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PSICOLOGIA AMBIENTAL:
RECORTES DA VIDA
URBANA E DIREITO
À CIDADE
Privacidade, Territorialidade e Espaço pes-
soal
PSICOLOGIA AMBIENTAL
Diferenças de interação entre as pessoas
considerando o “status”
Apropriação
Pandemia e quarentena: mudanças nas re-
lações urbanas
Bem estar e sociedade
Referências
Espaço pessoal e territorialidade no meio
urbano
Ocupações urbanas por direito à cidade
Densidade física e social
ANÁLISE DA PSICOLOGIA
AMBIENTAL NO MEIO URBANO
13
25
25
17
27
14
23
16
19
21
CONCLUSÕES29
32
ÍNDICE
Multiplicação da diversidade e contatos so-
ciais em contrapatida com a concentração
em si e a indiferença para com o outro
O MEIO URBANO
Estressores ambientais
OPORTUNIDADES X PROBLEMAS URBANOS
Anomalias urbanas
Comportamentos adaptativos e teorias so-
bre o meio urbano
Sociedade acelerada
1
7
3
9
4
11
5
O MEIO
URBANO
	 A cidade ocidental, tal como a
conhecemos hoje, tem suas origens,
comodestacaHenriLefebvre,emseu
livro Direito à Cidade, na Revolução
Industrial do século XIX, momento
no qual houve uma alteração
significativa dos modos de viver,
trabalhar, se locomover e habitar.
As pequenas cidades camponesas
foram rapidamente substituídas por
grandes conglomerados de cidades
industriais periféricas ao núcleo
original ou então substituindo-o,
passando assim por uma transição
de uma sociedade capitalista
comercial e artesanal, para uma
sociedade capitalista concorrencial,
baseada na produção industrial em
larga escala. (Lefebvre, 1968)
	 Como destaca Lefebvre, a
industrialização e a urbanização
consistem em um processo dialético,
no qual o crescimento acelerado do
tecido urbano e de sua produção
econômica não necessariamente
representa um crescimento
01
qualitativo da urbanidade, das
possibilidades que a vida social
urbana dispõem, gerando uma
urbanização desurbanizante, no qual
a população citadina não possui
acesso pleno à fruição do meio
urbano.
	 Ao longo do século XX e início
do século XXI, essa disparidade
quantitativa entre o campo e as
cidades se acentuou ainda mais.
De acordo com estudo desenvolvido
pela ONU (Organização das Nações
Unidas), 55% da população mundial
vive em áreas urbanas, e até 2050,
espera-se que esse número passe
dos 70%. Esse número progride à
medida que a cidade é vista como um
mar de oportunidades profissionais,
educacionais e de lazer, atraindo
mais e mais pessoas para tais centros
urbanos.
	 Como destaca Frederica
Gomes em sua dissertação acerca da
Diversidadedegrupos,características
físico-espaciais e apropriação,
sabemos que o espaço urbano é
formado através de diversos fatores,
políticos, econômicos e sociais.
Dentre estes fatores, a migração,
muito comum no território Brasileiro,
influencia de forma significante o
45
30
55
70
2020 2050
PORCENTAGEM%
PPOOPPUULLAAÇÇÃÃOO MMUUNNDDIIAALL
RURAL URBANA
crescimento e o desenvolvimento das
cidade, para as quais muitas pessoas
migram em busca oportunidades de
emprego e de uma melhor qualidade
de vida.
	 Esse aspecto cosmopolita, que
brilha aos olhos quando se pensa
na vida citadina, e que influencia
muitos à migrarem, contrasta com
a hostilidade, criminalidade e
inúmeros problemas advindos desses
aglomerados urbanos.
A	 demais, esse crescimento
acelerado dos grandes centros
urbanos resulta em um processo
de formação das cidades na qual o
indivíduo é forçado a se adequar ao
meio em que está inserido, habitando
locais acessíveis aos seus limites
econômicos, muitas vezes distantes
de seus locais de trabalho. Essa
formação se dá de maneira informal
e gradual, derivada da luta e do
trabalho individual de cada um dos
citadinos, e é essa construção diária
que resulta nas divisões espaciais
com as quais nos deparamos no meio
urbano, seus distritos e seus bairros,
assim como em seus sistemas sociais,
econômicos e políticos. (Gomes,
2006)
	 Diversos estudos realizados
acerca do cotidiano nas cidades nas
últimas décadas destacam aspectos
provenientes dessa nova realidade,
a qual, ao passo que permite uma
liberdadenuncaantesexperimentada
e um mar de possibilidades, submete
o indivíduo à uma sociedade e à um
modo de vida demasiado acelerado
e preenchido de estressores
ambientais, os quais serão tratados
ao longo deste trabalho.
02
OPORTUNIDADES
X
PROBLEMAS
03
URBANOS 	 Tendo em vista as condições da
sociedade urbana atual, percebe-se
uma alteração das relações sociais
ali vividas. Ao passo que em cidades
pequenas o número de pessoas
com quem interagimos é reduzido
e normalmente consiste de pessoas
conhecidas, nas cidades médias e
grandes cruzamos e interagimos com
uma quantidade muito grande de
indivíduos, poucos deles familiares
para nós. As consequências desse
anonimato podem ser tanto positivas
quanto negativas.
	 Por um lado, ser apenas mais
um em mar de anônimos permite aos
indivíduos a liberdade de assumirem
a personalidade que desejarem, sem
a preocupação com os julgamentos
alheios. Permite também o encontro
com seu semelhante e a formação
de grupos sociais baseados em
características comuns. Como
destaca Moser (1998), ao passo que
nas cidades pequenas as relações
são de longa duração - normalmente
com familiares e amigos de infância
- nos grandes centros urbanos,
onde o número de interações e a
possibilidade de escolha é maior,
a tendência é que as relações
sejam mais recentes e se dêem
mais por questões de afinidade e
semelhanças. Possibilita ainda que
os indivíduos possuam diferentes
teias relacionais, derivadas dos
diversos territórios que ocupa na
cidade.
	 Por outro lado, ser apenas
mais um em um mar de anônimos
condiciona o indivíduo à relações
mais rasas e superficiais com os
que o cercam. Esse fator dificulta
a integração de novos moradores,
uma vez que os citadinos se
mostram abertos apenas com
aqueles que conformam suas
redes sociais, tratando os demais
de forma fria e distante. Esse
“distanciamento intencional” acaba
muitas vezes por transformar os
grandes conglomerados urbanos em
ambientes hostis e pouco receptivos.
(MOSER, 1998)
	 Nota-se como consequência
também a redução da sensação de
responsabilidade coletiva, tanto com
o ambiente quanto com os outros
indivíduos ao seu redor, fato que será
abordado mais a frente, fazendo
com que o citadino tenha pouca
solicitude no auxílio ao próximo e
pouco envolvimento com questões
políticas locais. (MOSER, 1998)
MULTIPLICAÇÃO DA DIVERSIDADE E
CONTATOS SOCIAIS EM CONTRAPARTIDA
COM A CONCENTRAÇÃO EM SI E A
INDIFERENÇA PARA COM O OUTRO
04
SOCIEDADE ACELERADA
SOCIEDADE DOENTE ?
	 Outro aspecto característico
da vida contemporânea nos grandes
centros urbanos é a alteração da
percepção do tempo e a instauração
de uma sociedade com estilo de vida
acelerado. Vivemos absortos em um
mundo no qual o tempo, o passar das
horas e dos dias, é regido pela ânsia
da produtividade. Tempo equivale
à dinheiro, ao capital, à produção,
ao ter e ao acumular. O ócio, o
tempo “improdutivo”, equivale a
ausência de uma ação intencionada
e ao desperdício dos recursos acima
citados. Estamos todos correndo
uma corrida descompassada contra
nós mesmos, com fins que muitas
vezes nem sabemos quais são.
Agir, produzir, consumir, descartar,
recomeçar.
OPORTUNIDADES
X
PROBLEMAS
URBANOS
05
	 A rotina nas grandes cidades é
pautada pelos deslocamentos casa-
trabalho, trabalho-casa, em meios
de transporte coletivo lotados, ou
então em automóveis individuais
trancafiados no trânsito. As pausas
para as refeições são curtas pois
precisa-se voltar à produzir. As
noites, após longos dias de trabalho o
indivíduo se vê cansado, procurando
formas de lazer alienantes. Os
momentos de lazer e a convivência
com o próximo são esporádicos.
	 Essa aceleração da rotina e as
incalculáveis demandas nos colocam
em um estado de tensão constante,
todos os dias, todas as semanas,
todos os meses e todos os anos.
Sempre com a sensação de falta de
tempo, o tempo passa sem que o
indivíduo se dê conta, absorto que
está no processo de produzir por
produzir.
	 Não apenas no âmbito
profissional, mas em todos os
demais aspectos da vida cotidiana
o indivíduo se vê aprisionado ao
movimento constante, a necessidade
de eficiência em tudo que faz,
sujeito à uma sociedade hiperativa
que acelera o ritmo natural da vida
(BRITO, 2000).
	 Aimersãonasnovastecnologias
intensificatalpercepçãodaaceleração
do tempo. Redes sociais que nos
soterram com uma quantidade
de informações nunca antes vista.
Reportagens, notícia, cursos, tudo
disponível com o movimento de nosso
polegar. Inúmeros estilos de vida
que podemos ter, de atividades que
podemos fazer, lugares que podemos
visitar, performances que devemos
executar. E o tempo passa sem que
possamos acompanhar, submersos
em um ideal do que devemos ser,
fazer e ter.
	 Estafa, ansiedade, estresse,
síndrome de burnout se tornaram
patologias corriqueiras, sintomas
comuns de uma sociedade que
não pára para viver o agora.
Levantamentos realizados pela
Organização Mundial da Saúde
(OMS) em 2020 demonstram que
cerca de 33% da população mundial
sofrem de episódios de ansiedade,
e que o Brasil representa o país
com a maior taxa de ocorrência de
transtornos de ansiedade, chegando
a 9,3% da população do país. Quanto
à depressão, 5,8% da população
brasileira encontra-se afetada,
representando o quinto país com a
maior incidência da doença.
	 Agrega-se ao estilo de vida
acelerado das metrópoles brasileiras,
diversos outros fatores de risco para o
desenvolvimento dessas patologias,
tais como a situação econômica do
país, a alta taxa de desemprego, a
desigualdade social e os altos níveis
de pobreza. (BRITO, 2000).
	 Apesar do tempo cronológico
permanecer o mesmo, as altas
demandas e os incessantes estímulos
aos quais estamos sujeitos nas
grandes cidades alterou nossa
percepção do passar do mesmo.
Somam-se à essa rotina incessante
diversos aspectos físicos das grandes
cidades que configuram estressores
ambientais presentes na situação
atual do cotidiano da população, os
quais serão abordados a seguir.
06
ESTRESSORES AMBIENTAIS
	 Entre as causas de estresse
urbano, Moser (1998) aponta 4
fatores ambientais que colaboram
para a criação de uma cidade
desgastante, classificados pela sua
constância e intensidade, são eles: o
barulho, a temperatura, a poluição e
a densidade.
BARULHO
	 O incômodo causado pelo
barulho depende do seu volume,
previsibilidade e possibilidade de
controle, sendo 40 db considerado
tranquilo, até 70 db moderado e
a partir do 90 db já caracterizado
como um nível torturante ao ouvido
humano. Existem diversos estudos
que comprovam sua relação com
a saúde mental, qualidade de
vida, atenção e consequentemente
desempenho intelectual. Um
experimento conceituado de Bronzaft
e McCarthy (1975 apud Moser 1998)
utilizou a mesma escola e salas de
aula expostas a níveis diferentes de
ruídos para comprovar sua hipótese,
o resultado foi que crianças na sala
de aula voltada para o lado do trilho
do trem tinham desempenho escolar
e de leitura menor do que crianças
com a sala voltada para uma área
mais calma.
TEMPERATURA
	 Já a temperatura apresenta
certas variáveis. Estudos mostram
que, mesmo a exposição prolongada
trazendo riscos de doenças
cardiovasculares, ansiedade e
desidratação, esse perigo se
dissolve em pessoas que vivem
ou sempre viveram no clima em
questão, trazendo o aspecto de
adaptabilidade.
07
OPORTUNIDADES
X
PROBLEMAS
URBANOS
POLUIÇÃO
	 O fator mais danoso apontado
por Moser é a poluição, situação
que pode causar danos fisiológicos
e psicológicos.. Esse fator se
mostra mais presente em grandes
metrópoles, como Los Angeles, Paris,
Xangai, Cairo e outras. Segundo
estudo publicado pela revista The
Lancet (2017), o Brasil ocupa a
posição 148ª com maior proporção
de mortes relacionadas à poluição,
onde a maioria das mortes foi
causada por doenças não infecciosas
ligadas à poluição, como infarto,
derrame e câncer de pulmão.
DENSIDADE
	 Milgram (1972 apud Moser
1998) mostra que, nos ambientes
urbanos superpovoados, as pessoas
são indiferentes umas com as outras
porque cada uma tende a isolar-se a
fim de se proteger de estimulações
ambientais excessivas. Trata-se de
uma estratégia de “ajustamento à
sobrecarga ambiental”.
	 Em resumo, todos esses fatores
associados tornam a cidade, além de
estressante do ponto de vista do bem-
estar, um local muitas vezes perigoso,
considerando os altos índices de
poluição e problemas urbanos que
colocam nossa saúde mental e
integridade física constantemente
em cheque. Soma-se a isso a reação,
quase que primitiva, de tentarmos
nos isolar para equilibrar e dissolver
todos esses estímulos degradantes.
08
09
OPORTUNIDADES
X
PROBLEMAS
URBANOS
	 Outros fatores urbanos
estressantes apontados por Moser
(1998) são as anomalias urbanas,
entre elas: a delinquência, o
vandalismo, a marginalidade, as
descortesias e a insegurança causada
pelo meio urbano.
	Esses fenômenos se
relacionam diretamente com a
densidade, a desigualdade urbana,
e a alta competitividade citadina.
Moser acrescenta ainda outro fator
primordial para a insegurança que
vivemos nas cidades: a indiferença
mútua e a falta de sensibilidade,
causada justamente pela anestesia
que os estímulos urbanos nos causam
diariamente. A grande densidade e
os fatores citados anteriormente são
os responsáveis por essa indiferença
perante ao outro e situações de
injustiça.
