SlideShare uma empresa Scribd logo
1 de 45
Capitulo 1 : a dimensão dois
Hiparco explica como dois números permitem descrever a posição de um ponto sobre uma esfera.
Ele explica a projeção estereográfica: como desenhar a Terra?
Capítulo 2
1. O apresentador
Hiparco é o primeiro herói da nossa história. Não é necessário tomar
demasiadamente a sério o que ele nos diz! Afirma ser o fundador da geografia e
astronomia. É um pouco exagerado. Quem pode se elogiar a tal ponto? Os
viajantes não descreveram sempre as suas viagens e os pastores não
admiraram sempre as estrelas? É bem raro que um só indivíduo possa criar uma
ciência... Mas façamos justiça a Hiparco, foi um dos grandes cientistas da
Antiguidade.
Conhece-se pouco sobre a vida de Hiparco. Nasceu em 190 a.C. e morreu por
volta de 120 a.C. Pode-se consultar este artigo para uma curta descrição ou
ainda este sítio para uma biografia mais desenvolvida. Em todo o caso, não há
nenhuma dúvida que o nosso cientista foi um dos primeiros a estabelecer
catálogos de estrelas e a medir as posições sobre a esfera celestial com uma
precisão surpreendente. A comunidade dos astrônomos prestou-lhe uma
homenagem batizando com seu nome uma cratera sobre a Lua. Citemos Hergé
em Andou sobre a Lua: " le cirque d'Hipparque n'a pas besoin de clowns, donc
vous ne pouvez pas faire l'affaire......"(“O circo de Hiparco não necessita de
palhaços, então não se pode fazer o espetáculo ...”
O segundo papel neste capítulo é desempenhado por Ptolomeu que viveu três séculos depois dele, entre 85 e
135 d. C. . Ele também foi grande astrônomo e geógrafo, se inspirou nos trabalhos de Hiparco, mas os
historiadores não parecem estar de acordo sobre a importância desta influência. Ptolomeu não seria apenas
continuador de Hiparco? Pergunta difícil que deixaremos aos especialistas.
Para uma biografia de Ptolomeu, ver isto, e para uma análise mais detalhada, pode-se consultar este sítio.
Tranquilizem-se, Ptolomeu tem também a sua cratera sobre a Lua!
2. Longitude et latitude
Que aprenderemos de Hiparco e Ptolomeu neste primeiro capítulo? A noção do que se chama hoje um sistema de coordenadas.
A Terra é redonda. Sabe-se desde há muito, muito
tempo e, antes mesmo que se fizesse a volta em torno
dela, astuciosos geômetras gregos tinham encontrado o
meio para medir o seu perímetro, sem se enganarem
muito (ver por exemplo esta página).
A Terra dá uma volta por dia em redor de um eixo que
liga dois pontos que se chamam pólos norte e sul. Dá
igualmente uma volta em redor do Sol por um ano, mas
nem Hiparco nem Ptolomeu sabiam isso, dado que
pensavam o contrário: que é o Sol que gira em redor da
Terra... Foi necessário esperar Copérnico, no décimo
sexto século, para que se começasse a adivinhar que é
a Terra que gira em redor do Sol.
A determinação precisa da forma da Terra tomou muito
mais tempo e foi só há algumas dezenas de anos que
foi possível medir as dimensões até os centímetros! E
a Terra não difere muito de uma esfera: certamente ela
é um pouco achatada nos pólos mas o raio polar (6
356,7523142 km, admirem a precisão!) e o raio
equatorial (6 378,137 km) não diferem muito. Olhem
esta página (em inglês) para saber mais.
Então, Hiparco nos convida a fazer como se a Terra fosse exatamente uma esfera e nos explica, em seguida, rudimentos da geometria esférica. Por definição,
uma esfera é o conjunto dos pontos do espaço que estão à mesma distância de um ponto que se chama o seu centro. Uma reta que passa pelo centro de uma
esfera corta a esfera em dois pontos; é um eixo de simetria para a esfera. Se se escolher tal reta, pode se pensar nela como o eixo de rotação da Terra, e os dois
pontos de interseção então são chamados os pólos norte e sul.
Um plano que passa pelo centro de uma esfera encontra essa esfera num círculo que se chama
grande círculo, e que decompõe a esfera em dois hemisférios. No caso específico onde este plano
que passa pelo centro é perpendicular ao eixo escolhido, fala-se do plano do Equador, e os
hemisférios são chamados austral (ao Sul) e boreal (ao norte). Um plano que contém o eixo corta a
esfera sobre um grande círculo que passa pelos dois pólos. Estes círculos são constituídos de dois
semi-círculos que se juntam aos pólos: chamam se meridianos. Todo ponto sobre a Terra, com
exceção dos pólos, é situado sobre um só meridiano. Dado que supomos que a Terra é uma
esfera, todos os meridianos têm o mesmo comprimento: a distância que é necessário percorrer ao
longo da Terra se se quer viajar do pólo Norte ao pólo Sul, ou seja 20.000 km (mais ou menos).
Entre todos os meridianos sobre a Terra, um entre eles serve de origem; é o que passa pelo
observatório de Greenwich na Inglaterra, mas poderia ter sido outro (e o francês teria gostado muito
que fosse o que passa por Paris!). Os outros meridianos são descritos por um ângulo (ilustrado em
vermelho sobre a figura inferior) que se chama a sua longitude. A tradição geográfica pede que se
meça este ângulo entre 0 e 180 graus, a leste ou a oeste do meridiano de Greenwich.
Cliquem na imagem à esquerda para um filme.
Os planos perpendiculares ao eixo cortam a esfera em círculos que se
chamam paralelos. Chamam-se assim, talvez porque não se cortam, como
retas paralelas... Os paralelos são ainda menores porque que estão próximos
dos pólos. O Equador é um paralelo particular, a meio caminho entre os dois
pólos; é o maior dos paralelos. Os outros paralelos podem ser ao norte ou ao
Sul do Equador, e são descritos por um ângulo ilustrado sobre a figura em
verde; é a latitude.
Cada ponto da Terra, com exceção dos pólos, está situado na interseção de
um paralelo e de um meridiano e pode-se então atribuir-lhe uma longitude e
uma latitude; são as coordenadas geográficas do ponto. Reciprocamente se
tivermos uma latitude e uma longitude, pode-se encontrar o ponto...
A coisa importante que é preciso lembrar é que para descrever um ponto
sobre a superfície da Terra, são necessários dois números e que é por esta
razão que se diz que a superfície da Terra é de dimensão 2. De resto, para
um matemático, uma superfície é um objeto de dimensão 2; pode ser a
superfície da Terra mas também o plano de uma mesa, ou a superfície de um
bola de rugby.
Cliquem sobre a imagem para um filme.
Mas vivemos sobre a superfície da Terra apenas em primeira aproximação! Se tomarmos um avião por exemplo... Então, os dois números latitude e longitude
não mais são suficientes para precisar a nossa posição. É preciso ainda dizer em qual altitude estamos. São necessários, por conseguinte, três números para
descrever um ponto no espaço e diz-se que o espaço é de dimensão 3. Voltaremos a este ponto mais tarde...
3. Projeções
Na segunda parte deste capítulo, Hiparco nos explica uma das grandes idéias matemáticas, que se chama projeção. A Terra é redonda, mas gostaríamos de
representá-la sobre um plano, sobre uma folha de papel por exemplo, para fazer um mapa que se possa inserir num atlas.
Há muitos métodos para cartografar a Terra. O princípio geral é escolher uma zona sobre a Terra e associar a cada
ponto p desta zona um ponto F (p) no plano. Assim representou-se a zona em questão numa parte do plano. Escolher
a representação F é a arte do cartógrafo que procura privilegiar tal ou tal característica. O ideal seria que o mapa fosse
isométrico, ou seja, que se possa medir a distância entre dois pontos p, q medindo a distância entre suas
representações F (p) e F (q). Infelizmente, estes mapas ideais não existem e é necessário fazer concessões. Certos
mapas procuram representar fielmente as superfícies, por exemplo. A cartografia é um assunto apaixonante que tem
uma longa história, frequentemente paralela à da matemática, e que tem feito progressos consideráveis recentemente,
em especial graças às medidas precisas e à informática. Eis por exemplo dois sítios que podem servir de ponto de
partida para um estudo desta ciência.
O mapa que Hiparco nos apresenta tem um nome sábio: a projeção estereográfica. De fato, é necessário dizer que não serve muito aos atlas de hoje, exceto
quando se trata de representar as zonas polares. Mas veremos gradualmente durante o filme que esta projeção tem um interesse matemático considerável e que
é bem prática.
A sua definição é muito simples. Considera-se o plano P tangente à
Terra no pólo sul. Para cada ponto p da esfera, diferente do pólo
norte, pode-se traçar a reta pn que une p ao pólo norte. Esta reta
encontra o plano tangente P em outro F (p). A projeção
estereográfica é então uma representação da esfera, sem o pólo
norte, no plano P.
Quem inventou esta projeção? Ainda um debate histórico
complicado... Alguns falam de Hiparco, outros de Ptolemeu e, por
último, outros afirmam que Hiparco efetivamente inventou esta
projeção, mas que não conhecia as suas propriedades.
Esta projeção tem três propriedades essenciais, muito ligadas entre si.
A primeira, largamente ilustrada no filme, é que a projeção transforma um círculo traçado sobre a esfera num círculo ou numa reta do plano. Se tiver a paciência
de esperar o último capítulo, compreenderá porquê
Para mostrar bem isto, Hiparco diverte-se em fazer rolar a Terra no
plano tangente ao pólo sul. Então, não é mais o Sul que está em contato
com o plano e não é mais a partir do pólo norte que ele projeta, mas
continua sempre a projetar a partir do ponto "o mais alto possível" sobre
o plano tangente no ponto "mais baixo". Uma rotação hipotética, pouco
razoável, mas que dá projeções bem bonitas.
Cliquem na imagem à esquerda para um filme.
A segunda, que não é ilustrada no filme, é que a projeção respeita os
ângulos. Isto quer dizer que tomando duas curvas sobre a esfera que se
cortam num ponto com certo ângulo, as projeções dessas curvas vão
cortar-se num mesmo ângulo. Vê-se sobre a imagem à esquerda que as
projeções dos meridianos e dos paralelos se cortam num ângulo reto,
como se cortam num ângulo reto sobre a esfera. Bem prático para um
navegador que mede o rumo da sua trajetória e gostaria bem de que os
ângulos que ele mede fossem exatamente os mesmos sobre o seu
mapa.
A terceira, é que ainda que não conseguisse o ideal de preservar as
distâncias, faria "o melhor". Tomem um ponto p sobre a esfera e
considerem uma região R muito pequena em redor de p. A projeção
estereográfica transforma a região R numa região F (R) em redor do
ponto F (p). Quanto menor R mais F respeita a forma de R. Isto significa
o seguinte: existe uma constante k, que se pode chamar a escala do
mapa em R, que se q1 e q2 são dois pontos de R, a razão das distâncias
entre q1 e q2 (na esfera) e F (q1) e F (q2) no plano é quase igual a k. O
que quer dizer este "quase"? Que esta razão estará tanto mais próxima
de k quanto R se torna pequeno. Para além da formulação matemática
precisa, isto quer dizer que o mapa respeita as formas das pequenas
áreas. É por isto que se diz que é conforme. É a principal qualidade da
projeção estereográfica: é quase perfeita para um usuário que a utilizar
apenas na sua vizinhança!
Após esta primeira viagem, lembrem da lição de Hiparco: a esfera é de dimensão 2 porque é possível descrever os seus pontos através de duas coordenadas,
latitude e longitude, e é bem prático representá-la num plano graças à projeção estereográfica...
Tudo isto nos será muito útil para explorar a terceira dimensão e em seguida a quarta!
Chapitre 2 : a dimensão três
M.C.Escher conta as aventuras das criaturas de dimensão 2 que procuram imaginar objetos de dimensão 3.
1. O apresentador
M.C. Escher (1898-1972) foi um artista excepcional cujas obras seduzem muito os
matemáticos. As suas gravuras mostram-nos mundos paradoxais, mosaicos com
simetrias surpreendentes, perspectivas infinitas; que encantam os matemáticos! Ver
uma biografia aqui, e o sítio oficial para uma grande coleção de reproduções de
gravuras.
J. S. Bach (1685-1750) é outro artista que fascina os matemáticos (entre outros!). Ele
também nos mostra simetrias extraordinárias.
Kurt Gödel (1906-1978) foi um matemático que revolucionou a lógica, explorando, ele
também, simetrias que vinculam um todo a uma de suas partes
Um livro notável "Bach Escher Gödel" explora essa relação profunda que une estes
três personagens excepcionais.
Uma das gravuras mais famosas de Escher se intitula Répteis. Admirem-na aqui porque ela passa, infelizmente, muito rapidamente no filme. Sobre uma
página de um caderno de desenho, vêem-se mosaicos nos quais lagartos planos ajustam-se à perfeição.
É a imagem de um mundo plano: lagartos que vivem nesta página conhecem
apenas esta página, ignoram o espaço que os cerca. Nós os vemos, sabemos
que o seu mundo plano é apenas uma página de um caderno que é situado no
nosso espaço, mas os répteis planos o ignoram.
Um destes lagartos tem a possibilidade de escapar do plano e visitar o nosso
mundo: vemo-lo no plano adquirir progressivamente espessura, subir sobre um
livro, fazer de um esquadro uma ponte que o leva a um mirante, em forma de
um dodecaedro, antes de descer e retomar sua posição no seu mundo plano,
rico da sua nova experiência, como um explorador que tivesse descoberto um
novo continente.
A gravura incita a uma reflexão filosófica: se os lagartos ignoram a existência
do mundo externo, não estamos nós na mesma situação? Não existiria um
mundo "externo" ao nosso, ao qual nossos sentidos não nos dão acesso? De
resto, as alusões filosóficas são abundantes nesta gravura. Vêem-se os quatro
All M.C. Escher Works © 2008 The M.C. Escher Company,the Netherlands.
All rights reserved. www.mcescher.com Used with permission.
elementos que de acordo com Platão constituem o mundo: a água no vidro, o ar
expulso das narinas do lagarto, a terra no vaso, o fogo evocado pela caixa de
fósforos, e mesmo o dodecaedro que representa a quinta-essência, o quinto
elemento... O maço de cigarros da marca “Job” seria uma alusão bíblica?
O objetivo deste capítulo é de nos preparar para a quarta dimensão. Para permitir-nos encarar uma quarta dimensão que nos transcende, vamos
começar a imaginar estratégias para explicar aos lagartos planos a existência da terceira dimensão. Vamos imaginar que somos este lagarto eleito pelo
céu (o filósofo?, o matemático?), que teve o privilégio de ser autorizado a sair da página e de subir ao dodecaedro. Estamos no espaço de dimensão 3 ,
vemos aí objetos, um livro, um esquadro, um dodecaedro, e a nossa missão é "mostrar estes objetos" aos outros lagartos que não podem vê-los dado
que estão num plano do qual não podem sair.
2. "O país plano"
Este capítulo poderia igualmente ser apresentado por Edwin Abbott, pastor inglês do décimo nono
século que escreveu um livro maravilhoso intitulado FlatLand. Este livro conta a história de uma
sociedade plana, na qual os personagens são triângulos, quadrados, círculos e segmentos. Nesta
sociedade, as regras de vida são complexas e o encanto deste livro é que o autor aproveita para
caricaturar a sociedade vitoriana do décimo nono século na qual vive, a que também não faltam
complexidades. Um livro ao mesmo tempo científico e sociológico em certa medida.
O herói do livro, um hexágono, sofre um destino análogo ao do nosso lagarto que sai do plano, e
pouco a pouco se conscientiza da existência das outras dimensões. O subtítulo do livro é de resto
uma novela de muitas dimensões. Este pequeno livro é uma verdadeira jóia e é, além disso, um dos
primeiros livros de divulgação científica.
Veja o livro ou numa edição completa em francês
3. Os sólidos de Platâo
Quais são os objetos do nosso espaço que iremos "mostrar" ao lagartos planos? Poderíamos mostrar-lhes um buquê de flores ou um livro, mas vamos
permanecer na alusão filosófica e mostrar-lhes os cinco sólidos de Platão.
Tetraedro Octaedro Cubo Dodecaedro Icosaedro
Alguns destes objetos nos são familiares, como o cubo por exemplo. Outros, os
encontramos vez por outra, como o tetraedro. Outros são mais raros e é necessário
ser observador para vê-los na natureza
Tomem por exemplo um icosaedro, com os seus 12 vértices e cortem os vértices na
parte superior, como na figura à esquerda. Obtém-se um objecto constituído de 20
hexágonos e 12 pentágonos. Estes pentágonos provêm dos 12 vértices que foram
cortados, e se encontram sobre as faces de um dodecaedro. Ah sim, vê-se lá uma
bola de futebol...
Estes objetos são poliedros, ou seja, literalmente, que têm várias faces! O nosso objetivo não é aqui entrar numa teoria complicada de poliedros.
Queremos simplesmente escolher cinco bonitos objetos no espaço e tentar mostrá-los aos lagartos. Explicar a um lagarto o que é uma bola de futebol,
de qualquer forma!
Há muitos poliedros, (uma infinidade certamente) mas somente cinco entre eles são regulares. Ainda aqui, não queremos entrar nos detalhes da
definição desta palavra, mas observamos que para cada um destes cinco poliedros regulares, todas as faces são do mesmo tipo (por exemplo, todas as
faces do dodecaedro são pentágonos regulares, dos quais todas as arestas são do mesmo comprimento), e que todos os vértices são do mesmo tipo
(por exemplo, de cada vértice do cubo, partem exatamente três arestas). Estas propriedades (quase) são suficientes para caracterizar os cinco objetos
que queremos mostrar aos lagartos.
Imagem Nome Faces Vértices
Arestas
(comprimento
L)
Superfície Volume
Tétraedro 4 4 6
Octaedro 8 6 12
Cubo 6 8 12
Dodecaedro 12 20 30
Icosaedro 20 12 30
Para saber muito mais sobre poliedros, pode-se consultar, por exemplo, esta página, e para saber muito mais sobre os cinco poliedros regulares, a sua
história e as suas simetrias, pode-se consultar esta página. Estes objetos estão entre os objetos fetiches dos matemáticos porque simbolizam o conceito
de simetria, que não é infelizmente detalhado no filme.
4. As Secções
Uma primeira idéia para explicar aos lagartos o que é um tetraedro é cortá-lo em fatias. Esta idéia é muito
antiga e Edwin Abbott a utiliza largamente no seu livro. É de certa forma o que é utilizado em tomografia, uma
técnica de imagens que consiste em examinar o corpo humano fatia por fatia e em seguida reconstituir o
objeto de dimensão 3 a partir destas secções sucessivas.
Quando um poliedro se desloca no espaço e encontra o plano dos lagartos, a intersecção com o plano é um
polígono. Quando o poliedro se desloca, o polígono se deforma e desaparece quando o poliedro termina de
atravessar o plano (poliedros seriam o “passe-muraille” de Marcel Aymé?). Os lagartos vêem apenas os
polígonos, mas o vêem de maneira dinâmica: podem ver como se deformam. Com um pouco de experiência,
vão (talvez!) terminar por ter uma intuição do que é realmente este poliedro que não podem ver no espaço.
Tudo isto suscita muitas perguntas. Por exemplo, se lagartos estão
num plano, como podem fazer para ver um polígono? Pergunta
complexa! Difícil interrogar-lhes. Pensando um pouco, compreende-
se que o mesmo problema se põe para nós. Como fazemos para ver
objetos de dimensão 3, enquanto suas imagens se projetam nas
nossas retinas e são por conseguinte de dimensão 2? Há muitas
respostas para isto. Primeiro, temos dois olhos que não vêem
exatamente a mesma coisa e o nosso cérebro utiliza estas duas
imagens de dimensão 2 para reconstruir mentalmente uma imagem
de dimensão 3.
Mas também, os efeitos de sombra, de claridade etc. nos dão
informações parciais sobre a distância que nos separa dos objetos.
Por último e talvez, sobretudo, temos uma experiência do mundo no
qual vivemos: quando vemos uma fotografia de uma bola de futebol,
reconhecemo-la ainda que a imagem esteja num plano, porque já
vimos e tocamos outras bolas de futebol.
Então, não hesitemos em dar dois olhos aos nossos lagartos planos
e a atribuir-lhes uma experiência do seu mundo. Se um hexágono se
Cliquem sobre a imagem para um filme.
apresenta na frente deles, são completamente capazes de ter
consciência do hexágono. No livro de Abbot, todas estas perguntas
são discutidas com muito humor.
No filme, vêem-se cinco poliedros regulares que atravessam o plano e são mostradas as secções/polígonos que se deformam. Não é fácil porque as
secções dependem da maneira como os poliedros atravessam o plano. Por exemplo, se um cubo apresenta-se de modo que uma de suas faces seja
paralela ao plano, não há surpresa: as secções são quadradas. Mas se se corta um cubo por um plano que passa pelo seu centro e que é perpendicular
a uma diagonal, a intersecção é um... hexágono regular e isto pode ser menos evidente?!
Após ter olhado todos os poliedros atravessarem o plano, Escher propõe exercícios. Mostra as secções poligonais no plano e pede para adivinhar que
poliedro está atravessanado, como se fossemos o lagarto do plano. Boa sorte com este exercício que não é fácil, como verão. O método das secções
tem então os seus limites e devemos encontrar outro caminho...
5. A projeção estereográfica
Eis uma segunda idéia, que pode parecer esquisita, mas que será extremamente útil em seguida (quando for a nossa vez de sermos "planos",
esmagados na terceira dimensão, e que um eleito tentará nos mostrar os objetos no seu mundo de dimensão 4...). Aprendemos a projetar a esfera sobre
um plano por projeção estereográfica e vimos que esta projeção, mesmo alterando os comprimentos, dá contudo uma idéia bastante precisa da geografia
da Terra, sobretudo se a rolarmos sobre um plano.
Poderíamos fazer a mesma coisa, fazendo rolar os cinco poliedros sobre um plano e projetando-os estereograficamente. O problema é que não se pode
fazer rolar um cubo porque não é redondo! Então, inflam-se os poliedros como balões para que fiquem redondos. Inscrevamos por exemplo um cubo
dentro de uma esfera.
A superfície do cubo consiste de seis faces quadradas. Projetem estas seis faces
radialmente sobre a esfera, a partir do centro. De certa forma, iremos inflar o cubo de
modo que fique esférico. A esfera agora é coberta por seis zonas, que não são mais
quadradas certamente dado que os seus bordos são arcos de círculos. Mas obtém-se uma
boa imagem do cubo que tem a vantagem de poder rolar como uma bola.
Então, podemos imaginar uma Terra sobre a qual haveria seis continentes que são as seis
faces deste cubo inflado. Podemos fazer com este cubo o que fizemos com a Terra:
projetá-lo estereograficamente sobre um plano e fazer rolar a Terra. A dança dos
continentes torna-se a dança das seis faces de um cubo! Certamente, dado que as arestas
do cubo inflado são arcos de círculos e que vimos que a projeção estereográfica
transforma os círculos da esfera em círculos ou retas no plano, a projeção do cubo inflado
no plano apresenta-nos faces "quadradas" cujos lados são arcos de círculos ou
segmentos. O lagarto plano vê a projeção: deve imaginar que está num plano tangente ao
pólo sul de uma esfera que não vê, mas adivinha as seis faces do cubo inflado que se
projetam no plano. O que vê no seu plano dá-lhe todas as informações das quais tem
necessidade: pode contar os vértices, as arestas, as faces; pode entender as suas
posições respectivas. E se a esfera-Terra gira, a dança das faces dá-lhe uma visão ainda
mais precisa.
Cliquem sobre a imagem para um filme.
É este método que é mostrado na segunda parte deste capítulo. Primeiro, mostra o conjunto visto por um ser de dimensão 3 que vê tudo: o poliedro, o
poliedro inflado, a esfera, a projeção no plano dos lagartos. Depois, é a vez de tomar o lugar dos lagartos planos e não ver senão a projeção. Escher
recorre então à imaginação para que se possa adivinhar de qual poliedro se trata. O exercício também não é muito fácil, mas parece efetivamente ser
mais fácil que com o método das secções.
Estes exercícios serão úteis no que se segue. Recordem: em breve, estarão na posição de um pobre ser humano de dimensão 3 incapaz de ver a quarta
dimensão! Qualquer um que tenha o dom de ver na quarta dimensão fará esforços para mostrar o que vê. Utilizará também cortes e projeções.
Capítulos 3 e 4 : A quarta dimensão
O matemático Ludwig Schläfli nos fala de objetos na quarta dimensão e nos mostra um desfile de poliedros regulares em dimensão 4, objetos estranhos de 24,
120 e mesmo de 600 faces!
1. Ludwig Schläfli e os outros
Hesitamos muito para escolher o apresentador deste capítulo. A idéia da quarta dimensão não foi de um só homem e foram necessários numerosos
espíritos criativos para que pudesse, definitivamente, ser estabelecida e assimilada em matemática. Entre os precursores, pode-se citar o grande
Riemann que será o apresentador do último capítulo e que teve, sem dúvida alguma, uma idéia muito clara da quarta dimensão a partir da metade do
décimo nono século.
Mas vamos dar a palavra a Ludwig Schläfli (1814-1895), em especial porque este espírito
original, hoje, está quase esquecido, mesmo entre os matemáticos. Foi um dos primeiros a ter
tomado consciência que ainda que o nosso espaço físico pareça bem de dimensão 3, nada
impede de imaginar um espaço de dimensão 4, e mesmo de demonstrar teoremas de
geometria que se referem aos objetos matemáticos de dimensão 4. Para ele, a quarta
dimensão era uma abstração pura, mas não há dúvida que após anos de trabalho, ele deveria
se sentir mais à vontade na quarta dimensão que na terceira! A sua obra principal intitula-se
Theorie der vielfachen Kontinuität e foi publicada em 1852. É necessário dizer que poucos
leitores perceberam a importância deste livro na época. Foi necessário esperar o início do
vigésimo século para que os matemáticos compreendessem o interesse de tal trabalho
monumental. Para mais informações sobre Schläfli, ver aqui ou aqui .
Mesmo na comunidade dos matemáticos, a quarta dimensão manteve por muito tempo o seu
aspecto misterioso e impossível. Para o público em geral, a quarta dimensão evoca
frequentemente histórias de ficção científica nas quais fenômenos paranormais produzem-se,
ou às vezes, evoca a teoria da relatividade de Einstein: "a quarta dimensão, é o tempo, não é
verdade ?” É confundir perguntas de matemática e de física. Retornaremos, em breve, adiante.
Tentemos primeiro apreender a quarta dimensão como Schläfli, por exemplo, como uma pura
criação do espírito!
2. A idéia de dimensão
Schläfli começa por nos recordar as coisas que vimos nos capítulos precedentes, explicando-se no quadro. Uma reta é de dimensão 1 porque para se
localizar sobre uma reta, é necessário um só número. É a abcissa de um ponto, negativo à esquerda de uma origem e positiva, à direita.
O plano do quadro é de dimensão 2 porque para se localizar neste plano,
pode-se traçar duas retas perpendiculares sobre o quadro e localizar a posição
dos pontos em relação a estes dois eixos: são a abcissa e a ordenada. Para o
espaço no qual vivemos, se pode completar os dois eixos do quadro, traçando
um terceiro eixo, perpendicular ao quadro. Certamente, é bem raro ter um giz
que trace retas saindo do quadro, mas como nos preparamos para partir para
a quarta dimensão, temos necessidade de um giz mágico!
Todo ponto no espaço pode então ser localizado por três números
denominados tradicionalmente como x, y e z, e é por isto que se diz que o
espaço é de dimensão 3. Gostaríamos certamente de poder continuar, mas
não é possível traçar um quarto eixo perpendicular aos três precedentes; e isto
não é uma surpresa porque o espaço físico no qual vivemos é de dimensão 3
e não é aí que se faz necessário procurar a quarta dimensão, mas antes, na
nossa imaginação...
Schläfli nos propõe várias soluções para se ter uma idéia da quarta dimensão. Não há apenas um só método, da mesma maneira que não há apenas um
só método para explicar a terceira dimensão para os lagartos do plano. É a associação destes métodos que nos permitirá ter uma visão da quarta
dimensão
O primeiro método é mais pragmático. Pode-se simplesmente decretar que um ponto no espaço de dimensão 4 não é nada além que a informação de
quatro números: x, y, z, t. O inconveniente desta abordagem é que não se vê grande coisa. Mas é completamente lógica e satisfaz a maior parte dos
matemáticos. Pode-se então tentar copiar as definições habituais em dimensão 2 e 3, para tentar definir objectos na quarta dimensão.
Por exemplo, pode-se chamar (hiper)plano o conjunto dos pontos (x, y, z, t) que verificam uma equação linear, da forma ax+by+cz+dt = e, copiando a
definição análoga de um plano no espaço. Com este tipo de definição, pode-se desenvolver, uma geometria sólida, demonstrar teoremas, etc. De fato, se
trata da única maneira de tratar seriamente os espaços de dimensões superiores. Mas o objetivo deste filme não é ser "demasiado sério" mas de
"mostrar" a quarta dimensão e de explicar a intuição que certos matemáticos têm disso.
Schläfli expõe-nos em seguida um método "por analogia". A ideia é observar com cuidado as dimensões 1, 2 e 3, observar certos fenômenos, depois
supor que estes fenómenos existem ainda na quarta dimensão. É um jogo difícil que não aparece facilmente! Um lagarto que sai do seu mundo e entra
na terceira dimensão deve esperar surpresas e precisar de tempo para se adaptar. "Por analogia”, a mesma coisa é verdadeira para o matemático que
se joga na quarta dimensão ... O exemplo tomado por Schläfli é o da sequência "segmento, triângulo equilátero, tetraedro regular". Sente-se uma
analogia entre estes objetos, e não tem dúvida que o tetraedro generaliza, de certa forma, na dimensão 3, o triângulo eqüilátero.
Então, qual é o objeto que generaliza o tetraedro na quarta dimensão?
O segmento tem dois vértices e está na dimensão 1. O triângulo tem três
vértices e está na dimensão 2. O tetraedro tem quatro vértices e está na
dimensão 3. É tentador pensar que a sequência continua e que existe um
