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ARTE, POESIA E VISUAL
3
Bilharinho, Guido
B492a Arte, Poesia e Visual/Guido Bilharinho. -- Uberaba,
Brasil: Revista Dimensão Edições, 2018.
267 p. : il.
1. Arte. 2. Poesia. I. Título.
CDD 700
Ficha catalográfica elaborada por
Sônia Maria Resende Paolineli - Bibliotecária CRB-6/1191
Organização e
Planejamento Gráfico
Guido Bilharinho
(guidobilharinho@yahoo.com.br)
Capa
Guido Bilharinho
Edição
Revista Dimensão Edições
Caixa Postal 140
38001-970 − Uberaba/Brasil
Direito Autoral
Escritório de Direitos Autorais
Protocolo nº 0294/2017
Editoração Gráfica
Gabriela Resende Freire
4
SUMÁRIO
5
NOTA PRELIMINAR
Arte, Poesia e Visual......................................................................11
ARTE
A Finalidade da Arte ......................................................................14
A Função do Artista .......................................................................20
O Moderno e o Antigo em Arte .....................................................23
Experimentalismo em Arte e Ciência ...........................................26
Consciência Artística e Modernismo ............................................28
O Fato Artístico .............................................................................30
Tema e Conteúdo em Arte ............................................................31
Engajamento da Arte: Abraço (Mortal) de Tamanduá .................34
Ensino da Literatura e das Artes em Geral: Cobra Que Engole a
Própria Cauda .......................................................................37
Da Prejudicialidade dos Estudos Teóricos Sobre Arte .................40
Arte e Diversão ..............................................................................42
A Padronização do Gosto e do Fazer Artístico ..............................44
A Universalidade da Arte ..............................................................47
Arte e Ciência ................................................................................48
Conceituação de Literatura ...........................................................49
Mudança de Mentalidade .............................................................56
Ilustrações .....................................................................................59
6
POESIA
Generalidades
Espaço Para a Poesia .....................................................................62
I – A Postura do Poeta, 62; II – A Atuação do Poeta, 63; III
– A Prevalência da Obra de Criação Artística, 65; IV –
Possibilidades e Limitações dos Meios de Comunicação,
68; V – Rigor Seletivo, 71.
A Poesia, Como Emoção e Como Arte ..........................................75
Poesia e Prosa/Poema e Texto ......................................................80
Consciência Artística e Prática Poética .........................................85
Poesia e Racionalidade ..................................................................88
O Poema ........................................................................................92
Formas Poéticas ............................................................................94
As Novas e Sempre Renovadas Formas Poéticas ..........................95
Discursivo e Antidiscursivo em Poesia .........................................96
Poesia Sobre Poesia .......................................................................97
Rimas e Ritmos .............................................................................98
A Emoção e o Barro .......................................................................99
Beleza Conceitual . .........................................................................99
A Leitura do Poema .......................................................................100
A Crítica de Poesia ........................................................................102
Ilustrações .....................................................................................104
Especificidades
A Pretensa Poesia Modernista .......................................................106
O Modernismo e a Poesia ..............................................................115
7
Modernismo e Construtivismo .....................................................117
Poesia (Dita) Satírica ....................................................................118
Vanguardas ...................................................................................119
Os Meios e os Fins .........................................................................120
Revisão Crítica da Poesia Brasileira ..............................................121
Tendências da Poesia Brasileira Pós 1960 ....................................123
O Construtivismo Poético Brasileiro .............................................126
A Conjuntura Poética ....................................................................127
A Crise da Divulgação e Publicação de Poesia no Brasil ...............130
Divulgação da Poesia ....................................................................132
Antologia de Novos Poetas da Nicarágua ......................................133
Duas Coletâneas de Pretensos Poemas .........................................135
Poesia Russa Moderna .................................................................144
Pretensa Antologia Poética Portuguesa ........................................151
Psiu Poético – Importância e Significação ...................................155
Observações sobre Poemas de Um Concurso ...............................157
Guimarães Rosa, Poeta .................................................................158
Drummond e Pessoa .....................................................................159
Oscar Bertoldo ..............................................................................160
Entrevista com Poetas – Proposta de Questões ............................161
A Morte do Poeta ..........................................................................164
Ilustrações .....................................................................................166
Edição de Poesia – A Revista Dimensão
Diretrizes
Uma Simples Revista de Poesia ....................................................169
Dimensão – Dez Anos de Poesia: A Sobrevivência no Vácuo .......170
8
Dimensão – Signo e Sina...............................................................179
Dimensão – Último Número: Apenas o Possível .........................181
Linha Editorial de Periódicos Literários– a Revista Dimensão .. 182
Seções Especiais
Poesia Brasileira em Série Especial ..............................................187
Poesia Japonesa do Século X ........................................................189
Um País de Poetas – A Poesia do Grupo Frenesi, de Portugal .....191
Poetas Gregos e Holandeses Contemporâneos..............................193
Um Novo Verso Argentino ............................................................194
Dois Poetas (Uberabenses) Contemporâneos ...............................196
Movimentos Poéticos do Interior de Minas Gerais ......................198
Poetas Uberabenses Contemporâneos ..........................................200
Grupos Vix e Frente ......................................................................202
Poetas Contemporâneos de Angola ..............................................203
Seções de Traduções
Joyce e Outros ...............................................................................204
“Le Bateau Ivre” e “Das Schiff” e Suas Traduções Brasileiras .....206
Perse e Outros ...............................................................................210
Pinter e Outros ..............................................................................212
Perse (II) e Outros .........................................................................215
Ponge e Outros ..............................................................................217
Girondo e Outros ...........................................................................219
Antônio Porta e Outros .................................................................221
Bashô e Outros ..............................................................................223
9
Antologias
Notas Preliminares
Poetas do Triângulo Mineiro (1976) ............................................224
A Poesia em Uberaba: do Modernismo à Vanguarda (2003).....227
Ilustrações .....................................................................................235
VISUAL
Diretrizes
Poetas Concretistas .......................................................................238
Concretismo ..................................................................................241
Grupo Concreto Cearense .............................................................243
Poema Processo ............................................................................244
Processo em Revista ......................................................................245
Fragmentos – A Nova Arte ...........................................................246
Gilberto Mendonça Teles e a Arte do Visual .................................249
Ilustrações .....................................................................................253
Edição de Visuais
A Poesia Experimental Alemã .......................................................255
A Poesia Concreta Alemã ..............................................................257
Grupo Concreto Mineiro ...............................................................259
Arte Eletrônica: Nova Estética ......................................................261
O Inismo Espanhol .......................................................................262
Ilustrações......................................................................................263
10
NOTA PRELIMINAR
11
Arte, Poesia e Visual
Em tudo que é humano lavra discordâncias e
controvérsias. Melhor que assim seja, visto que o pensamento
único seria sinal (e estigma) de carneirismo e carência de
raciocínio, autonomia e independência.
Contudo, isto não que dizer que todas as opiniões e
posições sejam corretas. Sempre existem as que decorrem de
estudo, pesquisa e meditação, constituindo a episteme (ciência)
e, ao contrário, as que não passam mesmo de meras opiniões
(as doxas dos gregos), que todos têm sobre tudo, com as
honrosas exceções daqueles que, consultados sobre
determinado assunto, afirmam não ter opinião formada.
Na área da arte, da poesia e do visual, temas enfocados
no presente livro, à semelhança do ocorrente com tantas
outras coisas (ou com tudo), as atitudes variam enormemente,
cada uma considerando-se a certa e verdadeira.
Mas, não é assim. Como os ensaios e artigos que
compõem esta obra demonstram, mesmo se tenha até
recentemente considerado poesia o que na realidade não é, a
questão do que seja poesia atingiu patamar (alcançado por
poucos infelizmente), no qual não resta dúvida de que poesia é
feita de palavras que produzem beleza estética. Fora disso, é
texto ou prosa, mesmo que de alto nível elaborativo.
No campo oposto ao discursivismo prosístico (toda a
auto-denominada poesia modernista, por exemplo) vicejam os
detonadores da palavra e do discurso (concretismo, poesia
12
semiótica, poema-processo, infopoesia, inismo, etc.) que, por
sua radicalidade e características, se auto-expulsaram da
poesia, construindo, no entanto, nova arte, a do visual, que se
não confunde nem se mistura ou se subordina à pintura, ao
desenho e à ilustração.
Essa, pois, a matéria do presente livro, que reúne ensaios,
artigos e notas (publicados ou inéditos) elaborados no
decorrer de algumas décadas, notadamente no bojo da
editoração em Uberaba por vinte anos ininterruptos da revista
de poesia Dimensão. Mas, também contendo posicionamentos
expostos desde a década de 1950 em diversas circunstâncias e
oportunidades.
Esses trabalhos mais antigos sofreram, alguns deles,
ligeiras corrigendas ou aperfeiçoamentos, mantendo, todavia,
os pontos de vistas neles expendidos, notadamente no que se
refere ao elástico, superado e obsoleto conceito de poesia e no
que concerne à admissão da inocorrente natureza poética do
concretismo.
*
Com as possíveis exceções indicadas, todos os jornais e
periódicos que publicaram vários desses ensaios e artigos são
de Uberaba, sendo que o Jornal de Uberaba citado
anteriormente a 1962 constitui o quarto aditado na cidade com
essa denominação.
O Autor
13
ARTE
14
A FINALIDADE DA ARTE
A posição da arte no contexto social, seu papel e
finalidade, suscitam pelo menos duas concepções opostas,
irreconciliáveis e excludentes: a arte vista em si e por si mesma,
como produto estético, e a arte entendida como expressão do
ser humano, com multiplicidade de objetivos e funções, entre os
quais, também o estético.
O simples enunciado dessas classificações delimita
perfeitamente os respectivos alcance e significado.
O último pretende atribuir à arte uma missão social, que
extrapola seu âmbito específico. Argumenta que “a arte é
necessária para que o homem se torne capaz de conhecer e
mudar o mundo” (Ernst Fischer. A Necessidade da Arte. Rio de
Janeiro, Zahar Editores, 1966, p. 20), ou que “as novas
tendências para o ensino da literatura, centralizadas no texto e
na sua recepção, giram em torno da ação transformadora da
literatura, visto que ela procura levar o estudante a uma
participação madura e ativa no meio social” (Creobel Franco
Maimoni, “O Ensino da Literatura no Segundo Grau:
Perspectivas”, dissertação de mestrado, resumo in Revista de
Letras, vol. 32, Faculdade Ciências e Letras de Assis, 1992, p.
276).
Contudo, não se restringe apenas a esses fins a visão
utilitária da arte, que ainda engloba, entre outras, as de catarse,
evasão e jogo. Se em algumas delas, em maior ou menor grau,
preserva-se o propósito artístico, este é, na melhor das
15
hipóteses, equiparado aos demais, conquanto, mais
frequentemente, seja minimizado ou secundarizado, quando
não inteiramente defenestrado.
As incumbências básicas imputadas à arte, de
conhecimento e transformação do mundo, de matriz marxista,
traduzem ponto de vista de que a arte deve estar a serviço da
conscientização do ser humano e das lutas políticas, sociais e
libertárias do povo, devendo direcionar-se, pois, em refletir a
sociedade, seus problemas e contradições e engajar-se na tarefa
hercúlea de modificar o mundo.
O desempenho catártico significa a busca de libertação e
superação existencial, a procura da paz e harmonia íntimas,
conforme expresso até em livros didáticos, servindo a arte, sob
esse ângulo, como meio de purgação e alívio, tanto para o autor
como para o receptor.
A concepção que confere à arte finalidade de evasão, que,
escondendo a realidade vivenciada, a substitui por outra,
distanciada e/ou edulcorada, pretende e contribui para que seu
consumidor olvide os próprios problemas ao mesmo tempo que
o entretém.
Sob o prisma do ludismo, querem-na como elaboração de
um jogo, na escolha dos meios que a constituem, a exemplo da
seleção de palavras e seus componentes fônicos e ópticos.
Qualquer desses posicionamentos alicerça-se em vasto
arsenal teórico, intentando justificar-se, ora atribuindo à arte
apenas a destinação que perfilham ou advogam, ora, além delas,
considerando-a possuir outras, embora secundárias.
16
Entretanto, todos têm traços comuns, que os colocam no
mesmo campo. Alheios e até hostis ao aspecto estético, ao
negarem sua unívoca particularidade, representam visão
exterior ao fenômeno artístico, advinda e dependente de outras
especialidades e ramos do saber. Têm, como escopo,
instrumentalizar a arte, colocando-a a serviço de seus
propósitos e tendências e subordinando-a às ciências, às
ideologias, às religiões, etc., seja como conhecimento, ocupação
da filosofia e de todos os ramos da ciência, desde as físicas às
sociais e humanas; seja como transformação do mundo, função
da atuação e do engajamento político, social, filosófico e
religioso; seja como catarse, aspecto comportamental e campo
de estudo da psicologia e ciência afins; seja como evasão, que se
confunde com os interesses da indústria do entretenimento,
equivocadamente denominada “cultural”, produtora apenas de
artefatos comerciais de entretenimento e diversão e resultado
político de anestesiamento de consciências; seja, como simples
jogo, restringindo seu alcance maior, conquanto a atividade
lúdica esteja intimamente ligada ao fazer estético, sendo uma de
suas componentes.
A gênese, fundamento, persistência e disseminação dessa
orientação devem-se à necessidade e desiderato de seus
seguidores de submeterem a arte às suas ideologias, opiniões e
pretensões político-sociais, isto é, àquilo que somente entendem
e apreciam.
Contudo, essa tentativa de dominação da arte representa,
paradoxalmente, reconhecimento de sua importância e, ainda,
17
sua valorização, fenômeno que, todavia, não se quer nem se
admite autônomo e livre, mas domesticado, desvirtuado e posto
a serviço de outros desígnios e aspirações.
O equívoco e a nocividade dessa generalizada tendência
são óbvios. É sintomático que só as pessoas alheias à arte, isto é,
que não a criam, que não são artistas, tenham essa atitude.
Nenhum artista a perfilha, agasalha ou adota. E quando se diz
artista, se tem em conta o verdadeiro e autêntico, não o
pretenso, que, justamente por não conseguir produzir arte,
procura, para encobrir suas insuficiências, desvirtuá-la. Mesmo
quando, excepcionalmente, artista autêntico assim se situa, só o
faz no campo teórico, não levando tal intenção às últimas
consequências, permanecendo sua obra incólume e
independente, como um valor em si mesma. Sua consciência
artística prevalece sobre seu pensamento filosófico, que deve
atuar e se expandir no amplo campo da participação política.
A nocividade dessa prática manifesta-se em dois níveis.