	 Moser fala sobre algumas
descortesias relacionadas ao
ambiente físico, como a degradação
e pichações, que essas anomalias
ocorrem justamente pelo indivíduo
não se sentir pertencente e sentir
necessidade de se apropriar ou
exercer controle sobre aquele espaço
de alguma forma, mesmo que ela se
configure como degradante.
Outro tópico interessante sobre 	 o
vandalismoéarelaçãodecausalidade
com o exemplo. Moser aponta que,
sinais de negligência estimulam a
falta de cuidado. Dá o exemplo das
pichações em muros, que, se não
tratadas no primeiro momento, já
fazem com que o muro passe uma
imagem de abandono e logo se torne
um espaço que atrai mais atitudes
de vandalismo.
	 Dentre todos os fatores, a
violência é a mais preocupante
e debatida no meio urbano e
governamental. O Brasil, de acordo
com relatório divulgado pelo ONU
em 2019, é o segundo país mais
violento da América do Sul, com
uma média de 30,5 assassinatos por
cada 100 mil habitantes.
	 Uma das principais expressões
de violência e desigualdade racial é a
concentraçãodeviolêncialetalcontra
a população negra. Jovens negros
aparecem como as principais vítimas
de homicídios do país, com taxas
crescentes, a medida que homicíos
relacionados a pessoas brancas
tem diminuído consideravelmente.
A insegurança urbana se dá nos
mais diversos níveis, em um cenário
diretamente influenciado pelos
privilégios econômicos, de raça e
gênero.
ANOMALIAS URBANAS
10
COMPORTAMENTOS ADAPTATIVOS:
TEORIAS SOBRE O URBANO
	 Diante de todos os aspectos
elencados acima acerca da realidade
dos conglomerados urbanos,
diversas teorias foram desenvolvidas
para tentar explicar a relação entre
o indivíduo e esse seu novo habitat,
tão diferente e tão mais cheio de
estímulos e estressores do que os
que o precederam.
	 Todas as teorias concordam
que as condições da vida
urbana provocam nas pessoas
um comportamento adaptativo
mais voltado para si mesmo e
consequentemente menos civilizado,
dando origem à um comportamento
psicológico típico urbano. Apesar de
concordarem quanto a necessidade
psicológica do indivíduo de adaptar-
se à esse novo habitat, os diferentes
modelos propostos discordam
acerca da influência do indivíduo
nesta relação. Quanto à esses
modelos urbanos, Moser (1998) e
Ramirez (2002) resumem alguns dos
principais modelos, os quais serão
abordados rapidamente aqui.
	 O Modelo da Ecologia Urbana,
desenvolvido por Fisher, é um dos
modelos mais difundidos e encara
a cidade como um sistema com
recursos econômicos e sociais
limitados, no qual as pessoas
devem se adaptar para sobreviver.
É uma visão anti urbana e vê o
ambiente como determinista, tendo
o indivíduo pouca influência sobre o
processo. Dentro desse ambiente as
normas morais são menos marcadas
e as pessoas mais anônimas, o que,
dependendo da personalidade da
pessoa em questão, pode levar
ao isolamento ou à numerosos
encontros. Esses encontros, de
pessoas que se deparam com outras
com interesses comuns, formam
subculturas urbanas, resultando
em uma cidade formada de vários
OPORTUNIDADES
X
PROBLEMAS
URBANOS
11
mundos distintos uma estrutura
social dentro de um espaço urbano
limitado, no qual cada grupo ocupa
um determinado espaço e carrega ele
de significados, costumes, tradições,
que se distinguem dos outros.
	 O Modelo da sobrecarga
ambiental, defendido por Milgram,
diferente do citado acima, enxerga
que o indivíduo se adapta ao meio,
e destaca a forma como o indivíduo,
ao estar sobrecarregado de
informações, seleciona quais são as
de maior prioridade, focando nessas
edeixandodeladoasoutras.Defende
que nas cidades os indivíduos
distinguem claramente que são os
amigos e quem são os estranhos,
os quais consequentemente não
necessitam atenção.
	 O Modelo de Referência
ao Mundo Estranho aponta
que, enquanto no campo se
cruza constantemente com
conhecidos, na cidade se vive
em um mundo de estranhos,
encontrando eventualmente e de
modo surpreendentemente algum
conhecido. Vivemos em nossa rotina
em meio à estranhos familiares. Essa
vivência no meio de estranhos nos
permite disseminar o anonimato,
tanto nosso quanto do outro, e
aprender a quando e como interagir
com as pessoas, buscando relações
de diferentes graus de intimidade.
	 As abordagens no sentido
de Behavior Setting, analisam as
atividades das pessoas e as suas
interações nos diversos contextos.
Vê que as pessoas agem de forma
distinta em locais subutilizados, em
um ótimo estado de utilização ou
superlotados, e consequentemente
também em relação às cidades.
Com base nisso, locais e cidades
superlotadas fazem com que as
pessoas se engajem menos na
manutenção dos locais, tendo um
menor nível de responsabilidade
pelo desempenho do todo.
	 O Modelo da abordagem
composicional se difere das análises
anteriores, as quais consideram que
a cidade molda os habitantes. Essa
abordagem parte do pressuposto
que são as pessoas que escolhem
habitar nos centros urbanos, de
modo que a cidade é um reflexo dos
seus habitantes e não o oposto.
	 Com base nisso, percebe-se
que as áreas da psicologia ambiental
que abordam o meio urbano diferem
quanto a compreensão do grau de
influência do ambiente no indivíduo
e vice-versa.
	 Considerando essa relação
um processo bidirecional, no qual o
citadino é um ser ativo em relação
ao meio em que está inserido,
constantemente o modificando, e no
qual esse meio urbano transforma
e molda diariamente as atitudes
e percepções de mundo de seus
usuários, percebemos que existem
alguns elementos presentes na
cidade que são capazes de alterar as
formas como nos relacionamos e nos
portamos em determinados lugares.
Vamos a seguir elencar alguns dos
conceitos básicos da psicologia
ambiental que nos auxiliam na
compreensão das formas como o
sujeito apreende e compreende
o ambiente e posteriormente age
sobre/sob ele.
12
PSICOLOGIA
AMBIENTAL
	 Tendo elucidado alguns dos
fatores característicos da vida urbana
atual, cabe agora trazer a definição de
alguns conceitos chave da psicologia
ambiental, possibilitando assim
uma posterior análise a respeito das
distintas formas de interação dos
diferentes grupos sócio-culturais no
âmbito da cidade e então uma reflexão
acerca das características ambientais
que influenciam na caracterização
de um espaço urbano apropriante e
gerador de bem-estar.
NOSSA RELAÇÃO COM O ESPAÇO É BILATERAL: DA
MESMA FORMA QUE PROJETAMOS NOSSAS VONTADES
NESSE ESPAÇO, ELE REFLETE SITUAÇÕES QUE MODIFI-
CAM NOSSO COTIDIANO.
13
PRIVACIDADE
TERRITORIALIDADE
ESPAÇO PESSOAL
	 Estamos constantemente nos
relacionando com o ambiente, seja
ele interno ou externo, público ou
privado, individual ou compartilhado.
Nossa relação com o espaço é
bilateral e da mesma forma que
projetamos nossas vontades nesse
espaço, ele reflete situações que
modificam nosso cotidiano.
	 O conceito de território aparece
em 	 todas as culturas. Não importa
o tamanho da comunidade, sempre
existe uma área que a maioria
dos membros da mesma origem
cultural podem se apropriar e trocar
experiências. Os níveis desejados de
privacidade podem ser regulados e
variam com a cultura que pertence o
indivíduo, com o sexo, a idade, com a
classe social e o uso pretendido para
o local (Altman e Chemers, 1989)
Para Moser (1998), essas relações
complexas podem ser avaliadas em
três níveis diferentes de privacidade:
Espaço pessoal, territorialidade e
densidade física e social.
	 O espaço pessoal, é definido
por Hayduk (1978 apud Moser 1998)
como uma fronteira imaginária
pessoal, que o estranho não pode
violar, tendo como principal função,
evitar a exposição e estímulos
sociais e físicos indesejados, com o
objetivo de conservar a liberdade
de ação, privacidade e intimidade
do indivíduo. E ainda segundo ele,
essa invasão do espaço pessoal
causa fuga, ou evitação. Existem,
é claro, casos mais extremos da
invasão do espaço pessoal, que não
se atém apenas ao desconforto,
mas a invasão em si e a violência,
configurando uma anomalia. São
exemplos situações de abuso contra
a mulher, homofobia, racismo e
violência direcionada a minorias,
situações que infelizmente ocorrem
todos os dias.
	 Alan Westin (1967), define
quatro estados de privacidade
das pessoas: solidão, intimidade,
anonimato e reserva, sugerindo
que há uma variedade de razões
pelas quais o indivíduo precisa
controlar sua privacidade. Dois
desses aspectos são relevantes
quando avaliado o contexto urbano:
solidão, por ser difícil consegui-la no
14
espaço público e anonimato, pela
liberdade de observação constante
de observadores.
	 Já a territorialidade tem limites
visíveis e palpáveis, para Altman
(1976 apud Moser 1998), existem
3 tipos de território: o território
primário (normalmente definido
pela residência ou local de trabalho)
o secundário (que é dividido com
um número de pessoas conhecidas,
a sala de aula, ou universidade, por
exemplo) e terciário (espaço público
partilhado com desconhecidos, com
apropriação momentânea, como
exemplo a rua, praia e outros).
Cada território se apresenta com
características antropológicas
distintas. O espaço primário,
justamente por ser delimitado e
o convívio se dar com pessoas
conhecidas, tende a ser o que
ambiente que nos deixa em um
estado de menor alerta, reduzindo
a complexidade das estimulações
nervosas.
	 Já o território secundário,
ainda de acordo com Altman,
favorece o exercício do poder,
justamente por serem espaços
menos centrais e exclusivos. Neles,
os comportamentos de agressão e
dominação se tornam mais comuns,
visto que se caracteriza por um
espaço frequentado pelas mesmas
pessoas diariamente com distintas
personalidades, muitas vezes com
hierarquias muito bem definidas, e
hierarquias que se dão de acordo
com o histórico pessoal de cada um.
	 Por fim, entende-se que a
territorialidade tem a função de
organizar as casas, bairros, cidades,
15
estados, países, escolas, hospitais,
prisões e outros. Enquanto o espaço
pessoal tem um papel regulador,
que tende a proteger os indivíduos
de ameaças físicas e emocionais,
regulando a intimidade dentro dos
diferentes tipos de territórios.
	 Com o aumento progressivo
das populações urbanas, surgiram
inúmeros estudos relacionando a
densidade e seu efeito negativo a
curto e longo prazo.
	 Para efeitos de estudos, são
comumente utilizados dois conceitos:
densidade interior e densidade
exterior. A interior se refere a
quantidade de pessoas que vivem
na mesma casa ou apartamento
enquanto a exterior fala sobre o
número de unidades habitacionais
por superfície de solo. Stockols (1972
apud Moser 1998) fala também
sobre densidade objetiva, que seria a
medida de um número de indivíduos
por unidade espacial e a densidade
subjetiva, caracterizada como a
percepção e reação individual da
pessoa exposta a forte densidade,
portanto, muito mais relacionada
com sua individualidade.
	 A lotação de transportes
públicos, um fator costumeiro em
grandes cidades, foi estudado por
Singer, Lundberg e Frankenhauser
(1978 apud Moser 1998), que
apontaram aumento do nível de
estresse nesses passageiros através
dos níveis elevador de catecolamina
e epinefrina nas suas urinas. Além
disso, percebeu-se que o fator de
tomar a lotação primeiro e ter a
possibilidade de escolher onde vai
se sentar, aumenta a satisfação do
passageiro, provando novamente
que a possibilidade de controle é um
tranquilizador.
	 Outro fator interessante é o
efeito da densidade sobre a forma
de se relacionar, uma densidade
elevada provoca sobrecarga de
estímulos, reduzindo a quantidade e
qualidade das interações. Em estudo
desenvolvido por Baum et al (1982
apud Moser 1998), analisaram
a disposição dos dormitórios
universitários, comparando o
dormitório corredor e apartamento.
Neste estudo foram analisadas as
formas de interação dos indivíduos,
e o estudo revelou que estudantes
que viviam em dormitório corredor
consideram que estão muito expostos
a interação social, tem a impressão
de pouco espaço e invasão. Por
isso, quando estão em situação que
necessitam de maior interação ou
trabalho em grupo, tendem a se
manter mais afastados, justamente
como um mecanismo de equilíbrio
em relação à constante exposição
social.
	 A redução das condutas
de ajuda em espaço urbano se
explica também por esse motivo.
A responsabilidade individual é
abandonada em proveito de um
anonimato que protege da presença
dos outros.
DENSIDADE FÍSICA E SOCIAL
16
17
APROPRIAÇÃO
	 O conceito apropriação
consiste em um dos mais importantes
para a análise da interação do
indivíduo com o meio urbano. Sylvia
Cavalcante e Terezinha Façanha
Elias, no livro “Temas básicos em
psicologia ambiental”, (2011, p.
63) definem a apropriação como
“um processo psicossocial central na
interação do sujeito com seu entorno
por meio do qual o ser humano se
projeta no espaço e o transforma em
um prolongamento de sua pessoa,
criando um lugar seu.”.
	 De acordo com Enric Pol (1996)
, conforme citado por Cavalcante
e Elias (2011, p. 65), o processo
de apropriação pode ser dividido
em duas categorias. A Primeira,
definida como ação/transformação
consiste em um processo direto de
demarcação territorial de modo que
se relaciona muito com o conceito
de territorialidade citado acima.
A segunda categoria seria a de
Identificação, na qual o processo
de apropriar-se se dá no âmbito
da identificação com o território,
com a construção de significado e
personalização do mesmo.
	 Dessa forma, o processo de
apropriação se dá por uma via de
mão dupla. O indivíduo se reconhece
no ambiente e portanto se apropria
dele, ao mesmo tempo em que ao
estampar sua marca no ambiente (se
apropriando dele) se reconhece ali.
Independente da forma como
decidimos analisar a apropriação,
sabe-se que é um processo que
ocorrem de forma mais fácil em um
local privado, no qual o indivíduo
possui o controle sobre o lugar e a
liberdade de definir as formas como
ele será utilizado.
	 Já no espaço público
a apropriação se dá mais
recorrentemente na forma de
identificação e de ocupação do
espaço, sem que ele seja legalmente
seu, de modo que normalmente
representa uma apropriação
passageira e que precisa ser
constantemente reforçada, uma vez
que está sujeita à apropriação dos
outros.