objeto no espaço de dimensão 4 que tem cinco vértices e que continua a série.
Observa-se em seguida que no triângulo e no tetraedro, há uma aresta que
une todos os vértices entre si. Se tentar unir os cinco vértices entre si, sem
refletir muito no espaço no qual se faz o desenho, vê-se que é necessário dez
arestas. Então, se tenta muito naturalmente colocar faces triangulares para
cada terno de vértices. Encontram-se ainda dez. Em seguida, continua-se
colocando tetraedro para cada quádruplo de arestas. O objeto que acabamos
de construir não tem ainda uma estrutura muito clara... nós conhecemos os
vértices, as arestas, as faces, as faces de dimensão 3 mas não o vemos ainda
muito claramente. O matemático fala de combinatória para descrever o que
conhecemos: sabemos quais arestas ligam quais vértices, mas não temos
ainda uma visão geométrica do objeto. Este objeto do qual acabamos de
adivinhar a existência, que continua a lista segmento, triângulo, tetraedro, é
chamado um simplexo!
Cliquem na imagem para um filme..
3. Os poliedros de Schläfli
Os polígonos são traçados no plano e os poliedros no espaço de dimensão 3. Os objetos análogos em dimensão 4 (ou mais!) levam o nome geral de
politopos ainda que, bem freqüentemente, se continue a chamá-los simplesmente de poliedros.
Como Platão discutiu poliedros regulares no espaço usual de dimensão 3, Schäfli descreveu poliedros regulares em dimensão 4. Alguns são de uma
riqueza inconcebível e o filme propõe mostrar aos espectadores de dimensão 3 (vocês e eu!) da mesma maneira que o filme mostrou os poliedros de
Platão aos lagartos, em vez de um jarro de flores ou um livro (mas é preciso reconhecer que os autores do filme seriam incapazes de mostrar flores em
dimensao 4, que pena !). Trata-se de uma das mais bonitas contribuições de Schläfli: a descrição precisa de seis poliedros regulares em dimensão 4.
Como são em dimensão 4, têm vértices, faces de dimensão 2 e faces de dimensão 3. Eis um quadro que indica os nomes destes poliedros, os seus
números de arestas, faces etc..
Nome simples Nome Vértices Arestas Faces 2D Faces 3D
Simplexo Pentacore 5 10 10 triângulos 5 tetraedros
Hypercubo Tesserato 16 32 24 quadrados 8 cubos
16 Hexadecacore 8 24 32 triângulos 16 tetraedros
24 Icositetracore 24 96 96 triângulos 24 octaedros
120 Hecatonicosacore 600 1200 720 pentágonos 120 dodecaedros
600 Hexacosicore 120 720 1200 triângulos 600 tetraedros
Isto será útil para apreciar bem as suas visualizações. Para mais informações sobre poliedros em dimensão 4, ver aqui ou lá, ou ainda lá.
4. "Ver" em dimensão 4
Como "ver" em dimensão 4? Infelizmente, não podemos dar-lhes lunetas 4D, mas há outros meios.
O método das secções:
Primeiro, podemos fazer como os lagartos. Estamos no nosso espaço de
dimensão 3 e imaginamos que um objeto se desloca progressivamente no
espaço de dimensão 4 e vem cortar o nosso espaço de dimensão 3
progressivamente.
A secção está agora no nosso espaço e em vez de ser um polígono que se
deforma, é um poliedro que se deforma. Podemos ter uma intuição da forma
do poliedro de dimensão 4 observando as secções que se deformam
gradualmente e terminam por desaparecer. Reconhecer o objeto desta
maneira não é fácil, menos fácil ainda que para os lagartos...
No filme, tomamos em seguida conhecimento de três destes poliedros: o
hipercubo e os que chamamos de 120 e de 600. Vê-se cortá-los no espaço e
mostrar as secções que são poliedros de dimensão 3 que se deformam.
Impressionante! Mas não é fácil de compreender...
A imagem à direita mostra o 600 que atravessa o nosso espaço de dimensão
3.
Cliquem na imagem para um filme.
Como a dimensão 4 não é fácil de compreender, não é inútil utilizar vários métodos complementares.
O método das sombras:
O outro método apresentado neste capítulo é quase mais evidente que o das
secções. Teríamos podido utilizá-lo igualmente com os lagartos. Trata-se de
um pintor que quer representar uma paisagem que contém objetos de
dimensão 3 sobre a sua tela que é de dimensão 2. Projeta a imagem sobre a
tela. Por exemplo, pode colocar uma fonte luminosa atrás do objeto e observar
a sombra do objeto sobre a tela. A sombra do objeto dá apenas uma
informação parcial mas se fizer girar o objeto na frente da luz e se se observa
a maneira como a sombra deforma-se, pode-se frequentemente fazer uma
idéia bem precisa do objeto. Isto é a arte da perspectiva.
Aqui, é a mesma coisa: pode-se pensar que o objeto de dimensão 4 que
queremos representar encontra-se no espaço de dimensão 4 e que uma luz
projeta a sua sombra sobre uma tela que é agora o nosso espaço de
dimensão 3. Se o objeto se move no espaço de dimensão 4, a sombra altera-
se e fazemos uma ideia da forma do objeto ainda que não o vejamos!
Vemos então o hipercubo, de maneira bem mais clara que com as secções.
Cliquem na imagem para um filme.
Agora, o 24, este objeto do qual pensamos que Schläfli se orgulhava mais! A razão é que esta nova visão é realmente nova; não generaliza nenhum
poliedro de dimensão 3, como no caso de outros poliedros. Além disso, tem esta propriedade maravilhosa de ser autodual: por exemplo, tem tantas
faces de dimensão 2 quantas faces de dimensão 1 (as arestas) e tantas faces de dimensão 3 quantos faces de dimensão 0 (os vértices).
E por último, vemos os poliedros 120 e 600 cujas secções já vimos. Esta nova visão nos mostra outros aspectos destes poliedros de dimensão 4, que
são decididamente bem complicados. Estes dois métodos, as secções e as sombras, têm vantagens, mas é necessário reconhecer que não fazem
justiça a todas as simetrias destes magníficos objetos.
No capítulo seguinte, utilizaremos um outro método, o da projecção estereográfica! Será que verão um pouco mais claro?
5. "Ver" em dimensão 4: a projeção estereográfica
(Ver o filme do Capítulo 4: a quarta dimensão, a seguir)
Schläfli nos mostra um último método para representar poliedros de dimensão 4. Trata-se simplesmente de utilizar a projeção estereográfica. Mas
certamente, não se trata da mesma projeção que Hiparco nos mostrou no capítulo 1!
Imaginem-se no espaço de dimensão 4 e considerem uma esfera. Para definir tal esfera, utiliza-se a definição habitual: trata-se do conjunto dos pontos
deste espaço que estão à mesma distância de um ponto que se chama centro. Vimos que a esfera no espaço de dimensão 3 é de dimensão 2, dado que
os seus pontos são descritos por uma longitude e uma latitude. De certa forma, a esfera no espaço de dimensão 3 é apenas de dimensão 2 porque "falta-
lhe uma dimensão": a altitude acima da esfera. Da mesma maneira, a esfera no espaço de dimensão 4 é de dimensão 3 e "lhe falta" igualmente uma
dimensão que é ainda a altitude acima da esfera.
O que é uma esfera no plano, i.e., no espaço de dimensão 2 ? É o conjunto dos pontos à mesma distância de um centro, em outros termos um
círculo.Um círculo é portanto uma esfera no espaço de dimensão 2 ! E é bem de dimensão 1 dado que é suficiente um só número para localizar-se sobre
um círculo. Mais surpreendente: o que é uma esfera num espaço de dimensão 1, ou seja numa reta? O conjunto dos pontos à mesma distância de um
ponto dado sobre uma reta. Tem apenas dois, um à esquerda e outro à direita... A esfera no espaço de dimensão 1 não contém senão dois pontos... Não
surpreende que se diga que é de dimensão 0!
Resumamos: no espaço de dimensão n, a esfera é de dimensão n-1 e é por isto que os matemáticos a notam Sn-1
.
S0
S1
S2
S3
No início do capítulo se explica o que é a esfera S3
, mas
certamente, mesmo Schläfli não pode mostrá-la. O melhor
que se pode fazer é lhes mostrar uma esfera S2
, incentivá-
los a fazer como se estivessem num espaço de dimensão
4 e imaginar a esfera S3
... A projeção estereográfica
apresentada por Hiparco projeta a esfera S2
sobre o seu
plano tangente no pólo sul. Pode-se proceder exatamente
da mesma maneira com S3
. Toma-se o espaço tangente no
pólo sul da esfera S3
, que é um espaço de dimensão 3 e
pode-se em seguida projetar qualquer ponto de S3
. (exceto
o seu pólo norte) sobre este espaço. É suficiente prolongar
a reta que parte do pólo norte e que passa pelo ponto até à
sua interseção com o espaço tangente no pólo sul... Ainda
que esteja em dimensão 4, a figura é análoga à que já
vimos.
Suponhamos então que Schläfli queira nos mostrar um destes poliedros em
dimensão 4. Faz como já fizemos com os répteis. Infla o poliedro até que
esteja desenhado sobre a esfera S3
.. Em seguida, pode-se projetar
estereograficamente no plano tangente no pólo sul, que é o "nosso" espaço de
dimensão 3 e podemos por conseguinte observar a projeção.
Pode-se também fazer rolar a esfera S3
sobre o seu plano tangente e projetar
seguidamente de forma a observar a dança do poliedro. É necessário observar
que quando a rotação da esfera leva uma face do poliedro a passar pelo pólo
de projeção, a projeção da face correspondente torna-se infinita e tem-se a
impressão que explode sobre a tela. Tinhamos a mesma impressão no
capítulo 1 quando eram projetados poliedros no plano.
É o espectáculo que propõe o capítulo 4: projetar poliedros de Schläfli
estereograficamente fazendo-o girar...
Cliquem na imagem para um filme.
A geometria dos espaços de dimensão 4 não é senão um início porque existe espaços de dimensão 5, 6... e mesmo infinito! Concebidos inicialmente
como puras abstrações, a física contemporânea o utiliza largamente. A teoria da relatividade de Einstein utiliza espaço-tempo de dimensão 4. Um ponto
deste espaço-tempo é descrito por três números que descrevem uma posição e por um quarto que descreve um momento.
Mas a força da teoria da relatividade é precisamente misturar em certa medida estas quatro coordenadas sem procurar privilegiar o tempo ou o espaço
que perdem assim as suas individualidades. Não vamos explicar aqui esta teoria talvez porque Schläfli não a conhecia! A teoria de Einstein data de 1905,
por conseguinte bem após a eclosão da idéia matemática de dimensão 4. Não é a primeira vez, nem a última, que a física e a matemática interagem
assim, cada uma trazendo os seus métodos, com objetivos e motivações bem diferentes, e no entanto tão próximas...
De resto, a física de hoje não postula espaços de dimensão 10 ou mesmo mais, e a física quântica não trabalha num espaço de dimensão infinita? Será
necessário esperar um pouco ainda para que produzam um filme sobre os espaços de dimensão 10...
Capítulos 5 e 6 : Números complexos
O matemático Adrien Douady explica os números complexos. A raiz quadrada dos números negativos explicada de forma simples. Transformar o plano, deformar
imagens, criar imagens fractais.
1. O apresentador
Os números complexos constituem um dos capítulos mais bonitos da matemática e se tornaram essenciais na ciência. O caminho da sua descoberta não
foi fácil e a terminologia empregada testemunha esta dificuldade; falou-se de números impossíveis, imaginários, e a palavra "complexo" deixa entender
que não é fácil compreendê-los. Felizmente, hoje, não é mais o caso: podemos agora apresentá-los de maneira relativamente elementar.
Adrien Douady é o apresentador destes capítulos. Matemático excepcional,
as suas contribuições são muito variadas, e gostava de dizer que todas as
pesquisas giravam em redor dos números complexos. Ele é, em particular, um
dos que fizeram reviver a teoria dos sistemas dinâmicos complexos da qual
diremos, mais tarde, algumas palavras.
Uma das características desta teoria é que gera conjuntos fractais muito
bonitos que, hoje, podem ser representados graças aos computadores. Adrien
Douady faz parte dos que incentivaram firmemente a produção deste tipo de
imagem, para ao mesmo tempo ajudar o matemático no seu trabalho de
investigação e popularizar a matemática na sociedade.
Deve–se a ele, igualmente, um filme de animação matemática intitulado A
dinâmica do coelho: gostava de batizar os objetos matemáticos com nomes
surpreendentes: coelho, avião, shadok (personagem de história de
quadrinhos, muito conhecida na França e que Douady gostava de citar.) etc.
O seu desaparecimento recente entristeceu profundamente a comunidade
dos matemáticos. Para algumas indicações sobre a sua personalidade, ver
este sítio ou este.
É claro que mesmo Adrien Douady não pode explicar toda a teoria dos números complexos em dois capítulos de 13 minutos... Estes capítulos não
podem substituir um professor, um livro, ou uma exposição detalhada (ver por exemplo este sítio ou neste, em francês). É necessário considerar estes
capítulos como complementos ou ilustrações que incentivam a saber mais ou como recordações para os que teriam esquecido remotas lições passadas.
Certamente, o filme procura, sobretudo, destacar o lado geométrico destes números complexos.
2. Números e transformações
Vimos que a reta é de dimensão 1 dado que se pode localizar um ponto sobre uma reta com um número, positivo à direita da origem e negativo à
esquerda. Os pontos são seres geométricos e os números são seres algébricos. A idéia de pensar em números como pontos ou pontos como números,
ou seja, de misturar a álgebra e a geometria, é uma das idéias mais férteis da matemática. Como sempre, não é fácil atribuir a um só homem mas é, em
geral, a Descartes que se atribui este método potente de estudo da geometria pela álgebra: é o nascimento da geometria algébrica. Se os pontos de
uma reta são números, deve-se poder compreender geometricamente o significado das operações elementares entre números: a adição e a
multiplicação. A chave desta compreensão está na idéia de transformação.
Por exemplo, subtrair 1 de um número x, ou seja a transformação x-1, é visto
geometricamente como uma translação: todos os pontos são transladados de
1 para a esquerda. Da mesma maneira, a multiplicação por 2 é pensada como
uma dilatação.
A multiplicação por -1 que envia cada ponto x sobre - x é pensada como uma
simetria: cada ponto é transformado em seu simétrico em relação à origem. A
multiplicação por -2 é, por sua vez, composição das duas operações
precedentes. Multiplicar dois números significa compôr as transformações que
lhes são associadas. Por exemplo, a transformação associada à multiplicação
por -1 é uma simetria e quando se efetua esta operação duas vezes, em
sequência, retorna-se ao ponto de partida, de modo que o produto de -1 por
ele mesmo é + 1. O quadrado de -1 é + 1.
O quadrado de -2 é + 4 pela mesma razão. Resulta disso tudo que o quadrado
de qualquer número continua positivo. Não há número cujo quadrado seja
igual à -1.
Em outros termos, -1 não tem raiz quadrada.
Cliquem na imagem para um filme..
3. A raiz quadrada de -1
Por muito tempo, a impossibilidade de encontrar uma raiz quadrada para -1 era um dogma o qual não se podia
discutir. Mas na época da Renascença, certos espíritos inventivos ousaram quebrar o tabu! Se se ousa
escrever -1, então se pode também escrever números como por exemplo 2 +.3-1 e pode-se igualmente
brincar com estes números de maneira formal, sem estar demasiadamente tentando compreender os seus
significados. Estes pioneiros então constataram de certa maneira, experimental, que calcular com estes
números impossíveis não parecia levar a contradições, de modo que estes novos números gradualmente
foram aceitos pelos matemáticos, sem verdadeiras justificativas.
A história destes novos números é bem longa e não é nossa intenção descrever as etapas que conduziram a
bases sólidas. Poderá ser consultada por exemplo esta página para um pouco de história. Será suficiente
dizer, para simplificar ao extremo, que por volta do décimo nono século, alguns matemáticos, incluindo Gauss,
Wessel e Argand, tomaram consciência do carácter geométrico destes números imaginários. O filme mostra
uma apresentação simplificada de uma ideia muito simples de Argand.
(Cliquem na imagem à direita para ver o artigo original de Argand.)
O número -1 é associado à simetria em relação à origem sobre a reta, ou seja, a uma rotação de meia volta. Procurar uma raiz quadrada para -1 é
procurar uma transformação que, efetuada duas vezes em sequencia, daria uma rotação de meia volta. Argand declara então que a raiz quadrada de -1
deve ser associada à rotação de um quarto de volta, simplesmente. Fazer duas rotações de um quarto de volta, é fazer uma rotação de meia volta, ou
seja, multiplicar por -1.
Se se parte desta ideia, tem-se vontade de dizer que a raiz quadrada de -1 é
obtida a partir de 1 girando de um quarto de volta. Certamente, a imagem de 1
por uma rotação de um quarto de volta não está sobre a reta e acabamos de
decidir que a raiz quadrada de -1 é um ponto que não está sobre a reta mas
no plano!
A idéia é simples e bonita: Considere os pontos do plano como números.
Então, certamente, estes não são mais os mesmos números com os quais
estamos habituados. Por esta razão, se diz que os números “tradicionais” são
números reais e que os números os quais estamos prestes a definir,
associados aos pontos do plano, são números complexos.
Se localizamos um ponto do plano pelas suas duas coordenadas (x, y), que
são números reais, a reta da qual partirmos é a reta de equação y = 0, e o
ponto que é a imagem de (1,0) pela rotação de um quarto de volta é (0,1). É
então este ponto que Argand considera como a raiz quadrada de -1. Os
matemáticos, sempre surpreendidos por este "truque", chamam este ponto i,
como "imaginário". Dado que queremos números que se podem adicionar
entre si, pode-se considerar o número x + iy : ele corresponde ao ponto do
plano de coordenadas (x, y).
Cliquem na imagem para um filme.
Em resumo, Argand nos incita a considerar os pontos (x, y) do plano não como dois números (reais) mas antes como um só número (complexo). Isto
pode parecer muito surpreendente e talvez artificial, mas veremos que esta idéia é muito poderosa.
4. Aritmética complexa
A sequência não é difícil. Após todas as especulações, define-se um número complexo z como sendo dar dois números reais (x, y), ou seja, um ponto do
plano e se escreve z = x + i y. Trata-se, em seguida, de mostrar que se podem adicionar estes números complexos, multiplicá-los, e também que todas
as propriedades do cálculo às quais estamos habituados são ainda válidas. Por exemplo, é preciso se assegurar que a soma de números complexos é a
mesma qualquer que seja a ordem em que se apresentem. Tudo isto pode ser feito rigorosamente, mas este não é o objetivo do filme. Veja uma
apresentação da teoria dos números complexos.
Para a adição é fácil: tem-se a fórmula (x+i y) + (x'+i y') = (x+x')+ i (y +y') de tal modo que adicionar números complexos é o mesmo que adicionar
vetores.
Para a multiplicação, é um pouco mais difícil
(x+i y).(x'+i y') = xx' + i xy' + i yx' + i2 yy' = (xx'-yy') + i (xy'+x'y)
mas aqui, com um milagrezinho, esta fórmula será satisfeita. Por exemplo,
não é de forma alguma evidente, com esta fórmula, que se podem multiplicar
três números complexos em qualquer ordem para encontrar o mesmo
resultado, ou ainda que se pode sempre dividir por um número não nulo. Este
pequeno milagre não é explicado neste filme... isto nos tomaria muito tempo
Cliquem na imagem para um filme.
Duas noções serão úteis para a sequência:
O módulo de um número complexo z = x + i y é simplesmente a distância do ponto correspondente (x, y) à origem. Escreve-se |z| e é igual, de acordo
com teorema de Pitágoras, a √ (x2
+y2
). Por exemplo, o módulo de i é igual a 1 e o de 1+i, a √2.
O argumento indica a direção de z. Escreve-se como Arg(z) e não é nada mais que o ângulo entre o eixo das abcissas e a reta ligada à origem a partir
de (x, y). Este argumento é definido apenas se z não for nulo. Por exemplo, o argumento de i é de 90 graus, o de 1 é nulo; o de -1 , de 180 graus; e o de
1 + i, de 45 graus.
Os matemáticos por muito tempo têm tentado fazer a mesma coisa no espaço de dimensão 3: como multiplicar pontos no espaço? Tiveram que esperar
muito tempo antes de compreender que não era possível. No espaço de dimensão 4, descobriram que era parcialmente possível, sob a condição de
abandonar a idéia que a multiplicação verifica ab = ba! e terminaram por descobrir por que na dimensão 8, é ainda possível, sob a condição de
abandonar a idéia que (ab)c = a(bc), antes de compreender, no meio do século vinte que nas outras dimensões diferentes de 1,2,4 e 8, não há
realmente nenhum meio para multiplicar os pontos! Para compreender algo das frases misteriosas que precedem, pode-se ler aqui, aqui ou acolá.
Em resumo, os pontos do plano são definidos por só um número... complexo. O plano que dissemos ser de dimensão 2 é agora de dimensão 1! Não há
certamente contradição: o plano é de dimensão 2 real mas é uma reta de dimensão 1 complexa. Plano real, reta complexa... Dimensão 2 real, dimensão
1 complexa. Jogo de palavras?
5. ... ainda a projeção estereográfica !
Lembrem-se da projeção estereográfica; ela transforma a esfera de dimensão
2, sem o pólo norte, no plano tangente ao pólo sul. Se um ponto se aproxima
do pólo norte, sua projeção se afasta no plano de modo que se diz que ela
tende ao infinito. Diz-se de resto, às vezes, que o pólo norte é o ponto no
infinito.
Agora, se se pensa no plano tangente ao pólo sul como uma reta complexa,
compreende-se porque a esfera de dimensão 2 (real !) frequentemente é
qualificada de reta projetiva complexa. Aí está um bonito exemplo de
acrobacia matemática: chamar de reta uma esfera!
Henri Poincaré, não dizia ele que a matemática consiste em dar o mesmo
nome a coisas diferentes?
6. Transformações
( Voir dans le film: Chapitre 6 : Nombres complexes, suite)
Este capítulo se propõe a dar um pouco de intuição aos números complexos através de certas transformações da reta complexa. Uma transformação T é
uma operação que associa a cada número complexo z, ou seja a cada ponto do plano, outro ponto T(z). Para ilustrar isto, coloca-se o retrato de Adrien
Douady no plano e, em seguida, mostra-se a sua imagem pela transformação: cada pixel que constitui o retrato é transformado por T.
Adrien escolheu vários exemplos de transformação T :
T(z) = z/2
Cada número é dividido por dois. Certamente, a imagem é reduzida duas vezes: um zoom ao contrário! Chama-se a isto uma homotetia.
T(z) = iz
Trata se simplesmente de uma rotação de um quarto de volta, pela definição de i.
T(z) = (1+i)z
Dado que o módulo de 1+i é √2 e o seu argumento é 45 graus, trata-se de compor uma
rotação de 45 graus e uma homotetia de um fator √2. Chama-se a isto uma semelhança. É
uma das grandes vantagens dos números complexos: permitem escrever muito
simplesmente as semelhanças como resultados de multiplicações.
T(z) = z2
Esta é a nossa primeira transformação não-linear. Ao colocar a foto em dois lugares
diferentes, pode-se tomar consciência dos efeitos da passagem ao quadrado na reta
complexa : os módulos são elevados ao quadrado e os argumentos são duplicados. au
carré dans la droite complexe : les modules sont élevés au carré et les arguments sont
doublés.
T(z) = -1/z
Trata-se de uma transformação semelhante à que normalmente se chama de inversão.
Evidentemente, a origem que é o número 0, não pode ser alterada, mas é preciso dizer que
ela é enviada para o infinito. A razão é muito simples: se um número complexo z se
aproxima de 0, ou seja, se o módulo tende para 0, sua transformada -1/z tem um módulo
que é o inverso do módulo de z e, por isso, tende para o infinito. A transformação tem, então,
a propriedade de "explodir", ou seja, de transportar para muito longe as pequenas
vizinhanças da origem, até sair da tela ... Inversamente, os pontos que estão muito longe da
origem são "comprimidos" muito próximos dela (da origem).
Cliquem na imagem para um filme.
Durante muito tempo, livros didáticos deram grande importância à inversão, o que permite demonstrar
teoremas muito belos. A propriedade principal da inversão é que ela transforma círculos em círculos ou retas.
Os artistas muitas vezes utilizaram estes tipos de transformações e lhes deram o nome de anamorfose.
De modo mais geral, se forem escolhidos quatro números complexos a, b, c, d, pode-se considerar a transformação
T(z) = (az+b)/(cz+d).
Estas transformações têm vários nomes em matemática: transformações de Moebius, homografias, transformações projetivas, mas a sua principal propriedade é
a de enviar círculos em círculos ou em retas. Este grupo de transformações é o de uma geometria magnífica chamada circular, próxima da geometria não
euclidiana, mas isso é outra história!
T(z) = z+k/z
Esta transformação foi estudada por Joukovski, no seus estudos sobre a aerodinâmica das
asas de aviões! Mas Adrien Douady poderia ter escolhido outras transformações, em
particular que lhe dão uma linha mais fina que esta! A finalidade desta ilustração é mostrar
uma propriedade fundamental deste tipo de transformações. Evidentemente, elas não
transformam mais círculos em círculos, só as transformações de Moebius o fazem, mas isto
é verdade em nível infinitesimal. Se se toma um pequeno círculo e se considera a curva
transformada, ela não é um círculo, mas é muito próxima de um círculo, ainda mais próxima
se o círculo inicial for muito pequeno. Outra maneira de expressar a mesma coisa é que as
transformações em questão se comportam como semelhanças no nível infinitesimal. Estas
mudanças são chamadas holomorfas ou conformes. As raízes grega e latina "holo" e "con"
significam "mesma" e morphe significa, naturalmente, "forma": em outras palavras, estas
transformações preservam as formas. O estudo das funções holomorfas é um dos capítulos
mais importantes da matemática.
6. Dynamique holomorphe
Na segunda parte do capítulo 6, Adrien Douady propõe uma iniciação a um magnífico tópico de estudo ao
qual trouxe contribuições essenciais. Trata-se do estudo dos conjuntos de Julia, que, além do seu
interesse matemático fundamental, é de uma beleza extraordinária (e as duas coisas estão certamente
ligadas). É raro que uma teoria matemática possa ser ilustrada de uma maneira tão bonita e numerosos
artistas se inspiraram nestas imagens.
A idéia inicial é muito simples: escolhe-se um número complexo c qualquer. Em seguida, se considera a transformação Tc(z) = z2
+ c. Trata-se num
primeiro tempo de elevar ao quadrado um número depois o transladar acrescentando-lhe c. Partindo de um ponto inicial z, sua transformação é um ponto
z1= Tc(z), em seguida, se considera o transformado do transformado z2= Tc(z1) e se prossegue infinitamente construindo uma sequência de números
complexos zn onde cada um é o transformado do precedente. Diz-se que a sequência zn é a órbita do ponto inicial z pela transformação Tc. Estudar o
comportamento desta sequência zn, é compreender a dinâmica de Tc. Trata-se certamente de um exemplo muito simples, mas este exemplo é
suficientemente rico para gerar matemáticas muito bonitas.
Considerem agora o caso onde c = 0. Trata-se, então, de efetuar de maneira repetida a
transformação Tc(z)=z2
. O módulo de cada zn é por conseguinte o quadrado do precedente.
Se o módulo de z é inferior a 1, se diz que z está no interior do disco de raio 1, com centro
na origem, e todos os zn vão permanecer neste disco. Em contrapartida se o módulo de z é
estritamente superior a 1, os módulos do zn vão crescer sem cessar, tendendo para o
infinito: a órbita de z vai terminar por sair da tela!
No primeiro caso, se diz que a órbita é estável: permanece numa zona limitada do plano. No
segundo caso, é instável: foge para o infinito. O conjunto dos pontos z cuja órbita é estável é
então o disco.
De uma forma geral, para cada valor de c, podem-se também distinguir dois tipos de pontos z. A
órbita de z por Tc pode ser estável se ele permanece em uma parte limitada do plano, ou, instável
no caso contrário. O conjunto dos z cuja órbita é estável é chamado de conjunto de Julia cheio com
a transformação Tc. Compreender a estrutura desses conjuntos de Julia e a maneira como eles
variam quando c varia é um problema importante da teoria de sistemas dinâmicos holomorfos.
Como primeiro passo, Adrien Douady nos mostra alguns exemplos do conjunto de Julia para
diversos valores de c . Alguns têm nomes exóticos como coelho (você vê suas orelhas?) para c=-
0.12+0.77i.
Cliquem na imagem para um filme.
Sabe-se a partir do início do século XX que um conjunto de Julia cheio pode ser de dois tipos. Pode ser,
como mostram os exemplos acima, contido numa única região, conexo, como se diz em matemática, ou
pode ser totalmente descontínuo, composto de um número infinito de pedaços divididos, cada um deles
sendo internamente vazio, o que significa que, claro, não se pode vê-lo num desenho! Daí, existem valores
de c para os quais se vê o conjunto de Julia e outros para os quais não é possível vê-los (mesmo que
estejam presentes). Todos os valores de c para as quais podemos ver o conjunto de Julia (para os quais o
conjunto de Julia é conexo) é chamado conjunto de Mandelbrot, para prestar homenagem ao Benoît
Mandelbrot, seu inventor. Adrien Douady trabalhou muito para entender este conjunto; ajudou, por
exemplo, a mostrar que ele é, de fato, conexo e que teria realmente gostado (como muitos outros) de
mostrar que é localmente conexo…
O final do capítulo é dedicado a um mergulho no conjunto de Mandelbrot,
mergulho profundo pois o fator de expansão é de cerca de duzentos bilhões!
Você pode ver esta cena de duas formas. Olhando e admirando: isto é o
suficiente porque é bonito ! Mas você também pode fazer algumas perguntas
...
Por exemplo, qual é o significado das cores? Um teorema antigo diz que o
conjunto de Julia de Tc não é conexo, em outras palavras, se diz que c não
está no conjunto de Mandelbrot, se e somente se a órbita de 0 por Tc for