Na ponta da produção, desvia os interessados da procura
de aperfeiçoamento e da aquisição de informação artística, sem
o que não se consuma a feitura de qualquer obra esteticamente
válida, limitando-se tais pessoas, nos respectivos campos de
atuação, a apenas, no máximo, dominar seus meios
expressionais para veiculação de ideias, sentimentos, emoções,
ideologias, julgando, assim, estarem fazendo arte, quando mais
não fazem que peças ou artefatos artesanais habilidosos, mas,
sem qualquer criatividade, porque arte e criatividade só advêm
da conjunção de vários fatores básicos e indispensáveis,
18
constituídos de, entre outros, trabalho, intenção e
conhecimento artísticos.
Na ponta do consumo, leva os receptores a considerar a
arte, ora entretenimento, ora passatempo, ora instrumento de
intuitos diversos, desconhecendo completamente sua
finalidade, que é, apenas e unicamente, de proporcionar prazer
estético, que se não confunde com nenhum outro.
O equívoco fundamental desse modo de ver decorre do
desconhecimento de “que não há a expressão de um objeto,
mas o objeto de uma expressão”, ou seja, de que a arte “não é
expressão mas produto” e que ela exprime-se a si mesma
(Valdemar Cordeiro, “O Objeto”, in revista Arquitetura e
Decoração, São Paulo, dezembro 1956, apud Modernidade:
Vanguardas Artísticas na América Latina, organizado por Ana
Maria de Morais Belluzzo. São Paulo, Fundação Memorial da
América Latina/Editora Unesp, 1990, p. 302/303).
A arte, pois, não é expressão de nenhum fato estranho e
externo a ela, visto que forma, por si só, uma realidade. É que
nas palavras o ser humano “não possui uma expressão, mas um
produto da própria vida interior. A linguagem artística não é
expressão do ser, mas forma do ser” (Fiedler, citado por
Valdemar Cordeiro).
A arte, portanto, não é expressão, porque, então, não
passaria de mero epifenômeno. É forma do ser e, como tal, é
produto específico de seu trabalho, que requer conhecimentos,
informações, pesquisas e esforço próprios e exclusivos, que se
19
não compadecem com sua sujeição a objetivos diversos
daqueles que lhe são inerentes.
A única finalidade da arte, pois, é estética, ou seja, de
proporcionar prazer estético. A única função do artista, como
tal, é, portanto, produzir beleza. As origens e circunstâncias que
envolvem, ocasionam e direcionam autores e obras constituem
acontecimentos extra-artísticos, que só podem interessar ou ter
importância para outros ramos do saber, por razões totalmente
estranhas à arte.
Não influi, por exemplo, no prazer artístico ensejado pelos
teatros grego e shakespeariano, conhecer ou não os elementos
subjacentes à sua formação, motivações e condicionamentos,
bem como às personalidades e intencionalidades de seus
autores. O valor que têm (e que é eterno enquanto existir vida
inteligente no universo e não só na Terra), decorre unicamente
deles próprios tais como são, em si e por si mesmos, de seus
recursos intrínsecos, independentemente de tudo o mais.
Enfim, a obra só é artística se atender à sua singularidade.
O produto estético encerra, em si, tudo o que for possível, não
se amoldando nem se mesclando ou se subordinando a
qualquer dos elementos que lhe dão origem ou o impõem. O que
interessa é o resultado do trabalho do artista. É o produto
pronto, tal como realizado e elaborado. Nada mais. Todavia, no
caso, isso é tudo.
(revista Dimensão nº 23, 1993/94, editorial)
20
A FUNÇÃO DO ARTISTA
A finalidade da arte é estética, isto é, de apenas
proporcionar prazer estético. A função do artista, desde que o
seja, é de produzir beleza.
Fazer arte é, pois, antes e acima de tudo, exercício de
liberdade. O artista é (e principalmente deve-se considerar)
livre para fazer o que quiser nos limites de suas possibilidades,
que, aliás, necessitam ser ampliadas, tanto quanto possível, pelo
domínio cada vez maior e mais consciente dos meios artísticos
específicos, a partir de esforço, estudo e informação.
Ao se exigir que o artista, como tal, seja e esteja engajado e
comprometido com assuntos alheios às finalidades artísticas,
está-se-lhe desejando impor (ou impondo) diretriz cerceadora
de sua autonomia criativa, fazendo com que se desvie ou se
desvincule de sua tarefa básica para efetuar panfletagem e
aliciamento com utilização dos recursos expressionais da arte.
Daí resulta uma contrafação, que, justamente por sê-lo, redunda
também improdutiva e contraproducente até mesmo para o
objetivo almejado.
O artista pode se empenhar, como cidadão, em qualquer
causa, mas, não deve sujeitar sua atividade criadora a
campanhas que não lhe dizem respeito diretamente.
A condição sine quan non para criação de obra de arte é
que o artista é (e tem de ser sempre) livre para elaborá-la da
maneira que intentar e conseguir. Disso provém, contudo, que
não deve subordinar o específico artístico nem mesmo às suas
21
próprias pretensões políticas, filosóficas, religiosas ou
ideológicas. Pode usar o material que desejar e tiver. Todavia,
como matéria bruta utilizável para fins artísticos. Do contrário,
como ocorre comumente com quem inverte os polos da criação,
realizará obra que configurará romance, peça teatral ou musical,
filme ou quadro, mas, que não terá nenhum valor. Não o tendo,
será tudo, menos arte. Não ensejará prazer estético e,
consequentemente, não subsistirá.
Se consciente e livre, teria oportunidade de criar obra de
arte, porém, nesse caso, consumará, apenas, mera falsificação.
Que ele (e tantos como ele) considerem tal peça obra de
arte não teria a menor importância se tal avaliação não
carregasse em si a nocividade de levá-los, ao autor e a todos que
com ele comunguem ou compartilhem da mesma impressão
(não passa mesmo disso), a engano, que impedirá o primeiro de
realmente fazer arte e aos demais de terem, efetivamente,
prazer artístico.
O artista só tem uma obrigação se ambicionar
verdadeiramente produzir obra de arte: produzir obra de arte.
Para conseguir isso, cada qual faça como lhe aprouver, contanto
que o faça com independência e demais atributos e requisitos
indispensáveis.
O que não está certo é submeter a arte a outros propósitos,
princípios e diretrizes que lhe não são peculiares ou tentar
impingir isso e, ainda, considerar que é arte a contrafação
resultante dessa subalternidade e desorientação.
22
Em suma, não é incumbência do artista, enquanto tal,
comprometer-se e engajar-se em causas estranhas ao intuito de
proporcionar prazer estético. Sua atividade, que nada nem
ninguém pode legitimamente direcionar, impedir ou limitar, é
apenas gerar beleza. Mas, como se tem dito, esse apenas é tudo.
Perfaz mundo grandioso e eterno. Neste caso, pelo menos
enquanto existir vida inteligente no universo.
Nem se diga, como inúmeros adeptos de uma e outra
dessas posições costumam fazer, que a questão já foi assaz
debatida e está equacionada. Contudo, mesmo sendo antiga a
pendência, a cada geração o problema se põe, a cada iniciante
ele se apresenta, tais as desigualdades e injustiças do mundo.
Justamente por falta de retorno ao tema, por carência de
permanente alerta, muita vocação se desvia, muita obra se
estiola e se prejudica face às normais indecisão e insegurança
iniciais.
Necessário, pois, que se mantenha viva a discussão para
que preocupações impróprias não condicionem e nem balizem a
obra em detrimento e prejuízo da arte. Bastam-lhe, a esta, o
isolamento, a marginalização e as dificuldades que a sociedade
de consumo e a indústria do entretenimento lhe ocasionam.
(revista Dimensão nº 24, 1995, editorial)
23
O MODERNO E O
ANTIGO EM ARTE
Do ponto de vista da criação artística, duas posições
principais marcam a poesia e as artes em geral: a) conservadora,
quando não reacionária; b) moderna, atualizada.
Aquela, estacionária no tempo, fechada sobre si mesma,
limitando-se a repetir fórmulas já gastas, aferrada que é à
tradição, ao antigo, ao já feito e ao déjà vu. Por força disso, é
excessivamente (ou tão-somente) discursiva, linear, apegada ao
verso, à gramática e a tudo que signifique limitação, restrição,
cerceamento, nada podendo mudar, evoluir, diversificar-se
devendo permanecer, sempre, perenemente igual,
configurando-se-lhe incompreensível, inaceitável e sem
nenhuma validade tudo que daí passar e for novo, diferente,
diverso.
A outra tendência, que se não confunde com a vanguarda
militante ou o experimentalismo permanente, conquanto deles
se haure e se alimente, constitui a antítese da primeira. Procura
estar, ser e se situar-se no tempo ocorrente. Por isso, é aberta às
inovações, a buscar em si os elementos essenciais, a criar,
experimentar, captar, pesquisar, avançar, pautada por dicção
que procura ser própria, visto que, do contrário, não seria sua
nem de seu tempo nem nele estaria inserida, não seria ela
mesma, mas, apenas, eco, imitação ou revivescência de vozes,
ritmos e modos do passado, que devem ser conhecidos,
cultivados e usufruídos, mas, não copiados ou repetidos.
24
A modernidade é complexa, porque descompromissada
com fórmulas e modelos, assumindo responsabilidades e riscos.
É isenta, ventilada, ousada e, pois, ampla e rica de perspectivas
e expectativas, exercitando a liberdade de ser o que
efetivamente se é em cada época e de se construir em
consonância.
Por isso, a obra moderna, contemporânea de seu tempo, é
reveladora, eis que calcada em buscas, experimentos e
descobertas.
Não se compraz o artista consciente em erigir dicção
particular e a reiterá-la interminável e monocordicamente,
como é costume e uso entre os autores conservadores, que, além
de nada descobrirem ou criarem, limitando-se a copiar e a
reproduzir o passado, ainda condenam-se a interminavelmente
repetir sua própria repetição.
O artista moderno (não confundir com modernista, mas,
com atualizado), a par engendrar linguagem pessoal, não se
queda em apenas multiplicá-la. Porém, ágil, multiforme,
autônomo, criativo, incansável, busca renovar-se sempre dentro
de sua invenção.
A obra desse artista, fruto de persistente inquietação, não
necessita, para revelar-se atual, de ser propriamente
experimental, mas constituir uma experiência e
simultaneamente uma realização. Deve, pois, forçosamente,
reunir as conquistas das vanguardas e se erigir em
contemporaneidade (e qualidade).
25
A modernidade dessa obra não se deduz de princípios
gerais, pelos quais se pautaria. O moderno é que se induz dela.
Ela é que forma e materializa o novo, o atual. Sem essa obra, a
modernidade ou atualidade poética é que não existiria. Pois, em
arte, não é a teoria que conta e, sim, a invenção, a criação.
Em suma, o artista autêntico vale-se e usa de tudo, livre e
despreconceituosamente. Porém, não se deixa utilizar como os
autores tradicionalistas, meros veículos de fórmulas alheias. É
senhor de sua matéria e de sua forma, fazendo delas aquilo que
trabalho, pesquisa, liberdade, sensibilidade, informação e
consciência estética possibilitem e propiciem.
(revista Dimensão nº 28/29, 1999, editorial)
26
EXPERIMENTALISMO
EM ARTE E CIÊNCIA
O experimentalismo em arte e ciência não é finalidade em
si mesmo.
O experimentalismo em arte deve ser igual ao
experimentalismo e às experiências científicas e de laboratório.
Visar um resultado. A experiência pela experiência não tem
sentido nem significado. A ciência não pode se limitar e a se
resumir a só efetuar experimentos. Cada experiência constitui o
amálgama de elementos distintos que, efetuado em
determinadas condições, qualidades e quantidades, converte-se
em produto diverso, com propriedades diferentes de cada um
dos elementos que para ele contribuíram. A experiência em si
somente tem valor como meio, como caminho para se chegar a
um destino, a um desfecho. Se não se chega ou o resultado é
pífio, a experiência fracassa, conquanto esse tipo de fracasso
signifique sempre aquisição de conhecimento.
*
O fordinho 29 é, hoje, peça de museu. Sem ele, contudo,
não se chegaria onde se chegou em matéria de automóveis.
Constituiu etapa necessária e, mais importante, indispensável.
Se a técnica e a ciência evoluem, não será a arte que deverá
permanecer estacionária, conformando-se ao gosto de uma
época ou geração. Se aquelas são impelidas por seus próprios
27
desenvolvimento e aperfeiçoamento contínuos, uns levando,
propiciando e exigindo outros, a arte, do mesmo modo e ainda
por dever necessariamente representar seu tempo, não tem
como e nem porque (pelo contrário) permanecer sempre a
mesma, em imutável repetição de formas e fórmulas, quando o
próprio ser humano, seu autor e fautor, conquanto
essencialmente o mesmo, até por imutabilidade biológica,
evolui e se aperfeiçoa acompanhando a evolução geral da
sociedade. A ciência e a técnica não evoluem sem a
experimentação. Nem a arte.
*
A experiência pode constituir caminho frustrado (mas
importante, como experimentação e resolução de uma
hipótese), mas sempre é conhecimento que se adquire e se
acrescenta, base sobre a qual se constrói algo, faz-se alguma
coisa útil ou bela, que esta é a finalidade da arte e, aquela, da
ciência. Na arte, é difícil (quando não impossível e, às vezes
mesmo, inútil), fixar os limites e contornos do que é
experimental e do que é realização.
28
CONSCIÊNCIA ARTÍSTICA E MODERNISMO
Em 1922, no mês de fevereiro, com princípio no dia 13,
aconteceu a Semana de Arte Moderna. Grupo de jovens
intelectuais lançou publicamente o movimento modernista.
Incompreendido e até ridicularizado, o movimento não obteve,
de início, aceitação generalizada. Ao contrário, na época e
durante muitos anos depois, foi combatido. Suas produções
literárias não eram publicadas em antologias. As obras de seus
pintores recusadas em museus. No entanto, desde aquele
momento, desde aquela Semana, tudo o que foi feito, no Brasil,
em matéria de arte e em qualquer das artes, somente é válido se
realizado segundo os princípios vanguardistas então
instaurados, mesmo considerando poesia o que não passa de
prosa ou texto, em geral significativos.
*
O modernismo, publicamente instaurado na famosa
Semana de Arte Moderna de fevereiro de 1922, tornou, de
maneira ostensiva, obsoleto e inútil tudo aquilo que em arte
continuou a se fazer à revelia dos caminhos então abertos. Toda
obra de arte realizada a partir daí segundo os padrões
anteriormente vigentes deixou de ter sentido, significação e
validade. Isto porque a arte que os modernistas combateram era
em grande parte artificiosa, convencional e importada de
matrizes europeias, sem correspondência com a realidade
brasileira e defasada em relação ao grau cultural existente. O
29
modernismo, inaugurando a busca constante, a pesquisa e a
liberdade criadora, elevando a vanguarda como permanente
atitude de espírito, ensejou grande abertura para a apreensão e
compreensão de nossa realidade em todas as suas
manifestações, correspondeu à necessidade da época e
representou exigência da evolução econômica, social e cultural
do país.
