1) O imperador D. Pedro I do Brasil enfrentava uma crise política e econômica, com tensões crescentes entre o poder legislativo e o executivo. 2) Benjamin Constant aconselhou D. Pedro I a abdicar do trono brasileiro em favor de seu filho e estabelecer uma regência, para garantir a ordem. 3) A insatisfação popular aumentava devido à inflação, carestia e interferência portuguesa nos assuntos brasileiros.
4. Sumário
Introdução 7
A queda do primeiro imperador 10
O “carro da revolução” 20
A sociedade multifacetada 31
Rebelar e revelar 51
Autocrítica de um revolucionário 66
C ronologia 70
R eferência s e fontes 73
S ugestões de leitura 75
S obre o a utor 78
I lustra ções (entre p .40-41)
5. Créditos das ilustrações
1. L ito g ra fia d e F .A. Se rra n o , s/ d.
2. F o lh a d e ro s to d o p rim e iro n ú m e ro d e O Repúblico, p u b li
c a d o e m 2 . 1 0 . 1 8 3 0 .
3 . A liberdadeguiando opovo. Ó le o s/ tela de E ug én e D e la c ro ix ,
18 3 0 .
4 . E s ta m p a a trib u id a a R a fa el M en d e s de C a rva lh o , 18 4 0 .
L ito g ra fia d e F red eric o G u ilh e rm e B rig g s.
5 . C a ric a tu ra d e M a n o e l A ra ú jo P o rto A le g re , 18 3 7 . L ito g ra fia
d e V íc to r L arée.
6 . C a ric a tu ra d e M a n o e l A ra ú jo P o rto A le g re , 18 3 6 .
7 . E sta m p a a n ó n im a d e 18 3 9 . L ito g ra fia d e F red eric o G u i
lh e rm e B rig g s.
8 . Negra ao violão, padre dançando. A q u a re la , g u a c h e e tin ta
fe rro g rá fic a , a n ó n im o , c . 18 2 9 .
9 . Rua Direita, Rio de Janeiro. G ra vu ra de R u g en d a s, s/ d.
L ito g ra fía de E n g e lm a n n .
6. Introdução
O período das Regencias (1831-1840) foi considerado
como “o mais interessante, dramático e instrutivo da
Historia do B rasil” por João Manuel Pereira da Silva,
um de seus primeiros historiadores. E ntretanto, não é
exagero afirmar tratar-se também de um dos momen
tos históricos menos conhecidos, talvez justamente
pela complexidade e variedade de sinais que nos trans
mite. Além de parecerem labirinto, as Regencias en-
contram-se enquadradas em determinadas abordagens
que dificultam ainda mais a compreensão.
Em primeiro lugar, o período em questão foi tacha
do de caótico, desordenado, anárquico, turbulento e
outros adjetivos conexos. Este era o discurso de parte
dos grupos dirigentes da época, envolvidos nos emba
tes de construção do Estado nacional brasileiro e bus
cando formas de legitimar o exercício de poder e de
coerção. Tal postura fixou-se na pena dos historiadores
monarquistas do século X I X , perpetuou-se em ramos
da historiografia e ainda hoje pode ser lida e ouvida
com certa freqüência.
7. MARCO MOREL
Num campo oposto, optou-se por enfocar as rebe
liões do período (que não foram poucas) como forma
de trazer à tona aspectos de conflito, resistencia e
opressão da sociedade brasileira. Essa perspectiva, em
bora mais promissora, ainda deixa alguns problemas.
Um deles é o risco do anacronismo, quando a preocu
pação em denunciar situações do presente pode levar
os que escrevem ou contam história a “adequá-la” às
questões imediatas do tempo atual, prejudicando assim
a compreensão mais ampla e específica daquelas lutas.
A soma de variáveis e paradoxos pode desanimar
pesquisadores, sobretudo os que se apegam à fórmula
explicativa prévia, bem assentada e imune a dissonân
cias, em geral visando a uma narrativa onde tudo se
encaixa às mil maravilhas... Sem esquecer o risco de
simplificação didática que encobre qualquer matéria:
uma explicação mais cômoda e esquemática (ainda que
repleta de boas intenções) tende a cristalizar temas que
poderiam ser problematizados e renovados; estimula a
“decoreba” de nomes, datas e episódios esvaziados de
sentido; enfim, espanta qualquer curiosidade. Q uem
ainda lembra os nomes dos sete regentes provisórios,
trinos e unos?
Vistas como espécie de parênteses ou hiato entre os
reinados de dois Pedros (um interregno!), as Regências
não raro são varridas para baixo do tapete, ficando
apenas uma ponta à mostra.
• 8 •
8. O PERÍODO DAS REGÊNCIAS
Apesar de tantos fatores, o interesse pelo período
regencial vem crescendo, sobretudo em teses e pesqui
sas académicas que ainda não tiveram repercussão jun
to a um público mais ampio e que este trabalho pro
cura, em parte, incorporar.
Meu enfoque sobre as Regências tende a concordar
com a avaliação daquele antigo historiador, mas apon
tando para caminhos diversos. Penso que o período
regencial pode ser visto como um grande laboratorio
de formulações e de práticas políticas e sociais, como
ocorreu em poucos momentos na historia do Brasil.
Nele foram colocados em discussão (ou pelo menos
trazidos à tona): monarquia constitucional, absolutis
mo, republicanismo, separatismo, federalismo, libera
lismos em várias vertentes, democracia, militarismo,
catolicismo, islamismo, messianismo, xenofobia, afir
mação de nacionalidade, diferentes fórmulas de orga
nização de E stado (centralização, descentralização, po
sições intermediárias), conflitos étnicos multifaceta-
dos, expressões de identidades regionais antagônicas,
formas de associação até então inexistentes, vigorosas
retóricas impressas ou faladas, táticas de lutas as mais
ousadas... A lista seria interminável.
Essa movimentação envolveu setores ampliados,
desde escravos, índios, grupos urbanos, rurais, intelec-
(liais, camadas pobres, nobres, grandes e pequenos
proprietários, cujos comportamentos políticos podiam
não corresponder de maneira simétrica ao que se espera
9. MARCO MOREL
das respectivas posições na hierarquia da sociedade. O
período regencial representou momento de explosão
da palavra pública em suas múltiplas (e nem sempre
tranquilizadoras) possibilidades, momento de plurali
dade que, se não foi puramente “desordeiro”, também
não significou somente expressão de posições monolí
ticas e definidas.
A importância do período regencial coloca-se por
que, dilacerante, ele foi momento-chave para a cons
trução da nação brasileira, quando, ao custo de muitas
vidas e despesas, garantiu-se a independência e o cami
nho de uma ordem nacional, com determinadas carac
terísticas. A estrutura política — que se pretendia
consolidar como E stado nacional — abalava-se pela
ausência de poder centralizado na figura do monarca e
pela emergência de atores históricos variados com suas
demandas sociais. O Brasil recém-independente pare
cia prestes a se despedaçar, mas acabou tomando um
rumo. O período regencial foi, portanto, tempo de
esperanças, inseguranças e exaltações, tempo de rebel
dia e de repressão, gerando definições, cujos traços
essenciais permanecem na sociedade.
A queda do primeiro imperador
Nos idos de 1827 chega às mãos de d. Pedro I uma carta
do escritor e político suíço-francês Benjamin Constant
■ 1 0 ■
10. O PERÍODO DAS REGÊNCIAS
(um dos criadores do moderno liberalismo) com algu
mas sugestões, ou conselhos, sobre o destino pessoal do
monarca luso-brasileiro diante de encruzilhada: a crise
dinástica portuguesa e a situação brasileira, que vislum
brava momentos preocupantes.
Como se sabe, d. João V I faleceu sem esclarecer sua
sucessão e, legalmente, d. Pedro torna-se ao mesmo
tempo imperador do Brasil e herdeiro do trono de
Portugal. D. Pedro, então, assume por algum tempo as
duas coroas (ou seja, reunificando Brasil e Portugal sob
uma mesma direção, pouco mais de três anos após a
independência) e outorga uma Constituição para o
reino de Portugal nos moldes da Carta liberal e também
outorgada do Brasil. Em seguida, renuncia ao trono
lusitano em nome de sua filha, Maria da G lória. Tal
medida é contestada pelos setores tradicionalistas e
identificados com o ainda vivo Antigo Regime portu
guês: o irmão de d. Pedro, d. Miguel, arroga para si o
trono, sendo então considerado usurpador por d. Pe
dro e seus partidários.
No Brasil, a monarquia recém-confirmada após a
independência enfrenta e cria hostilidade diante das
repúblicas vizinhas, da qual a G uerra Cisplatina, en
volvendo Brasil e Argentina numa disputa pelo terri
tório do atual Uruguai, é a parte mais aguda. Ao
mesmo tempo, em 1826 aAssembléia G eral Legislativa
do Império do Brasil (Câmara dos D eputados) e o
Senado começam a funcionar pela primeira vez, pro-
11
11. MARCO MOREL
piciando, assim, canais de expressão e. participação
política, que se estendem pela imprensa. O poder
Legislativo torna-se interlocutor de peso para o mo
narca, que concentra os poderes E xecutivo e Mode
rador. Começa, pois, a despontar uma tensão, que se
agravaria.
Na carta manuscrita em francés, em cuidadosa cali
grafia, B enjamín Constant dizia sem meias palavras: d.
Pedro deveria abdicar ao trono do Brasil, em nome do
príncipe herdeiro, e deixar uma Regencia sábia e mo
derada governando durante sua menoridade. Dessa
forma — continuava — estariam garantidos a ordem,
a monarquia e o sta tus quo, enquanto d. Pedro, que
seria sempre visto como representante da tirania no
Brasil (devido à comparação com as repúblicas ameri
canas), passaria a ser saudado como paladino das liber
dades na E uropa.
As crises cruzavam-se na sociedade brasileira. No
campo político, acentuava-se a queda de braço entre o
Legislativo (deputados) e o poder do imperador, apro
fundada com a segunda legislatura de 1830, quando
medidas governamentais eram duramente criticadas.
Pesava também a interferência de d. Pedro I na situação
ibérica, valendo-lhe o estigma de “português”, sem
falar das levas de soldados e civis portugueses que,
fugidos de d. Miguel, desembarcavam no Brasil e
eram acolhidos pelo monarca e mantidos pelos cofres
públicos.
■ 1 2 ■
12. O PERÍODO DAS REGÊNCIAS
O campo econômico não era mais fácil. A inflação
aumentava, a carestía atingia amplos setores. O gover
no monárquico brasileiro estava cerceado em uma de
suas principais fontes de renda, os impostos sobre os
produtos importados. A renovação em 1827 do Trata
do de Aliança e Amizade com a Inglaterra (nos mesmos
termos de 1810) mantinha tarifa preferencial de 15%,
isto é, mais baixa, para os produtos ingleses. Inconfor
mados com a desigualdade de tratamento, os demais
países, que tinham que pagar taxas de 24% , pressiona
ram. E acabaram obtendo vantajosa nivelação por
baixo, com a tarifa preferencial estendida a todos em
1828 — o que resultava em menos arrecadação para os
cofres brasileiros. A Câmara dos D eputados barrava
aumentos de impostos internos. A emissão de dinheiro
(e a circulação impressionante de moedas falsas de
cobre), além de aumentar a inflação, atingia de perto
o bolso das camadas menos privilegiadas. Acirrava-se a
tensão entre comerciantes (a maioria portugueses) e
boa parte da população, acentuando as cores do anti-
lusitanismo, inclusive nos meios populares. Haviaforte
temor, referendado por tantos indícios, de reunificação
entre Brasil e Portugal, isto é, da recolonizaçao.
O utra fonte de recursos foi a dívida externa, inau
gurada em 1824 com empréstimos ingleses que se
repetiam rapidamente, cujo pagamento só fazia agravar
as condições financeiras do país recém-independente.
A pressão inglesa pelo fim do tráfico de escravos gerava
1 3
13. MARCO MOREL
descontentamentos entre grandes proprietários e tra
ficantes, deixando o governo espremido entre duas
forças.
Além de tudo, o Brasil saíra derrotado da guerra
continental, perdendo a província Cisplatina de seu
território e agravando o panorama: gastos bélicos, des
gaste político e moral. E as repressões internas —
mortes, prisões e exílios de adversários — acumulavam
rancores.
