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LADARIA
O DEUS VIVO
E VERDADEIRO
O mistério da Trindade
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Coleção Theologica
7. Eu creio, nós cremos. Tratadoo $
J. B. Libanio, SJ
2. As lógicas da cidade
J. B. Libanio, SJ
3. Inculturação dafé. Uma abordagentedógica
Mario de França Miranda, S
I
4. Nasfontes da vida cristã. Uma teologia d batismo-crisma
Francisco Taborda, SJ
5. Crer no amor universal. Visão históra,social e
ecumênica do uCreio em Deus to/"
Carlos Josaphat, 0P
6. Igreja, povo santo e pecadr
Álvaro Barreiro, SJ
7. O Deus vivo e verdadein
Luis F. Ladaria
8. A religião no inicio do miléio
J. B. Libanio, SJ
9. Olhando para o juturo
J. B. Libanio, SJ
10. u
Num só corpo Tratado mistagógico sbn a eucaristia
Cesare Giraudo, SJ
11. O Cristianismo e as religiões. Do desenontfo ao encontro
Jacques Dupuis
12. A salvação de Jesus Cristo. A doumaàa graça
Mario de França Mirana
13. Karl Rahner em perspectra
Pedro Rubens F. de Olhara
Claudio Paul
Luis F. Ladaria
0 DEUS VIVO
E VERDADEIRO
O mistério da Trindade
Tradução
Paulo Gaspar de Meneses, SJ
Título original:
El Dios vivo y verdadero — El mistério de la Trinidad
© Ediciones Secretariado Trinitario 1998
Salamanca — Espanha
Preparação: Carlos Alberto Bárbaro
Diagramação: Míriam de Melo Francisco
Revisão: Maurício Balthazar Leal
Edições Loyola
Rua 1822 n° 347 - Ipiranga
04216-000 São Paulo, SP
Caixa Postal 42.335 - 04218-970 - São Paulo, SP
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ISBN: 85-15-02928-6 ;,
© EDIÇÕES LOYOLA, São Paulo, Brasil, 2005
Sumário
PRÓLOGO.................................................................................................... 11
ABREVIATURAS.......................................................................................... . 15
Questões prelim inares................................................................................ 17
1. INTRODUÇÃO AO TRATADO............................................................. 19
Deus que se revela como objeto primário da teologia................. 19
A originalidade da noção cristã de Deus........................................ 23
O caráter central da fé no Deus uno e trino.................................... 27
O “esquecimento” da Trindade......................................................... 29
Sobre a estrutura do tratado.............................................................. 33
O tratado sobre Deus na sistemática teológica........................ . 35
2. A RELAÇÃO ENTRE A TRINDADE “ECONÔMICA”
EA TRINDADE “IMANENTE” ............................................................ 37
Da Trindade econômica à Trindade im anente.............. ................ 37
Da Trindade à economia. A “identidade" entre a Trindade
imanente e a econômica..................................................................... 45
primeira parte
VISÃO HISTÓRICA
A A revelação de Deus em Cristo e sua preparação
no Antigo Testamento......................................................................... 53
3. A REVELAÇÃO DE DEUS NA VIDA DE JESUS.
ESTUDO BÍBLICO-TEOLÓGICO...................................................... 55
Deus enviou seu filho......................................................................... 57
1. Deus, o Pai de Jesus................................................................... 57
2. Jesus, o Filho de D eus................................................................ 64
3. Deus, Pai dos hom ens................................................................ 67
4. Jesus, concebido por obra do Espírito S anto... ....................... 69
5 .0 batismo e a unção de Jesus......................................................... 70
O Novo Testamento e o s Padres.......................................................... 70
As POSIÇÕES RECENTES.............................................................................. 75
6. A Trindade e a cruz de Jesus............................................................ 82
A REVELAÇÃO DA TRINDADE NA CRUZ NA TEOLOGIA CONTEMPORÂNEA 83
Reflexão co n clu siva ............................................................................................ 95
7. A ressurreição de Jesus, revelação doDeus U n o e Trino....... 98
Deus enviou a nossos corações o espírito d e seu f ilh o ................102
1 .0 Espírito, dom do Pai e de Jesus re ssu scita d o ....................... 102
2 .0 dom do Espírito e seus efeitos depois da ressurreição
de Jesus.................................................................................................. 107
S inópticos e At o s ....................................................................................108
O CORPUS PAUUNUM...................................................................................110
O s ESCRITOS DE JOÃO...............................................................................112
C onclusão: a relação do Espírito com J e s u s ...................................113
3. O caráter pessoal de Espírito Santo segundo o
Novo Testamento.................................................................................. 114
O filh o e o Espírito Santo em relação com o Deus ú n ico
no N ovo Testam ento...................................................................................115
1. Alguns textos triádicos..................................................................... 117
Reflexões co n clu siva s...................................................................................... 120
4. A PREPARAÇÃO DA REVELAÇÃO DO
DEUS TRINO NO ANTIGO TESTAMENTO....... ..............................123
A revelação d o nom e de D eus................................................................124
As figuras de m ediação no Antigo T estam ento.................................127
B. A história da teologia e o dogma trinitário na Igreja antiga...........133
5. OS PADRES APOSTÓLICOS E OS PADRES APO LO G ETAS......135
O s padres A p o stó lico s.............................................. 135
1. Clemente Rom ano............................................... ............................136
2. Inácio de Antioquia.............................................................................137
3. Epístola do Pseudo-Bamabé........................................................... 138
4. Didaché.................................... 139
5. O “Pastor' de Herm as................. 139
Os padres apo lo g e ta s............................................................................. 140
1. Justino...................................................................................................141
2. Taciano................................................................................................. 144
3. Atenágoras.......................................................................................146
4. Teófílo deAntioquia........................................................................ 148
6. A TEOLOGIA DO FINAL DO SÉCULO II E DO SÉCULO III........... 151
Ireneu de Lião.........................................................................................151
Tertuliano.................................................................................................156
Hipólito de Roma....................................................................................164
Orígenes..................................................................................................166
Novaciano................................................................................................175
Dionísio de Alexandria e Dionísio de Rom a..................................... 177
7. A CRISE ARIANA E O CONCÍUO DE NICÉIA.
A LUTA ANTIARIANA NO SÉCULO IV.................................................183
A doutrina de Ário.................................................................................183
A primeira resposta a Ário. Alexandre de alexandria...................... 188
Eusébio de cesaréia..............................................................................189
Marcelo de Ancira................................................................................. 191
O símbolo de Nicéia (3 2 5 )...................................................................193
As vicissitudes depois do Concílio de N icéia..................................198
Atanásio de Alexandria......................................................................... 202
Hilário de Poitiers................................................................................... 207
Os acontecimentos principais dos anos 361 -381 ......................... 212
8. OS PADRES CAPADÓCIOS. A FORMULAÇÃO DO DOGMA
TRINITÁRIO NOS CONCÍLIOS I EII DE CONSTANTINOPLA.......215
Basílio de Cesaréia................................................................................217
Gregório Nazianzeno............................................................................ 224
Gregório de Nissa.................................................................................228
O primeiro Concílio de Constantinopla.............................................231
Do primeiro ao segundo Concílio de Constantinopla....................234
Os concílios medievais........................................................................237
segunda parte
DA “ECONOMIA” À “TEOLOGIA”
A. A reflexão sistemática sobre o Deus Uno e Trino............................241
9. “TRINITAS IN UNITATE". A VIDA INTERNA DE DEUS:
AS PROCESSÕES, AS RELAÇÕES, AS PESSOAS DIVINAS.......243
Das missões divinas às “processões”..............................................244
As processões divinas: A geração d o Filho e a expiração
do E spírito S a n to ......................................................................................246
1. As processões divinas e a analogia da mente humana.
Agostinho e Tomás de Aquino....................................................... 248
2. As processões divinas e o amor interpessoal.
Ricardo de Sâo Vítor..........................................................................251
As relações d iv in a s ...................................................................................255
1. As relações em Deus segundo Agostinho.................................. 256
2. Tomás de Aquino. As relações reais em Deus...........................260
As pessoas d iv in a s ...................................................................................262
1. A noção de “pessoa" em Agostinho........................................... 262
2. D e Boécio a Tomás de Aquino.......................................................264
3. Tomás de Aquino: a pessoa como relação subsistente........267
4. Pessoas, propriedades, apropriações......................................... 271
5. A mútua inabitação das pessoas................................................. 274
A problem ática m oderna da pessoa em Deus: as
“três pessoas” na unidade d iv in a ........................................................ 276
1. Unidade do sujeito em Deus? Propostas alternativas
ao termo “pessoa". Karl Barth e Karl Rahner..............................277
2. As pessoas se realizam em seu mútuo amor.
O modelo social da Trindade...........................................................285
3. Autoconsciência e alterídade nas pessoas divinas..................288
10. 0 PAI, O FILHO E O ESPÍRITO SANTO............................................297
O Pai, origem sem p rin cíp io ...................................................................297
1. Alguns elementos da tradição.......................................................299
2. O Pai, princípio do Filho e do Espírito Santo............................. 302
3. O Pai, pessoa absoluta?..................................................................304
4. As processões divinas em questão............................................ 306
5. O Pai, princípio relativo.....................................................................310
O Filho, a perfeita resposta ao am or do p a i.................................... 314
1. O Filho, o Amado do Pai que corresponde a esse am or....... 315
2. O Filho com o Logos e imagem de Deus................................... 319
0 Espírito Santo, com unhão de a m o r............................................... 323
1. O Espírito Santo como d o m ...........................................................325
“ Dom” , nome pessoal do Espírito Santo.......................................... 330
O Espírito Santo como dom no crente e na Igreja........................333
2. O Espírito Santo como amor do Pai e do F ilho......................... 335
O EspIrito Santo como amor na tradição.......................................336
O magistério e a reflexão teológica contemporânea.................... 340
3. A processão do Espírito Santo.................................................... 344
A processão do Espírito no O riente e no Ocidente...................... 344
O Fiuoque nos símbolos e no magistério......................................... 352
A questão na atualidade....................................................................... 355
11. “UNITAS IN TRINITATE” . DEUS U N O N A TRINDADE.
SUAS PROPRIEDADES E SEUS M O DO S DE ATUAÇÃO.............. 361
A unidade da essência d iv in a ................................................................361
1. A unidade do Pai, do Filho e do Espírito Santo............................ 361
2. O primado do ‘pessoal’......................................................................365
3. A essência divina.................................................................................. 367
4. A unidade de Deus e a unidade dos hom ens..............................373
OS MODOS DE ATUAR E AS PROPRIEDADES
(ATRIBUTOS) DE DEUS...........................................................................377
1. Algumas noções bíblicas.................................................................... 378
2. Propriedades divinas na tradição.....................................................383
3. Alguns problemas atuais.................................................................... 387
12. O CONHECIMENTO “ NATURAL’ DE DEUS
E A UNGUAGEM DA AN ALO G IA......................................................... 393
O conhecim ento de Deus a partir da c ria ç ã o ...................................393
7. 0 conhecimento de Deus a partir da criação na Escritura .... 394
2. 0 Vaticano I e o Vaticano II.............................................................. 396
A questão d a a n a lo g ia ........................................................................... 401
7. Algumas noções clássicas..............................................................402
2. A crítica de K. Barth ea reação católica: a ‘analogia Christi” .... 408
3. A ‘maior semelhança’ segundo E. Jüngel..................................414
4. Conclusão: ‘maior dissimilitudo ’ na maior proximidade.........417
E P ÍLO G O ...........................................................................................................421
REFERÊNCIAS BIBLIO G RÁFICAS............................................................. 425
ÍNDICE O NO M ÁSTICO .................................................................................. 427
PROLOGO
A teologia da Trindade tem sido objeto de renovado interesse nos
últimos tempos. Basta uma vista rápida nos repertórios bibliográficos mais
comuns para convencer-se disso. Algumas bibliografias especializadas
mostram ainda com mais clareza a abundância — absolutamente impossí­
vel de abarcar — de estudos que, a partir de diversos pontos de vista, abor­
dam o tema1. Também não faltam nas principais línguas ocidentais, como
pode observar o leitor nas referências bibliográficas, os tratados e manuais
que correspondem aproximadamente às características do presente volu­
me. Surge a pergunta óbvia: do porquê de uma nova obra que contribuirá,
embora em pequena medida, para fazer ainda mais impenetrável a selva
das publicações. A pergunta se faz ainda mais aguda para o próprio autor,
quando está bem consciente de que sua contribuição não merecerá certa­
mente ser qualificada de decisiva e de que não é provável que influa de
modo significativo nos roteiros ulteriores da teologia.
Porém, o magistério em um centro internacionalcom alunadonumeroso
fez com que as lições de um professor, de modo totalmente incontrolável de
1. É especialmente significativo o volume dedicado à bibliografia trinitária pela revis­
ta Estúdios Trmkorios25 (1991) que abarca os anos 1976-1990: nas diferentes contribuições
de X. PIKAZA (Novo Testamento). E. ROMERO POSE (Patrística), M. M. GARIfO-
GUEMBE (teologia ortodoxa e pneumatologia), S. dei CURA ELENA (sistemática cató­
lica e protestante), E. SCHADEL (a Trindade como problema filosófico) recolhem-se 4.463
títulos. Embora haja inevitáveis repetições, não deixa de ser uma cifra imponente: alguns
autores notam que por muito compreensíveis razões os elencos não são exaustivos. E instru­
tivo comparar essa bibliografia com a que a mesma revista publicou em seu volume 11 (1977),
embora os critérios cronológicos e e numeração dos títulos sejam menos claros nesse último
caso. Cf. também A. COZZI, Coriginalità dei teismo trinitario. Bibliografia trinitaria. ScCort
123 (1995) 765-840.
11
O DEUS VIVO E VERDADEIRO
sua parte, comecem com facilidade a correr pelo vasto mundo em forma
de apontamentos de fiabilidade ao menos duvidosa. As conseqüências de­
sagradáveis que podem derivar desse fato são evidentes. Assim, oferecer
um ponto claro de referência, em primeiro lugar aos alunos, foi a primeira
finalidade que me propus ao compor este texto. Dar-me-ei por satisfeito se
alcançar esse objetivo. Se o esforço resultar também útil para outros, a
alegria será multiplicada.
Duas preocupações fundamentais guiaram-me na redação desta obra.
Em primeiro lugar oferecer suficiente informação positiva, sobretudo dos
principais dados do Novo Testamento, da Tradição e do Magistério da
Igreja sobre o mistério do Deus imo e trino que se revelou em Cristo, mas
também das principais contribuições sistemáticas sobre o tema, que orien­
taram na história a reflexão teológica ou exercem notável influência na
atualidade. A segunda preocupação foi articular esse abundante material
em uma síntese coerente que revele a relação intrínseca entre as diversas
questões estudadas. O mistério de Deus é incompreensível para nossa ra­
zão humana, mas isso não impede que o ensinamento que a Igreja nos
oferece sobre ele seja profundamente harmônico. Tbda reflexão teológica
deve tentar pôr em relevo essa coerência interna, o nexusmysteriarum de que
falava o Concílio Vaticano I (DS 3016), embora não seja possível, em muitos
casos, eliminar o paradoxo. Isso nos servirá de perene lembrança de que o
esforço crente para dar razão da esperança (lPd 3,15) não pode jamais con­
fundir-se com a pretensão de submeter tudo ao império de nossa razão.
Tomei do escrito mais antigo do Novo Testamento o título da obra (cf.
lTs 1,9). Esse é o Deus que, segundo Paulo, nós cristãos adoramos. A vida
e averdade (veracidade) são propriedades divinas que já o Antigo Testamen­
to destaca e que adquirem todo o seu significado na revelação de Jesus.
Não é preciso insistir na importância que o dado bíblico, em especial
o neotestamentário, deve ter em toda exposição teológica, e em particular
na matéria que nos propomos a estudar2.0 Novo Testamento dá testemu­
nho de Jesus, que nos dá a conhecer o Pai e, depois de sua ressurreição e
exaltação, envia sobre seus discípulos o Espírito que repousou sobre ele.
Dediquei bastante espaço à evolução doutrinal dos primeiros séculos, de
capital interesse em nosso tratado. Colocando-nos na grande tradição
ocidental, embora muito boas razões ecumênicas nos obriguem a dirigir
nosso olhar também para o Oriente, não se podia de modo algum prescin­
dir de dar amplo espaço à teologia trinitária de Sto. Agostinho e de Sto.
2. Servi-me, em geral, da tradução da Bíblia de Jerusalém.
12
PRÓLOGO
Tomás de Aquino. Antes de tudo, pela preocupação a que me referí de
oferecer suficiente informação histórica, sem a qual não se pode entender
a teologia do Ocidente, nem sequer a mais recente. Mas também, e sobre­
tudo, pelo valor intrínseco de muitas de suas intuições. Não há por que
pensar que tenha sido mera casualidade a influência predominante que ex­
erceram no passado e no presente. Ainda que não devamos dar a todas as
suas afirmações a mesma importância, não podemos prescindir de suas
contribuições decisivas. De qualquer modo, não serão essas as únicas vozes
que vamos escutar. Não se pode considerar, sem mais, superada a tradição
pré-nicena pelo desenvolvimento dogmático que precisou conceitos que
nos três primeiros séculos não se pôde conhecer. Anos de estudo me fami­
liarizaram com o pensamento de Hilário de Poitiers, ao qual o próprio
Sto. Agostinho dedicou tantos elogios3e que ainda continua freqüentemente
esquecido, apesar do valor que lhe reconhecem insignes especialistas45
. O
recurso aos capadócios, em especial a Basílio de Cesaréia, necessita de menos
justificação. Passando à Idade Média, não podemos esquecer a influência
que nos últimos tempos teve Ricardo de São Vítor: também temos que lhe
dar atenção, ainda que o que se escreveu sobre o modelo social da Trinda­
de requeira uma profunda revisão crítica.
Como se explicará com mais detalhe no primeiro capítulo, esta obra
pretende reunir os conteúdos clássicos dos tratados De Deo Uno e De Deo
Trino, porém com declarada preferência pelo segundo. Dedicaremos nossa
atenção aos conteúdos de fé da Igreja, e menos ao “contexto” em que essa
é hoje professada e testemunhada3. Não por menosprezo dessas questões
atuais, cuja importância não se pode desconhecer, senão pela consciência
dos limites pessoais e também pelo caráter que pretendi dar a esta obra. Só
a partir do conhecimento do núcleo central da fé cristã em um Deus uno
e trino pode-se estudar com possibilidades de êxito os outros problemas
que se relacionam intimamente com ele.
3. C , por ex., ContraJulianum 13,9 (PL 44,645); II, 8,28 (693); TrinVl 10 11(CCL
50, 241) Também Sto. TOMÁS fez um uso abundante de Hilário em seu tratado sobre a
Trindade na Summa.
4. A. ORBE, El estúdio de los Santos Padres em la fbrmarión sacerdotal, In: R.
LATOURELLE (ed.), VaticanoII:balanceyperspectivas. Vemtkincoanosdespues(1962-1987),
Salamanca, 1989, 1.037-1.046 (aqui 1.043): “Sem negar o valor a Sto. Ambrósio, sempre
será dogmaticamente mais instrutivo, embora mais difícil, Sto. Hilário. Quem domina ao
bispo de Poitiers, adianta-se muito na patrística. M uito mais do que se estendesse o campo
de estudos simultaneamente a todos os Padres ocidentais (exceto Sto. Agostinho)”.
5. Cf. A. AMATO (ed.) Trinhà in contesto, Roma, 1993; e também P. CODA; A.
TAPKEN (eds.), La Trinhà e ilpensare. Figure, procorsi, prospettive, Roma, 1997.
1 3
O DEUS VIVO E VERDADEIRO
Para que o volume pudesse manter-se dentro dos limites razoáveis em
obra desse gênero, tratei de ser sóbrio na exposição e de não multiplicar
referências bibliográficas, que serão facilmente acessíveis a partir das que
já se oferecem. Em contrapartida, fui mais generoso nas citações de auto­
res clássicos e modernos, pois creio que nada pode suprir o acesso direto
aos textos, que fica assim, pelo menos em parte, facilitado.
Esta obra foi possibilitada pelo estímulo e pela ajuda de muitos cole­
gas, amigos e alunos. Mencionarei especialmente duas pessoas que se pres­
taram ao incômodo de ler meus manuscritos, inclusive antes de sua prepa­
ração definitiva, e me animaram para suapublicação:Mons. Eugênio Romero
Pose, bispo auxiliar de Madri, e o Pe. Angel Antón, professor da Faculdade
de Teologia da Pontifícia Universidade Gregoriana. A ambos, como atantos
outros que não posso mencionar, vai minha gratidão mais sincera.
1 4
ABREVIATURAS
AAS Acta Apostolicae Sedis
AG Cone. Vaticano II, Decr. Ad Gentes.
Ang Angelicum (Roma)
Aug Augustinianum (Roma)
BAC Biblioteca de Autores Cristianos (Madri)
Cath Catholica (Münster)
CCL Corpus Christianorum. Series Latina (Tumhout)
CIC Catecismo de la Iglesia Católica
CSEL Corpus Scriptorum Ecclesiasticorum Latinorum (Viena)
DS Denziger-Schönmetzer, Enchiridion symbolorum, definitionum
et declarationum de rebusfidei et morum, Barcelona, M
1967.
DV Concilium Vaticanum II, Const. Dogm. Dei Verbum
EphThLov Ephemerides Theologicae Lovanienses (Bruges)
EstEcl Estúdios Eclesiásticos (Madri)
EstTrin Eistudios Trinitarios (Salamanca)
FP Fuentes Patrísticas (Madri)
GCS Die griechschen christlichen Schriftsteller der ersten drei
Jahrhundert (Leipzig)
Greg Gregorianum (Roma)
GS ConeVaticano II, Const, past. Gaudium et Spes
LG Cone. Vaticano II, C onst dogm. Lumen Gentium
LThK Lexiconfür Theologie und Kirche, Friburgo,21957-1965
MünThZ Münchener Theologische Zeitscrift (StOtilien)
MySal Mysterium Salutis. Fundamentos deIadogmática conto historia de
la salvación. Madri, 1969 ss.
NA Conc. Vit. D, Deel. Nostra Aetate
15
0 DEUS VIVO E VERDADEIRO
NRTh
PG
PL
RET
RevTh
RM
RSPhTh
RSR
RthLou
ScCat
SCh
TheolSt
TheoPhil
TWAT
WA
WiWe
ZThK
Nouvelle Revue Théologique (Lovaina)
Patrologia Graeca (Paris)
Patrologia Latina (Paris)
Reoista Espanola de Teologia (Madri)
Revue Thomiste (Paris)
Joäo Paulo H, Enc. Redemptoris Missio
Revue des Sciences Philosophiques et Théologiques(Paris)
Recherches de Science Religieuse (Paris)
Revue Théologique de Louvain (Lovaina)
La Scuola Cattolica (Miläo)
Sources Chrétiennes (Paris)
Theological Studies (Baltimore)
Theologie und Philosophie (Friburgo)
TheologischessWörterbuchzum Aken Testament, Stuttgart, 1973ss.
Martinho Lutero, Werke. Kritische Gesamtausgabe, Weimar,
1883-1949
Wissenschaft und Weisheit (Düsseldorf)
Zeitschift für Theologie und Kirche (Tübingen)
1 6
Questões preliminares
Introdução ao tratado
1
DEUS QUE SE REVELA COMO OBJETO PRIMÁRIO DA TEOLOGIA
Não parece difícil justificar que o tratado sobre Deus seja aquele que
mereça sobretudo e de modo mais estrito o qualificativo de “teológico”. E
claro que só a partir de todos os tratados teológicos podemos fazer uma
idéia global do mistério cristão, de Deus e da salvação que o Pai nos quer
outorgar emJesus Cristo, seu Filho, e no Espírito Santo.Mas não há dúvida
de que, estando diretamente ligadas a Deus mesmo as verdades que quis
revelar-nos para nossa salvação (cf. DV 2.6), corresponde a este tratado
uma prioridade sobre as outras questões que vão ser objeto de estudo da
teologia. Todas recebem sua luz do próprio Deus. No estudo do tratado de
Deus, achamo-nos assim no centro da teologia.
Já no começo de sua Suma teológica*, Sto. Tomás pergunta sobre a
necessidade de uma doutrina fundada na revelação, distinta por conse­
guinte das disciplinas filosóficas. A razão fundamental que apresenta para
justificar a eristên ria dessa doutrina é o fim do homem. Com efeito, o ser
humano ordena-se para Deus, um fim que excede a compreensão da razão.
A esse fim devem os homens ordenar suas ações para que possam alcançar
a salvação. Tem de ser, por conseguinte, um fim conhecido de antemão,
praecognitus, pelo homem. Por isso faz falta a doutrina fundada na revela­
ção, para que possam ser conhecidas pelo homem aquelas coisas que exce­
dem a razão e que se referem a seu fim último. Contudo, a revelação foi
necessária por um segundo motivo: até mesmo as verdades que o homem1
1. STh I, 1,1: “Utrum sit necessarium, praeter philosophicas disciplinas, aliam
doctrinam habere”. Cf. este artigo para o que vem a seguir.
