1. (…) O errado de tudo isto, que sempre a um certo número aproveita, é que um
professor que nesse período [os últimos sete anos de toda uma carreira] não tenha
apenas (este apenas é sem dúvida uma ironia perversa do
faltado um único dia e
destino…) tenha dado aulas, mesmo que já conte trinta ou mais anos de carreira (e
consideremos que essa carreira tenha sido reconhecidamente exemplar), esse
professor pura e simplesmente não passará a titular. Não se trata de uma mera
suposição teórica: haverá muitos casos destes. (…)
(…) Ora, este concurso veio, sob a aparente intenção de seleccionar os melhores, pôr a
cereja no bolo na concepção de escola que vigora entre nós desde o consulado de
Roberto Carneiro, segundo a qual as aulas e o saber serão muito menos importantes
do que o que está à volta, sendo que o que está à volta é uma espécie de animação
socializadora, que aparentemente esbate diferenças socioculturais dos alunos – embora
quase só acabe por agravá-las.
Esta animação socializadora em que a escola pública se tornou foi criando a necessidade
de cargos intermédios de chefia e de dinamização, de uma espécie de militância não
lectiva, a que foram atribuídas horas retiradas ao horário lectivo dos docentes que
voluntariamente os aceitavam. Acresce que, a par desses cargos com redução lectiva,
inúmeras actividades não lectivas envolvem muitos docentes nas escolas, essas sim,
absolutamente voluntárias. São agora os cargos com redução lectiva, em benefício
duplicado, que maioritariamente dão acesso às elevadas pontuações que permitem
aceder a professor titular. O professor que se dedicou a ensinar, pelo qual passaram
dezenas de turmas e centenas de alunos ao longo dos sete anos em avaliação, esse
que fez o trabalho “ invisível”de casa, preparando aulas, elaborando e corrigindo
milhares de testes, o que se empenhou em actividades não lectivas sem que para
isso tivesse reduções, esse professor é claramente desvalorizado na hora de “somar
pontos” [os pontos necessários – 95 – para aceder a titular] (…)”
- Arnaldo Lopes Marques, Professor do Ensino Secundário, in “Cartas ao Director”,
jornal “Público” -
(o que aparece [entre parêntesis rectos] são acrescentos meus, bem como os destaques e
os sublinhados são da minha responsabilidade)
Mª João Fortunato. 12 de Junho de 2007