Em setembro de 1830 um episódio que poderia ser
banal tornou-se centro das atenções na capital brasilei
ra, exacerbando ânimos. Nada de muito grandioso,
para quem olha mais de século e meio depois, mas há
eventos que se tornam descartáveis ou esquecidos após
terem monopolizado atenções e parecido importantes,
pelo menos para quem os vivenciou. Marinheiros do
navio militar francês L a C aroline, ancorado na Praia
G rande (atual Niterói), desceram em terra para caçar
e adentraram nos terrenos do fazendeiro Manuel Fran
ça, apelidado de Cavalão. Este, que não gostava de
intrusos em sua propriedade e fazendo jus ao apelido,
juntou seus escravos e botou os franceses para correr
debaixo de bastonadas. Os ofendidos não deixaram por
menos, retornaram em bando armado, amarraram o
proprietário brasileiro num tronco e chicotearam-no,
acrescentando insultos como “brasileiro de merda” e
“mulato tem que abaixar a cabeça para os franceses”,
entre outras afirmações do gênero.
14. O PERÍODO DAS REGÊNCIAS
O fazendeiro participava de círculos influentes e era
irmão do deputado Sousa França (futuro ministro da
Justiça). A agressão tornou-se escândalo, ocupando os
jornais, as conversas de rúa e das casas, beirando o
incidente diplomático, mobilizando ministros brasilei
ros e os representantes franceses. Num contexto de
afirmação da nacionalidade, que sempre sucede as
proclamações de independencia, as ofensas foram con
sideradas dirigidas ao povo brasileiro como um todo.
Jornais de oposição como A urora F luminense, A stréa e
N ova L uz B ra z ileira tomavam o caso em mãos, exigiam»
indenização e retratação pública das autoridades fran
cesas. A França passou a ser vista como exemplo de
brutalidade, de dominação colonial (a tomada deAlger
acabara de ocorrer), de política carcomida do Velho
Mundo... Até mesmo Evaristo da Veiga parafraseou
versos de sua autoria no H iño da I ndependencia , reafir
mando a identidade americana do Brasil e repudiando
as instituições européias.
No auge dessa polêmica chegam outros navios fran
ceses aos portos brasileiros, arvorando não mais o
estandarte branco com a flor-de-lis (símbolo da mo
narquia restaurada) e sim a bandeira azul, branca e
vermelha da Revolução Francesa. O que ocorrera, per-
l>untavam-se as pessoas perplexas aglomerando-se no
t ais? Uma insurreição que começara em Paris em fins
tle julho de 1830, (conhecida como Três Jornadas de
lullu)), com direito a barricadas e conflitos armados,
■ 1 5 •
15. MARCO MOREL
destronara o rei Carlos X , identificado ao despotismo
e às permanências do absolutismo. O último dos Bour-
bons era varrido de cena, reacendendo a flama de 1789-
Em rápida manobra política, tirando o poder das
“ruas”, foi coroado o duque Luís Felipe de O rléans,
chamado de “rei cidadão”.
A mudança de referências no Brasil foi instantánea.
A França passou a ser designada pela mesma oposição
liberal como pátria das Luzes, da civilização, e exemplo
de liberdade para o mundo. A assimilação Carlos X
Pedro I foi imediata. Nas cidades brasileiras ocorreram
festejos pela queda do monarca... francês, com alusões
pouco sutis ao imperador do Brasil. A oposição subia
de tom.
Aliás, uma comparação com a imprensa francesa nos
meses que antecederam as Três Jornadas de Julho (jor
nais como o moderado L e N a tiona l e o neojacobino L a
T ribune des D épa rtements) deixa evidente que esta era
mais prudente e contida do que viria a ser a imprensa
oposicionista brasileira antes da saída de d. Pedro I.
Constatação que põe em xeque análises, repetidas, de
que o liberalismo da França seria mais “avançado” que
o do Brasil, de que as idéias e fatos franceses teriam
“influenciado” os rumos políticos do Brasil, como o
próprio fim do Primeiro Reinado. Porém, o que se
percebe é que a linguagem e as proposições da imprensa
brasileira nesse momento foram mais contundentes e
arrojadas, inclusive no que se referia à soberania do
1 6
16. O PERÍODO DAS REGÊIÍCIAS
monarca e ao direito de resistencia dos povos. O u seja,
os “influenciados” acabam escolhendo, por seus pró
prios critérios e interesses, que tipo de “influência”
valorizar.
Havia outros exemplos usados pelos protagonistas,
dentro do quadro ibero-americano, tal como a compa
ração de Pedro I ao despotismo de Fernando V I I , na
E spanha. E mesmo a deposição e morte de Simon
Bolívar, naqueles dias, serviriam para comparações
sugestivas: Bolívar era visto pelos liberais brasileiros
como Libertador que se tornaia déspota e traidor,
enquanto os partidários do governo imperial brasileiro
elogiariam a saga bolivariana por suas tentativas de
1centralizar e unificar... as Américas. Assim, além da
máscara de Carlos X , d. Pedro I foi também associado
de maneira negativa a Bolívar e Fernando V I I , no
contexto que resultaria em seu afastamento definitivo
do Brasil.
O imperador reúne o Conselho de E stado para
avaliar o quadro. E ntre os pareceres de dez conselhei
ros, sete temiam ameaças da ordem e mesmo uma
revolução no Brasil, seis atribuíram o enfraquecimento
do prestígio do monarca à imprensa de oposição e
cinco jogavam a responsabilidade pelo clima político
nas Três Jornadas parisienses. Seis dos conselheiros
propuseram o adiamento da próxima sessão legislativa,
cm tentativa de serenar os ânimos, e apenas o ministro
da G uerra, general Tomás Joaquim Pereira Valente,
■ 1 7 ■
17. MARCO MOREL
conde do Rio Pardo, defendeu o fechamento da Cá
mara dos D eputados pelo imperador, sem previsão
para reabertura.
O campo estava minado. As conspirações se acen
tuaram. Tensões, insatisfações e ressentimentos aflora
vam. Boa parte dos políticos brasileiros que emergia
naqueles anos começou a conspirar contra d. Pedro I,
que, por sua vez, isolava-se num círculo palaciano
estreito e conservador, identificado ao campo político
chamado de “português”. E ntre os dias 11 e 14 de
março de 1831 eclodiram no Rio de Janeiro violentos
conflitos de rua envolvendo portugueses e brasileiros,
episódio conhecido como Noite das G arrafadas, do
qual foi estopim, entre outros, Antonio Borges da
Fonseca, redator de O R epúblico. Em Salvador, a cidade
foi tomada por embates do mesmo gênero, e até mais
violentos: as cenas dos Mata Marotos, quando comer
ciantes portugueses foram linchados nas ruas e muitas
casas saqueadas, em 13 de abril (a notícia da abdicação
ainda não chegara à Bahia), evento no qual se envolveu
Cipriano Barata, redator do periódico S entinela da
L iberda de que passara quase todo Primeiro Reinado
como preso político.
D. Pedro I ainda tenta salvar a situação e convoca a
19 de março, pressionado pelas manifestações, um
novo ministério, no qual predominam políticos brasi
leiros da nova geração. Mas, sentindo-se acuado, a 5 de
■ 1 8 ■
18. O PERÍODO DAS REGÊNCIAS
abril o monarca monta outro gabinete ministerial,
integrado por cinco marqueses e um visconde, à ma
neira do Antigo Regime.
O campo minado era o Campo de Santana, no Rio
de Janeiro, sede das principais unidades militares, onde
começou um ajuntamento de tropas e de civis. Nicolau
Vergueiro, senador, dirigente maçom, abandonou as
reuniões secretas e foi um dos que ganhou as ruas da
cidade imperial, que se enchiam de gente ávida de
cidadania, gente da “boa sociedade”, mas muitos anô
nimos também. O general Francisco de Lima e Silva,
principal nome do esquema militar do imperador,
aderiu à manifestação com seus subordinados e aliados.
“Tropa” e “povo”, segundo as palavras da época, julga-
ram-se soberanos e empurraram o governante supremo
contra a parede. E mbora não fosse de todo imprevista,
a situação precipitou-se. Isolado no palácio, d. Pedro I
busca a fórmula da abdicação em nome do príncipe
herdeiro, prevendo em seu lugar uma Regência que
deveria ser, retomando as palavras de Constant, sábia
e moderada em defesa da ordem, da monarquia e da
dinastia. O calendário marcava 7 de abril de 1831. O
Campo de Santana foi rebatizado de Campo da Honra,
enquanto o agora ex-imperador desvencilhava-se da
encruzilhada e zarpava com parte de sua família de
volta à E uropa. Começava uma inusitada — e impre
visível — fase da história do Brasil.
19. MARCO MOREL
O "carro da revolução"
Fechar o abismo da revolução e parar o carro revolu
cionário. Essas duas frases de Bernardo Pereira de
Vasconcelos, um dos políticos mais influentes durante
as Regencias, sintetizam uma preocupação que se re
petia em discursos e clamores.
Não foi à toa que “revolução” se constituiu em
palavra-chave de uma era, à qual pertence o período
regencial brasileiro. Q uando se falava em revolução em
meados do século X I X , não se tratava apenas de jogo de
palavras com intuito de iludir ou reprimir, nem de uma
espécie de premonição do marxismo, e, por outro lado,
já não se sustentava mais o tradicional registro astro
nômico empregado para a palavra, de retorno a um
ponto antigo. Esse termo, polissêmico, não se limitaria
à Revolução Francesa (ainda que incluindo-se nela o
período napoleónico até 1815) e nem estaria restrito
ao binômio revolucionários e contra-revolucionários,
sobretudo no século X I X , durante o qual as heranças e
releituras da Revolução Francesa foram múltiplas e
complexas.
A revolução não era apenas quartelada ou transfor
mação violenta e ilegal (embora esse sentido fosse
utilizado), mas aparecia como inevitável divisor de
águas na cena pública, como se tivesse vida e movimen
tos próprios. O “carro da revolução”, nesse sentido,
associava-se à idéia de progresso e relacionava-se, de
2 0
20. O PERÍODO DAS REGÊNCIAS
maneira conflituosa e complementar, com a perspecti
va de evolução. O que fazer com a revolução? Havia
basicamente três respostas: negar (os absolutistas ou
ultramonarquistas), completar e encerrar (vertente
conservadora do liberalismo) e continuar (vertente
revolucionária do liberalismo). Impossível era ignorá-
la. E stavam em jogo o rumo da sociedade e suas
transformações.
Nessa linha situava-se o debate em torno dessa
palavra com a saída de d. Pedro I do trono. Não se
limitava a uma discussão semântica.
Inspirados pelas “idéias do século”, os moderados
brasileiros viviam um paradoxo: pretendiam justificar
c encerrar a revolução sem jamais terem participado de
uma. Em outras palavras: aspiravam ao fim de um
processo revolucionário que jamais deveria existir, ape
sar dos esboços de uma memória de ruptura revolucio
nária que eles tentaram criar para o Brasil em alguns
momentos, como 1831. Até o 7 de abril, o jornal
A urora F lum inense, redigido por Evaristo da Veiga, se
abstinha de pregar uma revolução. Mas, com a desti
tuição do imperador, em suas páginas começou a se
entrever a revolução, não sem surpresa, aliás. A com
paração com o exemplo francês (as Três Jornadas de
Julho de 1830) era o mote: “
A nossa revolução gloriosa
cm nada teve que invejar os três dias de Paris. Os atos
ilc desinteresse e de generosidade, tão admirados na
liança, foram reproduzidos aqui, e se encontrarão até
cutre as pessoas da mais infeliz posição social.”
■ 2 1 ■
21. MARCO MOREL
Interessante assinalar que uma revolução glorificada
e celebrada pertence ao passado. Graças a sua caracte
rística nacional, o movimento tinha, para alívio do
redator, encoberto os conflitos sociais. E não é por
acaso a comparação com a revolução parisiense do ano
anterior: servia para acentuar o caráter nacional, os
interesses mais amplos e soberanos da nação, mas
deixava entrever a presença das camadas pobres na cena
pública.