19
QUESTÕES PRELIMINARES
pode conhecer pela luz da razão são difíceis, requerem muita investigação,
não estão ao alcance de todos: não se chega a esses conhecimentos sem a
mescla de muitos erros. Por isso foi necessário que a revelação divina ins­
truísse sobre eles. O Concílio Vaticano I, na Constituição Dei Filius, fez-
se eco dessas razões que Sto. Tomás já tinha aduzido (cf. DS 3.004-3.005).
No momento devido, voltaremos mais detidamente a esse ponto.
A necessidade ou a conveniência da revelação funda-se unicamente no
fim a que Deus destina o homem. Não setrata portanto de adquirirum novo
conhecimento por pura curiosidade. E um conhecimento, como diz o Con­
cílio Vaticano II (DV 6), que tem por objeto o próprio Deus e os decretos
eternos de sua vontade acerca da salvação dos homens. A necessidade do
conhecimento de Deus, fundada na revelação, baseia-se portanto no que é
o único fim do homem, àquilo que o serhumano tende mesmo sem conhecê-
lo e que é o único que pode acalmar a intranqüilidade de seu coração2.
O conhecimento que vem da revelação, que o homem aceita pela fé,
é, segundo a terminologia de Sto. Tomás, sacra doctrina, que, embora dife­
rente das demais disciplinas hum anas, merece o nome de “ciência”3. Essa
ciência especial tem a Deus por objeto, é theologia, “sermo de Deo”4. O
objeto dessa ciência tem a ver diretamente com a finalidade dela, isto é,
ajudar ao homem na consecução de seu fim, que é só Deus. A teologia tem
a ver, portanto, com Deus mesmo, porque embora se ocupe com outros
assuntos os estuda todos sub ratione Dei. Em todo caso, Deus é o tema da
teologia, seja porque ela trata diretamente do próprio Deus, seja porque se
ocupa das outras coisas enquanto se ordenam a Deus5. Portanto, o que nos
2. Agostinho, Conf. 11,1 (CCL 27,1) “Fedsti nos ad te et inquietam est cor nostrum
donee requiescat in te”.
3. STh, I 1,2: “Et hoc modo sacra doctrina est sdentia: quia procedit ex prindpiis
nods lumine superiore sdentiae, quae scilicet est sdentia Dei et beatorum”. De novo a
referenda a Deus é fundamental para determinar o caráter “científico” da teologia. Não
entramos evidentemente agora no complexo problema do caráter dentífico da teologia. Cf.
P.CODA, Teo-logia. Laparoladi DionelleparoledeWuomo. Epistemologútemetodologiateologica,
Roma, 1997,171-190.
4. STh. 1 1,7. A teologia tem a Deus por objeto, porém Deus, além disso, é de algum
modo seu “sujeito”. Parte da revelação, do que Deus mesmo nos diz, e tem como prindpio,
como recorda Sto. Tomás, a mesma dênda de Deus.
5. STh 1 1,7: “Omnia autem pertractantur in sacra doctrina sub ratione Dei vel quia
sunt ipse Deus, vel quia habetordinem ad Deum, ut ad prindpium et finem. Unde sequitur
quod Deus vere sit subjectum huius sdentiae. Quod etiam manifestum fit ex prindpiis
huius sdentiae, quae sunt articuli fidei, quae est de Deo” Bid. ad 2: “Omnia alia quae
determinantur in sacra doctrina, comprehenduntur sub Deo”.
2 0
INTRODUÇÃO AO TRATADO
propomos fazer é, no sentido mais estrito, sermo de Deo. Se nos aproxima­
mos de todos os temas teológicos com temor e tremor, com mais razão
desse tema. O esforço especulativo não pode separar-se da atitude de es­
cuta e de contemplação. Não se deve considerar tal atitude algo diverso da
teologia, mas antes é a que vai guiar o esforço teológico para que não se
desvie de seu autêntico objetivo, ajudar-nos na consecução de nosso fim
último que é Deus.
Vamos ocupar-nos em nosso tratado, seguindo a pauta do que até aqui
foi indicado, do Deus revelado em Cristo. A rica problemática atual sobre
Deus e a abertura do homem a ele só nos ocupará marginalmente, para
evitar repetições com tratados de teologia natural ou outras obras de índole
diversa que tratam espetificamente desse amplo complexo de problemas6.
Deveremos tomar como guia e base de nosso curso alguns textos
capitais do prólogo do Evangelho de João:
O Verbo se fez carne e pôs sua morada no meio de nós. E vimos sua glória,
glória que recebe do Pai como Filho único, cheio de graça e deverdade... De
sua plenitude todos nós recebemos, graça sobre graça. Se a lei foi dada por
Moisés, a graça e averdade vieram porJesus Cristo. A Deus nunca ninguém
viu; o Filho único que está no seio do Pai deu-o a conhecer (Jo 1,14.16-18).
Em sua vinda ao mundo, dando-nos a conhecer a glória que lhe
corresponde como Filho único do Pai,Jesus nos revelou Deus, que ninguém
pôde ver e que habita em uma luz inacessível atodo ser humano (cf. Ex 33,20;
lTm 6,16).Deu-nos aconhecê-loíãzendo-nosparticipantes de suavida, dando-
nos de sua plenitude, comunicando-nos sua graça e sua verdade. A revelação
de Deus em Cristo não é uma simples comunicação de "verdades”, mas com­
porta uma doação de sua própria vida. E uma autêntica “autocomunicação”
de Deus. Por esta razão, a atitude de fé é fundamental para o acesso a essa
revelação divina. Em Jesus não só podemos ver o Pai mas temos também 0
único caminho de chegar até ele (cf. Jo 14,6-9).
Daí o caráter teológico de nosso tratado, que quer partir da revelação
acontecida em Cristo e acolhida pela Igreja na fé7. N a realidade, todo
conhecimento que o homem pode ter de Deus, de um modo ou de outro,
6. Podemos remeter neste ponto, entre a enorme bibliografia, aJ. de S. LUCAS, La
búsqueda de Diosen el bmbre, Madrid, 1994; e aJ. ALFARO, De la cuestiondelbombrea la
cuestián de Dios, Salamanca, 1988.
7. Significativos ostítulos de alguns tratados que destacam esse aspecto:W. KASPER,
Der GottJesu Christi, Maiença, 1982; e recentemente L. SCHEFFCZYCK, Der Gott der
Offenbarung Gatteslehre, Aachen, 1996.
21
QUESTÕES PRELIMINARES
baseia-se no fato de que ele se deu a conhecer. Devemos estudar em seu
momento o problema teológico do acesso da razão humana a Deus. Por
ora, basta-nos sinalizar que toda busca de Deus por parte do homem tem
em Deus mesmo sua iniciativa, está guiada por sua providência e por sua
mão, ainda que não o saibamos89
. O mesmo conhecimento de Deus que o
homem pode adquirir a partir da criação vem do testemunho perene que
Deus dá de si (Vaticano II, DS 3). Além desse testemunho da criação, a
Constituição Dei Verbum 3 fala-nos de uma manifestação divina a nossos
primeiros pais, de nível mais elevado do que a criação mesma, em relação
com a salvação de uma ordem superior a que os destinava (supemaesalutis).
A revelação do Antigo Testamento ao povo escolhido é sem dúvida outro
passo no autodesvelamento de Deus: assim pôde ser reconhecido como
“Deus único, vivo everdadeiro; Pai providente e justo Juiz” (DV 3). Dessa
forma Deus foi preparando o caminho do Evangelho. Porém, só comJesus
Cristo a revelação chega à sua plenitude, porque o Verbo, que ilumina a
todos os homens, foi enviado pelo Pai para que “habitasse entre eles e lhes
revelasse os segredos de Deus” (DV 4)’.
A teologia tem por objeto Deus enquanto é o fim do homem, porque
a revelação que em Jesus alcança seu cumprimento não tem outro objeto
senão Deus e as verdades de nossa salvação. Temos portanto de olhar Jesus
para conhecer o Deus Pai. Revelando-nos o Deus como Pai, dá-nos a
conhecer-se ele mesmo como Filho. Podemos ter acesso a esse mistério no
Espírito de Deus, “porque ninguém pode dizer Jesus é o Senhor senão
no Espírito Santo” (ICor 12,3).
A revelação de Deus como Pai deJesus, que comporta a deJesus como
Filho de Deus e Deus também como o Pai, e a do Espírito Santo, dom do
Pai e deJesus que introduz na intimidade de sua vida, é a revelação do Deus
uno e trino. A doutrina da unidade divina na trindade e da trindade na uni­
dade que a Igreja desenvolveu é a conseqüência direta do Deus queJesus nos
deu a conhecer. Não estamos em um apêndice ou questão secundária da
teologia ou da fé, mas sim ante seu núcleo mais profundo, porque nos en­
frentamos com o mistério de Deus que se dá a conhecer como o único fim
ao qual o homem tende e no qual pode alcançar sua plenitude.
8.AGOSTINHO,SoliloquiorvmLIbid. 11,3 (PL. 32,870): “Deus, quem nemo quaerit
nisi admonitus”.
9. DV 4: “Com toda sua presença e manifestação, com suas palavras e suas obras,
sinais e milagres, e sobretudo com sua morte e ressurreição gloriosa dentre os mortos,
finalmente com o envio do Espírito de verdade, completa a revelação e confirma com o
testemunho divino que Deus vive conosco...”.
INTRODUÇÃO AO TRATADO
A ORIGINALIDADE DA NOÇÃO CRISTÃ DE DEUS
Na confissão do Deus uno e trino, temos por conseguinte o ponto
focal da fé cristã. Por uma parte, o cristianismo coloca-se ao lado das gran­
des religiões monoteístas: segue a tradição do Antigo Testamento e se
considera legítimo herdeiro da religião de Israel, em que a unidade e a
unicidade de Deus são a verdade fundamental (cf. Ex 20,lss.; Dt 6,4 etc.;
Mc 12,29;Jo 17,13). Depois do cristianismo veio o Islã, que manteve com
força o monoteísmo da tradição veterotestamentária, rejeitando como um
desvio a Trindade cristã.
Mas, predsamente porque o monoteísmo cristão, que devemos afir­
mar com todas as forças, é o do Deus trino, não pode ser identificado sem
mais com o do judaísmo e do Islã. A unidade última de Deus, a maior que
possamos pensar, é em si mesma plural101
1
. Daí se segue que, embora haja na
afirmação uma parte de verdade, não se pode afirmar sem matizes que o
Deus uno pode ser conhecido pela razão, enquanto a Trindade divina deve
ser objeto da revelação. Certamente, com a razão pode-se chegar ao co­
nhecimento do Deus uno, como também chegaram a essa idéia as outras
religiões mencionadas e talvez outras no mundo, sem a revelação definiti­
va em Cristo. Mas o Deus que se dá a conhecer em Jesus Cristo é o Deus
uno e trino. A unicidade não é unicamente um dado prévio para a revela­
ção cristã, mas recebe com ela um sentido novo e muito mais profundo. Não
há unidade divina sem trindade, e vice-versa. A unidade divina que o cris­
tianismo afirma é a unhas in Trinhate, enquanto não se pode entender a
Trindade sem ter em conta a unidade divina, Trinitas in jmhaten. O Deus
revelado em Cristo é, ao mesmo tempo, o Deus uno e o Deus trino.
Desde o começo temos que estar bem conscientes da grande origina­
lidade da visão cristã, que iremos desenvolvendo ao longo de nossa exposi­
ção. Isso não quer dizer que à margem da fé cristã nada se possa saber sobre
Deus. A própria fé nos diz o contrário. A revelação do Antigo Testamento
é parte integrante da mensagem cristã, ainda que só à luz de Jesus Cristo
receba seu sentido definitivo. Em muitas tradições culturais e religiões há
10. A teologia crista está sempre mais consciente desse problema: vamos abordá-lo
no capítulo 10 sobre a unidade de Deus. Cf. A. MANARANCHE, IImonoteísmo cristiam,
Brescia, 1988. Esse problema não deveria ser passado por alto no diálogo com judeus e
muçulmanos.
11. CONCÍLIO LATERANENSE, ano de 649 (DS 501): Si quis... non confitetur
trinitatem in unitate et unitatem in trinitate”. SCHEFFCZYCK, op. cit., 343ss.-344: a...
a fé cristã na Trindade entendeu-se sempre a si mesma como a forma mais elevada da fé em
um só Deus”. Cf. Gregório NAZIANZENO, Or. 25,17 (SCh 284, 198).
2 3
QUESTÕES PREUMINARES
sementes do Verbo, raios da verdade e presença do Espírito1
2
. Deus pode ser
conhecido pelas obras da criação (cf. Sb 13,1-9; Rm 1,19-23), que podem
levar com a luz da razão à certeza de sua existência (cf. DS 3.004). A fé cristã,
que não pode ser fruto de uma dedução racional, deve poder justificar-se
ante a razão mesma. Mas a profundidade do mistério de Deus só se conhece
com a revelação cristã em queJesus nos diz tudo o que ouviu de seu Pai (cf.
Jo 15,15). O reconhecimento da possibilidade de um verdadeiro conheci­
mento de Deus fora da fé não nos deve levar a minimizar a originalidade da
mensagem cristã e de sua visão de Deus. Só com base no mistério trinitário
é compreensível a encarnação, que Deus se faça homem e comparta nossa
condição em tudo menos no pecado (cf. Hb 4,25), até a morte, e morte de
cruz (F1 2,6-11), como igualmente só porque Deus é uno e trino podemos
pensar que introduz a nós, homens, na plenitude de sua vida.
Chegados a este ponto devemos dar um passo a mais: a revelação de
Deus em Jesus, a revelação cristã do Deus uno e trino, é um confronto com
um mistério cada vez maior. Com efeito, um Deus que se apresentasse como
simplesmente unipessoal seria mais fácil de entender, menos misterioso do
que nosso Deus uno e trino, revelado como tal na encarnação de seu Filho.
Não devemos pensar portanto que a revelação de Deus acontecida em Cris­
to nos “explique” o ser de Deus ou faça compreensível seu mistério: “O
Deus que envia seu Filho ao mundo, o Deus que manifesta seu amor entre-
gando-o à morte, mostra-se mais misterioso e inescrutável”1
3
. A revelação
cristã significa desse modo o confronto mais imediato com o mistério de
Deus14. Nisso se deve ver a definitividade da manifestação de Deus em Cris­
to. A maior proximidade de Deus significa a maior possibilidade de ver sua
grandeza inescrutável. Um mistério não é simplesmente o inconciliável com
nossa experiência, nem tampouco o que não conhecemos e talvez possamos
algum dia conhecer, mas o mistério é o próprio Deus, Deus é o mistério
12. Cf. VATICANO II, NA 2; AG 9,11; O T 16; JOÃO PAULO II, Redanptoris
Missio 28-29; 5S-S6; COMISSÃO TEOLÓGICA INTERNACIONAL, El Cristianismoy
las Religiones,Citú dei Vaticano, 1997,40-45.
13.JOÃO PAULO D, na audiência de 25-09-1985; cf. btsegnamentidi GiovanniPaolo
II, 8, 2 (1985) 764.
14. H. U. von BALTHASAR, Ttodramática 3. Laspersonas dei drama: el bombre tn
Cristo, Madri 1993,486: “Um Deus puramente transcendente (caso pudesse existir seme­
lhante Deus) seria um mistério abstrato, puramente negativo. Mas um Deus que em sua
transcendência pudesse ser também imanente é um mistério concreto e positivo: na me­
dida em que se aproxima de nós, começamos a reconhecer quando está elevado sobre
nós, e na medida em que se nos revela em verdade começamos a compreender quanto é
incompreensível”.
2 4
INTRODUÇÃO AO TRATADO
santo que tudo abarca. Quanto maior é a revelação de Deus, maior é seu
mistério, maior é o saber do não-saber, porque põe diante de nós a imensa
grandeza de Deus. £ tudo isso não é apesar da proximidade, mas justamen­
te por causa dela. Isso podia valer, também, para a própria visão beatífica:
O que se sabe de Deus, sabe-se enquanto incompreensível: o que sesabe de
Deus é verdadeiramente sabido no último do conhecimento humano, só
quando seu caráter misterioso se sabe do modo mais alto; o supremo conhe­
cimento é o conhecimento do mistério supremo enquanto talIs.
É por isso que a revelação do mistério de Deus em Cristo não nos
resolve a questão de Deus, mas o que faz é confrontar-nos com o mistério
que é o próprio Deus de maneira mais radical. Porém estamos confronta­
dos com ele enquanto ele mesmo se dá a nós, põe-se a nosso alcance,
enquanto nos acolhe. E a proximidade radical do mistério santo, não sua
distância, que nos faz captá-lo em todo o seu esplendor. Por isso temos em
Jesus a revelação do mistério de Deus, quando contemplamos a glória que
lhe corresponde como unigénito do Pai (cf.Jo 1,14). N o mistério de Cris­
to que nos revela o Pai, encontramo-nos com a expressão do mistério in­
sondável de Deus que, paradoxalmente, pode dar-se-nos a conhecer na
proximidade de seu Filho feito homem, pode fazer-se tanto mais próximo
de nós quanto maior é sua transcendência.
O mistério do amor de Deus é o conteúdo fundamental da revelação
divina. Tudo isso é um chamamento ao louvor, à adoração, não uma afir­
mação negativa. Porque o Deus que não podemos abarcar e que está mais
além e acima de nós volta-se para nós. A ocultação de Deus é a ocultação
de sua revelação, a ocultação de sua glória na paixão e morte de Jesus
Cristo, que é a máxima manifestação do amor de Deus pelos homens. A
revelação do mistério, que é a revelação de nossa salvação que não pode
senão o próprio Deus1
5
1
6
. A revelação do mistério de Deus, que é o próprio
Cristo, dá-nos a plenitude da sabedoria e do conhecimento “para que al­
cancem em toda sua riqueza a plena inteligência e perfeito conhecimento
15. K. RAHNER, Sobre o conceito de mistério na teologia católica, in Escritos de
teologia IV, Madri 1964, 53-101, aqui 83. Quem na tradição cristã acentuou muito esse
aspecto foi GREGÓRIO DE NISSA, De vita Mos. I I 162; 163 (SCh 1 bis, 210): “N isto
consiste o conhecimento verdadeiro do que buscamos: em ver o não-ver”; n 233 (266):
“Nisto consiste a verdadeira visão de Deus: em que quem o vê não se sacia nunca em seu
desejo de ver”: igualmente em 235; 239 (268;270).
16. Cf. W. KASPER, Der Gottjesu Christi, 165-167.
25
QUESTÕES PRELIMINARES
do mistério de Deus que é Cristo, no qual estão todos os tesouros da sa­
bedoria e do conhecimento” (Cl 2,2-3).
Isso é precisamente o que aparece em Jesus: o amor de Deus, maior
do que podemos pensar, manifestado aos homens. Deus amou tanto o
mundo que enviou seu único Filho 0o 3,16) para morrer por nós. E a
revelação do abismo do amor, a incompreensibilidade da proximidade in­
compreensível que, superando-as, responde no mais profundo às expectati­
vas do coração humano. Uma esperança que o homem sabe não poder con­
seguir por si mesmo, Tudo isso é precisamente a revelação do Deus uno e
trino. Um Deus que em sua incomparavelmente maior proximidade mani­
festa sua incomparável incompreensibilidade, e vice-versa. A revelação de
Deus é o mistério de nossa salvação, é a participação em sua própria vida.
Encontramo-nos aqui com o mistério do “Deus sempre maior”, liga­
do ao mistério do amor de Deus. No Novo Testamento, em particular nos
escritos de João, achamos diversas “definições” de Deus1
7
. Entre elas se
destaca a de ljo 4,8.16: “Deus é amor”1
8
. Toda a teologia trinitária pode
ser entendida como um comentário a essa frase, e na realidade não faremos
mais do que desentranhar seu sentido no curso de nossa exposição. Do
amor que se manifesta em Cristo a primeira carta deJoão chega a insinuar
que é o próprio Deus.
Aí está a definitiva novidade do conceito de Deus bíblico e sobretudo
cristão. O deus aristotélico é o motor imóvel, o fim de todas as coisas, o
que as atrai, o amado, mas não o amante1
9
, lòdo-perfeito, não pode amar,
porque amar é tendência a possuir. O Deus revelado em Cristo oferece-
nos a dimensão do amor como dom de si20. E a radicalidade do dom de si
a nós que nos evidencia a condição de inabarcável do Deus amor. O mis­
tério de Deus que sua revelação põe diante de nós é, antes de tudo, o
mistério de seu infinito amor. E esse amor que a doutrina trinitária da
17. A impropriedade do termo é de todo evidente. Deus é por definição o “Ilimita­
do”, o que não conhece o limite. Assim, segundo Jo 44,24, Deus é espírito: a noção de
espírito nos indica predsamente o incontrolável, o que o homem não pode abarcar. Segun­
do ljo 1,5, Deus é luz, noção que claramente aponta também a plenitude sem limites.
18. Cf. R. SCHNACKENBURG, CartasdeSanJüan, Barcelona, 1980,256-264, “El
amorcomo essenda de Dios”;T h SÖDING, “G ott ist Liebe”, ljoh. 4,8.16 als Spitzensatze
Biblischer Theologie, in ID. (Org.) Der lebendige Gott. Studien zur Theologie des Neuen
Testaments (Festschrift W. Thüsing), Münster, 1996, 306-357.
19. C fARISTÓTELES,Metafísica,XU, 7-9,1072-1074 (ed. G. Reale, 562-584) [Edição
brasileira: Metafísica, XU, 7-9,1072-1074 (ed. G. Reale, 561-577), São Paulo, Loyola, 2002.]
20. Cf. E JÜNGEL, Dias como mistério dei mundo, Salamanca, 1984,433 “A equipa­
ração ‘Deus é amor’ é uma afirmação que preserva a divindade de Deus”.
2 6
INTRODUÇÃO AO TRATADO
Igreja trata de aprofundar. Nada tem de particular portanto que os recen­
tes documentos da Igreja nos apresentem o mistério de Deus imo e trino
como o mistério central do cristianismo:
O mistério da Ssma. Trindade é o mistério central da fé e da vida cristãs. O
mistério de Deus em si mesmo. É, portanto, a fonte de todos os outros misté­
rios da fé, aluzque os ilumina. E o ensinamento mais fundamental da “hierar­
quia dasverdades”da fé. Ahistória dasalvação é amesmahistória do caminho
e do modo com que o Deus verdadeiro e uno, Pai, Filho e Espírito Santo, se
revela aos homens, separados pelo pecado, e os reconcilia e os une a Si2
1
.
Essa constatação nos conduz ao ponto seguinte que devemos tratar.
O CARÁTER CENTRAL DA FÉ NO DEUS UNO E TRINO
Se a fé nos diz que Deus é o único fim do homem, e nos mostra além
disso que a originalidade do conceito cristão sobre ele baseia-se em sua
característica última de ser o Deus amor, ou o Deus uno e trino, nada tem
de estranho que essa confissão constitua o centro da fé cristã. Segundo o
mandamento de Jesus em Mt 28,19, o batismo é administrado em nome
do Pai, do Filho e do Espírito Santo. Já esse fato mostra a relevância da fé
no Deus trino, pois em seu nome se entra na comunidade dos fiéis. As
antigas profissões de fé, os símbolos, têm em sua maioria uma estrutura
trinitária22. Pensemos em concreto no Símbolo apostólico e no niceno-
constantinopolitano. A confissão de fé no Pai, Filho e Espírito Santo pre­
cede em todo caso a profissão de outras verdades, quando essas são
21. CEC 234, trad. do CathecbismusCatbolicae Ecclesiae, Città dei Vaticano, 1997,71.
Repete-se a idéia de forma sintética no n° 261, acrescentando sigmfícadvamente a estrita
necessidade da revelação desse mistério para que possamos conhecê-lo. “O mistério da
Santíssima Trindade é o mistério central da fé e da vida cristã. Somente Deus pode dar-nos
a conhecer, revelando-se como Pai, Filho e Espírito Santo* (Ibid. 79). Outras confissões
cristãs confessam também essa centralidade do m istério de Deus uno e trino. Assim,
o Conselho Ecumênico das Igrejas define-se a si mesmo com estas palavras: “O Conselho
Ecumênico das Igrejas é uma sociedade fraterna (feüawsbip) de Igrejas que confessam ao
SenhorJesus Cristo como Deus e Salvador segundo as Escrituras e se esforçam por respon­
der juntas a sua comum vocação para glória do único Deus, Pai, Filho e Espírito Santo” (cf.
J. VERCRTJYSSE, Introduzione atta teologia ecumenica, Casale Monferrato 1992, 51).
22. Igualmente a “regra de féwapresentada pelos antigos escritores: cf. por ex.,
IRINEU,i4to. Haer. 110,1 (SCh 264,154-156); TERTULIANO, Adu. Prax. 2,2 (Scarpar,
144-146) etc.
