SlideShare uma empresa Scribd logo
1 de 2
Rede Elétrica pisca-pisca - Marcelo Sakate – Revista Veja – 12/02/14
Intempéries de gravidade inesperada e desastres ocorrem em todos os países. A reação a eles
distingue os desenvolvidos dos protocivilizados. Há duas semanas, uma tempestade de gelo
na cidade de Atlanta, no sul dos Estados Unidos, deixou milhares de pessoas presas, por
horas, no trânsito, no trabalho e também nas escolas. As equipes de resgate e os serviços
públicos não foram capazes de evitar o caos. Criticado pela reação falha, o governador do
Estado da Geórgia, Nathan Deal, foi a público assumir a sua responsabilidade pelo
transtorno. “Seremos muito mais agressivos para tomar as medidas necessárias com
antecedência nas próximas tempestades”, disse Deal.
No Brasil, dias depois do apagão que deixou todo o Nordeste sem luz, cinco meses atrás, o
diretor-geral do Operador Nacional do Sistema (ONS), Hermes Chipp, defendeu a
necessidade de o governo ampliar o uso de um mecanismo de segurança destinado a dobrar a
proteção contra falhas nas linhas de transmissão. Chamado de “N-2”, o critério permite que o
sistema continue a funcionar mesmo em caso de dois defeitos simultâneos. Hoje, apenas uma
pequena fração da rede de transmissão, como a que faz a ligação à usina de Itaipu, opera com
essa proteção adicional. O preço a pagar seria uma conta de luz mais cara, para financiar os
investimentos necessários. O governo engavetou a proposta. Na terça-feira passada, dia 4,
um apagão no meio da tarde deixou sem luz 6 milhões de pessoas de treze estados, além do
Distrito Federal, depois de um curtocircuito em duas das três linhas que levam energia da
usina de Tucuruí, no Pará, às regiões Sudeste e Sul.
Foi o 181º apagão com queda de no mínimo 100 megawatts desde o início de 2011, quando a
presidente Dilma Rousseff tomou posse, segundo levantamento do Centro Brasileiro de
Infraestrutura (CBIE). A causa do curto ainda não foi identificada, e uma das hipóteses a ser
avaliadas será a queima em razão de um raio. Em dezembro de 2012, quando os técnicos
disseram que outro blecaute poderia ter sido causado por raios, a presidente afirmou que a
explicação deveria ser vista como motivo de gargalhada, porque o Brasil está entre os países
onde mais caem raios e relâmpagos, e o sistema conta com dispositivos de proteção. Na
semana passada, Dilma, ex-ministra de Minas e Energia, reafirmou sua descrença na
possibilidade de raios derrubarem a rede elétrica.
O verdadeiro raio nessa história, até agora, é a incapacidade do governo de reconhecer a
falibilidade no sistema elétrico. O blecaute da semana passada ocorreu próximo ao horário
em que têm sido registrados sucessivos recordes de consumo no país, em decorrência do uso
intenso de aparelhos de ar condicionado e refrigeração. Por causa do calor e da escassez de
chuvas nas cabeceiras dos rios que abastecem os reservatórios das principais usinas
hidrelétricas do Brasil, quantidades crescentes de energia têm sido transferidas do Norte,
onde há excedente de produção, para as demais regiões, onde há déficit. Diz João Carlos
Mello, presidente da consultoriaThymos Energia: “O sistema opera no limite e, portanto, está
mais vulnerável. A transferência de energia se dá por meio de linhas com centenas de
quilômetros. Qualquer imprevisto derruba a rede"’.
No início de 2013, a decisão do governo de forçar a renegociação de contratos, a fim de
derrubar o preço nas contas de luz, deixou as empresas com o caixa apertado para
investimentos. Aliado à demora na concessão do licenciamento ambiental, o resultado é o
atraso nos projetos. Apenas 30% das obras em linhas de transmissão estão dentro do prazo.
O atraso médio supera um ano. A luz mais barata incentivou o consumo, na contramão da
tendência de buscar a eficiência energética. No fim do ano passado, o governo decidiu adiar
de 2014 para 2015 a adoção de um sistema tarifário que serviria justamente para equilibrar a
relação entre oferta e demanda por meio do preço: nos meses em que a geração de energia
estivesse mais cara, a conta subiria, e vice-versa.
Os reservatórios estão nos níveis mais baixos desde o racionamento de energia de 2001. Para
preservá-los, o governo recorre às usinas termelétricas movidas a combustíveis fósseis, mais
caras. Neste ano a conta deve chegar a 10 bilhões de reais para as distribuidoras de energia.
Afirma Roberto D"Araujo, diretor do Instituto Ilumina: “O governo diz que o setor elétrico
está equilibrado. Que equilíbrio é esse, com uma conta bilionária, capaz de quebrar as
empresas, mas que acaba sendo paga pelo Tesouro?".

