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UNIVERSIDADE CATÓLICA PORTUGUESA
FACULDADE DE TEOLOGIA
MESTRADO INTEGRADO EM TEOLOGIA (1.º grau canónico)
JOÃO MIGUEL PEREIRA
A ANALOGIA DO SER
Resumo e reflexão do artigo “A ANALOGIA DO SER”
de José Rui da Costa Pinto
Trabalho realizado no âmbito de Ontologia
sob orientação de:
Prof. Dr. José Rui da Costa Pinto
Braga
2015
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Apresentação geral dos conteúdos do artigo:
Não tendo S. Tomás deixado qualquer tratado sistemático sobre a analogia, referiu-se a ela em
vários momentos da sua obra. Vários autores têm-se debruçado sobre a unidade interna da analogia,
visando vários textos tomistas.
Bernard Montangnes defende que «S. Tomás numa primeira fase, estende a analogia de atribuição
predicamental aristotélica à analogia transcendental ou do ser que se constitui como unidade de diversas
realidades por referência ao Ser Primeiro». Abandonando esta posição, numa segunda fase, «adota a
analogia de proporcionalidade, a qual será abandonada ulteriormente, retomando a analogia de atribuição
como a analogia fundamental do ser».
Em “De Veritate”:
- Referindo-se à analogia de atribuição, S. Tomás diz que ao ser necessário uma relação entre
aquelas coisas que têm algo de comum por analogia, «“é impossível atribuir qualquer coisa a Deus e às
criaturas, segundo este tipo de analogia”».
- Referindo-se a analogia de proporcionalidade, proportionalitatis, S. Tomás diz que sendo
necessária uma relação de semelhança entre as duas relações dos dois termos «“nada impede que um
nome seja atribuído a Deus e à criatura, segundo este tipo de analogia”».
Na “Summa Contra Gentiles” S. Tomás diz:
O que se diz de Deus e das outras realidade predica-se por ordem ou referência a algo. Isso pode ser
de duas formas «“A primeira, quando muitos fazem referência a um só; (…) A segunda, quando se
considera a ordem ou relação que duas coisas guardam entre si e não por referência a outras coisas;
(…)”». Os nomes predicam-se de Deus e das outras realidades no segundo sentido.
Na “Summa Theologiae” S. Tomás diz em relação à analogia de atribuição:
“Mas quando algo se diz analogamente de muitos, isso mesmo só se encontra propriamente num só
deles, pelo qual são denominados todos os outros”.
► A - A primeira resposta foi-nos dada por Tomás de Vivo, conhecido por Cayetano. Ele
fundamenta a sua doutrina sobre a analogia na seguinte passagem: «“Uma coisa predica-se
analogicamente de três maneiras: ou segundo a intenção somente e não segundo o ser; e isto sucede
quando uma intenção se refere a várias coisas com ordem de prioridade e posterioridade, ainda que, em
termos de ser, só se dê um(…). Ou segundo o ser e não segundo a intenção; e isto sucede quando coisas
distintas se unificam na intensão de algo comum, mas este comum não tem o ser da mesma maneira em
todos (…). Ou segundo a intensão e segundo o ser; e isto sucede quando coisas distintas não se unificam
nem numa intensão comum nem no ser (…); e de tais coisas é necessário que a natureza comum tenha ser
em cada uma delas, ainda que diferente segundo a sua maior ou menor perfeição”».
Cayetano estabeleceu, com esta divisão tomista, os três tipos fundamentais de analogia: a de
atribuição, a de desigualdade, e a de proporcionalidade.
1 - Colocou de parte a analogia de desigualdade.
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2 - Definiu que os «“análogos por atribuição são aqueles cujo nome é comum, e a razão significada
por este nome é a mesma segundo um termo, e diversa segundo as relações a ele”». Adverte ainda que
«“o nome análogo por atribuição enquanto tal ou enquanto realiza esta analogia é comum aos analogados
de tal modo que convém formalmente ao primeiro, e aos outros por denominação extrínseca”». Esta
analogia, refere Cayetano, «assemelha-se bastante à de desigualdade apontando, por isso, para uma
espécie de univocidade com perigosas consequências onto-teologicas».
3 - Quanto à analogia de proporcionalidade, referiu que «“os análogos por proporcionalidade são
aqueles cujo nome é comum e a razão significada por esse nome é a mesma proporcionalmente”. Esta
analogia realiza-se “segundo a causalidade formal inerente”, isto é, intrinsecamente». Esta é, para
Cayetano a analogia que corresponde formalmente ao ser, a qual este defende ser a única verdadeira
analogia do ser, pois só ela se opõe, sem margem para dúvidas, quer à univocidade quer à equivocidade
da ideia de ser.
Esta foi a interpretação da doutrina tomista que a maioria dos tomistas seguiu.
► B - Ao inverso, a interpretação de Cayetano foi contestada por Francisco Suárez. Ao contrário
de Cayetano, este defende que «“a analogia de proporcionalidade própria não se dá entre Deus e as
Criaturas”, uma vez que “toda a analogia de proporcionalidade inclui algo de metáfora e de
impropriedade” enquanto “na analogia do ser não existe qualquer metáfora ou impropriedade, visto que a
criatura é ser verdadeira, própria e absolutamente”».