2 7
q u e s t õ e s p r e l im in a r e s
introduzidas2
3
. Outras fórmulas têm uma estrutura bipartida, trinitário-
cristológica24.Nesses casos, a parte trinitária coloca-se em primeiro lugar. A
Trindade está no lugar central da liturgia cristã, na celebração da eucaristia
e dos outros sacramentos. A oração eucarística dirige-se sempre ao Pai25, e
termina com uma doxologia que menciona as três pessoas: “Por Cristo, com
Cristo em Cristo...”. As orações dirigem-se normalmente ao Pai por Jesus
Cristo, na unidade do Espírito Santo. A fórmula de louvor ao Pai pelo Filho,
no Espírito Santo deu lugar, para evitar interpretações subordinacionistas, à
que usamos com mais freqüência, “Glória ao Pai, ao Filho e ao Espírito
Santo”, que sublinha a igual dignidade das três pessoas26. A Trindade foi
posta também no centro da vida da Igreja no Concílio Vaticano II; a Igreja,
chamada à unidade: “Assim se manifesta toda a Igreja 'como uma multidão
reunida pela unidade do Pai e do Filho e do Espírito Santo’” (LG 4)27.
O que sem dúvida está no centro da fé e da vida da Igreja deveria estar
também no centro da consciência cristã. Só no contexto da doutrina
trinitária podemos entender a salvação de Cristo. Sem ela a cristologia fica
reduzida a mera funcionalidade que, no fim das contas, acaba por destruir
a função mesma. Porque reduzir nossa preocupação à significação deJesus
ou de Deus para nós, sem indagar sobre o que são em si mesmos, equivale
a perder de vista o sentido mesmo da salvação cristã. Se não nos preocu­
pamos pelo que é em si mesmo o mistério divino do Pai que nos envia seu
Filho e o Espírito Santo e da unidade dos três que são um único Deus, por
que temos de atribuir a Cristo um caráter definitivo e insuperável? Em que
relação intrínseca com o mistério de Cristo se acha o dom do Espírito? Por
que em Cristo se realizou a salvação de todos os homens? Em que consiste,
em último termo, essa salvação tantas vezes caracterizada como participa­
ção na vida divina? Todas essas questões não são de pouca importância e
23. Cf. os exemplos aduzidos em DS 1-64. Alguns desses símbolos têm uma forma
interrogativa, que reflete o mesmo esquema (cf. DS 36,61-64).
24. Cf. DS 71-75. Especialmente importante entre esses símbolos é o chamado
Quicumque, DS 75, provavelmente da primeira metade do século V
25. Segundo a antíga fórmula do Concílio de Hipona (ano 393): “cum altari adsisntur
semper ad Patrem dirigatur oratio”. Cf. B. NEUNHAUSER, “Cum altariadsistitursemper
ad Patrem dirigatur oratio”Der Kanon 21 des Konzils vm Hippo 393. Seine Bedeutuag und
Nadrairkung, Aug. 25 (1985) 105-119.
26. Cf. BASÍLIO de Cesaréia, De Spiritu Sancto, I 3 (SCh 17 bis, 256). Ambas as
fórmulas são corretas segundo o bispo de Cesaréia.
27. Cf. CIPRIANO, De orat. dom. 23 (PL 4.553); AGOSTINHO, Sermo 71,20-33
(PL 38,463s);João DAMASCENO,Ado. lconocl. 12 (PG 96,1.358). VerN. SILANES, La
Iglesia de !a Trinidad. La Ss. Trmidad en el Vaticano U, Salamanca, 1981.
2 8
INTRODUÇÃO AO TRATADO
não podem ser respondidas sem uma visão adequada do mistério do Deus
uno e trino. Chegamos ao mistério de Deus através da história da salvação,
mas ao mesmo tempo a exigência de esclarecer esse mistério vem da pró­
pria historia salutis, que ficaria sem fundamento sem essa consideração do
que é Deus em si mesmo.
O “ESQUECIMENTO” DATRINDADE
A doutrina cristã de Deus estará sempre em busca de um equilíbrio
entre a unidade e a trindade divinas. Nem um Deus simplesmente monádico
nem um triteísmo são compatíveis com a revelação do Novo Testamento.
Manter a justa tensão entre esses dois pólos não foi, nem é ainda hoje, uma
tarefa facil. É um fato que no mundo ocidental não foram sempre felizes a
pregação e a catequese sobre o Deus uno e trino. ATrindade divina foi vista
simplesmente como o mistério incompreensível, mais do que como funda­
mento e princípio de nossa salvação. Na mesma teologia, a doutrina da
Trindade sofreu em algumas épocas um certo “afastamento”: uma vez afir­
mado que Deus é uno e trino, depois praticamente se deixou de lado, ou
ao menos não teve muitas repercussões no desenvolvimento de boa parte
dasmatérias restantes28.Nem sempre resultou facilvero sentido desse ensina­
mento. Não há dúvida de que em certos momentos da história produziu-se
em amplos estratos de crentes uma certa diminuição do sentido da origina­
lidade do monoteísmo cristão, da visão cristã de Deus.
Diversos fatores contribuíram para esse resultado. A Ilustração bus­
cou a razão universal, criticou a religião histórica e concretamente o cristia­
nismo: como poderia a salvação de todos depender de um acontecimento
concreto que muitos não chegaram a conhecer e nem tiveram a possibili­
dade mais remota de fazê-lo? Não é injustiça da parte de Deus, que deixa
que grande parte dos homens ignorem Cristo?29Tudo isso leva necessaria-
28. Cf. Karl RAHNER, Advertendas sobre el tratado dogmático “De Trinitate”, in
Escritosde TeologiaIV, Madrid, 1964, 105-136, esp. 107-110. Asituação descrita pelo teó­
logo alemão já não corresponde, felizmente, ao momento atual. Também em 1981 a Co­
missão Teológica Intemadonal, em seu documento Teologia - Cristologia - Antropologia,
observava que a Trindade não era sufidentemente levada em conta pelos autores da neo-
escolástica “para entender a Encarnação e a divinização do homem”.Cf. COMISSÃO TEO­
LÓGICA INTERNACIONAL, Documentos 1980-1985, Toledo, s. f., 12. Veja-se ainda o
texto latino, Theologia-Christologia-Anthropologia, in Greg 64 (1983) 5-24,10.
29. Essa pergunta e outrassemelhantesasformulavaJ.J. Rousseau.C f E A SULLIVAN,
Sahation outside tbe Cburtb? Tracmg bistoryofcatbolicresponse, New York, 1992,104-108.
2 9
QUESTÕES PRELIMINARES
m ente à desvalorização do cristianismo e de toda religião positiva. Esta
será necessariamente algo secundário, o verdadeiramente importante é a
religião da razão. Dela nos vêm as maiores idéias sobre Deus.
Significativo também a esse respeito Immanuel Kant, que expôs suas
idéias sobretudo em sua “A religião dentro dos limites da pura razão” (Die
Religion innerbalb der Grenzen der reinen Vemunfi). A verdadeira Igreja há
de ser algo universal, não pode fundar-se sobre uma revelação histórica,
que será necessariamente particular. Portanto, só a fé religiosa pura, fun­
dada na razão, pode ser reconhecida como verdadeira3
0
. O que a religião
declara como mistério pode reduzir-se à razão somente, e especialmente à
sua dimensão moral. Quando há textos bíblicos que não somente superam
a razão, mas podem ser considerados contraditórios perante a razão práti­
ca, devem ser interpretados em favor dessa última. Isso acontece com a
Trindade: “Da doutrina da Trindade simplesmente nada se pode tirar para
a vida prática, inclusive se se acreditasse entendê-la imediatamente: mas
muito menos ainda quando se está convencido de que supera nossos con­
ceitos”. Se em Deus há três ou dez pessoas, resulta indiferente, porque
“dessa diferença não se pode tirar nenhuma regra diversa para o compor­
tamento”31. Impõe-se portanto uma interpretação puramente racional da
Trindade, já que esse ensinamento não só supera, mas contradiz a razão
prática. Daí que aquilo que a doutrina cristã do Deus uno e trino chama
três pessoas são unicamente esses três atributos de Deus, que é santo,
benévolo e justo: enquanto criador do céu e da terra é o legislador san­
to; enquanto rege e sustém o gênero humano, é benévolo; e é o juiz justo,
que faz cumprir suas leis santas32. A Trindade reconduz-se desse modo à
exigência prática da “vocação”, da “satisfação” e da “eleição” por parte de
Deus. “Vocação”: os homens são chamados a um estado divino não por
dependência devida à criação, mas por uma lei da liberdade. “Satisfação”:
porque o homem está moralmente corrompido, e portanto precisa que
Deus compense o que falta às capacidades humanas. Exigência da “elei­
ção”: pela qual Deus dá uma graça celestial não por mérito do homem,
mas por seu decreto incondicionado33.
No único ser supremo, unipessoal embora com pluralidade de atri­
butos, adora-se o Pai enquanto ama os homens, ao Filho enquanto se faz
modelo para a humanidade, ao Espírito Santo enquanto busca o acor­
do e o consenso entre os homens e mostra um amor fundado na sabedo­
30. Cf. I. KANT, Die Religion... in Gesammelte Werke, Berlim, 1913, v. VI, 115.
31. Id., Der Streit der Fakultäten, in Gesammelte Werke, VII, 38-39.
32. Id., Die Religion..., 139ss.
33. Ibid., 142ss.
3 0
INTRODUÇÃO AO TRATADO
ria343
5
. Falar de um Deus em três pessoas seria politeísmo; não se trata portan­
to de três pessoas, mas de uma pessoa tríplice, enquantornnrmum ens,swttma
intelligentia, sumrnum bonum15. E claro com esses pressupostos queJesus não
pode ser Deus, em sentido estrito, senão "homem divino”, o ideal sublime
de virtude inato em nossa razão. Com efeito, "na manifestação do Deus-
homem não é o que se apresenta aos sentidos ou pode ser conhecido por
experiência, senão o modelo existente em nossa razão o que constitui pro­
priamente o objeto da fé santificante”363
7
. Parece por conseguinte que a própria
figura histórica de Jesus é considerada, em último termo, irrelevante.
Não é nosso intento desenvolver agora a filosofia k an tian a da reli­
gião, mas somente aduzir um exemplo significativo para ver como a teo­
logia trinitária é a primeira a desaparecer quando se trata de buscar um
deus e uma religião válidos para todos e submetidos àsleis da razão erigidas
em norma suprema. Certamente a Igreja combateu esse racionalismo, mas
a necessidade da luta leva às vezes ao terreno do adversário. A preocupação
apologética obriga a manter-se em um terreno de noções comuns, e assim
a peculiaridade do Deus cristão fica relegada a um segundo momento,
uma vez que se mostrou que a revelação de Deus é possível; os conteúdos
dessa revelação, e em concreto as características do Deus que se dá a co­
nhecer na encarnação, não aparecem no primeiro plano desse confronto5
7
.
Uma determinada concepção da relação entre a natureza e a graça pode ter
ajudado essavisão das coisas. A natureza, e com ela o conceito de Deus que
pela razão se pode alcançar, teria um sentido em si mesma; a revelação
sobrenatural vem acrescentar novos conteúdos a um horizonte que perse
34. Ibid., 145ss.
35. Cf. A. MILANO, La 11111112dei teologi e dei filosofi, in A. PAVAN; A. MILANO
(ed.), Persona epersonalismi, Nápoles, 1987, 120.
36. KANT, op. cit-, 139. E em Der Streit der Fakultäten, in Gesammelte Werke, VH,
39: “A situação é exatamente a mesma (como a da Trindade) para a doutrina da encarnação
de uma pessoa da divindade. Pois se esse Deus-homem não se apresentou como a idéia da
humanidade que desde a eternidade se encontra em Deus em sua completa perfeição moral
e a ele grata... senão como a divindade que habita corporalmente em um homem real e que
nele atua como uma segunda natureza, então esse mistério não tem nenhuma relevância
para nós, porque não podemos pretender de nós mesmos que devamos agir igual a um
Deus, e portanto não pode ser para nós um exemplo”.
37. Cf. R. LATOURELLE, Teologiadela Revelaáán, Salamanca, 1969,242ss. Segun­
do ele, os tratados sobre a revelação dos começos do século XX “passam rapidamente a
tratar do problema da possibilidade da revelação, sem dar-se conta de que não se trata de
uma revelação qualquer, mas de uma revelação específica, que nos chega pelas vias da his­
tória e da encarnação”. O. GONZÁLEZ DE CARDEDAL, La entraria dei cristianismo,
Salamanca, 1997,71: “Os teólogos, querendo refutar essa imagem de Deus, ficaram presos
a ela, por aceitar os pressupostos do debate”.
31
QUESTÕES PRELIMINARES
teria um sentido suficiente. Assim, a Trindade viria acrescentar-se a uma
noção de Deus uno que em si mesmo poderia ser considerado um fim
natural do homem. Foi a crise dessa idéia racional de Deus, o aparecimen­
to do ateísmo, que pôs em primeiro plano o interesse pela Trindade, a
idéia genuinamente cristã do Deus amor.
Mas a questão do relativo esquecimento do dogma trinitário tem tam­
bém raízes intrateológicas mais antigas. A teologia pré-nicena foi enorme­
mente trinitária em suas formulações, e sobretudo ao considerar o desen­
volvimento da economia salvífica. Mas não foi sempre de todo clara, ao
menos para os momentos posteriores, sobre todas as implicações do dogma
trinitário, em particular no que respeita à igual dignidade das pessoas. Isso
levava essa grande teologia a algumas posições que do ponto de vista dos
desenvolvimentos que se seguiram pôde ser acusada de certa ambigüidade.
Em concreto, a tendência a considerar o Filho e o Espírito Santo em certo
sentido “subordinados” ao Pai, embora sua condição divina fosse clara­
mente afirmada. A crise ariana obrigou a uma profunda reformulação da
questão. A negação da divindade do Filho (e do Espírito Santo) significava
a volta a um monoteísmo em que só havia lugar para uma pessoa divina, a
do Pai. A afirmação ortodoxa da divindade do Filho e do Espírito Santo
levou a uma forte acentuação da unidade da essência divina, manifestada
na unidade das atuações ad extra. Eliminado radicalmente da teologia o
problema do subordinacionismo, surge o da relevância do dogma trim táno
e sua vinculação com a história da salvação38. A afirmação legítima e neces­
sária da unidade pôde trazer consigo um certo esquecimento da relevância,
que também na sua atuação ad extra a respeito de nós, têm as distintas
pessoas do único Deus39. A insistência na unidade da essência do único
Deus e na igualdade das três pessoas não pode fazer esquecer a distinção
entre elas, que faz possível a própria história da salvação e portanto se
reflete nela. O único Deus que nós, cristãos, professamos há de aparecer
desde o primeiro instante como o Deus trino, que se mostra tal em suas
relações conosco. Um só Deus e um só princípio das criaturas não quer
dizer um princípio indiferenciado. Se dizemos com o CIC (cf. nota 26)
que a Trindade ilum ina todos os momentos da fé, isso deveria ter conse­
quências em cada um dos temas teológicos.
38. Sobre esse conjunto de problemas ver G. ANGELINI, II tema trimtáno nella
teologia scolastica, ScCat 116 (1990) 31-67.
39. Um exemplo desse esquecimento relativo. Sto. TOMAS (STh Dl 23,2) chega a
afirmar que a invocação do “Pai nosso” dirige-se às três pessoas divinas e que convém à
Trindade inteira a adoção dos homens como filhos de Deus. Cf. AGOSTINHO, Trm V,
11,12 (CCL 50, 219).
3 2
INTRODUÇÃO A O TRATADO
SOBRE A ESTRUTURA DO TRATADO
Já não é habitual nos recentes manuais a distinção clássica entre uma
parte dedicada ao De Deo uno e outra ao De Deo trino*0, que deriva em
último termo da sistemática de Sto. Tomás, que trata primeiro do que
corresponde à essência de Deus e depois da distinção das pessoas4
0
41.
Essa divisão fez fortuna durante séculos. Acentuada na época do Re­
nascimento e do Barroco, pôde facilmente dar a impressão de ser tributá­
ria de uma distinção demasiado drástica entre as verdades alcançáveis pela
razão e as que só podem ser conhecidas pela revelação divina. No tratado
De Deo uno estuda-se a essência divina, seus atributos, a cognoscibilidade
de Deus etc. Assim, a primeira parte do tratado e ainda, de certo modo, a
segunda, enquanto a primeira deu o "tom” da exposição, centram-se no
“em-si” de Deus, com pouca relação com o mistério salvífico. Esse tratado
converteu-se em grande medida em tratado filosófico424
3
. Uma vez que se
tratou de recuperar o seu conteúdo teológico, insiste-se muito na revela­
ção de Deus no Antigo Testamento. Mas resulta demasiado simples e por
isso inexata a divisão entre a revelação do Deus uno no Antigo Testamento
e do Deus trino no Novo. Porque a revelação da Trindade é um aprofun­
damento da mesma unidade divina, não algo que a ela se justaponha. En­
tão, a divisão dos dois tratados, do Deus uno e do Deus trino, parece muito
mais difícil, para não dizer impossível. De outro lado, algumas das partes
clássicas do tratado De Deo Uno, em concreto os atributos ou propriedades
divinas, entendem-se melhor se se tem presente o Deus trino, em comu­
nhão de pessoas, e não só uma abstrata essência divina41; sobre o ser dessa
última reflete-se melhor uma vez que se sabe que a possuem o Pai, o Filho
e o Espírito Santo. A crescente preocupação, de outro lado, por partir da
"história da salvação”, e portanto da revelação de Deus em Jesus, faz que
40. A distinção se mantém muito claramente, também no título, em J. AL ROVIRA
BELLOSO, TratadodeDiasimoy trino, Salamanca, 1993.Mantém-se uma distição em alguns
manuais que recolhe toda a dogmática. Assim: G. L. MÜLLER, KatholischeDogmatik. Für
StudiumundPraxisder Theologie, Freiburg-Basel-Wien, 21996, embora não responda à divi­
são habitual entre Deus uno e trino. Cf. nota 46 a seguir.
41. Cf. STb 1,2, prol.; Sto. Tomás é conseqüente com essa distinção no desenvolvi­
mento de seu tratado. Todavia Pedro LOMBARDO, Uber Sentetiarum I, combina as ma­
térias que com o tempo vieram a ser os tratados De Deo uno e De Deo trino.
42. Cf. A STAGLIANÒ, II mistero dei Dio vivente, Bologna, 1996,320.
43. Interessantes, nesse sentido, as posições dej. AUER, Gott-derEineundDreieine,
Regensburg, 1978; L. SCHEFFCZYCK, Der Gott der Offenbarung. Gotteslehre, Aachen
1996.
3 3
Qu e s t õ e s p r e l im in a r e s
essa divisão fique mais difícil. Seguindo portanto a linha preponderante
nos últimos tempos, trataremos de integrar os dois âmbitos de problemas,
dando uma preferência muito clara e marcada aos que pertencem ao De
Deo trino na distinção tradicional. Mas trataremos de fazer ver, como tra­
dicionalmente se fez, que a trindade e a unidade divinas são dois aspectos
igualmente originais do ser de Deus, e que nunca podem separar-se um do
outro. Dirigimos nossa atenção desde o primeiro instante ao Deus uno e
trino, “triúno”44.
Nosso ponto de partida sistemático será arevelação de Deus em Cristo.
N ão há outro modo de chegar ao mistério profundo do verdadeiro Deus,
como já indicamos. Na vida de Jesus, na revelação da “Trindade econômi­
ca” abre-se-nos o mistério da “Trindade imanente”. Depois de uma refle­
xão sistemática sobre a Trindade econômica e imanente, dirigiremos a
atenção para a manifestação da Trindade na vida de Jesus na primeira co­
munidade cristã. A evolução das doutrinas trinitárias até o segundo concí­
lio de Constantinopla e os concílios medievais será o passo seguinte. Mas
deixaremos o estudo de Sto. Agostinho e dos grandes teólogos medievais
para o momento da reflexão sistemática, que iniciaremos com as noções
clássicas de processões e relações, que nos abrirão o passo ao estudo da
pessoa, noção central da teologia trinitária. Estudaremos as noções clássi­
cas e os problemas modernos em tomo desse conceito. Daí poderemos
passar ao sentido da afirmação de três pessoas no Deus uno. O Deus Pai,
o Filho e o Espírito Santo, em suas propriedade pessoais, serão objeto de
estudo a seguir. Só depois veremos brevemente a unidade da essência di­
vina, as propriedades de Deus, o conhecimento natural de Deus e a lingua­
gem da analogia. Penso, com efeito, que uma vez estudada a trindade de
pessoas é mais facil abordar a questão da essência divina e das propriedades
de Deus. Trata-se da essência possuída pelas três pessoas e das proprie­
dades do Deus que em si mesmo é amor e comunhão45.
44. A palavra que normalmente indica a Trindade em alemão é Dreieinigkeit. Com­
binam-se portanto unidade e trindade no mesmo vocábulo. Nas línguas latinas deve-se
recorrer a neologismos para exprimir a idéia. Cf. W. KASPER, Der Gottjesu Christi,Mainz,
1982,381 (“Der eine Gott ist dreieine”). G. GRESHAKE, DerdreieineGott. Einetrinitariscbe
Theologie, Freiburg-Basel-Wien, 1997.
45. Não sigo a opinião que tende a significar o Deus uno com o Pai. São dados os
resultados do artigo de K. RAHNER, Theos im Neuen Testament, Theos em el Nuevo
Testamento, in Escritosde teologiaI, Madrid, 1963, 93-167, sobre o fato de que Deus signi­
fica no Novo Testamento o Pai, e que esse seja o Deus do Antigo Testamento. Daí não se
segue que tudo o que se deve dizer do Deus imo se diga simplesmente do Pai. O Pai não
é mais do que sua relação com o Filho e o Espírito e os três constituem o único Deus. Cf.
mais adiante os incisos dedicados ao Pai e à unidade divina (capítulos 10 e 11).
3 4
INTRODUÇÃO AO TRATADO
O TRATADO SOBRE DEUS NA SISTEMÁTICA TEOLÓGICA
Deus é o princípio e o fim de tudo, o Alfa e o Omega. Esses dois as­
pectos de uma só verdade hão de ver-se em sua mútua relação e tensão. Por
isso há quem tenda a ver a Trindade como o final e a coroa de toda a
dogmática, e há quem prefira vê-la no começo, por constituir a origem e
o princípio de todos os demais mistérios que só podem ser entendidos à
luz desse mistério fontal. Toda sistemática é limitada, todas oferecem van­
tagens e inconvenientes, e de fato vemos que não há unanimidade nas
recentes obras de conjunto e nas coleções, embora prevaleça a tendência
de colocar o tratado de Deus no começo da dogmática46. A presente obra
não se situa em nenhum plano de conjunto, e assim esse problema é aqui
relativamente secundário. Mas penso que há boas razões para colocar esse
tratado nos começos dos estudos teológicos, e em íntima relação com a
cristologia47. Creio acertadas as razões expostas por W. Kasper nas páginas
finais de seu tratado teológico Der Gottjesu Christi (O Deus deJesus Cris­
to)48:o tratado sobre Deus trino deve ser colocado no começo da dogmática,
porque nele se trata o tema que depois, em múltiplas variações, tomará a
sair à luz. Faz-se temático o tema, dos muitos temas da dogmática. E de
46. Assim em Th. SCHNEIDER (ed.) Handbuch der Dogmatik, Düsseldorf, 1992, 2
vols., a Trindade aparece no final, ainda que precedida por um tratado sobre Deus. A
coleção que se começa a publicar Katoliscbe Dogmatik de L. SCHEFFCZYCK e A.
ZIEGENAUS, coloca o tratado de Deus (cf. n. 7), o primeiro publicado, no volume 2 da
série, depois da Introdução. Disposição semelhante adotaram em seu tempo J. AUER e J.
RATZINGER, KleinekatholischeDogmatik. O tratado de Deus aparece também no começo
da dogmática em Mysteriumsakuis. W. PANNENBERG colocou-o também no começo da
dogmática em sua SystematischeTheologie. G. I. MÜLLER, KatholischeDogmatikfürStudium
undPraxis der Theologie, Friburg-Basel-Wien, 1996, coloca um capítulo sobre a relação de
Deus criador como o Deus de Israel e o Pai de Jesus, depois da antropologia e da criação;
seguem a cristologia e a pneumatologia, e depois desses tratados a Trindade vem a signi­
ficar uma espécie de conclusão de um bloco teológico-cristológico, antes de mariologia,
escatologia, eclesiologia e sacramentos. Também W. BETNERT (ed.), Glaubenszugänge,
Lehrbuchderkatb. Dogmatik, Paderbon-München-Wien-Zürich, 1995, coloca o tratado de
Deus no começo, combinando as matérias dos tratados tradicionais (W. BREUNING,
Gotteslebre, v. I, 201-362). A coleção Sapienúa Fidei a coloca no começo dos tratados dog­
máticos. O Corsodi TeologiaSistemática a situa depois do volume introdutório e da teologia
fundamental. B. LAURET e F. REFOULÉ (eds.), Initiation à la pratique de la Tbéologie,
Paris, 1982, 5 vols., a colocam ao final da dogmática (vol. 3, 225-276). Sobre alguns aspec­
tos da história da questão pode-se ver SCHEFFCZYCK, op. cit., 206-210.