Mais conteúdo relacionado

Destaque (20)

2015 chapa1sjsp julho_boletim1
2015 chapa1sjsp julho_boletim12015 chapa1sjsp julho_boletim1
2015 chapa1sjsp julho_boletim1
 
Jo Construcoes e Reformas
Jo Construcoes e ReformasJo Construcoes e Reformas
Jo Construcoes e Reformas
 
Calendário Julho 2012
Calendário Julho 2012Calendário Julho 2012
Calendário Julho 2012
 
3.1 estrategia
3.1 estrategia3.1 estrategia
3.1 estrategia
 
Ativ10 mariadosocorroferreirasousalima
Ativ10 mariadosocorroferreirasousalimaAtiv10 mariadosocorroferreirasousalima
Ativ10 mariadosocorroferreirasousalima
 
Exercicios
ExerciciosExercicios
Exercicios
 
Apresentação1
Apresentação1Apresentação1
Apresentação1
 
AEE_2010_11_Folheto
AEE_2010_11_FolhetoAEE_2010_11_Folheto
AEE_2010_11_Folheto
 
Catalogo final cbm
Catalogo final cbmCatalogo final cbm
Catalogo final cbm
 
Avaliação nutriciona1
Avaliação nutriciona1Avaliação nutriciona1
Avaliação nutriciona1
 
Perfil Caliper - Novo formato!
Perfil Caliper  - Novo formato!Perfil Caliper  - Novo formato!
Perfil Caliper - Novo formato!
 
Tefones crea
Tefones creaTefones crea
Tefones crea
 
Barómetro Global de RH
Barómetro Global de RHBarómetro Global de RH
Barómetro Global de RH
 
Alimetacao p gannar massa
Alimetacao p gannar massaAlimetacao p gannar massa
Alimetacao p gannar massa
 
Nota de Mução
Nota de MuçãoNota de Mução
Nota de Mução
 
Perspectivas Globais - Barómetro Global de RH
Perspectivas Globais - Barómetro Global de RHPerspectivas Globais - Barómetro Global de RH
Perspectivas Globais - Barómetro Global de RH
 
03
0303
03
 
Coreldrawwvcxgf
CoreldrawwvcxgfCoreldrawwvcxgf
Coreldrawwvcxgf
 
Apresentação1
Apresentação1Apresentação1
Apresentação1
 
Trabalho de historia
Trabalho de    historiaTrabalho de    historia
Trabalho de historia
 

Semelhante a Rede elétrica pisca

O brasil sob ameaça de novos apagões no setor elétrico
O brasil sob ameaça de novos apagões no setor elétricoO brasil sob ameaça de novos apagões no setor elétrico
O brasil sob ameaça de novos apagões no setor elétricoFernando Alcoforado
 
Brasil no Contexto Mundial em Energia Solar Fotovoltaica
Brasil no Contexto Mundial em Energia Solar FotovoltaicaBrasil no Contexto Mundial em Energia Solar Fotovoltaica
Brasil no Contexto Mundial em Energia Solar FotovoltaicaThales Araujo
 
Aspectos técnicos da inserção de microgeração em sistemas de distribuição de ...
Aspectos técnicos da inserção de microgeração em sistemas de distribuição de ...Aspectos técnicos da inserção de microgeração em sistemas de distribuição de ...
Aspectos técnicos da inserção de microgeração em sistemas de distribuição de ...Pretextus
 
Sistema Internacional Interligado
Sistema Internacional InterligadoSistema Internacional Interligado
Sistema Internacional InterligadoAlvaro Alves
 
O inevitável apagão do setor elétrico no brasil em 2015
O inevitável apagão do setor elétrico no brasil em 2015O inevitável apagão do setor elétrico no brasil em 2015
O inevitável apagão do setor elétrico no brasil em 2015Fernando Alcoforado
 
Modulo 12 - Material dos Tópicos Completo.pdf
Modulo 12 - Material dos Tópicos Completo.pdfModulo 12 - Material dos Tópicos Completo.pdf
Modulo 12 - Material dos Tópicos Completo.pdfEduardoRobertodeCicc
 
Apresentação2 informaticaaplicada
Apresentação2 informaticaaplicadaApresentação2 informaticaaplicada
Apresentação2 informaticaaplicadaDjenne Silva
 
