas que visavam a proibição do crescimento das favelas. A vinda de migrantes nordestinos foi marcante para as áreas deste estudo. Eles procuravam áreas pertencentes à União. Neste sentido, a área ocupada hoje pela Maré, oferecia todas as condições para este tipo de ocupação, pois se tratava, em boa parte, de terras devolutas e terrenos da Marinha Brasileira. Na figura abaixo pode-se observar a antiga área de mangue, hoje ocupada pela Maré. Figura 01. “Maré – Época de Manguezal”. (Fonte: http://www.ceasm.org.br) Fato fundamental para o surgimento e crescimento do Complexo da Maré foi a construção, em 1946, da chamada “Variante Rio-Petrópolis”, que mais tarde se tornaria a conhecida Avenida Brasil (Fig. 02).
  • 28. Fig. 02 – “Obra de construção da Avenida Brasil, trecho Manguinhos, 1940”. Acervo do Arquivo Geral da Cidade. In: http://www.ceasm.org.br O projeto de construção de uma via (ver fig. 03) tinha a finalidade principal de expandir a antiga área industrial do Rio de Janeiro – e que acabou por se tornar a principal via de comunicação entre o centro, os bairros do subúrbio e a periferia da cidade. A Av. Brasil proporcionou o crescimento de um cinturão industrial às suas margens, que somado ao isolamento dos terrenos na orla da Baía de Guanabara e à facilidade de acesso a tais áreas, criou condições bastante favoráveis para o surgimento das comunidades da Maré, pois em sua construção trabalharam muitos dos primeiros moradores destas áreas – como se percebe na figura abaixo a Av. Brasil e o viaduto de Bonsucesso em construção. Fig. 03. “Variante Rio-Petrópolis – atual Av. Brasil – com o Instituto Oswaldo Cruz ao centro/acima”. (Foto: acervo da Casa de Oswaldo Cruz). In: http://www.ceasm.org.br
  • 29. E segue adiante um pequeno recorte das comunidades da Maré... As comunidades da área hoje conhecida como Complexo da Maré surgiram a partir das décadas de 30/40, sendo a mais antiga a que se originou no Morro do Timbáu, região já ocupada desde o período colonial, por se localizar, ali, o antigo Porto de Inhaúma. Posteriormente, a área foi ocupada por portugueses e italianos que ali estabeleceram suas chácaras e por pescadores que fundaram uma colônia de pesca. O nome da comunidade passa a ser o da região, que era conhecida como thybau, do tupi-guarani, "entre as águas", o que denota terem sido os índios os primeiros habitantes do lugar. Esse local “é uma formação típica de favelas em encostas mas com uma grande diferença em comparação com outras favelas de morro; o Timbáu apresenta uma densidade habitacional extremamente baixa” (Jacques, p. 25). A ocupação da comunidade propriamente dita se dá a partir da chegada da primeira moradora da comunidade, D. Orosina, que num passeio de final de semana se apaixona pelo lugar, e recolhendo a madeira que a maré trazia, demarca uma área e constrói o primeiro barraco, com a ajuda de seu marido. Este primeiro casal vinha do centro do Rio, onde viviam numa casa de cômodos, atrás da Estação da Central do Brasil. A mulher tinha acabado de chegar do interior de Minas Gerais e não conseguia viver sufocada no pequeno cômodo, "com a chuva caindo em goteiras". Ela escolheu um ponto seco, conveniente, numa pequena elevação próxima ao mar e levantou seu pequeno barraco com os materiais que a maré trazia de graça. Mais tarde, ela se dedicou a plantar árvores frutíferas e uma horta e a cercar seu "território". Ela conseguiu fazer tudo sem que qualquer pessoa a perturbasse. Mesmo assim, o casal estava bastante assustado, percebendo que eles estavam ocupando algo, sem autorização, que não lhes pertencia. Sobre o processo de formação das comunidades da Maré, Jacques (2002, p. 22) argumenta que: “As comunidades que formam o complexo têm características e processos espaciais bem distintos, que vão do mais planejado ao mais espontâneo, do mais regular ao mais irregular, do mais formal ao mais informal, do mais projetado ao mais livre. As diferentes entre as formas, que hoje constituem uma diversidade muito rica, se deram por vários fatores: a história de cada ocupação, as características do sítio, as questões de propriedade, as origens da população, a organização da comunidade, os contextos políticos e sociais. Uma grande gama de formas espaciais pode ser encontradas na Maré... As diferentes comunidades são tão distintas como os diferentes bairros de uma cidade formal e chegam a ter identidades próprias, que constituem, todas juntas, a cultura multifacetada da Maré”. O 1º Regimento de Carros de Combate (RCC) instalou-se defronte ao Morro do Timbáu, e sob a justificativa de impedir a ocupação de terrenos que lhe pertenciam (o que mais tarde se vai verificar não ser verdade) passou a exercer um controle sistemático