	 O processo de apropriação
está muito ligado à outro conceito
recorrente da psicologia ambiental,
o de Apego ao Lugar. Este, por sua
vez corresponde à construção de
laços com o ambiente através da
identificação com o mesmo. Pode
ocorrer por conta de características
funcionais, quando o ambiente
facilita a realização de tarefas,
de características simbólicas,
relacionadas à memória e ao
imaginário pessoal, ou então por
características ligadas ao tempo
de permanência naquele espaço,
criando um alto grau de familiaridade
com o lugar.
	 O apego ao lugar auxilia no
processo de apropriação do espaço,
pois, uma vez que aquele lugar
corresponde aos aspectos positivos
de identidade de lugar do indivíduo,
há um desejo de proximidade com
ele e um sofrimento pela separação,
levando o indivíduo à ocupar aquele
espaço. Isso se torna ainda mais
importante quando se tratando dos
ambientes públicos.
18
ANÁLISE DA
PSICOLOGIA
AMBIENTAL
NO MEIO
URBANO
19
	 Quando passamos a relacionar
os conceitos tratados nos estudos
de psicologia ambiental com os
diferentes níveis de aglomerações
humanas, percebemos que as
interações interpessoais variam tanto
de acordo com o maior ou menor
grau de intimidade, quanto com o
número de pessoas que formam tais
aglomerações.Naescaladascidades,
por exemplo, se tem uma maior
facilidade de perceber o conceito de
espaço pessoal, visto que no convívio
entre indivíduos desconhecidos a
tendência é de se respeitar o espaço
alheio, enquanto que na escala
dos grupos sociais, como centros
comunitários, conseguimos perceber
melhor o conceito de apropriação,
principalmente do espaço público
em seu entorno.
	 Alémdisso,oconceito dedireito
à cidade, desenvolvido por Henri
Lefebvre em 1968, é muito utilizado
atualmente quando tratamos das
problemáticas urbanas. Segundo
o autor esse seria um direito da
não exclusão da sociedade urbana
das qualidades e benefícios da
vida urbana. Um direito coletivo
para remodelar a urbanização.
Deveria haver, para isso, uma maior
participação daqueles que têm um
histórico de constante exclusão e
marginalização nas decisões de
formação das cidades.
	 Asdiferençasencontradasentre
as escalas analisadas e o conceito de
direito à cidade tudo tem a ver com o
contexto envolvido no surgimento e
desenvolvimento dos conglomerados
urbanos no século XIX e é um item de
extrema importância a ser analisado
para embasarmos um estudo nesse
tema. Como já citado anteriormente,
no mundo todo esse processo fez
com que parte da população fosse
deslocada das cidades camponesas
às cidades industriais de maneira
rápida, passando a criar espaços sem
uma necessária qualidade urbana.
Com o passar do tempo e aumento
significativo desse movimento de
mudança têm-se situações onde
os indivíduos ou mesmo grupos,
procuram ou são forçados a
encontrar um local para viver e
um lugar para trabalhar dentro de
seus limites econômicos e políticos
(FRICK, 1986), e não mais onde se
identificam, alocando-se mesmo
que longe de suas atividades diárias,
em bairros que posteriormente se
tornaram as conhecidas periferias.
	 Desde aquela época, os mais
privilegiados ocupavam os locais
mais próximos de seus trabalhos e
necessitavam de menor tempo de
deslocamento para executar suas
atividades,apesardenãoconhecerem
de fato seus vizinhos, pela falta de
uma comunidade propriamente
dita, se reconheciam socialmente
neles. Consequentemente as áreas
que essa parcela da população
ocupava eram cada vez mais
homogêneas, apresentavam cada
vez mais comércios e serviços e
não demandavam grandes esforços
por parte dos moradores para
se desenvolverem. Esses fatores
criaram uma certa especulação
imobiliária, tornando essas áreas
supervalorizadas e repelindo cada
vez mais a camada menos abastada
da sociedade.
20
Dessa forma, a população deslocada
das cidades camponesas, que
tinha uma conexão e sensação de
pertencimento àquele modo de vida
anterior, se encontra em um local
novo e desconhecido, sem os serviços
básicos e sem identidade coletiva
alguma. Nesses bairros periféricos
surgem, assim, pequenos grupos
que têm como característica comum
o contexto que os fez estarem ali.
Segundo a dissertação de mestrado
de Frederica Gomes, esse processo
de agrupamento, quando acontece
atravésdegrandesfluxosmigratórios,
possui características que refletem a
bagagem cultural e econômica dos
novos moradores, criando assim,
de maneira espontânea, uma
identidade local.
Essa identidade local, que faz
com que, ao longo dos anos, essa
população que ficou à margem do
centro industrializado crie um senso
de comunidade e passe a agir,
apropriando-se dos espaços públicos
para que os mesmos atendam às
suas necessidades básicas. Como
consequência, esses moradores
sentem-se pertencentes do que é
público e por esse motivo lutam em
conjunto por espaços mais dignos
e por melhorias constantes em seu
redor. Tal luta, no entanto, não faz
com que o Estado os perceba como
parte integrante e necessária das
cidades e, consequentemente, não
trabalhe para suprir as necessidades
desses moradores, e sim, foque
em um maior desenvolvimento das
áreas centrais já desenvolvidas.
Por fim, o crescimento das cidades,
o aumento das problemáticas à elas
relacionadas, e a falta de auxílio
estatal faz com que Lefebvre cite
em “O Direito à Cidade”, sobre
um projeto de mudança estrutural,
que será longo e difícil, já que
será preciso resolver inventando
(espaço e tempo novos), resolvendo
contradições e conflitos entre os mais
profundos produzidos pelo ‘modo de
produção’ que dominou (LEFEBVRE,
1986, p.05). Esse projeto teria
como finalidade nos dirigir a uma
sociedade urbana que demandaria
uma apropriação do espaço pelo
indivíduo e, consequentemente,
diminuiria as desigualdades geradas
pela ocupação urbana na época do
desenvolvimento industrial.
21
DIFERENÇAS DE
INTERAÇÃO
ENTRE AS
PESSOAS
CONSIDERANDO
O “STATUS”
	 As comunidades periféricas do
século XXI que apresentam escassez
nos serviços básicos e que lutam pela
inclusão na cidade são consequência
direta da marginalização ocorrida
na época da industrialização.
Hoje em dia, no entanto, além da
segregação espacial que é clara e
visível, temos também a segregação
22
social, que varia de acordo com cor,
gênero e condição financeira e gera
inúmeras problemáticas nas relações
interpessoais.
	 No contexto das cidades,
as lutas por dignidade e espaços
públicos para todos, criam uma
interação entre pessoas com um
mesmo propósito e são um grande
fator de pertencimento local.
Segundo Lefebvre (1968, p.14) “Os
violentos contrastes entre a riqueza
e a pobreza, os conflitos entre os
poderosos e os oprimidos, não
impedem nem o apego à Cidade
nem a contribuição ativa para a
beleza da obra. No contexto urbano,
as lutas de facções, de grupos, de
classe, reforçam o sentimento de
pertencer.”. Quem está lado a lado
numa luta, dessa forma, se identifica
com o outro independente dos
inúmeros contrastes socioculturais
passíveis de existir, o que geralmente
não ocorre em situações cotidianas
da sociedade.
	 No dia a dia não é pouco
frequentevermosrelatosdemulheres
que não se sentem respeitadas em
ambientes de trabalho formados
majoritariamente por homens,
relatos de pessoas pretas seguidas
por seguranças e/ou agredidas,
física ou verbalmente, por conta
da cor de sua pele, em ambientes
teoricamente voltados à todos, ou
então relatos de pessoas com renda
baixa que se sentem deslocadas em
locais como shoppings centers. Esses
preconceitos e opressões causados
por simples diferenças genéticas ou
de “status” social, geram desconforto
e sensação de não pertencimento ao
local.
	 Em síntese, esses espaços
que impedem apenas alguns tipos
de relações interpessoais podem
ser chamados de segregacionistas.
Mesmo que denominados públicos,
são muitas vezes voltados somente
para uma camada da sociedade, o
que faz com que os que não fazem
parte dela sintam-se desconfortáveis
quando os ocupam. Abaixo daremos
alguns exemplos de situações do
cotidiano nas quais essa segregação
e falta de pertencimento ao local
público se aplicam.
“NAS RELAÇÕES SOCIAIS, NO
BRASIL, EXISTE UMA PROFUNDA
DISTÂNCIA ENTRE DISCURSO E
PRÁTICA OU ENTRE O TEXTO DA
LEI E SUA APLICAÇÃO. EM CONSE-
QUÊNCIA, GRANDE PARTE DA SO-
CIEDADE PERMANECE SEM DIREI-
TOS PREVISTOS NA LEGISLAÇÃO.
SÃO IGNORADOS, SEGREGADOS
E INVISÍVEIS APESAR DAS DIMEN-
SÕES DESSA EXCLUSÃO. COMO
ESSA ESPÉCIE DE APARTHEID NÃO
É CLARA E ASSUMIDA, VIVE-SE
UMA CONTRADIÇÃO, UM FAZ DE
CONTA. FAZ DE CONTA QUE ISSO
É UMA DEMOCRACIA, FAZ DE CON-
TA QUE A LEI SE APLICA A TODOS
DA MESMA FORMA, FAZ DE CONTA
QUE TODOS TÊM DIREITOS IGUAIS,
COMO É O CASO DO DIREITO À CI-
DADE.
O QUE A PRÁTICA DOS ROLEZI-
NHOS TEM DE NOTÁVEL, FANTÁS-
TICO, EXTRAORDINÁRIO MESMO,
É O DESNUDAMENTO DESSA CON-
TRADIÇÃO. QUANDO OS EXILA-
DOS URBANOS DECIDEM ANDAR
PELA CIDADE, ESSE APARTHEID
EXPLODE NA CARA DA SOCIEDA-
DE AINDA QUE NÃO SEJA ESSA A
INTENÇÃO DA MAIOR PARTE DA
MOÇADA. ESSA ATITUDE QUES-
TIONA, PROFUNDAMENTE, A SO-
CIEDADE QUE APRENDEU A SER
CÍNICA (ESPECIALMENTE O “PAR-
TIDO DA MÍDIA”) PARA ESCONDER
A INCRÍVEL DESIGUALDADE DE UM
PAÍS QUE NÃO É POBRE MAS TEM
UM POVO POBRE .”
OCUPAÇÕES
URBANAS
POR DIREITO
A CIDADE
23
Erminia Maricato sobre os rolezinhos
2014
	 Conforme já comentamos,
muitas vezes a população se apropria
dos espaços públicos com o objetivo
de expressar sua identidade no
local e, consequentemente, atenuar
esse sentimento de segregação.
Isto porque, a partir da análise
comportamental, a identidade
é caracterizada como uma
necessidade universal e uma parcela
dela compreende a identificação do
indivíduo com os lugares (KRUPAT,
1985, apud GOMES, 2006).
	 Alémdisso,oespaçopúblicoem
si, com todas as suas possibilidades
e ofertas, também configura uma
necessidade coletiva (Kaplan, Kaplan
e Ryan; 1998 apud GOMES, 2006).
Assim, apesar das pessoas possuírem
diferenças significativas, grupos
se formam naturalmente ou são
associados pela conjuntura do tecido
urbano, por possuírem necessidades
e afinidades em comum, sejam elas
econômicas, sociais ou culturais
(MOSER, 1998).
	 Um exemplo dessa reação de
apropriação em busca de satisfazer
suas demandas por pertencimento
são os casos dos chamados
“Rolezinhos”, fenômeno que iniciou
em São Paulo, no final de 2013. Os
eventos começaram com o intuito de
promover o encontro de adolescentes
daperiferiaqueseconheciamapenas
pelas redes sociais, agrupando
centenas e às vezes milhares de
jovens em shoppings da cidade.
Ainda que esses centro comerciais
não sejam locais de fato públicos,
mas sim empreendimentos privados
acessíveis ao público, cabe essa
exemplificação no nosso contexto,
uma vez que, devido a escassez de
espaços públicos de qualidade, os
shoppings, muitas vezes, são vistos
pela população como a única opção
segura de entretenimento. Fator de
enorme relevância, uma vez que
a segurança tem se mostrado a
condição principal nas escolhas de
locais para desempenhar atividades
de lazer e serviços (GOMES, 2006).
	 Os “Rolezinhos”, ao passo que
ganharam caráter de representação
da luta pelo direito à cidade,
começaram a ser reprimidos e
proibidos. Por mais que a natureza
desse fenômeno tenha sido, desde
o princípio, apenas de lazer, as
manifestações comportamentais
desses jovens, ou seja, seu
movimento de apropriação do
espaço, foram vistas como uma
turbulência no cotidiano do público
alvo dos shoppings: a classe média.
Escancarou-se, assim, a segregação
espacial descomunal que rege a vida
urbana no nosso país.
	 É importante pontuar, no
entanto, que esses adolescentes não
tinham o objetivo de protestar. O
caráter político foi um efeito colateral
da movimentação natural desses
adolescentes da periferia em busca
de seus direitos de viver a cidade.
Levantamos, portanto, novamente a
crítica: os espaços de pertencimento
universal se tornam segregacionistas
à medida que se voltam a apenas
uma camada da sociedade.
24
Os humanos são seres
sociais, dessa maneira, como
citamos, tendem a se agrupar com
seus semelhantes. A segregação
espacial, no entanto, custa caro a
essa característica humana, visto
que é o espaço público que provém
canais de movimento, articulação
de comunicação e lazer (CARR et al,
1992, apud GOMES, 2006). É nele
que as trocas pessoais mais valiosas
ocorrem.
	 Lang (1987), por sua vez,
enfatiza que é necessário um
equilíbrio entre o espaço físico e
o social para que as relações se
desenvolvam da maneira adequada.
Dessa forma, visto que o bem estar
psicológico dos indivíduos está
intimamente relacionado com as
25
	 Apesardacaracterísticahumana
de carecer da relação com outros
seres da mesma espécie, há, por outro
lado, a necessidade de privacidade
em diversos níveis e momentos da
vida urbana. Anteriormente, citamos
que o conceito de espaço pessoal é
facilmente percebido nas cidades,
assim como a territorialidade
terciária. Um exemplo deste é a
forma como nos comportamos em
ESPAÇO PESSOAL
E TERRITORALIDADE
NO MEIO URBANO
uma praia. Embora seja um espaço
de uso público, sem barreiras fixas,
demarcamos o nosso território
momentâneo com o uso de objetos,
como guarda-sol e toalhas. Durante
esse período de uso, esperamos
que aquele recorte do espaço seja
compreendido por terceiros como
território e que, portanto, não seja
invadido sem permissão. Essa noção
de respeito por limites abstratos
suas relações interpessoais, por
consequência, sofre forte influência
do ambiente e da forma como eles
estão inseridos no meio urbano.