*
É necessário advertir que, malgrado ter sido o movimento
modernista de 1922 totalizador e abrangente de todas as artes
no sentido de renovação e atualização da inteligência brasileira,
é comum ver-se, ainda hoje, escritores e artistas, jovens e
velhos, completamente alheios às grandes conquistas daquele
movimento. Isto ainda quase cem anos depois. Das
contribuições do concretismo, e mesmo o que seja e significa
esse movimento da década de 1950, praticamente tudo é
ignorado. É verdade não ser fácil encontrar-se publicação
concretista. Porém, isso não é motivo para seu
desconhecimento e, muito menos, para a falta de interesse em
estudá-lo. É fundamental, pois, que todos se atualizem e sejam
de seu tempo. Não tem sentido e nem o menor valor persistir
praticando arte (escrevendo, pintando, compondo, etc.), como
se fazia outrora. É permanentemente urgente a indispensável
assimilação consciente e consequente de todas as conquistas e
contribuições modernas. Porque, o que se vê, é lastimável em
sua maior parte.
30
O FATO ARTÍSTICO
Há muita gente escrevendo. Uns muito bem. Outros bem.
Alguns ainda estão por fora. Gostam de arte, procuram praticá-
la. Porém ainda não entenderam a arte, ainda não adquiriram a
consciência do fato artístico e nem compreenderam, por isso,
que aquilo que já se fez já foi feito, não adianta repetir, não há
valor e nem existe necessidade nessa repetição. Daí ser preciso,
cada um em cada época, construir seu próprio caminho, pois
cada um e cada época são diversos, diferentes de outros.
Ninguém é repetição de outrem. Nenhuma época é semelhante
à outra. Não é o caso de renovação pura e simples, no entanto.
De procurar a novidade pela novidade. Porém, de construir e
percorrer caminho próprio dentro de sua época, marcado pela
modernidade e balizado pela essencialidade.
31
TEMA E CONTEÚDO EM ARTE
Tema e conteúdo são categorias distintas e inconfundíveis,
não se limitando e bipolarizando a arte apenas em forma e
conteúdo ou forma e tema, porém, nessa triologia, a que se
acrescenta o tratamento.
Tema de uma obra de arte é, por exemplo, uma árvore.
Conteúdo é o que o artista diz ou informa dessa árvore,
revelando, nisso, sua percepção do tema. Essa mesma árvore
pode ser abordada, pelo mesmo ou por outros artistas, quantas
vezes desejarem. O tema será, pois, idêntico. Contudo, seu
conteúdo, o que se diz dele, poderá (e deverá) variar ao infinito,
sob pena de repetição ou plágio.
O tema é, portanto, secundário. O que se informa dele e o
modo (forma) de fazê-lo, conjunção que representa o
tratamento que o artista lhe dá, é que são importantes e
fundamentais, distinguindo o artista das demais pessoas e os
artistas entre si, numa hierarquia de valores.
Desse modo, ao contrário do que se pensa, conteúdo e
forma não são categorias ou entidades antípodas ou, pelo
menos, bipolares. Compõem realidade una e indissociável.
Surgem e se desenvolvem juntas, inapelavelmente, constituindo
o tratamento que o artista dá ao tema, não havendo
possibilidade da obra de arte ter simultaneamente bela forma e
conteúdo fraco ou vice-versa. Ambos, pois, têm, numa obra,
iguais qualidades ou falta delas: são bons, regulares ou ruins.
32
O tratamento que o artista dá ao tema compõe-se,
portanto, de duas partes indissociáveis, que, na verdade, são
uma só, já que impossível sua existência autônoma, uma não
existindo sem a outra, visto que o conteúdo somente se
configura por meio de determinada forma e esta, por sua vez, se
materializa por intermédio e no momento mesmo do
nascimento do conteúdo.
(05/09/1982)
Existem, assim, três elementos e um modo na obra
literária. Tema, conteúdo, forma e tratamento.
Tema é o assunto.
Conteúdo é o que se diz sobre o tema.
Forma, a maneira de dizê-lo.
Tratamento é o modo de se lidar com esses elementos,
dando-lhes ou não significação estética. No primeiro caso, tem-
se a obra literária. No último, apenas contrafação. No mínimo,
90% do que se produz e se pretende como literatura (e arte de
modo geral) inclui-se na segunda hipótese.
(21/04/1983)
Em arte, antes e/ou acima do quê o autor diz, é mais
importante como o diz, ou seja, o tratamento estético dado ao
tema, porque o conteúdo, qualquer conteúdo, pode ser dito de
outra maneira que não a literária.
A obra literária é produto estético, como se sabe. Deve-se
observar e se preocupar se a obra realizou-se esteticamente por
33
meio do tratamento, que inclui a linguagem. Quando se procura
ou se preocupa com a mensagem, os motivos e as causas da
obra literária e artística de modo geral, desvia-se da arte e
ambienta-se em outros campos (política, sociologia, filosofia,
psicologia, economia, etc.), nos quais a obra de arte não passa
de dado, fenômeno ou fato encarado ou estudado sob um desses
prismas, não sendo então analisada e julgada pelo que
exclusivamente é, ou seja, produto estético.
(24/10/1982)
34
ENGAJAMENTO DA ARTE: ABRAÇO
(MORTAL) DE TAMANDUÁ
Predomina em certos meios a ideia de que a arte deve ser
engajada, ou seja, deve veicular conteúdo ou mensagem social,
humanista e progressista.
Alardeia-se que a arte não pode permanecer indiferente ao
sofrimento dos explorados, devendo partilhar de suas
aspirações e constituir também instrumento de sua luta contra a
exploração, a injustiça e a desigualdade.
Afirma-se que o contrário, isto é, o alheamento desse
sofrimento e dessa luta, consiste em alienação, conformismo,
arte pela arte, torre de marfim, etc.
Contudo, dessa posição resulta, simplesmente, a
subordinação da arte à política, à filosofia e à ideologia, já que
se pretende seja ela apenas mero veículo de ideário social, nobre
e generoso sem dúvida, porém, estranho ao específico artístico.
A arte, como a ciência e como tudo que o indivíduo, em
conjunto ou isoladamente, elabora e constrói, é obra humana.
Sem o ser humano não haveria arte, eis que o que existe na
natureza é o natural destituído de qualquer elaboração ou
conotação artística. Todavia, por ser a arte uma das inúmeras
manifestações da inteligência e da sensibilidade humanas, não
quer dizer que deva, por isso, subordinar-se às suas demais
manifestações ou a alguma delas.
35
Cada uma dessas manifestações responde e corresponde a
determinada necessidade, sendo a própria manifestação em si,
qualquer seja, exigência básica do ser humano.
As ciências exatas e outras atendem ou visam atender
necessidades materiais, conquanto sua elaboração teórica e
muito de sua prática operacional constituam atividades
intelectuais.
As ciências sociais objetivam estudar aspectos especiais da
sociedade humana.
A arte destina-se ao prazer estético, que se não confunde,
porém, com o mero entretenimento.
A obra de arte é, como se sabe, produto estético, oriundo
da operosidade do ser humano, como os demais produtos que
elabora, porém, destinado a proporcionar prazer estético. A
função social da arte, ao contrário do que alguns entendem e
proclamam, às vezes até iradamente, é essa, a de produzir
prazer estético. Todas as demais funções são (e devem ser)
exercidas por outros modos e meios.
Em consequência, pretender que a arte seja instrumento
de outras solicitações e aspirações humanas significa, no plano
geral, subordiná-la a essas manifestações, desvirtuando sua
finalidade e destinação, e, no plano pessoal, implica em
direcionar e sufocar a liberdade individual, um dos dois maiores
direitos e pretensões do ser humano, já que o outro, como se
sabe, constitui a igualdade de oportunidades numa sociedade
livre da exploração do homem pelo homem e da hipertrofia e
distorções da burocracia estatal.
36
É significativo, no caso, que apenas os não artistas e/ou os
pretensos artistas advoguem ou pratiquem o engajamento da
arte.
Nenhum artista autêntico concorda, em sã consciência,
com a subordinação da arte a outras manifestações humanas,
tanto porque isso representa sua negação, aviltamento ou
destruição, como porque, como já dito, a arte, em si e por si,
corresponde à específica exigência do ser humano, como criador
e/ou espectador, além de que essa subordinação significa,
ainda, cerceamento ou eliminação da liberdade criadora do
indivíduo.
Isto não elide, contudo, a possibilidade ou necessidade do
artista, como e enquanto ser humano, engajar-se nas grandes
lutas políticas e sociais de seu tempo, seja por intermédio da
militância política em seu sentido mais amplo, seja por outros
meios e modos.
Em suma, da prevalência da mensagem e mesmo do tema
ou assunto sobre os meios de produção artística decorre o
abastardamento da arte e a contrafação artística.
Por isso, aqueles que, com o engajamento compulsório da
arte, pensam até em a estar valorizando, apenas lhe estão
dando, à semelhança do Tamanduá, abraço só gestual, aparente
e enganadoramente generoso e amistoso, porém, efetivamente,
mortal.
(revista Dimensão nº 16/17, 1988, editorial)
37
ENSINO DA LITERATURA E DAS ARTES
EM GERAL: COBRA QUE ENGOLE A
PRÓPRIA CAUDA
O ensino da literatura, como de qualquer arte, não pode
ser feito (porque não é isso) na e sobre a base de teorias. Arte
não se ensina, já se sabe. Faz-se. Usufrui-se. A informação
daquilo que existe não deve e nem pode ultrapassar a
organização de roteiro crítico, seletivo, aberto, amplo e
inteligente do que se fez (e se faz) de importante e essencial em
cada gênero e do motivo por que isso é essencial e não outra
coisa qualquer, ou seja, aquele rebotalho que vai ficando à
margem do caminho, mesmo que, episodicamente, venha a
ocupar seu centro, por equívoco ou outras nefandas razões. E
esse motivo, já ensina Pound, só possui método válido, límpido,
simples e infalível: a comparação. Em arte, e muito já se disse
sobre isso, o critério do valor é a comparação. Unicamente. O
bom e válido não é o que foi elaborado desse ou daquele modo,
segundo essa ou aquela norma, regra ou princípio. Muito pelo
contrário. O bom é bom porque é bom. Por si e em si mesmo e
em comparação com outras realizações do mesmo gênero.
Agora, saber distinguir e avaliar é questão de conhecimento e
sensibilidade, perspicácia e acuidade. Conhecimento, nesse
caso, é a matriz da comparação, já que sem conhecer-se obras
do mesmo gênero não há possibilidade metodológica de saber
38
para comparar. E sensibilidade se desenvolve no contato direto
com a obra de arte.
Em consequência, não há a menor necessidade da
teorética atual, que não leva a nada, não significa nada, a não
ser justificar a posição daqueles que a elaboram, por um motivo
ou outro, ou daqueles que dela se aproveitam, de um modo ou
de outro.
O importante é a obra de criação e menos importante é o
que se diz dela, por mais inteligente e apropriado seja, malgrado
a opinião em contrário dos próprios interessados.
Basta, pois, o referido roteiro de orientação ou de leitura,
desde que, é claro (e tudo deve assim ser feito, até simples
muro), efetuado com “engenho e arte”.
São, portanto, prejudiciais: conteúdo, critério, método e
enfoque predominantes no ensino das artes, a começar
principalmente pela literatura (embora seus responsáveis
tardiamente ou nunca cheguem a essa conclusão e nem de longe
concordem com ela, o que é explicável por diversas e variadas
razoes, das psicológicas e sociais às deformações profissionais).
Esse ensino substitui o conhecimento e usufruto direto da obra
de arte pelo que se diz (e até pelo que não se diz) dela, cingindo-
se ao campo abstrato da teorética insípida e estéril, cuja
finalidade é ela própria, o que, no caso, é aberrante. Não leva e
não pode levar a nada. A não ser a justificativa de sua própria
existência, o que, convenha-se, é muito pouco. Na realidade, é
apenas (apenas?) prejudicial, nocivo. E isso já é muito. É
excessivo. Se assim é – e infelizmente é – por que existe, vive e
39
prolifera? Ora, se o ser humano, no lado oposto da genialidade,
criatividade e bondade, é capaz das ações mais negativas e
destrutivas (uma das quais, definitiva, a de colocar em perigo
sua própria existência coletiva no planeta), não é menos capaz
de, no campo específico da arte (e em tantos outros), criar
tremendas distorções que, sob o pretexto de servi-la, estudá-la,
elucidá-la e compreendê-la, a substitua e a reduza a mero
objeto, simples justificativa para outros fins, antípodas da arte.
Em suma, as consequências e o proveito da teorização
artística e de seu ensino constituem sua própria existência e
proliferação. Seu objetivo ou finalidade é existir. Sua existência
é, pois, sua própria finalidade. Que é o mesmo que uma cobra
engolir a própria cauda. Nada mais desnecessário, portanto. E
nocivo.
(revista Dimensão nº 15, 1987, editorial)
40
DA PREJUDICIALIDADE DOS ESTUDOS
TEÓRICOS SOBRE ARTE
Para o Artista
O que faz a arte avançar é a própria arte, a reflexão, a
observação, o estudo, a pesquisa, a sensibilidade e a criatividade
do artista. A arte surge, existe, avança, se aperfeiçoa no próprio
ato de se fazê-la e concebê-la pelo artista. Todo tempo físico
gasto, todo espaço emocional ocupado e sobrecarregado com
reflexões teóricas sobre a arte – mas, alheias, paralelas ou à
margem da estrita reflexão do artista sobre a criação, o ato e
modo de fazê-la surgir – significam perda de tempo e desgaste
inútil, que redundam em prejuízo para elaboração da obra.
Para o Teórico
Para o indivíduo teórico e não artista, não passam, os
estudos teóricos sobre a arte, de elucubrações de simples
compensação de fundo psicológico, algumas vezes derivadas de
inaptidão criativa, de incapacidade de ser artista, não tendo, por
isso, qualquer utilidade. Pelo contrário.
Para Leigos e Leitores
Apenas ocupam o tempo que poderia (e deveria) ser
dedicado a fruir e usufruir da obra de criação artística.
(14/10/1982)
41
A literatura só pode ser conhecida nos e a partir dos textos
em si e entre si, neste caso por meio do método comparativo.
Todo conhecimento feito por intermédio da teoria, mesmo que
chegue, como conhecimento, ao mesmo resultado que o contato
direto com o texto, peca por dois defeitos capitais: a) será
sempre de segunda mão e haurido de outros, de críticos e
teóricos; b) será memorização e não fruto de esforço, criação e
elaboração próprios.