instável. Para um dado valor de c, se pode, portanto, tomar a órbita de z=0
para Tc e observar o seu comportamento para os grandes valores de n. Se zn
tornar-se rapidamente muito grande, é que c não está no conjunto de
Mandelbrot e até mesmo que está bastante longe. Se a sequência zn tende ao
infinito, mas mais lentamente, o ponto c também não está no conjunto de
Mandelbrot, mas está um pouco mais perto. A cor com a qual se colore o
ponto c depende da velocidade de vôo para o infinito da órbita zn, mostrando
assim a "proximidade" com o conjunto de Mandelbrot. Se, pelo contrário, zn
mantém-se numa área limitada, então, c está no conjunto de Mandelbrot e é
colorido de preto.
Cliquem na imagem para um filme.
O conjunto de Mandelbrot na figura acima foi colorida, desta forma, mas há dezenas de métodos. No filme, foi utilizado o método chamado "desigualdade
do triângulo": quando o módulo zn se tornar maior que um certo valor, calculam-se os módulos A=|zn-zn-2|, B=|zn-zn-1| e C=|zn-1-zn-2|.
A/(B+C) dando sempre um resultado entre 0 e 1, e se utiliza esse resultado para indicar a posição em relação a uma gama de cores.
Porque em alguns momentos tem-se a impressão de ver aparecerem cópias pretas pequeninas do conjunto de Mandelbrot? Isto é muito mais difícil de
explicar e é uma das importantes descobertas de Adrien Douady: o conjunto de Mandelbrot possue propriedades de autosemelhança: uma característica
frequente dos conjuntos fractais. Para compreender tudo isto, ver por exemplo, esta página (em inglês).
Capitulos 7 e 8 : A fibração
O matemático Heinz Hopf descreve sua "fibração". Graças aos números complexos constrói arranjos bonitos de círculos no espaço.
1. Heinz Hopf e a topologia
A topologia é a ciência que estuda as deformações. Por exemplo, a caneca e a bóia aqui à direita são certamente
dois objetos diferentes, mas pode-se passar de um a outro por uma deformação contínua que não introduz
nenhuma ruptura: o matemático diz que a caneca e a bóia são homeomorfas (mesma forma). E um topólogo, é uma
pessoa que não distingue a sua caneca de café de uma rosquinha.
Aí ainda, a teoria foi estudada muito tempo antes de chegar à estatura de uma disciplina autônoma, com a sua
própria problemática e os seus métodos originais, frequentemente por natureza, qualitativos. Mesmo tendo
antecessores famosos (como Euler, Riemann, Listing ou Tait),), considera-se frequentemente que foi Henri
Poincaré que lançou as bases sólidas da topologia (que se chamava analysis situs).
O nosso apresentador, Heinz Hopf (1894-1971), foi um do seus seguidores mais notáveis, na primeira metade do
século vinte.
2. A esfera S3 em C2
Vimos que a esfera S3 de raio unitário no espaço de dimensão 4 é o conjunto dos pontos à distancia de uma unidade da origem. Se se tomam quatro
coordenadas reais x1, y1, x2, y2 neste espaço, a equação desta esfera é:
x1
2
+ y1
2
+ x2
2
+ y2
2
= 1.
Mas se pode pensar em (x1, y1) como um número complexo z1 = x1 + i y1 e em (x2, y2) como o número complexo z2 = x2 + i y2, e a esfera S3 pode então ser
pensada como o conjunto de pares de números complexos (z1, z2) tais que.
|z1|2
+ |z2|2
= 1.
Em outros termos, a esfera S3 pode ser considerada como a esfera unitária no plano de
dimensão 2 complexo. Por analogia, mas apenas por analogia, pode-se então desenhar
a esfera S3 como um círculo num plano, mas é necessário tomar cuidado com o fato
de que este plano é complexo, que cada um das suas coordenadas z1 e z2 é um número
complexo. O eixo z2=0, por exemplo, é uma reta complexa, por conseguinte um plano
real, e encontra a esfera S3 no conjunto dos pontos (z1, 0) tais que |z1|2 = 1, em outros
termos sobre um círculo S1. A mesma coisa é verdadeira para o eixo z1 = 0 mas
também para todas as retas que passam pela origem, cuja equação é da forma z2 = a.z1,
onde a é um número complexo. Assim cada número complexo a define uma reta
complexa z2 = a.z1 que corta a esfera S3 em um círculo. Tem-se então um círculo em S3
para cada número complexo a. De resto, o eixo z1 = 0 não tem uma equação desta
forma, mas pode-se dizer que isto corresponde ao caso onde a é infinito (o eixo
vertical não é uma reta de inclinação infinita?).
A esfera S3 é então preenchida por círculos, um para cada ponto de S2, isto é, para cada
número complexo a (que pode ser infinito). Dois destes círculos não se encontram para
valores de a diferentes. É esta decomposição da esfera de dimensão 3 em círculos que
se chama fibração de Hopf.
Cliquez l'image pour un film.
Recordem que se X e Y são dois conjuntos, uma aplicação f de X para Y, frequentemente
anotada como f : X→ Y, é uma regra que permite associar a cada ponto x de X um ponto f(x)
em Y.
Por exemplo, pode-se considerar a aplicação de Hopf f : S3
→ S2
que associa ao ponto (z1, z2) de
S3
o ponto z2/z1 de S2
.
Isto precisa de duas explicações:
Em primeiro lugar, um ponto de S3 é um ponto do plano de dimensão complexa 2, e pode ser
descrito por dois números complexos (z1, z2).
Em seguida, vimos, por projeção estereográfica, que se se associar um ponto infinito a um plano,
se obtém uma esfera S2
. E certamente, o número complexo z2/z1 só é bem definido quando z1 não
for nulo e se for nulo convenciona-se que z2/z1 é o ponto no infinito, de modo que z2/z1 define bem
um ponto de S2
.
Para cada ponto a de S2
, o conjunto dos pontos de S3
cuja imagem por f é o ponto a (isto é, a imagem inversa de a), que se chama a fibra acima de a, é um
círculo de S3
. Qual é a ligação com a explicação precedente: simplesmente que todos os pontos de uma reta z2 = a.z1 são tais que z2/z1 é constante
(certamente dado que seja igual a a!).
3. A fibração
O filme propõe de início observar de perto esta "fibração". Para cada a, temos um círculo em S3
. Como
visualizá-lo? Por projeção estereográfica certamente! Projeta-se a esfera S3
sobre o espaço de
dimensão 3 tangente ao pólo oposto da projeção. Esta projeção é um círculo no espaço, que pode ser
admirado (recordem-se dos lagartos!). Certamente, pode acontecer que o círculo de S3
passe pelo
pólo norte e então a sua projeção estereográfica é uma reta (isto é, um círculo ao qual falta um
ponto… que foi para o infinito!).
Várias sequências ilustram a fibração:
Em primeiro lugar, mostra-se só um círculo de Hopf, associado a um valor de a. Este ponto a se
desloca na esfera S2 (lembrem-se, a reta complexa mais um ponto no infinito) e vê-se o círculo
que se desloca no espaço e que se torna uma reta de vez em quando, quando a passa pelo ponto
no infinito.
Depois, mostra-se dois círculos de Hopf, associados à dois valores de a, que se deslocam
igualmente. Na parte inferior da tela, vêem-se os dois pontos a que se deslocam e
simultâneamente, os dois círculos. É aí, que se constata que os dois círculos são entrelaçados,
como dois elos de uma corrente. Não se pode separá-los sem quebrá-los.
E novamente, mostram-se três círculos de Hopf para três valores de a que descrevem uma
coreografia… Os círculos se afastam, se aproximam…
Cliquem na imagem à esquerda para um filme.
Por último, se mostram muitos círculos de Hopf ao mesmo tempo. Valores de a são escolhidos aleatoriamente e
desenham-se os círculos correspondentes que aparecem gradualmente. Pode-se assim "ver" que o espaço é
preenchido pelos círculos e que estes círculos não se cruzam entre si. E também, se compreende a origem da palavra
"fibração": todos os círculos se dispoem como as fibras de um tecido: localmente, são bem organizados como um
pacote de espaguete. Este conceito de fibração, do qual o protótipo é a aplicação de Hopf, tornou-se central em
topologia e física matemática. Certas fibrações são bem mais complicadas, sobre espaços de dimensões bem mais
elevadas, mas é bem útil ter uma visão clara deste exemplo histórico!
Pensar no plano real como uma reta complexa é útil, mas pensar num espaço de dimensão real 4 como um plano de
dimensão complexa 2 é mais ainda!
4. A fibração ... continuação
Ver no filme: Capítulo 8: Fibração, sequência.
Para melhor compreender a fibração de Hopf f : S3
→ S2
pode-se considerar uma paralelo p de
"imagem inversa" de p para f, isto é, o conjunto dos pontos de S3
cuja imagem, por f, é p. Uma v
inversa de cada ponto de S2
(cada fibra) é um círculo de Hopf e que uma paralela é também um
inversa de p é varrida por uma família de círculos que depende ela própria de um parâmetro pertenc
então uma superfície em S3
da qual o filme mostra a projeção estereográfica no espaço de dimensão
Quando o paralelo está muito próximo de um pólo de S2
e que é então um círculo muito pequeno, a
p é um pequeno tubo, na vizinhança da fibra acima deste pólo. Quando o paralelo cresce progressiv
Equador, em seguida diminui de novo para se aproximar finalmente do pólo oposto, o tubo engrossa
em seguida diminui de novo e termina por ser um tubo muito fino. Estes tubos são toros em S3
mas
senão através das suas projeções no espaço de dimensão 3, de tal forma que não parecem m
quando passam perto do pólo norte da esfera S3
.
Cliquem na imagem à esquerda para um filme.
Estritamente falando, um toro é a superfície de revolução no espaço obtido fazendo girar um círculo ao redor de um eixo que está no seu plano. Um ponto do
toro tem duas coordenadas angulares: uma para descrever a posição sobre o círculo e outra para exprimir o ângulo que se fez ao girar o círculo. Notar-se-á
analogia com a longitude e a latitude. Seres que vivessem sobre o toro (e não sobre uma esfera, como a nossa Terra) também teriam inventado idéias de
meridianos, paralelos, de longitude e latitude.
De fato, os topólogos chamam frequentemente “toro" uma superfície que é "homeomorfa" a um
toro de revolução, como uma caneca de café, por exemplo! Por isto que quando querem falar de
um toro obtido fazendo girar um círculo, precisam dizer toro de revolução.
Sobre um toro de revolução, vêem-se claramente duas famílias de círculos: os meridianos (em
azul) e os paralelos (em vermelho). Agora, é um pouco mais difícil distinguir os meridianos dos
paralelos. No caso da esfera, era fácil: todos os meridianos passam pelos pólos, mas sobre o toro
de revolução, não há pólos! Então, convencionou-se (mas isto é uma convenção) chamar de
"méridianos" os círculos azuis porque eles se obtêm cortando os planos que contêm o eixo de
simetria de revolução do toro, e chamar de "paralelos" os círculos vermelhos porque estão em
planos paralelos perpendiculares a este eixo.
Uma pequena maravilha da geometria é que é possível traçar muitos outros círculos sobre um toro
de revolução… Este capítulo explica como construí-los.
Lembrem-se da fórmula que exprime a projeção de Hopf. Em termos das coordenadas complexas, envia (z1, z2) sobre o ponto a=z2/z1 considerado como um
ponto de S2. Fixar um paralelo p em S2, é fixar o módulo de um número complexo, de modo que a imagem recíproca de um paralelo é descrita por uma
equação da forma
|z2/z1|= constante.
Escolhamos por exemplo 1 para esta constante de modo que z1 e z2 tenham o mesmo módulo. Mas não esqueçamos que
|z1|2 + |z2|2 = 1,
de modo que os módulos de z1 e de z2 sejam ambos iguais à √2/2. Assim, a imagem inversa deste paralelo é constituída de (z1, z2) onde z1 e z2 são escolhidos
arbitrariamente sobre o círculo centrado na origem e de raio √2/2. Vê-se, então, que a superfície imagem inversa do paralelo é parametrizada por dois
ângulos: é então um toro, como o vemos no filme. Se se fixar z1, obtém-se um círculo em S3
, e se se fixar z2 obtém-se outro círculo, mas não é possível para
um toro de dimensão 4 distinguir entre paralelos e meridianos.
Quando se projeta estereograficamente este toro em um espaço de dimensão 3 a partir do pólo norte, de coordenadas (0,1), não é difícil verificar que a projeção
do toro não é apenas homeomorfa a um toro mas que se trata com efeito de um toro de revolução. Revolução em redor de qual eixo? Simplesmente em redor
da projeção estereográfica do círculo de Hopf que passa pelo pólo norte; esta projeção é efetivamente uma reta! Vemos então como um toro de revolução pode
ser interpretado como a imagem inversa de um paralelo pela aplicação de Hopf.
Eis uma consequência desta interpretação: para cada ponto do paralelo p de S2 escolhido, o círculo de Hopf correspondente está, certamente, contido neste
toro de revolução. Acabamos então de encontrar outros círculos sobre um toro de revolução…
Eis aqui algumas fórmulas. Considera-se então o toro de revolução no espaço que é obtido projetando
|z1| = √2/2 ; |z2| = √2/2
a partir do pólo norte (0,1)
Consideremos em seguida as aplicações que enviam (z1, z2) em (ω.z1, z2) onde ω descreve o círculo dos números complexos de módulo 1. Notem que elas
preservam a esfera S3
dado que os módulos de z1 e de z2 são preservados. Notem igualmente que estas aplicações deixam fixos os pontos da forma (0,z2).
Trata-se, com efeito, de rotações em um espaço de dimensão 4 "em volta" da reta complexa de equação z1 = 0. Como esta reta passa pelo pólo de projeção
(0,1), a sua projeção estereográfica não é um círculo mas uma reta. Via projeção estereográfica, estas aplicações (dependente do parâmetro ω) definem tão
somente as rotações do nosso espaço ao redor de uma reta. Mas certamente, estas transformações preservam também o toro de revolução que examinamos
tão bem de modo que a reta z1 = 0 corresponda ao eixo de revolução do toro!
Por conseguinte, o paralelo que passa por (z1, z2) é o conjunto dos pontos da forma
(ω.z1, z2) onde ω descreve o círculo dos números complexos de módulo 1. Poder-se-
ia também ver que o meridiano que passa por (z1, z2) é o conjunto dos pontos da
forma (z1, ω.z2
O círculo de Hopf que passa por (z1, z2 ) é o conjunto dos pontos da forma (ω.z1,
ω.z2) (notem que se se multiplicam z1 e z2 por ω, não se altera z2/z1 de modo que
todos os pontos têm efetivamente a mesma imagem por f: são da mesma fibra). Não
paremos em tão bom caminho: para cada ponto (z1, z2) pode-se também considerar o
círculo “simétrico" de pontos da forma (ω. z1, ω-1. z2) que nos faz um quarto do
círculo traçado sobre toro de revolução.
Acabamos de demonstrar que para cada ponto de um toro de revolução é possível
fazer passar quatro círculos: um meridiano, um paralelo, um círculo de Hopf e o
simétrico de um círculo de Hopf.
Este fato era conhecido há muito tempo. Em geral, fala-se dos círculos de Villarceau,
do nome de um matemático do décimo nono século. Mas, o leitor já terá
compreendido, é bem raro que em matemática um teorema seja devido àquele que
lhe deu o nome, pois o processo de criação-assimilação é longo e complexo. Uma
escada do museu da catedral de Estrasburgo, datando do século XVI mostra que não
foi necessário esperar Villarceau para que os escultores soubessem recortar círculos
sobre toros!
A segunda parte deste capítulo mostra os círculos de Villarceau, de uma maneira
independente da fibração de Hopf. Partindo de um toro de revolução, corte-o por um
plano bitangente para constatar que a secção é constituída de dois círculos.
Como mostrá-lo? É possível escrever equações e calcular… é possível, (ver aqui) mas
pouco esclarecedor. Mas a geometria algébrica permite demonstrá-lo de maneira
grandiosa, quase sem cálculo, com a condição de utilizar conceitos como os "pontos
cíclicos". São pontos que além de estarem no infinito, são imaginários! Vocês podem vê-
los com a imaginação no infinito! Para uma prova do teorema de Villarceau com este tipo
de idéias, ver este artigo.
Partindo de uma superfície no espaço de dimensão 3, pode-se considerá-la como uma superfície de
S3, juntando a ela um ponto no infinito. Dado que S3 é um esfera unitária no espaço de dimensão 4,
pode-se fazê-la girar por rotações quadri-dimensionais para em seguida projetá-la de novo
estereograficamente no espaço de dimensão 3! Obtém-se outra superfície que se assemelha à
primeira mas que é diferente! Se se partir de um toro de revolução, as superfícies assim obtidas são
chamadas cíclides de Dupin e foram muito estudadas no século XIX. Dado que a projeção
estereográfica transforma os círculos que não passam pelo pólo em círculos, a existência de quatro
famílias de círculos sobre toros de revolução mostra que existem igualmente quatro famílias de
círculos sobre as cíclides…
Tomado um toro de revolução no espaço de dimensão 3, visto como uma superfície em S3
que se faz
girar progressivamente no espaço de dimensão 4, observada pela projeção estereográfica, vê-se um
filme no qual uma cíclide de Dupin deforma-se pouco a pouco, e explode num certo momento quando
passa pelo pólo de projeção, retornando, em seguida, ao seu ponto de partida. Mas poderá observar
que os meridianos transformaram-se em paralelos e reciprocamente! e que a face interna do toro
tornou-se a face externa!
Cliquem na imagem à esquerda para um filme.
A geometria dos círculos no espaço é magnífica. Leva muitas vezes o nome de geometria analagmática. Haveria muito a dizer e mostrar!
5. Hopf e a homotopia
Para terminar esta página, eis algumas indicações rápidas sobre as motivações de Hopf, das quais não se fala, infelizmente, no filme.
Em topologia, consideram-se frequentemente as aplicações entre espaços topológicos X e Y. Não daremos a definição aqui, mas poderá se pensar, por
exemplo, que X e Y são esferas de dimensão n e p. Certamente, só discutimos até o momento, esferas de dimensão 0,1,2 e 3 mas saibam que a história não
pára aí… Certamente, não haveria grande interesse em estudar quaisquer aplicações e, por isso, se concentra nas aplicações contínuas, isto é, naquelas tais
que o ponto f(x) não varia muito se x varia pouquinho. Por exemplo, a aplicação que associa a um número real x o número +1 se x não é nulo e -1 se x é nulo
não é contínua pois ela "salta" quando passa por 0. Mas a aplicação que associa a cada número x o seu quadrado x2
é contínua: se alterar um pouco o número
altera-se pouco o seu quadrado. Um dos problemas fundamentais em topologia consiste então em compreender as aplicações contínuas entre espaços
topológicos, por exemplo, entre esferas.
Com efeito, o topólogo é menos exigente: procura compreender homotopias. Ainda uma palavra complicada que significa uma coisa simples! Suponham que se
dispõe de duas aplicações f0 e f1 contínuas da esfera Sn
na esfera Sp
. Diz-se que f0 e f1 são homotópicas se for possível deformar a primeira transformando-a na
segunda. Em outras palavras, isso significa que existe uma família de aplicações ft que depende de um parâmetro t, que é um número compreendido entre 0 e 1
e que conecta f0 e f1. Ainda mais precisamente, isso significa que se pode associar a cada x de Sn
e a cada número t compreendido entre 0 e o 1 um ponto ft(x)
que seja uma função contínua de x e de t de modo que para t=0 tenha-se f0 e para t=1 tenha-se f1.
Eis um exemplo. Uma aplicação f : S1
→ S2
é nada mais que uma curva fechada traçada sobre a esfera de
dimensão 2 . A aplicação f0 por exemplo poderia ser a que envia todos os pontos x de S1
ao polo norte: isto é o
que se chama de uma aplicação constante. Quanto à aplicação f1, poderia ser por exemplo a que envia o círculo
S1
sobre o Equador de S2
. Dizer que estas duas aplicações são homotópicas, é dizer que se pode deformar
progressivamente o Equador para transformá-lo no pólo norte. É isto que se vê sobre a imagem à direita. De fato,
é o que ocorre sempre neste caso: duas aplicações quaisquer de S1
em S2
são sempre homotópicas. O topólogo
diz que todas as curvas traçadas sobre a esfera S2
são homotópicas às curvas constantes, ou ainda que S2
é
simplesmente conexa. Também não seria difícil assegurar que a mesma coisa é verdadeira para as esferas Sp
,
de todas as dimensões superiores ou iguais a dois (olhem também esta página).
Uma aplicação entre S1
e S1
consiste em transformar cada ponto do círculo em um outro ponto do círculo, isto é, enrolar um círculo sobre um círculo. Tal
aplicação tem um grau: que é simplesmente o número de voltas que ele faz. Por exemplo, a aplicação constante não gira de forma alguma: o seu grau é 0 . A
aplicação identidade que envia todo ponto sobre ele mesmo, faz uma volta : o seu grau é 1. A aplicação que envia todo número complexo de módulo 1 sobre o
seu quadrado duplica o argumento. Se se faz uma vez a volta do círculo, o quadrado faz duas voltas: o seu grau é 2. Quando se deforma uma aplicação, não se
altera o seu grau (isto não é completamente evidente!), de tal modo que existem aplicações de S1
em S1
que não são homotópicas a aplicações constantes… É
ligeiramente mais difícil ver que duas aplicações de mesmo grau são deformáveis entre si.
Mas quais são as aplicações entre S2
e S2
? É análogo ao caso de S1
em S1
: pode-se também definir um grau, mesmo
se não se trata de contar o "número de voltas" : trata-se agora de contar quantos vezes a imagem de f "recobre" a
esfera e isto não é fácil de definir. O exemplo mais simples é da identidade: a aplicação que associa a qualquer ponto
ele mesmo: o seu grau é 1. Duvida-se efetivamente que não seja possível deformar a identidade da esfera S2
para
torná-la constante, sem rasgar a esfera. Mas ainda é necessário demonstrar!
A surpresa veio quando em 1931, Heinz Hopf mostrou que certas aplicações de S3
em S2
não podiam ser deformadas
continuamente em aplicações constantes. O seu exemplo é certamente a fibração de Hopf que acabamos de
encontrar. Este exemplo é cada vez mais importante em matemática e, também em física.
A propriedade que duas fibras são entrelaçadas implica que é impossível deformar a aplicação de Hopf f: S3→ S2
numa aplicação constante. Seriam necessárias muitas explicações para dar uma justificativa convincente! Ver este
livro para uma exposição completa mas difícil ou mesmo o artigo original de Hopf para uma prova e muito mais
detalhes.
O que se sabe das aplicações entre Sn
e Sp
com valores quaisquer de n e de p? Sabe-se muita coisa, mas está longe de se saber tudo: as "classes de
homotopia das aplicações entre esferas" permanecem um mistério!
Esta "fibração de Hopf" é uma das contribuições de Heinz Hopf. Ele marcou profundamente a matemática do século vinte.
Capítulo 9 : Prova
O matemátco Bernhard Rieman explica a importância das demonstrações em matemática. Ele demonstra um teorema sobre a projeção estereográfica.
1. A herança de Euclides
Este capítulo é um pouco especial... Poderia, de fato, ter sido visto depois do primeiro capítulo, mas pode-se também vê-lo de maneira independente do
resto. Um bônus de qualquer forma ! O objetivo é explicar com um exemplo como as demonstrações estão nos corações dos matemáticos.
Os matemáticos são gratos a Euclides por ter definido claramente as regras do jogo matemático. Talvez não se deva
nenhum resultado especial a Euclides mas ele teve o gênio de propor um método para a matemática, compilando um
dos maiores textos matemáticos de todo os tempos: os Elementos.
Este livro permaneceu uma referência incontestável durante quase 2000 anos! A originalidade do livro está na sua
estrutura. Todos os enunciados, teoremas, proposições etc. dele são justificados completamente se apoiando sobre
enunciados demonstrados anteriormente. Mas Euclides compreendeu bem que não se podia sempre demonstrar a
partir de resultados precedentes: é necessário começar por algo (a menos que se escreva um livro de comprimento
infinito!). É, então, importante no início do livro pôr-se de acordo sobre diversos fatos que se pede aos leitores para
aceitarem sem prova. Estes enunciados são chamados axiomas ou postulados. A idéia de Euclides foi, então,
começar por uma lista de axiomas e em seguida construir um edifício onde cada pedra descansa firmemente sobre
as precedentes. Pode-se consultar uma das versões antigas aqui e os comentários lá.
Todos os enunciados, exceto os axiomas, devem então ser demonstrados: trata-se de explicar porque são verdadeiros e, para fazê-lo, pode-se lançar
mão das regras da lógica e dos enunciados que já foram demonstrados ou dos axiomas que foram fixados no início. É o método axiomático. Certamente,
não se podem escolher quaisquer enunciados como axiomas; por exemplo, não é possível escolher como axiomas dois enunciados contraditórios! A
escolha dos axiomas não é fácil. A não contradição seria suficiente? É evidente que a geometria que se ensina na escola, por exemplo, deve conter
teoremas que são "verdadeiros" na realidade, de modo que os axiomas escolhidos devem ser em função da realidade física. Mas os matemáticos podem
perfeitamente satisfazer-se de sistemas de axiomas não contraditórios mesmo que não sejam fisicamente verdadeiros. Um exemplo clássico é o da
geometria não euclidiana que, como o seu nome indica, tem parte dos axiomas diferentes dos de Euclides mas que é tão sólida quanto a geometria
euclidiana, e cujos teoremas não sejam, talvez, válidos para a física. Haveria certamente muito a dizer sobre este método axiomático.
2. Um teorema
Para ilustrar como funciona uma demonstração matemática, escolhemos um teorema que não é fácil! e do qual se poderia duvidar a priori... Nós já o
enunciamos no capítulo 1.
Teorema :
A projeção estereográfica transforma um círculo traçado sobre uma esfera,
que não passa pelo pólo norte,
em um círculo traçado no plano tangente ao pólo sul.
Trata-se de um teorema muito antigo. Hiparco o conhecia? Será que ele o demonstrou? Difícil dizer.
A idéia de considerar a esfera S2
como uma reta complexa à qual se associa um ponto no infinito
frequentemente é atribuída a Bernhard Riemann (mesmo se for possível encontrá-la
anteriormente…) : fala-se da esfera de Riemann. Este matemático é indiscutivelmente um dos mais
criativos de todos os tempos e nos pareceu ser um personagem ideal para apresentar a
demonstração deste teorema, a propósito de "sua" esfera!
A obra de Riemann é genial: graças a ele, pensamos de modo diferente num grande número de
conceitos matemáticos. Um exemplo apenas: ensinou-nos como pode ser útil pensar em uma curva
algébrica no plano real, através da sua versão complexa no plano complexo, que se torna uma curva
complexa, isto é uma superfície… É a teoria das superfícies de Riemann. Inútil lhes dizer que se
trata, ainda, de uma das teorias mais bonitas.
Trata-se então de demonstrar que a projeção de um círculo que não passa pelo pólo
norte é um círculo. Se quiséssemos fazer uma demonstração completa, seria necessário
começar por explicar os axiomas, e demonstrar tudo gradualmente, em uma ordem
lógica. Isto seria difícil e, sobretudo, muito longo! Difícil porque a escolha dos axiomas é
bem delicada e é necessário dizer que a escolha de Euclides deixaria ligeiramente a
desejar (mas isto foi há 2300 anos).
Uma escolha irrepreensível (até quando?) foi proposta por Hilbert no século vinte, mas
não é fácil utilizar, sobretudo no ensino secundário (ver isto). No filme, é necessário
então renunciar a uma axiomática completa e fazer "como se" demonstrássemos
completamente este teorema, ainda que a nossa demonstração esteja sujeita a muitas
críticas. Além disso, devemos supor que o espectador conhece já certos teoremas,
como o teorema de Pitágoras, por exemplo, ou que já tenha compreendido uma
demonstração.
Mais do que comentar a demonstração do teorema apresentado por Riemann no filme, que
nos parece clara (se necessário, ver este artigo antigo ou esta página), preferimos comentar
seus defeitos! O objetivo não é certamente mostrar que esta demonstração não está correta!
Trata-se, em contrapartida, de explicar que frequentemente uma demonstração contém um
caráter implícito e que é raro se tratar de uma dedução lógica completa. Demonstrar um
teorema, quer seja na prática do matemático ou na do aluno do nível secundário, é essencial
convencer o interlocutor que o enunciado é verdadeiro. Acontece que se utilizam argumentos
(às vezes implicitamente) sem justificação, por saber que o ouvinte, o leitor, ou o espectador
seria capaz de justificá-lo por si próprio.
Não esqueçamos que os matemáticos são seres humanos (!) e que a comunicação entre
seres humanos não pode (ainda) ser inteiramente axiomatizada! Uma demonstração
matemática pode ser escrita com todos os detalhes, mas é necessário dizer que bem rara
são as pessoas que podem ler estas provas completas perfeitamente indigestas. Em
contrapartida, a arte do matemático ou do professor é ser capaz de redigir ou apresentar uma
demonstração que leve em conta a experiência matemática do seu interlocutor, que possa
convencê-lo e que possa responder a todas as suas objeções.
Quais são os “defeitos” e os “subentendidos” da prova apresentada? Eis alguns:
- É evidente, por exemplo, que se pode sempre baixar uma perpendicular de um ponto sobre um plano? Foi demonstrado?
- É evidente que uma reta unindo o pólo norte a um ponto do plano tangente no pólo sul encontre a esfera em um outro ponto?
- A prova mostra que a projeção de um círculo está contida no círculo, mas mostra também que todo o círculo está nesta projeção?
São apenas exemplos, que poderiam ser demonstrados rigorosamente, por certo, mas os destacamos para alertar o espectador contra os subentendidos
que estão quase sempre presentes em todas as provas. O ideal da prova matemática completa é frequentemente inacessível mas o matemático deve
ter consciência disso para evitar os erros. Por isto se beneficia frequentemente da experiência dos erros do passado. Certas demonstrações podem,
hoje, ser verificadas por computador, mas isto não substituirá nunca o prazer vivo que experimenta o matemático ou o aluno quando compreende um
teorema, isto é, quando compreende porque é verdadeiro. Este prazer, é frequentemente a verdadeira motivação dos matemáticos!
Fazer matemática, é antes de tudo, demonstrar o que se afirma !