	 Assim, a carência de espaços
públicos de qualidade e a negação
dos poucos existentes é também
uma forma de negar novos vínculos
sociais à parte marginalizada da
sociedade. Logo, é crucial que o meio
físico sustente as estruturas sociais
das mais diversificadas (RAPOPORT,
1977, apud GOMES, 2006) para que
promova relações sem distinções.
O movimento de apropriação dos
espaços, portanto, não é uma busca
apenas por identidade, mas também
por laços, pela manutenção da vida
em comunidade por bem estar.
BEM ESTAR E SOCIEDADE
26
é adquirida ao longo do nosso
crescimento, através das vivências
que temos em comunidade.
O espaço pessoal por sua vez, é
observado com mais frequência
em relação à territorialidade, por
tratar-se de um limite que envolve
a pessoa e a acompanha em
todos os momentos e lugares. No
transporte público, por exemplo, ele
é violado quando a pessoa que se
senta ao nosso lado não cumpre um
certo distanciamento. É importante
ressaltar, no entanto, que tal
distância, ou seja, o tamanho do
espaço pessoal de cada indivíduo é
diferente e se altera com base nas
suas experiências, crenças e cultura,
conforme explicam Elali e Pinheiro
(2011, p. 145). Além disso, há
momentos em que, por não haver
outra opção, a invasão é justificável.
Exemplificando, quando há espaço
em um banco de uma praça para
que a pessoa se sente mais distante
de nós e ela escolhe sentar ao
nosso lado, nos sentimos invadidos.
Caso o banco já esteja ocupado
na outra extremidade, avaliamos
tal comportamento como aceitável.
Apesar disso, dependendo dessa
proximidade e se há contato físico
ou não, ainda que aceitável, pode
significar um incômodo.
	 Assim, os indivíduos estão
sempre vivenciando a cidade entre
as concepções de apropriação e
espaço pessoal, relações sociais e
privacidade. O meio físico, portanto,
deve suportar essa variação, visto
que ambos os extremos constituem
necessidades humanas.
PANDEMIA E QUARENTENA:
MUDANÇAS NAS RELAÇÕES URBANAS
	 2020 e a pandemia do novo
coronavírus trouxeram consigo uma
mudança considerável nas relações
interpessoais e de apropriação dos
espaços. O fato da população se
isolar em suas casas e evitar grandes
deslocamentos causou uma redução
da ocupação dos grandes centros
urbanos e um aumento no uso
dos comércios e serviços de bairro,
consequentemente, os problemas de
mobilidade tão presentes nas cidades
atuais foram altamente reduzidos.
Em contrapartida, a busca por áreas
de lazer ao ar livre aumentou e o
uso de transportes particulares em
detrimento dos públicos também.
	 Com isso, a tendência para os
próximos anos é de termos bairros
cada vez mais autossustentáveis,
com mais áreas verdes e planejados
a partir do ponto de vista do pedestre,
e não mais do carro. Deize Sbarai
Sanches Ximenes e Ivan Carlos
Maglio, em seu artigo de setembro
de 2020 publicado no jornal da USP,
trouxeram pontuações de grandes
autores da área, Jane Jacobs e
Jan Gehl, sobre críticas e reflexões
feitas anos antes em relação ao
planejamento urbano. Jacobs, desde
1961 criticava a ideologia urbanística
do modernismo, a qual separava
esquematicamente o uso do solo,
enquanto que Gehl, em 2013, já
ressaltava a importância do resgate
da dimensão humana nas cidades.
	 É de extrema importância,
dessa forma, que as políticas
públicas trabalhem de acordo com
as mudanças comportamentais que
a pandemia trouxe, caso contrário
o futuro de nossas cidades será de
cada vez mais carros nas ruas e
estresses urbanos. Ágatha Depiné
em sua publicação no site VIA UFSC,
diz “Budapeste sofreu uma redução
de 90% no uso de ônibus e 50%
no tráfego rodoviário. Nas cidades
chinesas, após o fim das restrições
e quarentena, o medo de contágio
na população fez com que o uso de
transporte público fosse reduzido
pela metade e corridas de táxis
se tornassem menos frequentes,
duplicando o uso de carros
particulares nas ruas.”
	 Outra situação que ganhou
repercussão através da mídia foi
a narrativa de uma “pandemia
democrática”, sustentada pelo
argumento de que ninguém estaria
livre da COVID-19, independe do
sua condição social. Oliveira et al
(2020), no artigo “Desigualdades
raciais e a morte como horizonte -
considerações sobre a COVID-19
e o racismo estrutural”, discorre
sobre como a pandemia escancarou
a divisão socioeconômica no nosso
país. Visto que, os indivíduos que
mais precisam se expor ao vírus são
“Predominantemente trabalhadores
precarizados, que não possuem
27
o privilégio de ficar em casa, que
utilizam os transportes públicos
superlotados; têm acesso precário
ao saneamento básico [...]”.
	 No cenário pandêmico, todos
os fatores deturpantes da cidade,
como os estressores e anomalias,
somam-se ao perigo iminente do
vírus, que se mostra de forma mais
rígida e constante para populações
em situação de vulnerabilidade
social. No artigo são apresentados
dados do Ministério da Saúde em
seus boletins epidemiológicos, que
destacam a queda das internações e
óbitos em brancos e o aumento em
negros, fator que indica justamente
essa incoerência urbana onde
algumas vidas tem o privilégio
de permanecer seguras em casa
enquanto outras precisam se colocar
a mercê de vários problemas
urbanos, que se atenuam em época
de crise.
	 Espera-se por fim, que as
cidades pós pandemia passem
a privilegiar mais os cidadãos
periféricos, e através de uma
reparação social, promover a saúde,
bem estar, segurança, redução dos
estresses urbanos e melhoramento
dos espaços públicos, valorizando o
coletivo em prol do particular.
	 Outro fator indispensável é
elaborar espaços que melhorem a
qualidade de vida e que possibilitem
uma menor necessidade de contato,
visto que o fator densidade, além de
um estressor urbano passa por um
aspecto de saúde quando falamos
sobre o distanciamento social
exigido na pandemia. Pedro da Luz
Moreira, professor de Arquitetura da
Universidade Federal Fluminense,
já disse, “O urbanismo pode
estimular hábitos como exercícios
e caminhadas, ao oferecer boas
calçadas, em vez de privilegiar
espaços para carros. Mas também
deve se voltar à saúde psíquica,
dotando diferentes áreas da cidade
com equipamentos educacionais e
de lazer.”.
PROPORÇÃO DE ÓBITOS POR COVID-19, SE-
GUNDO RAÇA/COR, DIA DA DIVULGAÇÃO E
SEMANA EPIDEMIOLÓGICA (SE)
PROPORÇÃO DE HOSPITALIZAÇÕES POR CO-
VID-19, SEGUNDO RAÇA/COR, DIA DA DI-
VULGAÇÃO E SEMANA EPIDEMIOLÓGICA (SE)
0
10
20
30
40
50
60
70
80
15 16 17 18 19 20
PORCENTAGEM
SEMANA EPIDEMIOLÓGICA
Negros Brancos
0
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PORCENTAGEM
SEMANA EPIDEMIOLÓGICA
Negros Brancos
28
CONCLUSÕES
29
	 Visamos aqui fazer uma
reflexão acerca de dois pontos
principais tratados no texto.
Primeiramente seria importante
destacar quais características de
uma ambiente público promovem
o bem-estar psicológico, e em
seguida, quais são as características
de um espaço público que incitam a
apropriação dos diferentes grupos
socioculturais.
	 A respeito da primeira questão,
percebe-se que a demasiada
exposição às demandas e aos
estressores ambientais presentes
nas grandes cidades influenciam
um estilo de vida acelerado e
estressante, no qual o sujeito se vê
alienado por meio de sua rotina do
dia a dia. Por conta disso, torna-se
demasiado importante a presença
em nossas cidades de ambientes
que promovam a restauração desse
desgaste cotidiano.
	 Diversos estudos realizados
no campo da psicologia ambiental
analisam quais são as características
presentes em um ambiente que
permitem e/ou promovem a
restauração do indivíduo. Dentre
eles, duas teorias se destacam,
ambas desenvolvidas na década
de 80, a Teoria Psico-evolucionista,
desenvolvida por Roger Ulrich, que
aborda os ambientes restauradores
a partir de uma visão do desgaste
por acúmulos de stress, e a Teoria
da Restauração da atenção,
desenvolvida por Rachel e Steven
Kaplan, a qual aborda a restauração
a partir do desgaste da atenção
dirigida. (ALVES, 2011)
	 Apesar de possuírem pontos de
30
partida distintos, ambas as teorias
concordam quanto às características
necessáriasparaatornarumambiente
restaurador, destacando em especial
os ambientes naturais. Analisando os
grandes centros urbanos tais como
são, ambientes construídos e muitas
vezes hostis ao fluxo natural da vida,
vê-se a importância da inserção de
espaços verdes naturais no interior
dessas cidades, tais como praças e
parques urbanos, permitindo assim
uma breve fuga da correria da vida
cotidiana.
	 Benefícios do contato com a
natureza, mesmo que breve, são
reportados em diversos estudos,
demonstrando a redução da
frequência cardíaca e a diminuição
dos níveis de ansiedade e stress
dos indivíduos após a exposição
à ambientes naturais. Evidencia-
se também, como concluído nos
estudos realizados pelo casal Kaplan,
que ambientes que promovem a
utilização da atenção por fascinação
(que não necessita de um esforço
consciente) facilitam a posterior
realização de tarefas dirigidas.
	 Ressalta-se que não apenas
ambientes puramente naturais, mas
a simples presença de elementos
naturais nos ambientes construídos,
como luz natural e inserção de
vegetação, também influenciam
no processo de restauração dos
indivíduos. Assim, percebe-se como
a arquitetura presente nas cidades
tende a possuir um impacto muito
grandenoestilodevidadoscitadinos,
e a pura substituição de ambientes
fechadoseacondicionados,taiscomo
shopping centers, por ambientes
abertos, como ruas comerciais,
podem colocar o indivíduo em
contato com elementos naturais e
restauradores, além de garantir um
caráter mais inclusivo à cidade.
	 A segunda questão diz
respeito às características dos
ambientes públicos que incentivam
este caráter inclusivo dos espaços e
consequentemente uma apropriação
mais igualitária pelos diferentes
grupos socioculturais.
	 A identificação, fator apontado
por Enric Pol (1996) é o item
primordial para um indivíduo se
sentir disposto e à vontade para se
apropriar de um espaço. Elementos
cotidianos que façam com que ele
enxergue sua história, semelhantes
e raízes os deixam mais confortável
para ter uma relação bilateral com
a cidade: se projetar no espaço na
medida que o espaço se projeta
nele.
	 Nesse aspecto, se sentir
pertencente 	 a um ambiente, tira
o indivíduo de local de anonimato
urbano e o coloca em um espaço
de responsabilidade coletiva,
criando uma relação de genuína de
mutualismo entre citadino e cidade.
	 Com isso, é importante
avaliarmos, no papel de arquitetos
e urbanistas, a história local, figuras
de liderança, representatividade,
hábitos, lutas e interesses, para então
criar mecanismos que permitam que
os indivíduos daquela sociedade
se reconheçam e, principalmente,
se manifestem naquele espaço.
Necessitamos também reconhecer as
diferentes formas de experimentação
do espaço público em questão pelos
31
distintos perfis de usuários e seus
respectivos estilos de vida, podendo
assim planejar um espaço que supra
as necessidades ambientais de todos
esses grupos sócio-culturais.
	 A apropriação caminha de
encontro 	ao conceito de Apego
ao Lugar, que está diretamente
ligado à memória afetiva e ao
imaginário pessoal. Esse fator tende
a ser individual no micro, porém,
na visão urbana, o Apego se dá em
vizinhanças, bairros, comunidades,
cidades e até mesmo países.
Elementos urbanos que promovam a
união desses grupos e respeitem sua
história certamente irão se englobar
de forma harmoniosa e saudável ao
espaço e aos indivíduos.
	 O conceito de apropriação e
apego a	 o lugar passa também
por um viés político, relacionado
ao direito à cidade. Aspecto que,
segundo Henri Lefebvre, é um
direito coletivo de remodelação
urbana, e para isso, seria primordial
criarmos cada vez mais mecanismos
de participação através de políticas
públicas - como projetos urbanos
participativos, por exemplo -, e
eleger governantes que coloquem a
representatividade e história urbana
em primeiro plano.
	 Por fim, entende-se que da
mesma forma que a territorialidade
mostra sua função ao organizar as
casas, bairros, cidades, estados,
países e interações humanas,
a apropriação tem função de
organizar histórias, memórias e
relacionamentos urbanos.
	 Desta forma, cabe ao arquiteto
e urbanista, traduzir os interesses
das comunidades, criando espaços
que promovam o bem estar,
valorizem a história, promovam
senso de identidade e privilegiem os
indivíduos que estão às margens - em
um cenário habitual ou pandêmico.
Com o foco em reduzir os estressores
e tratar, de forma social e humana
as anomalias urbanas, criando uma
cidade mais saudável, inclusiva e
afetiva,colocandooindivíduosempre
em seu papel de protagonista.
32
REFERÊNCIAS:
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pandemia? Justificando, 15 de junho de 2020. Disponível em: https://www.justi-
ficando.com/2020/06/15/e-possivel-ressignificar-o-uso-dos-espacos-urbanos-pos-
-pandemia/. Acesso em 11 de novembro de 2020.
BRITO, W. C. . Reflexões críticas sobre a vida acelerada. ECOS - Estudos Contempo-
râneos da Subjetividade , v. 8, p. 64-76, 2018.
CAVALCANTE, Sylvia; ELALI, Gleice A. (org.). Temas básicos em psicologia ambiental.
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Juan Ignacio Aragonés Tapia, María Amérigo Cuervo Arango, 2000, ISBN 84-368-
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GOMES, Frederica Stanke Gonçalves. Diversidade de grupos, características físico-
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sertação de Mestrado - PROPUR/UFRGS. Porto Alegre, 2006.