  • 30. sobre a comunidade com a derrubada de barracos, o controle da entrada de moradores através da colocação de cercas de arame farpado e a cobrança, por parte, de alguns militares de ‘taxas de ocupação’. A história da comunidade do Timbáu vai ser, na década de 50, marcada pela resistência ao exército que reclamava a propriedade da área e que vai tentar impedir por todos os meios, inclusive pela violência, a sua ocupação. Por intervenção de D. Orosina, que escreve uma carta denunciando tal situação ao Presidente Getúlio Vargas, que a recebe no Palácio e lhe responde dando garantias contra os agentes militares, a comunidade passou a crescer e se organizar tendo, em 1954, fundado a terceira associação de favelas do Rio de Janeiro. Enquanto a comunidade do Timbáu apresentou um lento crescimento, permanecendo na década de 40 com poucos habitantes surgia, ao final deste período (1947), a primeira grande concentração humana que foi a Baixa do Sapateiro que na época, teve sua formação a partir de um pequeno grupo de barracos construídos sobre palafitas. Não há consenso sobre a origem do nome. A ocupação por moradias, inicialmente, ocorreu a partir dos limites do “loteamento de Bonsucesso”, onde ainda se podem notar muitas casas do início do século XX. Nessa época se tem notícias dos primeiros barracos: “Há dois anos moradores iniciaram a construção de barracões nos terrenos da Marinha à margem da Avenida Brasil em Bonsucesso. Os terrenos formavam um charco que, à medida que iam levantando as casas, iam aterrando. Se localizam ali hoje cerca de 800 barracos. Já havia na parte alta da Rua Jerusalém outro grupo de residências. A Prefeitura mandou destruir tudo”.(Fonte: Jornal ‘A Noite’, 24/11/1947). “Cerca de 2000 pessoas ficarão desabrigadas (...) Prefeitura ameaça demolir 800 barracões. Há quase dois anos construídos por operários, em terrenos existentes no lugar denominado ‘Favelinha do Mangue de Bonsucesso’, no fim da Rua Nova Jerusalém – Comissão faz veemente apelo ao prefeito Ângelo Mendes de Moraes”.(Fonte: Jornal ‘O Globo’, 26/11/1947). Estes artigos publicados em diferentes jornais da cidade dão notícia, já em 1947, da existência de uma ocupação com grande número de barracos, no final da Rua Jerusalém, hoje principal acesso à comunidade da Baixa do Sapateiro e dessa forma, pode-se dizer que a localidade é uma das mais antigas comunidades da Maré. Em 1957 surge a “União de Defesa e Melhoramentos do Parque Proletário da Baixa do Sapateiro”, que somente foi registrada em 1959, sendo uma das primeiras associações de favelas do Rio de Janeiro. Em 1944, após pedido do ministro Gustavo Capanema ao Presidente da República decide-se pelo aterramento do arquipélago das ilhas do Fundão para tornar realidade o sonho de uma universidade neste local, o que provocou diversas alterações no quadro
  • 31. social da região, pois muitos dos que trabalharam na sua construção vieram a se instalar na Maré, devido à proximidade, o que provocou um incremento na ocupação e crescimento das comunidades – principalmente no Morro Timbáu e na Baixa do Sapateiro. “É interessante notar que na Maré, ao contrário da maioria das favelas de morro, os terrenos mais valorizados eram os mais altos, por serem os mais secos. Na parte mais baixa ficava a população mais pobre, geralmente em palafitas nas áreas inundáveis. Foi só com o ‘Projeto Rio’ que as palafitas desapareceram completamente... Mesmo que hoje já não existam palafitas nem áreas inundáveis na comunidade, em sua configuração urbana, e principalmente na irregularidade do tecido, podemos ainda notar sinais desse passado próximo de precariedade e instabilidade. A Baixa do Sapateiro junto com parte do Morro do Timbáu e do Parque Maré são as áreas onde as características típicas das favelas cariocas – arquiteturas fragmentária, tecido urbano labiríntico, desenvolvimento territorial orgânico – se apresentam de forma mais evidente dentro do Complexo da Maré” (Jacques 2002 p. 32-33). Em 1950, surgem as primeiras moradias do Parque Maré (vide fig. 04) como um prolongamento da ocupação ocorrida na Baixa do Sapateiro e essa área tornou-se bastante atrativa às populações que chegavam com o fluxo migratório, principalmente da Região Nordeste. A área que ia sendo ocupada pelos moradores do Parque da Maré (1953 já consolidado) era dominada pela lama, por vegetação de mangue e pelo movimento das águas, tendo a partir da década de 60 ocorrido uma grande expansão da ocupação em direção à Baía da Guanabara, sendo o Parque Maré, nesta época, predominantemente dominado pelas palafitas, conforme as figuras abaixo: Fig. 04 – “Parque Maré – Década de 50”. Fonte: http://www.favelatemmemoria.com.br
  • 32. Fig. 05 – “Maré em 1960”. Fonte: http://www.favelatemmemoria.com.br Não havia qualquer infra-estrutura, a luz era coisa rara nas casas, inicialmente puxada, através dos "gatos" e posteriormente por meio de cabines onde havia um medidor da LIGHT e a luz era revendida às casas. Posteriormente, por medida do próprio governo, foram criadas as Comissões de Luz. A água chegava através de pequenas bicas, puxadas clandestinamente dos ramais, onde se formavam grandes filas. Muitos apanhavam água do outro lado da Avenida Brasil, que pela distância exigia meios criativos para o transporte de uma maior quantidade. Daí surgiram os chamados "rola- rola" ou "água-de-rôla": um barril de madeira, envolto em pneus, ou com madeira emborrachada, puxado por uma alça de ferro. Comuns eram os atropelamentos na "variante" (atual avenida Brasil) e face as dificuldades, muitos faziam um verdadeiro comércio com a água. Enquanto isso acontecia as crianças não tinham local apropriado para brincarem, pois eram escasso os locais de entretenimento – somente nas escolas ou quando saíam com os pais –, sendo assim, elas brincavam em ambientes inadequados como, por exemplo, nas pontes sobre a maré negra e correndo sérios riscos à sua integridade física (como retratada na fig. 07).
