1) O documento discute a avaliação da leitura no 1o ano do ensino básico em Portugal, destacando a importância de se desenvolverem instrumentos para avaliar a competência leitora das crianças após um primeiro ano de ensino formal da leitura.
2) A leitura é um processo complexo que envolve a interação de vários outros processos cognitivos como a linguagem oral, a consciência fonológica e o contato prévio com a leitura.
3) É crucial avaliar se as crianças consolidaram a decodific
1. Avaliar a leitura: a leitura na avaliação
no 1ºciclo do ensino básico
Sandrina Maria da Silva Esteves* em final de 1º ano de escolaridade do ensino
básico.
Assim, julga-se de crucial importância o desenvol-
Uma das grandes questões no domínio da pesquisa vimento de instrumentos que possam contribuir
sobre a aquisição da leitura é a de perceber porque para uma avaliação da competência leitora de
é que para algumas crianças é tão fácil aprender a crianças sujeitas a um primeiro ano de ensino
ler, independentemente do método de ensino utili- explícito, em contexto formal de aprendizagem, de
zado, enquanto que para tantas outras, ainda que forma a aferir se o processo de descodificação, pro-
contempladas por estratégias específicas e com cesso central na passagem ao processo de com-
acesso a recursos diferenciados, o domínio de tal preensão da leitura, se encontra perfeitamente
competência se assume como uma barreira insupe- automatizado.
rável.
Uma análise de trabalhos relativos à aprendiza- 219
gem inicial da leitura permite verificar a relação Introdução
intrínseca entre o (in)sucesso do domínio da
modalidade escrita da língua e três eixos específi- O código escrito não é algo inato ao ser
cos: desenvolvimento da linguagem oral da criança humano, tal como é a faculdade da lingua-
(sobretudo no campo lexical e sintáctico); capaci- gem. A criança apropria-se da linguagem
dade de reflexão implícita sobre a estrutura e fun- escrita mediante a aquisição gradual do
cionamento da sua língua materna (consciência domínio de redes complexas de conceitos,
fonológica, lexical e sintáctica); e contacto prévio símbolos e termos (Davies, 1993).
com instrumentos de leitura antes do ensino for- Os processos envolvidos quer na leitura, quer
mal da mesma (Sim-Sim, 1997). na sua aprendizagem são processos basica-
Por outro lado, e no que diz respeito à realidade mente linguísticos, pressupondo ambos um
nacional, não é ainda possível encontrar instru- desenvolvimento que não ocorre de forma
mentos, validados para a população portuguesa, espontânea, mas exige um contexto educa-
que permitam aferir a competência leitora da tivo adequado no qual o professor está direc-
criança após um primeiro ano de ensino explícito, tamente implicado e pelo qual é responsabi-
formal, da leitura que permitam situá-la relativa- lizado (Ehri, 1985).
mente às restantes crianças suas pares, em situa- Ao tentar definir-se o acto de ler, verifica-se
ções iniciais de aprendizagem análogas, e que, de a existência de uma infinidade de concep-
acordo com o defendido para a Língua Portuguesa ções e descrições sobre o que se entende por
pelo Currículo Nacional do Ensino Básico leitura e por competência leitora. A leitura
(1997), correspondem às competências específicas deixou de ser estudada apenas como um
relacionadas com o domínio da leitura e da escrita, produto, uma competência que se ensina, e
* Escola Superior de Educação de Torres Novas
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2. passou a ser estudada como um processo que leitora apresentam as crianças maiores difi-
deverá ser analisado para melhor poder ser culdades, isto porque, no final do 1º ano do
equacionado, isto porque a leitura não é um 1º CEB espera-se já que as mesmas possuam,
somatório de processos, mas o resultado da para além de uma consciência fonológica da
interacção de vários processos de grande sua língua, um domínio do princípio alfabé-
complexidade (Stanovich, 1980). tico, bem como uma fluência leitora ade-
As investigações realizadas no âmbito da lei- quada à sua idade e grau de complexidade
tura têm, por isso mesmo, assumido uma das aprendizagens efectuadas até então.