Assim, o estudo da literatura e das artes em geral deve
partir da obra de criação. Por meio e a partir dela o coordenador
(professor) deve levar os alunos a descobrir, comparar,
formular, criar pensamentos e conhecimentos próprios a
respeito da obra. É método muito mais difícil e exige turmas
pequenas e motivadas. Porém, bem aplicado e orientado, criará,
no mínimo, verdadeiros conhecedores de literatura e
pensadores e, no máximo, que constitui o ideal, criadores. De
outro modo, não produzirá senão memorizadores, repetidores
ou simples teóricos. Com as exceções (raras) de praxe.
(27/08/1983)
42
ARTE E DIVERSÃO
Nada mais diverso uma da outra do que arte e diversão. A
primeira implica no prazer estético que advém da inteligência e
da sensibilidade. O divertimento é determinado pela
descontração, alegria e despreocupação, funcionando como
verdadeiro desaguadoro de tensões, angústias e perplexidades.
A inteligência desenvolve-se e a sensibilidade aprimora-se.
Ambos exigem esforço, burilamento. Os divertimentos, que se
cingem à assistência de disputas esportivas, funções circenses,
viagens, turismo, passeios, festas, bate-papos, etc., não
requerem esforço, decorrendo naturalmente do exercício de
viver.
Por esses e outros motivos, a arte ainda possui
relativamente poucos adeptos, já que não prescinde de
aperfeiçoamento e empenho, sendo, por isso mesmo, intenso,
sofisticado e duradouro o prazer estético que proporciona.
*
As obras (filmes, romances, contos e novelas, sejam as
literárias sejam as radiofônicas ou televisivas) que apelam para
a exploração das emoções e dos sentimentos não atingem nível
artístico, visto que tais atributos humanos não dependem da
inteligência nem da sensibilidade. Como estado natural do ser
humano, são espontâneos, e conquanto possam (e devam) ser
trabalhados e apurados, sua natureza e função não implicam
43
nem levam ao conhecimento, não obstante influenciem sua
aquisição e desenvolvimento e, principalmente, aplicação
prática. Reagem a atos e acontecimentos determinados. Não
incitam a iniciativa e a criação. São agentes, mas, passivos, que
funcionam mediante provocação externa, como a ofensa que se
faz ao indivíduo, a morte do amigo, parente ou figura popular e
pública, a vitória ou derrota esportiva do time pelo qual se torce.
Daí, apelar as obras destinadas ao sucesso de público à
emoção e ao sentimento e as de valor artístico à inteligência e à
sensibilidade. A manipulação, pois, de sentimentos e emoções e
as reações daí decorrentes não constituem arte e nem
representam ou traduzem forma de cultura e saber.
Em suma, em literatura e cinema, toda obra que se
direciona a explorar a emoção e o sentimento do leitor e do
espectador não possui qualidades artísticas. Contudo, para se
fazer arte não basta pautar a obra pela inteligência e
sensibilidade. São necessários, ainda, interesse, dedicação e
informação estética para desenvolvê-las e saber fazê-las atuar
para se poder dar ao material trabalhado (palavra, imagem,
estória, barro, cores e formas) o tratamento adequado.
A arte é ativa. A diversão é passiva. Nem se lembre que a
prática de esporte também é ativa. Todavia, ela não é diversão,
sendo, como o nome indica, prática que, mesmo recreativa,
extrapola esses limites e implicações.
44
A PADRONIZAÇÃO DO GOSTO
E DO FAZER ARTÍSTICO
Nos dias que correm – e de há muito – não é (mais)
possível nem ao menos pretender-se estabelecer ou restabelecer
um cânone, no sentido de regra, padrão ou diretiva geral pelas
quais se pautaria a criação artística de modo geral e a poética
em particular.
Se isso foi, no passado, factível e praticável nos lindes do
classicismo e mesmo de outras tendências artísticas, tal fato
deveu-se a conjunto especial de circunstâncias, ligadas ou
conectadas a particulares fases do desenvolvimento da
civilização humana.
O que hoje predomina é a necessidade de embasar-se a
criação até em coordenadas que refogem ao campo específico da
arte, inserindo-a no amplo contexto das realizações humanas
em geral.
Assim, não é produtivo nem qualitativo empreender-se
qualquer tarefa ou cometimento em nenhum dos campos em
que se multiplica a atividade humana sem alicerçá-lo em
conhecimento, competência, rigor, esforço, elaboração,
invenção e flexibilidade mental, além de independência e
autonomia intelectual, liberdade criadora e plena consciência
do que se pretende fazer e de como fazê-lo.
Do mesmo modo – não mais nem menos – na poesia, por
exemplo, além desses elementos, adicionam-se (ou devem
adicionar-se) requisitos específicos, a exemplo, entre outros, de
45
elaboração da linguagem, contenção verbal e/ou pesquisa,
experimentação e criação de novas linguagens.
O poema, é apenas verbo – a arte da palavra por
excelência – não se confundindo, não se compadecendo, não se
subordinando, não se desviando e muito menos se
transformando em visualização e grafismo. Como se diz: uma
coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa.
A conjugação dos fatores gerais e especiais mostra-se
essencial à feitura de poética marcada por dicção particular que
se paute ou se caracterize por contribuição própria,
configurando obra pessoal, que concorra para enriquecer o já
milenar e considerável patrimônio artístico humano.
A submissão a cânone pré-estabelecido configura capitis
diminutio intelectual, capitulação a ditames alheios e renúncia à
consecução de obra própria, representando mera repetição
subordinativa a fórmulas engessadas do fazer artístico.
Cada época e cada autor devem ser – e na realidade o são
– livres para criar, pesquisar, experimentar, arriscar-se e
proceder à construção de obra pessoal sem quaisquer restrições,
normas ou limitações.
A natureza humana repele armadura física e/ou mental
que lhe aponte caminhos previamente traçados e estabelecidos.
À semelhança de toda e qualquer época, cada artista no passado
teve oportunidade – e muitos a aproveitaram – de direcionar a
feitura de sua obra. Todavia, não se pode nem se deve admitir
que o que fizeram imobilize para sempre a elaboração artística.
46
Em consequência, o artista é (e deve ser sempre) livre para
estabelecer sua próprias coordenadas e particular dicção, para
fazer as experiências que desejar e, principalmente, para não ter
receio de expor-se na tentativa de trazer seu contributo à
construção do patrimônio cultural universal.
Toda tentativa de se impor cânone ou maneira única do
fazer artístico deve ser repelida, mesmo porque significa
padronização cerceadora da criatividade e da liberdade
individual, tornando-se, por isso, inaceitável.
A pluralidade assim obtida, calcada nos pressupostos
apontados, constitui a antítese da armadura que o cânone
estabelece ou da pasteurização, que em outro sentido,
perspectiva e finalidade, a indústria do entretenimento
persegue como maneira de lhe permitir, ao uniformizar (e
acarneirar) o gosto e as tendências, produzir em série milhares
de produtos iguais em economia de escala propiciatória de
lucros fantásticos.
Não interessa, pois, a essa indústria e à mídia que a integra
e por ela é instrumentalizada, a pluralidade e diversidade
criadoras fundamentadas, antes de tudo, na liberdade do ser
humano, que por sinal, não é um só, mas, milhões, que exigem,
antes de tudo, igualdade absoluta de oportunidades para que
floresça sua explosão criativa.
47
A UNIVERSALIDADE DA ARTE
A arte é universal. Está além e acima de vários outros
valores ou deveria estar, alguns apenas provisórios, como
pátria, língua, raça e quejandos. O fato da maioria inverter essa
hierarquia não lhe muda a ordem.
Almeja-se que todos os países e todas as regiões dentro
desses países sejam matrizes de pensamento e de criação
artística e científica e, não como em geral e comumente, meros
receptáculos ou filiais do pensamento e da criatividade alheia.
Justamente, pois, por se valorizar a arte (e automaticamente o
ser humano que é quem a produz), é que se quer que todos a
criem e que essa criação seja autêntica e circule livremente por
todos os lugares onde existam seres humanos.
48
ARTE E CIÊNCIA
O público tem noção depreciativa de “poeta”, de “artista”.
Muito mais depreciativa é a opinião dos poetas e artistas em
relação ao público. Mas, contraditoriamente, não deixa de ter
certa razão o povo na sua apreciação dessas pessoas. É que o
artista, por e para sê-lo, é fortemente absorvido por seu
trabalho. Impossível, quando se é artista ou cientista, não sê-lo.
É que nessas duas ocupações reside o vértice da inteligência, da
sensibilidade e da cultura humana. Seus parâmetros e,
principalmente, seus objetivos são infinitos e extrapolam tudo
que a média humana possa pretender, fazer e imaginar. Se
existir e viver é fundamental, sua importância e transcendência
só se efetivam por meio dessas preocupações, ocupações e
atividades: arte e ciência.
Muito ao contrário, pois, do que o homem comum julga, o
artista, o cientista e o poeta, desde que autênticos e não simples
nefelibatas (que muitos existem), é que estão com os pés na
terra e não apenas passam por ela sem deixar rastros, sinais e obras.
O problema do escritor é criar em palavras as impressões
que absorve da realidade, das circunstâncias e dos fatos. Tanto
melhor será quanto maior agudeza de sensibilidade exercitar ao
defrontar, confrontar e afrontar a realidade, além de pleno
domínio da linguagem.
Do ponto de vista da linguagem esse exercício desdobra-se
circularmente como o voo do gavião e, sob o aspecto da
estrutura, é organizado em espirais a maneira do coleio da
serpente.
49
CONCEITUAÇÃO DE LITERATURA
I
A literatura tem sido a arte menos compreendida ou
menos conhecida no que ela seja realmente. O desconhecimento
do conceito de literatura tem ocasionado erros de palmatória,
nos quais muitos incidem, em virtude da pouca cultura ou, pelo
menos, do pouco interesse que ela lhes desperta, a ponto de
denominarem a outros campos de cultura como sendo
literatura. Estendem indiscriminada e erroneamente o conceito
literário até onde ele não alcança absolutamente.
A literatura é, antes de tudo, a arte da palavra, o cultivo da
palavra na procura do belo, proporcionando assim o prazer
estético, finalidade suprema e única da literatura. Tudo o mais,
tudo o que foge a esta definição, não constitui literatura, é outra
coisa.
Não se poderia dizer o que seja realmente literatura com
tanta precisão e acerto a não ser nesta simples e complexa
definição: a literatura é a arte da palavra. Só o cultivo estético
da palavra pode ser literatura.
Vários são os campos culturais erroneamente ainda
designados ou incorporados à literatura. De quatro dos quais
nos ocuparemos. A incorporação da história à literatura talvez
seja o mais absurdo. Não há erro mais crasso e grosseiro. A
história é ciência com finalidades próprias e métodos
particulares e exclusivos de investigação, análise e exposição. A
história, que é a “reconstituição científica do passado cultural
50
da humanidade”, ainda é julgada literatura! Temos intelectuais
que se dedicaram exclusivamente a pesquisas históricas e seus
nomes andam pelas antologias, considerados como literatos ou
escritores, e não cientistas ou historiadores, como deveriam.
Felizmente, não são muitos os que ainda laboram nesse erro ou
que ainda julgam que a história seja “a biografia da
humanidade” ou “a geografia no tempo” e quejandos,
satisfazendo-se com essas definições simbólicas e imprecisas, já
completamente superadas para designar uma ciência!
O jornalismo é, mais frequentemente do que a história,
julgado atividade literária ou modalidade e subdivisão da
literatura. A função do jornalista é informar, noticiar os fatos
ou, quando muito, interpretá-los. O jornalismo nada mais é do
que informação ao leitor dos acontecimentos marcantes no
mundo, no país ou em determinada região. Existem, entretanto,
gêneros literários exercidos por meio das colunas dos jornais
dos quais salienta-se a crônica, não constituindo propriamente
jornalismo, mas literatura. As confusões a este respeito são
inúmeras, embora tendo única origem: a designação de crônica
ao que seja simplesmente artigo e vice-versa.
Não existe, por outro lado, a denominada “literatura
científica”. Nem se sabe o que isso possa significar. Literatura
científica: o paradoxo dos paradoxos, o absurdo dos absurdos! A
literatura é arte e arte não é ciência. E como então esse
monstrengo sem pé nem cabeça, essa denominação paradoxal?
Não se sabe. Só é apropriada a expressão ficção científica,
constituída de romances ou contos de teor científico, raramente
51
podendo ser incorporados à literatura. Compõem linha temática
como o cangaceirismo ou o indianismo no romance, porém,
temática revestida de absurdos, de seres fantásticos, de viagens
a planetas exóticos e baseada na mesma linha das revistas em
quadrinhos, em temas tratados e destinados, em sua maioria,
apenas à diversão e passatempo, explorando o baixo gosto de
público inculto e iletrado.
Outro engano e grande erro é a denominação de literatura
a prospectos de propaganda de produtos farmacêuticos. Pelo
exposto, pela definição de literatura que transcrevemos, não
mais é mister demorar em outras considerações. É patente e
insofismável que simples propaganda de remédios não pode ser
denominada literatura, em hipótese alguma.
Não se encontra a palavra cultivada artisticamente nos
prospectos de propaganda, nos telegramas das agências
telegráficas, nos artigos de análise da situação econômica e
política ou nos delineamentos gerais da história de uma
civilização. Não é possível, pelo contrário, é completamente
impossível encontrar finalidade estética em notícias, em
prospectos de propaganda, etc.. Não é possível, porque, mesmo
se bem escritos não constituirão literatura, nunca serão arte,
pois a literatura é arte, como a música, a escultura, a pintura e a
arquitetura.
II
Já vai longe o tempo em que Sílvio Romero, ardoroso
polemista e profundo estudioso de nossa cultura, brilhava como
estrela mentora no nosso fraco firmamento literário. Dorme no
52
colchão do tempo o eco de suas polêmicas. Polêmicas ditadas
menos pelo temperamento combativo do que pela intolerância
intelectual. Sílvio foi intolerante, revestindo suas ideias e
conceitos por dogmatismos culturais inaceitáveis, mesmo para
aquela época. Calcando esses dogmatismos em posições dúbias,
às vezes inverossímeis e estapafúrdias, como foi, por exemplo, o
seu critério de nacionalismo, condição precípua para o valor das
obras literárias. Para ele as obras que não portassem forte
conteúdo de brasilidade, que não traduzissem o espírito
nacional não eram consideradas de valor, mesmo se o tivessem
em alto grau. Esse critério particularista e incompreensível,
além de completamente falso e errado, levou-o a desconsiderar
a obra de Machado de Assis, monumento da literatura
universal, em favor dos livros de José de Alencar, que julgou um
dos mais distintos escritores não só da língua portuguesa como
da literatura universal. Sabe-se hoje quão grande é a diferença
entre o criador de Capitu e o cantor lírico da virgem dos lábios
de mel, embora este ocupe posição invejável nas letras
brasileiras.
Ao nacionalismo como valor acrescentou-se, também, o
bairrismo como termômetro de julgamento. Se aquele é
absurdo, este então chega ao máximo dos absurdos,
considerando-se o homem de cultura que era Sílvio Romero.