LEFEBVRE, Henri. O Direito à Cidade. São Paulo, Centauro, 2006.
________. A Revolução Urbana. Belo Horizonte: EDUFMG, 2004.
MAGLIO, Ivan Carlos; Ximenes, Deize Sbarai Sanches. A vida urbana nos espaços
públicos e áreas verdes pós-pandemia. Jornal da USP, 3 de agosto de 2020. Disponí-
vel em: https://jornal.usp.br/artigos/a-vida-urbana-nos-espacos-publicos-e-areas-
-verdes-pos-pandemia/ Acesso em 18 de novembro de 2020.
MOSER, Gabriel. Introdução à Psicologia Ambiental: pessoa e ambiente. Campinas:
Editora Alínea, 2018. ISBN 978-85-7516-815-8. Págs. 129-214
ROLNIK, Raquel. Pandemia e o futuro das cidades. Labcidade FAU USP, 6 de abril de
2020. Disponível em: http://www.labcidade.fau.usp.br/pandemia-e-o-futuro-das-
-cidades/. Acesso em 20 de novembro de 2020.
VAN DEN BERG, Rogier. How Will COVID-19 Affect Urban Planning? The City Fix, 10
de abril de 2020. Disponível em: https://thecityfix.com/blog/will-covid-19-affect-ur-
ban-planning-rogier-van-den-berg/ Acesso em 8 de novembro de 2020.
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Psicologia ambiental: Recortes da vida urbana e Direito à cidade

  • 1. PSICOLOGIA AMBIENTAL: RECORTES DA VIDA URBANA E DIREITO À CIDADE
  • 2. Privacidade, Territorialidade e Espaço pes- soal PSICOLOGIA AMBIENTAL Diferenças de interação entre as pessoas considerando o “status” Apropriação Pandemia e quarentena: mudanças nas re- lações urbanas Bem estar e sociedade Referências Espaço pessoal e territorialidade no meio urbano Ocupações urbanas por direito à cidade Densidade física e social ANÁLISE DA PSICOLOGIA AMBIENTAL NO MEIO URBANO 13 25 25 17 27 14 23 16 19 21 CONCLUSÕES29 32 ÍNDICE Multiplicação da diversidade e contatos so- ciais em contrapatida com a concentração em si e a indiferença para com o outro O MEIO URBANO Estressores ambientais OPORTUNIDADES X PROBLEMAS URBANOS Anomalias urbanas Comportamentos adaptativos e teorias so- bre o meio urbano Sociedade acelerada 1 7 3 9 4 11 5
  • 3. O MEIO URBANO A cidade ocidental, tal como a conhecemos hoje, tem suas origens, comodestacaHenriLefebvre,emseu livro Direito à Cidade, na Revolução Industrial do século XIX, momento no qual houve uma alteração significativa dos modos de viver, trabalhar, se locomover e habitar. As pequenas cidades camponesas foram rapidamente substituídas por grandes conglomerados de cidades industriais periféricas ao núcleo original ou então substituindo-o, passando assim por uma transição de uma sociedade capitalista comercial e artesanal, para uma sociedade capitalista concorrencial, baseada na produção industrial em larga escala. (Lefebvre, 1968) Como destaca Lefebvre, a industrialização e a urbanização consistem em um processo dialético, no qual o crescimento acelerado do tecido urbano e de sua produção econômica não necessariamente representa um crescimento 01 qualitativo da urbanidade, das possibilidades que a vida social urbana dispõem, gerando uma urbanização desurbanizante, no qual a população citadina não possui acesso pleno à fruição do meio urbano. Ao longo do século XX e início do século XXI, essa disparidade quantitativa entre o campo e as cidades se acentuou ainda mais. De acordo com estudo desenvolvido pela ONU (Organização das Nações Unidas), 55% da população mundial vive em áreas urbanas, e até 2050, espera-se que esse número passe dos 70%. Esse número progride à medida que a cidade é vista como um mar de oportunidades profissionais, educacionais e de lazer, atraindo mais e mais pessoas para tais centros urbanos. Como destaca Frederica Gomes em sua dissertação acerca da Diversidadedegrupos,características físico-espaciais e apropriação, sabemos que o espaço urbano é formado através de diversos fatores, políticos, econômicos e sociais. Dentre estes fatores, a migração, muito comum no território Brasileiro, influencia de forma significante o 45 30 55 70 2020 2050 PORCENTAGEM% PPOOPPUULLAAÇÇÃÃOO MMUUNNDDIIAALL RURAL URBANA crescimento e o desenvolvimento das cidade, para as quais muitas pessoas migram em busca oportunidades de emprego e de uma melhor qualidade de vida. Esse aspecto cosmopolita, que brilha aos olhos quando se pensa na vida citadina, e que influencia muitos à migrarem, contrasta com a hostilidade, criminalidade e inúmeros problemas advindos desses aglomerados urbanos. A demais, esse crescimento acelerado dos grandes centros urbanos resulta em um processo de formação das cidades na qual o indivíduo é forçado a se adequar ao meio em que está inserido, habitando locais acessíveis aos seus limites econômicos, muitas vezes distantes de seus locais de trabalho. Essa formação se dá de maneira informal e gradual, derivada da luta e do trabalho individual de cada um dos citadinos, e é essa construção diária que resulta nas divisões espaciais com as quais nos deparamos no meio urbano, seus distritos e seus bairros, assim como em seus sistemas sociais, econômicos e políticos. (Gomes, 2006) Diversos estudos realizados acerca do cotidiano nas cidades nas últimas décadas destacam aspectos provenientes dessa nova realidade, a qual, ao passo que permite uma liberdadenuncaantesexperimentada e um mar de possibilidades, submete o indivíduo à uma sociedade e à um modo de vida demasiado acelerado e preenchido de estressores ambientais, os quais serão tratados ao longo deste trabalho. 02
  • 4. OPORTUNIDADES X PROBLEMAS 03 URBANOS Tendo em vista as condições da sociedade urbana atual, percebe-se uma alteração das relações sociais ali vividas. Ao passo que em cidades pequenas o número de pessoas com quem interagimos é reduzido e normalmente consiste de pessoas conhecidas, nas cidades médias e grandes cruzamos e interagimos com uma quantidade muito grande de indivíduos, poucos deles familiares para nós. As consequências desse anonimato podem ser tanto positivas quanto negativas. Por um lado, ser apenas mais um em mar de anônimos permite aos indivíduos a liberdade de assumirem a personalidade que desejarem, sem a preocupação com os julgamentos alheios. Permite também o encontro com seu semelhante e a formação de grupos sociais baseados em características comuns. Como destaca Moser (1998), ao passo que nas cidades pequenas as relações são de longa duração - normalmente com familiares e amigos de infância - nos grandes centros urbanos, onde o número de interações e a possibilidade de escolha é maior, a tendência é que as relações sejam mais recentes e se dêem mais por questões de afinidade e semelhanças. Possibilita ainda que os indivíduos possuam diferentes teias relacionais, derivadas dos diversos territórios que ocupa na cidade. Por outro lado, ser apenas mais um em um mar de anônimos condiciona o indivíduo à relações mais rasas e superficiais com os que o cercam. Esse fator dificulta a integração de novos moradores, uma vez que os citadinos se mostram abertos apenas com aqueles que conformam suas redes sociais, tratando os demais de forma fria e distante. Esse “distanciamento intencional” acaba muitas vezes por transformar os grandes conglomerados urbanos em ambientes hostis e pouco receptivos. (MOSER, 1998) Nota-se como consequência também a redução da sensação de responsabilidade coletiva, tanto com o ambiente quanto com os outros indivíduos ao seu redor, fato que será abordado mais a frente, fazendo com que o citadino tenha pouca solicitude no auxílio ao próximo e pouco envolvimento com questões políticas locais. (MOSER, 1998) MULTIPLICAÇÃO DA DIVERSIDADE E CONTATOS SOCIAIS EM CONTRAPARTIDA COM A CONCENTRAÇÃO EM SI E A INDIFERENÇA PARA COM O OUTRO 04
  • 5. SOCIEDADE ACELERADA SOCIEDADE DOENTE ? Outro aspecto característico da vida contemporânea nos grandes centros urbanos é a alteração da percepção do tempo e a instauração de uma sociedade com estilo de vida acelerado. Vivemos absortos em um mundo no qual o tempo, o passar das horas e dos dias, é regido pela ânsia da produtividade. Tempo equivale à dinheiro, ao capital, à produção, ao ter e ao acumular. O ócio, o tempo “improdutivo”, equivale a ausência de uma ação intencionada e ao desperdício dos recursos acima citados. Estamos todos correndo uma corrida descompassada contra nós mesmos, com fins que muitas vezes nem sabemos quais são. Agir, produzir, consumir, descartar, recomeçar. OPORTUNIDADES X PROBLEMAS URBANOS 05 A rotina nas grandes cidades é pautada pelos deslocamentos casa- trabalho, trabalho-casa, em meios de transporte coletivo lotados, ou então em automóveis individuais trancafiados no trânsito. As pausas para as refeições são curtas pois precisa-se voltar à produzir. As noites, após longos dias de trabalho o indivíduo se vê cansado, procurando formas de lazer alienantes. Os momentos de lazer e a convivência com o próximo são esporádicos. Essa aceleração da rotina e as incalculáveis demandas nos colocam em um estado de tensão constante, todos os dias, todas as semanas, todos os meses e todos os anos. Sempre com a sensação de falta de tempo, o tempo passa sem que o indivíduo se dê conta, absorto que está no processo de produzir por produzir. Não apenas no âmbito profissional, mas em todos os demais aspectos da vida cotidiana o indivíduo se vê aprisionado ao movimento constante, a necessidade de eficiência em tudo que faz, sujeito à uma sociedade hiperativa que acelera o ritmo natural da vida (BRITO, 2000). Aimersãonasnovastecnologias intensificatalpercepçãodaaceleração do tempo. Redes sociais que nos soterram com uma quantidade de informações nunca antes vista. Reportagens, notícia, cursos, tudo disponível com o movimento de nosso polegar. Inúmeros estilos de vida que podemos ter, de atividades que podemos fazer, lugares que podemos visitar, performances que devemos executar. E o tempo passa sem que possamos acompanhar, submersos em um ideal do que devemos ser, fazer e ter. Estafa, ansiedade, estresse, síndrome de burnout se tornaram patologias corriqueiras, sintomas comuns de uma sociedade que não pára para viver o agora. Levantamentos realizados pela Organização Mundial da Saúde (OMS) em 2020 demonstram que cerca de 33% da população mundial sofrem de episódios de ansiedade, e que o Brasil representa o país com a maior taxa de ocorrência de transtornos de ansiedade, chegando a 9,3% da população do país. Quanto à depressão, 5,8% da população brasileira encontra-se afetada, representando o quinto país com a maior incidência da doença. Agrega-se ao estilo de vida acelerado das metrópoles brasileiras, diversos outros fatores de risco para o desenvolvimento dessas patologias, tais como a situação econômica do país, a alta taxa de desemprego, a desigualdade social e os altos níveis de pobreza. (BRITO, 2000). Apesar do tempo cronológico permanecer o mesmo, as altas demandas e os incessantes estímulos aos quais estamos sujeitos nas grandes cidades alterou nossa percepção do passar do mesmo. Somam-se à essa rotina incessante diversos aspectos físicos das grandes cidades que configuram estressores ambientais presentes na situação atual do cotidiano da população, os quais serão abordados a seguir. 06
  • 6. ESTRESSORES AMBIENTAIS Entre as causas de estresse urbano, Moser (1998) aponta 4 fatores ambientais que colaboram para a criação de uma cidade desgastante, classificados pela sua constância e intensidade, são eles: o barulho, a temperatura, a poluição e a densidade. BARULHO O incômodo causado pelo barulho depende do seu volume, previsibilidade e possibilidade de controle, sendo 40 db considerado tranquilo, até 70 db moderado e a partir do 90 db já caracterizado como um nível torturante ao ouvido humano. Existem diversos estudos que comprovam sua relação com a saúde mental, qualidade de vida, atenção e consequentemente desempenho intelectual. Um experimento conceituado de Bronzaft e McCarthy (1975 apud Moser 1998) utilizou a mesma escola e salas de aula expostas a níveis diferentes de ruídos para comprovar sua hipótese, o resultado foi que crianças na sala de aula voltada para o lado do trilho do trem tinham desempenho escolar e de leitura menor do que crianças com a sala voltada para uma área mais calma. TEMPERATURA Já a temperatura apresenta certas variáveis. Estudos mostram que, mesmo a exposição prolongada trazendo riscos de doenças cardiovasculares, ansiedade e desidratação, esse perigo se dissolve em pessoas que vivem ou sempre viveram no clima em questão, trazendo o aspecto de adaptabilidade. 07 OPORTUNIDADES X PROBLEMAS URBANOS POLUIÇÃO O fator mais danoso apontado por Moser é a poluição, situação que pode causar danos fisiológicos e psicológicos.. Esse fator se mostra mais presente em grandes metrópoles, como Los Angeles, Paris, Xangai, Cairo e outras. Segundo estudo publicado pela revista The Lancet (2017), o Brasil ocupa a posição 148ª com maior proporção de mortes relacionadas à poluição, onde a maioria das mortes foi causada por doenças não infecciosas ligadas à poluição, como infarto, derrame e câncer de pulmão. DENSIDADE Milgram (1972 apud Moser 1998) mostra que, nos ambientes urbanos superpovoados, as pessoas são indiferentes umas com as outras porque cada uma tende a isolar-se a fim de se proteger de estimulações ambientais excessivas. Trata-se de uma estratégia de “ajustamento à sobrecarga ambiental”. Em resumo, todos esses fatores associados tornam a cidade, além de estressante do ponto de vista do bem- estar, um local muitas vezes perigoso, considerando os altos índices de poluição e problemas urbanos que colocam nossa saúde mental e integridade física constantemente em cheque. Soma-se a isso a reação, quase que primitiva, de tentarmos nos isolar para equilibrar e dissolver todos esses estímulos degradantes. 08