E conclui apresentando duas maneiras de denominar uma coisa por atribuição a outra. «Uma é
quando a forma denominante está intrinsecamente em um só dos extremos, enquanto nos outros está
apenas por relação extrínseca (…)». A atribuição que se faz entre Deus e a criatura não pode ser deste
género pois é evidente que a criatura não é denominada ente extrinsecamente devido à entidade ou ao ser
que há em Deus, mas antes devido ao seu ser próprio e intrínseco, chamando-se consequentemente ente
não por metáfora, mas sim verdadeira e propriamente. «A outra, quando a forma denominante está
intrinsecamente em ambos os membros, embora esteja num de modo absoluto e no outro por relação
àquele».
A única analogia que a criatura pode ter com o Criador sob a razão de ser só pode ser “fundada no
ser próprio e intrínseco que tem uma relação essencial ou dependência relativamente a Deus”. Daqui
verifica-se que Suárez apresenta um conceito de ser que se aplica a Deus por essência e às criaturas por
participação e subordinação essencial ao ser divino, isto é, derivadamente.
Enquanto para Cayetano a analogia de proporcionalidade é própria (e é a analogia formal do ser) e a
analogia de atribuição é meramente extrínseca, para Suárez, ao contrário, a analogia de proporcionalidade
é apenas metafórica, e a analogia de atribuição pode ser extrínseca ou intrínseca, sendo esta última a
analogia formal do ser.
► C - Mais recentemente Cayetano foi ainda contestado por Santiago Ramírez. Este, por sua vez
apresenta três tipos de analogia: Um de desigualdade; Outro de atribuição que se desdobra em dois
modos: de «“atribuição por mera denominação extrínseca”», «“e de atribuição por participação intrínseca
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e formal da forma análoga do primeiro analogante em todas e em cada um dos analogados segundos”»; e
Outro «de proporcionalidade de dois a dois ou de muitos a muitos, quer seja por proporcionalidade
própria, quer de proporcionalidade metafórica”», «“ainda que o seu modo próprio de analogizar seja
essencialmente distinto do de atribuição intrínseca”».
Em grande número dos casos, uma mesma realidade é suscetível de ambos os modos: um vertical (=
ascendente ou descendente) e outro horizontal, como ocorre com a noção de ser dito da substância e do
acidente ou de Deus e das criaturas; Mas nem sempre nem necessariamente.
Ramírez distancia-se também de Suárez pois o primeiro «admite a analogia de proporcionalidade
própria, para além da de proporcionalidade metafórica». Ele critica Cayetano dizendo que este “restringiu
demasiado o âmbito e a virtualidade da analogia de atribuição, a custo da analogia de proporcionalidade
própria; Suárez, ao contrário, sacrificou a analogia de proporcionalidade própria à analogia de atribuição
por participação intrínseca e formal. S. Tomás é muito mais completo e equilibrado, superando um e o
outro;” Critica Cayetano dizendo que ele admite toda a realidade da doutrina de S. Tomas mas que não
consegue “interpretá-la em tudo conforme à mente do seu autor”. Critica Suaréz referindo que este ao
negar “obstinadamente toda a analogia de proporcionalidade própria” Perdeu a maior e melhor parte da
Analogia tomista, “com enorme dano para as ciências filosóficas e teológicas”.
A interpretação que Ramírez faz da Analogia de S. Tomás tem gerado (nos nossos dias) cada vez
mais consensos entre os tomistas, o que se poderá justificar nos seguintes pontos:
1- «O ser é análogo de dois tipos de analogia: a analogia de atribuição intrínseca e a analogia de
proporcionalidade própria». 2- «Estes dois tipos de analogia não se opõem, antes se integram: a analogia
de proporcionalidade apreende os seres diversos em si mesmos já constituídos, enquanto a analogia de
atribuição apreende os seres na sua mesma constituição desde o Ser Primeiro que causalmente os faz
participantes do seu ser. Outros entendem que a analogia de atribuição intrínseca, enquanto entranha
essencialmente uma graduação na realização da forma análoga, corresponde mais propriamente ao ens ut
nomem, e a analogia de proporcionalidade própria realiza-se melhor no ens ut verbum».
Percorrido todo este percurso, a questão mantem-se: «Qual é a verdadeira analogia do ser: a de
atribuição ou a de proporcionalidade?»
► D - Costa Pinto admite que a questão permanecerá em aberto enquanto «pretendermos aplicar
ao ser os dois tipos fundamentais de analogia. O caminho que proponho é considerar a analogia do ser em
si mesma, como a analogia fundamental a qual apresenta duas dimensões ou vertentes: a vertical e a
horizontal. A analogia do ser expressa a identidade ontológica radical de cada sente que só é numa dupla
relação: com o Ser Mesmo e com os outros sentes. O “é” do sente, porque sintetiza o dinamismo deste
duplo movimento inseparável constitui-se como unidade diversificada, isto é, como análogo».