dimensão muito significativa nos últimos
anos. O interesse crescente pela competên-
cia leitora deve-se, em grande parte, ao facto 1. A Leitura enquanto processo
de a leitura manifestar um papel crucial na complexo
220
aprendizagem da língua materna, em parti-
cular, e no sucesso profissional, em geral. Uma análise cuidada dos trabalhos realiza-
Com efeito, a análise e investigação no dos em torno da aprendizagem inicial da lei-
domínio da leitura conheceu grandes evolu- tura permite verificar a relação intrínseca
ções, sobretudo a partir do momento em entre o (in)sucesso do domínio da modali-
que se passaram a distinguir os métodos de dade escrita da língua e três eixos específicos:
ensino dos modelos de aprendizagem. Uma desenvolvimento da linguagem oral da
das grandes questões no domínio da pes- criança (sobretudo no campo lexical e sin-
quisa sobre a aquisição da leitura é, então, a táctico); capacidade de reflexão implícita
de perceber porque é que para algumas sobre a estrutura e funcionamento da sua
crianças é tão fácil aprender a ler, indepen- língua materna (consciência fonológica,
dentemente do método de ensino utilizado lexical e sintáctica); e contacto prévio com
pela escola, enquanto que para tantas outras, instrumentos de leitura antes do ensino for-
ainda que contempladas por estratégias e mal da mesma (Sim-Sim, 1997).
com acesso a recursos diferenciados, o domí- Com efeito, a leitura é entendida como um
nio de tal competência se assume como uma instrumento inigualável que permite aos lei-
barreira insuperável. tores aceder a um conjunto de vivências e
Sabendo-se que, no 1º Ciclo do Ensino Básico saberes. Assim sendo, e dado o valor que lhe
(doravante 1º CEB), os níveis de insucesso é reconhecido, é essencial conhecer e com-
escolar resultam, sobretudo, de dificuldades preender os seus mecanismos de aquisição,
de aprendizagem na leitura, a problemática os processos que lhe estão subjacentes, as
tecida em torno da aquisição da literacia vê a componentes que a constituem, bem como
sua fundamentação mais do que justificada. os métodos de ensino, no intuito de se poder
Mais ainda, torna-se de crucial importância operacionalizar uma actuação mais consciente
averiguar em que domínio da competência e eficaz, adequada aos alunos (Sim-Sim, 1994;
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3. Morais, 1997; National Reading Panel, que não se ultima com o domínio da corres-
2000). Na verdade, o insucesso na aquisição pondência grafema-fonema, mas antes se
da leitura influencia, muitas vezes, e de prolonga por toda a vida (Sim-Sim, Duarte
forma categórica, a aprendizagem nas res- & Ferraz, 1997; Sim-Sim, 1998). Na ver-
tantes áreas disciplinares, para as quais existe dade, e apesar de a faculdade da linguagem
uma exigência do domínio de tal competên- se assumir como um património genético
cia (Morais, 1997; Fonseca, 1999; Shaywitz, própria do ser humano (Chomsky, 1976), a
2003) faculdade da leitura é uma aquisição que
Durante longos anos, a leitura foi entendida decorre de um ensino formal, ainda que
apenas como uma aptidão mecânica num baseado em métodos perfeitamente díspares
processo de descodificação de signos escritos nas suas abordagens.
que exigia, por parte da criança, determina- Mais ainda, nas crianças, em fase inicial da
das destrezas psicológicas, entre elas: a orga- aprendizagem da leitura, a formação de unida- 221
nização espacial e temporal, a organização des significativas a partir dos sons é uma acti-
perceptiva e motora, o desenvolvimento da vidade demasiadamente complexa pela razão
função simbólica da linguagem, a organização simples de não existir uma correspondência
do esquema corporal, o desenvolvimento natural e directa entre unidades acústicas e
intelectual; razão pela qual, em período pré- unidades linguísticas (Borges, 1998); a que
-escolar, se dispensavam momentos precisos acresce o facto de que, no processo de aquisi-
conducentes à preparação da criança para a ção da leitura interferirem, ainda: (i) factores
leitura (Mialaret, 1997). intrapessoais, relativos ao sujeito que aprende,
No entanto, a precariedade de tal perspec- incluindo-se aqui variáveis como as capacida-
tiva conduziu à urgência de uma caracteriza- des cognitivas, a personalidade, os estilos e
ção do complexo processo que constitui o estratégias de aprendizagem, a motivação; (ii)
acto de ler. Com efeito, a aprendizagem da factores interpessoais; (iii) factores relaciona-
leitura não se assume como um fim em si dos com as situações de ensino/aprendizagem
mesma, apresentando-se antes como uma das quais se destacam as características do pro-
ferramenta que permite melhorar o sistema fessor, os estilos de ensino, as interacções
linguístico e comunicativo do indivíduo aluno-aluno e aluno-professor; e (iv) factores
falante, proporcionando-lhe a chave para o contextuais como sejam o contexto educativo
acesso a outras aprendizagens (Citoler, e familiar (Citoler & Sanz, 1997).