Mais conteúdo relacionado

Semelhante a Coordenadas geográficas e projeção estereográfica

Geofísica
GeofísicaGeofísica
GeofísicaUFES
 
Atividcompl6ano ciencias17junho2020demervalvixwas
Atividcompl6ano ciencias17junho2020demervalvixwasAtividcompl6ano ciencias17junho2020demervalvixwas
Atividcompl6ano ciencias17junho2020demervalvixwasWashington Rocha
 
Gravitação e satelites
Gravitação e satelitesGravitação e satelites
Gravitação e satelitesRicardo Bonaldo
 
AULA DE FÍSICA - GRAVITAÇÃO UNIVERSAL AS LEIS DE KEPLLER
AULA DE FÍSICA - GRAVITAÇÃO UNIVERSAL AS LEIS DE KEPLLERAULA DE FÍSICA - GRAVITAÇÃO UNIVERSAL AS LEIS DE KEPLLER
AULA DE FÍSICA - GRAVITAÇÃO UNIVERSAL AS LEIS DE KEPLLERMarcellusPinheiro1
 
-as-projecoes-cartograficas
-as-projecoes-cartograficas-as-projecoes-cartograficas
-as-projecoes-cartograficasColegio
 
Planetario (atividade retirada do site Ponto Ciência)
Planetario (atividade retirada do site Ponto Ciência)Planetario (atividade retirada do site Ponto Ciência)
Planetario (atividade retirada do site Ponto Ciência)Thais Eastwood Vaine
 
Cartografia 2011
Cartografia 2011Cartografia 2011
Cartografia 2011caroline-f
 
A invenção da ESFERA - Sebastián Lueje.pdf
A invenção da ESFERA - Sebastián Lueje.pdfA invenção da ESFERA - Sebastián Lueje.pdf
A invenção da ESFERA - Sebastián Lueje.pdfssuser5d7676
 
A invenção da ESFERA - Sebastián Lueje.pdf
A invenção da ESFERA - Sebastián Lueje.pdfA invenção da ESFERA - Sebastián Lueje.pdf
A invenção da ESFERA - Sebastián Lueje.pdfssuser5d7676
 
Astronomia e astrof´+¢sica parte 001
Astronomia e astrof´+¢sica parte 001Astronomia e astrof´+¢sica parte 001
Astronomia e astrof´+¢sica parte 001Thommas Kevin
 
Gravitação site
Gravitação siteGravitação site
Gravitação sitefisicaatual
 
Cartografia - A ciência dos mapas - slides
Cartografia - A ciência dos mapas - slidesCartografia - A ciência dos mapas - slides
Cartografia - A ciência dos mapas - slidesArmando Sbragia
 
Física - Leis de Kepler, Geocentrismo, Heliocentrismo
Física - Leis de Kepler, Geocentrismo, HeliocentrismoFísica - Leis de Kepler, Geocentrismo, Heliocentrismo
Física - Leis de Kepler, Geocentrismo, Heliocentrismoeliveltonprofquimica
 
Apostila de geografia física
Apostila de geografia físicaApostila de geografia física
Apostila de geografia físicaCamila Brito
 
Atividades de-geo-5c2ba-ano-2010-1-2-3-4
Atividades de-geo-5c2ba-ano-2010-1-2-3-4Atividades de-geo-5c2ba-ano-2010-1-2-3-4
Atividades de-geo-5c2ba-ano-2010-1-2-3-4marcos carlos
 

Semelhante a Coordenadas geográficas e projeção estereográfica (20)

Física expansionismo2
Física expansionismo2Física expansionismo2
Física expansionismo2
 
Geofísica
GeofísicaGeofísica
Geofísica
 
Unidade 2 6º ano
Unidade 2   6º anoUnidade 2   6º ano
Unidade 2 6º ano
 
Atividcompl6ano ciencias17junho2020demervalvixwas
Atividcompl6ano ciencias17junho2020demervalvixwasAtividcompl6ano ciencias17junho2020demervalvixwas
Atividcompl6ano ciencias17junho2020demervalvixwas
 
Gravitação e satelites
Gravitação e satelitesGravitação e satelites
Gravitação e satelites
 
AULA DE FÍSICA - GRAVITAÇÃO UNIVERSAL AS LEIS DE KEPLLER
AULA DE FÍSICA - GRAVITAÇÃO UNIVERSAL AS LEIS DE KEPLLERAULA DE FÍSICA - GRAVITAÇÃO UNIVERSAL AS LEIS DE KEPLLER
AULA DE FÍSICA - GRAVITAÇÃO UNIVERSAL AS LEIS DE KEPLLER
 
-as-projecoes-cartograficas
-as-projecoes-cartograficas-as-projecoes-cartograficas
-as-projecoes-cartograficas
 
Planetario (atividade retirada do site Ponto Ciência)
Planetario (atividade retirada do site Ponto Ciência)Planetario (atividade retirada do site Ponto Ciência)
Planetario (atividade retirada do site Ponto Ciência)
 
Gravitação Universal GGE - 2
Gravitação Universal GGE - 2Gravitação Universal GGE - 2
Gravitação Universal GGE - 2
 
05 gravitação universal
05  gravitação universal05  gravitação universal
05 gravitação universal
 
Cartografia 2011
Cartografia 2011Cartografia 2011
Cartografia 2011
 
A invenção da ESFERA - Sebastián Lueje.pdf
A invenção da ESFERA - Sebastián Lueje.pdfA invenção da ESFERA - Sebastián Lueje.pdf
A invenção da ESFERA - Sebastián Lueje.pdf
 
A invenção da ESFERA - Sebastián Lueje.pdf
A invenção da ESFERA - Sebastián Lueje.pdfA invenção da ESFERA - Sebastián Lueje.pdf
A invenção da ESFERA - Sebastián Lueje.pdf
 
Astronomia e astrof´+¢sica parte 001
Astronomia e astrof´+¢sica parte 001Astronomia e astrof´+¢sica parte 001
Astronomia e astrof´+¢sica parte 001
 
Gravitação site
Gravitação siteGravitação site
Gravitação site
 
Cartografia - A ciência dos mapas - slides
Cartografia - A ciência dos mapas - slidesCartografia - A ciência dos mapas - slides
Cartografia - A ciência dos mapas - slides
 
Física - Leis de Kepler, Geocentrismo, Heliocentrismo
Física - Leis de Kepler, Geocentrismo, HeliocentrismoFísica - Leis de Kepler, Geocentrismo, Heliocentrismo
Física - Leis de Kepler, Geocentrismo, Heliocentrismo
 
Apostila de geografia física
Apostila de geografia físicaApostila de geografia física
Apostila de geografia física
 
Atividades de-geo-5c2ba-ano-2010-1-2-3-4
Atividades de-geo-5c2ba-ano-2010-1-2-3-4Atividades de-geo-5c2ba-ano-2010-1-2-3-4
Atividades de-geo-5c2ba-ano-2010-1-2-3-4
 
Formas e movimentos da terra
Formas e movimentos da terraFormas e movimentos da terra
Formas e movimentos da terra
 

Último

Manual da CPSA_1_Agir com Autonomia para envio
Manual da CPSA_1_Agir com Autonomia para envioManual da CPSA_1_Agir com Autonomia para envio
Manual da CPSA_1_Agir com Autonomia para envioManuais Formação
 
A Arte de Escrever Poemas - Dia das Mães
A Arte de Escrever Poemas - Dia das MãesA Arte de Escrever Poemas - Dia das Mães
A Arte de Escrever Poemas - Dia das MãesMary Alvarenga
 
CRÔNICAS DE UMA TURMA - TURMA DE 9ºANO - EASB
CRÔNICAS DE UMA TURMA - TURMA DE 9ºANO - EASBCRÔNICAS DE UMA TURMA - TURMA DE 9ºANO - EASB
CRÔNICAS DE UMA TURMA - TURMA DE 9ºANO - EASBAline Santana
 
Programa de Intervenção com Habilidades Motoras
Programa de Intervenção com Habilidades MotorasPrograma de Intervenção com Habilidades Motoras
Programa de Intervenção com Habilidades MotorasCassio Meira Jr.
 