A revolução, ainda que inesperada, estava feita. E ra
preciso encerrá-la o mais rápido possível. E para isso
nada melhor que celebrar, pois as celebrações se repor
tam ao passado... A idéia de conclusão, de ponto final
do processo revolucionário, transparece na insistência
destas linhas de Evaristo da Veiga, vinte e dois dias após
a abdicação de d. Pedro I: “
A nossa revolução foi
começada e concluída com tanta glória, e querem agora
lançar-lhe nódoa?”
Q ualificando a abdicação do imperador de revolu
ção, os moderados ensaiavam não enganar, mas aplicar
engenhosa operação política com duas dimensões: le
gitimar a construção de uma nação nos feitios de seus
interesses e frear a possível corrida do processo revolu
cionário.
Uma quinzena antes do afastamento de d. Pedro I
do poder, Borges da Fonseca, liberal exaltado, escrevia
com todas as letras: quando o governo é opressor e
injusto, a resistência à opressão é direito natural. A idéia
■ 2 2 ■
22. O PERÍODO DAS REGÊNCIAS
de revolução toma, nesse caso, significado de mudança
política violenta praticada como direito natural pelo
“povo” e tendo como causa a opressão dos governos
despóticos. Mas uma questão concreta colocava-se:
havia uma revolução em curso no Brasil?
A posição de Borges da Fonseca no inicio das Re
gencias era clara em meio às suas exclamações no jornal
O R epúblico: “Porem com que G loria, Brazileiros, fize
mos a nossa Revolução? Como com tanta facilidade
nos rejeneramos?... Mas, Considadáos, indamuito nos
resta, resta a conclusão da grande obra incetada. Creio
qe d’alguma sorte ei merecido o vosso conceito; é
tempo de moderassão.”
Relendo tal texto, de curiosa escrita ortofónica,
destacamos três aspectos. Primeiro, a revolução aparece
como regeneração, tema bastante tradicional, seja me
táfora (a cura de um corpo doente), seja um movimen
to para restaurar antigos direitos usurpados. Ao mesmo
tempo, as proposições de Borges da Fonseca não são
monolíticas, mas híbridas, pois ele enuncia também a
perspectiva eminentemente moderna de que a revolu
ção não acabou. Ao contrário, ela seria um processo
por começar, convicção que balizaria nos anos seguin
tes a atividade desse personagem, envolvido em rebe
liões. E o apelo à moderação parece traduzir mais as
alianças daquele momento de 1831 do que exatamente
uma definição de princípios. Assim* oj discursos dos
• 2 3 ■
23. MARCO MOREL
exaltados (e suas práticas) constituem-se num hibridis
mo entre referências tradicionais e modernas.
Cipriano Barata, que não participou diretamente da
composição política que desaguou no 7 de abril, iria
mais longe e criticaria, no S entinela da L iberdade, os
que estavam “empenhados em fazer revolução segundo
a Lei — o que é absurdo — e deixaram tudo quase no
mesmo estado”. Para Cipriano, portanto, não havia
revolução alguma. E esta não era apenas uma questão
de vocabulário.
E m pólo contrário, o jornal O C aramuru, porta-voz
dos restauradores, definiu sua linha: defesa da Consti
tuição sem reformas; recusa da idéia de revolução (mais
precisamente quanto à abdicação) e fidelidade ao im
perador — sem explicar se se tratava de Pedro I já
deposto ou de Pedro I I ainda não entronizado.
Compreender a abdicação de d. Pedro I como mera
substituição de governante controlada “pelas elites”
seria empobrecer a dimensão desse período e de suas
conseqüências, bem como a diversidade de atores his
tóricos que emergiam e se envolviam, buscando inter
vir. A saída do monarca representou enfraquecimento
do poder centralizador exercido com peso de séculos,
possibilitando explosão da palavra pública como nunca
ocorrera no território (que se pretendia) brasileiro.
Já no dia 7 de abril diversos setores da sociedade
sentiam essa espécie de vertigem, comportas abertas e
possibilidades amplas. E varisto, Borges da Fonseca, as
• 2 4 ■
24. O PÍRÍODO DAS REGÊNCIAS
lideranças políticas unanimemente pediam calma, pois
todos estavam imersos no mesmo caldeirão e perce
biam que o estopim aceso iria longe.
R egência T rina Provisória. Para evitar o vazio de poder,
reuniram-se no Rio de Janeiro os deputados e senado
res que ali se encontravam (era recesso legislativo) com
os ministros nomeados dois dias antes por d. Pedro I.
Do encontro saiu uma Regência Trina Provisória, com
posta pelo general Francisco de Lima e Silva (chefe
militar, representava “a tropa”), o senador Nicolau
Vergueiro (atuante na sedição contra d. Pedro, encar
nava “o povo”) e José Joaquim Carneiro de Campos
(marquês de Caravelas, tradicional membro da Corte
do Primeiro Reinado). O triunvirato expressava impro
visada tentativa de arranjo político e_governou_pouco
mais de 60 dias. Foi preciso dar um pequeno drible na
Constituição, que previa composição diferente para a
Regência em caso de ausência do monarca e menori-
dade do herdeiro.
Esse governo provisório tomou algumas medidas.
D ecretou anistia para todos os presos, condenados ou
sentenciados por crimes políticos até aquela data. Ine
gável a generosidade do gesto, mas hoje podemos supor
que a intenção talvez fosse esvaziar as prisões... para
poder ocupá-las de novo. Pois, no final do ano, haveria
cerca de 500 presos, a maioria por motivos políticos,
somente na capital do Império. Foram proibidos ajun-
■ 2 5 ■
25. MARCO MOREL
tamentos ptiblicos na capital (o medo do vulcão). E
aprovou-se lei que determinava atribuições e limites ao
poder dos regentes, com nítida supremacia do Legisla
tivo: cabia a este aprovar (ou reprovar) os ministros.
Q uanto aos chefes do E xecutivo, exerceriam um poder
Moderador esvaziado de suas principais atribuições:
nada de declarar guerra ou estado de sítio, nem de
nomear conselheiros ou dissolver a Assembléia. Até
mesmo a distribuição de títulos de nobreza e condeco
rações foi suspensa, para desespero dos cortesãos (e
aspirantes). A monarquia aparentava fraqueza.
Pode-se caracterizar a prisão de Cipriano Barata em
Salvador por “desordens”, em 28 de abril, e sua trans
ferência para o Rio de Janeiro como o primeiro fato
político importante ocorrido no Brasil após a abdica
ção de d. Pedro I, com repercussão na imprensa, nos
grupos envolvidos em debates políticos nas principais
cidades (incluindo as camadas pobres), entre os diri
gentes da Corte e até no meio dos agentes diplomáticos
estrangeiros, que relataram a seus países a detenção.
Tal encarceramento soava como primeiro sinal da
divisão das forças que haviam se unido no combate ao
ex-imperador e apontava para divergências que se am
pliariam.
Acompanhando as mudanças no epicentro do Im
pério, pelas províncias ocorreram abalos em diferentes
graus. Na Bahia, tensão e violência social eram grandes,
levando à renúncia do presidente da província, Luís
■ 2 6 ■
26. O PERÍODO DAS REGENCIAS
Paulo de Araújo Bastos, e do comandante das Armas,
brigadeiro João Crisóstomo G alado. Também no Pará
o presidente da província, barão de Itapicurumirim,
chegou a ser destituído por um motim, encabeçado
pelo cônego Batista Campos, mas conseguiu voltar ao
cargo. Nessas duas províncias era forte a presença dos
exaltados, com influência entre as camadas pobres da
população. A exclusão dos exaltados do poder central
e a hegemonia que seria imposta pelos moderados (em
nome do combate simultâneo ao antigo “absolutismo”
e à “soberania popular”) acarretariam outros conflitos.
R egência T rina P erma nente. Após um período de reu
niões regulares, os deputados e senadores elegeram, a
17 de junho, a Regência Trina Permanente, composta
pelo mesmo general Lima e Silva e pelos deputados José
da Costa Carvalho (marquês de Monte Alegre) e José
Bráulio Muniz. Na verdade, durante o período das
Regências Trinas, que duraria quatro anos e cinco
gabinetes ministeriais, a figura principal entre os regen
tes foi Francisco de Lima e Silva. Coloca-se, desse
modo, a existência de uma militarização do poder
político no período monárquico, efetivada também
pela presença de um Comandante das Armas em cada
província, nomeado pela administração central e com
poder de intervenção sobre as autoridades locais — viés
ainda pouco explorado pelos estudos históricos. Fran
cisco de Lima e Silva (pai do futuro duque de Caxias)
■ 2 7 ■
27. MARCO MOREL
era o principal membro de influente família de chefes
militares: ficara marcado por ter pessoalmente ordena
do o fuzilamento de frei Caneca e de diversos envolvi
dos na Confederação do E quador, através de comissões
militares sumarias.
Mas o ano de 1831 ainda não acabara e seria intenso:
marcava o ímpeto inicial. No plano dos embates insti-
tucionais_e parlamentares, o clima político de liberdade
levou a Câmara dos D eputados a aprovar uma série de
reformas na Constituição que, se implementadas, se
riam as mais ousadas de todo o período monárquico,
no âmbito das mudanças políticas. Os principais pon
tos previam que:
• o Império se tornaria uma monarquia federativa
• o poder Moderador seria extinto
• o senadores seriam eletivos e temporários
• as eleições parlamentares seriam bienais
• o Conselho de Estado seria extinto
O federalismo, como se sabe, aparecia como contra
ponto a uma organização centralizadora que, herdada
do E stado português, permanecia e se rearticulava após
a independência. O poder Moderador (chave-mestra
da ordem política, segundo a Constituição, e da opres
são, segundo os exaltados), exercido pelo monarca,
funcionava, na prática, como extensão do Executivo.
O Senado vitalício e os conselheiros, por sua vez, eram
uma dás bases políticas do exercício do poder imperial.
E o Senado brecou essas reformas, gerando impasse.
- 2 8
28. o p e r ío d o d a s r e g e n c i a s
O personagem que se destacaria no poder E xecutivo
durante as Regências Trinas foi o ministro da Justiça,
padre D iogo Feijó, que assumiu a pasta com superpo-
deres, equivalentes aos de um primeiro-ministro. D e
pois seria eleito o primeiro regente uno em 1835
(derrotando Holanda Cavalcanti de Albuquerque),
num processo de eleição direta, em que todos os elei
tores aptos escolheram o governante máximo da nação
para uma gestão de quatro anos — semelhança formal
que lévou alguns historiadores a qualificarem as Regên
cias de experiência republicana. Feijó, em sua persona
lidade e atuação, encarnava uma espécie de jansenismo
tardio, levando o governo brasileiro a confrontos com
a Santa Sé, por questões como o celibato clerical (Feijó
era contra, mas ao que parece obedecia-o), o poder
temporal da Igreja e a relação desta com a Coroa, já
que ambas integraram o Estado brasileiro durante todo
o período monárquico. O grupo do regente tentou
separar a Igreja do Vaticano.
E ntre as principais transformações do período no
qual Feijó foi o principal dirigente do país tivemos a
criação da G uarda Nacional, uma “milícia cidadã”
voltada para o fortalecimento dos proprietários e se
nhores locais e do poder central. Os motins e sedições
espalhavam-se em proporção crescente por todo o país,
em grande parte integrados por soldados das forças
regulares, nas quais o governo não confiava màis para
reprimir as contestações.
■ 2 9 ■
29. MARCO MOREL
O Código de Processo Criminal, aprovado em
1832, instituiu algumas mudanças que, teoricamente,
tinham caráter democrático, como o papel dos juizes
de paz que, escolhidos pelo eleitorado, possuíam con
siderável poder de jurisdição. Instituiu também o ha -
b ea s-corpus e o júri popular, além de alterar a organiza
ção jurídica do país.
A primeira reforma na Constituição de 1824 reali
zou-se dez anos depois de sua promulgação através do
Ato Adicional, que atendia a algumas demandas des-
centralizadoras, como a criação de assembléias legisla
tivas com maior grau de autonomia e deliberação,
contemplando, assim, poderes regionais. E ntretanto,
avançou pouco no plano da reforma tributária: a cen
tralização dos recursos permaneceu nas mãos do gover
no imperial graças à Lei de Responsabilidade Fiscal, de
1832, que classificava as rendas em provinciais e gerais,
cabendo à administração central a partilha dos recur
sos. Dessa maneira, como assinalou a historiadora
Maria de Lourdes Viana Lyra, os possíveis avanços
descentralizadores contidos no Ato Adicional ficavam
esvaziados, na medida em que continuavam faltando
às províncias os necessários recursos.