  • 33. Fig. 06 – “Armazenamento caseiro d’água”. Fonte: http://www.favelatemmemoria.com.br O esgoto, muito precário foi feito pelos próprios moradores, e era despejado por ligações clandestinas nas galerias construídas pelo Governo Carlos Lacerda na Rua Flávia Farnese – no Parque Maré. Também na década de 60 é fundada a Associação de Moradores do Parque Maré que teve importante papel na consolidação da comunidade, principalmente na época de instituição do Projeto-Rio. Fig. 07 – “Crianças sobre as pontes da maré”. Fonte: http://www.favelatemmemoria.com.br
  • 34. A história do “Parque Rubens Vaz” começa no ano de 1951, quando surgem no local os primeiros barracos. A área, nesta época, era conhecida como areal, devido à grande quantidade de areia espalhada no local, por ocasião da drenagem e canalização do Canal da Portuária. Quando uma pessoa chegava à área para fixar residência, já era avisada de que não deveria construir à margem da avenida Brasil, porque esta seria futuramente alargada, como de fato foi. Sendo assim, ninguém construiu sua habitação a menos de 40 metros da variante Rio-Petrópolis. Os barracos eram construídos, inicialmente, com um cômodo só e, de acordo com as possibilidades, os moradores iam aumentando o número de cômodos. As construções eram rudimentares e sem nenhuma tecnologia. Segundo os moradores, era proibida a construção em alvenaria sob pena de demolição por parte da polícia. Em 1965, durante o Governo Carlos Lacerda, a população da área sente necessidade de encontrar um nome oficial para o lugar. Escolhem o nome Rubens Vaz em homenagem ao major assassinado em atentado na Rua Toneleros, em Copacabana. A Associação de moradores é então registrada com o nome de Associação de Moradores do Parque Major Rubens Vaz.6 Fig. 08. “Construção de palafita na Maré em 06/09/1971”. Fonte: http://www.favelatemmemoria.com.br O advogado Margarino Torres – o mesmo que defendeu a população e seu direito de permanecerem na área hoje conhecida como Parque Major Rubens Vaz – ligado ao PCB e que tinha um escritório nesta localidade, deu todas as coordenadas para a estruturação da comunidade Parque União, em 1959, e esta localidade foi uma das áreas com um certo “planejamento de ocupação”, pois ele demarcou áreas para a permanência 6 História dos Bairros da Maré, coordenado por Lilian Fessler Vaz, UFRJ, 1994. Retirado da internet em http:// www.ceasm.gov.br em 05/10/05.
  • 35. dessa população. Segundo Vaz (1994), “As casas eram construídas primeiramente em madeira. Internamente eles iam levantando as paredes em alvenaria, isso tudo feito às escondidas, pois, segundo a população, o governo proibia a construção em alvenaria. A madeira só era retirada, quando a casa já estava praticamente pronta”. Margarino e sua equipe lideraram e administraram a área até 1961. 2.2 – Políticas Públicas e Seus Reflexos na Segregação do Espaço (1960/80): Nova Holanda foi concebida como um Centro de Habitação Provisória (CHP) que funcionaria como um local de triagem, dentro da política de remoções do governo, que visava muito mais retirar núcleos favelados de áreas nobres da cidade, do que resolver o problema habitacional. A tarefa de controlar o processo de transferência dos moradores de favelas a serem erradicadas ficou a cargo da Fundação Leão XIII, que foi incorporada à Secretaria de Serviço Social da Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro. Para uma melhor análise dessa situação é preciso voltar ao passado e conhecer melhor o “Programa de Erradicação de Favelas”, que deu origem aos CHPs – como a Nova Holanda. “No CHP os moradores removidos passariam por um processo de preparação para morarem em locais urbanizados, tendo noções de higiene e educação, além de cuidados com a nova moradia. No período de 1962-63 foi construído o primeiro setor, que era formado por 981 (conforme quadro abaixo) casas de madeira construídas em lotes 5 X 10 mts e o segundo setor foi construído no último ano de governo de Lacerda, onde se construíram 228 vagões de madeira divididos em 39 unidades... O que era transitório, acabou por se tornar definitivo, e até hoje vivem na comunidade, muitas famílias que foram para Nova Holanda aguardar sua remoção para um novo conjunto da cidade, o que nunca chegou a acontecer. Com a degradação dos serviços de água e esgoto e a chegada em 1971 dos removidos da Favela Macedo Sobrinho, a situação do CHP se agrava e dessa forma, os moradores de Nova Holanda iam se integrando, pelos problemas comuns, cada vez mais aos demais moradores da Maré” (Fonte: http://www.ceasm.org.br). “A comunidade Nova Holanda (1962) teve um processo de ocupação completamente diferente, para não dizer oposto, ao das demais formações que vimos até agora. Sua origem não foi um invasão espontânea, nem mesmo uma invasão planejada, como ocorreu no Parque União. A comunidade de Nova Holanda foi inteiramente planejada e construída pelo poder público na década de 60, no governo Carlos Lacerda, sobre um imenso aterro realizado ao lado do Parque Maré. As dimensões do aterro realizado impressionaram tanto que influenciaram até a escolha do nome da comunidade, uma homenagem à Holanda, o país europeu quase inteiramente construído abaixo do nível do mar sobre aterros e diques. Outra semelhança são as roldanas, que podemos encontrar em algumas casas e que indicam que as mudanças eram feitas por cabos externos, exatamente como ocorre em cidades holandesas, principalmente Amsterdã” (Fonte:http://www.ceasm.org.br).