ALMANANHE DE BRINCADEIRAS - 500 atividades escolares
ALMANANHE DE BRINCADEIRAS - 500 atividades escolaresALMANANHE DE BRINCADEIRAS - 500 atividades escolares
ALMANANHE DE BRINCADEIRAS - 500 atividades escolaresLilianPiola
 
E agora?! Já não avalio as atitudes e valores?
E agora?! Já não avalio as atitudes e valores?E agora?! Já não avalio as atitudes e valores?
E agora?! Já não avalio as atitudes e valores?Rosalina Simão Nunes
 
Modelos de Desenvolvimento Motor - Gallahue, Newell e Tani
Modelos de Desenvolvimento Motor - Gallahue, Newell e TaniModelos de Desenvolvimento Motor - Gallahue, Newell e Tani
Modelos de Desenvolvimento Motor - Gallahue, Newell e TaniCassio Meira Jr.
 
LEMBRANDO A MORTE E CELEBRANDO A RESSUREIÇÃO
LEMBRANDO A MORTE E CELEBRANDO A RESSUREIÇÃOLEMBRANDO A MORTE E CELEBRANDO A RESSUREIÇÃO
LEMBRANDO A MORTE E CELEBRANDO A RESSUREIÇÃOColégio Santa Teresinha
 
11oC_-_Mural_de_Portugues_4m35.pptxTrabalho do Ensino Profissional turma do 1...
11oC_-_Mural_de_Portugues_4m35.pptxTrabalho do Ensino Profissional turma do 1...11oC_-_Mural_de_Portugues_4m35.pptxTrabalho do Ensino Profissional turma do 1...
11oC_-_Mural_de_Portugues_4m35.pptxTrabalho do Ensino Profissional turma do 1...licinioBorges
 
RedacoesComentadasModeloAnalisarFazer.pdf
RedacoesComentadasModeloAnalisarFazer.pdfRedacoesComentadasModeloAnalisarFazer.pdf
RedacoesComentadasModeloAnalisarFazer.pdfAlissonMiranda22
 
Bullying - Atividade com caça- palavras
Bullying   - Atividade com  caça- palavrasBullying   - Atividade com  caça- palavras
Bullying - Atividade com caça- palavrasMary Alvarenga
 
activIDADES CUENTO lobo esta CUENTO CUARTO GRADO
activIDADES CUENTO  lobo esta  CUENTO CUARTO GRADOactivIDADES CUENTO  lobo esta  CUENTO CUARTO GRADO
activIDADES CUENTO lobo esta CUENTO CUARTO GRADOcarolinacespedes23
 
Pedologia- Geografia - Geologia - aula_01.pptx
Pedologia- Geografia - Geologia - aula_01.pptxPedologia- Geografia - Geologia - aula_01.pptx
Pedologia- Geografia - Geologia - aula_01.pptxleandropereira983288
 
ATIVIDADE AVALIATIVA VOZES VERBAIS 7º ano.pptx
ATIVIDADE AVALIATIVA VOZES VERBAIS 7º ano.pptxATIVIDADE AVALIATIVA VOZES VERBAIS 7º ano.pptx
ATIVIDADE AVALIATIVA VOZES VERBAIS 7º ano.pptxOsnilReis1
 
Slides Lição 03, Central Gospel, O Arrebatamento, 1Tr24.pptx
Slides Lição 03, Central Gospel, O Arrebatamento, 1Tr24.pptxSlides Lição 03, Central Gospel, O Arrebatamento, 1Tr24.pptx
Slides Lição 03, Central Gospel, O Arrebatamento, 1Tr24.pptxLuizHenriquedeAlmeid6
 
Slides Lição 04, Central Gospel, O Tribunal De Cristo, 1Tr24.pptx
Slides Lição 04, Central Gospel, O Tribunal De Cristo, 1Tr24.pptxSlides Lição 04, Central Gospel, O Tribunal De Cristo, 1Tr24.pptx
Slides Lição 04, Central Gospel, O Tribunal De Cristo, 1Tr24.pptxLuizHenriquedeAlmeid6
 
Livro O QUE É LUGAR DE FALA - Autora Djamila Ribeiro
Livro O QUE É LUGAR DE FALA  - Autora Djamila RibeiroLivro O QUE É LUGAR DE FALA  - Autora Djamila Ribeiro
Livro O QUE É LUGAR DE FALA - Autora Djamila RibeiroMarcele Ravasio
 
Slide língua portuguesa português 8 ano.pptx
Slide língua portuguesa português 8 ano.pptxSlide língua portuguesa português 8 ano.pptx
Slide língua portuguesa português 8 ano.pptxssuserf54fa01
 

Último (20)

Manual da CPSA_1_Agir com Autonomia para envio
Manual da CPSA_1_Agir com Autonomia para envioManual da CPSA_1_Agir com Autonomia para envio
Manual da CPSA_1_Agir com Autonomia para envio
 
A Arte de Escrever Poemas - Dia das Mães
A Arte de Escrever Poemas - Dia das MãesA Arte de Escrever Poemas - Dia das Mães
A Arte de Escrever Poemas - Dia das Mães
 
CRÔNICAS DE UMA TURMA - TURMA DE 9ºANO - EASB
CRÔNICAS DE UMA TURMA - TURMA DE 9ºANO - EASBCRÔNICAS DE UMA TURMA - TURMA DE 9ºANO - EASB
CRÔNICAS DE UMA TURMA - TURMA DE 9ºANO - EASB
 
Programa de Intervenção com Habilidades Motoras
Programa de Intervenção com Habilidades MotorasPrograma de Intervenção com Habilidades Motoras
Programa de Intervenção com Habilidades Motoras
 
ALMANANHE DE BRINCADEIRAS - 500 atividades escolares
ALMANANHE DE BRINCADEIRAS - 500 atividades escolaresALMANANHE DE BRINCADEIRAS - 500 atividades escolares
ALMANANHE DE BRINCADEIRAS - 500 atividades escolares
 
E agora?! Já não avalio as atitudes e valores?
E agora?! Já não avalio as atitudes e valores?E agora?! Já não avalio as atitudes e valores?
E agora?! Já não avalio as atitudes e valores?
 
Modelos de Desenvolvimento Motor - Gallahue, Newell e Tani
Modelos de Desenvolvimento Motor - Gallahue, Newell e TaniModelos de Desenvolvimento Motor - Gallahue, Newell e Tani
Modelos de Desenvolvimento Motor - Gallahue, Newell e Tani
 
LEMBRANDO A MORTE E CELEBRANDO A RESSUREIÇÃO
LEMBRANDO A MORTE E CELEBRANDO A RESSUREIÇÃOLEMBRANDO A MORTE E CELEBRANDO A RESSUREIÇÃO
LEMBRANDO A MORTE E CELEBRANDO A RESSUREIÇÃO
 
XI OLIMPÍADAS DA LÍNGUA PORTUGUESA -
XI OLIMPÍADAS DA LÍNGUA PORTUGUESA      -XI OLIMPÍADAS DA LÍNGUA PORTUGUESA      -
XI OLIMPÍADAS DA LÍNGUA PORTUGUESA -
 
11oC_-_Mural_de_Portugues_4m35.pptxTrabalho do Ensino Profissional turma do 1...
11oC_-_Mural_de_Portugues_4m35.pptxTrabalho do Ensino Profissional turma do 1...11oC_-_Mural_de_Portugues_4m35.pptxTrabalho do Ensino Profissional turma do 1...
11oC_-_Mural_de_Portugues_4m35.pptxTrabalho do Ensino Profissional turma do 1...
 
RedacoesComentadasModeloAnalisarFazer.pdf
RedacoesComentadasModeloAnalisarFazer.pdfRedacoesComentadasModeloAnalisarFazer.pdf
RedacoesComentadasModeloAnalisarFazer.pdf
 
Bullying - Atividade com caça- palavras
Bullying   - Atividade com  caça- palavrasBullying   - Atividade com  caça- palavras
Bullying - Atividade com caça- palavras
 
Orientação Técnico-Pedagógica EMBcae Nº 001, de 16 de abril de 2024
Orientação Técnico-Pedagógica EMBcae Nº 001, de 16 de abril de 2024Orientação Técnico-Pedagógica EMBcae Nº 001, de 16 de abril de 2024
Orientação Técnico-Pedagógica EMBcae Nº 001, de 16 de abril de 2024
 
activIDADES CUENTO lobo esta CUENTO CUARTO GRADO
activIDADES CUENTO  lobo esta  CUENTO CUARTO GRADOactivIDADES CUENTO  lobo esta  CUENTO CUARTO GRADO
activIDADES CUENTO lobo esta CUENTO CUARTO GRADO
 
Pedologia- Geografia - Geologia - aula_01.pptx
Pedologia- Geografia - Geologia - aula_01.pptxPedologia- Geografia - Geologia - aula_01.pptx
Pedologia- Geografia - Geologia - aula_01.pptx
 
ATIVIDADE AVALIATIVA VOZES VERBAIS 7º ano.pptx
ATIVIDADE AVALIATIVA VOZES VERBAIS 7º ano.pptxATIVIDADE AVALIATIVA VOZES VERBAIS 7º ano.pptx
ATIVIDADE AVALIATIVA VOZES VERBAIS 7º ano.pptx
 
Slides Lição 03, Central Gospel, O Arrebatamento, 1Tr24.pptx
Slides Lição 03, Central Gospel, O Arrebatamento, 1Tr24.pptxSlides Lição 03, Central Gospel, O Arrebatamento, 1Tr24.pptx
Slides Lição 03, Central Gospel, O Arrebatamento, 1Tr24.pptx
 
Slides Lição 04, Central Gospel, O Tribunal De Cristo, 1Tr24.pptx
Slides Lição 04, Central Gospel, O Tribunal De Cristo, 1Tr24.pptxSlides Lição 04, Central Gospel, O Tribunal De Cristo, 1Tr24.pptx
Slides Lição 04, Central Gospel, O Tribunal De Cristo, 1Tr24.pptx
 
Livro O QUE É LUGAR DE FALA - Autora Djamila Ribeiro
Livro O QUE É LUGAR DE FALA  - Autora Djamila RibeiroLivro O QUE É LUGAR DE FALA  - Autora Djamila Ribeiro
Livro O QUE É LUGAR DE FALA - Autora Djamila Ribeiro
 
Slide língua portuguesa português 8 ano.pptx
Slide língua portuguesa português 8 ano.pptxSlide língua portuguesa português 8 ano.pptx
Slide língua portuguesa português 8 ano.pptx
 