Imprensado por crises políticas, disputas entre os
grupos dirigentes e rebeliões que se alastravam, o padre
Feijó renuncia à Regência, sendo sucedido em 1837
pelo pernambucano (e partidário do centralismo) Pe-
■ 3 0 •
30. O PERÍODO DAS REGÊNCIAS
dro de Araújo Lima, futuro marquês de O liijda. Co
meça o chamado Regresso: a mão-de-ferro do E stado
centralizador e autoritário vai retendo o controle da
situação abalada, o poder político dos grandes proprie
tários de terras e escravos se acentua. Os aspectos
considerados mais democráticos ou descentralizadores
do Código de Processo Criminal e do Ato Adicional
seriam reinterpretados (eufemismo para sua anulação)
por leis mais conservadoras.
Com a morte do ex-imperador Pedro I como duque
de Bragança em Portugal, em 1834, os restauradores
perderam sua principal bandeira. Ao mesmo tempo, o
temor do “abismo da revolução” conduzia a uma apro
ximação destes com os moderados, isolando os exalta
dos. Um dos primeiros gestos do regente Araújo Lima
foi beijar a mão do jovem Pedro II, restaurando assim
o secular beija-mão, que andava fora de moda. As
comendas honoríficas foram restabelecidas. O Regres
so resultaria na restauração plena (e antecipada) da
autoridade monárquica constitucional em 1840: o car
ro da revolução freava.
A sociedade multifacetada
Como compreender a sociedade, alguns de seus agen
tes históricos e suas formas de participação política de
um período tão curto e intenso como as Regências?
• 3 1 ■
32. O PERÍODO DAS REGENCIAS
pos eram identificados por rótulos ou nomeações,
pejorativos ou não.
Nessa perspectiva, as lógicas que estruturam as divi
sões políticas fundamentais se expressam na tripartição
de soberanias corrente em princípios do século X I X : a
soberania do rei, a soberania do povo e a soberania da
nação. Não se trata de uma visão estanque e rígida entre
três realidades distintas, mas da compreensão do con
ceito de soberania além do “poder de decisão”, ou seja,
como relações de poder, onde as decisões são resultado
de uma tensão entre o governo e as forças políticas e
sociais. No período regencial brasileiro emergiram três
partidos, cuja gestação já vinha ocorrendo: E xaltado,
Moderado e Restaurador, com fronteiras políticas de
marcadas, embora mutáveis. Surgem, então, as primei
ras associações públicas de caráter explicitamente polí
tico no Brasil, como se verá a seguir.
E ntre os exaltados havia proprietários rurais (não em
maioria), profissionais liberais, militares, padres, fun
cionários públicos, médicos... Os lugares de formação
escolar não parecem também ser muito distintos dos
demais liberais brasileiros da época. Identificavam-se
através de jornais espalhados em diversas províncias,
como a S entinela da L iberdade, de Cipriano Barata,
N ova L uz B rasileira, de E zequiel Correa dos Santos, O
R epúblico, de Borges da Fonseca e dezenas de outros
títulos. Agrupavam-se em associações mais ou menos
restritas, como as Sociedades Federais, a G rande Loja
3 3
33. MARCO MOREL
Brasileira e outras. Esses exaltados não participaram do
poder central — pelo menos no momento em que cada
um identificava-se com tal tendência. Seu ideário —
de valorização da soberania popular — foi apropriado
e incorporado por camadas pobres da população, tanto
no meio urbano (motins dos anos 1831-1833 em
várias capitais brasileiras) como no meio rural (Caba-
nagem no Pará, entre outras).
Os líderes exaltados faziam apelo à participação das
camadas pobres da população na vida pública e acena
vam contra a opressão econômica, social e étnica.
Valorizavam também o federalismo e a descentraliza
ção administrativa, englobando assim algumas oligar
quias regionais. Fizeram uso de luta armada e identifi-
cavam-se por determinadas palavras de ordem veicula
das pela imprensa, como “Fora os corcundas” (os dés
potas e seus aliados), “
Alerta!”, valorização da “G ente
de cor” (mulatos, caboclos e negros livres), “Federação
já”, “Morte aos Marotos” (ou “Portugueses malva
dos”), “
Aristrocratas patifes”, “Liberdade dos povos”,
entre outras expressões. Apresentaram boa dose de
, divergência entre seus integrantes e condenavam a
escravidão em diferentes graus, variando a forma e o
ritmo com que propunham sua extinção, em geral de
forma gradual.
Os exaltados, por fim, nem sempre assumiam essa
denominação, sendo também chamados por outros
apelidos, como jurujubas e farroupilhas.
3 4
34. O PERÍODO DAS REGÊNCIAS
E quilíbrio, ponderação e razão pareciam compor o
lema dos moderados, vistos como expressão política
dos interesses econômicos dos plantadores de café ou
de comerciantes brasileiros das províncias do Rio de
Janeiro, São Paulo e Minas Gerais. É verdade que as
forças políticas que predominavam nessas três provín
cias (mas não apenas nelas) identificavam-se aos mo
derados, sobretudo durante as Regências, constituindo
um núcleo de poder geograficamente situado em torno
da Corte. E ram defensores de um E stado forte e cen
tralizador e, deste modo, tiveram ramificações por
todas as províncias, onde seus apelidos variavam, sendo
o de chimangos um dos mais espalhados pelos adver
sários.
Um aspecto peculiar na noção de moderação: ela é
freqüentemente apresentada (pelos protagonistas)
como mais um comportamento do que uma posição
política demarcada. Moderação seria assim uma espé
cie de visão de mundo que permitiria posicionar-se
sobre qualquer assunto, um critério para distinguir o
que é sábio e civilizado, em harmonia com os costumes
e o bom senso. Como se não estivessem em jogo ganhos
políticos bem precisos. A moderação, enfim, era apre
sentada como sinônimo de razão. E uma vez que o
liberalismo pode ser explicado como expressão da “so
berania da razão”, ele só poderia ser... moderado. O u
tras palavras-chave associam-se à moderação: ju ste m i-
lieu (justo equilíbrio), liberdade limitada, monarquia
35. MARCO MOREL
constitucional, soberania nacional, além da recusa do
absolutismo e do despotismo e ambigüidade diante da
idéia de revolução.
Foram os moderados que deram o tom do poder
político durante as Regencias. Agruparam-se em torno
da Sociedade Defensora da Liberdade e Independência
Nacional, que espalhou-se pelas províncias, chegando
a mais de 90 instituições. E xpressavam-se em jornais
como A urora F luminense, A stréa, O S ete de A bril, O
C ensor B ra sileiro e dezenas de outros. E ntre seus inte
grantes havia ferrenhos defensores do tráfico de escra
vos, como Bernardo Pereira de Vasconcelos. Nesse
período não fizeram uso da luta armada, nem costu
mavam apelar para as camadas pobres da população se
incorporarem ao jogo político, ainda que fosse sob a
bandeira da moderação.
Os restauradores compunham uma tendência cons
titucional com forte matiz antiliberal (embora sem
negar totalmente o liberalismo) no Brasil das décadas
de 1820 e 1830, colocando em destaque a soberania
monárquica diante das noções de soberania nacional
ou popular. O restauracionismo demandava fortaleci
mento de um Estado centralizador nos moldes da
modernidade absolutista ou, então, apontava para o
reforço do poder de antigos corpos sociais, como se
nhores locais, oligarquias, clero e suas clientelas. Ou
seja, convocavam e incorporavam as camadas pobres
nas lutas políticas. Faziam apelo à luta armada, como
3G
36. O PERÍODO DAS REGÊNCIAS
na Cabanada, em Pernambuco e Alagoas, na revolta de
Pinto Madeira, no Ceará, e nos motins cariocas de
1832-1833.
Restauração aparecia como negação da inde
pendência brasileira em 1822, quando no Rio de Ja
neiro se aludia à feliz revoluçã o de 1640, ou seja, ao
patriotismo português. Após 1831 o restauracionismo
passa a ser associado ao retorno de d. Pedro I ao trono,
embora nem sempre essa posição fosse explícita. E tal
proposta articulava-se à recuperação da monarquia em
sua plenitude (enfraquecida durante as Regências) em
1840.
Alguns termos do vocabulário político eram associa
dos a esse grupo, como corcundas (por metáfora, os
que se curvavam ao despotismo em geral), ou os ape
lidos aplicados aos portugueses identificados ao “abso
lutismo”: marotos, pés-de-chumbo, caveiras e papele
tas. Ficou conhecido um personagem fictício, criado
por Cipriano B arata, chamado Marcos Mandinga,
médico inventor de uma máquina de endireitar “cor
cundas”.
Havia um traço distintivo do restauracionismo no
Brasil, ao longo de diferentes conjunturas: a valoriza
ção da supremacia monárquica e da aproximação com
o tradicionalismo português. Essas permanências do
Antigo Regime (incluindo o absolutismo ilustrado)
ainda não foram devidamente dimensionadas no Brasil
pós-independência. O chamado Antigo Regime era
37. MARCO MOREL
ainda memoria viva e palpável no cotidiano de ampios
setores da população, compunha identidades, determi
nava as formas de relação do alto à base da'hierarquia
da sociedade, tanto urbana quanto rural. E oportuno
relembrar que um dos nomes mais conhecidos desses
restauradores era caramurus. Agrupavam-se na Socie
dade Conservadora, posteriormente transformada em
Sociedade Militar, e tinham jornais como O C aramuru,
D iá rio do R io de J a neiro e C arijó, entre outros. Desta-
cavam-se entre os integrantes dessa tendencia os irmãos
Andrada (José Bonifácio, Antonio Carlos e Martim
Francisco).
Esses partidos não tinham conteúdo nítido de “clas
se” (na perspectiva marxista), mas seria restrito, por
outro lado, considerá-los unicamente elitistas. A pre
sença das camadas pobres nas lutas políticas era resul
tado de um jogo de mútuas tentativas de manipulação
e apropriação: constantemente a atividade política es
capava ao controle dos grupos privilegiados. Todos
pertenciam à mesma sociedade, dividida, injusta e
desigual, com atritos e pontos de contato, confrontos
, e negociações.
Como foi visto, as atividades da imprensa, das asso
ciações, dos parlamentos, das mobilizações nas ruas,
nos pampas, florestas e sertões, das lutas armadas e das
alianças, compunham o mosaico das formas de parti
cipação política, que se incrementaram durante o pe
ríodo regencial.
38. O PERÍODO DAS REGÊNCIAS
A cidade do Rio de Janeiro costuma ter espaço
privilegiado nas narrativas sobre as Regencias. Descon
tadas possíveis visões centralizadoras que se reprodu
zem entre historiadores, é possível explicar essa prepon
derancia pela própria ordem nacional que se estrutu
rava. Cada província possuía uma capital e distritos.
Estes se dividiam em cidades (os centros mais impor
tantes) e vilas. Cidades e vilas subdividiam-se interna
mente em cantões e paróquias (também chamadas
freguesias), que compunham a base das unidades ad
ministrativas, inclusive eleitorais. No topo dessa hie
rarquia estava a cidade imperial.
O Rio de Janeiro tinha a honra de ser sede da Corte,
mas esse privilégio significava também limitações.
Com suas trepidações e conflitos, a cidade entrelaçava-
se à Corte, topo da hierarquia do poder. Além do mais,
era porto comercial, centro importante do comércio de
mercadorias e tráfico de escravos. O Rio de Janeiro era,
assim, uma cidade imperial nos trópicos em pleno
século X I X e, portanto, palco de decisões e disputas que
diziam respeito ao território nacional como um todo.
F acetas étnicas. Questões importantes do período re
gencial ainda estão por ser mais bem conhecidas. As
populações indígenas, por exemplo, ocupavam consi
deráveis parcelas do Brasil, apesar da pouca visibilidade
em registros históricos. Concentravam-se em grupos
numerosos na região amazônica, no Mato Grosso e no
■ 3 9 ■
39. MARCO MOREL
Sul do país (no entorno das antigas Missões), mas
existiam em todas as provincias, inclusive no Rio de
Janeiro. Na maior parte das províncias brasileiras ocor
reram combates envolvendo índios, quase sempre por
questões de terras, e as mortes eram freqüentes de
ambos os lados.