1996; Cruz, 1999). A sua relevância e complexidade explicam
Por outro lado, a leitura não se adquire de assim por que razão a leitura se constitui
forma espontânea pelo simples contacto como uma área de investigação profícua,
com o meio linguístico envolvente, tal como associada à procura da fundamentação cien-
acontece com a fala (Silva, 2003). A sua tífica e multidisciplinar do acto de ler e do
aprendizagem exige um ensino explícito, acto de ensinar a ler.
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4. Que processos se assumem como determi- envolve uma multiplicidade de processos,
nantes no domínio da leitura? O que está leva Citoler e Sanz (1996) a destacarem o
implicado nos processos de descodificação e facto de a leitura começar por ser um estí-
compreensão leitoras? mulo visual, terminando com a compreen-
Através da leitura é possível alcançar um são de um texto, devido a uma conjuntura
modelo global da mensagem veiculada por global e equilibrada.
qualquer suporte escrito. Na verdade, o Com efeito, os modelos cognitivos da leitura
acesso a uma unidade global de sentido pro- defendem que o processo de leitura incor-
cessa-se mediante operações de nível infe- pora, em simultâneo e em interacção, um con-
rior: identificação dos grafemas, das sílabas, junto de processos de nível inferior relativos à
das palavras e dos seus constituintes fonoló- descodificação grafo-fonética e ao reconheci-
gicos, morfológicos, bem como das unidades mento visual directo de sílabas ou de palavras
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sintácticas. Assim, na elaboração de um e um conjunto de processos de nível superior
modelo mental adequado torna-se necessá- respeitantes ao conhecimento da língua, à
rio (Costa, 1998): familiaridade com o tema, ou ainda o recurso
ao contexto prévio. Partindo de tais modelos
· distinguir e aceder ao significado das pala- parece ser consensual considerar, actual-
vras – processamento lexical na base de mente, a leitura como um processo interac-
operações fonológicas, morfológicas, tivo entre o leitor e o texto no sentido da
semânticas; apropriação de informação pertinente pelo
· conceber relações gramaticais e semânti- leitor, no qual as várias operações cognitivas
cas – parsing e processamento sintáctico; activadas estão em constante interacção e,
· integrar as ideias veiculadas pelos textos via também, onde cada um dos componentes
operações fortemente suportadas pelos envolvidos no processo de leitura exerce um
vários tipos de memória; efeito sobre os demais (Giasson, 1993)
· fazer inferências de modo a interligar a Na mesma linha de ideias, Rebelo (1990)
informação; aponta que o acto de ler envolve quatro tipos
· despoletar conhecimentos prévios, dos de processos: o conhecimento do código
domínios específicos activados pelos textos, escrito e a sua especificidade relativamente
de modo a incorporar informação em ao código oral; o domínio do acto léxico
esquemas conhecidos e a criar sentido; visual; a existência de conhecimentos con-
· usar estratégias de leitura no controlo cons- ceptuais e linguísticos e a construção de sig-
ciente do processo de compreensão em nificações a partir de índices visuais.