Coordenadas geográficas e projeção estereográfica

  • 1. Capitulo 1 : a dimensão dois Hiparco explica como dois números permitem descrever a posição de um ponto sobre uma esfera. Ele explica a projeção estereográfica: como desenhar a Terra? Capítulo 2 1. O apresentador Hiparco é o primeiro herói da nossa história. Não é necessário tomar demasiadamente a sério o que ele nos diz! Afirma ser o fundador da geografia e astronomia. É um pouco exagerado. Quem pode se elogiar a tal ponto? Os viajantes não descreveram sempre as suas viagens e os pastores não admiraram sempre as estrelas? É bem raro que um só indivíduo possa criar uma ciência... Mas façamos justiça a Hiparco, foi um dos grandes cientistas da Antiguidade. Conhece-se pouco sobre a vida de Hiparco. Nasceu em 190 a.C. e morreu por volta de 120 a.C. Pode-se consultar este artigo para uma curta descrição ou ainda este sítio para uma biografia mais desenvolvida. Em todo o caso, não há nenhuma dúvida que o nosso cientista foi um dos primeiros a estabelecer catálogos de estrelas e a medir as posições sobre a esfera celestial com uma precisão surpreendente. A comunidade dos astrônomos prestou-lhe uma homenagem batizando com seu nome uma cratera sobre a Lua. Citemos Hergé em Andou sobre a Lua: " le cirque d'Hipparque n'a pas besoin de clowns, donc vous ne pouvez pas faire l'affaire......"(“O circo de Hiparco não necessita de palhaços, então não se pode fazer o espetáculo ...”
  • 2. O segundo papel neste capítulo é desempenhado por Ptolomeu que viveu três séculos depois dele, entre 85 e 135 d. C. . Ele também foi grande astrônomo e geógrafo, se inspirou nos trabalhos de Hiparco, mas os historiadores não parecem estar de acordo sobre a importância desta influência. Ptolomeu não seria apenas continuador de Hiparco? Pergunta difícil que deixaremos aos especialistas. Para uma biografia de Ptolomeu, ver isto, e para uma análise mais detalhada, pode-se consultar este sítio. Tranquilizem-se, Ptolomeu tem também a sua cratera sobre a Lua! 2. Longitude et latitude Que aprenderemos de Hiparco e Ptolomeu neste primeiro capítulo? A noção do que se chama hoje um sistema de coordenadas. A Terra é redonda. Sabe-se desde há muito, muito tempo e, antes mesmo que se fizesse a volta em torno dela, astuciosos geômetras gregos tinham encontrado o meio para medir o seu perímetro, sem se enganarem muito (ver por exemplo esta página). A Terra dá uma volta por dia em redor de um eixo que liga dois pontos que se chamam pólos norte e sul. Dá igualmente uma volta em redor do Sol por um ano, mas nem Hiparco nem Ptolomeu sabiam isso, dado que pensavam o contrário: que é o Sol que gira em redor da Terra... Foi necessário esperar Copérnico, no décimo sexto século, para que se começasse a adivinhar que é a Terra que gira em redor do Sol. A determinação precisa da forma da Terra tomou muito mais tempo e foi só há algumas dezenas de anos que
  • 3. foi possível medir as dimensões até os centímetros! E a Terra não difere muito de uma esfera: certamente ela é um pouco achatada nos pólos mas o raio polar (6 356,7523142 km, admirem a precisão!) e o raio equatorial (6 378,137 km) não diferem muito. Olhem esta página (em inglês) para saber mais. Então, Hiparco nos convida a fazer como se a Terra fosse exatamente uma esfera e nos explica, em seguida, rudimentos da geometria esférica. Por definição, uma esfera é o conjunto dos pontos do espaço que estão à mesma distância de um ponto que se chama o seu centro. Uma reta que passa pelo centro de uma esfera corta a esfera em dois pontos; é um eixo de simetria para a esfera. Se se escolher tal reta, pode se pensar nela como o eixo de rotação da Terra, e os dois pontos de interseção então são chamados os pólos norte e sul. Um plano que passa pelo centro de uma esfera encontra essa esfera num círculo que se chama grande círculo, e que decompõe a esfera em dois hemisférios. No caso específico onde este plano que passa pelo centro é perpendicular ao eixo escolhido, fala-se do plano do Equador, e os hemisférios são chamados austral (ao Sul) e boreal (ao norte). Um plano que contém o eixo corta a esfera sobre um grande círculo que passa pelos dois pólos. Estes círculos são constituídos de dois semi-círculos que se juntam aos pólos: chamam se meridianos. Todo ponto sobre a Terra, com exceção dos pólos, é situado sobre um só meridiano. Dado que supomos que a Terra é uma esfera, todos os meridianos têm o mesmo comprimento: a distância que é necessário percorrer ao longo da Terra se se quer viajar do pólo Norte ao pólo Sul, ou seja 20.000 km (mais ou menos). Entre todos os meridianos sobre a Terra, um entre eles serve de origem; é o que passa pelo observatório de Greenwich na Inglaterra, mas poderia ter sido outro (e o francês teria gostado muito que fosse o que passa por Paris!). Os outros meridianos são descritos por um ângulo (ilustrado em vermelho sobre a figura inferior) que se chama a sua longitude. A tradição geográfica pede que se meça este ângulo entre 0 e 180 graus, a leste ou a oeste do meridiano de Greenwich. Cliquem na imagem à esquerda para um filme.
  • 4. Os planos perpendiculares ao eixo cortam a esfera em círculos que se chamam paralelos. Chamam-se assim, talvez porque não se cortam, como retas paralelas... Os paralelos são ainda menores porque que estão próximos dos pólos. O Equador é um paralelo particular, a meio caminho entre os dois pólos; é o maior dos paralelos. Os outros paralelos podem ser ao norte ou ao Sul do Equador, e são descritos por um ângulo ilustrado sobre a figura em verde; é a latitude. Cada ponto da Terra, com exceção dos pólos, está situado na interseção de um paralelo e de um meridiano e pode-se então atribuir-lhe uma longitude e uma latitude; são as coordenadas geográficas do ponto. Reciprocamente se tivermos uma latitude e uma longitude, pode-se encontrar o ponto... A coisa importante que é preciso lembrar é que para descrever um ponto sobre a superfície da Terra, são necessários dois números e que é por esta razão que se diz que a superfície da Terra é de dimensão 2. De resto, para um matemático, uma superfície é um objeto de dimensão 2; pode ser a superfície da Terra mas também o plano de uma mesa, ou a superfície de um bola de rugby. Cliquem sobre a imagem para um filme. Mas vivemos sobre a superfície da Terra apenas em primeira aproximação! Se tomarmos um avião por exemplo... Então, os dois números latitude e longitude não mais são suficientes para precisar a nossa posição. É preciso ainda dizer em qual altitude estamos. São necessários, por conseguinte, três números para descrever um ponto no espaço e diz-se que o espaço é de dimensão 3. Voltaremos a este ponto mais tarde... 3. Projeções Na segunda parte deste capítulo, Hiparco nos explica uma das grandes idéias matemáticas, que se chama projeção. A Terra é redonda, mas gostaríamos de representá-la sobre um plano, sobre uma folha de papel por exemplo, para fazer um mapa que se possa inserir num atlas.
  • 5. Há muitos métodos para cartografar a Terra. O princípio geral é escolher uma zona sobre a Terra e associar a cada ponto p desta zona um ponto F (p) no plano. Assim representou-se a zona em questão numa parte do plano. Escolher a representação F é a arte do cartógrafo que procura privilegiar tal ou tal característica. O ideal seria que o mapa fosse isométrico, ou seja, que se possa medir a distância entre dois pontos p, q medindo a distância entre suas representações F (p) e F (q). Infelizmente, estes mapas ideais não existem e é necessário fazer concessões. Certos mapas procuram representar fielmente as superfícies, por exemplo. A cartografia é um assunto apaixonante que tem uma longa história, frequentemente paralela à da matemática, e que tem feito progressos consideráveis recentemente, em especial graças às medidas precisas e à informática. Eis por exemplo dois sítios que podem servir de ponto de partida para um estudo desta ciência. O mapa que Hiparco nos apresenta tem um nome sábio: a projeção estereográfica. De fato, é necessário dizer que não serve muito aos atlas de hoje, exceto quando se trata de representar as zonas polares. Mas veremos gradualmente durante o filme que esta projeção tem um interesse matemático considerável e que é bem prática. A sua definição é muito simples. Considera-se o plano P tangente à Terra no pólo sul. Para cada ponto p da esfera, diferente do pólo norte, pode-se traçar a reta pn que une p ao pólo norte. Esta reta encontra o plano tangente P em outro F (p). A projeção estereográfica é então uma representação da esfera, sem o pólo norte, no plano P. Quem inventou esta projeção? Ainda um debate histórico complicado... Alguns falam de Hiparco, outros de Ptolemeu e, por último, outros afirmam que Hiparco efetivamente inventou esta projeção, mas que não conhecia as suas propriedades. Esta projeção tem três propriedades essenciais, muito ligadas entre si. A primeira, largamente ilustrada no filme, é que a projeção transforma um círculo traçado sobre a esfera num círculo ou numa reta do plano. Se tiver a paciência
  • 6. de esperar o último capítulo, compreenderá porquê Para mostrar bem isto, Hiparco diverte-se em fazer rolar a Terra no plano tangente ao pólo sul. Então, não é mais o Sul que está em contato com o plano e não é mais a partir do pólo norte que ele projeta, mas continua sempre a projetar a partir do ponto "o mais alto possível" sobre o plano tangente no ponto "mais baixo". Uma rotação hipotética, pouco razoável, mas que dá projeções bem bonitas. Cliquem na imagem à esquerda para um filme. A segunda, que não é ilustrada no filme, é que a projeção respeita os ângulos. Isto quer dizer que tomando duas curvas sobre a esfera que se cortam num ponto com certo ângulo, as projeções dessas curvas vão cortar-se num mesmo ângulo. Vê-se sobre a imagem à esquerda que as projeções dos meridianos e dos paralelos se cortam num ângulo reto, como se cortam num ângulo reto sobre a esfera. Bem prático para um navegador que mede o rumo da sua trajetória e gostaria bem de que os ângulos que ele mede fossem exatamente os mesmos sobre o seu mapa.
  • 7. A terceira, é que ainda que não conseguisse o ideal de preservar as distâncias, faria "o melhor". Tomem um ponto p sobre a esfera e considerem uma região R muito pequena em redor de p. A projeção estereográfica transforma a região R numa região F (R) em redor do ponto F (p). Quanto menor R mais F respeita a forma de R. Isto significa o seguinte: existe uma constante k, que se pode chamar a escala do mapa em R, que se q1 e q2 são dois pontos de R, a razão das distâncias entre q1 e q2 (na esfera) e F (q1) e F (q2) no plano é quase igual a k. O que quer dizer este "quase"? Que esta razão estará tanto mais próxima de k quanto R se torna pequeno. Para além da formulação matemática precisa, isto quer dizer que o mapa respeita as formas das pequenas áreas. É por isto que se diz que é conforme. É a principal qualidade da projeção estereográfica: é quase perfeita para um usuário que a utilizar apenas na sua vizinhança! Após esta primeira viagem, lembrem da lição de Hiparco: a esfera é de dimensão 2 porque é possível descrever os seus pontos através de duas coordenadas, latitude e longitude, e é bem prático representá-la num plano graças à projeção estereográfica... Tudo isto nos será muito útil para explorar a terceira dimensão e em seguida a quarta! Chapitre 2 : a dimensão três M.C.Escher conta as aventuras das criaturas de dimensão 2 que procuram imaginar objetos de dimensão 3. 1. O apresentador
  • 8. M.C. Escher (1898-1972) foi um artista excepcional cujas obras seduzem muito os matemáticos. As suas gravuras mostram-nos mundos paradoxais, mosaicos com simetrias surpreendentes, perspectivas infinitas; que encantam os matemáticos! Ver uma biografia aqui, e o sítio oficial para uma grande coleção de reproduções de gravuras. J. S. Bach (1685-1750) é outro artista que fascina os matemáticos (entre outros!). Ele também nos mostra simetrias extraordinárias. Kurt Gödel (1906-1978) foi um matemático que revolucionou a lógica, explorando, ele também, simetrias que vinculam um todo a uma de suas partes Um livro notável "Bach Escher Gödel" explora essa relação profunda que une estes três personagens excepcionais. Uma das gravuras mais famosas de Escher se intitula Répteis. Admirem-na aqui porque ela passa, infelizmente, muito rapidamente no filme. Sobre uma página de um caderno de desenho, vêem-se mosaicos nos quais lagartos planos ajustam-se à perfeição. É a imagem de um mundo plano: lagartos que vivem nesta página conhecem apenas esta página, ignoram o espaço que os cerca. Nós os vemos, sabemos que o seu mundo plano é apenas uma página de um caderno que é situado no nosso espaço, mas os répteis planos o ignoram. Um destes lagartos tem a possibilidade de escapar do plano e visitar o nosso mundo: vemo-lo no plano adquirir progressivamente espessura, subir sobre um livro, fazer de um esquadro uma ponte que o leva a um mirante, em forma de um dodecaedro, antes de descer e retomar sua posição no seu mundo plano, rico da sua nova experiência, como um explorador que tivesse descoberto um novo continente. A gravura incita a uma reflexão filosófica: se os lagartos ignoram a existência do mundo externo, não estamos nós na mesma situação? Não existiria um mundo "externo" ao nosso, ao qual nossos sentidos não nos dão acesso? De resto, as alusões filosóficas são abundantes nesta gravura. Vêem-se os quatro All M.C. Escher Works © 2008 The M.C. Escher Company,the Netherlands. All rights reserved. www.mcescher.com Used with permission.
  • 9. elementos que de acordo com Platão constituem o mundo: a água no vidro, o ar expulso das narinas do lagarto, a terra no vaso, o fogo evocado pela caixa de fósforos, e mesmo o dodecaedro que representa a quinta-essência, o quinto elemento... O maço de cigarros da marca “Job” seria uma alusão bíblica? O objetivo deste capítulo é de nos preparar para a quarta dimensão. Para permitir-nos encarar uma quarta dimensão que nos transcende, vamos começar a imaginar estratégias para explicar aos lagartos planos a existência da terceira dimensão. Vamos imaginar que somos este lagarto eleito pelo céu (o filósofo?, o matemático?), que teve o privilégio de ser autorizado a sair da página e de subir ao dodecaedro. Estamos no espaço de dimensão 3 , vemos aí objetos, um livro, um esquadro, um dodecaedro, e a nossa missão é "mostrar estes objetos" aos outros lagartos que não podem vê-los dado que estão num plano do qual não podem sair. 2. "O país plano" Este capítulo poderia igualmente ser apresentado por Edwin Abbott, pastor inglês do décimo nono século que escreveu um livro maravilhoso intitulado FlatLand. Este livro conta a história de uma sociedade plana, na qual os personagens são triângulos, quadrados, círculos e segmentos. Nesta sociedade, as regras de vida são complexas e o encanto deste livro é que o autor aproveita para caricaturar a sociedade vitoriana do décimo nono século na qual vive, a que também não faltam complexidades. Um livro ao mesmo tempo científico e sociológico em certa medida. O herói do livro, um hexágono, sofre um destino análogo ao do nosso lagarto que sai do plano, e pouco a pouco se conscientiza da existência das outras dimensões. O subtítulo do livro é de resto uma novela de muitas dimensões. Este pequeno livro é uma verdadeira jóia e é, além disso, um dos primeiros livros de divulgação científica. Veja o livro ou numa edição completa em francês 3. Os sólidos de Platâo Quais são os objetos do nosso espaço que iremos "mostrar" ao lagartos planos? Poderíamos mostrar-lhes um buquê de flores ou um livro, mas vamos permanecer na alusão filosófica e mostrar-lhes os cinco sólidos de Platão.
  • 10. Tetraedro Octaedro Cubo Dodecaedro Icosaedro Alguns destes objetos nos são familiares, como o cubo por exemplo. Outros, os encontramos vez por outra, como o tetraedro. Outros são mais raros e é necessário ser observador para vê-los na natureza Tomem por exemplo um icosaedro, com os seus 12 vértices e cortem os vértices na parte superior, como na figura à esquerda. Obtém-se um objecto constituído de 20 hexágonos e 12 pentágonos. Estes pentágonos provêm dos 12 vértices que foram cortados, e se encontram sobre as faces de um dodecaedro. Ah sim, vê-se lá uma bola de futebol... Estes objetos são poliedros, ou seja, literalmente, que têm várias faces! O nosso objetivo não é aqui entrar numa teoria complicada de poliedros. Queremos simplesmente escolher cinco bonitos objetos no espaço e tentar mostrá-los aos lagartos. Explicar a um lagarto o que é uma bola de futebol, de qualquer forma! Há muitos poliedros, (uma infinidade certamente) mas somente cinco entre eles são regulares. Ainda aqui, não queremos entrar nos detalhes da definição desta palavra, mas observamos que para cada um destes cinco poliedros regulares, todas as faces são do mesmo tipo (por exemplo, todas as faces do dodecaedro são pentágonos regulares, dos quais todas as arestas são do mesmo comprimento), e que todos os vértices são do mesmo tipo (por exemplo, de cada vértice do cubo, partem exatamente três arestas). Estas propriedades (quase) são suficientes para caracterizar os cinco objetos que queremos mostrar aos lagartos. Imagem Nome Faces Vértices Arestas (comprimento L) Superfície Volume
  • 11. Tétraedro 4 4 6 Octaedro 8 6 12 Cubo 6 8 12 Dodecaedro 12 20 30 Icosaedro 20 12 30 Para saber muito mais sobre poliedros, pode-se consultar, por exemplo, esta página, e para saber muito mais sobre os cinco poliedros regulares, a sua história e as suas simetrias, pode-se consultar esta página. Estes objetos estão entre os objetos fetiches dos matemáticos porque simbolizam o conceito de simetria, que não é infelizmente detalhado no filme. 4. As Secções
  • 12. Uma primeira idéia para explicar aos lagartos o que é um tetraedro é cortá-lo em fatias. Esta idéia é muito antiga e Edwin Abbott a utiliza largamente no seu livro. É de certa forma o que é utilizado em tomografia, uma técnica de imagens que consiste em examinar o corpo humano fatia por fatia e em seguida reconstituir o objeto de dimensão 3 a partir destas secções sucessivas. Quando um poliedro se desloca no espaço e encontra o plano dos lagartos, a intersecção com o plano é um polígono. Quando o poliedro se desloca, o polígono se deforma e desaparece quando o poliedro termina de atravessar o plano (poliedros seriam o “passe-muraille” de Marcel Aymé?). Os lagartos vêem apenas os polígonos, mas o vêem de maneira dinâmica: podem ver como se deformam. Com um pouco de experiência, vão (talvez!) terminar por ter uma intuição do que é realmente este poliedro que não podem ver no espaço. Tudo isto suscita muitas perguntas. Por exemplo, se lagartos estão num plano, como podem fazer para ver um polígono? Pergunta complexa! Difícil interrogar-lhes. Pensando um pouco, compreende- se que o mesmo problema se põe para nós. Como fazemos para ver objetos de dimensão 3, enquanto suas imagens se projetam nas nossas retinas e são por conseguinte de dimensão 2? Há muitas respostas para isto. Primeiro, temos dois olhos que não vêem exatamente a mesma coisa e o nosso cérebro utiliza estas duas imagens de dimensão 2 para reconstruir mentalmente uma imagem de dimensão 3. Mas também, os efeitos de sombra, de claridade etc. nos dão informações parciais sobre a distância que nos separa dos objetos. Por último e talvez, sobretudo, temos uma experiência do mundo no qual vivemos: quando vemos uma fotografia de uma bola de futebol, reconhecemo-la ainda que a imagem esteja num plano, porque já vimos e tocamos outras bolas de futebol. Então, não hesitemos em dar dois olhos aos nossos lagartos planos e a atribuir-lhes uma experiência do seu mundo. Se um hexágono se Cliquem sobre a imagem para um filme.
  • 13. apresenta na frente deles, são completamente capazes de ter consciência do hexágono. No livro de Abbot, todas estas perguntas são discutidas com muito humor. No filme, vêem-se cinco poliedros regulares que atravessam o plano e são mostradas as secções/polígonos que se deformam. Não é fácil porque as secções dependem da maneira como os poliedros atravessam o plano. Por exemplo, se um cubo apresenta-se de modo que uma de suas faces seja paralela ao plano, não há surpresa: as secções são quadradas. Mas se se corta um cubo por um plano que passa pelo seu centro e que é perpendicular a uma diagonal, a intersecção é um... hexágono regular e isto pode ser menos evidente?! Após ter olhado todos os poliedros atravessarem o plano, Escher propõe exercícios. Mostra as secções poligonais no plano e pede para adivinhar que poliedro está atravessanado, como se fossemos o lagarto do plano. Boa sorte com este exercício que não é fácil, como verão. O método das secções tem então os seus limites e devemos encontrar outro caminho... 5. A projeção estereográfica Eis uma segunda idéia, que pode parecer esquisita, mas que será extremamente útil em seguida (quando for a nossa vez de sermos "planos", esmagados na terceira dimensão, e que um eleito tentará nos mostrar os objetos no seu mundo de dimensão 4...). Aprendemos a projetar a esfera sobre um plano por projeção estereográfica e vimos que esta projeção, mesmo alterando os comprimentos, dá contudo uma idéia bastante precisa da geografia da Terra, sobretudo se a rolarmos sobre um plano. Poderíamos fazer a mesma coisa, fazendo rolar os cinco poliedros sobre um plano e projetando-os estereograficamente. O problema é que não se pode fazer rolar um cubo porque não é redondo! Então, inflam-se os poliedros como balões para que fiquem redondos. Inscrevamos por exemplo um cubo dentro de uma esfera.
  • 14. A superfície do cubo consiste de seis faces quadradas. Projetem estas seis faces radialmente sobre a esfera, a partir do centro. De certa forma, iremos inflar o cubo de modo que fique esférico. A esfera agora é coberta por seis zonas, que não são mais quadradas certamente dado que os seus bordos são arcos de círculos. Mas obtém-se uma boa imagem do cubo que tem a vantagem de poder rolar como uma bola. Então, podemos imaginar uma Terra sobre a qual haveria seis continentes que são as seis faces deste cubo inflado. Podemos fazer com este cubo o que fizemos com a Terra: projetá-lo estereograficamente sobre um plano e fazer rolar a Terra. A dança dos continentes torna-se a dança das seis faces de um cubo! Certamente, dado que as arestas do cubo inflado são arcos de círculos e que vimos que a projeção estereográfica transforma os círculos da esfera em círculos ou retas no plano, a projeção do cubo inflado no plano apresenta-nos faces "quadradas" cujos lados são arcos de círculos ou segmentos. O lagarto plano vê a projeção: deve imaginar que está num plano tangente ao pólo sul de uma esfera que não vê, mas adivinha as seis faces do cubo inflado que se projetam no plano. O que vê no seu plano dá-lhe todas as informações das quais tem necessidade: pode contar os vértices, as arestas, as faces; pode entender as suas posições respectivas. E se a esfera-Terra gira, a dança das faces dá-lhe uma visão ainda mais precisa. Cliquem sobre a imagem para um filme. É este método que é mostrado na segunda parte deste capítulo. Primeiro, mostra o conjunto visto por um ser de dimensão 3 que vê tudo: o poliedro, o poliedro inflado, a esfera, a projeção no plano dos lagartos. Depois, é a vez de tomar o lugar dos lagartos planos e não ver senão a projeção. Escher recorre então à imaginação para que se possa adivinhar de qual poliedro se trata. O exercício também não é muito fácil, mas parece efetivamente ser mais fácil que com o método das secções. Estes exercícios serão úteis no que se segue. Recordem: em breve, estarão na posição de um pobre ser humano de dimensão 3 incapaz de ver a quarta dimensão! Qualquer um que tenha o dom de ver na quarta dimensão fará esforços para mostrar o que vê. Utilizará também cortes e projeções. Capítulos 3 e 4 : A quarta dimensão O matemático Ludwig Schläfli nos fala de objetos na quarta dimensão e nos mostra um desfile de poliedros regulares em dimensão 4, objetos estranhos de 24, 120 e mesmo de 600 faces!
  • 15. 1. Ludwig Schläfli e os outros Hesitamos muito para escolher o apresentador deste capítulo. A idéia da quarta dimensão não foi de um só homem e foram necessários numerosos espíritos criativos para que pudesse, definitivamente, ser estabelecida e assimilada em matemática. Entre os precursores, pode-se citar o grande Riemann que será o apresentador do último capítulo e que teve, sem dúvida alguma, uma idéia muito clara da quarta dimensão a partir da metade do décimo nono século. Mas vamos dar a palavra a Ludwig Schläfli (1814-1895), em especial porque este espírito original, hoje, está quase esquecido, mesmo entre os matemáticos. Foi um dos primeiros a ter tomado consciência que ainda que o nosso espaço físico pareça bem de dimensão 3, nada impede de imaginar um espaço de dimensão 4, e mesmo de demonstrar teoremas de geometria que se referem aos objetos matemáticos de dimensão 4. Para ele, a quarta dimensão era uma abstração pura, mas não há dúvida que após anos de trabalho, ele deveria se sentir mais à vontade na quarta dimensão que na terceira! A sua obra principal intitula-se Theorie der vielfachen Kontinuität e foi publicada em 1852. É necessário dizer que poucos leitores perceberam a importância deste livro na época. Foi necessário esperar o início do vigésimo século para que os matemáticos compreendessem o interesse de tal trabalho monumental. Para mais informações sobre Schläfli, ver aqui ou aqui . Mesmo na comunidade dos matemáticos, a quarta dimensão manteve por muito tempo o seu aspecto misterioso e impossível. Para o público em geral, a quarta dimensão evoca frequentemente histórias de ficção científica nas quais fenômenos paranormais produzem-se, ou às vezes, evoca a teoria da relatividade de Einstein: "a quarta dimensão, é o tempo, não é verdade ?” É confundir perguntas de matemática e de física. Retornaremos, em breve, adiante. Tentemos primeiro apreender a quarta dimensão como Schläfli, por exemplo, como uma pura criação do espírito! 2. A idéia de dimensão Schläfli começa por nos recordar as coisas que vimos nos capítulos precedentes, explicando-se no quadro. Uma reta é de dimensão 1 porque para se localizar sobre uma reta, é necessário um só número. É a abcissa de um ponto, negativo à esquerda de uma origem e positiva, à direita.
  • 16. O plano do quadro é de dimensão 2 porque para se localizar neste plano, pode-se traçar duas retas perpendiculares sobre o quadro e localizar a posição dos pontos em relação a estes dois eixos: são a abcissa e a ordenada. Para o espaço no qual vivemos, se pode completar os dois eixos do quadro, traçando um terceiro eixo, perpendicular ao quadro. Certamente, é bem raro ter um giz que trace retas saindo do quadro, mas como nos preparamos para partir para a quarta dimensão, temos necessidade de um giz mágico! Todo ponto no espaço pode então ser localizado por três números denominados tradicionalmente como x, y e z, e é por isto que se diz que o espaço é de dimensão 3. Gostaríamos certamente de poder continuar, mas não é possível traçar um quarto eixo perpendicular aos três precedentes; e isto não é uma surpresa porque o espaço físico no qual vivemos é de dimensão 3 e não é aí que se faz necessário procurar a quarta dimensão, mas antes, na nossa imaginação... Schläfli nos propõe várias soluções para se ter uma idéia da quarta dimensão. Não há apenas um só método, da mesma maneira que não há apenas um só método para explicar a terceira dimensão para os lagartos do plano. É a associação destes métodos que nos permitirá ter uma visão da quarta dimensão O primeiro método é mais pragmático. Pode-se simplesmente decretar que um ponto no espaço de dimensão 4 não é nada além que a informação de quatro números: x, y, z, t. O inconveniente desta abordagem é que não se vê grande coisa. Mas é completamente lógica e satisfaz a maior parte dos matemáticos. Pode-se então tentar copiar as definições habituais em dimensão 2 e 3, para tentar definir objectos na quarta dimensão. Por exemplo, pode-se chamar (hiper)plano o conjunto dos pontos (x, y, z, t) que verificam uma equação linear, da forma ax+by+cz+dt = e, copiando a definição análoga de um plano no espaço. Com este tipo de definição, pode-se desenvolver, uma geometria sólida, demonstrar teoremas, etc. De fato, se trata da única maneira de tratar seriamente os espaços de dimensões superiores. Mas o objetivo deste filme não é ser "demasiado sério" mas de "mostrar" a quarta dimensão e de explicar a intuição que certos matemáticos têm disso. Schläfli expõe-nos em seguida um método "por analogia". A ideia é observar com cuidado as dimensões 1, 2 e 3, observar certos fenômenos, depois supor que estes fenómenos existem ainda na quarta dimensão. É um jogo difícil que não aparece facilmente! Um lagarto que sai do seu mundo e entra na terceira dimensão deve esperar surpresas e precisar de tempo para se adaptar. "Por analogia”, a mesma coisa é verdadeira para o matemático que se joga na quarta dimensão ... O exemplo tomado por Schläfli é o da sequência "segmento, triângulo equilátero, tetraedro regular". Sente-se uma analogia entre estes objetos, e não tem dúvida que o tetraedro generaliza, de certa forma, na dimensão 3, o triângulo eqüilátero.