Impulsionado por bairrismo exagerado, Romero dedicou mais
de cem páginas da História da Literatura Brasileira a
considerações em torno de Tobias Barreto, enquanto que em
exíguo espaço tratou da obra poética de Castro Alves, para
53
muitos o maior poeta brasileiro de todos os tempos. Aí o erro de
Sílvio não foi em elevar Tobias, superior a todas as carradas de
elogios que seu coestaduano lhe descarregou, na expressão de
outro sergipano, o escritor Gilberto Amado, mas em depreciar
Castro Alves, em negar-lhe o legítimo lugar que ocupa no
cenário de nossas letras.
O nacionalismo constituiu a preocupação cultural de
Romero, ao passo que o bairrismo é consequência direta do seu
temperamento. Estas duas constantes de sua obra só por si
desabonavam o levantamento cultural da História da
Literatura Brasileira e, se por acaso não bastassem, acresce a
circunstância de que Romero parte de posição falsa na
conceituação de literatura: “Cumpre declarar, por último, que a
divisão proposta não se guia exclusivamente pelos fatos
literários; porque para mim a expressão literatura tem a
amplitude que lhe dão os críticos e historiadores alemães.
Compreende todas as manifestações da inteligência de um
povo: política, economia, arte, criações populares, ciências e
não, como era de costume supor-se no Brasil, somente as
intituladas belas artes, que afinal cifravam-se quase
exclusivamente na poesia”.
Para Romero literatura é política, economia, criações
populares, ciências e tudo isso, por incrível que pareça, é
também arte! Se a literatura é arte, ele mesmo o afirma, como
também ciência, política, economia? Em artigo anterior já
expressamos a conceituação moderna, verdadeira e única de
literatura. Moderna, porque só de uns decênios a esta parte é
54
que os teóricos da crítica chegaram conscientemente à definição
implícita em literatura desde que ela existe: literatura é a arte
da palavra. Verdadeira, porque tudo o que foge a esta definição,
tudo o que é escrito não tendo por finalidade o cultivo artístico
da palavra não é literatura, é jornalismo, história, explanações
científicas, é filosofia, tudo, menos literatura. Única em virtude
de literatura só ser isto: arte da palavra.
Sílvio Romero considerou literatura justamente o que não
é literatura, por isso sua História da Literatura Brasileira está
repleta de estudos bibliográficos de políticos, de economistas,
de cientistas, de historiadores e de literatos. O que Romero
realizou foi o levantamento cultural do Brasil. Se possuísse
maior percepção do fenômeno literário teria denominado sua
obra de “História da Cultura Brasileira”.
Não obstante esses motivos – nacionalismo como critério
de valor, bairrismo como parâmetro de julgamento e o falso
conceito de literatura – não se pode negar ao trabalho de Sílvio
Romero os méritos que possui, porém, em virtude deles, somos
obrigados a considerar a obra do crítico sergipano só sob o
ponto de vista de abertura e demarcação de caminhos naquela
mata de que nos fala Amoroso Lima.
(Jornal de Uberaba: I - “Conceituação de
Literatura”, em 03/02/1957; II - “Erros de
Sílvio Romero”, em 17/02/1957, este, sob o
título “Considerações Sobre Sílvio Romero”
publicou-se em A Flama, órgão dos alunos
55
do colégio Pedro II - Internato, nº 06, junho
1957, e ainda, ambos, intitulados “Sílvio
Romero e a Conceituação da Literatura”, in
Suplemento Literário do Diário de Notícias,
Rio de Janeiro, 13 setembro 1957).
56
MUDANÇA DE MENTALIDADE
De uns tempos pra cá registrou-se significativa mudança
no conceito de literatura, consequência da evolução que se
operou na mentalidade dos escritores brasileiros. A razão desse
fato residiu em causas que extravasaram o âmbito literário e
mergulharam suas raízes em fenômenos mais amplos e
complexos. Nas transformações econômicas e sociais do século
poderemos encontrar, além de outras, a explicação para o
acontecimento.
Na primeira metade do século XX observa-se que o
conceito de literatura de simples “sorriso da sociedade” – na
definição superada e inconsequente de Afrânio Peixoto –
libertou-se da esdrúxula dependência e alcançou foros de, por si
só, ser elevado a plano superior.
Não resta dúvida, no entanto, que os resquícios da
mentalidade fin-de-siècle e da belle-époque ainda são
encontrados, apesar dos notáveis progressos por que tem
atravessado o país.
Naquela época, de doce e despreocupada vivência, nota-se,
como característica principal – tanto nas obras publicadas,
como na maneira de se encarar a literatura – a completa
desvinculação do escritor com os problemas do país. A total
subordinação a modelos importados foi a responsável direta por
esse alheiamento. A simples eleição de tema brasileiro em seus
poemas ou romances não indicou maior familiaridade com o
meio. Como copiadores servis, nossos intelectuais não
57
ultrapassaram o estágio de meros discípulos de mestres
estrangeiros.
Após a 1ª Guerra Mundial o ambiente foi diverso. Com a
eclosão do modernismo em 1922 deu-se, paralela às inovações
essencialmente literárias, a integração do escritor dentro das
tradições e dos problemas populares e, também, maior
seriedade e profundidade nos temas tratados. Já na década de
1930 os romancistas – principalmente do Nordeste –
timbraram em retratar nas suas obras a miséria e o sofrimento
de camadas da população brasileira, em franca contraposição à
temática predominante no século anterior, cujo back-ground
era, quase por completo e com poucas e notáveis exceções, a
vida dos setores privilegiados do país, descritos num tom e
numa maneira que, hoje em dia, cinge-se somente às novelas de
rádio ou às crônicas sociais.
A poesia, a princípio tímida e superficial, ganhou, com
alguns poetas dessa década, maior complexidade e sentido mais
profundo. Os escritores sentiram de modo cada vez mais
intenso a necessidade premente de estudar não só literatura,
mas, procurar compreender, através de outros setores da
cultura, as causas das transformações econômicas e suas
consequências no corpo social. Dessa compreensão, passaram
de meros espectadores e copistas a participar, em profundidade,
dos problemas da época. Daí resultou neles outra concepção de
arte, um modo novo de encarar a literatura e de colocá-la não só
como intérprete ou painel dos acontecimentos, mas, inclusive,
como reivindicadora de novos status. Compreenderam que
58
literatura não é e não pode ser sorriso da sociedade e, sim,
função séria e possuidora de lugar importante no conjunto das
atividades humanas.
Além desse fatores resultantes do progresso econômico e
do aumento demográfico, a multiplicação das faculdades –
dentre as quais coube maior papel às faculdades de filosofia,
ciências e letras, como já ressaltou Alceu Amoroso Lima –
contribuiu não só para o crescimento do número de leitores
como para elevação do nível cultural do povo. Atualmente,
vários dos melhores escritores podem viver e dedicar-se
inteiramente ao mister de escrever, fato dos mais promissores
para a publicação de obras de real valor. Mas, isso não impediu
nem impede que, ao arrepio da verdadeira literatura, ainda
surjam todos os dias obras de incrível mediocridade. Seus
autores julgam que para ser escritor ou poeta basta apenas
escrever ou publicar romances e livros de poemas. Para erigi-los
em escritores não faltam escribas que por vários motivos (sendo
o principal deles a absoluta ausência de cultura e conhecimento
especializado), tecem loas, em publicações diversas, a esses
falsos valores.
(Lavoura e Comércio, 22 junho 1961)
59
60
61
POESIA
62
GENERALIDADES
ESPAÇO PARA A POESIA
I – A POSTURA DO POETA
É facilmente constatável que a poesia (e quando se diz
poesia, diz-se, também, a criação artística de modo geral), não
possui espaço suficiente e necessário para se expressar. Além
das dificuldades e óbices decorrentes de sociedade estruturada
sobre valores de uso, utilidade e lucro, os próprios poetas e
pessoas diretamente interessadas em poesia, com as exceções
de praxe, não procuram promover condições para maior e
melhor difusão e presença da criação poética. Limitam-se a
escrever, quando o fazem. Se a função primordial do escritor é
escrever, isso, todavia, não o exime de também revelar e
difundir sua obra e a de outros escritores numa sociedade
absorvida por milhares de solicitações e refratária, em princípio,
a usufruir e valorizar a poesia. Cumpre assim, ao próprio poeta,
em primeiro lugar, ter consciência da importância e da
necessidade da poesia não apenas para si, mas, para todos. Se
ele mesmo não a assume perante a sociedade e se retrai e se
isola, não procurando abrir espaços para sua difusão, não serão
os outros, com as exceções sempre existentes, que o irão fazer.
É necessário, pois, que o poeta lute por sua arte e pela arte.
Primeiro, fazendo-a, construindo-a. Depois, como postura e
norma de ação, sem prejuízo para sua obra e dentro de suas
63
possibilidades (que são muitas e sempre poderão ser
ampliadas), assumindo-a perante todos e procurando criar
condições no emaranhado aparentemente caótico de
solicitações do mundo moderno para que a poesia ocupe
espaços e alcance a todos. Cada vez mais.
(revista Dimensão nº 02, 1981, editorial)
II – A ATUAÇÃO DO POETA
Aceito que ao poeta incumbe também promover sua poesia
e a poesia, cumpre, em consequência, buscar e encontrar os
caminhos e meios de atuação eficaz, não prejudicial ao ato
criador, realidade primeira e básica do artista. A
simultaneidade, nesse campo, da máxima eficácia e da não
prejudicialidade não é problema que se põe e principalmente se
resolve por meio de fórmula genérica, aplicável erga omnes. A
questão, aí, se circunscreve e se equaciona no âmbito das
tendências, potencialidades e aptidões individuais.
Contudo, simplesmente na perspectiva da eficiência da
atuação do poeta para conquistar espaços para a poesia,
diversos caminhos se abrem e se clarificam a partir tão-somente
da premissa básica da proposição inicial: divulgar a poesia,
dilatando seu campo de abrangência na sociedade.
A escolha das inúmeras maneiras, meios e modos de
atuação do poeta na divulgação da poesia deve orientar-se pelos
critérios da objetividade (significando economia de meios) e da
eficácia (obtenção do máximo resultado), ou seja, cada mínimo
64
esforço produzindo o máximo resultado, regra essencial, de
resto, em qualquer empreendimento humano.
Detectados e encontrados os meios de atuação, grupal ou
individual, mais eficientes e menos desgastantes e dispendiosos,
devem, em decorrência, ser trabalhados e desenvolvidos,
estudando-se e analisando-se seus resultados e os divulgando,
para que essa experiência prática seja aproveitada e também
utilizada por outros poetas ou grupos de poetas.
Se não existe, aprioristicamente, fórmula adequada para
essa atividade em todos os lugares e circunstâncias, é evidente
que sua busca, o debate em torno do tema, a preocupação com o
assunto e a troca de ideias e opiniões constituem o primeiro
passo para fixação dos modos mais eficientes para se divulgar a
poesia. Sobretudo, para se evitar a utilização de métodos
episódicos, equivocados e negativos (ou, na melhor das
hipóteses, inócuos), como aqueles ultimamente praticados por
certos grupos em algumas grandes cidades, que, quando não
afastam e espantam o público (por força também de atitudes
exibicionistas), no mínimo não o conquistam.
De qualquer modo, o trabalho do poeta para abrir e
conquistar espaços para a poesia somente será eficaz se,
mediante utilização de metodologia apropriada, for planejado,
permanente e sistematicamente no sentido de proporcionar ao
maior número possível de pessoas a descoberta e o gosto pela
poesia por meio do conhecimento da própria (e melhor) poesia.
Desiderato que pode ser obtido, notadamente, por sua
participação na divulgação da poesia por intermédio de livros,
65
periódicos, meios gerais de comunicação e escolas de todos os
níveis, estas últimas locais por excelência de leitores efetivos e
potenciais e onde a poesia ainda, salvo raras exceções, não tem
merecido tratamento adequado. Se isso constitui o óbvio, tem
faltado, todavia, nesses setores, a atuação permanente e
insubstituível do poeta, já que ninguém mais qualificado e em
melhores condições de divulgar apropriadamente a poesia, por
força do domínio dos meios expressionais específicos, da
compreensão do fazer poético e da consciência de sua
importância e necessidade.
(revista Dimensão nº 03, 1981, editorial)
III – A PREVALÊNCIA DA OBRA
DE CRIAÇÃO ARTÍSTICA
A procura de espaços para a poesia e para as artes de
modo geral pressupõe que prevaleça, em quaisquer
circunstâncias, a obra de criação artística sobre sua teoria e
crítica.
Embora, em tese e em sã consciência, ninguém defenda o
contrário, na prática, todavia, isso vem acontecendo, seja na
preocupação das pessoas, seja no ensino de letras e artes, seja
nos periódicos e publicações culturais.
Considera-se, enganadamente, que para se entender e
usufruir uma obra de arte é necessário estudar e conhecer
proposições teóricas que a explicariam ou situariam,
esquecendo-se que a finalidade e o objetivo da obra de arte é o
prazer estético.
66
A criação artística reflete, é certo, particular visão do
mundo. Mas, isso não implica que se deva necessariamente
teorizar sobre ela, dissecando sua estrutura, componentes e
motivações. Ela é e está. Deve ser conhecida e usufruída. É o
quando basta. É tudo. E é muito. Deve ser livre, aberta e
ilimitada em sua realização e fruição. Não se deve e nem é lícito
cerceá-la, dirigi-la, deturpá-la e secundarizá-la com pretextos
alheios à sua essência, objetivo e finalidade.
É evidente que quanto maior cultura, sensibilidade,
perspicácia e menor dose de ingenuidade se possuir, melhor se
usufruirá da obra de arte e maior será o nível de exigência.
Contudo, essa cultura e esses atributos não passam pelo
conhecimento, estudo e preocupação com teorizações estéticas e
artísticas. Se assim fosse, somente os iniciados nessa
parafernália teórica teriam acesso às obras de arte, o que não
acontece, nem pode.
Malgrado isso, exarcebaram-se, em nosso tempo, a
preocupação e ocupação com a teoria e a crítica em detrimento
do contato direto e permanente com a obra de arte e sua
fruição, sendo usual e comum, hoje, ler-se mais, e às vezes
unicamente, sobre a obra de arte do que se ler, conhecer,
observar e usufruir a própria, o que representa grave distorção.
No ensino de letras e artes, com as exceções de praxe,
devidas quase sempre ao ainda raríssimo exercício da docência
pelos próprios artistas, a obra de arte constitui mero pretexto ou
simples objeto, sobre o qual erigem-se complexas e quase
sempre inúteis construções teóricas, que nada têm a ver com a
67
arte em si (constituída apenas - apenas? - da obra de criação
stricto sensu), que se bastam a si mesmas e se alimentam de
suas próprias elocubrações bizantinas, tornadas fins em si
mesmas, nociva e desnecessariamente.