47. Cf. G. COLOMBO, “Teocentrismo” e acristocentrismo, Teologia6 (1991) 293-
306. “Não se pode falar do Deus cristão ignorandoJesus Cristo, nem se pode falar de Jesus
Cristo antes que de Deus”.
48. Cf. o n. 44 especialmente nas páginas 379-380 da obra.
QUESTÕES PRELIMINARES
alguma maneira a gramática dos demais temas da dogmática, a afirmação
fundamental da teologia (Grundsatz) que não pode nunca converter-se em
um acréscimo (Zusatz) a ela. Deve-se correr o risco de que nem tudo seja,
no inído, bem compreendido. Quanto ao mais, muitos dos temas objeto
de estudo não ficarão nesse tratado esgotados de uma vez por todas. Será
preciso voltar a eles em outras ocasiões49.
Deve-se buscar que o tratado de Deus revelado em Cristo não seja
uma especulação vazia de sentido para a vida. Deve-se ver em todo mo­
mento a relevância teológica das diversas afirmações no contexto da fé da
Igreja e da vida cristã. E, como insinuamos, teremos de abrir-nos constan­
temente à adoração do mistério santo que não podemos abarcar. Mas, ao
mesmo tempo, não se deve evitar as dificuldades inerentes à matéria que é
objeto de estudo. A fé procura entender não por um exercício especulativo
supérfluo, mas porque quer crer mais a fundo e quer dar melhor razão de
nossa esperança. É a fé que leva à compreensão (crede ta intelligas) mas tal
compreensão, se for correta, não pode deixar de enriquecer a própria fé
(inteüige ut credos). E o exercício da inteligência, nesse como em todos os
campos teológicos, tem seus momentos de dificuldade ede aridez.Tampouco
nós podemos poupar-nos deles. Só com esforço descobriremos as grandes
intuições dos que nos precederam, para sentir-nos assim mais iluminados
pelo mistério de amor que nos envolve, e o mesmo tempo conhecermos
melhor o Deus em quem “vivemos, nos movemos e somos” (At 17,28).
49. W. PANNENBERG, TeologiasistemáticaI, M adri 1992,362: “A doutrina da cria­
ção, a cristologia e a doutrina da reconciliação, a eclesiologia e a escatologia, tudo forma
parte do desenvolvimento completo da doutrina da Trindade... E inversamente, a doutrina
trinitária de Deus é um resumo antecipado de toda a dogmática cristã”.
3 6
A relação entre a Trindade “econômica”
e a Trindade “imanente”
2
DA TRINDADE ECONÔMICA ÀTRINDADE IMANENTE
A breve introdução ao tratado nos mostrou que só com a revelação
acontecida em Cristo temos acesso ao conhecimento do Deus uno e trino.
Nosso ponto de partida não pode ser outro senão a economia salvífica e,
em concreto, o que o Novo Testamento nos diz sobre Jesus, que, revelan­
do-nos o Pai, se nos dá a conhecer como Filho e que, depois de sua ressur­
reição, envia-nos, da parte do Pai, o Espírito Santo que desceu sobre ele
no batismo e na força do qual cumpriu sua missão. A “economia” é portan­
to o único caminho para o conhecimento da “teologia”1
. Uma breve reflexão
sobre a relaçao entre as duas vai ajudar-nos a entrar com mais conheci­
mento de causa no estudo da história da revelação trinitária.
A relação entre a economia e a teologia foi muito discutida na teolo­
gia nos últimos tempos. Ocasião para isso foi a formulação de K. Rahner
do chamado “axioma fundamental” da teologia trinitária: “a Trindade eco­
nômica é a Trindade imanente, e vice-versa”2. Ou, em outras palavras:
1. A primeira é com freqüência chamada, em latim, disposido, dispensatio. Cf. Cate­
cismodaIgreja Católica,, n. 236, que se refere a essa antiga distinção dos Padres. Há que notar
de todas as maneiras, como veremos em seu momento, que essas palavras nem sempre são
utilizadas no mesmo sentido.
2 .0 Deus trino como princípio e fundamento transcendente da história da salvação,
em AfySn/II/I, M adri (1969) 359-449, aqui 370. Cf. também, para o que segue, Ibid. 370-
371.Ja antes K. RAHNER tinha exposto ideias parecidas nas Advertências sobre o tratado
dogmático DeTrmitate em Escritosde Teologia, Madrid, 1964, v. IV, 105-136. Não expomos
aqui simplesmente a doutrina de Rahner, mas, tomando como ponto de partida suas re­
flexões e as discussões a que deu lugar, tratamos de esclarecer a questão do conhecimento
da Trindade divina a partir da revelação dela na história da salvação.
3 7
QUESTÕES PRELIMINARES
Deus uno e trino revela-se na “economia”, tal como é sua vida imanente:
através da revelação de Cristo temos um verdadeiro acesso à “teologia”. A
formulação desse princípio e a discussão a que deu lugar produziram uma
renovada tomada de consciência na teologia dessa verdade já antiga: só a
partir da revelação acontecida em Cristo tem sentido que falemos do Deus
trino. Dissemos que a verdade é antiga: a Trindade é uma verdade de fé,
irredutível a partir de qualquer conhecimento de Deus que possamos ad­
quirir a partir das coisas criadas: assim o considera explicitamente, entre
muito outros, Tomás de Aquino5. E evidente que não podemos considerar
as coisas de outra maneira. Os esforços iniciados por Agostinho, e que
continuaram na teologia medieval, por encontrar nas realidades criadas
pegadas — vestigu? — da Trindade, que às vezes dão a impressão de ser
deduções racionais, são com freqüênda tentativas de explicação que su­
põem o universo da fé, que certamente não podemos compreender com
nossas categorias atuais5. Podem contudo mostrar, à luz da fé em Jesus,
que o Deus uno e trino do qual tudo procede não está longe de nós nem
de nosso mundo: permanecendo o princípio da indedutibilidade da Trin­
dade a partir da criação, podemos encontrar em nossa experiência humana
elementos que, ao ser iluminados pela fé, nos abrem ao menos inicialmen­
te para o sentido profundo do que somos. As “sementes do Verbo”, os
fragmentos da verdade que o Logos derramou no mundo6têm a ver cer-
tamente também com a Trindade, ainda que não a dêem a conhecer expli­
citamente.
“A Deus ninguém viu, o Filho unigénito que está no seio do Pai no-
lo deu a conhecer” (Jo 1,18; cf. lTm 6,16). A revelação do mistério de
Deus em toda a sua profundidade acontece unicamente em Jesus. Só pela
fé nele temos acesso a esse mistério, só se cremos nele como o Filho de
Deus podemos ver nele o Pai (cf.Jo 14,9). Essa revelação nos dá acesso ao
mistério de Deus enquanto o mesmo é o mistério de nossa salvação. O
Vaticano II estabelece uma clara conexão entre a revelação de Deus e a
revelação da verdade salvífica (cf. Vaticano D, Dei Verbum 2.6). Só Deus é
a salvação do homem. O conhecimento do Deus trino, enquanto verdade
3. Cf. STb I, q. 32 a. 1, cf. o Catecismo da Igreja Católica, n. 237.
4. Cf. L. SCHEFFCZYCK, Der Gott der Offenbarung, Aachen, 1996, 384ss.
5. Cf. W. SIMONIS, Trinität und Vernunft, Frankfurt Main, 1972; S. BONANI,
Abelardo e il problema delia conoscenza della 1111)113. Riflessioni a partire dalla lettura
della TheologinScholarium, Pbilologia 4 (199S) 97-111.
6. Cf.JUSTINO, Apol. 1,5,4; 46 2-4 (Wartelle 104; 160>, II, 7, 7; 8, 1-13 (206;208).
CLEMENTE de Alexandria, Pntr. 16,4; X 98,4 (SCb 2bis, 60; 166); Ped. 1 96,1-2 (FP 5,
260); cf. nota 12 do cap. anterior, referências a documentos do Vaticano II e deJoão Paulo II.
3 8
A RELAÇÃO ENTRE A TRINDADE 'ECONÓM ICA' E A TRINDADE 'IM ANENTE'
de fé, só nos é acessível portanto pela revelação feita porJesus, porque nele
é o Deus mesmo que se revela. Isso implica que o Deus que se revela
mostra-se a nós tal como é. Senão, não havería revelação verdadeira. A
revelação cristã é a revelação de Deus e de seu desígnio salvífico. Ora,
segundo a Constituição Dei Verbum, esta revelação se realiza com as pala­
vras e as obras, especialmente com as de Jesus: "... com o feto mesmo de
sua presença e com a manifestação que realiza de si mesmo as palavras e as
obras, com os sinais e os milagres, e especialmente com sua morte e ressur­
reição dentre os mortos, e finalmente com o envio do Espírito Santo, cum­
pre e completa a revelação” (DV 4; cfib. 2). A revelação de Deus, enquanto
revelação salvífica em si mesma, acontece na realização mesma de nossa
salvação por obra de Jesus Cristo. Os dois aspectos são inseparáveis7. Co­
nhecemos a misteriosa e luminosa realidade do Deus trino pela revelação
salvadora que em Cristo faz de si mesmo. O modo como a Trindade se
apresenta a nós na economia da salvação deve refletir portanto como é em
si mesma8. Parece que essa reflexão se impõe. Do contrário, a salvação do
homem não seria Deus mesmo, deveria ser buscada em outro lugar, ou o
Deus que se revela e nos salva não é o que é em si mesmo; o que eviden­
temente não concorda com a fé cristã.
Não parece que a esse modo de raciocinar possa opor-se o princípio
da ação unitária das três pessoas divinas frente ao mundo e aos homens, ad
extra, de tal maneira que essa atuação, enquanto unitária, não possa refletir
a Trindade em si mesma. Certamente o princípio da atuação unitária de
Deus tem de ser mantido. Não teria sentido que as pessoas divinas atuas­
sem “separadamente” umas das outras. Mas ao mesmo tempo deve-se evi­
tar dar a esse princípio explicações exageradas, que levem em conta que o
único princípio que é Deus tem sempre a distinção em si mesmo. Em toda
atuação de Deus fora de si, ad extra, agem unitariamente as três pessoas
divinas. Deus é um só princípio da criação e da história da salvação, não
poderemos nunca falar de três princípios. Mas daí não se pode deduzir que
7.Cf. ALFÂRO,Encamaciónyrevelación, em Revelacióncristiana,féy teologia, Salamanca,
1985,65-88.
8. RAHNER, El Dias trino comoprincipioyfundamento... 371: “É certamente exata a
frase: A doutrina da Trindade e a doutrina da economia (doutrina da salvação) não se po­
dem distinguir adequadamente”. Como se vê, a identidade não exclui uma certa distinção
não adequada. A distinção entre a 'Trindade imanente e econômica já está em Karl BÁRTH
(Kjrcblicbe Dogrmtik, 1/1, Munique, 1935, 352; 503): “Seguimos a regra e a consideramos
fundamental — de que as afirmações sobre a realidade e os modos de ser divinos, antes de
tudo em si mesmos, não podem ser distintas quanto ao conteúdo daquelas que devem ser
feitas precisamente sobre sua realidade na revelação”.
3 9
QUESTÕES PREUMNAHES
esse único princípio seja em si mesmo indistinto (ao contrário, sabemos
muito bem que não é) e não atue fora enquanto tal. Notemos também que
o princípio da atuação unitária de Deus para fora se viu sempre matizado
pelo uso da doutrina das “apropriações”: segundo a teologia tradicional, na
atuação do Deusúnico “apropriam-se”— na linguagem da Escritura ou da
Igreja — às distintas pessoas aqueles modos de atuar que mais diretamente
correspondem ao que é “próprio” daquela pessoa na vida interna de Deus9.
Naturalmente, isso pressupõe um certo conhecimento do que é próprio de
cada pessoa no interior da vida trinitária; e dado que a Trindade é objeto
de fé, e não se pode deduzir de modo puramente racional, mas que só é
cognoscível à luz da revelação, só pelo modo de atuar salvífico de cada
pessoa se pode saber o que na vida interna de Deus lhe corresponde mais
diretamente. Parece portanto que o princípio da unidade de operações ad
extra pode não excluir toda intervenção das pessoas enquanto tais. Pelo
que acabamos de dizer fica a impressão de que implicitamente se pressu­
põe o contrário1
0
.
Existe um caso, além disso, em que sabemos que há uma atuação para
fora em que as pessoas atuam diferendadamente: a encarnação1
1
. Somente
o Filho assumiu hipostaticamente a natureza humana. Não se trata de afir­
mar que as outras pessoas não tiveram parte nesse evento: sabemos muito
bem que não é assim. Foi o Pai que enviou o Filho ao mundo, e também isso
é uma atuação própria da pessoa do Pai (cf.Jo 3,17.34; Rm 8,3; G14,4). Por
sua parte, o Espírito Santo que desce sobre Maria faz possível a encarnação
(cf. Lc 1,35;Mt 1,20; DS 150). Na encarnação, em toda avida deJesus sobre
a terra, e em sua ressurreição e exaltação à direita do Pai e no dom do Es­
pírito que segue a essas, temos uma atuação diferenciada das pessoas divinas
na história salvífica. E predsamente essa diferendação que nos permite
conhecê-las. Não podemos pensar que a vinda de Jesus ao mundo seja uma
9. Cf. Tomás de Aquino, STh I q. 39, a. 7, que define a apropriação como “a mani­
festação da pessoa por meio de atributos essenciais”.Atributos essenciais são os que corres­
pondem à única essência divina. Fique claro que tudo o que dizemos aqui sobre as apropri­
ações não significa em absoluto questionar seu uso e sua legitimidade. Trata-se só de fazer
ver que só à luz do que é próprio das pessoas podemos “apropriar-lhes” o que corresponde
de seu aos três. Em nosso capítulo sobre a noção de pessoa voltaremos a falar das “apro­
priações”.
10. Cf. o resumo da pneumatologia de Atanásio e dos Capadócios em H . U. von
BALTHASAR, Tbeologikm. Der Geist der Wabrbeit, Einsiedeln, 1987,114-116. É interes­
sante notar que o CIC 2S8 assinala que cada pessoa realiza a operação comum segundo sua
propriedade pessoal. Funda-se para isso no H Concílio de Constantinopla (DS 421), texto
que analisaremos em seu momento.
11. Cf. RAHNER, op. cit., 372ss.
4 0
exceção no modo de atuar de Deus a respeito de nós. Devemos antes afirmar
o contrário. EmJesus temos o momento mais alto dessaatuação e o paradigma
e o fundamento de tudo o que Deus faz por nós: tudo tem sua consistência
em seu Filho amado em quem temos a redenção e o perdão dos pecados,
tudo foi feito mediante ele e caminha para ele (cf. Cl 1,13-20).
Ora, será que o fato da encarnação, precisamente do Filho enviado
pelo Pai, revela algo da vida interna trinitária, do que são as pessoas? Como
nos mostra esse fato, central na economia salvífica, algo da vida interna da
Trindade? Por razões já aduzidas, é claro que essa revelação aconteceu em
Cristo. E indiferente que tenha de fato sido assim, isto é, poderia ter sido
de outra maneira? Ou esse fato indica algo do que é Deus em si mesmo?
Durante séculos foi doutrina comum que qualquer das pessoas divi­
nas poderia ter-se encarnado, embora sempre se tenha insistido na “conve­
niência” da encarnação do Filho. Assim pensaram, por exemplo, Boaventura
e Tomás de Aquino1
2
. Ora, essa opinião dista hoje muito de ser pacífica, ou
de poder considerar-se definitivamente provada1
3
. Podemos pensar que se o
Filho se encarnou é porque é, em si mesmo, o revelador do Pai, ao ser sua
imagem perfeita (cf. 2Cor 4,4; Cl 1,15; e também Jo 1,18; 14,9)1
4
. Não te-
A RELAÇÃO ENTRE A TRINDADE “ECONÔMICA” E A TRINDADE "IMANENTE"
12. Cf BOAVENTURA, In III Sent., 1,1,4; mas a conveniência da encarnação do
Filho se sublinha em Ibid. 1,2,3; TOMÁS DE AQUINO, STh Hl, q. 3 a. 5; a conveniência
da encarnação do Filho em ibid. q. 3, a. 8. Tomás de Aquino assinala contudo que no caso
da encarnação do Pai não se pode falar de “missão”.
13. Pode ser ilustrativa alguma nota histórica. Com íreqüência (assim por ex.,
RAHNER, op. cit., [cf. nota 2] 374; Grundkurs des Glavbens, Freiburg-Basel-Wien, 1976,
213) diz que Agostinho teria sido o primeiro a afirmar essa possibilidade. Mas não parece
que seja assim. Sem ter colocado diretamente a questão, ele mostra uma sensibilidade à
correspondência entre a THndade econômica e a imanente, TrinIV, 20.28 (CCL 50.199):
“Pater... non dicitur missus, non enim habet a quo sit aut ex quo procedat”. Mas é interes­
sante, ibid., IV 21.32 (205): “Quia edam si voluisset Deus Pater per subiectam creaturam
visibiliter apparere, absurdissime tamen aut a Filio quem genuit, aut a Spiritu Sancto quide
illo procedkmissus diceretur”; o contexto amplo trata das teofanias, e no imediato se mostra
que o Filho e o Espírito Santo, embora enviados pelo Pai, não são por isso menores que
Ele. Não se considera, diretamente, a hipótese da encarnação. Anselmo, por razões que nos
podem parecer hoje um tanto estranhas, mostra a inconveniência da encarnação do Pai ou
do Espírito Santo. Ep. De Inc. Verbi, 10 (ed. Schmitt, v. 2,25-28); também CitrDeus bomo7,
II, 9 (SCh 91, 376s.). Pedró Lombardo, Sent. IH 1,1-2, trata em primeiro lugar da conve­
niência da encarnação do Filho, para afirmar depois a possibilidade da encarnação do Pai
e do Espírito Santo. É talvez o primeiro que afirma essa possibilidade. Notemos que os
grandes escolásticos mudaram a ordem com que ele aborda o problema.
14. A condição de imagem entra nos motivos da conveniência da encarnação do
Filho, tanto para Tomás como para Boaventura. Os antigos Padres da Igreja insistiram
muito nessa idéia de imagem, sem colocar o problema que agora nos ocupa: IRINEU, Adv.
Haer. IV 6,6 (SCh 100,450): “Visibile Patris Filius”;cf. também 6.7 (450ss): CLEMENTE
41
QUESTÕES PRELIMINARES
mos por que colocar a questão se o Pai ou o Espírito Santo poderiam ter-
se encarnado, porque a revelação não nos oferece apoio suficiente para tais
especulações15. Mas alguma das razões aduzidas para afirmar a possibilida­
de teórica da encarnação de qualquer uma das três pessoas pode dar-nos
ocasião para alguma reflexão. Com efeito, uma das principais razões pa­
ra afirmar a possibilidade da encarnação de qualquer das pessoas era, para
Sto. Tomás, o fato de que a ratio personalitatis é comum nas três pessoas,
ainda que sejam evidentemente distintas as propriedades pessoais de cada
uma delas1
6
. M as, embora antecipando desde já questões que deveremos
desenvolver detidamente mais adiante, podemos efetivamente duvidar que
o termo hipóstase, ou pessoa, signifique exatamente o mesmo quando apli­
cado ao Pai, ao Filho e ao Espírito Santo. Os “números” em Deus são
sempre problemáticos, tudo nele é irrepetível1
7
.E claro que a terminologia
das três pessoas, consagrada pela tradição, é sem dúvida não só legítima,
mas também necessária. De alguma maneira, temos de designar os “três”
que a fórmula batismal e as confissões de fé mencionam1
8
. Mas devemos
ser conscientes da dificuldade que acarreta o uso dos plurais aplicados a
Deus. Se for assim, não é ilegítimo pensar que a comunicação de Deus ao
mundo pôde realizar-se em forma de união hipostática porque esse modo
convém ao modo de ser “hipóstase” da segunda pessoa, enquanto a comu­
nicação do Espírito Santo não ocorre nessa forma porque ela não cor­
responderia à sua peculiaridade pessoal1
9
.
de Alexandria: o Filho é oprosopondo Pai, Paed. 1,57,2 (FP 5,192) Strom. V 24,1 (Sch 278,
80);VH 58,3 (CGS 17,42)fiar. Tbeod. 10,5; 12,1; 23,5 (SCh 23,80; 82; 108)TERTULIANO
fala do Filho como a “fácies” do Pai, Ado Prax. 14, 8-10 (ScarpaT 180-182), embora se
trate de um texto muito difícil. Voltaremos a esses textos ao tratar especificamente da pes­
soa do Filho (cap. 10).
15. Esse tema não costuma ser motivo de reflexão entre os autores atuais. Defende
a possibilidade teórica dessa encarnação G. M. SALVATI, Teologia trmitaria deliacroce,Tbri-
no, Leumann, 1987, 98-104, na discussão com a opinião contrária de RHANER em MySal
n/1, 375-378; também Grundkursdes Glaubens, Friburg-Basel-Wien, 1976, 213-214.
16. Cf. nota 12.
17. Cf. BALTHASAR, Tbeologik III. op. át., 110-113, com abundantes citações
patrísticas sobre a questão. C f sobretudo BASILIO de Cesaréia, De Spiritu Soneto, 18,44-
45 (SCh 17 bis, 402-408); também J. MOLTMANN, Trinität und Reich Gottes, Munique,
1980, 204, fida do princípio trinitário da irrepetibilidade, Einmaligkeit. Sem entrar aqui na
discussão do uso concreto do princípio, deve-se convir que se aponta para um verdadeiro
problema. Voltaremos a essa questão no nosso capítulo dedicado à noção de pessoa (c. 9).
18. Cf. AGOSTINHO, Trm, V 9-10; VH 4,7 (CCL 50, 217; 256-257).
19. Cf. RAHNER, op. cit., 374, que, embora entre interrogações, usa expressões
mais fortes do que as que utilizamos: “a ‘peculiaridade’ dessa comunicação, enquanto está
determinada pela peculiaridade da segunda pessoa [...] depende do caráter próprio da ter­
ceira pessoa”.
4 2
A RELAÇÃO ENTRE A TRINDADE "ECONÔMICA" E A TRINDADE "IMANENTE"
Tudo isso tem, para K. Rahner, importantes repercussões na antropo­
logia. E o segundo Adão, Cristo, que dá sentido ao primeiro (cf. Rm 5,14;
ICor 15,20-22; 45-49). A encarnação mostra-nos a verdade última do ser
do homem. H á uma relação fundamental e interna entre o Logos e a na­
tureza humana: por uma parte o Filho, enquanto Logos, palavra, é por sua
mesma essência o “proferível”, a palavra do Pai, na qual pode manifestar-
se e descobrir-se livremente ao não-divino. Por outra parte, quando essa
comunicação do Logos ao não-divino se realiza, é porque assume a natu­
reza humana. Essa não é portanto uma máscara que o Filho de Deus to­
mou de fora e detrás da qual se esconde, mas por sua própria origem é em
si mesma símbolo do mesmo Logos, de tal maneira que “com tuna auten­
ticidade ontológica última pode-se e deve-se dizer: o homem é possível
porque é possível a aÜenação do Logos”20.
A partir do modo concreto como Deus, dando-se a nós na vida intei­
ra, morte e ressurreição de seu Filho e na efusão do dom de seu Espírito,
deu-se nos a conhecer, podemos pensar que nessa maneira de atuar se nos
mostra algo de seu seríntimo. Deus se revelou assimna dispensação salvífica;
é legítimo portanto pensar que esse modo de operar corresponde a seu
modo de ser na plenitude de sua vida intratrinitária.
Além disso, devemos ter presente a salvação concreta que o Filho de
Deus nos trouxe com sua encarnação21. Essa salvação consiste em que nós,
no Espírito Santo, nos convertemos em filhos de Deus. De novo aqui uma
opinião de escola, muito difundida em tempos passados, a unidade de atua­
ção ad extra das pessoas dá lugar à idéia de que somos filhos da Trindade.
Voltamos, por outro caminho à questão do esquecimento relativo ou
irrelevância da doutrina trinitária na teologia, a que nos referimos. Sabe­
mos que alguma afirmação de Sto. Tomás está na base dessa doutrina222
3
.
Mas é difícil achar um fundamento dessa opinião no Novo Testamento,
que constantemente está pressupondo o contrário (cf. G14,4-6; Ri.i 8,14-
16; M t 5,45; 6,1.9.14; Lc 11,1-2). Entre a filiação divina deJesus e a nossa,
no Espírito Santo, há uma relação intrínseca21. A graça não é primordial­
mente um dom de Deus, e sim o dom de Deus mesmo, o dom do Espírito
Santo, dom por antonomásia, mais ainda, “pessoa dom”2
4. Podemos por­
20. Ibid., 378; cf. também do mesmo autor, Grundkurs des Glaubens, Friburg-Basel-
W ien, 1976, 211-225.