  • 7. 09 OPORTUNIDADES X PROBLEMAS URBANOS Outros fatores urbanos estressantes apontados por Moser (1998) são as anomalias urbanas, entre elas: a delinquência, o vandalismo, a marginalidade, as descortesias e a insegurança causada pelo meio urbano. Esses fenômenos se relacionam diretamente com a densidade, a desigualdade urbana, e a alta competitividade citadina. Moser acrescenta ainda outro fator primordial para a insegurança que vivemos nas cidades: a indiferença mútua e a falta de sensibilidade, causada justamente pela anestesia que os estímulos urbanos nos causam diariamente. A grande densidade e os fatores citados anteriormente são os responsáveis por essa indiferença perante ao outro e situações de injustiça. Moser fala sobre algumas descortesias relacionadas ao ambiente físico, como a degradação e pichações, que essas anomalias ocorrem justamente pelo indivíduo não se sentir pertencente e sentir necessidade de se apropriar ou exercer controle sobre aquele espaço de alguma forma, mesmo que ela se configure como degradante. Outro tópico interessante sobre o vandalismoéarelaçãodecausalidade com o exemplo. Moser aponta que, sinais de negligência estimulam a falta de cuidado. Dá o exemplo das pichações em muros, que, se não tratadas no primeiro momento, já fazem com que o muro passe uma imagem de abandono e logo se torne um espaço que atrai mais atitudes de vandalismo. Dentre todos os fatores, a violência é a mais preocupante e debatida no meio urbano e governamental. O Brasil, de acordo com relatório divulgado pelo ONU em 2019, é o segundo país mais violento da América do Sul, com uma média de 30,5 assassinatos por cada 100 mil habitantes. Uma das principais expressões de violência e desigualdade racial é a concentraçãodeviolêncialetalcontra a população negra. Jovens negros aparecem como as principais vítimas de homicídios do país, com taxas crescentes, a medida que homicíos relacionados a pessoas brancas tem diminuído consideravelmente. A insegurança urbana se dá nos mais diversos níveis, em um cenário diretamente influenciado pelos privilégios econômicos, de raça e gênero. ANOMALIAS URBANAS 10
  • 8. COMPORTAMENTOS ADAPTATIVOS: TEORIAS SOBRE O URBANO Diante de todos os aspectos elencados acima acerca da realidade dos conglomerados urbanos, diversas teorias foram desenvolvidas para tentar explicar a relação entre o indivíduo e esse seu novo habitat, tão diferente e tão mais cheio de estímulos e estressores do que os que o precederam. Todas as teorias concordam que as condições da vida urbana provocam nas pessoas um comportamento adaptativo mais voltado para si mesmo e consequentemente menos civilizado, dando origem à um comportamento psicológico típico urbano. Apesar de concordarem quanto a necessidade psicológica do indivíduo de adaptar- se à esse novo habitat, os diferentes modelos propostos discordam acerca da influência do indivíduo nesta relação. Quanto à esses modelos urbanos, Moser (1998) e Ramirez (2002) resumem alguns dos principais modelos, os quais serão abordados rapidamente aqui. O Modelo da Ecologia Urbana, desenvolvido por Fisher, é um dos modelos mais difundidos e encara a cidade como um sistema com recursos econômicos e sociais limitados, no qual as pessoas devem se adaptar para sobreviver. É uma visão anti urbana e vê o ambiente como determinista, tendo o indivíduo pouca influência sobre o processo. Dentro desse ambiente as normas morais são menos marcadas e as pessoas mais anônimas, o que, dependendo da personalidade da pessoa em questão, pode levar ao isolamento ou à numerosos encontros. Esses encontros, de pessoas que se deparam com outras com interesses comuns, formam subculturas urbanas, resultando em uma cidade formada de vários OPORTUNIDADES X PROBLEMAS URBANOS 11 mundos distintos uma estrutura social dentro de um espaço urbano limitado, no qual cada grupo ocupa um determinado espaço e carrega ele de significados, costumes, tradições, que se distinguem dos outros. O Modelo da sobrecarga ambiental, defendido por Milgram, diferente do citado acima, enxerga que o indivíduo se adapta ao meio, e destaca a forma como o indivíduo, ao estar sobrecarregado de informações, seleciona quais são as de maior prioridade, focando nessas edeixandodeladoasoutras.Defende que nas cidades os indivíduos distinguem claramente que são os amigos e quem são os estranhos, os quais consequentemente não necessitam atenção. O Modelo de Referência ao Mundo Estranho aponta que, enquanto no campo se cruza constantemente com conhecidos, na cidade se vive em um mundo de estranhos, encontrando eventualmente e de modo surpreendentemente algum conhecido. Vivemos em nossa rotina em meio à estranhos familiares. Essa vivência no meio de estranhos nos permite disseminar o anonimato, tanto nosso quanto do outro, e aprender a quando e como interagir com as pessoas, buscando relações de diferentes graus de intimidade. As abordagens no sentido de Behavior Setting, analisam as atividades das pessoas e as suas interações nos diversos contextos. Vê que as pessoas agem de forma distinta em locais subutilizados, em um ótimo estado de utilização ou superlotados, e consequentemente também em relação às cidades. Com base nisso, locais e cidades superlotadas fazem com que as pessoas se engajem menos na manutenção dos locais, tendo um menor nível de responsabilidade pelo desempenho do todo. O Modelo da abordagem composicional se difere das análises anteriores, as quais consideram que a cidade molda os habitantes. Essa abordagem parte do pressuposto que são as pessoas que escolhem habitar nos centros urbanos, de modo que a cidade é um reflexo dos seus habitantes e não o oposto. Com base nisso, percebe-se que as áreas da psicologia ambiental que abordam o meio urbano diferem quanto a compreensão do grau de influência do ambiente no indivíduo e vice-versa. Considerando essa relação um processo bidirecional, no qual o citadino é um ser ativo em relação ao meio em que está inserido, constantemente o modificando, e no qual esse meio urbano transforma e molda diariamente as atitudes e percepções de mundo de seus usuários, percebemos que existem alguns elementos presentes na cidade que são capazes de alterar as formas como nos relacionamos e nos portamos em determinados lugares. Vamos a seguir elencar alguns dos conceitos básicos da psicologia ambiental que nos auxiliam na compreensão das formas como o sujeito apreende e compreende o ambiente e posteriormente age sobre/sob ele. 12
  • 9. PSICOLOGIA AMBIENTAL Tendo elucidado alguns dos fatores característicos da vida urbana atual, cabe agora trazer a definição de alguns conceitos chave da psicologia ambiental, possibilitando assim uma posterior análise a respeito das distintas formas de interação dos diferentes grupos sócio-culturais no âmbito da cidade e então uma reflexão acerca das características ambientais que influenciam na caracterização de um espaço urbano apropriante e gerador de bem-estar. NOSSA RELAÇÃO COM O ESPAÇO É BILATERAL: DA MESMA FORMA QUE PROJETAMOS NOSSAS VONTADES NESSE ESPAÇO, ELE REFLETE SITUAÇÕES QUE MODIFI- CAM NOSSO COTIDIANO. 13 PRIVACIDADE TERRITORIALIDADE ESPAÇO PESSOAL Estamos constantemente nos relacionando com o ambiente, seja ele interno ou externo, público ou privado, individual ou compartilhado. Nossa relação com o espaço é bilateral e da mesma forma que projetamos nossas vontades nesse espaço, ele reflete situações que modificam nosso cotidiano. O conceito de território aparece em todas as culturas. Não importa o tamanho da comunidade, sempre existe uma área que a maioria dos membros da mesma origem cultural podem se apropriar e trocar experiências. Os níveis desejados de privacidade podem ser regulados e variam com a cultura que pertence o indivíduo, com o sexo, a idade, com a classe social e o uso pretendido para o local (Altman e Chemers, 1989) Para Moser (1998), essas relações complexas podem ser avaliadas em três níveis diferentes de privacidade: Espaço pessoal, territorialidade e densidade física e social. O espaço pessoal, é definido por Hayduk (1978 apud Moser 1998) como uma fronteira imaginária pessoal, que o estranho não pode violar, tendo como principal função, evitar a exposição e estímulos sociais e físicos indesejados, com o objetivo de conservar a liberdade de ação, privacidade e intimidade do indivíduo. E ainda segundo ele, essa invasão do espaço pessoal causa fuga, ou evitação. Existem, é claro, casos mais extremos da invasão do espaço pessoal, que não se atém apenas ao desconforto, mas a invasão em si e a violência, configurando uma anomalia. São exemplos situações de abuso contra a mulher, homofobia, racismo e violência direcionada a minorias, situações que infelizmente ocorrem todos os dias. Alan Westin (1967), define quatro estados de privacidade das pessoas: solidão, intimidade, anonimato e reserva, sugerindo que há uma variedade de razões pelas quais o indivíduo precisa controlar sua privacidade. Dois desses aspectos são relevantes quando avaliado o contexto urbano: solidão, por ser difícil consegui-la no 14
  • 10. espaço público e anonimato, pela liberdade de observação constante de observadores. Já a territorialidade tem limites visíveis e palpáveis, para Altman (1976 apud Moser 1998), existem 3 tipos de território: o território primário (normalmente definido pela residência ou local de trabalho) o secundário (que é dividido com um número de pessoas conhecidas, a sala de aula, ou universidade, por exemplo) e terciário (espaço público partilhado com desconhecidos, com apropriação momentânea, como exemplo a rua, praia e outros). Cada território se apresenta com características antropológicas distintas. O espaço primário, justamente por ser delimitado e o convívio se dar com pessoas conhecidas, tende a ser o que ambiente que nos deixa em um estado de menor alerta, reduzindo a complexidade das estimulações nervosas. Já o território secundário, ainda de acordo com Altman, favorece o exercício do poder, justamente por serem espaços menos centrais e exclusivos. Neles, os comportamentos de agressão e dominação se tornam mais comuns, visto que se caracteriza por um espaço frequentado pelas mesmas pessoas diariamente com distintas personalidades, muitas vezes com hierarquias muito bem definidas, e hierarquias que se dão de acordo com o histórico pessoal de cada um. Por fim, entende-se que a territorialidade tem a função de organizar as casas, bairros, cidades, 15 estados, países, escolas, hospitais, prisões e outros. Enquanto o espaço pessoal tem um papel regulador, que tende a proteger os indivíduos de ameaças físicas e emocionais, regulando a intimidade dentro dos diferentes tipos de territórios. Com o aumento progressivo das populações urbanas, surgiram inúmeros estudos relacionando a densidade e seu efeito negativo a curto e longo prazo. Para efeitos de estudos, são comumente utilizados dois conceitos: densidade interior e densidade exterior. A interior se refere a quantidade de pessoas que vivem na mesma casa ou apartamento enquanto a exterior fala sobre o número de unidades habitacionais por superfície de solo. Stockols (1972 apud Moser 1998) fala também sobre densidade objetiva, que seria a medida de um número de indivíduos por unidade espacial e a densidade subjetiva, caracterizada como a percepção e reação individual da pessoa exposta a forte densidade, portanto, muito mais relacionada com sua individualidade. A lotação de transportes públicos, um fator costumeiro em grandes cidades, foi estudado por Singer, Lundberg e Frankenhauser (1978 apud Moser 1998), que apontaram aumento do nível de estresse nesses passageiros através dos níveis elevador de catecolamina e epinefrina nas suas urinas. Além disso, percebeu-se que o fator de tomar a lotação primeiro e ter a possibilidade de escolher onde vai se sentar, aumenta a satisfação do passageiro, provando novamente que a possibilidade de controle é um tranquilizador. Outro fator interessante é o efeito da densidade sobre a forma de se relacionar, uma densidade elevada provoca sobrecarga de estímulos, reduzindo a quantidade e qualidade das interações. Em estudo desenvolvido por Baum et al (1982 apud Moser 1998), analisaram a disposição dos dormitórios universitários, comparando o dormitório corredor e apartamento. Neste estudo foram analisadas as formas de interação dos indivíduos, e o estudo revelou que estudantes que viviam em dormitório corredor consideram que estão muito expostos a interação social, tem a impressão de pouco espaço e invasão. Por isso, quando estão em situação que necessitam de maior interação ou trabalho em grupo, tendem a se manter mais afastados, justamente como um mecanismo de equilíbrio em relação à constante exposição social. A redução das condutas de ajuda em espaço urbano se explica também por esse motivo. A responsabilidade individual é abandonada em proveito de um anonimato que protege da presença dos outros. DENSIDADE FÍSICA E SOCIAL 16
  • 11. 17 APROPRIAÇÃO O conceito apropriação consiste em um dos mais importantes para a análise da interação do indivíduo com o meio urbano. Sylvia Cavalcante e Terezinha Façanha Elias, no livro “Temas básicos em psicologia ambiental”, (2011, p. 63) definem a apropriação como “um processo psicossocial central na interação do sujeito com seu entorno por meio do qual o ser humano se projeta no espaço e o transforma em um prolongamento de sua pessoa, criando um lugar seu.”. De acordo com Enric Pol (1996) , conforme citado por Cavalcante e Elias (2011, p. 65), o processo de apropriação pode ser dividido em duas categorias. A Primeira, definida como ação/transformação consiste em um processo direto de demarcação territorial de modo que se relaciona muito com o conceito de territorialidade citado acima. A segunda categoria seria a de Identificação, na qual o processo de apropriar-se se dá no âmbito da identificação com o território, com a construção de significado e personalização do mesmo. Dessa forma, o processo de apropriação se dá por uma via de mão dupla. O indivíduo se reconhece no ambiente e portanto se apropria dele, ao mesmo tempo em que ao estampar sua marca no ambiente (se apropriando dele) se reconhece ali. Independente da forma como decidimos analisar a apropriação, sabe-se que é um processo que ocorrem de forma mais fácil em um local privado, no qual o indivíduo possui o controle sobre o lugar e a liberdade de definir as formas como ele será utilizado. Já no espaço público a apropriação se dá mais recorrentemente na forma de identificação e de ocupação do espaço, sem que ele seja legalmente seu, de modo que normalmente representa uma apropriação passageira e que precisa ser constantemente reforçada, uma vez que está sujeita à apropriação dos outros. O processo de apropriação está muito ligado à outro conceito recorrente da psicologia ambiental, o de Apego ao Lugar. Este, por sua vez corresponde à construção de laços com o ambiente através da identificação com o mesmo. Pode ocorrer por conta de características funcionais, quando o ambiente facilita a realização de tarefas, de características simbólicas, relacionadas à memória e ao imaginário pessoal, ou então por características ligadas ao tempo de permanência naquele espaço, criando um alto grau de familiaridade com o lugar. O apego ao lugar auxilia no processo de apropriação do espaço, pois, uma vez que aquele lugar corresponde aos aspectos positivos de identidade de lugar do indivíduo, há um desejo de proximidade com ele e um sofrimento pela separação, levando o indivíduo à ocupar aquele espaço. Isso se torna ainda mais importante quando se tratando dos ambientes públicos. 18