  • 36. Em 1956, foi criado o SERFHA – Serviços Especial de Recuperação das Favelas e Habitações Anti-Higiênicas – que sofreu uma reestruturação em 1960, tornando-se o primeiro organismo oficial voltado mais precisamente para “urbanização de favelas”. Na década de 60, inaugura-se uma nova forma de tratamento das favelas com o lançamento do “Programa de Remoção das Favelas”, cujo objetivo era de “eliminar as favelas e transferir suas populações para outros locais, apoiados pela administração de Lacerda (1960-1965), criando assim a COHAB-GB (1962), órgão estadual. “Durante o governo Lacerda (1961-1965) foram adotadas diversas medidas a fim de dar um aspecto moderno à cidade. Tal política baseava-se na realização de obras suntuosas como a construção de viadutos, túneis e parques e jardins na zona sul da cidade. Ao mesmo tempo, a população mais pobre sofria com uma política de erradicação de favelas e remoção de sua população para áreas distantes e desvalorizadas da cidade e nesse contexto surge o projeto do ‘cais de saneamento’, que visava construir uma cais de pedra por toda a extensão da orla da baía do Cajú ao Rio Meriti, seguindo à Avenida Brasil, e portanto, o cais de saneamento visava atingir a dois problemas que vinham preocupando as autoridades na época: a poluição da Baía de Guanabara e a saturação da Avenida Brasil”. (Fonte: Ceasm). Com o aumento do número de habitantes nas favelas do Rio de Janeiro, as associações de moradores se mobilizavam – tanto no nível interno, quanto no nível de suas articulações externas, com grupos de apoio tais como a igreja, através da Pastoral das Favelas e a Federação das Associações de Favelas (antiga FAFEG e atual FAFERJ). Em dado momento da história (1969) esta repressão [ao tentar liderar os moradores da primeira favela atingida pela ação da CHISAM7 – Coordenação de Habitação de Interesse Social da Área Metropolitana do Grande Rio (1968-1973)], junto a eles a CODEFAM (Comissão de Defesa das Favelas da Maré) que conseguiu criar um espaço de participação na elaboração definitiva do “Projeto Rio” [projeto esse que veio a beneficiar os moradores da maré na década de 80] foram órgãos fundamentais na luta dos favelados pela posse definitiva de seu barraco. Nesta época de trabalho da CHISAM (1968-1973) se assistiu à maior operação anti-favela que a cidade jamais tinha conhecido. Os órgãos governamentais então envolvidos eram o BNH (1967) – Banco Nacional de Habitação, como financiador – , a própria CHISAM, como coordenadora do programa de remoção, a COHAB-GB – Companhia de Habitação Popular, como construtora e comercializadora das unidades habitacionais e a Secretaria de Serviços Sociais, como responsável pela ação social junto às populações atingidas. Com o fim da CHISAM o órgão que ficou encarregado de dirigir as esporádicas remoções que continuavam a ocorrer foi a Fundação Leão XIII – que surgiu em 1946 a partir de entendimento entre a Arquidiocese e a Prefeitura do Rio de 7 O programa da CHISAM se iniciou com a remoção das favelas situadas em torno da Lagoa Rodrigo de Freitas. Valladares (1980, p. 30).