Substitui-se, pois, o contato e conhecimento diretos da
obra de arte e principalmente sua lúdica fruição pelo saber
teórico, nesse caso quase sempre estéril e esterilizante,
interessando mais e sendo mais importante o que se diz sobre a
obra de arte e sobre a arte do que a própria obra, o que constitui
grande aberração.
Os periódicos culturais (em raros casos dirigidos por
artistas), sejam independentes ou editados por universidades,
instituições e por raríssimos jornais e editoras, com poucas
exceções não fogem à regra, substituindo inteiramente (ou
quase) a obra de criação por noticiários, artigos teóricos,
recensões, análises críticas e artigos em geral, no mais das vezes
anódinos uns, maçantes e inúteis outros, laudatórios e
inconsequentes os demais.
Os periódicos de letras, por exemplo, em sua esmagadora
maioria, sistematicamente não veiculam obra de criação
(poesia, conto, crônica, capítulo de romance, ato ou cena de
peça teatral), em total descaso pela divulgação da obra de arte,
que, desse modo, perde ou deixa de ganhar preciosos e
necessários espaços.
Urge, pois, que se modifique essa situação, para
prevalecer, em todos os níveis e oportunidades e sobre o
acessório e, na maior parte das vezes, o dispensável, a obra de
68
criação artística, que não está tendo vez nem mesmo onde
deveria, natural e logicamente, ocupar todos ou pelo menos a
maior parte dos espaços.
(revista Dimensão nº 04, 1982, editorial)
IV – POSSIBILIDADES E LIMITAÇÕES
DOS MEIOS DE COMUNICAÇÃO
Não apenas poetas, escritores, artistas, editoras, poderes
públicos, periódicos e instituições culturais, de ensino e
entidades congêneres podem e devem, por decorrência lógica e
natural, promover e abrir espaços à poesia e às artes em geral.
Os meios de comunicação (imprensa, rádio e televisão),
constituem instrumentos eficazes e praticamente os únicos da
sociedade moderna aptos a transmitir quaisquer conteúdos a
todos os seres humanos em escala, intensidade e abrangência
inusitadas e nunca vistas em qualquer outra época da história
humana.
Em consequência, pois, de suas possibilidades e função
específica, esses meios de comunicação devem – a par divertir,
entreter e informar – propugnar e contribuir para a elevação
cultural da sociedade. Essa obrigação, que emana e decorre de
sua própria natureza, particularidades e eficácia, não pode ser
descartada ou escamoteada pelo simples (e ao mesmo tempo
complexo e aqui não minimizado) pretexto do lucro e da
audiência. Há que se preocupar também com a formação
cultural da sociedade, investir nisso, desenvolver técnica
apropriada.
69
O fato de, em alguns setores, constituir competência
exclusiva do Estado explorar esses meios de comunicação
diretamente ou mediante concessão em caráter precário a
particulares, já demonstra sua importância, influência (aliás
sabidas de todos), e verdadeira natureza. Cumpre, pois, seja
exigido e regulamentado pelo órgão competente seu uso, que
deve ser sempre o Legislativo, no sentido de reservar, também
para a divulgação cultural e artística, os espaços necessários e
não, apenas, deixar sejam tais meios utilizados como o são
normalmente: meros instrumentos para obtenção de lucros,
além de outras finalidades até mesmo mais complexas, que não
vêm a pelo no momento.
O ideal, evidentemente, seria que os próprios meios de
comunicação espontaneamente abrissem às artes e à cultura os
espaços suficientes. Porém, não o fazem. E quando o fazem, não
passam de iniciativa isoladas e/ou efêmeras, mesmo (e talvez
justamente por isso), se importantes e fundamentais e, em
decorrência, de grande repercussão. Os exemplos são
conhecidos. Todavia, na maior parte das vezes, essas iniciativas,
embora elogiáveis como tais, constituem, na imprensa por
exemplo, meras páginas e, quando muito, cadernos ou
suplementos, porém, ocupados em sua totalidade ou maior
parte por noticiários, recensões e indefectíveis artigos teóricos
ou simplesmente elogiativos, superficiais e, por isso e outros
motivos, inúteis, quando não, e comumente, nocivos.
Não bastam, pois, necessidade e obrigação de divulgar arte
e cultura, devendo, também, os meios de comunicação adquirir
70
técnica específica e ter, ainda, orientação adequada para, por
exemplo, entre outras condições, abrir espaços principalmente
para as obras de criação artística.
Contudo, a ocorrência, constatável à primeira vista, é que,
na esteira dos valores humanos prevalecentes na moderna
sociedade de consumo baseada no lucro, a imprensa e os demais
meios de comunicação, esses ainda mais que aquela, abdicaram,
perderam e/ou nunca exerceram uma de suas funções e
possibilidades, justamente a de captar, difundir e, pela só
circunstância de fazê-lo adequadamente, multiplicar as mais
legítimas tendências artísticas e culturais existentes na
sociedade onde atuam ou oriundas do patrimônio cultural
comum da humanidade. Abdicando de uma de suas mais
importantes faculdades, esses meios de comunicação
conformam-se ou cingem-se tão-somente a instrumentos de
lazer, entretenimento e informação meramente fatual, que, se
pudessem ser gratuitos e inconsequentes, não teriam a
nocividade que têm, já que toda pretensa ou considerada
gratuidade encerra clara opção, no mínimo, anestesiadora.
Quando muito, e assim mesmo apenas pequena parte da
imprensa, ainda procura, em vários outros setores, que menos a
arte e a cultura, ser participante, exigente, crítica e até mesmo,
em raros casos, renovadora. Porém, não chegou ainda essa
imprensa à arte e à cultura, em seu sentido estrito. Queda-se
nos seus limites periféricos, que, por opção institucional,
irresponsabilidade e/ou incompetência, não ultrapassa.
71
Além disso, com notáveis exceções, os meios de
comunicação, por deformação de origem, opção institucional
e/ou inconsciência funcional e profissional, no amplo espectro
informativo por exemplo, ao decair de parte de suas funções e
possibilidades, fetichizam o fato, não o realçando pelo valor que
realmente tenha, mas pelo que possa render por meio de sua
exploração deformadora, superficial e/ou sensacionalista de
simples notícia, transformando-o, nesse processo liquidificador,
em produto ou mercadoria de venda como outro qualquer, de
fácil, digestivo e imediato consumo.
É necessário, diante da insuficiência e nocividade desse
quadro, que os próprios artistas, os órgãos culturais e pessoas
ligadas, por gosto e/ou função, às artes conscientizem-se, em
primeiro lugar, do dever dos meios de comunicação para com a
arte e a cultura para, num segundo e consequente momento
exigir deles atuação também cultural e de maior
responsabilidade no sentido de sempre e cada vez mais abrir
espaços à poesia e às artes em geral, justificadoras por si sós da
própria existência humana.
(revista Dimensão nº 05, 1982, editorial)
V (FINAL) – RIGOR SELETIVO
A procura e a conquista de espaços para a poesia e as artes
em geral não pressupõem a divulgação pura e simples de
poemas e outras criações artísticas. Ao contrário, tais atos só
têm validade, significado e eficácia se presididos e orientados
72
pelo maior rigor seletivo possível, fundamentado na qualidade
estética da obra de arte.
Não é admissível difundir obra destituída de valor estético,
visto que somente esse valor configura a existência da arte.
Nessas condições, sua propagação não apenas é desnecessária,
por carente de finalidade e sentido, como prejudicial, pelo que
implica em desorientação e influência negativa do mau-gosto,
do anacrônico e do equivocado.
Nenhuma causa justifica, portanto, a disseminação da
obra desqualificada, devendo ser denunciado e até mesmo
combatido todo motivo extraliterário e extra-artístico
ocasionador da veiculação e imposição de contrafações
artísticas.
E são diversos, variados e especiosos os falsos critérios que
orientam tal promoção, abrangendo desde amizade, interesses
pessoal e comercial, desinformação, desatualização, didatismo,
historicismo, conservadorismo, a até nacionalismo,
regionalismo, ideologismo, partidarismo e quejandos.
Conquanto se saiba que a difusão nessas circunstâncias dá
à obra apenas vida efêmera e meramente episódica – com sua
inclusão nas indefectíveis listas dos mais vendidos, badalação
em noticiários, artigos, notas ou reportagens nos meios de
comunicação, podendo até mesmo se constituir numa “onda” ou
moda (que não ocorre apenas na indumentária e similares, mas
existe também na arte, na cultura e no campo das ideias) – essa
publicidade, principalmente por massiva, sempre é prejudicial,
já que enganosa e diversionista.
73
A verdadeira obra de arte, ao contrário, subsiste através do
tempo, mesmo – e isso é frequente – que seu valor não seja
percebido e reconhecido de imediato. Porém, cedo ou tarde é
descoberto e proclamado. E, aí, para sempre.
Cumpre, pois, tentar detectar, desde logo, separando o
muito joio do escasso trigo, a obra de real valor, propagando-se
apenas ela e não outra.
Contudo, isso nem sempre é tarefa fácil e alcançável no
momento da ocorrência artística, por uma série de razões, que
vão desde o singular das limitações pessoais do observador até a
pluralidade das influências, relativismos e condicionamentos
espaciotemporais.
Por outro lado, o surgimento, nas artes, de tendência ou
movimento, que sempre se propõe e se apresenta como única
maneira válida de prática artística, pode, em consequência
desse unilateralismo, ocasionar, de modo geral, em maior ou
menor grau e no decorrer de tempo mais ou menos longo,
perplexidade, antessala do equívoco e da inação, e, mesmo e
comumente, levar seus participantes e seguidores a posições
extremadas e sectárias (semelhantes a idêntico fenômeno na
política), delas resultando, entre outras atitudes, combate
acerbo a todas as obras e modos de fazer diversos, geralmente
apenas por diversos, não obstante de qualidade.
Todavia, as perplexidades, equívocos, sectarismos e outros
defeitos, carências e limitações antes enumerados, são,
implacavelmente, retificados com o passar do tempo e as coisas
e valores invariavelmente repostos em seus lugares com os
74
merecidos sepultamento e olvido das obras despossuídas de
significação estética, não sem antes, porém, assoalharem tais
obras os prejuízos e negativas influências aludidos.
Daí resulta necessário que sempre, e cada vez com maior
rigor, se busque reconhecer, no contemporâneo, acima da
transitoriedade do momento, a obra artística válida e apenas
para ela se procure abrir, conquistar ou obter os necessários
espaços de divulgação e atuação.
(revista Dimensão nº 06, 1983, editorial)
75
A POESIA, COMO EMOÇÃO
E COMO ARTE
Mais do que a literatura de modo geral, a poesia, sob o
aspecto estritamente literário e conforme conhecida definição, é
a arte da palavra em seu mais alto grau. Na prática, contudo,
coexistem, antípodas, duas tendências: a poesia como emoção e
a poesia como arte.
Na primeira, o poema é exclusivamente resultante da
emoção, do sentimento, de estados de espírito, em suma, de
causas pessoais, subjetivas. O poema nasce e flui, às vezes com
maior ou menor dificuldade expressional (circunstância que
qualitativamente nada significa), ao influxo et pour cause da
necessidade (comumente denominada “inspiração”) de se
extravasar, expressar ou verbalizar sentimentos, emoções e
ideias. O que não constitui poesia. Quando de boa qualidade,
não passa de prosa. Normalmente, não é nada. A não ser
produto pessoal e subjetivo de e para efeito catártico. Ou seja,
quase tudo que se escreve e se publica, no gênero. E que passa,
equivocadamente, por poesia, arte. Que não é. E nunca será.
Ideias, sentimentos, emoções, pensamentos,
acontecimentos etc. não constituem arte. São o que são: ideias,
sentimentos, etc. O que não é pouco. Mas, é outra coisa.
No segundo caso, a poesia, como toda obra de arte, é
produto estético. Destinado a proporcionar prazer estético e não
a ser mero veículo ou instrumento emocional e ideológico.
76
Resulta e é trabalho ao nível da e sobre a linguagem. É a arte da
palavra, o que implica justamente em se utilizá-la apenas com a
finalidade contida e expressa na própria definição: sua
elaboração artística para propiciar prazer estético.
Em consequência, e por exclusão, tudo que não seja, nesse
contexto, elaboração artística da palavra, com objetivo de
construir obra de arte e produzir prazer estético, não é poesia,
não é arte.
“Poesia se faz com palavras e não com ideias”, explica
Mallarmé (França 1842-1898). “A inspiração consiste em
trabalhar todos os dias”, afirma Baudelaire (França, 1821-
1867), significando que sem trabalho e elaboração do texto não
é possível haver arte. Em “Procura da Poesia”, Carlos
Drummond de Andrade (Brasil, 1902-1987), mostra o que não é
poesia e indica onde encontrá-la: “o que pensas e sentes, isso
ainda não é poesia [....] penetra surdamente no reino das
palavras. Lá estão os poemas que esperam ser escritos” (grifos
nossos). O fato de, ao dizer isso, estar Drummond fazendo prosa
e a circunstância de que normalmente não seguiu seu próprio
conselho, confirmam, ao invés de invalidar, a pertinência de sua
reflexão.
De igual modo, ínsita em e resultante de cada uma dessas
posições, subsiste e exterioriza-se correspondente atitude.
Na primeira hipótese, a motivação única e meramente
emocional da obra não suscita (e nem exige) curiosidade
intelectual ou artística nos autores. Nem lhes provoca interesse
por seu instrumento expressional, a linguagem (a não ser,
77
quando isso ocorre, por seus aspectos meramente gramaticais e
quantitativos), pelo que, na maioria dos casos, não se
preocupam em conhecer a obra de outros autores. Quando o
fazem e a apreciam, esse interesse, normalmente ocasional, e
essa admiração, sempre superficial, não passam de simples
empatia e identificação emocional e/ou ideológica, nada tendo a
ver com a estética. Sentimentos, ideias e emoções são, nesse
caso, a um só tempo, meio e finalidade. A expressão verbal (e
ela é só verbal, sem qualquer utilização de outros ou novos
elementos estéticos) não constitui senão materialização ou
necessidade de exteriorização emocional Não tem, por isso, para
esses autores, outra importância que não essa. Daí não ser
submetida à elaboração e, muito menos, à pesquisa,
inventividade, inovação. Simples veículo para transporte ou
condução de sentimentos e ideias é, habitualmente, discursiva,
linear, prosaica. Não passa, no mais das vezes (quando, por suas
qualidades, configura obra literária), de crônica ou prosa
narrativa, confessional ou descritiva, que tem seu valor, mas,
não é poesia: exemplos notórios, em língua portuguesa, da obra
de Drummond e de Fernando Pessoa (Portugal, 1888-1935),
com algumas exceções; de Morte e Vida Severina, de João
Cabral de Melo Neto (Brasil, 1920), do Poema Sujo, de Ferreira
Gullar (Brasil, 1930). Apreciam-se esses escritos não por
qualidades poéticas, que não têm, mas, por suas virtudes
estilísticas e pela empatia emocional e/ou identificação
ideológica. O poema de Drummond a respeito de sua obra
completa publicado em Dimensão 18/19, é sintomático de
78
insatisfação e de consciência desse problema. Já Lawrence
Ferlinghetti (EE. UU., 1919), confessa, sem ambages, que
“poesia moderna é prosa”, em texto assim mesmo intitulado,
constante de sua antologia Vida Sem Fim (São Paulo, editora
Brasiliense, 1984). Por sua vez, Fernando Pessoa afirma que
“Por mim, escrevo a prosa dos meus versos/E fico contente”
(texto XXVIII, em “O Guardador de Rebanhos”, de Ficções do
Interlúdio).
