TESTAMENTOS E SUCESSÕES TRANSNACIONAIS NA UNIÃO EUROPEIA PARTE 1
1. TESTAMENTOS E SUCESSÕES TRANSNACIONAIS NA
UNIÃO EUROPEIA
PARTE 1
O fenómeno da globalização e da livre circulação de pessoas no espaço comunitário fizeram
aumentar significativamente os casos das sucessões transnacionais.
Mas, afinal, o que é uma sucessão transnacional? Uma sucessão transnacional significa todo o
processo de transferência, por morte, da herança do falecido, que implica o envolvimento de
autoridades de diferentes países.
A título meramente exemplificativo, vejamos alguns casos de sucessão transnacional:
Exemplo 1:
"A" tem nacionalidade britânica, reside em Portugal e possui
bens no país de origem e no país da residência.
Exemplo 2:
"A" tem nacionalidade portuguesa, reside no Reino Unido, tem
bens em Portugal e os seus herdeiros residem em Portugal.
Exemplo 3:
"A" tem múltiplas nacionalidades e património
espalhado em diferentes países.
Os processos de sucessão transnacional não são
simples. Nalguns casos, os herdeiros vêem-se
compelidos com a necessidade de lidar com leis de
vários países, com interpretações legais distintas, de
instaurar ações sucessórias em diferentes países,
correndo o risco de poderem vir a ser proferidas
decisões divergentes, com toda a morosidade e os custos acrescidos daí decorrentes.
No limite, os herdeiros poderão até ver-se a braços com um eventual conflito de leis internacionais,
por leis de diferentes países se considerarem simultaneamente aplicáveis, à mesma sucessão.
São múltiplas, e complexas, as questões subjacentes a sucessões transnacionais, sendo que em
todas elas, a primeira questão que se coloca, no que diz respeito ao espaço comunitário europeu,
é a de saber em que país da EU deve ser tratada a sucessão e/ou qual a lei nacional aplicável?
2. A fim de resolver estes problemas, a União Europeia aprovou, em 2012, o Regulamento
“Sucessões” [Regulamento (EU) n.º 650/2012], em vigor desde 17 de agosto de 2015, que
determina a legislação nacional aplicável à sucessão e qual o Estado-Membro da EU cujas
autoridades irão tratar da sucessão.
O referido Regulamento estabelece como regra geral (critério fator de conexão) a lei da última
residência habitual do falecido no momento do óbito. E, também determina que a lei aplicável à
sucessão do falecido aplica-se a todo o seu património, quer ele esteja circunscrito num só país ou
distribuído por vários.
Mas, repare-se, esta regra geral pode ser afastada pelo próprio falecido, caso este, em vida,
declare, expressa e formalmente, que a lei sucessória aplicável, após o seu falecimento, será a lei
de que é nacional ao momento da escolha ou da sua morte.
Além disso, o Regulamento prevê também a criação de um «certificado sucessório europeu» que
permitirá aos futuros herdeiros provarem em toda a UE a qualidade de herdeiros ou de
administradores de uma sucessão, sem necessidade de formalidades ou burocracias acrescidas.
Quanto a nós, o Regulamento traz uma grande vantagem, que é a coerência nas sucessões
transnacionais.
Ao determinar a aplicação de uma única lei, por uma única autoridade, às sucessões
transnacionais, o Regulamento garante, por um lado, que as decisões do Estado-Membro que irá
decidir a sucessão sejam
reconhecidas em toda a UE e, por
outro lado, impede a instauração
de processos judiciais paralelos,
no âmbito da mesma sucessão,
com eventuais sentenças
contraditórias.
E ainda que o Regulamento não
regule questões de fundo
(nomeadamente, matérias
processuais e materiais
relevantes na sucessão e
assuntos fiscais, tais como os
impostos sucessórios aplicáveis),
dele (Regulamento) podemos
retirar vantagens significativas:
maior uniformização processual,
menores custos, menor
onerosidade temporal e maior
3. facilidade nos procedimentos formais adotados.
Mas, como em quase tudo na vida, há um senão importante:
Nem todos os países da UE participaram e aderiram a este Regulamento. O Reino Unido, a Irlanda
e a Dinamarca não estão vinculados a este Regulamento.
Nesses casos, para os países não aderentes ao Regulamento, qual é a lei nacional que se aplica
havendo uma sucessão transnacional?
Vejamos, por exemplo, o caso de um cidadão, com dupla nacionalidade portuguesa e britânica,
residente no Reino Unido e com património em Portugal e no Reino Unido. No caso da sua morte,
qual será a lei aplicável?
O exemplo acima citado suscita, na realidade, questões jurídicas complexas, pois em muitas áreas
e, especificamente, em matéria de direito sucessório, a legislação portuguesa é muito distinta da
legislação britânica.
Sobre isso, iremos falar no próximo artigo.
Milena Sena
Registered European Lawyer
Advogada (Portugal)
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