21. Cf. ibid., 376. làm bém W. KASPER, Der GattJesu Christi, Mainz, 1982, 335.
22. Cf. nota 39 do cap. anterior. Também sobre a adoção filial cf. STb H l 32,1; 45,4;
1 33,3.
23. Cf. L. F. LADARIA, Teologiadeipecadooriginalylagracia,Madrid, 1993,231-266.
24. Cf. JOÃO PAULO II, Dominum et Vivificantem, n. 10.
4 3
O Deus vivo e verdadeiro - A Trindade
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  • 1. L U I S F. LADARIA O DEUS VIVO E VERDADEIRO O mistério da Trindade w ï H
  • 2. TK<OLOGkA Publicações de Teologia, sob a TOponsatiidxte d* Faculdade de Teologia CES — Centro de Estudos Superiores à Conpnkia de Jesus C.P. 5024 (Venda Nova) 31611-970 — Belo Horizonte — IG <$> (31) 3499-1608 — ® (31) 34917421 isices.@ zaz.com.br Coleção Theologica 7. Eu creio, nós cremos. Tratadoo $ J. B. Libanio, SJ 2. As lógicas da cidade J. B. Libanio, SJ 3. Inculturação dafé. Uma abordagentedógica Mario de França Miranda, S I 4. Nasfontes da vida cristã. Uma teologia d batismo-crisma Francisco Taborda, SJ 5. Crer no amor universal. Visão históra,social e ecumênica do uCreio em Deus to/" Carlos Josaphat, 0P 6. Igreja, povo santo e pecadr Álvaro Barreiro, SJ 7. O Deus vivo e verdadein Luis F. Ladaria 8. A religião no inicio do miléio J. B. Libanio, SJ 9. Olhando para o juturo J. B. Libanio, SJ 10. u Num só corpo Tratado mistagógico sbn a eucaristia Cesare Giraudo, SJ 11. O Cristianismo e as religiões. Do desenontfo ao encontro Jacques Dupuis 12. A salvação de Jesus Cristo. A doumaàa graça Mario de França Mirana 13. Karl Rahner em perspectra Pedro Rubens F. de Olhara Claudio Paul
  • 3. Luis F. Ladaria 0 DEUS VIVO E VERDADEIRO O mistério da Trindade Tradução Paulo Gaspar de Meneses, SJ
  • 4. Título original: El Dios vivo y verdadero — El mistério de la Trinidad © Ediciones Secretariado Trinitario 1998 Salamanca — Espanha Preparação: Carlos Alberto Bárbaro Diagramação: Míriam de Melo Francisco Revisão: Maurício Balthazar Leal Edições Loyola Rua 1822 n° 347 - Ipiranga 04216-000 São Paulo, SP Caixa Postal 42.335 - 04218-970 - São Paulo, SP @ ):(11) 6914-1922 @ :(1 1 ) 6163-4275 Home page e vendas: www.loyola.com.br Editorial: loyola@loyola.com.br Vendas: vendas@loyola.com.br Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida por qualquerforma e/ou quaisquer meios (eletrônico ou mecânico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em qualquer sistema ou banco de dados sem permissão escrita da Editora. ISBN: 85-15-02928-6 ;, © EDIÇÕES LOYOLA, São Paulo, Brasil, 2005
  • 5. Sumário PRÓLOGO.................................................................................................... 11 ABREVIATURAS.......................................................................................... . 15 Questões prelim inares................................................................................ 17 1. INTRODUÇÃO AO TRATADO............................................................. 19 Deus que se revela como objeto primário da teologia................. 19 A originalidade da noção cristã de Deus........................................ 23 O caráter central da fé no Deus uno e trino.................................... 27 O “esquecimento” da Trindade......................................................... 29 Sobre a estrutura do tratado.............................................................. 33 O tratado sobre Deus na sistemática teológica........................ . 35 2. A RELAÇÃO ENTRE A TRINDADE “ECONÔMICA” EA TRINDADE “IMANENTE” ............................................................ 37 Da Trindade econômica à Trindade im anente.............. ................ 37 Da Trindade à economia. A “identidade" entre a Trindade imanente e a econômica..................................................................... 45 primeira parte VISÃO HISTÓRICA A A revelação de Deus em Cristo e sua preparação no Antigo Testamento......................................................................... 53 3. A REVELAÇÃO DE DEUS NA VIDA DE JESUS. ESTUDO BÍBLICO-TEOLÓGICO...................................................... 55 Deus enviou seu filho......................................................................... 57 1. Deus, o Pai de Jesus................................................................... 57 2. Jesus, o Filho de D eus................................................................ 64 3. Deus, Pai dos hom ens................................................................ 67
  • 6. 4. Jesus, concebido por obra do Espírito S anto... ....................... 69 5 .0 batismo e a unção de Jesus......................................................... 70 O Novo Testamento e o s Padres.......................................................... 70 As POSIÇÕES RECENTES.............................................................................. 75 6. A Trindade e a cruz de Jesus............................................................ 82 A REVELAÇÃO DA TRINDADE NA CRUZ NA TEOLOGIA CONTEMPORÂNEA 83 Reflexão co n clu siva ............................................................................................ 95 7. A ressurreição de Jesus, revelação doDeus U n o e Trino....... 98 Deus enviou a nossos corações o espírito d e seu f ilh o ................102 1 .0 Espírito, dom do Pai e de Jesus re ssu scita d o ....................... 102 2 .0 dom do Espírito e seus efeitos depois da ressurreição de Jesus.................................................................................................. 107 S inópticos e At o s ....................................................................................108 O CORPUS PAUUNUM...................................................................................110 O s ESCRITOS DE JOÃO...............................................................................112 C onclusão: a relação do Espírito com J e s u s ...................................113 3. O caráter pessoal de Espírito Santo segundo o Novo Testamento.................................................................................. 114 O filh o e o Espírito Santo em relação com o Deus ú n ico no N ovo Testam ento...................................................................................115 1. Alguns textos triádicos..................................................................... 117 Reflexões co n clu siva s...................................................................................... 120 4. A PREPARAÇÃO DA REVELAÇÃO DO DEUS TRINO NO ANTIGO TESTAMENTO....... ..............................123 A revelação d o nom e de D eus................................................................124 As figuras de m ediação no Antigo T estam ento.................................127 B. A história da teologia e o dogma trinitário na Igreja antiga...........133 5. OS PADRES APOSTÓLICOS E OS PADRES APO LO G ETAS......135 O s padres A p o stó lico s.............................................. 135 1. Clemente Rom ano............................................... ............................136 2. Inácio de Antioquia.............................................................................137 3. Epístola do Pseudo-Bamabé........................................................... 138 4. Didaché.................................... 139 5. O “Pastor' de Herm as................. 139 Os padres apo lo g e ta s............................................................................. 140 1. Justino...................................................................................................141 2. Taciano................................................................................................. 144
  • 7. 3. Atenágoras.......................................................................................146 4. Teófílo deAntioquia........................................................................ 148 6. A TEOLOGIA DO FINAL DO SÉCULO II E DO SÉCULO III........... 151 Ireneu de Lião.........................................................................................151 Tertuliano.................................................................................................156 Hipólito de Roma....................................................................................164 Orígenes..................................................................................................166 Novaciano................................................................................................175 Dionísio de Alexandria e Dionísio de Rom a..................................... 177 7. A CRISE ARIANA E O CONCÍUO DE NICÉIA. A LUTA ANTIARIANA NO SÉCULO IV.................................................183 A doutrina de Ário.................................................................................183 A primeira resposta a Ário. Alexandre de alexandria...................... 188 Eusébio de cesaréia..............................................................................189 Marcelo de Ancira................................................................................. 191 O símbolo de Nicéia (3 2 5 )...................................................................193 As vicissitudes depois do Concílio de N icéia..................................198 Atanásio de Alexandria......................................................................... 202 Hilário de Poitiers................................................................................... 207 Os acontecimentos principais dos anos 361 -381 ......................... 212 8. OS PADRES CAPADÓCIOS. A FORMULAÇÃO DO DOGMA TRINITÁRIO NOS CONCÍLIOS I EII DE CONSTANTINOPLA.......215 Basílio de Cesaréia................................................................................217 Gregório Nazianzeno............................................................................ 224 Gregório de Nissa.................................................................................228 O primeiro Concílio de Constantinopla.............................................231 Do primeiro ao segundo Concílio de Constantinopla....................234 Os concílios medievais........................................................................237 segunda parte DA “ECONOMIA” À “TEOLOGIA” A. A reflexão sistemática sobre o Deus Uno e Trino............................241 9. “TRINITAS IN UNITATE". A VIDA INTERNA DE DEUS: AS PROCESSÕES, AS RELAÇÕES, AS PESSOAS DIVINAS.......243 Das missões divinas às “processões”..............................................244
  • 8. As processões divinas: A geração d o Filho e a expiração do E spírito S a n to ......................................................................................246 1. As processões divinas e a analogia da mente humana. Agostinho e Tomás de Aquino....................................................... 248 2. As processões divinas e o amor interpessoal. Ricardo de Sâo Vítor..........................................................................251 As relações d iv in a s ...................................................................................255 1. As relações em Deus segundo Agostinho.................................. 256 2. Tomás de Aquino. As relações reais em Deus...........................260 As pessoas d iv in a s ...................................................................................262 1. A noção de “pessoa" em Agostinho........................................... 262 2. D e Boécio a Tomás de Aquino.......................................................264 3. Tomás de Aquino: a pessoa como relação subsistente........267 4. Pessoas, propriedades, apropriações......................................... 271 5. A mútua inabitação das pessoas................................................. 274 A problem ática m oderna da pessoa em Deus: as “três pessoas” na unidade d iv in a ........................................................ 276 1. Unidade do sujeito em Deus? Propostas alternativas ao termo “pessoa". Karl Barth e Karl Rahner..............................277 2. As pessoas se realizam em seu mútuo amor. O modelo social da Trindade...........................................................285 3. Autoconsciência e alterídade nas pessoas divinas..................288 10. 0 PAI, O FILHO E O ESPÍRITO SANTO............................................297 O Pai, origem sem p rin cíp io ...................................................................297 1. Alguns elementos da tradição.......................................................299 2. O Pai, princípio do Filho e do Espírito Santo............................. 302 3. O Pai, pessoa absoluta?..................................................................304 4. As processões divinas em questão............................................ 306 5. O Pai, princípio relativo.....................................................................310 O Filho, a perfeita resposta ao am or do p a i.................................... 314 1. O Filho, o Amado do Pai que corresponde a esse am or....... 315 2. O Filho com o Logos e imagem de Deus................................... 319 0 Espírito Santo, com unhão de a m o r............................................... 323 1. O Espírito Santo como d o m ...........................................................325 “ Dom” , nome pessoal do Espírito Santo.......................................... 330 O Espírito Santo como dom no crente e na Igreja........................333 2. O Espírito Santo como amor do Pai e do F ilho......................... 335 O EspIrito Santo como amor na tradição.......................................336 O magistério e a reflexão teológica contemporânea.................... 340
  • 9. 3. A processão do Espírito Santo.................................................... 344 A processão do Espírito no O riente e no Ocidente...................... 344 O Fiuoque nos símbolos e no magistério......................................... 352 A questão na atualidade....................................................................... 355 11. “UNITAS IN TRINITATE” . DEUS U N O N A TRINDADE. SUAS PROPRIEDADES E SEUS M O DO S DE ATUAÇÃO.............. 361 A unidade da essência d iv in a ................................................................361 1. A unidade do Pai, do Filho e do Espírito Santo............................ 361 2. O primado do ‘pessoal’......................................................................365 3. A essência divina.................................................................................. 367 4. A unidade de Deus e a unidade dos hom ens..............................373 OS MODOS DE ATUAR E AS PROPRIEDADES (ATRIBUTOS) DE DEUS...........................................................................377 1. Algumas noções bíblicas.................................................................... 378 2. Propriedades divinas na tradição.....................................................383 3. Alguns problemas atuais.................................................................... 387 12. O CONHECIMENTO “ NATURAL’ DE DEUS E A UNGUAGEM DA AN ALO G IA......................................................... 393 O conhecim ento de Deus a partir da c ria ç ã o ...................................393 7. 0 conhecimento de Deus a partir da criação na Escritura .... 394 2. 0 Vaticano I e o Vaticano II.............................................................. 396 A questão d a a n a lo g ia ........................................................................... 401 7. Algumas noções clássicas..............................................................402 2. A crítica de K. Barth ea reação católica: a ‘analogia Christi” .... 408 3. A ‘maior semelhança’ segundo E. Jüngel..................................414 4. Conclusão: ‘maior dissimilitudo ’ na maior proximidade.........417 E P ÍLO G O ...........................................................................................................421 REFERÊNCIAS BIBLIO G RÁFICAS............................................................. 425 ÍNDICE O NO M ÁSTICO .................................................................................. 427
  • 10. PROLOGO A teologia da Trindade tem sido objeto de renovado interesse nos últimos tempos. Basta uma vista rápida nos repertórios bibliográficos mais comuns para convencer-se disso. Algumas bibliografias especializadas mostram ainda com mais clareza a abundância — absolutamente impossí­ vel de abarcar — de estudos que, a partir de diversos pontos de vista, abor­ dam o tema1. Também não faltam nas principais línguas ocidentais, como pode observar o leitor nas referências bibliográficas, os tratados e manuais que correspondem aproximadamente às características do presente volu­ me. Surge a pergunta óbvia: do porquê de uma nova obra que contribuirá, embora em pequena medida, para fazer ainda mais impenetrável a selva das publicações. A pergunta se faz ainda mais aguda para o próprio autor, quando está bem consciente de que sua contribuição não merecerá certa­ mente ser qualificada de decisiva e de que não é provável que influa de modo significativo nos roteiros ulteriores da teologia. Porém, o magistério em um centro internacionalcom alunadonumeroso fez com que as lições de um professor, de modo totalmente incontrolável de 1. É especialmente significativo o volume dedicado à bibliografia trinitária pela revis­ ta Estúdios Trmkorios25 (1991) que abarca os anos 1976-1990: nas diferentes contribuições de X. PIKAZA (Novo Testamento). E. ROMERO POSE (Patrística), M. M. GARIfO- GUEMBE (teologia ortodoxa e pneumatologia), S. dei CURA ELENA (sistemática cató­ lica e protestante), E. SCHADEL (a Trindade como problema filosófico) recolhem-se 4.463 títulos. Embora haja inevitáveis repetições, não deixa de ser uma cifra imponente: alguns autores notam que por muito compreensíveis razões os elencos não são exaustivos. E instru­ tivo comparar essa bibliografia com a que a mesma revista publicou em seu volume 11 (1977), embora os critérios cronológicos e e numeração dos títulos sejam menos claros nesse último caso. Cf. também A. COZZI, Coriginalità dei teismo trinitario. Bibliografia trinitaria. ScCort 123 (1995) 765-840. 11
  • 11. O DEUS VIVO E VERDADEIRO sua parte, comecem com facilidade a correr pelo vasto mundo em forma de apontamentos de fiabilidade ao menos duvidosa. As conseqüências de­ sagradáveis que podem derivar desse fato são evidentes. Assim, oferecer um ponto claro de referência, em primeiro lugar aos alunos, foi a primeira finalidade que me propus ao compor este texto. Dar-me-ei por satisfeito se alcançar esse objetivo. Se o esforço resultar também útil para outros, a alegria será multiplicada. Duas preocupações fundamentais guiaram-me na redação desta obra. Em primeiro lugar oferecer suficiente informação positiva, sobretudo dos principais dados do Novo Testamento, da Tradição e do Magistério da Igreja sobre o mistério do Deus imo e trino que se revelou em Cristo, mas também das principais contribuições sistemáticas sobre o tema, que orien­ taram na história a reflexão teológica ou exercem notável influência na atualidade. A segunda preocupação foi articular esse abundante material em uma síntese coerente que revele a relação intrínseca entre as diversas questões estudadas. O mistério de Deus é incompreensível para nossa ra­ zão humana, mas isso não impede que o ensinamento que a Igreja nos oferece sobre ele seja profundamente harmônico. Tbda reflexão teológica deve tentar pôr em relevo essa coerência interna, o nexusmysteriarum de que falava o Concílio Vaticano I (DS 3016), embora não seja possível, em muitos casos, eliminar o paradoxo. Isso nos servirá de perene lembrança de que o esforço crente para dar razão da esperança (lPd 3,15) não pode jamais con­ fundir-se com a pretensão de submeter tudo ao império de nossa razão. Tomei do escrito mais antigo do Novo Testamento o título da obra (cf. lTs 1,9). Esse é o Deus que, segundo Paulo, nós cristãos adoramos. A vida e averdade (veracidade) são propriedades divinas que já o Antigo Testamen­ to destaca e que adquirem todo o seu significado na revelação de Jesus. Não é preciso insistir na importância que o dado bíblico, em especial o neotestamentário, deve ter em toda exposição teológica, e em particular na matéria que nos propomos a estudar2.0 Novo Testamento dá testemu­ nho de Jesus, que nos dá a conhecer o Pai e, depois de sua ressurreição e exaltação, envia sobre seus discípulos o Espírito que repousou sobre ele. Dediquei bastante espaço à evolução doutrinal dos primeiros séculos, de capital interesse em nosso tratado. Colocando-nos na grande tradição ocidental, embora muito boas razões ecumênicas nos obriguem a dirigir nosso olhar também para o Oriente, não se podia de modo algum prescin­ dir de dar amplo espaço à teologia trinitária de Sto. Agostinho e de Sto. 2. Servi-me, em geral, da tradução da Bíblia de Jerusalém. 12
  • 12. PRÓLOGO Tomás de Aquino. Antes de tudo, pela preocupação a que me referí de oferecer suficiente informação histórica, sem a qual não se pode entender a teologia do Ocidente, nem sequer a mais recente. Mas também, e sobre­ tudo, pelo valor intrínseco de muitas de suas intuições. Não há por que pensar que tenha sido mera casualidade a influência predominante que ex­ erceram no passado e no presente. Ainda que não devamos dar a todas as suas afirmações a mesma importância, não podemos prescindir de suas contribuições decisivas. De qualquer modo, não serão essas as únicas vozes que vamos escutar. Não se pode considerar, sem mais, superada a tradição pré-nicena pelo desenvolvimento dogmático que precisou conceitos que nos três primeiros séculos não se pôde conhecer. Anos de estudo me fami­ liarizaram com o pensamento de Hilário de Poitiers, ao qual o próprio Sto. Agostinho dedicou tantos elogios3e que ainda continua freqüentemente esquecido, apesar do valor que lhe reconhecem insignes especialistas45 . O recurso aos capadócios, em especial a Basílio de Cesaréia, necessita de menos justificação. Passando à Idade Média, não podemos esquecer a influência que nos últimos tempos teve Ricardo de São Vítor: também temos que lhe dar atenção, ainda que o que se escreveu sobre o modelo social da Trinda­ de requeira uma profunda revisão crítica. Como se explicará com mais detalhe no primeiro capítulo, esta obra pretende reunir os conteúdos clássicos dos tratados De Deo Uno e De Deo Trino, porém com declarada preferência pelo segundo. Dedicaremos nossa atenção aos conteúdos de fé da Igreja, e menos ao “contexto” em que essa é hoje professada e testemunhada3. Não por menosprezo dessas questões atuais, cuja importância não se pode desconhecer, senão pela consciência dos limites pessoais e também pelo caráter que pretendi dar a esta obra. Só a partir do conhecimento do núcleo central da fé cristã em um Deus uno e trino pode-se estudar com possibilidades de êxito os outros problemas que se relacionam intimamente com ele. 3. C , por ex., ContraJulianum 13,9 (PL 44,645); II, 8,28 (693); TrinVl 10 11(CCL 50, 241) Também Sto. TOMÁS fez um uso abundante de Hilário em seu tratado sobre a Trindade na Summa. 4. A. ORBE, El estúdio de los Santos Padres em la fbrmarión sacerdotal, In: R. LATOURELLE (ed.), VaticanoII:balanceyperspectivas. Vemtkincoanosdespues(1962-1987), Salamanca, 1989, 1.037-1.046 (aqui 1.043): “Sem negar o valor a Sto. Ambrósio, sempre será dogmaticamente mais instrutivo, embora mais difícil, Sto. Hilário. Quem domina ao bispo de Poitiers, adianta-se muito na patrística. M uito mais do que se estendesse o campo de estudos simultaneamente a todos os Padres ocidentais (exceto Sto. Agostinho)”. 5. Cf. A. AMATO (ed.) Trinhà in contesto, Roma, 1993; e também P. CODA; A. TAPKEN (eds.), La Trinhà e ilpensare. Figure, procorsi, prospettive, Roma, 1997. 1 3
  • 13. O DEUS VIVO E VERDADEIRO Para que o volume pudesse manter-se dentro dos limites razoáveis em obra desse gênero, tratei de ser sóbrio na exposição e de não multiplicar referências bibliográficas, que serão facilmente acessíveis a partir das que já se oferecem. Em contrapartida, fui mais generoso nas citações de auto­ res clássicos e modernos, pois creio que nada pode suprir o acesso direto aos textos, que fica assim, pelo menos em parte, facilitado. Esta obra foi possibilitada pelo estímulo e pela ajuda de muitos cole­ gas, amigos e alunos. Mencionarei especialmente duas pessoas que se pres­ taram ao incômodo de ler meus manuscritos, inclusive antes de sua prepa­ ração definitiva, e me animaram para suapublicação:Mons. Eugênio Romero Pose, bispo auxiliar de Madri, e o Pe. Angel Antón, professor da Faculdade de Teologia da Pontifícia Universidade Gregoriana. A ambos, como atantos outros que não posso mencionar, vai minha gratidão mais sincera. 1 4