No segundo caso, está a elaboração artística da linguagem
embasada pela consciência do fator estético, que poucos
alcançam ou possuem. A palavra, a linguagem, como matéria-
prima (e bruta) do poema, é trabalhada objetiva e
exaustivamente para produzir efeito tão-somente estético.
Mesmo quando o poema deriva da emoção (sua origem,
qualquer seja, não tem a menor importância), esta é filtrada
pela elaboração estética, pelo que se afirma, parafraseando
Thomas Alva Edison (EE.UU., 1847-1931), que arte é 90% de
transpiração e 10% de inspiração. Os autores, por isso, têm
grande interesse e curiosidade pela obra de outros poetas de
iguais preocupação e ocupação, por suas pesquisas e reflexões.
Ao contrário do que escreve Mário Quintana (Brasil, 1906), no
texto “Comunhão”, de Sapato Florido (de que “os verdadeiros
poetas não leem os outros poetas”), como artistas autênticos, e
por isso mesmo, é que se interessam em ler outros poetas,
desprezando, contudo, os meros desnudadores da alma, os
simples expositores de ideias. Os pretensos poetas é que não
leem outros poetas, porque o que os move é apenas a
79
necessidade catártica de exteriorizar verbalmente sentimentos
e/ou ideias e, às vezes (quando a têm), sua visão do mundo, o
que, aliás, é próprio da prosa.
Enfim e em suma, entre uma e outra dessas tendências há
um abismo: a fronteira que separa a poesia do que não o é.
(revista Dimensão nº 18/19, 1989, editorial)
80
POESIA E PROSA / POEMA E TEXTO
A literatura é a arte da palavra, como se sabe, conquanto
poucos entendam o alcance e significado dessa definição. A
consciência estética constitui, ainda, apanágio de alguns.
Daqueles poucos justamente que, entre os milhões que
escrevem, constroem, realmente, obra literária, ou seja,
artística. Normalmente utiliza-se a palavra pensando, tentando
ou objetivando elaborar obra literária, quando, na realidade,
mais não se faz do que simplesmente expressar ideias,
sentimentos e emoções. Há, pois, na esmagadora maioria dos
casos, enorme diferença entre o que se escreve, pensando estar-
se fazendo literatura, e o que, efetivamente, constitui literatura.
A questão toda reside em saber utilizar a palavrar com
finalidade artística, no sentido de que o objeto e objetivo do ato
de escrever é a palavra em si e não o contrário, ou seja, sua
subordinação a propósitos alheios à arte, como simples veículo
de emoções, ideias, sentimentos ou teses. Isto porque “não há a
expressão de um objeto, mas o objeto de uma expressão [....] A
arte, enfim, não é expressão mas produto [....] A arte não tem
filiais, ela apenas exprime a própria arte. ‘O homem –
escreveu Fiedler – deve persuadir-se de que nas palavras ele
não possui uma expressão, mas um produto da própria vida
interior. A linguagem artística não é expressão do ser, mas
forma do ser’ [....] o problema das relações entre a arte e as
demais atividades humanas deve basear-se na existência
independente e específica da arte” (Valdemar Cordeiro). “O
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ARTE, POESIA E VISUAL

  • 1.
  • 2. ARTE, POESIA E VISUAL
  • 3. 3 Bilharinho, Guido B492a Arte, Poesia e Visual/Guido Bilharinho. -- Uberaba, Brasil: Revista Dimensão Edições, 2018. 267 p. : il. 1. Arte. 2. Poesia. I. Título. CDD 700 Ficha catalográfica elaborada por Sônia Maria Resende Paolineli - Bibliotecária CRB-6/1191 Organização e Planejamento Gráfico Guido Bilharinho (guidobilharinho@yahoo.com.br) Capa Guido Bilharinho Edição Revista Dimensão Edições Caixa Postal 140 38001-970 − Uberaba/Brasil Direito Autoral Escritório de Direitos Autorais Protocolo nº 0294/2017 Editoração Gráfica Gabriela Resende Freire
  • 5. 5 NOTA PRELIMINAR Arte, Poesia e Visual......................................................................11 ARTE A Finalidade da Arte ......................................................................14 A Função do Artista .......................................................................20 O Moderno e o Antigo em Arte .....................................................23 Experimentalismo em Arte e Ciência ...........................................26 Consciência Artística e Modernismo ............................................28 O Fato Artístico .............................................................................30 Tema e Conteúdo em Arte ............................................................31 Engajamento da Arte: Abraço (Mortal) de Tamanduá .................34 Ensino da Literatura e das Artes em Geral: Cobra Que Engole a Própria Cauda .......................................................................37 Da Prejudicialidade dos Estudos Teóricos Sobre Arte .................40 Arte e Diversão ..............................................................................42 A Padronização do Gosto e do Fazer Artístico ..............................44 A Universalidade da Arte ..............................................................47 Arte e Ciência ................................................................................48 Conceituação de Literatura ...........................................................49 Mudança de Mentalidade .............................................................56 Ilustrações .....................................................................................59
  • 6. 6 POESIA Generalidades Espaço Para a Poesia .....................................................................62 I – A Postura do Poeta, 62; II – A Atuação do Poeta, 63; III – A Prevalência da Obra de Criação Artística, 65; IV – Possibilidades e Limitações dos Meios de Comunicação, 68; V – Rigor Seletivo, 71. A Poesia, Como Emoção e Como Arte ..........................................75 Poesia e Prosa/Poema e Texto ......................................................80 Consciência Artística e Prática Poética .........................................85 Poesia e Racionalidade ..................................................................88 O Poema ........................................................................................92 Formas Poéticas ............................................................................94 As Novas e Sempre Renovadas Formas Poéticas ..........................95 Discursivo e Antidiscursivo em Poesia .........................................96 Poesia Sobre Poesia .......................................................................97 Rimas e Ritmos .............................................................................98 A Emoção e o Barro .......................................................................99 Beleza Conceitual . .........................................................................99 A Leitura do Poema .......................................................................100 A Crítica de Poesia ........................................................................102 Ilustrações .....................................................................................104 Especificidades A Pretensa Poesia Modernista .......................................................106 O Modernismo e a Poesia ..............................................................115
  • 7. 7 Modernismo e Construtivismo .....................................................117 Poesia (Dita) Satírica ....................................................................118 Vanguardas ...................................................................................119 Os Meios e os Fins .........................................................................120 Revisão Crítica da Poesia Brasileira ..............................................121 Tendências da Poesia Brasileira Pós 1960 ....................................123 O Construtivismo Poético Brasileiro .............................................126 A Conjuntura Poética ....................................................................127 A Crise da Divulgação e Publicação de Poesia no Brasil ...............130 Divulgação da Poesia ....................................................................132 Antologia de Novos Poetas da Nicarágua ......................................133 Duas Coletâneas de Pretensos Poemas .........................................135 Poesia Russa Moderna .................................................................144 Pretensa Antologia Poética Portuguesa ........................................151 Psiu Poético – Importância e Significação ...................................155 Observações sobre Poemas de Um Concurso ...............................157 Guimarães Rosa, Poeta .................................................................158 Drummond e Pessoa .....................................................................159 Oscar Bertoldo ..............................................................................160 Entrevista com Poetas – Proposta de Questões ............................161 A Morte do Poeta ..........................................................................164 Ilustrações .....................................................................................166 Edição de Poesia – A Revista Dimensão Diretrizes Uma Simples Revista de Poesia ....................................................169 Dimensão – Dez Anos de Poesia: A Sobrevivência no Vácuo .......170
  • 8. 8 Dimensão – Signo e Sina...............................................................179 Dimensão – Último Número: Apenas o Possível .........................181 Linha Editorial de Periódicos Literários– a Revista Dimensão .. 182 Seções Especiais Poesia Brasileira em Série Especial ..............................................187 Poesia Japonesa do Século X ........................................................189 Um País de Poetas – A Poesia do Grupo Frenesi, de Portugal .....191 Poetas Gregos e Holandeses Contemporâneos..............................193 Um Novo Verso Argentino ............................................................194 Dois Poetas (Uberabenses) Contemporâneos ...............................196 Movimentos Poéticos do Interior de Minas Gerais ......................198 Poetas Uberabenses Contemporâneos ..........................................200 Grupos Vix e Frente ......................................................................202 Poetas Contemporâneos de Angola ..............................................203 Seções de Traduções Joyce e Outros ...............................................................................204 “Le Bateau Ivre” e “Das Schiff” e Suas Traduções Brasileiras .....206 Perse e Outros ...............................................................................210 Pinter e Outros ..............................................................................212 Perse (II) e Outros .........................................................................215 Ponge e Outros ..............................................................................217 Girondo e Outros ...........................................................................219 Antônio Porta e Outros .................................................................221 Bashô e Outros ..............................................................................223
  • 9. 9 Antologias Notas Preliminares Poetas do Triângulo Mineiro (1976) ............................................224 A Poesia em Uberaba: do Modernismo à Vanguarda (2003).....227 Ilustrações .....................................................................................235 VISUAL Diretrizes Poetas Concretistas .......................................................................238 Concretismo ..................................................................................241 Grupo Concreto Cearense .............................................................243 Poema Processo ............................................................................244 Processo em Revista ......................................................................245 Fragmentos – A Nova Arte ...........................................................246 Gilberto Mendonça Teles e a Arte do Visual .................................249 Ilustrações .....................................................................................253 Edição de Visuais A Poesia Experimental Alemã .......................................................255 A Poesia Concreta Alemã ..............................................................257 Grupo Concreto Mineiro ...............................................................259 Arte Eletrônica: Nova Estética ......................................................261 O Inismo Espanhol .......................................................................262 Ilustrações......................................................................................263
  • 11. 11 Arte, Poesia e Visual Em tudo que é humano lavra discordâncias e controvérsias. Melhor que assim seja, visto que o pensamento único seria sinal (e estigma) de carneirismo e carência de raciocínio, autonomia e independência. Contudo, isto não que dizer que todas as opiniões e posições sejam corretas. Sempre existem as que decorrem de estudo, pesquisa e meditação, constituindo a episteme (ciência) e, ao contrário, as que não passam mesmo de meras opiniões (as doxas dos gregos), que todos têm sobre tudo, com as honrosas exceções daqueles que, consultados sobre determinado assunto, afirmam não ter opinião formada. Na área da arte, da poesia e do visual, temas enfocados no presente livro, à semelhança do ocorrente com tantas outras coisas (ou com tudo), as atitudes variam enormemente, cada uma considerando-se a certa e verdadeira. Mas, não é assim. Como os ensaios e artigos que compõem esta obra demonstram, mesmo se tenha até recentemente considerado poesia o que na realidade não é, a questão do que seja poesia atingiu patamar (alcançado por poucos infelizmente), no qual não resta dúvida de que poesia é feita de palavras que produzem beleza estética. Fora disso, é texto ou prosa, mesmo que de alto nível elaborativo. No campo oposto ao discursivismo prosístico (toda a auto-denominada poesia modernista, por exemplo) vicejam os detonadores da palavra e do discurso (concretismo, poesia
  • 12. 12 semiótica, poema-processo, infopoesia, inismo, etc.) que, por sua radicalidade e características, se auto-expulsaram da poesia, construindo, no entanto, nova arte, a do visual, que se não confunde nem se mistura ou se subordina à pintura, ao desenho e à ilustração. Essa, pois, a matéria do presente livro, que reúne ensaios, artigos e notas (publicados ou inéditos) elaborados no decorrer de algumas décadas, notadamente no bojo da editoração em Uberaba por vinte anos ininterruptos da revista de poesia Dimensão. Mas, também contendo posicionamentos expostos desde a década de 1950 em diversas circunstâncias e oportunidades. Esses trabalhos mais antigos sofreram, alguns deles, ligeiras corrigendas ou aperfeiçoamentos, mantendo, todavia, os pontos de vistas neles expendidos, notadamente no que se refere ao elástico, superado e obsoleto conceito de poesia e no que concerne à admissão da inocorrente natureza poética do concretismo. * Com as possíveis exceções indicadas, todos os jornais e periódicos que publicaram vários desses ensaios e artigos são de Uberaba, sendo que o Jornal de Uberaba citado anteriormente a 1962 constitui o quarto aditado na cidade com essa denominação. O Autor
  • 14. 14 A FINALIDADE DA ARTE A posição da arte no contexto social, seu papel e finalidade, suscitam pelo menos duas concepções opostas, irreconciliáveis e excludentes: a arte vista em si e por si mesma, como produto estético, e a arte entendida como expressão do ser humano, com multiplicidade de objetivos e funções, entre os quais, também o estético. O simples enunciado dessas classificações delimita perfeitamente os respectivos alcance e significado. O último pretende atribuir à arte uma missão social, que extrapola seu âmbito específico. Argumenta que “a arte é necessária para que o homem se torne capaz de conhecer e mudar o mundo” (Ernst Fischer. A Necessidade da Arte. Rio de Janeiro, Zahar Editores, 1966, p. 20), ou que “as novas tendências para o ensino da literatura, centralizadas no texto e na sua recepção, giram em torno da ação transformadora da literatura, visto que ela procura levar o estudante a uma participação madura e ativa no meio social” (Creobel Franco Maimoni, “O Ensino da Literatura no Segundo Grau: Perspectivas”, dissertação de mestrado, resumo in Revista de Letras, vol. 32, Faculdade Ciências e Letras de Assis, 1992, p. 276). Contudo, não se restringe apenas a esses fins a visão utilitária da arte, que ainda engloba, entre outras, as de catarse, evasão e jogo. Se em algumas delas, em maior ou menor grau, preserva-se o propósito artístico, este é, na melhor das
  • 15. 15 hipóteses, equiparado aos demais, conquanto, mais frequentemente, seja minimizado ou secundarizado, quando não inteiramente defenestrado. As incumbências básicas imputadas à arte, de conhecimento e transformação do mundo, de matriz marxista, traduzem ponto de vista de que a arte deve estar a serviço da conscientização do ser humano e das lutas políticas, sociais e libertárias do povo, devendo direcionar-se, pois, em refletir a sociedade, seus problemas e contradições e engajar-se na tarefa hercúlea de modificar o mundo. O desempenho catártico significa a busca de libertação e superação existencial, a procura da paz e harmonia íntimas, conforme expresso até em livros didáticos, servindo a arte, sob esse ângulo, como meio de purgação e alívio, tanto para o autor como para o receptor. A concepção que confere à arte finalidade de evasão, que, escondendo a realidade vivenciada, a substitui por outra, distanciada e/ou edulcorada, pretende e contribui para que seu consumidor olvide os próprios problemas ao mesmo tempo que o entretém. Sob o prisma do ludismo, querem-na como elaboração de um jogo, na escolha dos meios que a constituem, a exemplo da seleção de palavras e seus componentes fônicos e ópticos. Qualquer desses posicionamentos alicerça-se em vasto arsenal teórico, intentando justificar-se, ora atribuindo à arte apenas a destinação que perfilham ou advogam, ora, além delas, considerando-a possuir outras, embora secundárias.