  • 37. Janeiro, que tinha como meta a “recuperação das favelas”. A COHAB-GB e a Secretaria de Serviço Social desapareceram com a fusão dos estados da Guanabara e do Rio de Janeiro e foram substituídas respectivamente pela CEHAB-RJ e pela Coordenadoria do Bem-Estar Social. Enquanto a COHAB-GB, organismo estadual, desenvolvia sua ação no sentido da remoção das favelas, a administração de Negrão de Lima criava, em 1968, a CODESCO – Companhia de Desenvolvimento de Comunidade – a partir de uma alternativa oposta à remoção: a “Urbanização”. (ver Tabelas VII e VIII). Tabela VII – Conjuntos Habitacionais da COHAB-GB por Localização, Ano de Ocupação, Nº e Tipos de Unidades Nome do Conj. Bairro Ano de Ocup. Triagem Casa Apartº Total por Conj. Nova Holanda Bonsucesso 1963 981 xxxx xxxx 981 Cidade de Deus Jacarepaguá 1966 1.193 3.865 1.600 6.658 Miguel Gustavo Senador Camará 1972 2.466 xxxx xxxx 2.466 Total xxxx xxxx 4.640 3.865 1.600 10.105 (Fonte: CEHAB-RJ – Extraído de Valladares (1980, p. 40) – Adaptado. “Foram tais problemas básicos que serviram para justificar a elaboração de pelo menos quatro projetos de intervenção na região. Como as favelas ali existentes eram responsabilizadas por grande parte da poluição da baía, e por outro lado, ocupavam parte da área por onde deveria passar a nova via paralela à Avenida Brasil, os projetos previam a remoção de grande parte da população residente no local” (Fonte: http://www.ceasm.org.br). Tabela VIII – Remoções Realizadas na Guanabara, no Período de 1962-1974. Administração e Períodos das Remoções Total de Favelas Atingidas Total de Barracos Removidos Total de Habitantes Removidos Calos Lacerda (1962- 1965) 27 8.078 41.958 Negrão de Lima (66- 67/68-71) 66-67 (s/r) 68-71 (33) 66-67 (s/r) 68-71 (12.782) 6.685/63.910 Chagas Freitas (1971- 1974) 20 5.333 26.665 Total 80 26.193 139.218 Fonte: COHAB-GB – Extraído de Valladares (1980, p. 39) – Adaptado. Em decorrência da renúncia de Jânio Quadros em agosto de 1961, grande parceiro na realização do Projeto com o Governo do Distrito Federal, o “Cais de Saneamento” se
  • 38. resumiu apenas a estudos preliminares, tendo sido retomado apenas em 1966, pela Superintendência de Urbanização e Saneamento (SURSAM), do então Estado da Guanabara. Em janeiro de 1969, houve no Rio de Janeiro uma reunião com membros relacionados ao assunto favela onde foi simulado um jogo em que se traçava o futuro das favelas para os próximos dez anos. No desenrolar da reunião, três pontos de vista emergiram, sintetizando tanto a opinião erudita como as idéias populares de como, as favelas eram consideradas: “Aglomerações patológicas”, “Comunidades em busca de superação” ou como “Uma calamidade inevitável”. Esse período marca, também, a primeira grande intervenção do Governo Federal na área: o “Projeto Rio”, que previa o aterro das regiões alagadas e a transferência dos moradores das palafitas para construções pré-fabricadas. São hoje as comunidades da Vila do João, Vila do Pinheiro, Conjunto Pinheiro e Conjunto Esperança, localizados próximo ao “Parque Ecológico da Ilha do Pinheiro”, na Maré. Dos projetos que antecederam ao “Projeto Rio”, o mais ambicioso foi aquele elaborado no final do primeiro mandato do Governador Chagas Freitas (1971-1974) onde a área ocupada pelas favelas foi declarada “non aedificandi”, como forma de conter o avanço das favelas sobre aterros clandestinos. (Ibidem). “Em maio de 1979, no momento em que Freitas exercia o seu segundo mandato (1979- 82), o projeto foi novamente apresentado, cedendo lugar ao Projeto Rio anunciado um mês depois, e por este motivo e pelas semelhanças entre ambos os projetos, o Governador, na época, reivindicou a paternidade do Projeto Rio, que foi anunciado pelo Governo Federal, via o Ministério do Interior (DNOS e BNH), através do então ministro Mário Andreazza”. (Fonte: http://www.ceasm.org.com.br). E, em 08/06/1979, o próprio ministro anuncia o mais audacioso projeto com a finalidade de sanear a orla da Baía de Guanabara e que na verdade, se baseava nos projetos anteriores apresentados pelo Governo Chagas Freitas que não foram implementados (Ibidem). O “Projeto Rio” previa uma intervenção desde a Ponta do Caju, até os rios Sarapuí e Meriti, em Duque de Caxias, num trecho de 27 quilômetros, e apresentava como objetivos centrais a criação de espaços para abrigar populações de baixa renda e criação de condições para ambientação ecológica e paisagística do trecho mais poluído da Baía de Guanabara. A execução do projeto coube ao Banco Nacional de Habitação (BNH), como órgão financiador, e ao Departamento Nacional de Obras e Saneamento, incumbido de fazer os aterros e macrodrenagem. À FUNDREM, órgão estadual, coube o encargo das pesquisas de levantamento cadastral.