Para citar exemplos envolvendo contingentes indí
genas nas proximidades da Corte, vemos que nos pri
meiros tempos da Regência foi revogada a guerra ofen
siva (decretada em 1808 por d. João V I ) contra os
Botocudos da região do rio Doce (E spírito Santo e
Minas Gerais) e contra os “bugres” de São Paulo. Cabe
perguntar: por que tal gesto de abolir a guerra ofensiva
tantos anos depois?
O decreto regencial, de 27 de outubro de 1831,
eliminava a guerra declarada formalmente pela Coroa
e também a escravidão — mas mantinha a militariza-
ção de áreas indígenas, principal ponto das Cartas
Régias. Assim, pelo menos juridicamente, o Estado
brasileiro se eximia da responsabilidade de guerrear
contra os índios e também proibia a condição servil
destes, embora os mantivesse sob tutela oficial e militar.
Mas, se não havia guerra oficialmente decretada, au
mentava a violência das frentes de expansão e autori
dades locais sobre as terras dos índios, sem que fossem
devidamente coibidas. A mesma lei regencial afirmava
que os índios em estado de servidão seriam “desonera
dos” dela e, ainda, estendia aos índios do Brasil a
40. 1. 0 ex- im p erad o r Ped ro I,
en velh ecid o ap ó s a ab d icação :
co n t rast e co m a im ag em vig o ro sa
h ab it u alm e n t e d iv u lg ad a.
2. Jo r n a l O Republico, exp ressão
d o s lib erais Exalt ad o s.
3. A s Três Jo rn ad as d e Ju lh o d e Paris em 18 30 fo ram est o p im p ara
,a saíd a d e d. Ped ro I d o pod er.
41. V l i .
tt .tu.
auuK
v. M r-iffv, & HtW-v-,, ü i
4 e 5. A s d isp u t as p o lít icas e o clim a d e co n fro n t o d u ran t e as
Reg ên cias eram t em as fre q ü en t es n as sát iras d as ca ricat u ras.
A b aixo , a p rim eira caricat u r a im p ressa n o Brasil, em 18 37.
r ■i r t & ú t i w r t - nvAtdfr'?
42. 6. O p ad re Feijó ab an d o n a a Reg en cia e d eixa um rast ro . A n t es
de ser eleit o o p rim eiro reg en t e u n o , em 1 8 3 5, D io g o Feijó fo i
m in ist ro da Ju st iça.
7. Bern ard o Pereira d e Vasco n celo s, líd er M o d erad o asso ciad o
ao d esp o t ism o n ap o leó n ico , é acu sad o d e e n t e rrar as lib erd ad es
co n q u ist ad as co m a ab d icação d e d . Ped ro i, em 7 d e ab ril d e 1831.
43. 8 . O ce lib at o clerical f o í u m d o s t em as em d eb at e d u ran t e as Reg ên cias,
cau san d o at rit o s co m o V at ican o .
9 . A cid ad e im p erial d o Rio d e Jan e iro , cen t ro d e u m a so cie d ad e escravist a
e m u lt if ace t ad a. Os in t eresses e asp ect o s d iverso s d a so cied ad e b rasileira
fo ram a p rin cip al cau sa d o clim a in st ável d u ran t e as Reg en cias.
44. O PERÍODO DAS REGÊNCIAS
condição jurídica dos órfãos, que deveriam ser ampa
rados pelo E stado até que aprendessem ofícios.
Em rápidas pinceladas, a Regência traçou sua posi
ção: o decreto apontava para o aprendizado de ofícios
como forma de integração dos índios à sociedade na
cional. O ra, a preocupação em abolir a escravidão
(ainda que apenas formalmente) e ao mesmo tempo
constituir mão-de-obra livre especializada atendia a
que interesses? Para quem o terreno estaria sendo pre
parado?
Não tardou para que fosse apresentado^à Regência
um plano para organização da Companhia Brasileira
do Rio Doce, definida como “uma Sociedade pela
união de Capitalistas Brazileiros e Inglezes” (a grafia de
ambos era com “z”), cujo objetivo era estabelecer a
navegação entre o Rio de Janeiro e a foz do rio Doce e
em todo o curso deste, além de promover agricultura,
colonização nas terras das margens fluviais, mineração,
extração de sal à beira-mar, abrir caminhos terrestres
etc. O responsável pelo projeto chamava-se João Diogo
Sterz Stockexchange (o sobrenome comporta curiosa
associação de palavras). E, para evitar reações protecio
nistas em defesa do mercado interno, apareciam incor
porados como sócios da empreitada os nomes mais
expressivos da política brasileira, a fina flor dos dirigen
tes das Regências e dos liberais moderados: Evaristo da
Veiga, Hermeto Carneiro Leão, Chichorro da G ama,
Limpo de Abreu, Antonio Ferreira França, Miguel
45. MARCO MOREL
Calmon D u Pin e Almeida, Francisco G e Acaiaba
Montezuma, além do conde de Valença, do marqués
de Inhambupe e de outras figuras da monarquia. Re-
velava-se assim um grau de articulação entre os novos
dirigentes do Imperio e os donos do dinheiro.
Também os capitalistas ingleses se faziam presentes
através da mineração nos arredores de Caeté, Mariana,
O uro Preto e São João d’El Rey — áreas que, anos
antes, ainda eram em parte ocupadas pelos Botocudos.
A Brazilian Company (1832-1844) e a National Bra-
zilian M ining Association (1833-1851) funcionavam
nesses locais. Ainda que tardiamente (em relação ao
apogeu da extração), a mineração era feita nas áreas
onde a presença indígena até então a impedira ou
dificultara.
Assim, da mesma maneira que as pesquisas históri
cas destacam a influência britânica na escravidão afri
cana no Brasil, é importante também considerar como
os interesses ingleses afetaram a vida das populações
indígenas — deixando às autoridades ou aos proprie
tários nacionais o ônus de “limparem o terreno” e nem
se dando ao trabalho, nesse caso, de elaborar grandes
argumentos humanitários para a exploração das terras
e da mão-de-obra indígena.
D urante as Regências cresceu ainda mais a presença
do capitalismo britânico no Brasil em diversas faces:
comercial, no consumo crescente de produtos manu
faturados ingleses, como também através do controle
■ 4 2 ■
46. O PERÍODO DAS REGÊNCIAS
do transporte das mercadorias (exportadas e importa
das) em navios británicos; diplomática, na pressão
contra o tráfico de escravos. Mesmo que os emprésti
mos externos tenham praticamente cessado no perío
do, a presença de empresas e dos interesses britânicos
se manteve e continuou a fincar raízes.
Os anos 1830 e 1840 foram marcados por escravi-
zação e tráfico de indios, por exemplo em Minas
Gerais. Se no caso dos escravos africanos a passagem
para o trabalho livre, ainda que apenas teoricamente,
pudesse ter uma conotação humanitária, no caso dos
índios a passagem da vida tribal para a inserção no
mercado de trabalho representava uma violência mais
evidente, dadas as resistências que muitos opunham.
Nesses casos o interesse poderia ser de eliminá-los, já
que não se enquadravam como mão-de-obra. A popu
lação indígena coloca-se como protagonista histórico
no século X I X brasileiro: através de rebeliões (como a
Cabanagem paraense) e guerras, integrada a atividades
e ofícios diversos nos meios urbano e rural, resistindo
com energia à tomada de suas terras ou integrando-se
à sociedade, sendo por ela marcada e deixando suas
marcas também. Sabe-se que atualmente a população
brasileira é constituída, segundo estudos de genética
das populações, de pelo menos um terço com origens
indígenas.
Os índios também eram enquadrados como inte
grantes do “mundo natural” e, nessa condição, torna-
■ 4 3 ■
47. MARCO MOREL
ram-se objeto de pesquisas científicas em larga escala,
mas apenas por estrangeiros, os viajantes naturalistas.
Era a época do primeiro grande inventario do “mundo
natural” em escala planetária e, no Brasil das primeiras
décadas dos oitocentos, fervilharam esses repre
sentantes do mundo científico e tecnológico ocidental.
Alheio a sedições, um jovem britânico encantou-se
com a natureza brasileira durante sua estada no Rio de
Janeiro entre abril e julho de 1832. A bordo do navio
B ea gle, o futuro naturalista Charles D arwin começava
a colher dados e fazer reflexões que o levariam à sua
teoria da evolução das espécies. Instalado numa cháca
ra em Botafogo, quando não colhia insetos e observava
pássaros, passava horas contemplando a formação"de
nuvens para os lados do Corcovado e, à noite, deslum
brava-se com os enxames de vaga-lumes enfeitando a
escuridão.
Numa viagem para os lados de Cabo Frio, D arwin
vivenciou rápido episódio que o impressionou. E stava
numa canoa conduzida por um negro escravo alto e
corpulento quando, numa tentativa de comunicar-se
com o cativo, começou a gesticular e falar com ênfase.
Foi o bastante para que o canoeiro se encolhesse apa
vorado, supondo que seria espancado pelo viajante.
D arwin ficou chocado com a postura de submissão de
uma pessoa muito mais forte que ele e desabafou em
seu diário: “Esse homem havia sido treinado para
48. O PERÍODO DAS REGÊNCIAS
suportar uma degradação mais abjeta do que a escravi
dão do animal mais indefeso.”
No período regencial ocorreu verdadeira africaniza-
ção do Brasil: calcula-se, por estimativa, que, dos cinco
milhões de africanos trazidos para cá ao longo de
quatro séculos, um milhão e meio entrou na primeira
metade do século X I X . -Verdade que uma das primeiras
leis da Regência, exatos sete mesès após a saída de d.
Pedro I, determinou a abolição do tráfico de escravos,
medida que visava a atender à pressão forte britânica,
e também correspondia à consciência de parte dos
dirigentes liberais brasileiros. E ntretanto, apesar dos
esforços da diplomacia inglesa e de parcela das lideran
ças políticas brasileiras, o tráfico ainda continuaria por
duas décadas, mostrando o poder dos grandes proprie
tários, traficantes e seus representantes.
Porém os ingleses, as elites políticas, os grandes
proprietários e comerciantes não eram os únicos agen
tes históricos envolvidos na questão. Havia os próprios
escravos. Sua presença na vida pública se dava de
diversas maneiras, embora não fossem qualificadas, na
época, como políticas. De forma mais visível, aparece
em episódios como a Balaiada, no Maranhão e no
Piauí, e na Revolta dos Malês, por exemplo, como se
verá adiante.
Os cativos desenvolveram inúmeras formas de resis
tência, individuais ou coletivas, como fugas, ataques,
roubos ou assassinatos contra senhores e feitores, sui-
49. MARCO MOREL
cídios, pequenos e grandes quilombos, envolvimento
em lutas políticas não deflagradas por escravos, entre
outras. Um exemplo: 25 cativos foram legalmente
condenados e mortos em praça pública no ano de 1838
por terem assassinado senhores ou feitores, sem contar
os que sofriam punições fora do alcance da legislação,
os que eram mortos durante perseguição e aqueles que
nunca foram alcançados.
Os quilombos proliferavam em todas as províncias
brasileiras ao longo do século X I X e, se fossem somados,
possivelmente dariam número de participantes tão
expressivo quanto o famoso Q uilombo dos Palmares.
E nem sempre a relação era de hostilidade: havia
quilombolas que vendiam com certa regularidade sua
produção para mercados vizinhos. Outros assaltavam
e saqueavam passantes ou propriedades. Pode-se dizer,
com o historiador Stuart Schwartz, que as múltiplas (e
aparentemente fragmentadas) resistências escravas
ocorridas na primeira metade dos oitocentos, ao custo
de muitas vidas e sofrimentos, ainda que debeladas,
constituíram forma de pressão e resultariam nas polí
ticas emancipacionistas dos anos seguintes oü seja, não
foram em vão.
F acetas sociocultura is. Reduzir a sociedade brasileira dos
anos 1830 a um binômio composto de uma minoria
dominadora de senhores brancos diante de uma massa
de escravos é visão empobrecedora que se encontra
■ 4 G ■
50. O PERÍODO DAS REGÊNCIAS
superada — o que nao significa, evidentemente, negar
o peso decisivo do racismo e da escravidão como
relação social. Em estudo específico sobre a Bahia do
início do século X I X , a historiadora K átia Mattoso
propõe a divisão da hierarquia social em quatro grupos,
por critério econômico, de prestígio social e de poder.