causa. Outros autores haverão que apontem distin-
tas distinções para o complexo processo que
A ideia de que o acto de ler se assume como o acto da leitura encerra, apresentando-se
uma imbricada actividade cognitiva que apenas, de seguida, algumas delas:
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5. · Ler é obter sentido do impresso (em sen- bolos escritos a partir de um input visual
tido construtivo), obter sentido da lingua- como forma de percepção da mensagem
gem escrita (Goodman, 1976); escrita (módulo perceptivo) (Citoler, 1996;
· Ler é um duplo e secundário sistema sim- Morais, 1997; Cruz, 1999, 2005). Tais sím-
bólico, constituindo-se a sua aprendizagem bolos gráficos deverão ser entendidos e assu-
como uma relação simbólica entre o que se midos enquanto palavras (módulo léxico)
ouve e diz, com o que se vê e lê (Fonseca (Citoler, 1996; Morais, 1997; Cruz, 1999,
1999); 2005), havendo também a necessidade de
· Ler é um processo que ocorre numa progres- uma compreensão da relação estabelecida
são de oito níveis distintos na sua complexi- entre palavras, a sua ordem e estrutura sin-
dade e abstracção crescente, iniciando-se táctica (módulo sintáctico) (Citoler, 1996;
com a detecção visual de linhas e progre- Morais, 1997; Cruz, 1999, 2005). Mais
dindo para a interpretação de temas e men- ainda, deverá também verificar-se a extrac- 223
sagens complexas (Kirby & William, 1991; ção do significado e a integração no conheci-
Das, Naglieri & Kirby, 1994; Das, 1998). mento existente no sujeito (módulo semân-
tico) (Citoler, 1996).
Porém, e apesar da panóplia de distinções, As primeiras operações a considerar serão,
será possível afirmar que todas elas apontam, assim, as de percepção visual respeitantes à
indubitavelmente, para a ideia de que o acto captação e reconhecimento de padrões de
de ler implica uma descodificação de símbo- letras, direccionamento dos movimentos
los gráficos e um fim último respeitante à oculares, relação entre as características do
extracção de sentido/significado. estímulo visual e o desencadear dos movi-
Na verdade, existem duas componentes dis- mentos perceptivos, variação da abrangência
tintas inerentes à leitura que, ainda que dos movimentos sacádicos e a duração das
intrinsecamente relacionadas, se manifes- fixações do olhar (Costa, 1998).
tam de formas diferentes: a descodificação e Por outro lado, há ainda a referir que, no
a compreensão. que se refere à descodificação de palavras,
Reconhece-se que quando se fala em leitura parece ser unânime a assumpção de duas
existem dois níveis essenciais a considerar: a abordagens distintas, uma visual ou directa,
leitura elementar, de descodificação ou de a outra fonológica ou indirecta. À primeira
reconhecimento, e a leitura de compreensão. corresponderá, como ponto de partida, a
À primeira corresponderão os leitores em palavra escrita, a partir da qual se iniciam os
fase de iniciação e à segunda os leitores mais processos perceptivos de análise visual,
fluentes (Rebelo, 1993; Citoler, 1996; alcançando-se o léxico visual e, a partir
Morais, 1997; Cruz, 1999; Shaywitz, 2003). deste, o sistema semântico, seguido de um
Ainda que de forma muito sintética, à pri- restabelecimento do léxico fonológico que
meira corresponderá a percepção dos sím- conduz à pronunciação e tradução da pala-
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6. vra escrita em fala. À segunda correspon- Na verdade, e nos últimos anos, têm surgido,
derá, por sua vez, a ideia de que o falante se em Portugal, alguns trabalhos relacionados
auxilia da análise visual para atingir os com bons preditores de níveis futuros de
mecanismos de conversão grafema-fonema sucesso na leitura, trabalhos esses realizados
que conduzirão à pronunciação e, daí, reco- no âmbito da intervenção precoce e centra-
nhecida a palavra, será alcançado o proces- dos na avaliação do desenvolvimento da lin-
samento léxico que interagirá com o sistema guagem oral nos domínios mais pertinentes
semântico na extracção de significado para o sucesso da aprendizagem da leitura
necessário para se chegar ao léxico fonoló- (Rebelo, 1990; Sim-Sim, 1997; Barros, 1998;
gico (Cruz, 2005). Figueiredo, 1998; Vale, 1999; Fernandes,
No entanto, e admitindo que a via de acesso 2000; Velásquez, 2002; Viana, 2002; Cruz,
possa estar dependente do grau de maturi- 2005).