  • 39. Segundo o levantamento inicial, um terço dos habitantes da área da Maré morava em palafitas, sendo o conjunto formado, até então, por seis favelas: Timbáu, Baixa do Sapateiro, Parque Maré, Nova Holanda, Parque Rubens Vaz e Parque União, e para execução desse programa, o BNH criou o “PROMORAR” – Programa de Erradicação da Sub-habitação – que seria o responsável pelo processo de construção de 9.531 unidades habitacionais para o assentamento dos moradores das palafitas. O projeto previa, ainda, o saneamento do trecho da Baía da Guanabara que se estendia do Caju até a Praia de Ramos, considerado o mais poluído, mediante a construção de um aterro de 2.300 hectares. Várias vezes surgiam desconfianças por parte dos moradores devido aos atrasos nas obras e ao não cumprimento dos cronogramas e, neste sentido, as associações de moradores tiveram um papel de suma importância ao criarem a CODEFAM – Comissão de Defesas das Favelas da Maré – onde exerceram forte pressão para que as promessas de campanha fossem cumpridas. 2.3 – Reconhecimento de um Bairro Popular e as Intervenções Públicas (1980/2005): Até o início dos anos de 1980, a Maré das palafitas era tida como símbolo da miséria nacional como retrata a música “Alagados” (1984) da Banda Paralamas do Sucesso, que estourou nas rádios naquele momento: Alagados (Música: Herbert Vianna, Bi Ribeiro e João Barone Letra: Herbert Vianna) Todo dia O sol da manhã vem e lhes desafia Traz do sonho pro mundo que já não queria Palafitas, trapiches, farrapos Filhos da mesma agonia E a cidade Que tem braços abertos no cartão-postal Com os punhos fechados da vida real Lhes nega oportunidades Mostra a face dura do mal
  • 40. Alagados, Trenchtown, Favela da Maré A esperança não vem do mar Nem das antenas de Tevê A arte de viver da fé Só não se sabe fé em quê Os primeiros conjuntos habitacionais construídos na Maré surgiram na década de 1980. A Vila do João (1982) era vista como uma esperança de vida para os moradores das palafitas que após cadastro no programa Promorar, receberam suas casas. A Vila do João, na época de sua inauguração, foi apelidada pela população de “Malvinas” e de “Inferno Colorido”, sendo o primeiro nome uma alusão à Guerra das Malvinas – entre Argentina e Inglaterra –, devido aos intensos tiroteios e, o segundo, por causa do sortido colorido e calor das casas recém construídas, apelidos esses que caíram no desuso (Fonte: http://www.ceasm.org.br). A Vila do Pinheiro (1983) nasce na região remanescente da Bela “Ilha do Pinheiro”, na época de aterramento das sete ilhas onde atualmente está erguida a Universidade Federal do Rio de Janeiro (a UFRJ), a Ilha do Pinheiro foi excluída do projeto, mas acabou sendo anexada ao continente nos aterros promovidos pelo Projeto Rio. Na época, a ilha comportava um centro de pesquisa com macacos da espécie Rhesus da Fundação Fiocruz e, neste período, foi retomada pela União para fins de aterramento e construção de Unidades Habitacionais. O que restou da ilha virou um pequeno parque ecológico. Nos terrenos da Vila dos Pinheiros foi erguido um conjunto de prédio chamado de Conjunto Pinheiros (1989) e um outro conjunto de casas de nome Salsa e Merengue (2000). “Em frente ao Conjunto Pinheiros foi construído, já na década de 1990, o Conjunto Bento Ribeiro Dantas, mais conhecido como ‘Fogo Cruzado’, por ter estado por muito tempo próximo da ‘linha de tiro’ entre as facções criminosas rivais... atualmente, percebe-se no conjunto um processo contínuo de favelização e até mesmo de verticalização. Os moradores desse conjunto foram transferidos de outras favelas consideradas de risco, através do ‘Programa Morar Sem Risco’, ou seja, favelas que não poderiam ser urbanizadas pelo programa municipal de urbanização sistemática de favelas criado em 1994 – o “Favela Bairro”. Tratava-se basicamente das ditas “favelas de Rua”, que se situavam na beira de avenidas, embaixo de viadutos ou ainda na margem de rios urbanos; ou ainda de áreas de risco das favelas que estavam sendo “urbanizadas” pelo Favela- Bairro. O novo “modelo” ou padrão construtivo do conjunto foi repetido em outras comunidades carentes da cidade, inclusive na própria Maré, com a construção do Conjunto Nova Maré em um aterro próximo à Baixa, decorrente da construção da Linha Vermelha, como cita Jacques”. (2002, p. 47-48). A identificação da Maré como um bairro popular ocorre principalmente pela criação em 15/08/1988 da XXXª Região Administrativa (ver figura 09 e 10) – a primeira de favelas