  • 14. ABREVIATURAS AAS Acta Apostolicae Sedis AG Cone. Vaticano II, Decr. Ad Gentes. Ang Angelicum (Roma) Aug Augustinianum (Roma) BAC Biblioteca de Autores Cristianos (Madri) Cath Catholica (Münster) CCL Corpus Christianorum. Series Latina (Tumhout) CIC Catecismo de la Iglesia Católica CSEL Corpus Scriptorum Ecclesiasticorum Latinorum (Viena) DS Denziger-Schönmetzer, Enchiridion symbolorum, definitionum et declarationum de rebusfidei et morum, Barcelona, M 1967. DV Concilium Vaticanum II, Const. Dogm. Dei Verbum EphThLov Ephemerides Theologicae Lovanienses (Bruges) EstEcl Estúdios Eclesiásticos (Madri) EstTrin Eistudios Trinitarios (Salamanca) FP Fuentes Patrísticas (Madri) GCS Die griechschen christlichen Schriftsteller der ersten drei Jahrhundert (Leipzig) Greg Gregorianum (Roma) GS ConeVaticano II, Const, past. Gaudium et Spes LG Cone. Vaticano II, C onst dogm. Lumen Gentium LThK Lexiconfür Theologie und Kirche, Friburgo,21957-1965 MünThZ Münchener Theologische Zeitscrift (StOtilien) MySal Mysterium Salutis. Fundamentos deIadogmática conto historia de la salvación. Madri, 1969 ss. NA Conc. Vit. D, Deel. Nostra Aetate 15
  • 15. 0 DEUS VIVO E VERDADEIRO NRTh PG PL RET RevTh RM RSPhTh RSR RthLou ScCat SCh TheolSt TheoPhil TWAT WA WiWe ZThK Nouvelle Revue Théologique (Lovaina) Patrologia Graeca (Paris) Patrologia Latina (Paris) Reoista Espanola de Teologia (Madri) Revue Thomiste (Paris) Joäo Paulo H, Enc. Redemptoris Missio Revue des Sciences Philosophiques et Théologiques(Paris) Recherches de Science Religieuse (Paris) Revue Théologique de Louvain (Lovaina) La Scuola Cattolica (Miläo) Sources Chrétiennes (Paris) Theological Studies (Baltimore) Theologie und Philosophie (Friburgo) TheologischessWörterbuchzum Aken Testament, Stuttgart, 1973ss. Martinho Lutero, Werke. Kritische Gesamtausgabe, Weimar, 1883-1949 Wissenschaft und Weisheit (Düsseldorf) Zeitschift für Theologie und Kirche (Tübingen) 1 6
  • 17. Introdução ao tratado 1 DEUS QUE SE REVELA COMO OBJETO PRIMÁRIO DA TEOLOGIA Não parece difícil justificar que o tratado sobre Deus seja aquele que mereça sobretudo e de modo mais estrito o qualificativo de “teológico”. E claro que só a partir de todos os tratados teológicos podemos fazer uma idéia global do mistério cristão, de Deus e da salvação que o Pai nos quer outorgar emJesus Cristo, seu Filho, e no Espírito Santo.Mas não há dúvida de que, estando diretamente ligadas a Deus mesmo as verdades que quis revelar-nos para nossa salvação (cf. DV 2.6), corresponde a este tratado uma prioridade sobre as outras questões que vão ser objeto de estudo da teologia. Todas recebem sua luz do próprio Deus. No estudo do tratado de Deus, achamo-nos assim no centro da teologia. Já no começo de sua Suma teológica*, Sto. Tomás pergunta sobre a necessidade de uma doutrina fundada na revelação, distinta por conse­ guinte das disciplinas filosóficas. A razão fundamental que apresenta para justificar a eristên ria dessa doutrina é o fim do homem. Com efeito, o ser humano ordena-se para Deus, um fim que excede a compreensão da razão. A esse fim devem os homens ordenar suas ações para que possam alcançar a salvação. Tem de ser, por conseguinte, um fim conhecido de antemão, praecognitus, pelo homem. Por isso faz falta a doutrina fundada na revela­ ção, para que possam ser conhecidas pelo homem aquelas coisas que exce­ dem a razão e que se referem a seu fim último. Contudo, a revelação foi necessária por um segundo motivo: até mesmo as verdades que o homem1 1. STh I, 1,1: “Utrum sit necessarium, praeter philosophicas disciplinas, aliam doctrinam habere”. Cf. este artigo para o que vem a seguir. 19
  • 18. QUESTÕES PRELIMINARES pode conhecer pela luz da razão são difíceis, requerem muita investigação, não estão ao alcance de todos: não se chega a esses conhecimentos sem a mescla de muitos erros. Por isso foi necessário que a revelação divina ins­ truísse sobre eles. O Concílio Vaticano I, na Constituição Dei Filius, fez- se eco dessas razões que Sto. Tomás já tinha aduzido (cf. DS 3.004-3.005). No momento devido, voltaremos mais detidamente a esse ponto. A necessidade ou a conveniência da revelação funda-se unicamente no fim a que Deus destina o homem. Não setrata portanto de adquirirum novo conhecimento por pura curiosidade. E um conhecimento, como diz o Con­ cílio Vaticano II (DV 6), que tem por objeto o próprio Deus e os decretos eternos de sua vontade acerca da salvação dos homens. A necessidade do conhecimento de Deus, fundada na revelação, baseia-se portanto no que é o único fim do homem, àquilo que o serhumano tende mesmo sem conhecê- lo e que é o único que pode acalmar a intranqüilidade de seu coração2. O conhecimento que vem da revelação, que o homem aceita pela fé, é, segundo a terminologia de Sto. Tomás, sacra doctrina, que, embora dife­ rente das demais disciplinas hum anas, merece o nome de “ciência”3. Essa ciência especial tem a Deus por objeto, é theologia, “sermo de Deo”4. O objeto dessa ciência tem a ver diretamente com a finalidade dela, isto é, ajudar ao homem na consecução de seu fim, que é só Deus. A teologia tem a ver, portanto, com Deus mesmo, porque embora se ocupe com outros assuntos os estuda todos sub ratione Dei. Em todo caso, Deus é o tema da teologia, seja porque ela trata diretamente do próprio Deus, seja porque se ocupa das outras coisas enquanto se ordenam a Deus5. Portanto, o que nos 2. Agostinho, Conf. 11,1 (CCL 27,1) “Fedsti nos ad te et inquietam est cor nostrum donee requiescat in te”. 3. STh, I 1,2: “Et hoc modo sacra doctrina est sdentia: quia procedit ex prindpiis nods lumine superiore sdentiae, quae scilicet est sdentia Dei et beatorum”. De novo a referenda a Deus é fundamental para determinar o caráter “científico” da teologia. Não entramos evidentemente agora no complexo problema do caráter dentífico da teologia. Cf. P.CODA, Teo-logia. Laparoladi DionelleparoledeWuomo. Epistemologútemetodologiateologica, Roma, 1997,171-190. 4. STh. 1 1,7. A teologia tem a Deus por objeto, porém Deus, além disso, é de algum modo seu “sujeito”. Parte da revelação, do que Deus mesmo nos diz, e tem como prindpio, como recorda Sto. Tomás, a mesma dênda de Deus. 5. STh 1 1,7: “Omnia autem pertractantur in sacra doctrina sub ratione Dei vel quia sunt ipse Deus, vel quia habetordinem ad Deum, ut ad prindpium et finem. Unde sequitur quod Deus vere sit subjectum huius sdentiae. Quod etiam manifestum fit ex prindpiis huius sdentiae, quae sunt articuli fidei, quae est de Deo” Bid. ad 2: “Omnia alia quae determinantur in sacra doctrina, comprehenduntur sub Deo”. 2 0
  • 19. INTRODUÇÃO AO TRATADO propomos fazer é, no sentido mais estrito, sermo de Deo. Se nos aproxima­ mos de todos os temas teológicos com temor e tremor, com mais razão desse tema. O esforço especulativo não pode separar-se da atitude de es­ cuta e de contemplação. Não se deve considerar tal atitude algo diverso da teologia, mas antes é a que vai guiar o esforço teológico para que não se desvie de seu autêntico objetivo, ajudar-nos na consecução de nosso fim último que é Deus. Vamos ocupar-nos em nosso tratado, seguindo a pauta do que até aqui foi indicado, do Deus revelado em Cristo. A rica problemática atual sobre Deus e a abertura do homem a ele só nos ocupará marginalmente, para evitar repetições com tratados de teologia natural ou outras obras de índole diversa que tratam espetificamente desse amplo complexo de problemas6. Deveremos tomar como guia e base de nosso curso alguns textos capitais do prólogo do Evangelho de João: O Verbo se fez carne e pôs sua morada no meio de nós. E vimos sua glória, glória que recebe do Pai como Filho único, cheio de graça e deverdade... De sua plenitude todos nós recebemos, graça sobre graça. Se a lei foi dada por Moisés, a graça e averdade vieram porJesus Cristo. A Deus nunca ninguém viu; o Filho único que está no seio do Pai deu-o a conhecer (Jo 1,14.16-18). Em sua vinda ao mundo, dando-nos a conhecer a glória que lhe corresponde como Filho único do Pai,Jesus nos revelou Deus, que ninguém pôde ver e que habita em uma luz inacessível atodo ser humano (cf. Ex 33,20; lTm 6,16).Deu-nos aconhecê-loíãzendo-nosparticipantes de suavida, dando- nos de sua plenitude, comunicando-nos sua graça e sua verdade. A revelação de Deus em Cristo não é uma simples comunicação de "verdades”, mas com­ porta uma doação de sua própria vida. E uma autêntica “autocomunicação” de Deus. Por esta razão, a atitude de fé é fundamental para o acesso a essa revelação divina. Em Jesus não só podemos ver o Pai mas temos também 0 único caminho de chegar até ele (cf. Jo 14,6-9). Daí o caráter teológico de nosso tratado, que quer partir da revelação acontecida em Cristo e acolhida pela Igreja na fé7. N a realidade, todo conhecimento que o homem pode ter de Deus, de um modo ou de outro, 6. Podemos remeter neste ponto, entre a enorme bibliografia, aJ. de S. LUCAS, La búsqueda de Diosen el bmbre, Madrid, 1994; e aJ. ALFARO, De la cuestiondelbombrea la cuestián de Dios, Salamanca, 1988. 7. Significativos ostítulos de alguns tratados que destacam esse aspecto:W. KASPER, Der GottJesu Christi, Maiença, 1982; e recentemente L. SCHEFFCZYCK, Der Gott der Offenbarung Gatteslehre, Aachen, 1996. 21
  • 20. QUESTÕES PRELIMINARES baseia-se no fato de que ele se deu a conhecer. Devemos estudar em seu momento o problema teológico do acesso da razão humana a Deus. Por ora, basta-nos sinalizar que toda busca de Deus por parte do homem tem em Deus mesmo sua iniciativa, está guiada por sua providência e por sua mão, ainda que não o saibamos89 . O mesmo conhecimento de Deus que o homem pode adquirir a partir da criação vem do testemunho perene que Deus dá de si (Vaticano II, DS 3). Além desse testemunho da criação, a Constituição Dei Verbum 3 fala-nos de uma manifestação divina a nossos primeiros pais, de nível mais elevado do que a criação mesma, em relação com a salvação de uma ordem superior a que os destinava (supemaesalutis). A revelação do Antigo Testamento ao povo escolhido é sem dúvida outro passo no autodesvelamento de Deus: assim pôde ser reconhecido como “Deus único, vivo everdadeiro; Pai providente e justo Juiz” (DV 3). Dessa forma Deus foi preparando o caminho do Evangelho. Porém, só comJesus Cristo a revelação chega à sua plenitude, porque o Verbo, que ilumina a todos os homens, foi enviado pelo Pai para que “habitasse entre eles e lhes revelasse os segredos de Deus” (DV 4)’. A teologia tem por objeto Deus enquanto é o fim do homem, porque a revelação que em Jesus alcança seu cumprimento não tem outro objeto senão Deus e as verdades de nossa salvação. Temos portanto de olhar Jesus para conhecer o Deus Pai. Revelando-nos o Deus como Pai, dá-nos a conhecer-se ele mesmo como Filho. Podemos ter acesso a esse mistério no Espírito de Deus, “porque ninguém pode dizer Jesus é o Senhor senão no Espírito Santo” (ICor 12,3). A revelação de Deus como Pai deJesus, que comporta a deJesus como Filho de Deus e Deus também como o Pai, e a do Espírito Santo, dom do Pai e deJesus que introduz na intimidade de sua vida, é a revelação do Deus uno e trino. A doutrina da unidade divina na trindade e da trindade na uni­ dade que a Igreja desenvolveu é a conseqüência direta do Deus queJesus nos deu a conhecer. Não estamos em um apêndice ou questão secundária da teologia ou da fé, mas sim ante seu núcleo mais profundo, porque nos en­ frentamos com o mistério de Deus que se dá a conhecer como o único fim ao qual o homem tende e no qual pode alcançar sua plenitude. 8.AGOSTINHO,SoliloquiorvmLIbid. 11,3 (PL. 32,870): “Deus, quem nemo quaerit nisi admonitus”. 9. DV 4: “Com toda sua presença e manifestação, com suas palavras e suas obras, sinais e milagres, e sobretudo com sua morte e ressurreição gloriosa dentre os mortos, finalmente com o envio do Espírito de verdade, completa a revelação e confirma com o testemunho divino que Deus vive conosco...”.
  • 21. INTRODUÇÃO AO TRATADO A ORIGINALIDADE DA NOÇÃO CRISTÃ DE DEUS Na confissão do Deus uno e trino, temos por conseguinte o ponto focal da fé cristã. Por uma parte, o cristianismo coloca-se ao lado das gran­ des religiões monoteístas: segue a tradição do Antigo Testamento e se considera legítimo herdeiro da religião de Israel, em que a unidade e a unicidade de Deus são a verdade fundamental (cf. Ex 20,lss.; Dt 6,4 etc.; Mc 12,29;Jo 17,13). Depois do cristianismo veio o Islã, que manteve com força o monoteísmo da tradição veterotestamentária, rejeitando como um desvio a Trindade cristã. Mas, predsamente porque o monoteísmo cristão, que devemos afir­ mar com todas as forças, é o do Deus trino, não pode ser identificado sem mais com o do judaísmo e do Islã. A unidade última de Deus, a maior que possamos pensar, é em si mesma plural101 1 . Daí se segue que, embora haja na afirmação uma parte de verdade, não se pode afirmar sem matizes que o Deus uno pode ser conhecido pela razão, enquanto a Trindade divina deve ser objeto da revelação. Certamente, com a razão pode-se chegar ao co­ nhecimento do Deus uno, como também chegaram a essa idéia as outras religiões mencionadas e talvez outras no mundo, sem a revelação definiti­ va em Cristo. Mas o Deus que se dá a conhecer em Jesus Cristo é o Deus uno e trino. A unicidade não é unicamente um dado prévio para a revela­ ção cristã, mas recebe com ela um sentido novo e muito mais profundo. Não há unidade divina sem trindade, e vice-versa. A unidade divina que o cris­ tianismo afirma é a unhas in Trinhate, enquanto não se pode entender a Trindade sem ter em conta a unidade divina, Trinitas in jmhaten. O Deus revelado em Cristo é, ao mesmo tempo, o Deus uno e o Deus trino. Desde o começo temos que estar bem conscientes da grande origina­ lidade da visão cristã, que iremos desenvolvendo ao longo de nossa exposi­ ção. Isso não quer dizer que à margem da fé cristã nada se possa saber sobre Deus. A própria fé nos diz o contrário. A revelação do Antigo Testamento é parte integrante da mensagem cristã, ainda que só à luz de Jesus Cristo receba seu sentido definitivo. Em muitas tradições culturais e religiões há 10. A teologia crista está sempre mais consciente desse problema: vamos abordá-lo no capítulo 10 sobre a unidade de Deus. Cf. A. MANARANCHE, IImonoteísmo cristiam, Brescia, 1988. Esse problema não deveria ser passado por alto no diálogo com judeus e muçulmanos. 11. CONCÍLIO LATERANENSE, ano de 649 (DS 501): Si quis... non confitetur trinitatem in unitate et unitatem in trinitate”. SCHEFFCZYCK, op. cit., 343ss.-344: a... a fé cristã na Trindade entendeu-se sempre a si mesma como a forma mais elevada da fé em um só Deus”. Cf. Gregório NAZIANZENO, Or. 25,17 (SCh 284, 198). 2 3
  • 22. QUESTÕES PREUMINARES sementes do Verbo, raios da verdade e presença do Espírito1 2 . Deus pode ser conhecido pelas obras da criação (cf. Sb 13,1-9; Rm 1,19-23), que podem levar com a luz da razão à certeza de sua existência (cf. DS 3.004). A fé cristã, que não pode ser fruto de uma dedução racional, deve poder justificar-se ante a razão mesma. Mas a profundidade do mistério de Deus só se conhece com a revelação cristã em queJesus nos diz tudo o que ouviu de seu Pai (cf. Jo 15,15). O reconhecimento da possibilidade de um verdadeiro conheci­ mento de Deus fora da fé não nos deve levar a minimizar a originalidade da mensagem cristã e de sua visão de Deus. Só com base no mistério trinitário é compreensível a encarnação, que Deus se faça homem e comparta nossa condição em tudo menos no pecado (cf. Hb 4,25), até a morte, e morte de cruz (F1 2,6-11), como igualmente só porque Deus é uno e trino podemos pensar que introduz a nós, homens, na plenitude de sua vida. Chegados a este ponto devemos dar um passo a mais: a revelação de Deus em Jesus, a revelação cristã do Deus uno e trino, é um confronto com um mistério cada vez maior. Com efeito, um Deus que se apresentasse como simplesmente unipessoal seria mais fácil de entender, menos misterioso do que nosso Deus uno e trino, revelado como tal na encarnação de seu Filho. Não devemos pensar portanto que a revelação de Deus acontecida em Cris­ to nos “explique” o ser de Deus ou faça compreensível seu mistério: “O Deus que envia seu Filho ao mundo, o Deus que manifesta seu amor entre- gando-o à morte, mostra-se mais misterioso e inescrutável”1 3 . A revelação cristã significa desse modo o confronto mais imediato com o mistério de Deus14. Nisso se deve ver a definitividade da manifestação de Deus em Cris­ to. A maior proximidade de Deus significa a maior possibilidade de ver sua grandeza inescrutável. Um mistério não é simplesmente o inconciliável com nossa experiência, nem tampouco o que não conhecemos e talvez possamos algum dia conhecer, mas o mistério é o próprio Deus, Deus é o mistério 12. Cf. VATICANO II, NA 2; AG 9,11; O T 16; JOÃO PAULO II, Redanptoris Missio 28-29; 5S-S6; COMISSÃO TEOLÓGICA INTERNACIONAL, El Cristianismoy las Religiones,Citú dei Vaticano, 1997,40-45. 13.JOÃO PAULO D, na audiência de 25-09-1985; cf. btsegnamentidi GiovanniPaolo II, 8, 2 (1985) 764. 14. H. U. von BALTHASAR, Ttodramática 3. Laspersonas dei drama: el bombre tn Cristo, Madri 1993,486: “Um Deus puramente transcendente (caso pudesse existir seme­ lhante Deus) seria um mistério abstrato, puramente negativo. Mas um Deus que em sua transcendência pudesse ser também imanente é um mistério concreto e positivo: na me­ dida em que se aproxima de nós, começamos a reconhecer quando está elevado sobre nós, e na medida em que se nos revela em verdade começamos a compreender quanto é incompreensível”. 2 4
  • 23. INTRODUÇÃO AO TRATADO santo que tudo abarca. Quanto maior é a revelação de Deus, maior é seu mistério, maior é o saber do não-saber, porque põe diante de nós a imensa grandeza de Deus. £ tudo isso não é apesar da proximidade, mas justamen­ te por causa dela. Isso podia valer, também, para a própria visão beatífica: O que se sabe de Deus, sabe-se enquanto incompreensível: o que sesabe de Deus é verdadeiramente sabido no último do conhecimento humano, só quando seu caráter misterioso se sabe do modo mais alto; o supremo conhe­ cimento é o conhecimento do mistério supremo enquanto talIs. É por isso que a revelação do mistério de Deus em Cristo não nos resolve a questão de Deus, mas o que faz é confrontar-nos com o mistério que é o próprio Deus de maneira mais radical. Porém estamos confronta­ dos com ele enquanto ele mesmo se dá a nós, põe-se a nosso alcance, enquanto nos acolhe. E a proximidade radical do mistério santo, não sua distância, que nos faz captá-lo em todo o seu esplendor. Por isso temos em Jesus a revelação do mistério de Deus, quando contemplamos a glória que lhe corresponde como unigénito do Pai (cf.Jo 1,14). N o mistério de Cris­ to que nos revela o Pai, encontramo-nos com a expressão do mistério in­ sondável de Deus que, paradoxalmente, pode dar-se-nos a conhecer na proximidade de seu Filho feito homem, pode fazer-se tanto mais próximo de nós quanto maior é sua transcendência. O mistério do amor de Deus é o conteúdo fundamental da revelação divina. Tudo isso é um chamamento ao louvor, à adoração, não uma afir­ mação negativa. Porque o Deus que não podemos abarcar e que está mais além e acima de nós volta-se para nós. A ocultação de Deus é a ocultação de sua revelação, a ocultação de sua glória na paixão e morte de Jesus Cristo, que é a máxima manifestação do amor de Deus pelos homens. A revelação do mistério, que é a revelação de nossa salvação que não pode senão o próprio Deus1 5 1 6 . A revelação do mistério de Deus, que é o próprio Cristo, dá-nos a plenitude da sabedoria e do conhecimento “para que al­ cancem em toda sua riqueza a plena inteligência e perfeito conhecimento 15. K. RAHNER, Sobre o conceito de mistério na teologia católica, in Escritos de teologia IV, Madri 1964, 53-101, aqui 83. Quem na tradição cristã acentuou muito esse aspecto foi GREGÓRIO DE NISSA, De vita Mos. I I 162; 163 (SCh 1 bis, 210): “N isto consiste o conhecimento verdadeiro do que buscamos: em ver o não-ver”; n 233 (266): “Nisto consiste a verdadeira visão de Deus: em que quem o vê não se sacia nunca em seu desejo de ver”: igualmente em 235; 239 (268;270). 16. Cf. W. KASPER, Der Gottjesu Christi, 165-167. 25
  • 24. QUESTÕES PRELIMINARES do mistério de Deus que é Cristo, no qual estão todos os tesouros da sa­ bedoria e do conhecimento” (Cl 2,2-3). Isso é precisamente o que aparece em Jesus: o amor de Deus, maior do que podemos pensar, manifestado aos homens. Deus amou tanto o mundo que enviou seu único Filho 0o 3,16) para morrer por nós. E a revelação do abismo do amor, a incompreensibilidade da proximidade in­ compreensível que, superando-as, responde no mais profundo às expectati­ vas do coração humano. Uma esperança que o homem sabe não poder con­ seguir por si mesmo, Tudo isso é precisamente a revelação do Deus uno e trino. Um Deus que em sua incomparavelmente maior proximidade mani­ festa sua incomparável incompreensibilidade, e vice-versa. A revelação de Deus é o mistério de nossa salvação, é a participação em sua própria vida. Encontramo-nos aqui com o mistério do “Deus sempre maior”, liga­ do ao mistério do amor de Deus. No Novo Testamento, em particular nos escritos de João, achamos diversas “definições” de Deus1 7 . Entre elas se destaca a de ljo 4,8.16: “Deus é amor”1 8 . Toda a teologia trinitária pode ser entendida como um comentário a essa frase, e na realidade não faremos mais do que desentranhar seu sentido no curso de nossa exposição. Do amor que se manifesta em Cristo a primeira carta deJoão chega a insinuar que é o próprio Deus. Aí está a definitiva novidade do conceito de Deus bíblico e sobretudo cristão. O deus aristotélico é o motor imóvel, o fim de todas as coisas, o que as atrai, o amado, mas não o amante1 9 , lòdo-perfeito, não pode amar, porque amar é tendência a possuir. O Deus revelado em Cristo oferece- nos a dimensão do amor como dom de si20. E a radicalidade do dom de si a nós que nos evidencia a condição de inabarcável do Deus amor. O mis­ tério de Deus que sua revelação põe diante de nós é, antes de tudo, o mistério de seu infinito amor. E esse amor que a doutrina trinitária da 17. A impropriedade do termo é de todo evidente. Deus é por definição o “Ilimita­ do”, o que não conhece o limite. Assim, segundo Jo 44,24, Deus é espírito: a noção de espírito nos indica predsamente o incontrolável, o que o homem não pode abarcar. Segun­ do ljo 1,5, Deus é luz, noção que claramente aponta também a plenitude sem limites. 18. Cf. R. SCHNACKENBURG, CartasdeSanJüan, Barcelona, 1980,256-264, “El amorcomo essenda de Dios”;T h SÖDING, “G ott ist Liebe”, ljoh. 4,8.16 als Spitzensatze Biblischer Theologie, in ID. (Org.) Der lebendige Gott. Studien zur Theologie des Neuen Testaments (Festschrift W. Thüsing), Münster, 1996, 306-357. 19. C fARISTÓTELES,Metafísica,XU, 7-9,1072-1074 (ed. G. Reale, 562-584) [Edição brasileira: Metafísica, XU, 7-9,1072-1074 (ed. G. Reale, 561-577), São Paulo, Loyola, 2002.] 20. Cf. E JÜNGEL, Dias como mistério dei mundo, Salamanca, 1984,433 “A equipa­ ração ‘Deus é amor’ é uma afirmação que preserva a divindade de Deus”. 2 6
  • 25. INTRODUÇÃO AO TRATADO Igreja trata de aprofundar. Nada tem de particular portanto que os recen­ tes documentos da Igreja nos apresentem o mistério de Deus imo e trino como o mistério central do cristianismo: O mistério da Ssma. Trindade é o mistério central da fé e da vida cristãs. O mistério de Deus em si mesmo. É, portanto, a fonte de todos os outros misté­ rios da fé, aluzque os ilumina. E o ensinamento mais fundamental da “hierar­ quia dasverdades”da fé. Ahistória dasalvação é amesmahistória do caminho e do modo com que o Deus verdadeiro e uno, Pai, Filho e Espírito Santo, se revela aos homens, separados pelo pecado, e os reconcilia e os une a Si2 1 . Essa constatação nos conduz ao ponto seguinte que devemos tratar. O CARÁTER CENTRAL DA FÉ NO DEUS UNO E TRINO Se a fé nos diz que Deus é o único fim do homem, e nos mostra além disso que a originalidade do conceito cristão sobre ele baseia-se em sua característica última de ser o Deus amor, ou o Deus uno e trino, nada tem de estranho que essa confissão constitua o centro da fé cristã. Segundo o mandamento de Jesus em Mt 28,19, o batismo é administrado em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo. Já esse fato mostra a relevância da fé no Deus trino, pois em seu nome se entra na comunidade dos fiéis. As antigas profissões de fé, os símbolos, têm em sua maioria uma estrutura trinitária22. Pensemos em concreto no Símbolo apostólico e no niceno- constantinopolitano. A confissão de fé no Pai, Filho e Espírito Santo pre­ cede em todo caso a profissão de outras verdades, quando essas são 21. CEC 234, trad. do CathecbismusCatbolicae Ecclesiae, Città dei Vaticano, 1997,71. Repete-se a idéia de forma sintética no n° 261, acrescentando sigmfícadvamente a estrita necessidade da revelação desse mistério para que possamos conhecê-lo. “O mistério da Santíssima Trindade é o mistério central da fé e da vida cristã. Somente Deus pode dar-nos a conhecer, revelando-se como Pai, Filho e Espírito Santo* (Ibid. 79). Outras confissões cristãs confessam também essa centralidade do m istério de Deus uno e trino. Assim, o Conselho Ecumênico das Igrejas define-se a si mesmo com estas palavras: “O Conselho Ecumênico das Igrejas é uma sociedade fraterna (feüawsbip) de Igrejas que confessam ao SenhorJesus Cristo como Deus e Salvador segundo as Escrituras e se esforçam por respon­ der juntas a sua comum vocação para glória do único Deus, Pai, Filho e Espírito Santo” (cf. J. VERCRTJYSSE, Introduzione atta teologia ecumenica, Casale Monferrato 1992, 51). 22. Igualmente a “regra de féwapresentada pelos antigos escritores: cf. por ex., IRINEU,i4to. Haer. 110,1 (SCh 264,154-156); TERTULIANO, Adu. Prax. 2,2 (Scarpar, 144-146) etc. 2 7