224
dade do leitor, da tarefa específica da leitura Porém, não é ainda possível encontrar ins-
ou do grau de dificuldade do texto em causa, trumentos, validados para a população por-
a representação fonológica parece desempe- tuguesa, que permitam aferir a competência
nhar um papel centralizador (Costa, 1998). leitora da criança após um primeiro ano de
A compreensão deverá, por sua vez, ser ensino explícito, formal, da leitura, que per-
entendida como o processo através do qual mitam situá-la relativamente às restantes
as palavras, frases e textos são interpretados crianças suas pares, em situações iniciais de
(Fayol et al, 2000). aprendizagem análogas, e que, de acordo
Contudo, e ainda que se aceite o carácter rela- com o defendido para a Língua Portuguesa
cional de ambos os processos, convém referir pelo Currículo Nacional do Ensino Básico
que o processo da descodificação poderá ser (1997), correspondem às competências
efectuado sem recurso à compreensão, não se específicas relacionadas com o domínio da
verificando o contrário, ou seja, não é passível leitura e da escrita, em final de 1º ano de
de existência a compreensão sem, primeiro, a escolaridade do ensino básico.
passagem por um processo de descodificação Por outro lado, a avaliação deverá ser enten-
(Citoler, 1996; Shaywitz 2003). dida como parte integrante do processo
ensino/aprendizagem. Segundo Perrenoud
(1999), a avaliação da aprendizagem, no
2. Avaliar a Leitura novo paradigma, é um processo mediador na
construção do currículo, encontrando-se
No que diz respeito à realidade nacional, não intrinsecamente relacionada com a gestão da
existem ainda muitos estudos vocacionados aprendizagem dos alunos.
para o estudo da aprendizagem e nível de Com efeito, avaliar é, enquanto ponto de
leitura dos alunos cuja língua materna é o partida ou chegada, criar hierarquias de
português (Sim-Sim, 1997). excelência, a partir das quais se decidirão a
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7. progressão no curso seguido, a orientação para mente, ainda que por vias informais, reter
diversos tipos de estudos, a certificação antes alunos ao longo de todo o ensino básico), se
da entrada no mercado de trabalho e, muitas vê, muitas vezes, confrontado com a necessi-
vezes, a contratação para um emprego. Em dade de trabalhar em contexto de sala de
contexto educativo, a avaliação é, também, e aula com os quatro níveis de ensino, situação
muitas vezes, uma forma de privilegiar um esta que conduz, frequentemente, a uma
modo de estar em aula e no mundo, valorizar ineficiência do seu trabalho.
formas e normas de excelência, definir um Por outro lado, acontece que, por vezes, o que
aluno modelo (Perrenoud, 1998). julga ser um aluno com uma excelente com-
Na avaliação da aprendizagem, o professor petência leitora, o poderá ser em comparação
não deverá permitir que os resultados dos com os restantes elementos da turma, mas
testes realizados ao longo do ano lectivo, não se comparada com uma outra criança de
geralmente de carácter classificatório, ocu- uma outra turma cujos níveis de desempenho 225
pem um peso superior ao que é conferido às na leitura são superiores, isto porque, não
suas observações diárias, de carácter diagnós- existe, até ao momento, um documento
tico e formativo. O professor, que trabalha orientador, validado para o efeito e para a
numa dinâmica interactiva, tem noção, ao população portuguesa, que permita distinguir
longo de todo o ano, da participação e produ- em que fase do desenvolvimento da capaci-
tividade de cada aluno, pelo que deverá ter dade leitora se encontra, ou deve encontrar,
sempre em atenção que os testes se assumem uma criança em final de 1º ano de escolari-
acima de tudo como uma formalidade do sis- dade do Ensino Básico. Os documentos passí-
tema escolar (Perrenoud, 1998). veis de serem consultados por professores do
No entanto, e no que se refere à avaliação em Ensino Básico com vista à identificação dos
situação educacional, esta não deverá ser níveis de leitura a identificar nos seus alunos,
entendida enquanto fim em si mesma, mas sejam eles o Currículo Nacional para a Educa-
sobretudo como um móbil no funciona- ção Básica (1997) ou o Programa de Língua
mento didáctico e, mais globalmente, na Portuguesa para o 1º CEB, goram os mais
selecção e na orientação escolares. Ela deverá expectantes pela parca disponibilização de
servir, acima de tudo, para nortear o trabalho informação e confusão na apresentação dos
de professores e alunos e, simultaneamente, objectivos e conteúdos esperados para cada
gerir as aprendizagens (Perrenoud, 1998). ano de escolaridade.