  • 41. da cidade através do Decreto de 24/01/1994 – como um marco no reconhecimento das novas características da Maré, que vai se consolidando como um complexo de bairros populares. A figura 11 mostra a delimitação territorial do Complexo da Maré nos dias de hoje (e assim se observa a evolução urbana ocorrida na Maré, conforme apresentada no Anexo IV). Em 21/04/1992, é inaugurado um antigo projeto – elaborado na época de Carlos Lacerda passando pelos governos de Chagas Freitas e por Leonel Brizola – a Linha Vermelha. Construída sob a alegação de promover o desafogo no trânsito da saturada Avenida Brasil, tornou-se na verdade, uma via de elite que favorece o trânsito de carros particulares, tendo promovido forte impacto, uma espécie de ‘tiro de misericórdia’, no que sobrou da Baía de Guanabara. Em 1996, a Prefeitura do Rio de Janeiro elege a Maré como uma nova área de assentamentos, face a sua política de remoção de moradores de áreas consideradas de risco em toda a cidade e tendo em vista o grande número de grandes áreas remanescentes do Projeto Rio que não haviam sido utilizadas. A Prefeitura, na gestão do Prefeito César Maia, adquire tais áreas da Caixa Econômica Federal e inicia a construção de novas casas, nos molde do Conjunto Bento Ribeiro Dantas (1992), surgindo o Conjunto Nova Maré (1996). Outra via de transporte importante, criada na região, foi a Linha Amarela em 24/11/1997. Sua construção tornou-se realidade pela utilização do modelo de concessão de serviços públicos, sendo a primeira e, até hoje, a única concessão rodoviária municipal do país. Uma solução pioneira de uma grande parceria envolvendo enormes desafios e que beneficiou, de um certo modo, a população da Maré no intuito de encurtar a distância entre a Maré e a Barra da Tijuca, local de trabalho de boa parte dessa população. Em 1998, a Prefeitura, com base numa idéia inicialmente proposta pela União das Associações de Moradores do Bairro Maré (UNIMAR), inicia no Parque Burle Marx, área verde contígua à Linha Vermelha – as obras da Vila Olímpica da Maré, que viria a ser um dos mais importantes agentes sociais presentes na Maré. Sem dúvida, a Vila Olímpica da Maré (1999) atende a mais de 8.000 alunos em seus mais diversos projetos educacionais e em 23 modalidades esportivas. Ela foi criada em parceria com a iniciativa privada e em convênio com a gestora UEVOM (União Esportiva da Vila Olímpica da Maré).
  • 42. Fig. 09 – “Localização da XXXª R.A. da Maré”. Fonte: http://www.armazemdedados.com.br Fig. 10 – “Área de atuação da XXXª R.A. da Maré”. Fonte: http://www.armazemdedados.com.br
  • 43. O desenho territorial da Maré encontra-se atualmente rearranjado como observado na ortofoto abaixo: Fig. 11 – “Desenho territorial da Maré nos dias de hoje”. Fonte: http://www.armazemdedados.com.br
  • 44. 3. Os Territórios da Maré e Suas Particularidades: 3.1 – Os atores sociais e suas atuações na Maré: as territorialidades em movimento: Neste capítulo será descrita a atuação dos atores sociais envolvidos nas possíveis territorialidades encontradas na Maré: a Ong CEASM8 , as Associações de Moradores, a Igreja, o Poder Público (a Polícia), a Vila Olímpica da Maré (ligada à Prefeitura da cidade) e o próprio tráfico como ator circunstancial de transformação do espaço segregado, responsável principal das territorialidades em movimento. O texto está fundamentado nas informações obtidas através de uma entrevista concedida pelo Srº Lourenço César – um dos diretores da ong CEASM, com sede nas comunidades do Morro do Timbáu e da Nova Holanda, e morador há mais de 30 anos da Maré. Seu testemunho, somado ao conhecimento adquirido pela convivência cotidiana com o lugar, permite traçar um perfil das relações e conflitos decorrentes do jogo de interesses entre os atores envolvidos. •••• A respeito da ong CEASM: É inegável a atuação positiva das ações realizadas por esta instituição nas comunidades da Maré, principalmente, no tocante às práticas sociais que envolvem, de um lado, profissionais capacitados nas mais diversas áreas do planejamento educacional e, do outro, o jovem – presente no âmago da população interessada por novos conhecimentos – que representa o desejo cada vez maior pelo saber e pelo discernimento do aprendizado que no futuro, lhe será de grande valia. Assim, se inicia essa entrevista com o discurso real de um diretor de uma importante organização educacional e, acima de tudo, um morador que percebe, a cada dia que passa, a realidade de um imenso complexo de favelas que se territorializa, desterritorializa para mais adiante voltar a re-territorializar-se, em um verdadeiro círculo vicioso. Suas visões a respeito da ong são as seguintes: 8 O Centro de Estudos e Ações Solidárias da Maré – CEASM – é uma associação civil, sem fins lucrativos, criada em 15 de agosto de 1997 que atua no conjunto de comunidades populares da Maré. O Centro foi fundado e é dirigido por moradores e ex-moradores locais que, em sua grande maioria, conseguiram chegar à universidade. Os projetos desenvolvidos pelo CEASM visam superar as condições de pobreza e exclusão existentes na Maré, apontado como o terceiro bairro de pior Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) da cidade (Censo 2000).