  • 26. q u e s t õ e s p r e l im in a r e s introduzidas2 3 . Outras fórmulas têm uma estrutura bipartida, trinitário- cristológica24.Nesses casos, a parte trinitária coloca-se em primeiro lugar. A Trindade está no lugar central da liturgia cristã, na celebração da eucaristia e dos outros sacramentos. A oração eucarística dirige-se sempre ao Pai25, e termina com uma doxologia que menciona as três pessoas: “Por Cristo, com Cristo em Cristo...”. As orações dirigem-se normalmente ao Pai por Jesus Cristo, na unidade do Espírito Santo. A fórmula de louvor ao Pai pelo Filho, no Espírito Santo deu lugar, para evitar interpretações subordinacionistas, à que usamos com mais freqüência, “Glória ao Pai, ao Filho e ao Espírito Santo”, que sublinha a igual dignidade das três pessoas26. A Trindade foi posta também no centro da vida da Igreja no Concílio Vaticano II; a Igreja, chamada à unidade: “Assim se manifesta toda a Igreja 'como uma multidão reunida pela unidade do Pai e do Filho e do Espírito Santo’” (LG 4)27. O que sem dúvida está no centro da fé e da vida da Igreja deveria estar também no centro da consciência cristã. Só no contexto da doutrina trinitária podemos entender a salvação de Cristo. Sem ela a cristologia fica reduzida a mera funcionalidade que, no fim das contas, acaba por destruir a função mesma. Porque reduzir nossa preocupação à significação deJesus ou de Deus para nós, sem indagar sobre o que são em si mesmos, equivale a perder de vista o sentido mesmo da salvação cristã. Se não nos preocu­ pamos pelo que é em si mesmo o mistério divino do Pai que nos envia seu Filho e o Espírito Santo e da unidade dos três que são um único Deus, por que temos de atribuir a Cristo um caráter definitivo e insuperável? Em que relação intrínseca com o mistério de Cristo se acha o dom do Espírito? Por que em Cristo se realizou a salvação de todos os homens? Em que consiste, em último termo, essa salvação tantas vezes caracterizada como participa­ ção na vida divina? Todas essas questões não são de pouca importância e 23. Cf. os exemplos aduzidos em DS 1-64. Alguns desses símbolos têm uma forma interrogativa, que reflete o mesmo esquema (cf. DS 36,61-64). 24. Cf. DS 71-75. Especialmente importante entre esses símbolos é o chamado Quicumque, DS 75, provavelmente da primeira metade do século V 25. Segundo a antíga fórmula do Concílio de Hipona (ano 393): “cum altari adsisntur semper ad Patrem dirigatur oratio”. Cf. B. NEUNHAUSER, “Cum altariadsistitursemper ad Patrem dirigatur oratio”Der Kanon 21 des Konzils vm Hippo 393. Seine Bedeutuag und Nadrairkung, Aug. 25 (1985) 105-119. 26. Cf. BASÍLIO de Cesaréia, De Spiritu Sancto, I 3 (SCh 17 bis, 256). Ambas as fórmulas são corretas segundo o bispo de Cesaréia. 27. Cf. CIPRIANO, De orat. dom. 23 (PL 4.553); AGOSTINHO, Sermo 71,20-33 (PL 38,463s);João DAMASCENO,Ado. lconocl. 12 (PG 96,1.358). VerN. SILANES, La Iglesia de !a Trinidad. La Ss. Trmidad en el Vaticano U, Salamanca, 1981. 2 8
  • 27. INTRODUÇÃO AO TRATADO não podem ser respondidas sem uma visão adequada do mistério do Deus uno e trino. Chegamos ao mistério de Deus através da história da salvação, mas ao mesmo tempo a exigência de esclarecer esse mistério vem da pró­ pria historia salutis, que ficaria sem fundamento sem essa consideração do que é Deus em si mesmo. O “ESQUECIMENTO” DATRINDADE A doutrina cristã de Deus estará sempre em busca de um equilíbrio entre a unidade e a trindade divinas. Nem um Deus simplesmente monádico nem um triteísmo são compatíveis com a revelação do Novo Testamento. Manter a justa tensão entre esses dois pólos não foi, nem é ainda hoje, uma tarefa facil. É um fato que no mundo ocidental não foram sempre felizes a pregação e a catequese sobre o Deus uno e trino. ATrindade divina foi vista simplesmente como o mistério incompreensível, mais do que como funda­ mento e princípio de nossa salvação. Na mesma teologia, a doutrina da Trindade sofreu em algumas épocas um certo “afastamento”: uma vez afir­ mado que Deus é uno e trino, depois praticamente se deixou de lado, ou ao menos não teve muitas repercussões no desenvolvimento de boa parte dasmatérias restantes28.Nem sempre resultou facilvero sentido desse ensina­ mento. Não há dúvida de que em certos momentos da história produziu-se em amplos estratos de crentes uma certa diminuição do sentido da origina­ lidade do monoteísmo cristão, da visão cristã de Deus. Diversos fatores contribuíram para esse resultado. A Ilustração bus­ cou a razão universal, criticou a religião histórica e concretamente o cristia­ nismo: como poderia a salvação de todos depender de um acontecimento concreto que muitos não chegaram a conhecer e nem tiveram a possibili­ dade mais remota de fazê-lo? Não é injustiça da parte de Deus, que deixa que grande parte dos homens ignorem Cristo?29Tudo isso leva necessaria- 28. Cf. Karl RAHNER, Advertendas sobre el tratado dogmático “De Trinitate”, in Escritosde TeologiaIV, Madrid, 1964, 105-136, esp. 107-110. Asituação descrita pelo teó­ logo alemão já não corresponde, felizmente, ao momento atual. Também em 1981 a Co­ missão Teológica Intemadonal, em seu documento Teologia - Cristologia - Antropologia, observava que a Trindade não era sufidentemente levada em conta pelos autores da neo- escolástica “para entender a Encarnação e a divinização do homem”.Cf. COMISSÃO TEO­ LÓGICA INTERNACIONAL, Documentos 1980-1985, Toledo, s. f., 12. Veja-se ainda o texto latino, Theologia-Christologia-Anthropologia, in Greg 64 (1983) 5-24,10. 29. Essa pergunta e outrassemelhantesasformulavaJ.J. Rousseau.C f E A SULLIVAN, Sahation outside tbe Cburtb? Tracmg bistoryofcatbolicresponse, New York, 1992,104-108. 2 9
  • 28. QUESTÕES PRELIMINARES m ente à desvalorização do cristianismo e de toda religião positiva. Esta será necessariamente algo secundário, o verdadeiramente importante é a religião da razão. Dela nos vêm as maiores idéias sobre Deus. Significativo também a esse respeito Immanuel Kant, que expôs suas idéias sobretudo em sua “A religião dentro dos limites da pura razão” (Die Religion innerbalb der Grenzen der reinen Vemunfi). A verdadeira Igreja há de ser algo universal, não pode fundar-se sobre uma revelação histórica, que será necessariamente particular. Portanto, só a fé religiosa pura, fun­ dada na razão, pode ser reconhecida como verdadeira3 0 . O que a religião declara como mistério pode reduzir-se à razão somente, e especialmente à sua dimensão moral. Quando há textos bíblicos que não somente superam a razão, mas podem ser considerados contraditórios perante a razão práti­ ca, devem ser interpretados em favor dessa última. Isso acontece com a Trindade: “Da doutrina da Trindade simplesmente nada se pode tirar para a vida prática, inclusive se se acreditasse entendê-la imediatamente: mas muito menos ainda quando se está convencido de que supera nossos con­ ceitos”. Se em Deus há três ou dez pessoas, resulta indiferente, porque “dessa diferença não se pode tirar nenhuma regra diversa para o compor­ tamento”31. Impõe-se portanto uma interpretação puramente racional da Trindade, já que esse ensinamento não só supera, mas contradiz a razão prática. Daí que aquilo que a doutrina cristã do Deus uno e trino chama três pessoas são unicamente esses três atributos de Deus, que é santo, benévolo e justo: enquanto criador do céu e da terra é o legislador san­ to; enquanto rege e sustém o gênero humano, é benévolo; e é o juiz justo, que faz cumprir suas leis santas32. A Trindade reconduz-se desse modo à exigência prática da “vocação”, da “satisfação” e da “eleição” por parte de Deus. “Vocação”: os homens são chamados a um estado divino não por dependência devida à criação, mas por uma lei da liberdade. “Satisfação”: porque o homem está moralmente corrompido, e portanto precisa que Deus compense o que falta às capacidades humanas. Exigência da “elei­ ção”: pela qual Deus dá uma graça celestial não por mérito do homem, mas por seu decreto incondicionado33. No único ser supremo, unipessoal embora com pluralidade de atri­ butos, adora-se o Pai enquanto ama os homens, ao Filho enquanto se faz modelo para a humanidade, ao Espírito Santo enquanto busca o acor­ do e o consenso entre os homens e mostra um amor fundado na sabedo­ 30. Cf. I. KANT, Die Religion... in Gesammelte Werke, Berlim, 1913, v. VI, 115. 31. Id., Der Streit der Fakultäten, in Gesammelte Werke, VII, 38-39. 32. Id., Die Religion..., 139ss. 33. Ibid., 142ss. 3 0
  • 29. INTRODUÇÃO AO TRATADO ria343 5 . Falar de um Deus em três pessoas seria politeísmo; não se trata portan­ to de três pessoas, mas de uma pessoa tríplice, enquantornnrmum ens,swttma intelligentia, sumrnum bonum15. E claro com esses pressupostos queJesus não pode ser Deus, em sentido estrito, senão "homem divino”, o ideal sublime de virtude inato em nossa razão. Com efeito, "na manifestação do Deus- homem não é o que se apresenta aos sentidos ou pode ser conhecido por experiência, senão o modelo existente em nossa razão o que constitui pro­ priamente o objeto da fé santificante”363 7 . Parece por conseguinte que a própria figura histórica de Jesus é considerada, em último termo, irrelevante. Não é nosso intento desenvolver agora a filosofia k an tian a da reli­ gião, mas somente aduzir um exemplo significativo para ver como a teo­ logia trinitária é a primeira a desaparecer quando se trata de buscar um deus e uma religião válidos para todos e submetidos àsleis da razão erigidas em norma suprema. Certamente a Igreja combateu esse racionalismo, mas a necessidade da luta leva às vezes ao terreno do adversário. A preocupação apologética obriga a manter-se em um terreno de noções comuns, e assim a peculiaridade do Deus cristão fica relegada a um segundo momento, uma vez que se mostrou que a revelação de Deus é possível; os conteúdos dessa revelação, e em concreto as características do Deus que se dá a co­ nhecer na encarnação, não aparecem no primeiro plano desse confronto5 7 . Uma determinada concepção da relação entre a natureza e a graça pode ter ajudado essavisão das coisas. A natureza, e com ela o conceito de Deus que pela razão se pode alcançar, teria um sentido em si mesma; a revelação sobrenatural vem acrescentar novos conteúdos a um horizonte que perse 34. Ibid., 145ss. 35. Cf. A. MILANO, La 11111112dei teologi e dei filosofi, in A. PAVAN; A. MILANO (ed.), Persona epersonalismi, Nápoles, 1987, 120. 36. KANT, op. cit-, 139. E em Der Streit der Fakultäten, in Gesammelte Werke, VH, 39: “A situação é exatamente a mesma (como a da Trindade) para a doutrina da encarnação de uma pessoa da divindade. Pois se esse Deus-homem não se apresentou como a idéia da humanidade que desde a eternidade se encontra em Deus em sua completa perfeição moral e a ele grata... senão como a divindade que habita corporalmente em um homem real e que nele atua como uma segunda natureza, então esse mistério não tem nenhuma relevância para nós, porque não podemos pretender de nós mesmos que devamos agir igual a um Deus, e portanto não pode ser para nós um exemplo”. 37. Cf. R. LATOURELLE, Teologiadela Revelaáán, Salamanca, 1969,242ss. Segun­ do ele, os tratados sobre a revelação dos começos do século XX “passam rapidamente a tratar do problema da possibilidade da revelação, sem dar-se conta de que não se trata de uma revelação qualquer, mas de uma revelação específica, que nos chega pelas vias da his­ tória e da encarnação”. O. GONZÁLEZ DE CARDEDAL, La entraria dei cristianismo, Salamanca, 1997,71: “Os teólogos, querendo refutar essa imagem de Deus, ficaram presos a ela, por aceitar os pressupostos do debate”. 31
  • 30. QUESTÕES PRELIMINARES teria um sentido suficiente. Assim, a Trindade viria acrescentar-se a uma noção de Deus uno que em si mesmo poderia ser considerado um fim natural do homem. Foi a crise dessa idéia racional de Deus, o aparecimen­ to do ateísmo, que pôs em primeiro plano o interesse pela Trindade, a idéia genuinamente cristã do Deus amor. Mas a questão do relativo esquecimento do dogma trinitário tem tam­ bém raízes intrateológicas mais antigas. A teologia pré-nicena foi enorme­ mente trinitária em suas formulações, e sobretudo ao considerar o desen­ volvimento da economia salvífica. Mas não foi sempre de todo clara, ao menos para os momentos posteriores, sobre todas as implicações do dogma trinitário, em particular no que respeita à igual dignidade das pessoas. Isso levava essa grande teologia a algumas posições que do ponto de vista dos desenvolvimentos que se seguiram pôde ser acusada de certa ambigüidade. Em concreto, a tendência a considerar o Filho e o Espírito Santo em certo sentido “subordinados” ao Pai, embora sua condição divina fosse clara­ mente afirmada. A crise ariana obrigou a uma profunda reformulação da questão. A negação da divindade do Filho (e do Espírito Santo) significava a volta a um monoteísmo em que só havia lugar para uma pessoa divina, a do Pai. A afirmação ortodoxa da divindade do Filho e do Espírito Santo levou a uma forte acentuação da unidade da essência divina, manifestada na unidade das atuações ad extra. Eliminado radicalmente da teologia o problema do subordinacionismo, surge o da relevância do dogma trim táno e sua vinculação com a história da salvação38. A afirmação legítima e neces­ sária da unidade pôde trazer consigo um certo esquecimento da relevância, que também na sua atuação ad extra a respeito de nós, têm as distintas pessoas do único Deus39. A insistência na unidade da essência do único Deus e na igualdade das três pessoas não pode fazer esquecer a distinção entre elas, que faz possível a própria história da salvação e portanto se reflete nela. O único Deus que nós, cristãos, professamos há de aparecer desde o primeiro instante como o Deus trino, que se mostra tal em suas relações conosco. Um só Deus e um só princípio das criaturas não quer dizer um princípio indiferenciado. Se dizemos com o CIC (cf. nota 26) que a Trindade ilum ina todos os momentos da fé, isso deveria ter conse­ quências em cada um dos temas teológicos. 38. Sobre esse conjunto de problemas ver G. ANGELINI, II tema trimtáno nella teologia scolastica, ScCat 116 (1990) 31-67. 39. Um exemplo desse esquecimento relativo. Sto. TOMAS (STh Dl 23,2) chega a afirmar que a invocação do “Pai nosso” dirige-se às três pessoas divinas e que convém à Trindade inteira a adoção dos homens como filhos de Deus. Cf. AGOSTINHO, Trm V, 11,12 (CCL 50, 219). 3 2
  • 31. INTRODUÇÃO A O TRATADO SOBRE A ESTRUTURA DO TRATADO Já não é habitual nos recentes manuais a distinção clássica entre uma parte dedicada ao De Deo uno e outra ao De Deo trino*0, que deriva em último termo da sistemática de Sto. Tomás, que trata primeiro do que corresponde à essência de Deus e depois da distinção das pessoas4 0 41. Essa divisão fez fortuna durante séculos. Acentuada na época do Re­ nascimento e do Barroco, pôde facilmente dar a impressão de ser tributá­ ria de uma distinção demasiado drástica entre as verdades alcançáveis pela razão e as que só podem ser conhecidas pela revelação divina. No tratado De Deo uno estuda-se a essência divina, seus atributos, a cognoscibilidade de Deus etc. Assim, a primeira parte do tratado e ainda, de certo modo, a segunda, enquanto a primeira deu o "tom” da exposição, centram-se no “em-si” de Deus, com pouca relação com o mistério salvífico. Esse tratado converteu-se em grande medida em tratado filosófico424 3 . Uma vez que se tratou de recuperar o seu conteúdo teológico, insiste-se muito na revela­ ção de Deus no Antigo Testamento. Mas resulta demasiado simples e por isso inexata a divisão entre a revelação do Deus uno no Antigo Testamento e do Deus trino no Novo. Porque a revelação da Trindade é um aprofun­ damento da mesma unidade divina, não algo que a ela se justaponha. En­ tão, a divisão dos dois tratados, do Deus uno e do Deus trino, parece muito mais difícil, para não dizer impossível. De outro lado, algumas das partes clássicas do tratado De Deo Uno, em concreto os atributos ou propriedades divinas, entendem-se melhor se se tem presente o Deus trino, em comu­ nhão de pessoas, e não só uma abstrata essência divina41; sobre o ser dessa última reflete-se melhor uma vez que se sabe que a possuem o Pai, o Filho e o Espírito Santo. A crescente preocupação, de outro lado, por partir da "história da salvação”, e portanto da revelação de Deus em Jesus, faz que 40. A distinção se mantém muito claramente, também no título, em J. AL ROVIRA BELLOSO, TratadodeDiasimoy trino, Salamanca, 1993.Mantém-se uma distição em alguns manuais que recolhe toda a dogmática. Assim: G. L. MÜLLER, KatholischeDogmatik. Für StudiumundPraxisder Theologie, Freiburg-Basel-Wien, 21996, embora não responda à divi­ são habitual entre Deus uno e trino. Cf. nota 46 a seguir. 41. Cf. STb 1,2, prol.; Sto. Tomás é conseqüente com essa distinção no desenvolvi­ mento de seu tratado. Todavia Pedro LOMBARDO, Uber Sentetiarum I, combina as ma­ térias que com o tempo vieram a ser os tratados De Deo uno e De Deo trino. 42. Cf. A STAGLIANÒ, II mistero dei Dio vivente, Bologna, 1996,320. 43. Interessantes, nesse sentido, as posições dej. AUER, Gott-derEineundDreieine, Regensburg, 1978; L. SCHEFFCZYCK, Der Gott der Offenbarung. Gotteslehre, Aachen 1996. 3 3
  • 32. Qu e s t õ e s p r e l im in a r e s essa divisão fique mais difícil. Seguindo portanto a linha preponderante nos últimos tempos, trataremos de integrar os dois âmbitos de problemas, dando uma preferência muito clara e marcada aos que pertencem ao De Deo trino na distinção tradicional. Mas trataremos de fazer ver, como tra­ dicionalmente se fez, que a trindade e a unidade divinas são dois aspectos igualmente originais do ser de Deus, e que nunca podem separar-se um do outro. Dirigimos nossa atenção desde o primeiro instante ao Deus uno e trino, “triúno”44. Nosso ponto de partida sistemático será arevelação de Deus em Cristo. N ão há outro modo de chegar ao mistério profundo do verdadeiro Deus, como já indicamos. Na vida de Jesus, na revelação da “Trindade econômi­ ca” abre-se-nos o mistério da “Trindade imanente”. Depois de uma refle­ xão sistemática sobre a Trindade econômica e imanente, dirigiremos a atenção para a manifestação da Trindade na vida de Jesus na primeira co­ munidade cristã. A evolução das doutrinas trinitárias até o segundo concí­ lio de Constantinopla e os concílios medievais será o passo seguinte. Mas deixaremos o estudo de Sto. Agostinho e dos grandes teólogos medievais para o momento da reflexão sistemática, que iniciaremos com as noções clássicas de processões e relações, que nos abrirão o passo ao estudo da pessoa, noção central da teologia trinitária. Estudaremos as noções clássi­ cas e os problemas modernos em tomo desse conceito. Daí poderemos passar ao sentido da afirmação de três pessoas no Deus uno. O Deus Pai, o Filho e o Espírito Santo, em suas propriedade pessoais, serão objeto de estudo a seguir. Só depois veremos brevemente a unidade da essência di­ vina, as propriedades de Deus, o conhecimento natural de Deus e a lingua­ gem da analogia. Penso, com efeito, que uma vez estudada a trindade de pessoas é mais facil abordar a questão da essência divina e das propriedades de Deus. Trata-se da essência possuída pelas três pessoas e das proprie­ dades do Deus que em si mesmo é amor e comunhão45. 44. A palavra que normalmente indica a Trindade em alemão é Dreieinigkeit. Com­ binam-se portanto unidade e trindade no mesmo vocábulo. Nas línguas latinas deve-se recorrer a neologismos para exprimir a idéia. Cf. W. KASPER, Der Gottjesu Christi,Mainz, 1982,381 (“Der eine Gott ist dreieine”). G. GRESHAKE, DerdreieineGott. Einetrinitariscbe Theologie, Freiburg-Basel-Wien, 1997. 45. Não sigo a opinião que tende a significar o Deus uno com o Pai. São dados os resultados do artigo de K. RAHNER, Theos im Neuen Testament, Theos em el Nuevo Testamento, in Escritosde teologiaI, Madrid, 1963, 93-167, sobre o fato de que Deus signi­ fica no Novo Testamento o Pai, e que esse seja o Deus do Antigo Testamento. Daí não se segue que tudo o que se deve dizer do Deus imo se diga simplesmente do Pai. O Pai não é mais do que sua relação com o Filho e o Espírito e os três constituem o único Deus. Cf. mais adiante os incisos dedicados ao Pai e à unidade divina (capítulos 10 e 11). 3 4
  • 33. INTRODUÇÃO AO TRATADO O TRATADO SOBRE DEUS NA SISTEMÁTICA TEOLÓGICA Deus é o princípio e o fim de tudo, o Alfa e o Omega. Esses dois as­ pectos de uma só verdade hão de ver-se em sua mútua relação e tensão. Por isso há quem tenda a ver a Trindade como o final e a coroa de toda a dogmática, e há quem prefira vê-la no começo, por constituir a origem e o princípio de todos os demais mistérios que só podem ser entendidos à luz desse mistério fontal. Toda sistemática é limitada, todas oferecem van­ tagens e inconvenientes, e de fato vemos que não há unanimidade nas recentes obras de conjunto e nas coleções, embora prevaleça a tendência de colocar o tratado de Deus no começo da dogmática46. A presente obra não se situa em nenhum plano de conjunto, e assim esse problema é aqui relativamente secundário. Mas penso que há boas razões para colocar esse tratado nos começos dos estudos teológicos, e em íntima relação com a cristologia47. Creio acertadas as razões expostas por W. Kasper nas páginas finais de seu tratado teológico Der Gottjesu Christi (O Deus deJesus Cris­ to)48:o tratado sobre Deus trino deve ser colocado no começo da dogmática, porque nele se trata o tema que depois, em múltiplas variações, tomará a sair à luz. Faz-se temático o tema, dos muitos temas da dogmática. E de 46. Assim em Th. SCHNEIDER (ed.) Handbuch der Dogmatik, Düsseldorf, 1992, 2 vols., a Trindade aparece no final, ainda que precedida por um tratado sobre Deus. A coleção que se começa a publicar Katoliscbe Dogmatik de L. SCHEFFCZYCK e A. ZIEGENAUS, coloca o tratado de Deus (cf. n. 7), o primeiro publicado, no volume 2 da série, depois da Introdução. Disposição semelhante adotaram em seu tempo J. AUER e J. RATZINGER, KleinekatholischeDogmatik. O tratado de Deus aparece também no começo da dogmática em Mysteriumsakuis. W. PANNENBERG colocou-o também no começo da dogmática em sua SystematischeTheologie. G. I. MÜLLER, KatholischeDogmatikfürStudium undPraxis der Theologie, Friburg-Basel-Wien, 1996, coloca um capítulo sobre a relação de Deus criador como o Deus de Israel e o Pai de Jesus, depois da antropologia e da criação; seguem a cristologia e a pneumatologia, e depois desses tratados a Trindade vem a signi­ ficar uma espécie de conclusão de um bloco teológico-cristológico, antes de mariologia, escatologia, eclesiologia e sacramentos. Também W. BETNERT (ed.), Glaubenszugänge, Lehrbuchderkatb. Dogmatik, Paderbon-München-Wien-Zürich, 1995, coloca o tratado de Deus no começo, combinando as matérias dos tratados tradicionais (W. BREUNING, Gotteslebre, v. I, 201-362). A coleção Sapienúa Fidei a coloca no começo dos tratados dog­ máticos. O Corsodi TeologiaSistemática a situa depois do volume introdutório e da teologia fundamental. B. LAURET e F. REFOULÉ (eds.), Initiation à la pratique de la Tbéologie, Paris, 1982, 5 vols., a colocam ao final da dogmática (vol. 3, 225-276). Sobre alguns aspec­ tos da história da questão pode-se ver SCHEFFCZYCK, op. cit., 206-210. 47. Cf. G. COLOMBO, “Teocentrismo” e acristocentrismo, Teologia6 (1991) 293- 306. “Não se pode falar do Deus cristão ignorandoJesus Cristo, nem se pode falar de Jesus Cristo antes que de Deus”. 48. Cf. o n. 44 especialmente nas páginas 379-380 da obra.