Actualmente, qualquer professor do ensino De acordo com o Currículo Nacional do
básico, e em virtude da quase impossibili- Ensino Básico (1997), entende-se por Leitura
dade de retenção de alunos até ao 4º ano de o processo interactivo entre o leitor e o texto
escolaridade do ensino básico (formal- em que o primeiro reconstrói o significado
mente, não é possível reter alunos no 1º ano do segundo. O domínio desta competência
de escolaridade, desaconselhando-se, igual- implica a capacidade de descodificar cadeias
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8. grafemáticas e delas extrair informação e Desenvolver o Gosto pela Leitura e pela
construir conhecimento. Acrescenta-se Escrita:
ainda que se entendem como competências · Contactar com diversos registos de escrita
específicas da Leitura, no 1º CEB do Ensino (produções dos alunos, documentação,
Básico, por um lado, a aprendizagem dos biblioteca, jornais, revistas, correspondên-
mecanismos básicos de extracção do signifi- cia, etiquetas, rótulos, registos de presenças,
cado do material escrito, nomeadamente a calendários, avisos, recados, notícias…).
capacidade para decifrar de forma automá- · Experimentar múltiplas situações que des-
tica cadeias grafemáticas, para localizar pertem e desenvolvam o gosto pela Língua
informação em material escrito e para escrita (actividades de biblioteca da aula, da
apreender o significado global de um texto escola, municipais, itinerantes).
curto; e, por outro, o conhecimento de estra- · Ouvir ler histórias e livros de extensão e
226
tégias básicas para a extracção de informação complexidade progressivamente alargadas
do material escrito. que correspondam aos interesses dos alunos.
Por sua vez, no que se refere ao Programa · Localizar, em jornais, notícias, a partir de
Nacional de Língua Portuguesa para o Ensino imagens.
Básico, e de acordo com a Organização Curri- · Comparar, em diferentes jornais, as mes-
cular e Programas do Ensino Básico – 1º CEB mas notícias e as imagens que as ilustram.
(2004), a Leitura surge, a par da Escrita, · Localizar, em jornais, as páginas que indi-
enquadrada no Domínio da Compreensão cam programas de televisão, programas
Escrita, encontrando-se os objectivos traça- infantis…
dos de forma equitativa para ambas. Na ver- · Descobrir e localizar, em jornais e revistas,
dade, a enunciação dos objectivos é feita, e e através das imagens, um programa de
para todos os anos de escolaridade, a partir de televisão de que gosta.
duas directrizes-chave: «Desenvolver o Gosto
pela Leitura e pela Escrita e Desenvolver as Com- Desenvolver as Competências de Escrita
petências de Escrita e de Leitura» (p. 146). e de Leitura:
Na medida em que apenas a Leitura é objecto · Descobrir expressões iguais ou palavras
desta análise, enunciam-se, de seguida, e iguais em produções diferentes e nas mes-
sempre que possível (uma análise mais cui- mas produções.
dada permitirá verificar que, por vezes, se · Coleccionar as palavras descobertas e reco-
torna difícil compreender se o objectivo é nhecidas.
vocacionado para a Leitura ou para a Escrita), · Comparar textos, expressões e palavras, a
os objectivos traçados para a Leitura neste fim de descobrir semelhanças e diferenças
grau de escolaridade, em conformidade com nos aspectos gráfico e sonoro.
cada uma das directrizes referidas (pp. · Descobrir elementos comuns a várias pala-
147-149): vras.
Saber (e) Educar 13 | 2008
9. · Construir palavras por combinatória de Reflexão, no documento da Organização
elementos conhecidos. Curricular e Programas do Ensino Básico –
· Construir listas de palavras que contenham 1º CEB (2004), deverá entender-se que as
elementos conhecidos (a mesma sílaba, ini- competências com ele relacionadas são
cial, média, ou final…). objecto único do 3º e 4º anos de escolari-
· Construir rimas ou cantilenas a partir de dade, razão que encontra a sua justificação
palavras conhecidas. na afirmação: «No 1º CEB do Ensino Básico,
· Realizar jogos de substituição de letras ou o Módulo Funcionamento da Língua —
de sílabas para formar outras palavras (com Análise e Reflexão deve ser entendido como
letras móveis, sem letras móveis). um instrumento de descoberta e de desen-
· Realizar jogos de comutação de letras para volvimento das possibilidades de uso da Lín-
formar outras palavras. gua e de aprendizagem da Escrita e da Lei-
· Ler textos produzidos por iniciativa pró- tura. Aponta, assim, para um percurso 227
pria (para toda a turma, para um grupo, integrado de Comunicação Oral, de Comu-
para um companheiro, para o professor). nicação Escrita e de Reflexão sobre a Língua.
