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Geração de pais pés de galinha
Permissividade na educação das crianças é aposta de risco no futuro dos filhos
Eles colocam os filhos acima de tudo e de todos. Nunca os recriminam quando cometem barbaridades.
E, por vezes, até incentivam comportamentos incorretos.
A nova geração de pais, de modo geral, encarada como permissiva demais pelos especialistas, já tem
nome: “pé de galinha” ou “asa e pescoço”, segundo o médico psiquiatra Içami Tiba, autor do livro Quem
ama Educa.
Quando crianças, eles ficavam com as piores partes do frango: pé, pescoço, asa. As carnes nobres eram
reservadas aos pais. Hoje, adultos, eles continuam a comer pé e pescoço de galinha, com a intenção de
deixar a melhor porção para os filhos. A metáfora demonstra como pensa uma grande parcela desta
geração de pais. A ideia é poupar os filhos ou não fazê-los passar por aquilo que eles passaram na
infância.
“Pais e mães querem dar de tudo para as crianças e, às vezes, exageram, pois deixam de dar limites e
responsabilidades”, afirma a doutora em educação e professora da Universidade Federal do Paraná
(UFPR), Araci Asinelli da Luz. “Há um receio de exercer a própria autoridade, achando que podem
causar traumas”, observa a mestre em educação e autora da coleção Família & Escola, Oralda Adur de
Souza.
Os pais pés de galinha, segundo parte dos especialistas, podem ter sido influenciados pela educação
repressiva que receberam. “Eles sofreram e pensaram em fazer diferente com os filhos. Tornaram-se
liberais demais, não deram limites”, afirma a terapeuta familiar Ângela Elizete Herrera, pesquisadora do
Núcleo de Pesquisa e Estudo da Família da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP).
Na novela Caminho das Índias, da Rede Globo, o trio vivido por César, Ilana e Zeca, interpretados
respectivamente por Antônio Calloni, Ana Beatriz Nogueira e Duda Nagle, mostra o que a geração pé de
galinha é capaz. Na novela, não importa o que Zeca apronte, os pais estão sempre dispostos a passar a
mão na cabeça dele. César adora incentivá-lo a usar violência contra os colegas de escola.
Embora o trio pareça caricato, a ficção não está tão longe da realidade. Estudantes de bons colégios,
com acesso a informação e tudo do bom e do melhor, volta e meia chocam a sociedade. Não raro a
imprensa noticia casos de jovens de classe média e alta que cometem atos bárbaros de violência.
As consequências da educação dada pelos pais “pés de galinha” não se mede, entretanto, apenas pelo
noticiário policial. Estela Cristina Ignácio, 14 anos, foi por quatro anos vítima de bullying (atos de
violência física ou psicológica intencionais e repetidos que são adotados por um ou mais jovens contra
outros colegas) na escola em que estuda. Foi alvo de piadas, humilhações, perfil falso na internet e até
de ameaça de violência física.
As agressoras: três meninas de sua idade, que tinham apoio dos pais, em casa. “Tem um deles que até
incentiva”, conta Estela. Preocupado com a filha, o funcionário público Mauro Ignácio, 45 anos, 0 chegou
a pensar em procurar a polícia. Só desistiu porque o colégio conseguiu resolver a tempo.
Sem limites claros, especialistas afirmam, filhos e pais ficam perdidos. Fabiana (nome fictício), 16 anos,
foi parar na terapia depois que os pais acharam um cigarro de maconha entre os seus pertences. A
terapeuta orientou que a menina tivesse maior acompanhamento em casa. A princípio, Fabiana repudiou
a marcação cerrada. Logo depois, veio a pérola na terapia: “Nunca achei que eles gostavam tanto de
mim”.
A conclusão dos especialistas é que o excesso de liberdade pode ser confundido pelo adolescente como
falta de amor. “Regras sem clareza não permitem às crianças e adolescentes construírem um mapa
mental que integre a noção de autoridade e cuidado”, explica Araci. “Os pais têm de conhecer os amigos,
trazer para dentro de casa, ter mais contato com os filhos. Dar limite é mostrar cuidado”, ensina a
terapeuta familiar Ângela. “É ato de amor e não castigo. Construir e ensinar limites é uma tarefa
necessária e que deve começar desde cedo”, opina Araci.

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