  • 17. Então, qual é o objeto que generaliza o tetraedro na quarta dimensão? O segmento tem dois vértices e está na dimensão 1. O triângulo tem três vértices e está na dimensão 2. O tetraedro tem quatro vértices e está na dimensão 3. É tentador pensar que a sequência continua e que existe um objeto no espaço de dimensão 4 que tem cinco vértices e que continua a série. Observa-se em seguida que no triângulo e no tetraedro, há uma aresta que une todos os vértices entre si. Se tentar unir os cinco vértices entre si, sem refletir muito no espaço no qual se faz o desenho, vê-se que é necessário dez arestas. Então, se tenta muito naturalmente colocar faces triangulares para cada terno de vértices. Encontram-se ainda dez. Em seguida, continua-se colocando tetraedro para cada quádruplo de arestas. O objeto que acabamos de construir não tem ainda uma estrutura muito clara... nós conhecemos os vértices, as arestas, as faces, as faces de dimensão 3 mas não o vemos ainda muito claramente. O matemático fala de combinatória para descrever o que conhecemos: sabemos quais arestas ligam quais vértices, mas não temos ainda uma visão geométrica do objeto. Este objeto do qual acabamos de adivinhar a existência, que continua a lista segmento, triângulo, tetraedro, é chamado um simplexo! Cliquem na imagem para um filme.. 3. Os poliedros de Schläfli Os polígonos são traçados no plano e os poliedros no espaço de dimensão 3. Os objetos análogos em dimensão 4 (ou mais!) levam o nome geral de politopos ainda que, bem freqüentemente, se continue a chamá-los simplesmente de poliedros. Como Platão discutiu poliedros regulares no espaço usual de dimensão 3, Schäfli descreveu poliedros regulares em dimensão 4. Alguns são de uma riqueza inconcebível e o filme propõe mostrar aos espectadores de dimensão 3 (vocês e eu!) da mesma maneira que o filme mostrou os poliedros de Platão aos lagartos, em vez de um jarro de flores ou um livro (mas é preciso reconhecer que os autores do filme seriam incapazes de mostrar flores em dimensao 4, que pena !). Trata-se de uma das mais bonitas contribuições de Schläfli: a descrição precisa de seis poliedros regulares em dimensão 4. Como são em dimensão 4, têm vértices, faces de dimensão 2 e faces de dimensão 3. Eis um quadro que indica os nomes destes poliedros, os seus números de arestas, faces etc.. Nome simples Nome Vértices Arestas Faces 2D Faces 3D
  • 18. Simplexo Pentacore 5 10 10 triângulos 5 tetraedros Hypercubo Tesserato 16 32 24 quadrados 8 cubos 16 Hexadecacore 8 24 32 triângulos 16 tetraedros 24 Icositetracore 24 96 96 triângulos 24 octaedros 120 Hecatonicosacore 600 1200 720 pentágonos 120 dodecaedros 600 Hexacosicore 120 720 1200 triângulos 600 tetraedros Isto será útil para apreciar bem as suas visualizações. Para mais informações sobre poliedros em dimensão 4, ver aqui ou lá, ou ainda lá. 4. "Ver" em dimensão 4 Como "ver" em dimensão 4? Infelizmente, não podemos dar-lhes lunetas 4D, mas há outros meios. O método das secções: Primeiro, podemos fazer como os lagartos. Estamos no nosso espaço de dimensão 3 e imaginamos que um objeto se desloca progressivamente no espaço de dimensão 4 e vem cortar o nosso espaço de dimensão 3 progressivamente. A secção está agora no nosso espaço e em vez de ser um polígono que se deforma, é um poliedro que se deforma. Podemos ter uma intuição da forma do poliedro de dimensão 4 observando as secções que se deformam gradualmente e terminam por desaparecer. Reconhecer o objeto desta maneira não é fácil, menos fácil ainda que para os lagartos... No filme, tomamos em seguida conhecimento de três destes poliedros: o hipercubo e os que chamamos de 120 e de 600. Vê-se cortá-los no espaço e mostrar as secções que são poliedros de dimensão 3 que se deformam. Impressionante! Mas não é fácil de compreender... A imagem à direita mostra o 600 que atravessa o nosso espaço de dimensão 3. Cliquem na imagem para um filme.
  • 19. Como a dimensão 4 não é fácil de compreender, não é inútil utilizar vários métodos complementares. O método das sombras: O outro método apresentado neste capítulo é quase mais evidente que o das secções. Teríamos podido utilizá-lo igualmente com os lagartos. Trata-se de um pintor que quer representar uma paisagem que contém objetos de dimensão 3 sobre a sua tela que é de dimensão 2. Projeta a imagem sobre a tela. Por exemplo, pode colocar uma fonte luminosa atrás do objeto e observar a sombra do objeto sobre a tela. A sombra do objeto dá apenas uma informação parcial mas se fizer girar o objeto na frente da luz e se se observa a maneira como a sombra deforma-se, pode-se frequentemente fazer uma idéia bem precisa do objeto. Isto é a arte da perspectiva. Aqui, é a mesma coisa: pode-se pensar que o objeto de dimensão 4 que queremos representar encontra-se no espaço de dimensão 4 e que uma luz projeta a sua sombra sobre uma tela que é agora o nosso espaço de dimensão 3. Se o objeto se move no espaço de dimensão 4, a sombra altera- se e fazemos uma ideia da forma do objeto ainda que não o vejamos! Vemos então o hipercubo, de maneira bem mais clara que com as secções. Cliquem na imagem para um filme. Agora, o 24, este objeto do qual pensamos que Schläfli se orgulhava mais! A razão é que esta nova visão é realmente nova; não generaliza nenhum poliedro de dimensão 3, como no caso de outros poliedros. Além disso, tem esta propriedade maravilhosa de ser autodual: por exemplo, tem tantas faces de dimensão 2 quantas faces de dimensão 1 (as arestas) e tantas faces de dimensão 3 quantos faces de dimensão 0 (os vértices). E por último, vemos os poliedros 120 e 600 cujas secções já vimos. Esta nova visão nos mostra outros aspectos destes poliedros de dimensão 4, que são decididamente bem complicados. Estes dois métodos, as secções e as sombras, têm vantagens, mas é necessário reconhecer que não fazem justiça a todas as simetrias destes magníficos objetos. No capítulo seguinte, utilizaremos um outro método, o da projecção estereográfica! Será que verão um pouco mais claro? 5. "Ver" em dimensão 4: a projeção estereográfica
  • 20. (Ver o filme do Capítulo 4: a quarta dimensão, a seguir) Schläfli nos mostra um último método para representar poliedros de dimensão 4. Trata-se simplesmente de utilizar a projeção estereográfica. Mas certamente, não se trata da mesma projeção que Hiparco nos mostrou no capítulo 1! Imaginem-se no espaço de dimensão 4 e considerem uma esfera. Para definir tal esfera, utiliza-se a definição habitual: trata-se do conjunto dos pontos deste espaço que estão à mesma distância de um ponto que se chama centro. Vimos que a esfera no espaço de dimensão 3 é de dimensão 2, dado que os seus pontos são descritos por uma longitude e uma latitude. De certa forma, a esfera no espaço de dimensão 3 é apenas de dimensão 2 porque "falta- lhe uma dimensão": a altitude acima da esfera. Da mesma maneira, a esfera no espaço de dimensão 4 é de dimensão 3 e "lhe falta" igualmente uma dimensão que é ainda a altitude acima da esfera. O que é uma esfera no plano, i.e., no espaço de dimensão 2 ? É o conjunto dos pontos à mesma distância de um centro, em outros termos um círculo.Um círculo é portanto uma esfera no espaço de dimensão 2 ! E é bem de dimensão 1 dado que é suficiente um só número para localizar-se sobre um círculo. Mais surpreendente: o que é uma esfera num espaço de dimensão 1, ou seja numa reta? O conjunto dos pontos à mesma distância de um ponto dado sobre uma reta. Tem apenas dois, um à esquerda e outro à direita... A esfera no espaço de dimensão 1 não contém senão dois pontos... Não surpreende que se diga que é de dimensão 0! Resumamos: no espaço de dimensão n, a esfera é de dimensão n-1 e é por isto que os matemáticos a notam Sn-1 . S0 S1 S2 S3
  • 21. No início do capítulo se explica o que é a esfera S3 , mas certamente, mesmo Schläfli não pode mostrá-la. O melhor que se pode fazer é lhes mostrar uma esfera S2 , incentivá- los a fazer como se estivessem num espaço de dimensão 4 e imaginar a esfera S3 ... A projeção estereográfica apresentada por Hiparco projeta a esfera S2 sobre o seu plano tangente no pólo sul. Pode-se proceder exatamente da mesma maneira com S3 . Toma-se o espaço tangente no pólo sul da esfera S3 , que é um espaço de dimensão 3 e pode-se em seguida projetar qualquer ponto de S3 . (exceto o seu pólo norte) sobre este espaço. É suficiente prolongar a reta que parte do pólo norte e que passa pelo ponto até à sua interseção com o espaço tangente no pólo sul... Ainda que esteja em dimensão 4, a figura é análoga à que já vimos. Suponhamos então que Schläfli queira nos mostrar um destes poliedros em dimensão 4. Faz como já fizemos com os répteis. Infla o poliedro até que esteja desenhado sobre a esfera S3 .. Em seguida, pode-se projetar estereograficamente no plano tangente no pólo sul, que é o "nosso" espaço de dimensão 3 e podemos por conseguinte observar a projeção. Pode-se também fazer rolar a esfera S3 sobre o seu plano tangente e projetar seguidamente de forma a observar a dança do poliedro. É necessário observar que quando a rotação da esfera leva uma face do poliedro a passar pelo pólo de projeção, a projeção da face correspondente torna-se infinita e tem-se a impressão que explode sobre a tela. Tinhamos a mesma impressão no capítulo 1 quando eram projetados poliedros no plano. É o espectáculo que propõe o capítulo 4: projetar poliedros de Schläfli estereograficamente fazendo-o girar... Cliquem na imagem para um filme. A geometria dos espaços de dimensão 4 não é senão um início porque existe espaços de dimensão 5, 6... e mesmo infinito! Concebidos inicialmente como puras abstrações, a física contemporânea o utiliza largamente. A teoria da relatividade de Einstein utiliza espaço-tempo de dimensão 4. Um ponto
  • 22. deste espaço-tempo é descrito por três números que descrevem uma posição e por um quarto que descreve um momento. Mas a força da teoria da relatividade é precisamente misturar em certa medida estas quatro coordenadas sem procurar privilegiar o tempo ou o espaço que perdem assim as suas individualidades. Não vamos explicar aqui esta teoria talvez porque Schläfli não a conhecia! A teoria de Einstein data de 1905, por conseguinte bem após a eclosão da idéia matemática de dimensão 4. Não é a primeira vez, nem a última, que a física e a matemática interagem assim, cada uma trazendo os seus métodos, com objetivos e motivações bem diferentes, e no entanto tão próximas... De resto, a física de hoje não postula espaços de dimensão 10 ou mesmo mais, e a física quântica não trabalha num espaço de dimensão infinita? Será necessário esperar um pouco ainda para que produzam um filme sobre os espaços de dimensão 10... Capítulos 5 e 6 : Números complexos O matemático Adrien Douady explica os números complexos. A raiz quadrada dos números negativos explicada de forma simples. Transformar o plano, deformar imagens, criar imagens fractais. 1. O apresentador Os números complexos constituem um dos capítulos mais bonitos da matemática e se tornaram essenciais na ciência. O caminho da sua descoberta não foi fácil e a terminologia empregada testemunha esta dificuldade; falou-se de números impossíveis, imaginários, e a palavra "complexo" deixa entender que não é fácil compreendê-los. Felizmente, hoje, não é mais o caso: podemos agora apresentá-los de maneira relativamente elementar.
  • 23. Adrien Douady é o apresentador destes capítulos. Matemático excepcional, as suas contribuições são muito variadas, e gostava de dizer que todas as pesquisas giravam em redor dos números complexos. Ele é, em particular, um dos que fizeram reviver a teoria dos sistemas dinâmicos complexos da qual diremos, mais tarde, algumas palavras. Uma das características desta teoria é que gera conjuntos fractais muito bonitos que, hoje, podem ser representados graças aos computadores. Adrien Douady faz parte dos que incentivaram firmemente a produção deste tipo de imagem, para ao mesmo tempo ajudar o matemático no seu trabalho de investigação e popularizar a matemática na sociedade. Deve–se a ele, igualmente, um filme de animação matemática intitulado A dinâmica do coelho: gostava de batizar os objetos matemáticos com nomes surpreendentes: coelho, avião, shadok (personagem de história de quadrinhos, muito conhecida na França e que Douady gostava de citar.) etc. O seu desaparecimento recente entristeceu profundamente a comunidade dos matemáticos. Para algumas indicações sobre a sua personalidade, ver este sítio ou este. É claro que mesmo Adrien Douady não pode explicar toda a teoria dos números complexos em dois capítulos de 13 minutos... Estes capítulos não podem substituir um professor, um livro, ou uma exposição detalhada (ver por exemplo este sítio ou neste, em francês). É necessário considerar estes capítulos como complementos ou ilustrações que incentivam a saber mais ou como recordações para os que teriam esquecido remotas lições passadas. Certamente, o filme procura, sobretudo, destacar o lado geométrico destes números complexos. 2. Números e transformações Vimos que a reta é de dimensão 1 dado que se pode localizar um ponto sobre uma reta com um número, positivo à direita da origem e negativo à esquerda. Os pontos são seres geométricos e os números são seres algébricos. A idéia de pensar em números como pontos ou pontos como números, ou seja, de misturar a álgebra e a geometria, é uma das idéias mais férteis da matemática. Como sempre, não é fácil atribuir a um só homem mas é, em geral, a Descartes que se atribui este método potente de estudo da geometria pela álgebra: é o nascimento da geometria algébrica. Se os pontos de uma reta são números, deve-se poder compreender geometricamente o significado das operações elementares entre números: a adição e a
  • 24. multiplicação. A chave desta compreensão está na idéia de transformação. Por exemplo, subtrair 1 de um número x, ou seja a transformação x-1, é visto geometricamente como uma translação: todos os pontos são transladados de 1 para a esquerda. Da mesma maneira, a multiplicação por 2 é pensada como uma dilatação. A multiplicação por -1 que envia cada ponto x sobre - x é pensada como uma simetria: cada ponto é transformado em seu simétrico em relação à origem. A multiplicação por -2 é, por sua vez, composição das duas operações precedentes. Multiplicar dois números significa compôr as transformações que lhes são associadas. Por exemplo, a transformação associada à multiplicação por -1 é uma simetria e quando se efetua esta operação duas vezes, em sequência, retorna-se ao ponto de partida, de modo que o produto de -1 por ele mesmo é + 1. O quadrado de -1 é + 1. O quadrado de -2 é + 4 pela mesma razão. Resulta disso tudo que o quadrado de qualquer número continua positivo. Não há número cujo quadrado seja igual à -1. Em outros termos, -1 não tem raiz quadrada. Cliquem na imagem para um filme.. 3. A raiz quadrada de -1
  • 25. Por muito tempo, a impossibilidade de encontrar uma raiz quadrada para -1 era um dogma o qual não se podia discutir. Mas na época da Renascença, certos espíritos inventivos ousaram quebrar o tabu! Se se ousa escrever -1, então se pode também escrever números como por exemplo 2 +.3-1 e pode-se igualmente brincar com estes números de maneira formal, sem estar demasiadamente tentando compreender os seus significados. Estes pioneiros então constataram de certa maneira, experimental, que calcular com estes números impossíveis não parecia levar a contradições, de modo que estes novos números gradualmente foram aceitos pelos matemáticos, sem verdadeiras justificativas. A história destes novos números é bem longa e não é nossa intenção descrever as etapas que conduziram a bases sólidas. Poderá ser consultada por exemplo esta página para um pouco de história. Será suficiente dizer, para simplificar ao extremo, que por volta do décimo nono século, alguns matemáticos, incluindo Gauss, Wessel e Argand, tomaram consciência do carácter geométrico destes números imaginários. O filme mostra uma apresentação simplificada de uma ideia muito simples de Argand. (Cliquem na imagem à direita para ver o artigo original de Argand.) O número -1 é associado à simetria em relação à origem sobre a reta, ou seja, a uma rotação de meia volta. Procurar uma raiz quadrada para -1 é procurar uma transformação que, efetuada duas vezes em sequencia, daria uma rotação de meia volta. Argand declara então que a raiz quadrada de -1 deve ser associada à rotação de um quarto de volta, simplesmente. Fazer duas rotações de um quarto de volta, é fazer uma rotação de meia volta, ou seja, multiplicar por -1. Se se parte desta ideia, tem-se vontade de dizer que a raiz quadrada de -1 é obtida a partir de 1 girando de um quarto de volta. Certamente, a imagem de 1 por uma rotação de um quarto de volta não está sobre a reta e acabamos de decidir que a raiz quadrada de -1 é um ponto que não está sobre a reta mas no plano! A idéia é simples e bonita: Considere os pontos do plano como números. Então, certamente, estes não são mais os mesmos números com os quais estamos habituados. Por esta razão, se diz que os números “tradicionais” são números reais e que os números os quais estamos prestes a definir,
  • 26. associados aos pontos do plano, são números complexos. Se localizamos um ponto do plano pelas suas duas coordenadas (x, y), que são números reais, a reta da qual partirmos é a reta de equação y = 0, e o ponto que é a imagem de (1,0) pela rotação de um quarto de volta é (0,1). É então este ponto que Argand considera como a raiz quadrada de -1. Os matemáticos, sempre surpreendidos por este "truque", chamam este ponto i, como "imaginário". Dado que queremos números que se podem adicionar entre si, pode-se considerar o número x + iy : ele corresponde ao ponto do plano de coordenadas (x, y). Cliquem na imagem para um filme. Em resumo, Argand nos incita a considerar os pontos (x, y) do plano não como dois números (reais) mas antes como um só número (complexo). Isto pode parecer muito surpreendente e talvez artificial, mas veremos que esta idéia é muito poderosa. 4. Aritmética complexa A sequência não é difícil. Após todas as especulações, define-se um número complexo z como sendo dar dois números reais (x, y), ou seja, um ponto do plano e se escreve z = x + i y. Trata-se, em seguida, de mostrar que se podem adicionar estes números complexos, multiplicá-los, e também que todas as propriedades do cálculo às quais estamos habituados são ainda válidas. Por exemplo, é preciso se assegurar que a soma de números complexos é a mesma qualquer que seja a ordem em que se apresentem. Tudo isto pode ser feito rigorosamente, mas este não é o objetivo do filme. Veja uma apresentação da teoria dos números complexos. Para a adição é fácil: tem-se a fórmula (x+i y) + (x'+i y') = (x+x')+ i (y +y') de tal modo que adicionar números complexos é o mesmo que adicionar vetores.
  • 27. Para a multiplicação, é um pouco mais difícil (x+i y).(x'+i y') = xx' + i xy' + i yx' + i2 yy' = (xx'-yy') + i (xy'+x'y) mas aqui, com um milagrezinho, esta fórmula será satisfeita. Por exemplo, não é de forma alguma evidente, com esta fórmula, que se podem multiplicar três números complexos em qualquer ordem para encontrar o mesmo resultado, ou ainda que se pode sempre dividir por um número não nulo. Este pequeno milagre não é explicado neste filme... isto nos tomaria muito tempo Cliquem na imagem para um filme. Duas noções serão úteis para a sequência: O módulo de um número complexo z = x + i y é simplesmente a distância do ponto correspondente (x, y) à origem. Escreve-se |z| e é igual, de acordo com teorema de Pitágoras, a √ (x2 +y2 ). Por exemplo, o módulo de i é igual a 1 e o de 1+i, a √2. O argumento indica a direção de z. Escreve-se como Arg(z) e não é nada mais que o ângulo entre o eixo das abcissas e a reta ligada à origem a partir de (x, y). Este argumento é definido apenas se z não for nulo. Por exemplo, o argumento de i é de 90 graus, o de 1 é nulo; o de -1 , de 180 graus; e o de 1 + i, de 45 graus. Os matemáticos por muito tempo têm tentado fazer a mesma coisa no espaço de dimensão 3: como multiplicar pontos no espaço? Tiveram que esperar muito tempo antes de compreender que não era possível. No espaço de dimensão 4, descobriram que era parcialmente possível, sob a condição de abandonar a idéia que a multiplicação verifica ab = ba! e terminaram por descobrir por que na dimensão 8, é ainda possível, sob a condição de abandonar a idéia que (ab)c = a(bc), antes de compreender, no meio do século vinte que nas outras dimensões diferentes de 1,2,4 e 8, não há realmente nenhum meio para multiplicar os pontos! Para compreender algo das frases misteriosas que precedem, pode-se ler aqui, aqui ou acolá. Em resumo, os pontos do plano são definidos por só um número... complexo. O plano que dissemos ser de dimensão 2 é agora de dimensão 1! Não há certamente contradição: o plano é de dimensão 2 real mas é uma reta de dimensão 1 complexa. Plano real, reta complexa... Dimensão 2 real, dimensão 1 complexa. Jogo de palavras? 5. ... ainda a projeção estereográfica !
  • 28. Lembrem-se da projeção estereográfica; ela transforma a esfera de dimensão 2, sem o pólo norte, no plano tangente ao pólo sul. Se um ponto se aproxima do pólo norte, sua projeção se afasta no plano de modo que se diz que ela tende ao infinito. Diz-se de resto, às vezes, que o pólo norte é o ponto no infinito. Agora, se se pensa no plano tangente ao pólo sul como uma reta complexa, compreende-se porque a esfera de dimensão 2 (real !) frequentemente é qualificada de reta projetiva complexa. Aí está um bonito exemplo de acrobacia matemática: chamar de reta uma esfera! Henri Poincaré, não dizia ele que a matemática consiste em dar o mesmo nome a coisas diferentes? 6. Transformações ( Voir dans le film: Chapitre 6 : Nombres complexes, suite) Este capítulo se propõe a dar um pouco de intuição aos números complexos através de certas transformações da reta complexa. Uma transformação T é uma operação que associa a cada número complexo z, ou seja a cada ponto do plano, outro ponto T(z). Para ilustrar isto, coloca-se o retrato de Adrien Douady no plano e, em seguida, mostra-se a sua imagem pela transformação: cada pixel que constitui o retrato é transformado por T. Adrien escolheu vários exemplos de transformação T : T(z) = z/2 Cada número é dividido por dois. Certamente, a imagem é reduzida duas vezes: um zoom ao contrário! Chama-se a isto uma homotetia.
  • 29. T(z) = iz Trata se simplesmente de uma rotação de um quarto de volta, pela definição de i. T(z) = (1+i)z Dado que o módulo de 1+i é √2 e o seu argumento é 45 graus, trata-se de compor uma rotação de 45 graus e uma homotetia de um fator √2. Chama-se a isto uma semelhança. É uma das grandes vantagens dos números complexos: permitem escrever muito simplesmente as semelhanças como resultados de multiplicações. T(z) = z2 Esta é a nossa primeira transformação não-linear. Ao colocar a foto em dois lugares diferentes, pode-se tomar consciência dos efeitos da passagem ao quadrado na reta complexa : os módulos são elevados ao quadrado e os argumentos são duplicados. au carré dans la droite complexe : les modules sont élevés au carré et les arguments sont doublés.
  • 30. T(z) = -1/z Trata-se de uma transformação semelhante à que normalmente se chama de inversão. Evidentemente, a origem que é o número 0, não pode ser alterada, mas é preciso dizer que ela é enviada para o infinito. A razão é muito simples: se um número complexo z se aproxima de 0, ou seja, se o módulo tende para 0, sua transformada -1/z tem um módulo que é o inverso do módulo de z e, por isso, tende para o infinito. A transformação tem, então, a propriedade de "explodir", ou seja, de transportar para muito longe as pequenas vizinhanças da origem, até sair da tela ... Inversamente, os pontos que estão muito longe da origem são "comprimidos" muito próximos dela (da origem). Cliquem na imagem para um filme. Durante muito tempo, livros didáticos deram grande importância à inversão, o que permite demonstrar teoremas muito belos. A propriedade principal da inversão é que ela transforma círculos em círculos ou retas. Os artistas muitas vezes utilizaram estes tipos de transformações e lhes deram o nome de anamorfose. De modo mais geral, se forem escolhidos quatro números complexos a, b, c, d, pode-se considerar a transformação T(z) = (az+b)/(cz+d). Estas transformações têm vários nomes em matemática: transformações de Moebius, homografias, transformações projetivas, mas a sua principal propriedade é a de enviar círculos em círculos ou em retas. Este grupo de transformações é o de uma geometria magnífica chamada circular, próxima da geometria não euclidiana, mas isso é outra história! T(z) = z+k/z Esta transformação foi estudada por Joukovski, no seus estudos sobre a aerodinâmica das asas de aviões! Mas Adrien Douady poderia ter escolhido outras transformações, em particular que lhe dão uma linha mais fina que esta! A finalidade desta ilustração é mostrar uma propriedade fundamental deste tipo de transformações. Evidentemente, elas não transformam mais círculos em círculos, só as transformações de Moebius o fazem, mas isto é verdade em nível infinitesimal. Se se toma um pequeno círculo e se considera a curva transformada, ela não é um círculo, mas é muito próxima de um círculo, ainda mais próxima se o círculo inicial for muito pequeno. Outra maneira de expressar a mesma coisa é que as transformações em questão se comportam como semelhanças no nível infinitesimal. Estas
  • 31. mudanças são chamadas holomorfas ou conformes. As raízes grega e latina "holo" e "con" significam "mesma" e morphe significa, naturalmente, "forma": em outras palavras, estas transformações preservam as formas. O estudo das funções holomorfas é um dos capítulos mais importantes da matemática. 6. Dynamique holomorphe Na segunda parte do capítulo 6, Adrien Douady propõe uma iniciação a um magnífico tópico de estudo ao qual trouxe contribuições essenciais. Trata-se do estudo dos conjuntos de Julia, que, além do seu interesse matemático fundamental, é de uma beleza extraordinária (e as duas coisas estão certamente ligadas). É raro que uma teoria matemática possa ser ilustrada de uma maneira tão bonita e numerosos artistas se inspiraram nestas imagens. A idéia inicial é muito simples: escolhe-se um número complexo c qualquer. Em seguida, se considera a transformação Tc(z) = z2 + c. Trata-se num primeiro tempo de elevar ao quadrado um número depois o transladar acrescentando-lhe c. Partindo de um ponto inicial z, sua transformação é um ponto z1= Tc(z), em seguida, se considera o transformado do transformado z2= Tc(z1) e se prossegue infinitamente construindo uma sequência de números complexos zn onde cada um é o transformado do precedente. Diz-se que a sequência zn é a órbita do ponto inicial z pela transformação Tc. Estudar o comportamento desta sequência zn, é compreender a dinâmica de Tc. Trata-se certamente de um exemplo muito simples, mas este exemplo é suficientemente rico para gerar matemáticas muito bonitas. Considerem agora o caso onde c = 0. Trata-se, então, de efetuar de maneira repetida a transformação Tc(z)=z2 . O módulo de cada zn é por conseguinte o quadrado do precedente. Se o módulo de z é inferior a 1, se diz que z está no interior do disco de raio 1, com centro na origem, e todos os zn vão permanecer neste disco. Em contrapartida se o módulo de z é estritamente superior a 1, os módulos do zn vão crescer sem cessar, tendendo para o infinito: a órbita de z vai terminar por sair da tela! No primeiro caso, se diz que a órbita é estável: permanece numa zona limitada do plano. No segundo caso, é instável: foge para o infinito. O conjunto dos pontos z cuja órbita é estável é então o disco.
  • 32. De uma forma geral, para cada valor de c, podem-se também distinguir dois tipos de pontos z. A órbita de z por Tc pode ser estável se ele permanece em uma parte limitada do plano, ou, instável no caso contrário. O conjunto dos z cuja órbita é estável é chamado de conjunto de Julia cheio com a transformação Tc. Compreender a estrutura desses conjuntos de Julia e a maneira como eles variam quando c varia é um problema importante da teoria de sistemas dinâmicos holomorfos. Como primeiro passo, Adrien Douady nos mostra alguns exemplos do conjunto de Julia para diversos valores de c . Alguns têm nomes exóticos como coelho (você vê suas orelhas?) para c=- 0.12+0.77i. Cliquem na imagem para um filme. Sabe-se a partir do início do século XX que um conjunto de Julia cheio pode ser de dois tipos. Pode ser, como mostram os exemplos acima, contido numa única região, conexo, como se diz em matemática, ou pode ser totalmente descontínuo, composto de um número infinito de pedaços divididos, cada um deles sendo internamente vazio, o que significa que, claro, não se pode vê-lo num desenho! Daí, existem valores de c para os quais se vê o conjunto de Julia e outros para os quais não é possível vê-los (mesmo que estejam presentes). Todos os valores de c para as quais podemos ver o conjunto de Julia (para os quais o conjunto de Julia é conexo) é chamado conjunto de Mandelbrot, para prestar homenagem ao Benoît Mandelbrot, seu inventor. Adrien Douady trabalhou muito para entender este conjunto; ajudou, por exemplo, a mostrar que ele é, de fato, conexo e que teria realmente gostado (como muitos outros) de mostrar que é localmente conexo… O final do capítulo é dedicado a um mergulho no conjunto de Mandelbrot, mergulho profundo pois o fator de expansão é de cerca de duzentos bilhões! Você pode ver esta cena de duas formas. Olhando e admirando: isto é o suficiente porque é bonito ! Mas você também pode fazer algumas perguntas ... Por exemplo, qual é o significado das cores? Um teorema antigo diz que o conjunto de Julia de Tc não é conexo, em outras palavras, se diz que c não está no conjunto de Mandelbrot, se e somente se a órbita de 0 por Tc for instável. Para um dado valor de c, se pode, portanto, tomar a órbita de z=0 para Tc e observar o seu comportamento para os grandes valores de n. Se zn