· Ler textos produzidos pelos companheiros, Tal pressupõe que os alunos experimentem,
pelos correspondentes (para o professor, explorem, funcional e ludicamente, várias
para um grupo, para um companheiro). formas diferentes de dizer as mesmas coisas,
· Ler livros ou textos adequados à sua idade e se sirvam dos seus erros e inadequações para
nível de competência de leitura. descobrir regularidades e irregularidades da
Língua. A multiplicidade de práticas de aná-
No entanto, e paradoxalmente, não é refe- lise e de reflexão sobre as falas e sobre a
rida qualquer abordagem respeitante ao escrita que vão construindo, em interacção
complexo processo que é a leitura, apesar de com a leitura, permitirá um progressivo
se fomentar a leitura de textos vários, de domínio da estrutura da Língua. Não se
natureza distinta e de diferentes graus de espera que, durante este ciclo, os alunos
complexidade, referindo-se, apenas, que venham a dominar a nomenclatura corres-
estes devem ser de extensão curta (sem se pondente a todo o trabalho realizado. A
clarificar o que deve ser entendido como tal: consolidação desse trabalho de memoriza-
dez linhas, três parágrafos, cem palavras…). ção será realizada ao longo do 2º ciclo do
Acresce ainda a sugestão da leitura de docu- ensino Básico.» (p. 156).
mentos ajustados à idade dos alunos e à sua Porém, e se numa primeira análise, tal afirma-
competência leitora, sem se clarificarem ou ção não se apresenta problemática, explorados
disponibilizarem as orientações ou instru- os diferentes conteúdos respeitantes ao bloco
mentos necessários à sua estipulação. do Funcionamento da Língua – Análise e
Mais ainda, no que respeita ao Bloco do Reflexão, para o 3º ano de escolaridade, é pos-
Funcionamento da Língua – Análise e sível encontrar, formuladas enquanto objecti-
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10. vos, as seguintes finalidades: «Identificar dife- ensino básico, o seguinte: «Aprendizagem
rentes sons da Língua (vogais e consoantes; dos mecanismos básicos de extracção de sig-
Combinar, ludicamente, diferentes sons da nificado do material escrito» (p. 59).
Língua; Estabelecer relações entre sons e Com efeito, é defendido que as crianças, em
letras (fonemas e grafemas corresponden- final de ciclo, deverão: saber efectuar leitura
tes)» (p. 157). Também no que se refere ao 4º em silêncio; saber ler com perceptibilidade
ano de escolaridade são entendidas como em voz alta; saber identificar as ideias prin-
finalidades as seguintes: «Distinguir sons cipais de um texto; saber localizar no texto a
vocálicos e consonânticos; Combinar, ludica- informação desejada; saber adiantar conteú-
mente, diferentes sons da Língua; Nomear, dos a partir de capas, imagens, títulos e pará-
por ordem, as letras do alfabeto; Decompor grafos iniciais; tomar a iniciativa de ler (Sim-
palavras em sílabas». -Sim, Duarte, Ferraz, 1997). Adianta-se,
228
Ora, assumindo-se que a consciência fono- também, que para que tal seja possível será
lógica e o domínio do princípio alfabético se necessário que o processo de decifração
encontram entre os grandes preditores do (grafema-fonema) esteja já automatizado,
sucesso na Leitura, fica então por averiguar sem, no entanto, e uma vez mais, à seme-
em que grau de escolaridade, e de acordo lhança dos restantes documentos orientado-
com o Currículo Nacional para o Ensino res para o Ensino Básico, se fazer referência
Básico (1997) e o Programa de Língua Por- a tais pressupostos para níveis individuais de
tuguesa para o 1º CEB do Ensino Básico, escolaridade, deixando indefinidamente em
estarão os alunos em condições de os domi- aberto as questões: Quais as competências
narem. nucleares e níveis de desempenho da Leitura dese-
Por outro lado, o documento: A Língua jados para crianças em final do 1º ano de escolari-
Materna na Educação Básica – Competências dade do Ensino Básico? Em que momento deverão
Nucleares e Níveis de Desempenho (Sim-Sim, as crianças ter já automatizado o processo de des-
Duarte, Ferraz, 1997) embora mais esclare- codificação da leitura, encontrando-se em condi-
cedor do que os documentos acima referen- ções para passar ao processo seguinte, o da com-
ciados, uma vez que aponta competências preensão do que lêem?