No topo estavam altos funcionários da administração
monárquica (governador, ouvidores gerais, desembar
gadores, secretários de estado e intendentes), oficiais de
patente elevada, alto clero regular, grandes negociantes
e grandes proprietários de terra, no ramo dos engenhos
e da pecuária.
O segundo grupo dessa classificação incluía funcio
nários de nível médio (juizes de primeira instância,
procuradores, escrivães, tabeliães, diretores de órgãos
públicos etc.), oficiais militares de nível médio, mem
bros do baixo clero, alguns proprietários rurais (sobre
tudo os do setor de subsistência), lojistas, mestres-ar-
tesãos de ofícios considerados nobres (ourives, entalha-
dores, entre outros), profissionais liberais diplomados
(médicos e advogados que não provinham das famílias
mais ricas) e as pessoas que viviam de rendas. Essas
últimas representavam 21 % do total e majoritariamen-
te se mantinham do trabalho escravo.
Faziam parte do terceiro grupo funcionários públi
cos e militares de baixo escalão, integrantes de profis
sões liberais secundárias (barbeiros, pilotos de barco,
■ 4 7 ■
51. MARCO MOREL
sangradores etc.), artesãos, pescadores, marinheiros e
os que comerciavam alimentos nas ruas (com freqüên
cia libertos). No último e quarto grupo vinham os
escravos (que compunham um terço da população),
mendigos e desocupados.
A complexidade da hierarquia social indicava estra
tegias de sobrevivência de escravos e seus descendentes
que passavam pela negociação, convivencia e incorpo
ração à sociedade, como as irmandades católicas de
negros, os escravos de ganho do meio urbano e o
aprendizado de oficios mais complexos. E ram diversi
ficados os caminhos da alforria. Calcula-se que já em
princípios do século X I X um terço da população brasi
leira era classificada como de “pardos livres”, quantida
de que aumentaria progressivamente. Isto se refletiu
inclusive na imprensa, quando apareceram jornais que
discutiam abertamente a questão racial, como O C riou-
linb o, O H omem de cor ou O M ula to e B ra sileiro Pardo,
entre outros — todos, aliás, surgidos durante a Regên
cia Trina Permanente.
Uns cinco meses depois da saída de d. Pedro I do
poder, surge pela imprensa um plano de reforma agrá
ria, lançado por E zequiel Correia dos Santos no seu
jornal N ova L uz B razileira. Chamado de G rande Fa-
teusim Nacional, propunha a distribuição, pela Coroa,
de terras para todas as pessoas interessadas, com prefe
rência para as camadas pobres da população, além da
■ 4 8 •
52. O PERÍODO DAS REGÊNCIAS
retirada das terras excessivas dos grandes proprietários,
qualificados na proposta de “malvados aristocratas li
berais”. Tal proposição foi duramente combatida e não
chegou sequer a ser encaminhada como proposta no
Parlamento. Porém a discussão pública de temas como
racismo e redistribuição de terras no cerne de urna
sociedade escravista mostra como se ampliavam as
possibilidades de expressão durante o período aqui
tratado. Não se tratava exatamente de uma “democra
cia coroada”, pois a liberdade não era concessão dos
governos, que nem sempre conseguiam seu controle,
mesmo usando diferentes formas de coerção.
Portanto, o ambiente cultural transformou-se com
a abdicação de d. Pedro I, representando ampliação e
diversificação na esfera pública cultural e literária. Veja-
se o caso do livreiro e editor francês Pierre Plancher:
não vacilou diante da queda de seu protetor e, mos
trando maleabilidade, mudou o nome de seu negócio
para Tipografia Constitucional de Seignot-Plancher,
abandonando em boa hora o título de Tipografia Im
perial que recebera. Passa então a acompanhar as ten
dências do momento, transformando-as em linhas edi
toriais. Publica uma série de obras relativas às novas
formas de sociabilidade, como C onstituiçã o do p ovo
m a çônico (1832) e os A nnaes m a çônicos flum inenses
(1832), e imprime também os E statutos da S ocieda de
d e E ducação L ibera l (1833).
■ 4 9 ■
54. O PERÍODO DAS REGÊNCIAS
Os olhos namoradores
D a engraçada iaiazinha
Logo me fazem lembrar
Sua doce marrequinha
laiá me deixe
Ver a marreca
Se não eu morro
Leva-me à breca.
Em outras palavras: mesmo durante o período re
gencial, as pessoas não eram de mármore, nem de ferro!
Rebelar e revelar
Não por acaso, rebelar e revelar já foram uma só
palavra. As rebeliões são momentos nos quais determi
nadas práticas, propostas e agentes históricos ganham
maior visibilidade, marcam os rumos dos aconteci
mentos e imprimem presença nos registros históricos,
ainda que de forma fugaz ou explosiva.
A ênfase nas rebeliões apresenta limitações, além das
já indicadas na introdução deste livro. A maioria desses
episódios durante as Regências ainda não foi estudada
de maneira mais profunda, restando prisioneira seja da
visão conservadora que enxerga apenas “desordens”,
seja de um certo ufanismo pela “luta popular”, ou
• 5 1 ■
55. MARCO MOREL
ainda por uma historiografia comprometida com a
valorização da nação, que aplaina, oculta ou estigma
tiza as contradições, na tentativa de compor imagem
unitária e harmoniosa da sociedade nacional.
Acrescente-se a esse conjunto de questões em torno
das rebeliões regenciais outros pontos: se, por um lado,
abrem portas para o conhecimento de realidades fora
do eixo central de poder do país, por outro correm o
risco de resvalar para um prisma regionalista, com suas
manipulações e “escolhas” ligadas à elaboração de me
morias regionais. O estudo desses movimentos contes-
tatórios (embora ainda por se fazer a contento, e repleto
de possibilidades) pode deixar de lado o cotidiano e o
ritmo mais denso das relações humanas, que compõem
as vidas daquela e de todas as épocas. Todavia, não se
pode conhecer as Regencias sem levar em conta suas
rebeliões, que nos colocam no âmago de situações-li-
mite da sociedade.
A separação entre rebelar e revelar foi extrema no
campo da memoria histórica e da iconografia. Não nos
ficaram imagens da maioria dos rebeldes do período
, regencial, não só os anônimos ou pouco conhecidos,
mas até mesmo os líderes. Não sabemos como eram os
rostos do escravo Cosme Bento das Chagas ou do
vaqueiro Raimundo Gomes, que se destacaram na
B alaiada (Maranhão e Piauí) à frente de milhares de
homens em armas; dos irmãos Francisco e Antonio
Vinagre, da Cabanagem (Pará), que controlaram largas
■ 5 2 ■
56. O PERÍODO DAS REGÊNCIAS
faixas territoriais e destituíram governos locais; das
dezenas de chefes de bandos armados que integraram
esses dois movimentos e tantos outros como a Caba-
nada (Pernambuco e Alagoas) e a Farroupilha (Rio
G rande do Sul e Santa Catarina); do médico Francisco
Sabino Vieira, da Sabinada; de Pacífico Licutan, M a
noel Calafate e Elesbão do Carmo, do levante dos
Malês; do escravo, tropeiro e considerado “rei africano”
Ventura da Mina, da Revolta das Carrancas (Minas
G erais), entre muitos outros.
Como somos levados a visualizar, gravar em nossas
memórias, as rebeliões das Regências? É sugestivo notar
que o registro iconográfico desses episódios, com fre
qüência, se circunscreve a dois tipos: autoridades e pai
sagens. O rdem naturalizada. As figuras de autoridades
militares ou civis, encarregadas da repressão ou de res
taurar o controle governamental, imprimem caracterís
tica de memória e identidade com recorte social. Tais
rostos e bustos er^lanado s,o u encasacados parecem
relegar ao purgatório as faces desconhecidas dos rebela
dos que eles capturaram ou eliminaram. As paisagens,
em geral plácidas, invocam as localidades onde se de
senrolaram os acontecimentos: são como cenários sem
tensões, sem sociedade, onde a plasticidade ou beleza
estética das vistas, árvores, águas ou imóveis é permeada
com vultos humanos em harmonia com o panorama.
Em alguns casos, para ilustrar, acrescentam-se figu
ras de época representando índios, escravos ou sertane-
■ 5 3 •
57. MARCO MOREL
jos, por exemplo, mesmo que não envolvidos nos
eventos, o que pode ser urna forma de esvaziar a
identidade dos agentes históricos, atribuindo-lhes ca
ráter geral, indistinto ou anónimo.
Além disso, existem imagens postumas que recriam
algumas das rebeliões ou personagens, em outros con
textos e com objetivos estéticos e políticos diversos:
pinturas, painéis, alegorias, esculturas ou até mesmo
textos que, na verdade, são monumentos permeados
por memoria regional ou nacional, ou por projetos
políticos externos à época dos movimentos, gerando
um conhecimento fortemente mediatizado em torno
destes.
Não é por acaso, também, que em meio ao espocar
de motins, sedições e revoltas o caráter brasileiro foi
bastante discutido durante o período regencial. Ou
seja, debatia-se se existiria uma propensão para docili
dade e cordialidade do povo brasileiro. De maneira
mais precisa, buscava-se afirmar ou construir uma
identidade que desse conta de complexos desafios, tais
como formar um povo e uma nação portadores de
identidade própria e, ao mesmo tempo, garantir a
estabilidade da ordem social e direcionar o “carro da
revolução”.
O redator da N ova L uz B razileira, E zequiel Correia
dos Santos, acenava com “revoluções terríveis e inevi
táveis, desde que a paciência de um Povo pacífico se
acaba antes que se acabe a ma fé dos Governos”. Isto
■ 5 4 ■
58. O PERIODO DAS REGÊNCIAS
é, mesmo para aqueles comprometidos com a perspec
tiva de continuar uma revolução, colocava-se esse subs
trato cultural, como se houvesse uma tradição de cos
tumes que caracterizasse uma índole pacífica coletiva.
O todo-poderoso ministro da Justiça, D iogo Feijó,
diante dos primeiros motins que eclodiram na capital
da monarquia brasileira após a abdicação, diagnostica
va: “Esses acontecimentos, aliás funestos em suas con
seqüências, tiveram a vantagem de desenganar aos
poucos facciosos e anarquistas que ainda nos incomo
dam, que o brasileiro não foi feito para a desordem,
que o seu natural é o da tranqüilidade.” A afirmação
do padre Feijó sobre tais aptidões naturais (tranqüili
dade e ordem) é instigante. Mais do que desqualificar
as contestações em curso, exprime interpretação do que
seria uma identidade brasileira, que se traduziria numa
espécie de tradição histórica dos comportamentos co
letivos: ausência de conflitos, de guerras, e aversão a
rupturas.
E screvendo do interior das prisões regenciais admi
nistradas por Feijó, Cipriano Barata levaria adiante o
debate, indagando: “Q ue coisa seja D ocilidade Brasi
leira?” E ele mesmo responderia com seu estilo mordaz:
Docilidade é a boa disposição do homem para se deixar
instruir. Gênio ou natureza dócil é aquele que abraça as
doutrinas e ensino que se lhe dá; porém, este termo
docilidade aplicado hoje aos Brasileiros tem outro senti-
■ 5 5 ■
59. MARCO MOREL
do: dócil quer dizer estólido, ou tolo; homem que se
contenta com tudo, que deixa ir as coisas por água abaixo
... ; em uma palavra, dócil deixa dizer Brasileiro ovelha
mansa, que trabalha como burro para pagar tributos
desnecessários em beneficio dos satélites do governo.
A discussão, travada entre Feijó e Barata vai além das
desavenças entre aliados que se tornaram adversários
com a chegada de um ao poder e do outro às masmor
ras. E stava em jogo a definição de determinada identi
dade brasileira, nesse período do pós-independência,
gerando questões em torno da interpretação do Brasil
nos primeiros anos de construção do E stado nacional.