  • 33. tornar-se rapidamente muito grande, é que c não está no conjunto de Mandelbrot e até mesmo que está bastante longe. Se a sequência zn tende ao infinito, mas mais lentamente, o ponto c também não está no conjunto de Mandelbrot, mas está um pouco mais perto. A cor com a qual se colore o ponto c depende da velocidade de vôo para o infinito da órbita zn, mostrando assim a "proximidade" com o conjunto de Mandelbrot. Se, pelo contrário, zn mantém-se numa área limitada, então, c está no conjunto de Mandelbrot e é colorido de preto. Cliquem na imagem para um filme. O conjunto de Mandelbrot na figura acima foi colorida, desta forma, mas há dezenas de métodos. No filme, foi utilizado o método chamado "desigualdade do triângulo": quando o módulo zn se tornar maior que um certo valor, calculam-se os módulos A=|zn-zn-2|, B=|zn-zn-1| e C=|zn-1-zn-2|. A/(B+C) dando sempre um resultado entre 0 e 1, e se utiliza esse resultado para indicar a posição em relação a uma gama de cores. Porque em alguns momentos tem-se a impressão de ver aparecerem cópias pretas pequeninas do conjunto de Mandelbrot? Isto é muito mais difícil de explicar e é uma das importantes descobertas de Adrien Douady: o conjunto de Mandelbrot possue propriedades de autosemelhança: uma característica frequente dos conjuntos fractais. Para compreender tudo isto, ver por exemplo, esta página (em inglês). Capitulos 7 e 8 : A fibração O matemático Heinz Hopf descreve sua "fibração". Graças aos números complexos constrói arranjos bonitos de círculos no espaço. 1. Heinz Hopf e a topologia A topologia é a ciência que estuda as deformações. Por exemplo, a caneca e a bóia aqui à direita são certamente dois objetos diferentes, mas pode-se passar de um a outro por uma deformação contínua que não introduz nenhuma ruptura: o matemático diz que a caneca e a bóia são homeomorfas (mesma forma). E um topólogo, é uma pessoa que não distingue a sua caneca de café de uma rosquinha. Aí ainda, a teoria foi estudada muito tempo antes de chegar à estatura de uma disciplina autônoma, com a sua própria problemática e os seus métodos originais, frequentemente por natureza, qualitativos. Mesmo tendo antecessores famosos (como Euler, Riemann, Listing ou Tait),), considera-se frequentemente que foi Henri
  • 34. Poincaré que lançou as bases sólidas da topologia (que se chamava analysis situs). O nosso apresentador, Heinz Hopf (1894-1971), foi um do seus seguidores mais notáveis, na primeira metade do século vinte. 2. A esfera S3 em C2 Vimos que a esfera S3 de raio unitário no espaço de dimensão 4 é o conjunto dos pontos à distancia de uma unidade da origem. Se se tomam quatro coordenadas reais x1, y1, x2, y2 neste espaço, a equação desta esfera é: x1 2 + y1 2 + x2 2 + y2 2 = 1. Mas se pode pensar em (x1, y1) como um número complexo z1 = x1 + i y1 e em (x2, y2) como o número complexo z2 = x2 + i y2, e a esfera S3 pode então ser pensada como o conjunto de pares de números complexos (z1, z2) tais que. |z1|2 + |z2|2 = 1. Em outros termos, a esfera S3 pode ser considerada como a esfera unitária no plano de dimensão 2 complexo. Por analogia, mas apenas por analogia, pode-se então desenhar a esfera S3 como um círculo num plano, mas é necessário tomar cuidado com o fato de que este plano é complexo, que cada um das suas coordenadas z1 e z2 é um número complexo. O eixo z2=0, por exemplo, é uma reta complexa, por conseguinte um plano real, e encontra a esfera S3 no conjunto dos pontos (z1, 0) tais que |z1|2 = 1, em outros termos sobre um círculo S1. A mesma coisa é verdadeira para o eixo z1 = 0 mas também para todas as retas que passam pela origem, cuja equação é da forma z2 = a.z1, onde a é um número complexo. Assim cada número complexo a define uma reta complexa z2 = a.z1 que corta a esfera S3 em um círculo. Tem-se então um círculo em S3 para cada número complexo a. De resto, o eixo z1 = 0 não tem uma equação desta forma, mas pode-se dizer que isto corresponde ao caso onde a é infinito (o eixo vertical não é uma reta de inclinação infinita?). A esfera S3 é então preenchida por círculos, um para cada ponto de S2, isto é, para cada número complexo a (que pode ser infinito). Dois destes círculos não se encontram para valores de a diferentes. É esta decomposição da esfera de dimensão 3 em círculos que se chama fibração de Hopf. Cliquez l'image pour un film.
  • 35. Recordem que se X e Y são dois conjuntos, uma aplicação f de X para Y, frequentemente anotada como f : X→ Y, é uma regra que permite associar a cada ponto x de X um ponto f(x) em Y. Por exemplo, pode-se considerar a aplicação de Hopf f : S3 → S2 que associa ao ponto (z1, z2) de S3 o ponto z2/z1 de S2 . Isto precisa de duas explicações: Em primeiro lugar, um ponto de S3 é um ponto do plano de dimensão complexa 2, e pode ser descrito por dois números complexos (z1, z2). Em seguida, vimos, por projeção estereográfica, que se se associar um ponto infinito a um plano, se obtém uma esfera S2 . E certamente, o número complexo z2/z1 só é bem definido quando z1 não for nulo e se for nulo convenciona-se que z2/z1 é o ponto no infinito, de modo que z2/z1 define bem um ponto de S2 . Para cada ponto a de S2 , o conjunto dos pontos de S3 cuja imagem por f é o ponto a (isto é, a imagem inversa de a), que se chama a fibra acima de a, é um círculo de S3 . Qual é a ligação com a explicação precedente: simplesmente que todos os pontos de uma reta z2 = a.z1 são tais que z2/z1 é constante (certamente dado que seja igual a a!). 3. A fibração O filme propõe de início observar de perto esta "fibração". Para cada a, temos um círculo em S3 . Como visualizá-lo? Por projeção estereográfica certamente! Projeta-se a esfera S3 sobre o espaço de dimensão 3 tangente ao pólo oposto da projeção. Esta projeção é um círculo no espaço, que pode ser admirado (recordem-se dos lagartos!). Certamente, pode acontecer que o círculo de S3 passe pelo pólo norte e então a sua projeção estereográfica é uma reta (isto é, um círculo ao qual falta um ponto… que foi para o infinito!).
  • 36. Várias sequências ilustram a fibração: Em primeiro lugar, mostra-se só um círculo de Hopf, associado a um valor de a. Este ponto a se desloca na esfera S2 (lembrem-se, a reta complexa mais um ponto no infinito) e vê-se o círculo que se desloca no espaço e que se torna uma reta de vez em quando, quando a passa pelo ponto no infinito. Depois, mostra-se dois círculos de Hopf, associados à dois valores de a, que se deslocam igualmente. Na parte inferior da tela, vêem-se os dois pontos a que se deslocam e simultâneamente, os dois círculos. É aí, que se constata que os dois círculos são entrelaçados, como dois elos de uma corrente. Não se pode separá-los sem quebrá-los. E novamente, mostram-se três círculos de Hopf para três valores de a que descrevem uma coreografia… Os círculos se afastam, se aproximam… Cliquem na imagem à esquerda para um filme. Por último, se mostram muitos círculos de Hopf ao mesmo tempo. Valores de a são escolhidos aleatoriamente e desenham-se os círculos correspondentes que aparecem gradualmente. Pode-se assim "ver" que o espaço é preenchido pelos círculos e que estes círculos não se cruzam entre si. E também, se compreende a origem da palavra "fibração": todos os círculos se dispoem como as fibras de um tecido: localmente, são bem organizados como um pacote de espaguete. Este conceito de fibração, do qual o protótipo é a aplicação de Hopf, tornou-se central em topologia e física matemática. Certas fibrações são bem mais complicadas, sobre espaços de dimensões bem mais elevadas, mas é bem útil ter uma visão clara deste exemplo histórico! Pensar no plano real como uma reta complexa é útil, mas pensar num espaço de dimensão real 4 como um plano de dimensão complexa 2 é mais ainda! 4. A fibração ... continuação Ver no filme: Capítulo 8: Fibração, sequência.
  • 37. Para melhor compreender a fibração de Hopf f : S3 → S2 pode-se considerar uma paralelo p de "imagem inversa" de p para f, isto é, o conjunto dos pontos de S3 cuja imagem, por f, é p. Uma v inversa de cada ponto de S2 (cada fibra) é um círculo de Hopf e que uma paralela é também um inversa de p é varrida por uma família de círculos que depende ela própria de um parâmetro pertenc então uma superfície em S3 da qual o filme mostra a projeção estereográfica no espaço de dimensão Quando o paralelo está muito próximo de um pólo de S2 e que é então um círculo muito pequeno, a p é um pequeno tubo, na vizinhança da fibra acima deste pólo. Quando o paralelo cresce progressiv Equador, em seguida diminui de novo para se aproximar finalmente do pólo oposto, o tubo engrossa em seguida diminui de novo e termina por ser um tubo muito fino. Estes tubos são toros em S3 mas senão através das suas projeções no espaço de dimensão 3, de tal forma que não parecem m quando passam perto do pólo norte da esfera S3 . Cliquem na imagem à esquerda para um filme. Estritamente falando, um toro é a superfície de revolução no espaço obtido fazendo girar um círculo ao redor de um eixo que está no seu plano. Um ponto do toro tem duas coordenadas angulares: uma para descrever a posição sobre o círculo e outra para exprimir o ângulo que se fez ao girar o círculo. Notar-se-á analogia com a longitude e a latitude. Seres que vivessem sobre o toro (e não sobre uma esfera, como a nossa Terra) também teriam inventado idéias de meridianos, paralelos, de longitude e latitude. De fato, os topólogos chamam frequentemente “toro" uma superfície que é "homeomorfa" a um toro de revolução, como uma caneca de café, por exemplo! Por isto que quando querem falar de um toro obtido fazendo girar um círculo, precisam dizer toro de revolução. Sobre um toro de revolução, vêem-se claramente duas famílias de círculos: os meridianos (em azul) e os paralelos (em vermelho). Agora, é um pouco mais difícil distinguir os meridianos dos paralelos. No caso da esfera, era fácil: todos os meridianos passam pelos pólos, mas sobre o toro de revolução, não há pólos! Então, convencionou-se (mas isto é uma convenção) chamar de "méridianos" os círculos azuis porque eles se obtêm cortando os planos que contêm o eixo de simetria de revolução do toro, e chamar de "paralelos" os círculos vermelhos porque estão em planos paralelos perpendiculares a este eixo. Uma pequena maravilha da geometria é que é possível traçar muitos outros círculos sobre um toro de revolução… Este capítulo explica como construí-los. Lembrem-se da fórmula que exprime a projeção de Hopf. Em termos das coordenadas complexas, envia (z1, z2) sobre o ponto a=z2/z1 considerado como um ponto de S2. Fixar um paralelo p em S2, é fixar o módulo de um número complexo, de modo que a imagem recíproca de um paralelo é descrita por uma
  • 38. equação da forma |z2/z1|= constante. Escolhamos por exemplo 1 para esta constante de modo que z1 e z2 tenham o mesmo módulo. Mas não esqueçamos que |z1|2 + |z2|2 = 1, de modo que os módulos de z1 e de z2 sejam ambos iguais à √2/2. Assim, a imagem inversa deste paralelo é constituída de (z1, z2) onde z1 e z2 são escolhidos arbitrariamente sobre o círculo centrado na origem e de raio √2/2. Vê-se, então, que a superfície imagem inversa do paralelo é parametrizada por dois ângulos: é então um toro, como o vemos no filme. Se se fixar z1, obtém-se um círculo em S3 , e se se fixar z2 obtém-se outro círculo, mas não é possível para um toro de dimensão 4 distinguir entre paralelos e meridianos. Quando se projeta estereograficamente este toro em um espaço de dimensão 3 a partir do pólo norte, de coordenadas (0,1), não é difícil verificar que a projeção do toro não é apenas homeomorfa a um toro mas que se trata com efeito de um toro de revolução. Revolução em redor de qual eixo? Simplesmente em redor da projeção estereográfica do círculo de Hopf que passa pelo pólo norte; esta projeção é efetivamente uma reta! Vemos então como um toro de revolução pode ser interpretado como a imagem inversa de um paralelo pela aplicação de Hopf. Eis uma consequência desta interpretação: para cada ponto do paralelo p de S2 escolhido, o círculo de Hopf correspondente está, certamente, contido neste toro de revolução. Acabamos então de encontrar outros círculos sobre um toro de revolução… Eis aqui algumas fórmulas. Considera-se então o toro de revolução no espaço que é obtido projetando |z1| = √2/2 ; |z2| = √2/2 a partir do pólo norte (0,1) Consideremos em seguida as aplicações que enviam (z1, z2) em (ω.z1, z2) onde ω descreve o círculo dos números complexos de módulo 1. Notem que elas preservam a esfera S3 dado que os módulos de z1 e de z2 são preservados. Notem igualmente que estas aplicações deixam fixos os pontos da forma (0,z2). Trata-se, com efeito, de rotações em um espaço de dimensão 4 "em volta" da reta complexa de equação z1 = 0. Como esta reta passa pelo pólo de projeção (0,1), a sua projeção estereográfica não é um círculo mas uma reta. Via projeção estereográfica, estas aplicações (dependente do parâmetro ω) definem tão somente as rotações do nosso espaço ao redor de uma reta. Mas certamente, estas transformações preservam também o toro de revolução que examinamos tão bem de modo que a reta z1 = 0 corresponda ao eixo de revolução do toro!
  • 39. Por conseguinte, o paralelo que passa por (z1, z2) é o conjunto dos pontos da forma (ω.z1, z2) onde ω descreve o círculo dos números complexos de módulo 1. Poder-se- ia também ver que o meridiano que passa por (z1, z2) é o conjunto dos pontos da forma (z1, ω.z2 O círculo de Hopf que passa por (z1, z2 ) é o conjunto dos pontos da forma (ω.z1, ω.z2) (notem que se se multiplicam z1 e z2 por ω, não se altera z2/z1 de modo que todos os pontos têm efetivamente a mesma imagem por f: são da mesma fibra). Não paremos em tão bom caminho: para cada ponto (z1, z2) pode-se também considerar o círculo “simétrico" de pontos da forma (ω. z1, ω-1. z2) que nos faz um quarto do círculo traçado sobre toro de revolução. Acabamos de demonstrar que para cada ponto de um toro de revolução é possível fazer passar quatro círculos: um meridiano, um paralelo, um círculo de Hopf e o simétrico de um círculo de Hopf. Este fato era conhecido há muito tempo. Em geral, fala-se dos círculos de Villarceau, do nome de um matemático do décimo nono século. Mas, o leitor já terá compreendido, é bem raro que em matemática um teorema seja devido àquele que lhe deu o nome, pois o processo de criação-assimilação é longo e complexo. Uma escada do museu da catedral de Estrasburgo, datando do século XVI mostra que não foi necessário esperar Villarceau para que os escultores soubessem recortar círculos sobre toros!
  • 40. A segunda parte deste capítulo mostra os círculos de Villarceau, de uma maneira independente da fibração de Hopf. Partindo de um toro de revolução, corte-o por um plano bitangente para constatar que a secção é constituída de dois círculos. Como mostrá-lo? É possível escrever equações e calcular… é possível, (ver aqui) mas pouco esclarecedor. Mas a geometria algébrica permite demonstrá-lo de maneira grandiosa, quase sem cálculo, com a condição de utilizar conceitos como os "pontos cíclicos". São pontos que além de estarem no infinito, são imaginários! Vocês podem vê- los com a imaginação no infinito! Para uma prova do teorema de Villarceau com este tipo de idéias, ver este artigo. Partindo de uma superfície no espaço de dimensão 3, pode-se considerá-la como uma superfície de S3, juntando a ela um ponto no infinito. Dado que S3 é um esfera unitária no espaço de dimensão 4, pode-se fazê-la girar por rotações quadri-dimensionais para em seguida projetá-la de novo estereograficamente no espaço de dimensão 3! Obtém-se outra superfície que se assemelha à primeira mas que é diferente! Se se partir de um toro de revolução, as superfícies assim obtidas são chamadas cíclides de Dupin e foram muito estudadas no século XIX. Dado que a projeção estereográfica transforma os círculos que não passam pelo pólo em círculos, a existência de quatro famílias de círculos sobre toros de revolução mostra que existem igualmente quatro famílias de círculos sobre as cíclides… Tomado um toro de revolução no espaço de dimensão 3, visto como uma superfície em S3 que se faz girar progressivamente no espaço de dimensão 4, observada pela projeção estereográfica, vê-se um filme no qual uma cíclide de Dupin deforma-se pouco a pouco, e explode num certo momento quando passa pelo pólo de projeção, retornando, em seguida, ao seu ponto de partida. Mas poderá observar que os meridianos transformaram-se em paralelos e reciprocamente! e que a face interna do toro tornou-se a face externa! Cliquem na imagem à esquerda para um filme. A geometria dos círculos no espaço é magnífica. Leva muitas vezes o nome de geometria analagmática. Haveria muito a dizer e mostrar!
  • 41. 5. Hopf e a homotopia Para terminar esta página, eis algumas indicações rápidas sobre as motivações de Hopf, das quais não se fala, infelizmente, no filme. Em topologia, consideram-se frequentemente as aplicações entre espaços topológicos X e Y. Não daremos a definição aqui, mas poderá se pensar, por exemplo, que X e Y são esferas de dimensão n e p. Certamente, só discutimos até o momento, esferas de dimensão 0,1,2 e 3 mas saibam que a história não pára aí… Certamente, não haveria grande interesse em estudar quaisquer aplicações e, por isso, se concentra nas aplicações contínuas, isto é, naquelas tais que o ponto f(x) não varia muito se x varia pouquinho. Por exemplo, a aplicação que associa a um número real x o número +1 se x não é nulo e -1 se x é nulo não é contínua pois ela "salta" quando passa por 0. Mas a aplicação que associa a cada número x o seu quadrado x2 é contínua: se alterar um pouco o número altera-se pouco o seu quadrado. Um dos problemas fundamentais em topologia consiste então em compreender as aplicações contínuas entre espaços topológicos, por exemplo, entre esferas. Com efeito, o topólogo é menos exigente: procura compreender homotopias. Ainda uma palavra complicada que significa uma coisa simples! Suponham que se dispõe de duas aplicações f0 e f1 contínuas da esfera Sn na esfera Sp . Diz-se que f0 e f1 são homotópicas se for possível deformar a primeira transformando-a na segunda. Em outras palavras, isso significa que existe uma família de aplicações ft que depende de um parâmetro t, que é um número compreendido entre 0 e 1 e que conecta f0 e f1. Ainda mais precisamente, isso significa que se pode associar a cada x de Sn e a cada número t compreendido entre 0 e o 1 um ponto ft(x) que seja uma função contínua de x e de t de modo que para t=0 tenha-se f0 e para t=1 tenha-se f1. Eis um exemplo. Uma aplicação f : S1 → S2 é nada mais que uma curva fechada traçada sobre a esfera de dimensão 2 . A aplicação f0 por exemplo poderia ser a que envia todos os pontos x de S1 ao polo norte: isto é o que se chama de uma aplicação constante. Quanto à aplicação f1, poderia ser por exemplo a que envia o círculo S1 sobre o Equador de S2 . Dizer que estas duas aplicações são homotópicas, é dizer que se pode deformar progressivamente o Equador para transformá-lo no pólo norte. É isto que se vê sobre a imagem à direita. De fato, é o que ocorre sempre neste caso: duas aplicações quaisquer de S1 em S2 são sempre homotópicas. O topólogo diz que todas as curvas traçadas sobre a esfera S2 são homotópicas às curvas constantes, ou ainda que S2 é simplesmente conexa. Também não seria difícil assegurar que a mesma coisa é verdadeira para as esferas Sp , de todas as dimensões superiores ou iguais a dois (olhem também esta página). Uma aplicação entre S1 e S1 consiste em transformar cada ponto do círculo em um outro ponto do círculo, isto é, enrolar um círculo sobre um círculo. Tal aplicação tem um grau: que é simplesmente o número de voltas que ele faz. Por exemplo, a aplicação constante não gira de forma alguma: o seu grau é 0 . A aplicação identidade que envia todo ponto sobre ele mesmo, faz uma volta : o seu grau é 1. A aplicação que envia todo número complexo de módulo 1 sobre o seu quadrado duplica o argumento. Se se faz uma vez a volta do círculo, o quadrado faz duas voltas: o seu grau é 2. Quando se deforma uma aplicação, não se altera o seu grau (isto não é completamente evidente!), de tal modo que existem aplicações de S1 em S1 que não são homotópicas a aplicações constantes… É ligeiramente mais difícil ver que duas aplicações de mesmo grau são deformáveis entre si.
  • 42. Mas quais são as aplicações entre S2 e S2 ? É análogo ao caso de S1 em S1 : pode-se também definir um grau, mesmo se não se trata de contar o "número de voltas" : trata-se agora de contar quantos vezes a imagem de f "recobre" a esfera e isto não é fácil de definir. O exemplo mais simples é da identidade: a aplicação que associa a qualquer ponto ele mesmo: o seu grau é 1. Duvida-se efetivamente que não seja possível deformar a identidade da esfera S2 para torná-la constante, sem rasgar a esfera. Mas ainda é necessário demonstrar! A surpresa veio quando em 1931, Heinz Hopf mostrou que certas aplicações de S3 em S2 não podiam ser deformadas continuamente em aplicações constantes. O seu exemplo é certamente a fibração de Hopf que acabamos de encontrar. Este exemplo é cada vez mais importante em matemática e, também em física. A propriedade que duas fibras são entrelaçadas implica que é impossível deformar a aplicação de Hopf f: S3→ S2 numa aplicação constante. Seriam necessárias muitas explicações para dar uma justificativa convincente! Ver este livro para uma exposição completa mas difícil ou mesmo o artigo original de Hopf para uma prova e muito mais detalhes. O que se sabe das aplicações entre Sn e Sp com valores quaisquer de n e de p? Sabe-se muita coisa, mas está longe de se saber tudo: as "classes de homotopia das aplicações entre esferas" permanecem um mistério! Esta "fibração de Hopf" é uma das contribuições de Heinz Hopf. Ele marcou profundamente a matemática do século vinte. Capítulo 9 : Prova O matemátco Bernhard Rieman explica a importância das demonstrações em matemática. Ele demonstra um teorema sobre a projeção estereográfica. 1. A herança de Euclides Este capítulo é um pouco especial... Poderia, de fato, ter sido visto depois do primeiro capítulo, mas pode-se também vê-lo de maneira independente do resto. Um bônus de qualquer forma ! O objetivo é explicar com um exemplo como as demonstrações estão nos corações dos matemáticos.
  • 43. Os matemáticos são gratos a Euclides por ter definido claramente as regras do jogo matemático. Talvez não se deva nenhum resultado especial a Euclides mas ele teve o gênio de propor um método para a matemática, compilando um dos maiores textos matemáticos de todo os tempos: os Elementos. Este livro permaneceu uma referência incontestável durante quase 2000 anos! A originalidade do livro está na sua estrutura. Todos os enunciados, teoremas, proposições etc. dele são justificados completamente se apoiando sobre enunciados demonstrados anteriormente. Mas Euclides compreendeu bem que não se podia sempre demonstrar a partir de resultados precedentes: é necessário começar por algo (a menos que se escreva um livro de comprimento infinito!). É, então, importante no início do livro pôr-se de acordo sobre diversos fatos que se pede aos leitores para aceitarem sem prova. Estes enunciados são chamados axiomas ou postulados. A idéia de Euclides foi, então, começar por uma lista de axiomas e em seguida construir um edifício onde cada pedra descansa firmemente sobre as precedentes. Pode-se consultar uma das versões antigas aqui e os comentários lá. Todos os enunciados, exceto os axiomas, devem então ser demonstrados: trata-se de explicar porque são verdadeiros e, para fazê-lo, pode-se lançar mão das regras da lógica e dos enunciados que já foram demonstrados ou dos axiomas que foram fixados no início. É o método axiomático. Certamente, não se podem escolher quaisquer enunciados como axiomas; por exemplo, não é possível escolher como axiomas dois enunciados contraditórios! A escolha dos axiomas não é fácil. A não contradição seria suficiente? É evidente que a geometria que se ensina na escola, por exemplo, deve conter teoremas que são "verdadeiros" na realidade, de modo que os axiomas escolhidos devem ser em função da realidade física. Mas os matemáticos podem perfeitamente satisfazer-se de sistemas de axiomas não contraditórios mesmo que não sejam fisicamente verdadeiros. Um exemplo clássico é o da geometria não euclidiana que, como o seu nome indica, tem parte dos axiomas diferentes dos de Euclides mas que é tão sólida quanto a geometria euclidiana, e cujos teoremas não sejam, talvez, válidos para a física. Haveria certamente muito a dizer sobre este método axiomático. 2. Um teorema Para ilustrar como funciona uma demonstração matemática, escolhemos um teorema que não é fácil! e do qual se poderia duvidar a priori... Nós já o enunciamos no capítulo 1. Teorema : A projeção estereográfica transforma um círculo traçado sobre uma esfera, que não passa pelo pólo norte, em um círculo traçado no plano tangente ao pólo sul.
  • 44. Trata-se de um teorema muito antigo. Hiparco o conhecia? Será que ele o demonstrou? Difícil dizer. A idéia de considerar a esfera S2 como uma reta complexa à qual se associa um ponto no infinito frequentemente é atribuída a Bernhard Riemann (mesmo se for possível encontrá-la anteriormente…) : fala-se da esfera de Riemann. Este matemático é indiscutivelmente um dos mais criativos de todos os tempos e nos pareceu ser um personagem ideal para apresentar a demonstração deste teorema, a propósito de "sua" esfera! A obra de Riemann é genial: graças a ele, pensamos de modo diferente num grande número de conceitos matemáticos. Um exemplo apenas: ensinou-nos como pode ser útil pensar em uma curva algébrica no plano real, através da sua versão complexa no plano complexo, que se torna uma curva complexa, isto é uma superfície… É a teoria das superfícies de Riemann. Inútil lhes dizer que se trata, ainda, de uma das teorias mais bonitas. Trata-se então de demonstrar que a projeção de um círculo que não passa pelo pólo norte é um círculo. Se quiséssemos fazer uma demonstração completa, seria necessário começar por explicar os axiomas, e demonstrar tudo gradualmente, em uma ordem lógica. Isto seria difícil e, sobretudo, muito longo! Difícil porque a escolha dos axiomas é bem delicada e é necessário dizer que a escolha de Euclides deixaria ligeiramente a desejar (mas isto foi há 2300 anos). Uma escolha irrepreensível (até quando?) foi proposta por Hilbert no século vinte, mas não é fácil utilizar, sobretudo no ensino secundário (ver isto). No filme, é necessário então renunciar a uma axiomática completa e fazer "como se" demonstrássemos completamente este teorema, ainda que a nossa demonstração esteja sujeita a muitas críticas. Além disso, devemos supor que o espectador conhece já certos teoremas, como o teorema de Pitágoras, por exemplo, ou que já tenha compreendido uma demonstração.
  • 45. Mais do que comentar a demonstração do teorema apresentado por Riemann no filme, que nos parece clara (se necessário, ver este artigo antigo ou esta página), preferimos comentar seus defeitos! O objetivo não é certamente mostrar que esta demonstração não está correta! Trata-se, em contrapartida, de explicar que frequentemente uma demonstração contém um caráter implícito e que é raro se tratar de uma dedução lógica completa. Demonstrar um teorema, quer seja na prática do matemático ou na do aluno do nível secundário, é essencial convencer o interlocutor que o enunciado é verdadeiro. Acontece que se utilizam argumentos (às vezes implicitamente) sem justificação, por saber que o ouvinte, o leitor, ou o espectador seria capaz de justificá-lo por si próprio. Não esqueçamos que os matemáticos são seres humanos (!) e que a comunicação entre seres humanos não pode (ainda) ser inteiramente axiomatizada! Uma demonstração matemática pode ser escrita com todos os detalhes, mas é necessário dizer que bem rara são as pessoas que podem ler estas provas completas perfeitamente indigestas. Em contrapartida, a arte do matemático ou do professor é ser capaz de redigir ou apresentar uma demonstração que leve em conta a experiência matemática do seu interlocutor, que possa convencê-lo e que possa responder a todas as suas objeções. Quais são os “defeitos” e os “subentendidos” da prova apresentada? Eis alguns: - É evidente, por exemplo, que se pode sempre baixar uma perpendicular de um ponto sobre um plano? Foi demonstrado? - É evidente que uma reta unindo o pólo norte a um ponto do plano tangente no pólo sul encontre a esfera em um outro ponto? - A prova mostra que a projeção de um círculo está contida no círculo, mas mostra também que todo o círculo está nesta projeção? São apenas exemplos, que poderiam ser demonstrados rigorosamente, por certo, mas os destacamos para alertar o espectador contra os subentendidos que estão quase sempre presentes em todas as provas. O ideal da prova matemática completa é frequentemente inacessível mas o matemático deve ter consciência disso para evitar os erros. Por isto se beneficia frequentemente da experiência dos erros do passado. Certas demonstrações podem, hoje, ser verificadas por computador, mas isto não substituirá nunca o prazer vivo que experimenta o matemático ou o aluno quando compreende um teorema, isto é, quando compreende porque é verdadeiro. Este prazer, é frequentemente a verdadeira motivação dos matemáticos! Fazer matemática, é antes de tudo, demonstrar o que se afirma !