nucleares e níveis de desempenho específi- Com tais questões em aberto, um professor
cos para a Leitura, e não para o conjunto lei- que tenha a seu cargo uma turma de 1º ano
tura/escrita sem discriminação, continua a do 1º CEB do Ensino Básico vê a tarefa da
não o fazer para cada ano de escolaridade de avaliação da leitura extremamente dificul-
forma isolada, antes surgindo os princípios tado, sobretudo se não dominar o complexo
formulados para o final de cada ciclo de processo que é a leitura, nomeadamente o que
escolaridade. Assim, é possível encontrar avaliar?
formulado enquanto objectivo de desenvol- Na verdade, e no que se refere à aprendiza-
vimento da Leitura para o primeiro ciclo do gem inicial da leitura, importa que o profes-
Saber (e) Educar 13 | 2008
11. sor reconheça que a descodificação é a com- intervenção eficaz porque atempada. Só
ponente básica que o aluno deverá ter auto- assim tal avaliação será profícua, porque
matizada se quiser passar a um segundo intencional com função de sinalização e não
nível, o da compreensão. Parece, pois não de certificação; porque necessária e crucial
haver grande dúvida que num aluno que não para o seu objecto de avaliação – o aluno – e
tenha automatizado tal processo, dificil- reguladora do próprio processo de ensino-
mente acederá ao segundo, este já de nível -aprendizagem do seu agente – o professor.
superior. Contudo, e intrinsecamente ligada
à descodificação encontram-se a consciência
fonológica, o domínio do princípio alfabé- Bibliografia
tico e a fluência. Se estas três competências Alegria, J., & Morais, J. (1989). Analyse Segmentale et
não estiverem asseguradas em final de 1º ano acquisiton de la lecture. In L. Rieben, & C. Perfetti
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aluno alcançará sucesso nas restantes apren-
et Niestlé.
dizagens, uma vez que o seu desempenho na Barros, M. A. (1998). A avaliação de leitura como chave para a
leitura estará, à partida, condicionado. intervenção pedagógica. Lisboa: Escola Superior de Educa-
Assim sendo, parece caber ao professor do 1º ção de Lisboa.
CEB do Ensino Básico essa árdua tarefa não Bloom, B., Hastings e Madaus (1971). Handbook on
Formative and Sumative Evaluation of Student Lear-
só de ensinar a ler, mas, e sobretudo, de ava- ning. New York: McGraw-Hill Book Company.
liar os níveis de desempenho dos seus alunos (Manual de Avaliação Formativa e Sumativa do Apren-
«iniciantes», detectando e sinalizando os dizado Escolar. S. Paulo: Livraria Pioneira Editora.)
défices que se venham a manifestar em cada Borges, T. M. (1998). Ensinando a ler sem silabar. Campi-
nas: Papirus Editora.
uma destas três competências que, ao que
Capovilla, A. G. S. & Capovilla, F. C. (2002). Inter-
parece, e ainda que intimamente interliga- venção em Dificuldades de Leitura e Escrita com Tra-
das, manifestam uma progressão gradual: um tamento de Consciência Fonológica. In M. A. Santos &
aluno que conheça e saiba manipular os sons A. L. Navas (Eds.), Distúrbios de leitura e escrita: teoria e prá-
da sua língua (consciência fonológica) mais tica. Barueri: Manole.
Capovilla, F. C.; Macedo, E. C. & Charin, S. (2002).
facilmente reconhecerá a não univocidade Competências de leitura e modelos na avaliação de
entre tais sons e a sua representação gráfica compreensão em leitura silenciosa e de reconheci-
(domínio do princípio alfabético) e realizará mento e descodificação em leitura em voz alta. In M. A.
uma leitura prosódica (fluência). Tal avalia- Santos & A. L. Navas (Eds.), Distúrbios de leitura e escrita:
teoria e prática. Barueri: Manole.
ção não deverá, por outro lado, de se restrin-
Cardinet, J. (1993). Avaliar é Medir? Rio Tinto: Edi-
gir a um momento único, final e classifica- ções Asa.
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