  • 12. ANÁLISE DA PSICOLOGIA AMBIENTAL NO MEIO URBANO 19 Quando passamos a relacionar os conceitos tratados nos estudos de psicologia ambiental com os diferentes níveis de aglomerações humanas, percebemos que as interações interpessoais variam tanto de acordo com o maior ou menor grau de intimidade, quanto com o número de pessoas que formam tais aglomerações.Naescaladascidades, por exemplo, se tem uma maior facilidade de perceber o conceito de espaço pessoal, visto que no convívio entre indivíduos desconhecidos a tendência é de se respeitar o espaço alheio, enquanto que na escala dos grupos sociais, como centros comunitários, conseguimos perceber melhor o conceito de apropriação, principalmente do espaço público em seu entorno. Alémdisso,oconceito dedireito à cidade, desenvolvido por Henri Lefebvre em 1968, é muito utilizado atualmente quando tratamos das problemáticas urbanas. Segundo o autor esse seria um direito da não exclusão da sociedade urbana das qualidades e benefícios da vida urbana. Um direito coletivo para remodelar a urbanização. Deveria haver, para isso, uma maior participação daqueles que têm um histórico de constante exclusão e marginalização nas decisões de formação das cidades. Asdiferençasencontradasentre as escalas analisadas e o conceito de direito à cidade tudo tem a ver com o contexto envolvido no surgimento e desenvolvimento dos conglomerados urbanos no século XIX e é um item de extrema importância a ser analisado para embasarmos um estudo nesse tema. Como já citado anteriormente, no mundo todo esse processo fez com que parte da população fosse deslocada das cidades camponesas às cidades industriais de maneira rápida, passando a criar espaços sem uma necessária qualidade urbana. Com o passar do tempo e aumento significativo desse movimento de mudança têm-se situações onde os indivíduos ou mesmo grupos, procuram ou são forçados a encontrar um local para viver e um lugar para trabalhar dentro de seus limites econômicos e políticos (FRICK, 1986), e não mais onde se identificam, alocando-se mesmo que longe de suas atividades diárias, em bairros que posteriormente se tornaram as conhecidas periferias. Desde aquela época, os mais privilegiados ocupavam os locais mais próximos de seus trabalhos e necessitavam de menor tempo de deslocamento para executar suas atividades,apesardenãoconhecerem de fato seus vizinhos, pela falta de uma comunidade propriamente dita, se reconheciam socialmente neles. Consequentemente as áreas que essa parcela da população ocupava eram cada vez mais homogêneas, apresentavam cada vez mais comércios e serviços e não demandavam grandes esforços por parte dos moradores para se desenvolverem. Esses fatores criaram uma certa especulação imobiliária, tornando essas áreas supervalorizadas e repelindo cada vez mais a camada menos abastada da sociedade. 20
  • 13. Dessa forma, a população deslocada das cidades camponesas, que tinha uma conexão e sensação de pertencimento àquele modo de vida anterior, se encontra em um local novo e desconhecido, sem os serviços básicos e sem identidade coletiva alguma. Nesses bairros periféricos surgem, assim, pequenos grupos que têm como característica comum o contexto que os fez estarem ali. Segundo a dissertação de mestrado de Frederica Gomes, esse processo de agrupamento, quando acontece atravésdegrandesfluxosmigratórios, possui características que refletem a bagagem cultural e econômica dos novos moradores, criando assim, de maneira espontânea, uma identidade local. Essa identidade local, que faz com que, ao longo dos anos, essa população que ficou à margem do centro industrializado crie um senso de comunidade e passe a agir, apropriando-se dos espaços públicos para que os mesmos atendam às suas necessidades básicas. Como consequência, esses moradores sentem-se pertencentes do que é público e por esse motivo lutam em conjunto por espaços mais dignos e por melhorias constantes em seu redor. Tal luta, no entanto, não faz com que o Estado os perceba como parte integrante e necessária das cidades e, consequentemente, não trabalhe para suprir as necessidades desses moradores, e sim, foque em um maior desenvolvimento das áreas centrais já desenvolvidas. Por fim, o crescimento das cidades, o aumento das problemáticas à elas relacionadas, e a falta de auxílio estatal faz com que Lefebvre cite em “O Direito à Cidade”, sobre um projeto de mudança estrutural, que será longo e difícil, já que será preciso resolver inventando (espaço e tempo novos), resolvendo contradições e conflitos entre os mais profundos produzidos pelo ‘modo de produção’ que dominou (LEFEBVRE, 1986, p.05). Esse projeto teria como finalidade nos dirigir a uma sociedade urbana que demandaria uma apropriação do espaço pelo indivíduo e, consequentemente, diminuiria as desigualdades geradas pela ocupação urbana na época do desenvolvimento industrial. 21 DIFERENÇAS DE INTERAÇÃO ENTRE AS PESSOAS CONSIDERANDO O “STATUS” As comunidades periféricas do século XXI que apresentam escassez nos serviços básicos e que lutam pela inclusão na cidade são consequência direta da marginalização ocorrida na época da industrialização. Hoje em dia, no entanto, além da segregação espacial que é clara e visível, temos também a segregação 22 social, que varia de acordo com cor, gênero e condição financeira e gera inúmeras problemáticas nas relações interpessoais. No contexto das cidades, as lutas por dignidade e espaços públicos para todos, criam uma interação entre pessoas com um mesmo propósito e são um grande fator de pertencimento local. Segundo Lefebvre (1968, p.14) “Os violentos contrastes entre a riqueza e a pobreza, os conflitos entre os poderosos e os oprimidos, não impedem nem o apego à Cidade nem a contribuição ativa para a beleza da obra. No contexto urbano, as lutas de facções, de grupos, de classe, reforçam o sentimento de pertencer.”. Quem está lado a lado numa luta, dessa forma, se identifica com o outro independente dos inúmeros contrastes socioculturais passíveis de existir, o que geralmente não ocorre em situações cotidianas da sociedade. No dia a dia não é pouco frequentevermosrelatosdemulheres que não se sentem respeitadas em ambientes de trabalho formados majoritariamente por homens, relatos de pessoas pretas seguidas por seguranças e/ou agredidas, física ou verbalmente, por conta da cor de sua pele, em ambientes teoricamente voltados à todos, ou então relatos de pessoas com renda baixa que se sentem deslocadas em locais como shoppings centers. Esses preconceitos e opressões causados por simples diferenças genéticas ou de “status” social, geram desconforto e sensação de não pertencimento ao local. Em síntese, esses espaços que impedem apenas alguns tipos de relações interpessoais podem ser chamados de segregacionistas. Mesmo que denominados públicos, são muitas vezes voltados somente para uma camada da sociedade, o que faz com que os que não fazem parte dela sintam-se desconfortáveis quando os ocupam. Abaixo daremos alguns exemplos de situações do cotidiano nas quais essa segregação e falta de pertencimento ao local público se aplicam.
  • 14. “NAS RELAÇÕES SOCIAIS, NO BRASIL, EXISTE UMA PROFUNDA DISTÂNCIA ENTRE DISCURSO E PRÁTICA OU ENTRE O TEXTO DA LEI E SUA APLICAÇÃO. EM CONSE- QUÊNCIA, GRANDE PARTE DA SO- CIEDADE PERMANECE SEM DIREI- TOS PREVISTOS NA LEGISLAÇÃO. SÃO IGNORADOS, SEGREGADOS E INVISÍVEIS APESAR DAS DIMEN- SÕES DESSA EXCLUSÃO. COMO ESSA ESPÉCIE DE APARTHEID NÃO É CLARA E ASSUMIDA, VIVE-SE UMA CONTRADIÇÃO, UM FAZ DE CONTA. FAZ DE CONTA QUE ISSO É UMA DEMOCRACIA, FAZ DE CON- TA QUE A LEI SE APLICA A TODOS DA MESMA FORMA, FAZ DE CONTA QUE TODOS TÊM DIREITOS IGUAIS, COMO É O CASO DO DIREITO À CI- DADE. O QUE A PRÁTICA DOS ROLEZI- NHOS TEM DE NOTÁVEL, FANTÁS- TICO, EXTRAORDINÁRIO MESMO, É O DESNUDAMENTO DESSA CON- TRADIÇÃO. QUANDO OS EXILA- DOS URBANOS DECIDEM ANDAR PELA CIDADE, ESSE APARTHEID EXPLODE NA CARA DA SOCIEDA- DE AINDA QUE NÃO SEJA ESSA A INTENÇÃO DA MAIOR PARTE DA MOÇADA. ESSA ATITUDE QUES- TIONA, PROFUNDAMENTE, A SO- CIEDADE QUE APRENDEU A SER CÍNICA (ESPECIALMENTE O “PAR- TIDO DA MÍDIA”) PARA ESCONDER A INCRÍVEL DESIGUALDADE DE UM PAÍS QUE NÃO É POBRE MAS TEM UM POVO POBRE .” OCUPAÇÕES URBANAS POR DIREITO A CIDADE 23 Erminia Maricato sobre os rolezinhos 2014 Conforme já comentamos, muitas vezes a população se apropria dos espaços públicos com o objetivo de expressar sua identidade no local e, consequentemente, atenuar esse sentimento de segregação. Isto porque, a partir da análise comportamental, a identidade é caracterizada como uma necessidade universal e uma parcela dela compreende a identificação do indivíduo com os lugares (KRUPAT, 1985, apud GOMES, 2006). Alémdisso,oespaçopúblicoem si, com todas as suas possibilidades e ofertas, também configura uma necessidade coletiva (Kaplan, Kaplan e Ryan; 1998 apud GOMES, 2006). Assim, apesar das pessoas possuírem diferenças significativas, grupos se formam naturalmente ou são associados pela conjuntura do tecido urbano, por possuírem necessidades e afinidades em comum, sejam elas econômicas, sociais ou culturais (MOSER, 1998). Um exemplo dessa reação de apropriação em busca de satisfazer suas demandas por pertencimento são os casos dos chamados “Rolezinhos”, fenômeno que iniciou em São Paulo, no final de 2013. Os eventos começaram com o intuito de promover o encontro de adolescentes daperiferiaqueseconheciamapenas pelas redes sociais, agrupando centenas e às vezes milhares de jovens em shoppings da cidade. Ainda que esses centro comerciais não sejam locais de fato públicos, mas sim empreendimentos privados acessíveis ao público, cabe essa exemplificação no nosso contexto, uma vez que, devido a escassez de espaços públicos de qualidade, os shoppings, muitas vezes, são vistos pela população como a única opção segura de entretenimento. Fator de enorme relevância, uma vez que a segurança tem se mostrado a condição principal nas escolhas de locais para desempenhar atividades de lazer e serviços (GOMES, 2006). Os “Rolezinhos”, ao passo que ganharam caráter de representação da luta pelo direito à cidade, começaram a ser reprimidos e proibidos. Por mais que a natureza desse fenômeno tenha sido, desde o princípio, apenas de lazer, as manifestações comportamentais desses jovens, ou seja, seu movimento de apropriação do espaço, foram vistas como uma turbulência no cotidiano do público alvo dos shoppings: a classe média. Escancarou-se, assim, a segregação espacial descomunal que rege a vida urbana no nosso país. É importante pontuar, no entanto, que esses adolescentes não tinham o objetivo de protestar. O caráter político foi um efeito colateral da movimentação natural desses adolescentes da periferia em busca de seus direitos de viver a cidade. Levantamos, portanto, novamente a crítica: os espaços de pertencimento universal se tornam segregacionistas à medida que se voltam a apenas uma camada da sociedade. 24
  • 15. Os humanos são seres sociais, dessa maneira, como citamos, tendem a se agrupar com seus semelhantes. A segregação espacial, no entanto, custa caro a essa característica humana, visto que é o espaço público que provém canais de movimento, articulação de comunicação e lazer (CARR et al, 1992, apud GOMES, 2006). É nele que as trocas pessoais mais valiosas ocorrem. Lang (1987), por sua vez, enfatiza que é necessário um equilíbrio entre o espaço físico e o social para que as relações se desenvolvam da maneira adequada. Dessa forma, visto que o bem estar psicológico dos indivíduos está intimamente relacionado com as 25 Apesardacaracterísticahumana de carecer da relação com outros seres da mesma espécie, há, por outro lado, a necessidade de privacidade em diversos níveis e momentos da vida urbana. Anteriormente, citamos que o conceito de espaço pessoal é facilmente percebido nas cidades, assim como a territorialidade terciária. Um exemplo deste é a forma como nos comportamos em ESPAÇO PESSOAL E TERRITORALIDADE NO MEIO URBANO uma praia. Embora seja um espaço de uso público, sem barreiras fixas, demarcamos o nosso território momentâneo com o uso de objetos, como guarda-sol e toalhas. Durante esse período de uso, esperamos que aquele recorte do espaço seja compreendido por terceiros como território e que, portanto, não seja invadido sem permissão. Essa noção de respeito por limites abstratos suas relações interpessoais, por consequência, sofre forte influência do ambiente e da forma como eles estão inseridos no meio urbano. Assim, a carência de espaços públicos de qualidade e a negação dos poucos existentes é também uma forma de negar novos vínculos sociais à parte marginalizada da sociedade. Logo, é crucial que o meio físico sustente as estruturas sociais das mais diversificadas (RAPOPORT, 1977, apud GOMES, 2006) para que promova relações sem distinções. O movimento de apropriação dos espaços, portanto, não é uma busca apenas por identidade, mas também por laços, pela manutenção da vida em comunidade por bem estar. BEM ESTAR E SOCIEDADE 26 é adquirida ao longo do nosso crescimento, através das vivências que temos em comunidade. O espaço pessoal por sua vez, é observado com mais frequência em relação à territorialidade, por tratar-se de um limite que envolve a pessoa e a acompanha em todos os momentos e lugares. No transporte público, por exemplo, ele é violado quando a pessoa que se senta ao nosso lado não cumpre um certo distanciamento. É importante ressaltar, no entanto, que tal distância, ou seja, o tamanho do espaço pessoal de cada indivíduo é diferente e se altera com base nas suas experiências, crenças e cultura, conforme explicam Elali e Pinheiro (2011, p. 145). Além disso, há momentos em que, por não haver outra opção, a invasão é justificável. Exemplificando, quando há espaço em um banco de uma praça para que a pessoa se sente mais distante de nós e ela escolhe sentar ao nosso lado, nos sentimos invadidos. Caso o banco já esteja ocupado na outra extremidade, avaliamos tal comportamento como aceitável. Apesar disso, dependendo dessa proximidade e se há contato físico ou não, ainda que aceitável, pode significar um incômodo. Assim, os indivíduos estão sempre vivenciando a cidade entre as concepções de apropriação e espaço pessoal, relações sociais e privacidade. O meio físico, portanto, deve suportar essa variação, visto que ambos os extremos constituem necessidades humanas.