  • 45. “A proposta do CEASM é de uma atuação na área política, através da educação, da cultura e da comunicação. Essas três linhas serão norteadoras de uma intervenção na área da Maré a médio e longo prazos”. “Foi sempre passado pelos fundadores do CEASM que a idéia era de que a entidade pudesse aos poucos se libertar dessa função – que seria do Estado – e estar ocupando um papel cada vez mais político e mobilizador”. “A prática do cotidiano foi solapando um projeto político de futuro que atualmente está em discussão por aqui: ‘O que a gente está fazendo’? e ‘O que pretendemos fazer’? Essa seria a avaliação do que estamos concretizando no nosso dia a dia.” “As ongs fazem, sim, o trabalho que seria próprio do Estado. Elas poderiam ser classificadas como ‘Potencializadoras de Movimentos Sociais’. Há a dificuldade dos movimentos sociais em mobilizar a mídia, e neste sentido, surge a ong com o propósito de colaborar; exemplo disso foi no Fórum Social Mundial em que a presença de várias ongs contribui para que as classes menos favorecidas participassem neste evento – antes marcados pela presença somente da classe média bancada pelo Estado e pelas Universidades”. Neste sentido as ongs, têm papel fundamental no processo de estruturação social do lugar, embora deixe de cumprir seus objetivos seja pela necessidade de estar aliada aos interesses do ‘financiador’, que pode não concordar com a forma de atuação, ou pelas demandas do próprio cotidiano de estar atrás de recursos e financiamentos, para a manutenção do espaço da entidade. Continuando, Lourenço destaca que: “Aqui dentro do CEASM eu puxo muito para essas questões como, por exemplo, a criação da U.A.U. (União de Alunos Universitários) que surgiu com a finalidade de mobilizar universitários de favelas; a Rede Maré Jovem – rede de jovens que contribui com o debate de vários temas criando mobilizações nas ruas – e o Fórum Maré que já ocorre há um ano e que conta com a participação de várias instituições, líderes comunitários etc.”. Na realidade, ocorre, também, a presença de movimentos sociais externos à Maré, que, de forma geral, atingem as comunidades do complexo, como o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra, o MST, que se coloca sempre à disposição das necessidades do CEASM, no sentido de somarem forças potencializadoras, embora, muitas vezes, a relação dos atores sociais na Maré acabe por inibir os efeitos dessa potencialidade, como afirma Lourenço: “A incapacidade nossa de não conseguirmos mobilizar uma determinada comunidade em um evento participativo de uma outra devido à questão da ‘fronteira’ causada pelo tráfico de drogas, faz com que essa mobilização seja fragilizada, ou seja, nem todo mundo está apto ou com garantias de vida para se fazer presente em outra comunidade num ato público, por exemplo. Uma ação que fazemos aqui no CEASM (Morro do Timbáu), que se faz necessária a essas pessoas, é impedida, através do tráfico, de que moradores de outra comunidade possam assistir”.
  • 46. As políticas de mobilização realizadas pela ong CEASM é assim destacada por Lourenço quando ele afirma que: “As políticas de mobilização na Maré são realizadas nas dezesseis comunidades o que causa um grande desgaste de várias ordens, ocorre que em cada reunião do movimento surgem grupos distintos participando e isto é um fator que tem prejudicado em muito as nossas ações. Outra dificuldade é que o público alvo das comunidades trabalha e estuda e o tempo disponível é limitado, muito reduzido, e que as vezes inviabiliza os questionamentos sobre as ‘Utopias Coletivas’ que exige certa mobilização e uma disponibilidade de tempo muito grande e um arcabouço financeiro-familiar que o impossibilita a uma liberdade para estar realizando suas ações, sendo isso mais um fator negativo”. Recentemente um artigo vinculado num jornal de grande circulação na cidade promoveu um reboliço nas classes menos favorecidas da Maré, pois colocava em pauta a discussão sobre a remoção de favelas, como cita nosso entrevistado: “A questão da polícia e a relação com o Estado e a mídia que, ao mesmo tempo que cobra do Estado uma ação mais efetiva, inibe por parte do Estado, uma ação mais cidadã; Um exemplo disso foi uma matéria vinculada no jornal ‘O Globo’ intitulada ‘Ilegal e daí?’ que é uma campanha em relação às favelas, onde o presidente do Sindicato das Empresas de Materiais de Construções criticava uma tentativa do Governo do Estado de se criar uma cesta básica para materiais de construções. A alegação era que se ‘baratear’ o preço desses materiais para a construção de obras iria se consolidar a favela, pois o pobre teria acesso a esses materiais e assim ele melhoraria sua qualidade de moradia e de vida dentro de suas casas. O que se percebe é que uma ação dessas, proveniente dessas organizações venham inibir que o Governo/Estado façam qualquer tipo de ação que é apoiada por essas instituições. Eles são a favor das ‘remoções de favelas’. A favela começa a conquistar o direito de ser ouvida e representada como voz atuante de seu caminho. E para tanto, torna-se essencial o conhecimento, não só de suas carências, mas também de suas virtudes, de seu passado e de seu presente, de suas generalidades e particularidades, e principalmente, de seus desejos. Por isso o Censo Maré 2000, trabalho realizado pelo CEASM, representou a possibilidade de realização de um estudo específico da realidade das várias marés. Ou seja, as várias histórias e geografias das favelas que foram se formando na área hoje reconhecida como XXXª Região Administrativa. Tem-se agora, um instrumento primordial na luta por uma vida mais digna e justa, pois os dados permitem uma atuação consciente na gestão pública e comunitária, possibilitando uma visão mais focal, centrada em algumas particularidades e uma visão global, que apreende as generalidades da XXXª R.A. Um instrumento que permite a ação conjunta frente aos órgãos públicos e entidades