Regulamentação de Geração Distribuida
Regulamentação de Geração DistribuidaRegulamentação de Geração Distribuida
Regulamentação de Geração DistribuidaTamires Silva
 
'Governo tem permitido erros inaceitáveis', analisa miriam leitão
'Governo tem permitido erros inaceitáveis', analisa miriam leitão'Governo tem permitido erros inaceitáveis', analisa miriam leitão
'Governo tem permitido erros inaceitáveis', analisa miriam leitãoB&R Consultoria Empresarial
 
Parte3 no pw
Parte3 no pwParte3 no pw
Parte3 no pwnyboy8118
 

Semelhante a Rede elétrica pisca (12)

O brasil sob ameaça de novos apagões no setor elétrico
O brasil sob ameaça de novos apagões no setor elétricoO brasil sob ameaça de novos apagões no setor elétrico
O brasil sob ameaça de novos apagões no setor elétrico
 
Brasil no Contexto Mundial em Energia Solar Fotovoltaica
Brasil no Contexto Mundial em Energia Solar FotovoltaicaBrasil no Contexto Mundial em Energia Solar Fotovoltaica
Brasil no Contexto Mundial em Energia Solar Fotovoltaica
 
Aspectos técnicos da inserção de microgeração em sistemas de distribuição de ...
Aspectos técnicos da inserção de microgeração em sistemas de distribuição de ...Aspectos técnicos da inserção de microgeração em sistemas de distribuição de ...
Aspectos técnicos da inserção de microgeração em sistemas de distribuição de ...
 
Sistema Internacional Interligado
Sistema Internacional InterligadoSistema Internacional Interligado
Sistema Internacional Interligado
 
O inevitável apagão do setor elétrico no brasil em 2015
O inevitável apagão do setor elétrico no brasil em 2015O inevitável apagão do setor elétrico no brasil em 2015
O inevitável apagão do setor elétrico no brasil em 2015
 
Modulo 12 - Material dos Tópicos Completo.pdf
Modulo 12 - Material dos Tópicos Completo.pdfModulo 12 - Material dos Tópicos Completo.pdf
Modulo 12 - Material dos Tópicos Completo.pdf
 
Apresentação2 informaticaaplicada
Apresentação2 informaticaaplicadaApresentação2 informaticaaplicada
Apresentação2 informaticaaplicada
 
Regulamentação de Geração Distribuida
Regulamentação de Geração DistribuidaRegulamentação de Geração Distribuida
Regulamentação de Geração Distribuida
 
'Governo tem permitido erros inaceitáveis', analisa miriam leitão
'Governo tem permitido erros inaceitáveis', analisa miriam leitão'Governo tem permitido erros inaceitáveis', analisa miriam leitão
'Governo tem permitido erros inaceitáveis', analisa miriam leitão
 
Economia de energia
Economia de energiaEconomia de energia
Economia de energia
 
Parte3 no pw
Parte3 no pwParte3 no pw
Parte3 no pw
 
Estudo: Matrizes energéticas
Estudo: Matrizes energéticasEstudo: Matrizes energéticas
Estudo: Matrizes energéticas
 

Mais de Polibio Braga

Programas de ajuste fiscal
Programas de ajuste fiscalProgramas de ajuste fiscal
Programas de ajuste fiscalPolibio Braga
 
Continuação da reportagem da revista época
Continuação da reportagem da revista épocaContinuação da reportagem da revista época
Continuação da reportagem da revista épocaPolibio Braga
 
9 jornal o sul 27 03 14 operações das polícias matam cinco pessoas por dia
9 jornal o sul 27 03 14    operações das polícias matam cinco pessoas por dia9 jornal o sul 27 03 14    operações das polícias matam cinco pessoas por dia
9 jornal o sul 27 03 14 operações das polícias matam cinco pessoas por diaPolibio Braga
 
Capítulo 27 a entrevista suburbana da mpf
Capítulo 27   a entrevista suburbana da mpfCapítulo 27   a entrevista suburbana da mpf
Capítulo 27 a entrevista suburbana da mpfPolibio Braga
 
Deputado osmar terra e médico ronaldo laranjeira lideram manifesto contra a l...
Deputado osmar terra e médico ronaldo laranjeira lideram manifesto contra a l...Deputado osmar terra e médico ronaldo laranjeira lideram manifesto contra a l...
Deputado osmar terra e médico ronaldo laranjeira lideram manifesto contra a l...Polibio Braga
 
Relatóriofinalc pi 2-1
Relatóriofinalc pi   2-1Relatóriofinalc pi   2-1
Relatóriofinalc pi 2-1Polibio Braga
 