Já esboçada durante a independência, a concepção
da “índole-pacífica-do-povo-brasileiro” foi afirmada
com mais ênfase durante as Regências, espraiou-se pelo
Segundo Reinado e se tornaria verdadeiro lugar-co
mum durante a República. Mas o certo é que os
habitantes do território que se pretendia brasileiro não
foram todos “ovelhas mansas” durante o período re
gencial.
Três revolta s escravas. Três revoltas escravas causaram
impacto: a das Carrancas (Minas G erais, 1833), dos
Malês (Bahia, 1835) e de Manuel Congo (Rio de
Janeiro, 1838). Não abalaram o escravismo, mas cau
saram inegável pânico à população não-escrava e im
primiram novos rumos à legislação repressiva, à pers-
■ 5 6 ■
60. O PERÍODO DAS REGÊNCIAS
pectiva de imigração de estrangeiros e ao debate sobre
medidas para a gradual extinção do tráfico e do traba
lho escravo.
A Revolta das Carrancas aconteceu justamente
quando ocorria “briga de brancos”: a Revolta da Fu
maça, uma sedição civil-militar que destituiu o presi
dente da província e prendeu várias autoridades pro
vinciais partidárias do liberalismo moderado, inclusive
o vice-presidente, Bernardo Pereira de Vasconcelos.
D urante dois meses (março a maio) os revoltosos ocu
param o poder na capital da província, O uro Preto. Os
sediciosos, acusados de restauradores, apontavam os
situacionistas como republicanos. Q uando a situação
estava sob controle com o envio de tropas do Rio de
Janeiro eclode um levante de dezenas de escravos da
fazenda de um deputado também ligado aos modera
dos, em São Tomé das Letras: matam os familiares
(inclusive crianças) e empregados da família e passam
a atacar fazendas vizinhas. Esse levante, liderado pelo
escravo tropeiro Ventura Mina, acabou sufocado e
dezessete cativos terminaram condenados à morte e
executados, fora os que morreram em combate, como
o líder. Esses escravos rebelados teriam sido insuflados
por outro fazendeiro da região, acusado de restaurador,
mas de qualquer modo aproveitaram a brecha causada
pela forte dissensão existente entre os grupos dirigentes
da província mineira naquele momento.
■ 5 7 ■
61. MARCO MOREL
A Revolta dos Males, urna das mais conhecidas,
durou menos de 24 horas e é considerada como a mais
importante sublevação de escravos urbanos já ocorrida.
E ntre 24 e 25 de janeiro de 1835, cerca de 600 cativos
de origem africana tomam de assalto Salvador. Perten
ciam a varias etnias e vinham de locais diversos, mas o
levante foi articulado por escravos islamizados, que
sabiam 1er e escrever em árabe. Não saquearam residen
cias nem atacaram famílias de proprietários e acabaram
derrotados após duros embates com as forças militares.
E ntre as motivações dos líderes e de parte dos rebela
dos, havia o pano de fundo do jih a d (guerra santa), e
um dos cativos chegou a admitir, em depoimento
depois de preso, que visavam a eliminar todos os
brancos e pardos e manter escravos de outras etnias
como seus cativos. Cerca de 70 revoltosos morreram
em combates pelas ruas e praias da capital baiana e pelo
menos 500 foram punidos com açoites, degredos, pri
sões ou morte.
Esses dois episódios, pois, situam a lei de junho de
1835, que previa pena de morte para os líderes de
insurreições escravas, caracterizando estas como o
ajuntamento de mais de 20 cativos que tentassem se
libertar pela força.
Apesar disso, no impulso inicial da expansão cafeeira
no Vale do Paraíba, 200 escravos de várias fazendas, sob
a liderança de Manuel Congo, rebelaram-se em 1838
em Pati do Alferes (Vassouras, província do Rio de
• 5 8 •
62. O PERÍODO DAS REGÊNCIAS
Janeiro). D urante cinco dias percorreram as florestas
da localidade, até que foram derrotados por tropas da
G uarda Nacional e do Exército comandadas por Luís
Alves de Lima e Silva, futuro duque de Caxias.
C abanos, fa rroupilha s, balaios... O conjunto de inicia
tivas em geral associadas aos restauradores abalou o
Brasil nos dois primeiros anos da Regência. Charles-
É douard Pontois, ministro plenipotenciário da França
na capital do Império brasileiro, escreveu em outubro
de 1831 ao ministro das Relações E xteriores de seu
país, conde Sebastiani, detalhada narrativa de 19 pági
nas manuscritas sobre ampla conspiração em curso no
Brasil. Ele fora procurado por Francisco de Holanda
Cavalcanti Albuquerque (visconde de Albuquerque e
chefe de poderosas oligarquias), que propunha separar
as províncias do Norte, como se dizia, do restante do
Brasil. A França, na proposta, ficaria com uma parte
do território, estendendo a fronteira da G uiana Fran
cesa até a margem esquerda do rio Amazonas. E o novo
Império, que se chamaria “do Amazonas” ou “do E qua
dor”, iria da margem direita do mesmo rio passando
pelas províncias do Maranhão, Piauí, Ceará, Rio G ran
de do Norte, Paraíba, Pernambuco e Alagoas. O gover
no francês preferiu não participar da empreitada, mas
os brasileiros levaram-na adiante.
Desse modo, pode-se compreender a simultaneida-
de do começo da impressão do jornal O C ara muru no
■ 5 9 ■
63. MARCO MOREL
Rio de Janeiro, dos motins caramurus na capital do
Imperio em 1832, da Cabanada e da chamada revolta
de Pinto Madeira no Ceará: nesses dois últimos casos,
tivemos a presença ostensiva de caudilhos militares
ligados aos restauradores à frente da população amoti
nada. Em primeiro lugar, verifica-se que o propalado
consenso entre as diferentes elites quanto à unidade
nacional possuía brechas e poderia ser repensado ainda
nos anos 1830 no Brasil. Em conseqüência, é possível
afirmar que o separatismo não era atributo exclusivo
dos liberais exaltados ou de tendências republicanas,
como em geral a historiografia aponta. O separatismo
partiu também de restauradores. E importante, aliás,
discernir separatismo, federalismo e republicanismo,
que não estavam necessariamente associados.
E ntretanto, seria equívoco limitar a compreensão da
Cabanada (1832-1835, Pernambuco e Alagoas) a uma
multidão de pobres fanatizados e manipulados. Se
manipulação havia, poderia ser de mão dupla -
— e
todos estavam imersos num mesmo universo de códi
gos e relações sociais. A Cabanada foi movimento
basicamente rural inicialmente capitaneado por pes
soas ligadas aos Caramurus e que pertenciam a insti
tuições de contato estreito com as camadas pobres da
população: chefes militares e padres, além de certo
apoio de comerciantes lusos. As primeiras colunas
foram crescendo, englobando milhares de pessoas, ín
dios e caboclos, trabalhadores pobres e também escra-
64. O PERÍODO DAS REGENCIAS
vos que, ao final, formaram a principal base do movi
mento. As bandeiras, os discursos e os objetivos decla
rados eram ultramontanos, católicos tradicionais, ar
caicos, conservadores e absolutistas. Em seu messianis
mo tinham como principal alvo a reintroduçao de d.
Pedro I no trono e pretendiam dizimar maçons, liberais
e republicanos. Os gestos e as práticas desses contin
gentes revelavam, ao mesmo tempo, revolta contra a
miséria, ataques às propriedades, luta contra escravidão
e injustiças sociais. E stabeleciam-se em arraiais, mora
vam em cabanas (daí o nome do movimento) e atua
vam em forma de guerrilha, comandados por chefes de
bandos armados, na mesma região onde, dois séculos
antes, existiram os quilombos de Palmares.
Calcula-se que ao final de três anos de lutas na
Cabanada 15 mil pessoas morreram (a maioria cabanos
pobres) em combates, por prisão, execução e por epi
demias que devastaram os dois lados do conflito.
Q uanto aos rebeldes cabanos, quando escapavam da
execução imediata ou da fome que também matava,
eram enviados às prisões ou alistamentos militares
forçados.
A Cabanagem (Pará, 1835-1836) envolveu, igual
mente, camadas pobres da população: pequenos lavra
dores, militares e grande quantidade de índios e cabo
clos, além de escravos. Mas, apesar de certa semelhança
na composição social com o movimento anterior, os
discursos e as bandeiras das lideranças que se pronun
61
65. MARCO MOREL
ciaram no meio urbano eram marcados por críticas à
centralização do governo imperial e pela defesa do
combate aos privilégios dos grupos locais. O u seja, a
liderança, nesse caso, era dos exaltados.
Em janeiro de 1835 milhares de rebeldes liderados
pelo ex-militar Félix Antonio Malcher, pelo redator de
jornais E duardo Angelim e pelo lavrador Francisco
Vinagre ocuparam Belém e mataram o presidente da
provincia e o comandante das Armas, cujos corpos
foram arrastados pelas ruas da cidade. D esafiando e
impondo derrotas ao governo das Regências, os caba
nos ficaram no poder por mais de um ano. D eclara-
ram-se separados do Rio de Janeiro, mas acabaram
debelados, após cenas sangrentas de massacres. A Ca-
banagem foi vista por contemporáneos, como Cipria
no Barata, como o despontar terrível e catastrófico da
tempestade da revolução, quando o povo, usando o
direito de resistência à tirania, destruía as autoridades
e as leis.
A presença dos exaltados também estampava-se na
Sabinada (Bahia, 1837). Desenhava-se uma linhagem
de conspirações, motins e sedições de caráter contes-
tatório na provincia desde fins do século X VI I I , durante
as guerras de independência e no inicio das Regências,
às vezes com os mesmos personagens. Federalismo,
liberalismo radical, republicanismo, conflitos de raça e
de nacionalidade mesclavam-se em diferentes contex
tos. O movimento conhecido por Sabinada foi a última
■ 6 2 ■
66. O PERÍODO DAS REGÊNCIAS
— e maior — expressão dessa série de lutas baianas.
D urante quatro meses, a partir de 7 de novembro, os
rebeldes tomaram conta de Salvador e proclamaram a
Bahia como E stado independente, com tendências
(nem sempre explicitadas) à República. A revolta era
integrada, inicialmente, por profissionais liberais e mi
litares que protestavam contra a centralização do poder
imperial e reagiam contra a política regressista, acen
tuada com a eleição de Araújo Lima para regente uno,
mas admitiam continuar integrando a unidade brasi
leira. Libertaram os escravos nascidos no Brasil que
aderiram ao novo governo e exaltaram o exemplo
“americano” (com destaque para o modelo político dos
Estados Unidos).
Essa rebelião espalhou-se por amplos setores da
sociedade, inclusive entre os pobres urbanos, e a repres
são foi desmedida, violenta: ao final, calculava-se em
cinco mil o número de mortos em combates (nos dois
lados) e por execuções. As prisões ficaram lotadas, em
condições desumanas, e a província viveu sob interven
ção militar durante cinco anos. A Sabinada teve liga
ções com outro movimento republicano no extremo
do continente, a Revolta Farroupilha ou República
Riograndense (1835-1845).
D urante dez anos o Sul do Brasil se insurgiu e a
República, embora não aparecesse como objetivo pré
vio, foi proclamada no Rio G rande do Sul (e, mais
efêmera, em Santa Catarina, a República Juliana).
. 6 3
67. MARCO MOREL
Kstancieiros, caudilhos e liberais exaltados estiveram à
frente do movimento, que chegou a convocar urna
Assembléia Constituinte e elaborar leis próprias. A
Farroupilha, movimento rural com algumas ramifica
ções urbanas, originou-se do protesto contra a injusta
carga tributária que o governo monárquico brasileiro
impunha aos produtores de charque e teve lances épi
cos e românticos, incluindo a presença do revolucio
nário italiano G iuseppe G aribaldi.
O caso mais evidente de transbordamento da ativi
dade política dos grupos urbanos e letrados para as
camadas pobres da população, que se apropriaram dos
embates políticos e sociais, levando-os adiante, foi o da
B alaiada (Maranhão e Piauí, 1838-1842). Para se ter
uma idéia de sua extensão, calcula-se que 15 mil rebel
des foram mortos durante o episodio, sem contar os
milhares de presos — cifra que equivale a Um genocidio
da população das duas províncias. “Q ueiram, senhores,
sangrar três homens em um só vaso, um branco, um
cabra e um caboclo, e depois nos queiram mostrar o
sangue dividido de um e de outro”, afirmava um dos
manifestos balaios, que assim criticava diretamente as
teorias raciais em voga que serviam como forma de
dominação social.