  • 16. PANDEMIA E QUARENTENA: MUDANÇAS NAS RELAÇÕES URBANAS 2020 e a pandemia do novo coronavírus trouxeram consigo uma mudança considerável nas relações interpessoais e de apropriação dos espaços. O fato da população se isolar em suas casas e evitar grandes deslocamentos causou uma redução da ocupação dos grandes centros urbanos e um aumento no uso dos comércios e serviços de bairro, consequentemente, os problemas de mobilidade tão presentes nas cidades atuais foram altamente reduzidos. Em contrapartida, a busca por áreas de lazer ao ar livre aumentou e o uso de transportes particulares em detrimento dos públicos também. Com isso, a tendência para os próximos anos é de termos bairros cada vez mais autossustentáveis, com mais áreas verdes e planejados a partir do ponto de vista do pedestre, e não mais do carro. Deize Sbarai Sanches Ximenes e Ivan Carlos Maglio, em seu artigo de setembro de 2020 publicado no jornal da USP, trouxeram pontuações de grandes autores da área, Jane Jacobs e Jan Gehl, sobre críticas e reflexões feitas anos antes em relação ao planejamento urbano. Jacobs, desde 1961 criticava a ideologia urbanística do modernismo, a qual separava esquematicamente o uso do solo, enquanto que Gehl, em 2013, já ressaltava a importância do resgate da dimensão humana nas cidades. É de extrema importância, dessa forma, que as políticas públicas trabalhem de acordo com as mudanças comportamentais que a pandemia trouxe, caso contrário o futuro de nossas cidades será de cada vez mais carros nas ruas e estresses urbanos. Ágatha Depiné em sua publicação no site VIA UFSC, diz “Budapeste sofreu uma redução de 90% no uso de ônibus e 50% no tráfego rodoviário. Nas cidades chinesas, após o fim das restrições e quarentena, o medo de contágio na população fez com que o uso de transporte público fosse reduzido pela metade e corridas de táxis se tornassem menos frequentes, duplicando o uso de carros particulares nas ruas.” Outra situação que ganhou repercussão através da mídia foi a narrativa de uma “pandemia democrática”, sustentada pelo argumento de que ninguém estaria livre da COVID-19, independe do sua condição social. Oliveira et al (2020), no artigo “Desigualdades raciais e a morte como horizonte - considerações sobre a COVID-19 e o racismo estrutural”, discorre sobre como a pandemia escancarou a divisão socioeconômica no nosso país. Visto que, os indivíduos que mais precisam se expor ao vírus são “Predominantemente trabalhadores precarizados, que não possuem 27 o privilégio de ficar em casa, que utilizam os transportes públicos superlotados; têm acesso precário ao saneamento básico [...]”. No cenário pandêmico, todos os fatores deturpantes da cidade, como os estressores e anomalias, somam-se ao perigo iminente do vírus, que se mostra de forma mais rígida e constante para populações em situação de vulnerabilidade social. No artigo são apresentados dados do Ministério da Saúde em seus boletins epidemiológicos, que destacam a queda das internações e óbitos em brancos e o aumento em negros, fator que indica justamente essa incoerência urbana onde algumas vidas tem o privilégio de permanecer seguras em casa enquanto outras precisam se colocar a mercê de vários problemas urbanos, que se atenuam em época de crise. Espera-se por fim, que as cidades pós pandemia passem a privilegiar mais os cidadãos periféricos, e através de uma reparação social, promover a saúde, bem estar, segurança, redução dos estresses urbanos e melhoramento dos espaços públicos, valorizando o coletivo em prol do particular. Outro fator indispensável é elaborar espaços que melhorem a qualidade de vida e que possibilitem uma menor necessidade de contato, visto que o fator densidade, além de um estressor urbano passa por um aspecto de saúde quando falamos sobre o distanciamento social exigido na pandemia. Pedro da Luz Moreira, professor de Arquitetura da Universidade Federal Fluminense, já disse, “O urbanismo pode estimular hábitos como exercícios e caminhadas, ao oferecer boas calçadas, em vez de privilegiar espaços para carros. Mas também deve se voltar à saúde psíquica, dotando diferentes áreas da cidade com equipamentos educacionais e de lazer.”. PROPORÇÃO DE ÓBITOS POR COVID-19, SE- GUNDO RAÇA/COR, DIA DA DIVULGAÇÃO E SEMANA EPIDEMIOLÓGICA (SE) PROPORÇÃO DE HOSPITALIZAÇÕES POR CO- VID-19, SEGUNDO RAÇA/COR, DIA DA DI- VULGAÇÃO E SEMANA EPIDEMIOLÓGICA (SE) 0 10 20 30 40 50 60 70 80 15 16 17 18 19 20 PORCENTAGEM SEMANA EPIDEMIOLÓGICA Negros Brancos 0 10 20 30 40 50 60 70 15 16 17 18 19 20 PORCENTAGEM SEMANA EPIDEMIOLÓGICA Negros Brancos 0 10 20 30 40 50 60 70 80 15 16 17 18 19 20 PORCENTAGEM SEMANA EPIDEMIOLÓGICA Negros Brancos 0 10 20 30 40 50 60 70 15 16 17 18 19 20 PORCENTAGEM SEMANA EPIDEMIOLÓGICA Negros Brancos 28
  • 17. CONCLUSÕES 29 Visamos aqui fazer uma reflexão acerca de dois pontos principais tratados no texto. Primeiramente seria importante destacar quais características de uma ambiente público promovem o bem-estar psicológico, e em seguida, quais são as características de um espaço público que incitam a apropriação dos diferentes grupos socioculturais. A respeito da primeira questão, percebe-se que a demasiada exposição às demandas e aos estressores ambientais presentes nas grandes cidades influenciam um estilo de vida acelerado e estressante, no qual o sujeito se vê alienado por meio de sua rotina do dia a dia. Por conta disso, torna-se demasiado importante a presença em nossas cidades de ambientes que promovam a restauração desse desgaste cotidiano. Diversos estudos realizados no campo da psicologia ambiental analisam quais são as características presentes em um ambiente que permitem e/ou promovem a restauração do indivíduo. Dentre eles, duas teorias se destacam, ambas desenvolvidas na década de 80, a Teoria Psico-evolucionista, desenvolvida por Roger Ulrich, que aborda os ambientes restauradores a partir de uma visão do desgaste por acúmulos de stress, e a Teoria da Restauração da atenção, desenvolvida por Rachel e Steven Kaplan, a qual aborda a restauração a partir do desgaste da atenção dirigida. (ALVES, 2011) Apesar de possuírem pontos de 30 partida distintos, ambas as teorias concordam quanto às características necessáriasparaatornarumambiente restaurador, destacando em especial os ambientes naturais. Analisando os grandes centros urbanos tais como são, ambientes construídos e muitas vezes hostis ao fluxo natural da vida, vê-se a importância da inserção de espaços verdes naturais no interior dessas cidades, tais como praças e parques urbanos, permitindo assim uma breve fuga da correria da vida cotidiana. Benefícios do contato com a natureza, mesmo que breve, são reportados em diversos estudos, demonstrando a redução da frequência cardíaca e a diminuição dos níveis de ansiedade e stress dos indivíduos após a exposição à ambientes naturais. Evidencia- se também, como concluído nos estudos realizados pelo casal Kaplan, que ambientes que promovem a utilização da atenção por fascinação (que não necessita de um esforço consciente) facilitam a posterior realização de tarefas dirigidas. Ressalta-se que não apenas ambientes puramente naturais, mas a simples presença de elementos naturais nos ambientes construídos, como luz natural e inserção de vegetação, também influenciam no processo de restauração dos indivíduos. Assim, percebe-se como a arquitetura presente nas cidades tende a possuir um impacto muito grandenoestilodevidadoscitadinos, e a pura substituição de ambientes fechadoseacondicionados,taiscomo shopping centers, por ambientes abertos, como ruas comerciais, podem colocar o indivíduo em contato com elementos naturais e restauradores, além de garantir um caráter mais inclusivo à cidade. A segunda questão diz respeito às características dos ambientes públicos que incentivam este caráter inclusivo dos espaços e consequentemente uma apropriação mais igualitária pelos diferentes grupos socioculturais. A identificação, fator apontado por Enric Pol (1996) é o item primordial para um indivíduo se sentir disposto e à vontade para se apropriar de um espaço. Elementos cotidianos que façam com que ele enxergue sua história, semelhantes e raízes os deixam mais confortável para ter uma relação bilateral com a cidade: se projetar no espaço na medida que o espaço se projeta nele. Nesse aspecto, se sentir pertencente a um ambiente, tira o indivíduo de local de anonimato urbano e o coloca em um espaço de responsabilidade coletiva, criando uma relação de genuína de mutualismo entre citadino e cidade. Com isso, é importante avaliarmos, no papel de arquitetos e urbanistas, a história local, figuras de liderança, representatividade, hábitos, lutas e interesses, para então criar mecanismos que permitam que os indivíduos daquela sociedade se reconheçam e, principalmente, se manifestem naquele espaço. Necessitamos também reconhecer as diferentes formas de experimentação do espaço público em questão pelos
  • 18. 31 distintos perfis de usuários e seus respectivos estilos de vida, podendo assim planejar um espaço que supra as necessidades ambientais de todos esses grupos sócio-culturais. A apropriação caminha de encontro ao conceito de Apego ao Lugar, que está diretamente ligado à memória afetiva e ao imaginário pessoal. Esse fator tende a ser individual no micro, porém, na visão urbana, o Apego se dá em vizinhanças, bairros, comunidades, cidades e até mesmo países. Elementos urbanos que promovam a união desses grupos e respeitem sua história certamente irão se englobar de forma harmoniosa e saudável ao espaço e aos indivíduos. O conceito de apropriação e apego a o lugar passa também por um viés político, relacionado ao direito à cidade. Aspecto que, segundo Henri Lefebvre, é um direito coletivo de remodelação urbana, e para isso, seria primordial criarmos cada vez mais mecanismos de participação através de políticas públicas - como projetos urbanos participativos, por exemplo -, e eleger governantes que coloquem a representatividade e história urbana em primeiro plano. Por fim, entende-se que da mesma forma que a territorialidade mostra sua função ao organizar as casas, bairros, cidades, estados, países e interações humanas, a apropriação tem função de organizar histórias, memórias e relacionamentos urbanos. Desta forma, cabe ao arquiteto e urbanista, traduzir os interesses das comunidades, criando espaços que promovam o bem estar, valorizem a história, promovam senso de identidade e privilegiem os indivíduos que estão às margens - em um cenário habitual ou pandêmico. Com o foco em reduzir os estressores e tratar, de forma social e humana as anomalias urbanas, criando uma cidade mais saudável, inclusiva e afetiva,colocandooindivíduosempre em seu papel de protagonista. 32 REFERÊNCIAS: AGOPYAN, Kelly Komatsu. É possível ressignificar o uso dos espaços urbanos pós pandemia? Justificando, 15 de junho de 2020. Disponível em: https://www.justi- ficando.com/2020/06/15/e-possivel-ressignificar-o-uso-dos-espacos-urbanos-pos- -pandemia/. Acesso em 11 de novembro de 2020. BRITO, W. C. . Reflexões críticas sobre a vida acelerada. ECOS - Estudos Contempo- râneos da Subjetividade , v. 8, p. 64-76, 2018. CAVALCANTE, Sylvia; ELALI, Gleice A. (org.). Temas básicos em psicologia ambiental. Petrópolis (RJ): Editora Vozes, 2011. 218 páginas. DEPINÉ, Ágatha. Resiliência urbana e o impacto da Covid-19 nas cidades. Via Esta- ção Conhecimento, 14 de abril de 2020. Disponível em: https://via.ufsc.br/resilien- cia-urbana-covid-19/. Acesso em 21 de novembro de 2020. FERNÁNDEZ, Baltasar Ramírez. El medio urbano. Psicología ambiental / coord. por Juan Ignacio Aragonés Tapia, María Amérigo Cuervo Arango, 2000, ISBN 84-368- 1515-7, págs. 259-280 GOMES, Frederica Stanke Gonçalves. Diversidade de grupos, características físico- -espaciais e apropriação do espaço urbano em cidades de crescimento recente. Dis- sertação de Mestrado - PROPUR/UFRGS. Porto Alegre, 2006. LEFEBVRE, Henri. O Direito à Cidade. São Paulo, Centauro, 2006. ________. A Revolução Urbana. Belo Horizonte: EDUFMG, 2004. MAGLIO, Ivan Carlos; Ximenes, Deize Sbarai Sanches. A vida urbana nos espaços públicos e áreas verdes pós-pandemia. Jornal da USP, 3 de agosto de 2020. Disponí- vel em: https://jornal.usp.br/artigos/a-vida-urbana-nos-espacos-publicos-e-areas- -verdes-pos-pandemia/ Acesso em 18 de novembro de 2020. MOSER, Gabriel. Introdução à Psicologia Ambiental: pessoa e ambiente. Campinas: Editora Alínea, 2018. ISBN 978-85-7516-815-8. Págs. 129-214 ROLNIK, Raquel. Pandemia e o futuro das cidades. Labcidade FAU USP, 6 de abril de 2020. Disponível em: http://www.labcidade.fau.usp.br/pandemia-e-o-futuro-das- -cidades/. Acesso em 20 de novembro de 2020. VAN DEN BERG, Rogier. How Will COVID-19 Affect Urban Planning? The City Fix, 10 de abril de 2020. Disponível em: https://thecityfix.com/blog/will-covid-19-affect-ur- ban-planning-rogier-van-den-berg/ Acesso em 8 de novembro de 2020.
  • 19. ACADÊMICAS: FRANCHESCA MEDINA LAÍS EFFTING DE ANDRADE LUIZA LOBATO KINAST NATÁLIA BASSANESI BATISTA TEREZA PEIXOTO SCHULZ MACEDO