Cp 64o artigo pib 2013
Cp 64o artigo pib 2013Cp 64o artigo pib 2013
Cp 64o artigo pib 2013Polibio Braga
 
Cp 64o artigo pib 2013
Cp 64o artigo pib 2013Cp 64o artigo pib 2013
Cp 64o artigo pib 2013Polibio Braga
 
Proposta de emenda à constituição
Proposta de emenda à constituiçãoProposta de emenda à constituição
Proposta de emenda à constituiçãoPolibio Braga
 
06 de março de 2014
06 de março de 201406 de março de 2014
06 de março de 2014Polibio Braga
 
Declaração conjunta sobre a venezuela
Declaração conjunta sobre a venezuelaDeclaração conjunta sobre a venezuela
Declaração conjunta sobre a venezuelaPolibio Braga
 
Atualmente mais de 70
Atualmente mais de 70Atualmente mais de 70
Atualmente mais de 70Polibio Braga
 
Parecer aprovado na ccj pec 33 de 2012
Parecer aprovado na ccj   pec 33 de 2012Parecer aprovado na ccj   pec 33 de 2012
Parecer aprovado na ccj pec 33 de 2012Polibio Braga
 
Redeeltricapisca 140221134406-phpapp01
Redeeltricapisca 140221134406-phpapp01Redeeltricapisca 140221134406-phpapp01
Redeeltricapisca 140221134406-phpapp01Polibio Braga
 

Mais de Polibio Braga (20)

Programas de ajuste fiscal
Programas de ajuste fiscalProgramas de ajuste fiscal
Programas de ajuste fiscal
 
Continuação da reportagem da revista época
Continuação da reportagem da revista épocaContinuação da reportagem da revista época
Continuação da reportagem da revista época
 
9 jornal o sul 27 03 14 operações das polícias matam cinco pessoas por dia
9 jornal o sul 27 03 14    operações das polícias matam cinco pessoas por dia9 jornal o sul 27 03 14    operações das polícias matam cinco pessoas por dia
9 jornal o sul 27 03 14 operações das polícias matam cinco pessoas por dia
 
Capítulo 27 a entrevista suburbana da mpf
Capítulo 27   a entrevista suburbana da mpfCapítulo 27   a entrevista suburbana da mpf
Capítulo 27 a entrevista suburbana da mpf
 
Deputado
Deputado Deputado
Deputado
 
Edital brde
Edital brdeEdital brde
Edital brde
 
Deputado osmar terra e médico ronaldo laranjeira lideram manifesto contra a l...
Deputado osmar terra e médico ronaldo laranjeira lideram manifesto contra a l...Deputado osmar terra e médico ronaldo laranjeira lideram manifesto contra a l...
Deputado osmar terra e médico ronaldo laranjeira lideram manifesto contra a l...
 
Mensagem para 2014
Mensagem para 2014Mensagem para 2014
Mensagem para 2014
 
Relatóriofinalc pi 2-1
Relatóriofinalc pi   2-1Relatóriofinalc pi   2-1
Relatóriofinalc pi 2-1
 
Cp 64o artigo pib 2013
Cp 64o artigo pib 2013Cp 64o artigo pib 2013
Cp 64o artigo pib 2013
 
Cp 64o artigo pib 2013
Cp 64o artigo pib 2013Cp 64o artigo pib 2013
Cp 64o artigo pib 2013
 
Proposta de emenda à constituição
Proposta de emenda à constituiçãoProposta de emenda à constituição
Proposta de emenda à constituição
 
06 de março de 2014
06 de março de 201406 de março de 2014
06 de março de 2014
 
Vivemos
VivemosVivemos
Vivemos
 
Vivemos
VivemosVivemos
Vivemos
 
Declaração conjunta sobre a venezuela
Declaração conjunta sobre a venezuelaDeclaração conjunta sobre a venezuela
Declaração conjunta sobre a venezuela
 
Sartori
SartoriSartori
Sartori
 
Atualmente mais de 70
Atualmente mais de 70Atualmente mais de 70
Atualmente mais de 70
 
Parecer aprovado na ccj pec 33 de 2012
Parecer aprovado na ccj   pec 33 de 2012Parecer aprovado na ccj   pec 33 de 2012
Parecer aprovado na ccj pec 33 de 2012
 
Redeeltricapisca 140221134406-phpapp01
Redeeltricapisca 140221134406-phpapp01Redeeltricapisca 140221134406-phpapp01
Redeeltricapisca 140221134406-phpapp01
 