  • 34. QUESTÕES PRELIMINARES alguma maneira a gramática dos demais temas da dogmática, a afirmação fundamental da teologia (Grundsatz) que não pode nunca converter-se em um acréscimo (Zusatz) a ela. Deve-se correr o risco de que nem tudo seja, no inído, bem compreendido. Quanto ao mais, muitos dos temas objeto de estudo não ficarão nesse tratado esgotados de uma vez por todas. Será preciso voltar a eles em outras ocasiões49. Deve-se buscar que o tratado de Deus revelado em Cristo não seja uma especulação vazia de sentido para a vida. Deve-se ver em todo mo­ mento a relevância teológica das diversas afirmações no contexto da fé da Igreja e da vida cristã. E, como insinuamos, teremos de abrir-nos constan­ temente à adoração do mistério santo que não podemos abarcar. Mas, ao mesmo tempo, não se deve evitar as dificuldades inerentes à matéria que é objeto de estudo. A fé procura entender não por um exercício especulativo supérfluo, mas porque quer crer mais a fundo e quer dar melhor razão de nossa esperança. É a fé que leva à compreensão (crede ta intelligas) mas tal compreensão, se for correta, não pode deixar de enriquecer a própria fé (inteüige ut credos). E o exercício da inteligência, nesse como em todos os campos teológicos, tem seus momentos de dificuldade ede aridez.Tampouco nós podemos poupar-nos deles. Só com esforço descobriremos as grandes intuições dos que nos precederam, para sentir-nos assim mais iluminados pelo mistério de amor que nos envolve, e o mesmo tempo conhecermos melhor o Deus em quem “vivemos, nos movemos e somos” (At 17,28). 49. W. PANNENBERG, TeologiasistemáticaI, M adri 1992,362: “A doutrina da cria­ ção, a cristologia e a doutrina da reconciliação, a eclesiologia e a escatologia, tudo forma parte do desenvolvimento completo da doutrina da Trindade... E inversamente, a doutrina trinitária de Deus é um resumo antecipado de toda a dogmática cristã”. 3 6
  • 35. A relação entre a Trindade “econômica” e a Trindade “imanente” 2 DA TRINDADE ECONÔMICA ÀTRINDADE IMANENTE A breve introdução ao tratado nos mostrou que só com a revelação acontecida em Cristo temos acesso ao conhecimento do Deus uno e trino. Nosso ponto de partida não pode ser outro senão a economia salvífica e, em concreto, o que o Novo Testamento nos diz sobre Jesus, que, revelan­ do-nos o Pai, se nos dá a conhecer como Filho e que, depois de sua ressur­ reição, envia-nos, da parte do Pai, o Espírito Santo que desceu sobre ele no batismo e na força do qual cumpriu sua missão. A “economia” é portan­ to o único caminho para o conhecimento da “teologia”1 . Uma breve reflexão sobre a relaçao entre as duas vai ajudar-nos a entrar com mais conheci­ mento de causa no estudo da história da revelação trinitária. A relação entre a economia e a teologia foi muito discutida na teolo­ gia nos últimos tempos. Ocasião para isso foi a formulação de K. Rahner do chamado “axioma fundamental” da teologia trinitária: “a Trindade eco­ nômica é a Trindade imanente, e vice-versa”2. Ou, em outras palavras: 1. A primeira é com freqüência chamada, em latim, disposido, dispensatio. Cf. Cate­ cismodaIgreja Católica,, n. 236, que se refere a essa antiga distinção dos Padres. Há que notar de todas as maneiras, como veremos em seu momento, que essas palavras nem sempre são utilizadas no mesmo sentido. 2 .0 Deus trino como princípio e fundamento transcendente da história da salvação, em AfySn/II/I, M adri (1969) 359-449, aqui 370. Cf. também, para o que segue, Ibid. 370- 371.Ja antes K. RAHNER tinha exposto ideias parecidas nas Advertências sobre o tratado dogmático DeTrmitate em Escritosde Teologia, Madrid, 1964, v. IV, 105-136. Não expomos aqui simplesmente a doutrina de Rahner, mas, tomando como ponto de partida suas re­ flexões e as discussões a que deu lugar, tratamos de esclarecer a questão do conhecimento da Trindade divina a partir da revelação dela na história da salvação. 3 7
  • 36. QUESTÕES PRELIMINARES Deus uno e trino revela-se na “economia”, tal como é sua vida imanente: através da revelação de Cristo temos um verdadeiro acesso à “teologia”. A formulação desse princípio e a discussão a que deu lugar produziram uma renovada tomada de consciência na teologia dessa verdade já antiga: só a partir da revelação acontecida em Cristo tem sentido que falemos do Deus trino. Dissemos que a verdade é antiga: a Trindade é uma verdade de fé, irredutível a partir de qualquer conhecimento de Deus que possamos ad­ quirir a partir das coisas criadas: assim o considera explicitamente, entre muito outros, Tomás de Aquino5. E evidente que não podemos considerar as coisas de outra maneira. Os esforços iniciados por Agostinho, e que continuaram na teologia medieval, por encontrar nas realidades criadas pegadas — vestigu? — da Trindade, que às vezes dão a impressão de ser deduções racionais, são com freqüênda tentativas de explicação que su­ põem o universo da fé, que certamente não podemos compreender com nossas categorias atuais5. Podem contudo mostrar, à luz da fé em Jesus, que o Deus uno e trino do qual tudo procede não está longe de nós nem de nosso mundo: permanecendo o princípio da indedutibilidade da Trin­ dade a partir da criação, podemos encontrar em nossa experiência humana elementos que, ao ser iluminados pela fé, nos abrem ao menos inicialmen­ te para o sentido profundo do que somos. As “sementes do Verbo”, os fragmentos da verdade que o Logos derramou no mundo6têm a ver cer- tamente também com a Trindade, ainda que não a dêem a conhecer expli­ citamente. “A Deus ninguém viu, o Filho unigénito que está no seio do Pai no- lo deu a conhecer” (Jo 1,18; cf. lTm 6,16). A revelação do mistério de Deus em toda a sua profundidade acontece unicamente em Jesus. Só pela fé nele temos acesso a esse mistério, só se cremos nele como o Filho de Deus podemos ver nele o Pai (cf.Jo 14,9). Essa revelação nos dá acesso ao mistério de Deus enquanto o mesmo é o mistério de nossa salvação. O Vaticano II estabelece uma clara conexão entre a revelação de Deus e a revelação da verdade salvífica (cf. Vaticano D, Dei Verbum 2.6). Só Deus é a salvação do homem. O conhecimento do Deus trino, enquanto verdade 3. Cf. STb I, q. 32 a. 1, cf. o Catecismo da Igreja Católica, n. 237. 4. Cf. L. SCHEFFCZYCK, Der Gott der Offenbarung, Aachen, 1996, 384ss. 5. Cf. W. SIMONIS, Trinität und Vernunft, Frankfurt Main, 1972; S. BONANI, Abelardo e il problema delia conoscenza della 1111)113. Riflessioni a partire dalla lettura della TheologinScholarium, Pbilologia 4 (199S) 97-111. 6. Cf.JUSTINO, Apol. 1,5,4; 46 2-4 (Wartelle 104; 160>, II, 7, 7; 8, 1-13 (206;208). CLEMENTE de Alexandria, Pntr. 16,4; X 98,4 (SCb 2bis, 60; 166); Ped. 1 96,1-2 (FP 5, 260); cf. nota 12 do cap. anterior, referências a documentos do Vaticano II e deJoão Paulo II. 3 8
  • 37. A RELAÇÃO ENTRE A TRINDADE 'ECONÓM ICA' E A TRINDADE 'IM ANENTE' de fé, só nos é acessível portanto pela revelação feita porJesus, porque nele é o Deus mesmo que se revela. Isso implica que o Deus que se revela mostra-se a nós tal como é. Senão, não havería revelação verdadeira. A revelação cristã é a revelação de Deus e de seu desígnio salvífico. Ora, segundo a Constituição Dei Verbum, esta revelação se realiza com as pala­ vras e as obras, especialmente com as de Jesus: "... com o feto mesmo de sua presença e com a manifestação que realiza de si mesmo as palavras e as obras, com os sinais e os milagres, e especialmente com sua morte e ressur­ reição dentre os mortos, e finalmente com o envio do Espírito Santo, cum­ pre e completa a revelação” (DV 4; cfib. 2). A revelação de Deus, enquanto revelação salvífica em si mesma, acontece na realização mesma de nossa salvação por obra de Jesus Cristo. Os dois aspectos são inseparáveis7. Co­ nhecemos a misteriosa e luminosa realidade do Deus trino pela revelação salvadora que em Cristo faz de si mesmo. O modo como a Trindade se apresenta a nós na economia da salvação deve refletir portanto como é em si mesma8. Parece que essa reflexão se impõe. Do contrário, a salvação do homem não seria Deus mesmo, deveria ser buscada em outro lugar, ou o Deus que se revela e nos salva não é o que é em si mesmo; o que eviden­ temente não concorda com a fé cristã. Não parece que a esse modo de raciocinar possa opor-se o princípio da ação unitária das três pessoas divinas frente ao mundo e aos homens, ad extra, de tal maneira que essa atuação, enquanto unitária, não possa refletir a Trindade em si mesma. Certamente o princípio da atuação unitária de Deus tem de ser mantido. Não teria sentido que as pessoas divinas atuas­ sem “separadamente” umas das outras. Mas ao mesmo tempo deve-se evi­ tar dar a esse princípio explicações exageradas, que levem em conta que o único princípio que é Deus tem sempre a distinção em si mesmo. Em toda atuação de Deus fora de si, ad extra, agem unitariamente as três pessoas divinas. Deus é um só princípio da criação e da história da salvação, não poderemos nunca falar de três princípios. Mas daí não se pode deduzir que 7.Cf. ALFÂRO,Encamaciónyrevelación, em Revelacióncristiana,féy teologia, Salamanca, 1985,65-88. 8. RAHNER, El Dias trino comoprincipioyfundamento... 371: “É certamente exata a frase: A doutrina da Trindade e a doutrina da economia (doutrina da salvação) não se po­ dem distinguir adequadamente”. Como se vê, a identidade não exclui uma certa distinção não adequada. A distinção entre a 'Trindade imanente e econômica já está em Karl BÁRTH (Kjrcblicbe Dogrmtik, 1/1, Munique, 1935, 352; 503): “Seguimos a regra e a consideramos fundamental — de que as afirmações sobre a realidade e os modos de ser divinos, antes de tudo em si mesmos, não podem ser distintas quanto ao conteúdo daquelas que devem ser feitas precisamente sobre sua realidade na revelação”. 3 9
  • 38. QUESTÕES PREUMNAHES esse único princípio seja em si mesmo indistinto (ao contrário, sabemos muito bem que não é) e não atue fora enquanto tal. Notemos também que o princípio da atuação unitária de Deus para fora se viu sempre matizado pelo uso da doutrina das “apropriações”: segundo a teologia tradicional, na atuação do Deusúnico “apropriam-se”— na linguagem da Escritura ou da Igreja — às distintas pessoas aqueles modos de atuar que mais diretamente correspondem ao que é “próprio” daquela pessoa na vida interna de Deus9. Naturalmente, isso pressupõe um certo conhecimento do que é próprio de cada pessoa no interior da vida trinitária; e dado que a Trindade é objeto de fé, e não se pode deduzir de modo puramente racional, mas que só é cognoscível à luz da revelação, só pelo modo de atuar salvífico de cada pessoa se pode saber o que na vida interna de Deus lhe corresponde mais diretamente. Parece portanto que o princípio da unidade de operações ad extra pode não excluir toda intervenção das pessoas enquanto tais. Pelo que acabamos de dizer fica a impressão de que implicitamente se pressu­ põe o contrário1 0 . Existe um caso, além disso, em que sabemos que há uma atuação para fora em que as pessoas atuam diferendadamente: a encarnação1 1 . Somente o Filho assumiu hipostaticamente a natureza humana. Não se trata de afir­ mar que as outras pessoas não tiveram parte nesse evento: sabemos muito bem que não é assim. Foi o Pai que enviou o Filho ao mundo, e também isso é uma atuação própria da pessoa do Pai (cf.Jo 3,17.34; Rm 8,3; G14,4). Por sua parte, o Espírito Santo que desce sobre Maria faz possível a encarnação (cf. Lc 1,35;Mt 1,20; DS 150). Na encarnação, em toda avida deJesus sobre a terra, e em sua ressurreição e exaltação à direita do Pai e no dom do Es­ pírito que segue a essas, temos uma atuação diferenciada das pessoas divinas na história salvífica. E predsamente essa diferendação que nos permite conhecê-las. Não podemos pensar que a vinda de Jesus ao mundo seja uma 9. Cf. Tomás de Aquino, STh I q. 39, a. 7, que define a apropriação como “a mani­ festação da pessoa por meio de atributos essenciais”.Atributos essenciais são os que corres­ pondem à única essência divina. Fique claro que tudo o que dizemos aqui sobre as apropri­ ações não significa em absoluto questionar seu uso e sua legitimidade. Trata-se só de fazer ver que só à luz do que é próprio das pessoas podemos “apropriar-lhes” o que corresponde de seu aos três. Em nosso capítulo sobre a noção de pessoa voltaremos a falar das “apro­ priações”. 10. Cf. o resumo da pneumatologia de Atanásio e dos Capadócios em H . U. von BALTHASAR, Tbeologikm. Der Geist der Wabrbeit, Einsiedeln, 1987,114-116. É interes­ sante notar que o CIC 2S8 assinala que cada pessoa realiza a operação comum segundo sua propriedade pessoal. Funda-se para isso no H Concílio de Constantinopla (DS 421), texto que analisaremos em seu momento. 11. Cf. RAHNER, op. cit., 372ss. 4 0
  • 39. exceção no modo de atuar de Deus a respeito de nós. Devemos antes afirmar o contrário. EmJesus temos o momento mais alto dessaatuação e o paradigma e o fundamento de tudo o que Deus faz por nós: tudo tem sua consistência em seu Filho amado em quem temos a redenção e o perdão dos pecados, tudo foi feito mediante ele e caminha para ele (cf. Cl 1,13-20). Ora, será que o fato da encarnação, precisamente do Filho enviado pelo Pai, revela algo da vida interna trinitária, do que são as pessoas? Como nos mostra esse fato, central na economia salvífica, algo da vida interna da Trindade? Por razões já aduzidas, é claro que essa revelação aconteceu em Cristo. E indiferente que tenha de fato sido assim, isto é, poderia ter sido de outra maneira? Ou esse fato indica algo do que é Deus em si mesmo? Durante séculos foi doutrina comum que qualquer das pessoas divi­ nas poderia ter-se encarnado, embora sempre se tenha insistido na “conve­ niência” da encarnação do Filho. Assim pensaram, por exemplo, Boaventura e Tomás de Aquino1 2 . Ora, essa opinião dista hoje muito de ser pacífica, ou de poder considerar-se definitivamente provada1 3 . Podemos pensar que se o Filho se encarnou é porque é, em si mesmo, o revelador do Pai, ao ser sua imagem perfeita (cf. 2Cor 4,4; Cl 1,15; e também Jo 1,18; 14,9)1 4 . Não te- A RELAÇÃO ENTRE A TRINDADE “ECONÔMICA” E A TRINDADE "IMANENTE" 12. Cf BOAVENTURA, In III Sent., 1,1,4; mas a conveniência da encarnação do Filho se sublinha em Ibid. 1,2,3; TOMÁS DE AQUINO, STh Hl, q. 3 a. 5; a conveniência da encarnação do Filho em ibid. q. 3, a. 8. Tomás de Aquino assinala contudo que no caso da encarnação do Pai não se pode falar de “missão”. 13. Pode ser ilustrativa alguma nota histórica. Com íreqüência (assim por ex., RAHNER, op. cit., [cf. nota 2] 374; Grundkurs des Glavbens, Freiburg-Basel-Wien, 1976, 213) diz que Agostinho teria sido o primeiro a afirmar essa possibilidade. Mas não parece que seja assim. Sem ter colocado diretamente a questão, ele mostra uma sensibilidade à correspondência entre a THndade econômica e a imanente, TrinIV, 20.28 (CCL 50.199): “Pater... non dicitur missus, non enim habet a quo sit aut ex quo procedat”. Mas é interes­ sante, ibid., IV 21.32 (205): “Quia edam si voluisset Deus Pater per subiectam creaturam visibiliter apparere, absurdissime tamen aut a Filio quem genuit, aut a Spiritu Sancto quide illo procedkmissus diceretur”; o contexto amplo trata das teofanias, e no imediato se mostra que o Filho e o Espírito Santo, embora enviados pelo Pai, não são por isso menores que Ele. Não se considera, diretamente, a hipótese da encarnação. Anselmo, por razões que nos podem parecer hoje um tanto estranhas, mostra a inconveniência da encarnação do Pai ou do Espírito Santo. Ep. De Inc. Verbi, 10 (ed. Schmitt, v. 2,25-28); também CitrDeus bomo7, II, 9 (SCh 91, 376s.). Pedró Lombardo, Sent. IH 1,1-2, trata em primeiro lugar da conve­ niência da encarnação do Filho, para afirmar depois a possibilidade da encarnação do Pai e do Espírito Santo. É talvez o primeiro que afirma essa possibilidade. Notemos que os grandes escolásticos mudaram a ordem com que ele aborda o problema. 14. A condição de imagem entra nos motivos da conveniência da encarnação do Filho, tanto para Tomás como para Boaventura. Os antigos Padres da Igreja insistiram muito nessa idéia de imagem, sem colocar o problema que agora nos ocupa: IRINEU, Adv. Haer. IV 6,6 (SCh 100,450): “Visibile Patris Filius”;cf. também 6.7 (450ss): CLEMENTE 41
  • 40. QUESTÕES PRELIMINARES mos por que colocar a questão se o Pai ou o Espírito Santo poderiam ter- se encarnado, porque a revelação não nos oferece apoio suficiente para tais especulações15. Mas alguma das razões aduzidas para afirmar a possibilida­ de teórica da encarnação de qualquer uma das três pessoas pode dar-nos ocasião para alguma reflexão. Com efeito, uma das principais razões pa­ ra afirmar a possibilidade da encarnação de qualquer das pessoas era, para Sto. Tomás, o fato de que a ratio personalitatis é comum nas três pessoas, ainda que sejam evidentemente distintas as propriedades pessoais de cada uma delas1 6 . M as, embora antecipando desde já questões que deveremos desenvolver detidamente mais adiante, podemos efetivamente duvidar que o termo hipóstase, ou pessoa, signifique exatamente o mesmo quando apli­ cado ao Pai, ao Filho e ao Espírito Santo. Os “números” em Deus são sempre problemáticos, tudo nele é irrepetível1 7 .E claro que a terminologia das três pessoas, consagrada pela tradição, é sem dúvida não só legítima, mas também necessária. De alguma maneira, temos de designar os “três” que a fórmula batismal e as confissões de fé mencionam1 8 . Mas devemos ser conscientes da dificuldade que acarreta o uso dos plurais aplicados a Deus. Se for assim, não é ilegítimo pensar que a comunicação de Deus ao mundo pôde realizar-se em forma de união hipostática porque esse modo convém ao modo de ser “hipóstase” da segunda pessoa, enquanto a comu­ nicação do Espírito Santo não ocorre nessa forma porque ela não cor­ responderia à sua peculiaridade pessoal1 9 . de Alexandria: o Filho é oprosopondo Pai, Paed. 1,57,2 (FP 5,192) Strom. V 24,1 (Sch 278, 80);VH 58,3 (CGS 17,42)fiar. Tbeod. 10,5; 12,1; 23,5 (SCh 23,80; 82; 108)TERTULIANO fala do Filho como a “fácies” do Pai, Ado Prax. 14, 8-10 (ScarpaT 180-182), embora se trate de um texto muito difícil. Voltaremos a esses textos ao tratar especificamente da pes­ soa do Filho (cap. 10). 15. Esse tema não costuma ser motivo de reflexão entre os autores atuais. Defende a possibilidade teórica dessa encarnação G. M. SALVATI, Teologia trmitaria deliacroce,Tbri- no, Leumann, 1987, 98-104, na discussão com a opinião contrária de RHANER em MySal n/1, 375-378; também Grundkursdes Glaubens, Friburg-Basel-Wien, 1976, 213-214. 16. Cf. nota 12. 17. Cf. BALTHASAR, Tbeologik III. op. át., 110-113, com abundantes citações patrísticas sobre a questão. C f sobretudo BASILIO de Cesaréia, De Spiritu Soneto, 18,44- 45 (SCh 17 bis, 402-408); também J. MOLTMANN, Trinität und Reich Gottes, Munique, 1980, 204, fida do princípio trinitário da irrepetibilidade, Einmaligkeit. Sem entrar aqui na discussão do uso concreto do princípio, deve-se convir que se aponta para um verdadeiro problema. Voltaremos a essa questão no nosso capítulo dedicado à noção de pessoa (c. 9). 18. Cf. AGOSTINHO, Trm, V 9-10; VH 4,7 (CCL 50, 217; 256-257). 19. Cf. RAHNER, op. cit., 374, que, embora entre interrogações, usa expressões mais fortes do que as que utilizamos: “a ‘peculiaridade’ dessa comunicação, enquanto está determinada pela peculiaridade da segunda pessoa [...] depende do caráter próprio da ter­ ceira pessoa”. 4 2
  • 41. A RELAÇÃO ENTRE A TRINDADE "ECONÔMICA" E A TRINDADE "IMANENTE" Tudo isso tem, para K. Rahner, importantes repercussões na antropo­ logia. E o segundo Adão, Cristo, que dá sentido ao primeiro (cf. Rm 5,14; ICor 15,20-22; 45-49). A encarnação mostra-nos a verdade última do ser do homem. H á uma relação fundamental e interna entre o Logos e a na­ tureza humana: por uma parte o Filho, enquanto Logos, palavra, é por sua mesma essência o “proferível”, a palavra do Pai, na qual pode manifestar- se e descobrir-se livremente ao não-divino. Por outra parte, quando essa comunicação do Logos ao não-divino se realiza, é porque assume a natu­ reza humana. Essa não é portanto uma máscara que o Filho de Deus to­ mou de fora e detrás da qual se esconde, mas por sua própria origem é em si mesma símbolo do mesmo Logos, de tal maneira que “com tuna auten­ ticidade ontológica última pode-se e deve-se dizer: o homem é possível porque é possível a aÜenação do Logos”20. A partir do modo concreto como Deus, dando-se a nós na vida intei­ ra, morte e ressurreição de seu Filho e na efusão do dom de seu Espírito, deu-se nos a conhecer, podemos pensar que nessa maneira de atuar se nos mostra algo de seu seríntimo. Deus se revelou assimna dispensação salvífica; é legítimo portanto pensar que esse modo de operar corresponde a seu modo de ser na plenitude de sua vida intratrinitária. Além disso, devemos ter presente a salvação concreta que o Filho de Deus nos trouxe com sua encarnação21. Essa salvação consiste em que nós, no Espírito Santo, nos convertemos em filhos de Deus. De novo aqui uma opinião de escola, muito difundida em tempos passados, a unidade de atua­ ção ad extra das pessoas dá lugar à idéia de que somos filhos da Trindade. Voltamos, por outro caminho à questão do esquecimento relativo ou irrelevância da doutrina trinitária na teologia, a que nos referimos. Sabe­ mos que alguma afirmação de Sto. Tomás está na base dessa doutrina222 3 . Mas é difícil achar um fundamento dessa opinião no Novo Testamento, que constantemente está pressupondo o contrário (cf. G14,4-6; Ri.i 8,14- 16; M t 5,45; 6,1.9.14; Lc 11,1-2). Entre a filiação divina deJesus e a nossa, no Espírito Santo, há uma relação intrínseca21. A graça não é primordial­ mente um dom de Deus, e sim o dom de Deus mesmo, o dom do Espírito Santo, dom por antonomásia, mais ainda, “pessoa dom”2 4. Podemos por­ 20. Ibid., 378; cf. também do mesmo autor, Grundkurs des Glaubens, Friburg-Basel- W ien, 1976, 211-225. 21. Cf. ibid., 376. làm bém W. KASPER, Der GattJesu Christi, Mainz, 1982, 335. 22. Cf. nota 39 do cap. anterior. Também sobre a adoção filial cf. STb H l 32,1; 45,4; 1 33,3. 23. Cf. L. F. LADARIA, Teologiadeipecadooriginalylagracia,Madrid, 1993,231-266. 24. Cf. JOÃO PAULO II, Dominum et Vivificantem, n. 10. 4 3