«A analogia não se pode reduzir, portanto, a um esquema sistemático de inteligibilidade do real, à
maneira do conceito unívoco, nem é apenas o conceito de ser que é análogo. A analogia é real porque o
real é análogo. A analogia é uma realidade entre os sentes e relativamente ao Ser Mesmo (na dupla
polaridade dissemelhança – semelhança)». Isto é visível em Nicolau de Cusa: “quodlibet in quolibet”, em
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Leibniz na sua conceção da mónada como “espelho do universo”, e ainda em Fernando Pessoa “Ah, que
diversidade, / E tudo sendo”.
«Dizer que o ser é análogo significa afirmar que ele encerra um dinamismo de semelhança, isto é,
uma plasticidade que implica simultaneamente unidade e multiplicidade, identidade e diversidade. Esta
plasticidade impede-nos de considerar a analogia como “uniforme”, fazendo todos os sentes “igualmente
semelhantes”.»
«Os sentes apresentam-se sobre uma hierarquia ontológica, de acordo com a maior ou menor
excelência de ser que neles resplandece e que se evidencia no seu maior ou menor grau de unidade,
verdade e bondade.
«Neste contexto, e inspirando-nos no pensamento cuseano, poderíamos dizer que a nível dos entes
infra-humanos, indivíduos-parte totalmente imersos no cosmos, estamos perante uma analogia
“considerada”. Encontramo-nos no domínio do finito onde ratio “cernit et discernit” as semelhanças
próximas entre tais sentes. Quando, porém, ascendemos até ao sente humano, estamos perante a analogia
“transferida”. De facto, o sente humano é um sente imerso-emerso no cosmos. Pertencendo ao cosmos,
não se esgota nele totalmente, antes o transcende pela sua consciência e pela sua liberdade. O sente
humano é, pois, um “humanus Deus” e um “humanus mundus”, onde resplandece o Infinito como sua
marca constituinte. Encontramo-nos, agora, no domínio do intelectus que atinge o supra-sensível sem o
compreender. Se, por fim, ascendermos ao Ser Mesmo, a Unitas, o Possest, o Idem o Non Aliud, Aquele
no qual todas as coisas estão e que está em todas as coisas, complicatio omnium et omnium explicatio,
estamos perante uma analogia “transumida”. Movendo-nos claramente no horizonte do intellectus que,
alcançado o seu momento último, compreende incompreensivelmente o Infinito».
«Afirmar a analogia é afirmar a semelhança, isto é, a unidade da diversidade, quer em relação aos
sentes entre si, quer em relação aos sentes e ao ser. Ora, porque há unidade exclui-se o pluralismo. Os
sentes possuem uma unidade interna, pois do mesmo ser que simultaneamente os compenetra e os
transcende. E porque há diversidade, quer nos sentes entre si, quer entre os sentes e o ser [(Ser Mesmo)],
exclui-se o monismo (e o panteísmo).
É a analogia do ser que permite o nosso conhecimento e progresso cognoscitivo. Com efeito, o
nosso conhecimento arranca de uma unidade – que é realidade do ser manifestada no sujeito cognoscente
-, desabrocha numa explicação – que supõe uma abertura interna do sujeito para tudo, o que é possível
porque a unidade do sujeito é análoga com tudo – e toma consciência numa unificação, a qual só é
possível suposta uma multiplicidade de análogos que assim se unificam no ser. Os sentes formam entre si
e em relação ao ser [(Ser Mesmo)], de que derivam uma unidade analógica».
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Tópicos principais:
Tendo estudado todos os autores que a cima citamos, os quais se debruçaram no estudo da
analogia dos ser, Costa Pinto chega à conclusão de que, se procurarmos aplicar ao ser dois tipos
fundamentais de analogia, nunca conseguiremos encontrar qual delas é a verdadeira analogia do ser.
Costa Pinto diz-nos que na identidade ontológica de cada sente só há uma dupla relação: do sente
com o ser mesmo e do sente com os outros sentes. O “é” que define cada sente, porque sintetiza esta
dupla relação inseparável, constitui-se como unidade diversificada, ou seja, como análogo.
A analogia não pode, por isso, reduzir-se a um conceito unívoco. Ela é real na medida em que
define o real, ela é uma realidade que se verifica entre os sentes e o Ser Mesmo.
Um Ser é análogo porque possui um dinamismo de semelhança e plasticidade, o que significa que
ele possui unidade e multiplicidade, identidade e diversidade.
«Afirmar a analogia é afirmar a semelhança, isto é, a unidade da diversidade, quer em relação aos
sentes entre si, quer em relação aos sentes e ao ser. Os sentes possuem uma unidade interna, pois do
mesmo ser que simultaneamente os compenetra e os transcende. E porque há diversidade, quer nos sentes
entre si, quer entre os sentes e o ser [(Ser Mesmo)], exclui-se o monismo (e o panteísmo)».
«É a analogia do ser que permite o nosso conhecimento e progresso cognoscitivo».
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