Toda a região ficou conflagrada e, apesar das tenta
tivas, as alianças entre os rebelados foram precárias:
liberais exaltados como Lívio Castelo Branco, três mil
quilombolas chefiados por Cosme Bento, índios, ca-
■ 6 4 ■
68. O PERÍODO DAS REGÊNCIAS
bocios, vaqueiros, lavradores, camponeses — embora
grande parte do contingente fosse de pequenos bandos
armados, sem maior organicidade. Os rebeldes chega
ram a tomar a cidade de Caxias (a segunda maior do
Maranhão) e foi graças a sua retomada que o chefe das
tropas legalistas, o jovem coronel Luís Alves de Lima e
Silva, recebeu o título de barão, chegando mais tarde a
duque. Lima e Silva foi o responsável pela pacificação
política e pela repressão militar do episódio.
Nenhum momento da história do Brasil concentrou
tanta violência num tempo tão curto e em extensões
de terra tão largas quanto essa fase da monarquia.
Violência social e política. Grupos étnicos variados,
ligados pela comunidade da língua e da religião, mar
cados pelas condições de regiões diversas, tendo pelas
riquezas da terra um grande entusiasmo, demonstran
do aversão ao português, mas desprezando uns aos
outros — eis a obra de três séculos de colonização, na
síntese do historiador Capistrano de Abreu. Referia-se
às vésperas da independência e poderia perfeitamente
tratar do período regencial — quando tal diagnóstico
encontra sua melhor expressão e, também, começa a
perder sentido. A engrenagem nacional centralizadora,
modernizante e defensora da ordem social, urdida por
agentes históricos, incorpora e homogeneiza os multi-
facetados rebeldes, não somente eliminando-os, mas
■ 6 5 •
69. MARCO MOREL
digerindo-os e assimilando os pedaços partidos, na
busca de uma nação próspera e desigual.
Autocrítica de um revolucionário
Antonio Borges da Fonseca lamentou ter defendido a
tranqüilidade, ordem e moderação nos idos de abril de
1831. Personagem central naqueles episodios, mergu
lhara de ponta-cabeça na Noite das Garrafadas. Fora
também o idealizador da Sociedade Defensora da In
dependência Nacional, da qual acabaria alijado. Ao
contrario de outros exaltados, Borges apoiara a aliança
com os moderados, antes e depois do afastamento de
d. Pedro I. Arrependera-se: não fora para isso que fizera
a revolução. D aí já se pode prever o futuro participante
da Revolta Praieira de 1848 e o ferrenho oposicionista
dos anos 1860.
Com o despontar do Regresso e a eleição de Araújo
Lima para Regente, em 1837, as últimas ilusões dissi-
param-se. Nessa época o jovem poeta Manoel Araújo
Porto Alegre ainda fizera uns versinhos que, musicados,
ecoavam pelas ruas imperiais: “Viva o amor! Fora o
Regresso!”
Borges da Fonseca mantinha viva a lembrança da
primeira proclamação da Regência Provisoria que ce
lebrava “nossa tão necessária quanto gloriosa revolu
ção”, mas ao mesmo tempo prometia “nobre conduta
■ 6 6
70. o per íodo das r egê ncias
e moderação”. Ele assinara embaixo. Mas seis anos
depois retratava-se publicamente da “promessa terrí
vel”, quando se pretendia “dar o devido curso à revo
lução”. A proclamação da Regencia afirmara que a
revolução de 7 de abril deveria “servir de modelo a
todos os povos do mundo”. Movimento que fora,
como se viu, inspirado nas Três Jornadas de Julho
parisienses. Borges da Fonseca rebatia, em tom de
desabafo:
São passados seis anos depois dessa promessa terrível, e
que é do desempenho a ela? O que se fez para aproveitar
a revolução? Míseros macacos somos nós que só.vivemos
para imitar os outros, para copiarmos a Europa, como se
a Europa nos aproveitasse. Assim mesmo os doutrinários
de Luís Felipe aproveitaram os três dias de julho para
reformar a Carta; para condenar os ministros traidores.
Os liberais doutrinários franceses formaram uma
escola política que defendia a manutenção da ordem
através de um liberalismo implementado por um Es
tado forte e centralizador. Serviam de paradigma para
muitos dirigentes brasileiros, sobretudo os moderados.
Mas Borges da Fonseca apontava para a especificidade
de que, pelo menos na França, ocorrera uma revolução
anterior e que, mesmo em 1830, os ministros do
governo deposto foram presos. No Brasil, nem isso,
lastimava.
■ 6 7 ■
71. MARCO MOREL
Três anos após essa desenganada avaliação, a anteci
pação da maioridade de Pedro II foi implementada sem
ter sido votada pelo Legislativo (mais um drible na
Constituição), no que ficou conhecido como G olpe da
Maioridade. Foi uma solução ansiada por grupos diri
gentes que, assim, buscavam retomar a coesão perdida.
O início do segundo Reinado eqüivalia à restauração
da plenitude monárquica, cujo prestígio estivera aba
lado durante os últimos nove anos.
A sagração e coroação de d. Pedro II foi espetáculo
impressionante na cidade imperial brasileira. Até os
diplomatas europeus — que em geral menosprezavam
as festas da Corte tropical — ficaram impressionados
com o aparato, luxo e resplendor daquele 18 de julho
de 1841. Carruagens, cortejos, coches, girándolas,
bandeiras, estandartes, arqueiros, todos vestidos com
requinte e ostentação num cerimonial grandioso e
simetricamente executado. Ao entrar na Capela Impe
rial, a poucos metros do mar azul que resplandecia sob
um céu de anil, parecendo ter sido feito por encomen
da, o jovem monarca foi seguido de perto por alguns
objetos de forte teor simbólico. Os gentis-homens,
orgulhosos, carregavam o manto de d. Pedro I, sua
espada e um exemplar da Constituição do Império em
sofisticada letra manuscrita.
O mesmo Manoel de Araújo Porto Alegre, futuro
barão de Santo Ângelo, fora contratado para fazer o
cenário e, na escada pela qua! passou o pequeno impe-
■ 68 ■
72. O PERÍODO DAS REGÊNCIAS
rador, havia dois leões esculpidos — representando
força e poder.
Seguido de perto pela espada, pelo manto e pelas leis
outorgadas por seu pai, Pedro II ostentava seus próprios
símbolos: outra espada (enriquecida de brilhantes e
com seu nome gravado); cetro de ouro maciço de dois
metros e meio de altura, cravejado com dois brilhantes;
coroa também de ouro, ornada com pérolas e brilhan
tes; manto de veludo verde salpicado de estrelas de
ouro, dragões e esferas. Não apenas os cortesãos exta-
siavam-se. Do lado de fora, ocupando as praças do Rio
de Janeiro, uma multidão aplaudia e delirava. Um
detalhe do cerimonial: o novo monarca teve suas mãos
lavadas e purificadas.
Ao mesmo tempo, a cerca de três mil quilómetros
dali, o coronel Luís Alves de Lima e Silva erguia a
espada do Império contra os rebeldes da Balaiada, em
sua maioria escravos, índios e pobres livres. Os cami
nhos da nação ainda seriam árduos.
• 69 ■
73. Cronologia
18 2 2
12 o ut A c la m a ç ã o d e d . P e d ro im p e ra d o r d o B ra sil
18 2 3 F e c h a m e n to d a A s s e m b lé ia C o n s t it u in t e
18 2 4 E o u to rg a d a á C o n s titu iç ã o
18 2 5 N a s c im e n to d o p rín c ip e P e d ro , h e rd e iro d a C o ro a
b ra s ile ira
18 2 6 M o r t e d e d . J o ã o VI e m P o rtu g a l
C o m e ç a m a fu n c io n a r a A s s e m b lé ia G e ra l ( d e p u
ta d o s ) e o Se n a d o
18 3 0 T rês J o rn a d a s d e J u lh o e m P aris
18 3 1
12 a 14 m ar N o ite d a s G a rra fa d a s , n o R io d e J a n e iro
19 m ar O im p e ra d o r n o m e ia n o vo m in is té rio
5 a br O im p e ra d o r n o m e ia o m in is té rio d o s m a rq u ese s
7 abr A b d ic a ç ã o d e d . P e d ro I e e s c o lh a d a R e g ê n c ia
T rin a P ro vis ó ria
13 abr R e vo lta d o M a ta M a ro to s , e m S a lva d o r
5 jul D io g o F eijó é n o m e a d o m in is tro d a J u s tiç a
12 jul Se d iç ã o d o s e x a lta d o s n o R io d e J a n e iro
■ 7 0 ■
74. O PERÍODO DAS REGÊNCIAS
17jul Escolha da Regência Trina Permanente
Motins no Rio deJaneiro, Pernambuco e outras localidades
1832 M o t in s n o R e c ife
Tem início em Pernambuco e nas Alagoas a Caba-
nada, que durará até 1836
Câmara dos Deputados aprova reforma constitu
cional
1833 C o n flit o s d e ru a n o R io d e J a n e iro c o n t ra a v o lt a
d e d . P e d ro I
José Bonifácio perde o cargo de tutor de d. Pedro II
Sedição federalista na Bahia
Revoltas da Fumaça e da Carranca, ambas em
Minas Gerais
1834
ago A t o A d ic io n a l à C o n s titu iç ã o
set M o rt e d e d . P e d ro I, e m P o rtu g a l
1835 Tem início no Pará a Cabanagem, movimento que
durará até 1836
F e ijó é e le ito R e g e n te U n o
T e m in íc io n o R io G ra n d e d o Su l a R e vo lta F a r
ro u p ilh a , q u e d u ra rá a té 1 8 4 5
Revolta dos Malês, em Salvador
1837 F e ijó re n u n c ia à R e g ê n c ia e é s u b s titu íd o p o r P e d ro
d e A r a ú jo L im a
Início do “Regresso”
Tem início na Bahia a Sabinada, movimento que
durará até 1838
71
75. MARCO MOREL
18 3 8 Tem início no Maranhão e no Piauí a Balaiada, que
durará até 1842
Revolta de Manoel Congo, no Rio de Janeiro
18 3 9 República Juliana, em Santa Catarina
18 4 0 L e i d e I n te rp re ta ç ã o d o A t o A d ic io n a l
A n te c ip a ç ã o d a m a io rid a d e d e d . P e d ro II/ in ic io
do Segundo Reinado
18 4 1 Revisão do Código de Processo Criminal
18 4 2 Revoltas Liberais em Minas Gerais e São Paulo
18 4 8 Revolta Praieira, em Pernambuco
• 7 2 ■
76. Referências e fontes
p. 7: O livro de João Manuel Pereira da Silva (1817-
1894) é H istória do B ra z il dura nte a m enorida de d e
D . P edro I I (1831 a 1 8 40 ), Rio de Janeiro, B.L.
G arnier, 1878, 2a ed., p.VII.
p. 16-18: Para comparação entre a França e o Brasil ver
Marco Morel, “Le roi, le peuple et la nation: méta-
morphoses du libéralisme politique en France et au
Brésil (1830-1831)”, C ahiers du B résil C ontempo-
rain n.2 3 , Paris, EHESS, p. 59-75.
p. 31-39: As análises sobre os partidos foram retiradas
de Marco Morel, L a form a tion d e 1’espa ce p u b lic
m oderne à R io de J a neiro (1 8 2 0 -1 8 4 0 ): O pinión,
a cteurs et socia b ilités, tese de doutorado, Paris, U F R
d’Histoire, Université de Paris I, 1995, parte I.
p. 44: Charles D arwin, O Beagle na A mérica do Sul,
Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1996.
p. 46: Stuart B. Schwartz, S egredos internos: E ngenhos e
escra vos na socieda de colonia l, São Paulo, Compa
nhias das Letras, 1995, parte I V.
p. 47: K átia de Q. Mattoso, B a hia século XIX. U ma
p rovíncia no L mpério, Rio de Janeiro, Nova Frontei
ra, 1992, cap.30.
p. 48: Sobre o G rande Fateusim Nacional, ver Marcello
Basile, E z eq uiel C orrêa dos S antos: Um ja cob ino na