Rede elétrica pisca

  • 1. Rede Elétrica pisca-pisca - Marcelo Sakate – Revista Veja – 12/02/14 Intempéries de gravidade inesperada e desastres ocorrem em todos os países. A reação a eles distingue os desenvolvidos dos protocivilizados. Há duas semanas, uma tempestade de gelo na cidade de Atlanta, no sul dos Estados Unidos, deixou milhares de pessoas presas, por horas, no trânsito, no trabalho e também nas escolas. As equipes de resgate e os serviços públicos não foram capazes de evitar o caos. Criticado pela reação falha, o governador do Estado da Geórgia, Nathan Deal, foi a público assumir a sua responsabilidade pelo transtorno. “Seremos muito mais agressivos para tomar as medidas necessárias com antecedência nas próximas tempestades”, disse Deal. No Brasil, dias depois do apagão que deixou todo o Nordeste sem luz, cinco meses atrás, o diretor-geral do Operador Nacional do Sistema (ONS), Hermes Chipp, defendeu a necessidade de o governo ampliar o uso de um mecanismo de segurança destinado a dobrar a proteção contra falhas nas linhas de transmissão. Chamado de “N-2”, o critério permite que o sistema continue a funcionar mesmo em caso de dois defeitos simultâneos. Hoje, apenas uma pequena fração da rede de transmissão, como a que faz a ligação à usina de Itaipu, opera com essa proteção adicional. O preço a pagar seria uma conta de luz mais cara, para financiar os investimentos necessários. O governo engavetou a proposta. Na terça-feira passada, dia 4, um apagão no meio da tarde deixou sem luz 6 milhões de pessoas de treze estados, além do Distrito Federal, depois de um curtocircuito em duas das três linhas que levam energia da usina de Tucuruí, no Pará, às regiões Sudeste e Sul. Foi o 181º apagão com queda de no mínimo 100 megawatts desde o início de 2011, quando a presidente Dilma Rousseff tomou posse, segundo levantamento do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE). A causa do curto ainda não foi identificada, e uma das hipóteses a ser avaliadas será a queima em razão de um raio. Em dezembro de 2012, quando os técnicos disseram que outro blecaute poderia ter sido causado por raios, a presidente afirmou que a explicação deveria ser vista como motivo de gargalhada, porque o Brasil está entre os países onde mais caem raios e relâmpagos, e o sistema conta com dispositivos de proteção. Na semana passada, Dilma, ex-ministra de Minas e Energia, reafirmou sua descrença na possibilidade de raios derrubarem a rede elétrica. O verdadeiro raio nessa história, até agora, é a incapacidade do governo de reconhecer a falibilidade no sistema elétrico. O blecaute da semana passada ocorreu próximo ao horário em que têm sido registrados sucessivos recordes de consumo no país, em decorrência do uso intenso de aparelhos de ar condicionado e refrigeração. Por causa do calor e da escassez de chuvas nas cabeceiras dos rios que abastecem os reservatórios das principais usinas hidrelétricas do Brasil, quantidades crescentes de energia têm sido transferidas do Norte, onde há excedente de produção, para as demais regiões, onde há déficit. Diz João Carlos Mello, presidente da consultoriaThymos Energia: “O sistema opera no limite e, portanto, está mais vulnerável. A transferência de energia se dá por meio de linhas com centenas de quilômetros. Qualquer imprevisto derruba a rede"’. No início de 2013, a decisão do governo de forçar a renegociação de contratos, a fim de derrubar o preço nas contas de luz, deixou as empresas com o caixa apertado para investimentos. Aliado à demora na concessão do licenciamento ambiental, o resultado é o
  • 2. atraso nos projetos. Apenas 30% das obras em linhas de transmissão estão dentro do prazo. O atraso médio supera um ano. A luz mais barata incentivou o consumo, na contramão da tendência de buscar a eficiência energética. No fim do ano passado, o governo decidiu adiar de 2014 para 2015 a adoção de um sistema tarifário que serviria justamente para equilibrar a relação entre oferta e demanda por meio do preço: nos meses em que a geração de energia estivesse mais cara, a conta subiria, e vice-versa. Os reservatórios estão nos níveis mais baixos desde o racionamento de energia de 2001. Para preservá-los, o governo recorre às usinas termelétricas movidas a combustíveis fósseis, mais caras. Neste ano a conta deve chegar a 10 bilhões de reais para as distribuidoras de energia. Afirma Roberto D"Araujo, diretor do Instituto Ilumina: “O governo diz que o setor elétrico está equilibrado. Que equilíbrio é esse, com uma conta bilionária, capaz de quebrar as empresas, mas que acaba sendo paga pelo Tesouro?".