  • 16. 16 Entretanto, todos têm traços comuns, que os colocam no mesmo campo. Alheios e até hostis ao aspecto estético, ao negarem sua unívoca particularidade, representam visão exterior ao fenômeno artístico, advinda e dependente de outras especialidades e ramos do saber. Têm, como escopo, instrumentalizar a arte, colocando-a a serviço de seus propósitos e tendências e subordinando-a às ciências, às ideologias, às religiões, etc., seja como conhecimento, ocupação da filosofia e de todos os ramos da ciência, desde as físicas às sociais e humanas; seja como transformação do mundo, função da atuação e do engajamento político, social, filosófico e religioso; seja como catarse, aspecto comportamental e campo de estudo da psicologia e ciência afins; seja como evasão, que se confunde com os interesses da indústria do entretenimento, equivocadamente denominada “cultural”, produtora apenas de artefatos comerciais de entretenimento e diversão e resultado político de anestesiamento de consciências; seja, como simples jogo, restringindo seu alcance maior, conquanto a atividade lúdica esteja intimamente ligada ao fazer estético, sendo uma de suas componentes. A gênese, fundamento, persistência e disseminação dessa orientação devem-se à necessidade e desiderato de seus seguidores de submeterem a arte às suas ideologias, opiniões e pretensões político-sociais, isto é, àquilo que somente entendem e apreciam. Contudo, essa tentativa de dominação da arte representa, paradoxalmente, reconhecimento de sua importância e, ainda,
  • 17. 17 sua valorização, fenômeno que, todavia, não se quer nem se admite autônomo e livre, mas domesticado, desvirtuado e posto a serviço de outros desígnios e aspirações. O equívoco e a nocividade dessa generalizada tendência são óbvios. É sintomático que só as pessoas alheias à arte, isto é, que não a criam, que não são artistas, tenham essa atitude. Nenhum artista a perfilha, agasalha ou adota. E quando se diz artista, se tem em conta o verdadeiro e autêntico, não o pretenso, que, justamente por não conseguir produzir arte, procura, para encobrir suas insuficiências, desvirtuá-la. Mesmo quando, excepcionalmente, artista autêntico assim se situa, só o faz no campo teórico, não levando tal intenção às últimas consequências, permanecendo sua obra incólume e independente, como um valor em si mesma. Sua consciência artística prevalece sobre seu pensamento filosófico, que deve atuar e se expandir no amplo campo da participação política. A nocividade dessa prática manifesta-se em dois níveis. Na ponta da produção, desvia os interessados da procura de aperfeiçoamento e da aquisição de informação artística, sem o que não se consuma a feitura de qualquer obra esteticamente válida, limitando-se tais pessoas, nos respectivos campos de atuação, a apenas, no máximo, dominar seus meios expressionais para veiculação de ideias, sentimentos, emoções, ideologias, julgando, assim, estarem fazendo arte, quando mais não fazem que peças ou artefatos artesanais habilidosos, mas, sem qualquer criatividade, porque arte e criatividade só advêm da conjunção de vários fatores básicos e indispensáveis,
  • 18. 18 constituídos de, entre outros, trabalho, intenção e conhecimento artísticos. Na ponta do consumo, leva os receptores a considerar a arte, ora entretenimento, ora passatempo, ora instrumento de intuitos diversos, desconhecendo completamente sua finalidade, que é, apenas e unicamente, de proporcionar prazer estético, que se não confunde com nenhum outro. O equívoco fundamental desse modo de ver decorre do desconhecimento de “que não há a expressão de um objeto, mas o objeto de uma expressão”, ou seja, de que a arte “não é expressão mas produto” e que ela exprime-se a si mesma (Valdemar Cordeiro, “O Objeto”, in revista Arquitetura e Decoração, São Paulo, dezembro 1956, apud Modernidade: Vanguardas Artísticas na América Latina, organizado por Ana Maria de Morais Belluzzo. São Paulo, Fundação Memorial da América Latina/Editora Unesp, 1990, p. 302/303). A arte, pois, não é expressão de nenhum fato estranho e externo a ela, visto que forma, por si só, uma realidade. É que nas palavras o ser humano “não possui uma expressão, mas um produto da própria vida interior. A linguagem artística não é expressão do ser, mas forma do ser” (Fiedler, citado por Valdemar Cordeiro). A arte, portanto, não é expressão, porque, então, não passaria de mero epifenômeno. É forma do ser e, como tal, é produto específico de seu trabalho, que requer conhecimentos, informações, pesquisas e esforço próprios e exclusivos, que se
  • 19. 19 não compadecem com sua sujeição a objetivos diversos daqueles que lhe são inerentes. A única finalidade da arte, pois, é estética, ou seja, de proporcionar prazer estético. A única função do artista, como tal, é, portanto, produzir beleza. As origens e circunstâncias que envolvem, ocasionam e direcionam autores e obras constituem acontecimentos extra-artísticos, que só podem interessar ou ter importância para outros ramos do saber, por razões totalmente estranhas à arte. Não influi, por exemplo, no prazer artístico ensejado pelos teatros grego e shakespeariano, conhecer ou não os elementos subjacentes à sua formação, motivações e condicionamentos, bem como às personalidades e intencionalidades de seus autores. O valor que têm (e que é eterno enquanto existir vida inteligente no universo e não só na Terra), decorre unicamente deles próprios tais como são, em si e por si mesmos, de seus recursos intrínsecos, independentemente de tudo o mais. Enfim, a obra só é artística se atender à sua singularidade. O produto estético encerra, em si, tudo o que for possível, não se amoldando nem se mesclando ou se subordinando a qualquer dos elementos que lhe dão origem ou o impõem. O que interessa é o resultado do trabalho do artista. É o produto pronto, tal como realizado e elaborado. Nada mais. Todavia, no caso, isso é tudo. (revista Dimensão nº 23, 1993/94, editorial)
  • 20. 20 A FUNÇÃO DO ARTISTA A finalidade da arte é estética, isto é, de apenas proporcionar prazer estético. A função do artista, desde que o seja, é de produzir beleza. Fazer arte é, pois, antes e acima de tudo, exercício de liberdade. O artista é (e principalmente deve-se considerar) livre para fazer o que quiser nos limites de suas possibilidades, que, aliás, necessitam ser ampliadas, tanto quanto possível, pelo domínio cada vez maior e mais consciente dos meios artísticos específicos, a partir de esforço, estudo e informação. Ao se exigir que o artista, como tal, seja e esteja engajado e comprometido com assuntos alheios às finalidades artísticas, está-se-lhe desejando impor (ou impondo) diretriz cerceadora de sua autonomia criativa, fazendo com que se desvie ou se desvincule de sua tarefa básica para efetuar panfletagem e aliciamento com utilização dos recursos expressionais da arte. Daí resulta uma contrafação, que, justamente por sê-lo, redunda também improdutiva e contraproducente até mesmo para o objetivo almejado. O artista pode se empenhar, como cidadão, em qualquer causa, mas, não deve sujeitar sua atividade criadora a campanhas que não lhe dizem respeito diretamente. A condição sine quan non para criação de obra de arte é que o artista é (e tem de ser sempre) livre para elaborá-la da maneira que intentar e conseguir. Disso provém, contudo, que não deve subordinar o específico artístico nem mesmo às suas
  • 21. 21 próprias pretensões políticas, filosóficas, religiosas ou ideológicas. Pode usar o material que desejar e tiver. Todavia, como matéria bruta utilizável para fins artísticos. Do contrário, como ocorre comumente com quem inverte os polos da criação, realizará obra que configurará romance, peça teatral ou musical, filme ou quadro, mas, que não terá nenhum valor. Não o tendo, será tudo, menos arte. Não ensejará prazer estético e, consequentemente, não subsistirá. Se consciente e livre, teria oportunidade de criar obra de arte, porém, nesse caso, consumará, apenas, mera falsificação. Que ele (e tantos como ele) considerem tal peça obra de arte não teria a menor importância se tal avaliação não carregasse em si a nocividade de levá-los, ao autor e a todos que com ele comunguem ou compartilhem da mesma impressão (não passa mesmo disso), a engano, que impedirá o primeiro de realmente fazer arte e aos demais de terem, efetivamente, prazer artístico. O artista só tem uma obrigação se ambicionar verdadeiramente produzir obra de arte: produzir obra de arte. Para conseguir isso, cada qual faça como lhe aprouver, contanto que o faça com independência e demais atributos e requisitos indispensáveis. O que não está certo é submeter a arte a outros propósitos, princípios e diretrizes que lhe não são peculiares ou tentar impingir isso e, ainda, considerar que é arte a contrafação resultante dessa subalternidade e desorientação.
  • 22. 22 Em suma, não é incumbência do artista, enquanto tal, comprometer-se e engajar-se em causas estranhas ao intuito de proporcionar prazer estético. Sua atividade, que nada nem ninguém pode legitimamente direcionar, impedir ou limitar, é apenas gerar beleza. Mas, como se tem dito, esse apenas é tudo. Perfaz mundo grandioso e eterno. Neste caso, pelo menos enquanto existir vida inteligente no universo. Nem se diga, como inúmeros adeptos de uma e outra dessas posições costumam fazer, que a questão já foi assaz debatida e está equacionada. Contudo, mesmo sendo antiga a pendência, a cada geração o problema se põe, a cada iniciante ele se apresenta, tais as desigualdades e injustiças do mundo. Justamente por falta de retorno ao tema, por carência de permanente alerta, muita vocação se desvia, muita obra se estiola e se prejudica face às normais indecisão e insegurança iniciais. Necessário, pois, que se mantenha viva a discussão para que preocupações impróprias não condicionem e nem balizem a obra em detrimento e prejuízo da arte. Bastam-lhe, a esta, o isolamento, a marginalização e as dificuldades que a sociedade de consumo e a indústria do entretenimento lhe ocasionam. (revista Dimensão nº 24, 1995, editorial)
  • 23. 23 O MODERNO E O ANTIGO EM ARTE Do ponto de vista da criação artística, duas posições principais marcam a poesia e as artes em geral: a) conservadora, quando não reacionária; b) moderna, atualizada. Aquela, estacionária no tempo, fechada sobre si mesma, limitando-se a repetir fórmulas já gastas, aferrada que é à tradição, ao antigo, ao já feito e ao déjà vu. Por força disso, é excessivamente (ou tão-somente) discursiva, linear, apegada ao verso, à gramática e a tudo que signifique limitação, restrição, cerceamento, nada podendo mudar, evoluir, diversificar-se devendo permanecer, sempre, perenemente igual, configurando-se-lhe incompreensível, inaceitável e sem nenhuma validade tudo que daí passar e for novo, diferente, diverso. A outra tendência, que se não confunde com a vanguarda militante ou o experimentalismo permanente, conquanto deles se haure e se alimente, constitui a antítese da primeira. Procura estar, ser e se situar-se no tempo ocorrente. Por isso, é aberta às inovações, a buscar em si os elementos essenciais, a criar, experimentar, captar, pesquisar, avançar, pautada por dicção que procura ser própria, visto que, do contrário, não seria sua nem de seu tempo nem nele estaria inserida, não seria ela mesma, mas, apenas, eco, imitação ou revivescência de vozes, ritmos e modos do passado, que devem ser conhecidos, cultivados e usufruídos, mas, não copiados ou repetidos.
  • 24. 24 A modernidade é complexa, porque descompromissada com fórmulas e modelos, assumindo responsabilidades e riscos. É isenta, ventilada, ousada e, pois, ampla e rica de perspectivas e expectativas, exercitando a liberdade de ser o que efetivamente se é em cada época e de se construir em consonância. Por isso, a obra moderna, contemporânea de seu tempo, é reveladora, eis que calcada em buscas, experimentos e descobertas. Não se compraz o artista consciente em erigir dicção particular e a reiterá-la interminável e monocordicamente, como é costume e uso entre os autores conservadores, que, além de nada descobrirem ou criarem, limitando-se a copiar e a reproduzir o passado, ainda condenam-se a interminavelmente repetir sua própria repetição. O artista moderno (não confundir com modernista, mas, com atualizado), a par engendrar linguagem pessoal, não se queda em apenas multiplicá-la. Porém, ágil, multiforme, autônomo, criativo, incansável, busca renovar-se sempre dentro de sua invenção. A obra desse artista, fruto de persistente inquietação, não necessita, para revelar-se atual, de ser propriamente experimental, mas constituir uma experiência e simultaneamente uma realização. Deve, pois, forçosamente, reunir as conquistas das vanguardas e se erigir em contemporaneidade (e qualidade).
  • 25. 25 A modernidade dessa obra não se deduz de princípios gerais, pelos quais se pautaria. O moderno é que se induz dela. Ela é que forma e materializa o novo, o atual. Sem essa obra, a modernidade ou atualidade poética é que não existiria. Pois, em arte, não é a teoria que conta e, sim, a invenção, a criação. Em suma, o artista autêntico vale-se e usa de tudo, livre e despreconceituosamente. Porém, não se deixa utilizar como os autores tradicionalistas, meros veículos de fórmulas alheias. É senhor de sua matéria e de sua forma, fazendo delas aquilo que trabalho, pesquisa, liberdade, sensibilidade, informação e consciência estética possibilitem e propiciem. (revista Dimensão nº 28/29, 1999, editorial)
  • 26. 26 EXPERIMENTALISMO EM ARTE E CIÊNCIA O experimentalismo em arte e ciência não é finalidade em si mesmo. O experimentalismo em arte deve ser igual ao experimentalismo e às experiências científicas e de laboratório. Visar um resultado. A experiência pela experiência não tem sentido nem significado. A ciência não pode se limitar e a se resumir a só efetuar experimentos. Cada experiência constitui o amálgama de elementos distintos que, efetuado em determinadas condições, qualidades e quantidades, converte-se em produto diverso, com propriedades diferentes de cada um dos elementos que para ele contribuíram. A experiência em si somente tem valor como meio, como caminho para se chegar a um destino, a um desfecho. Se não se chega ou o resultado é pífio, a experiência fracassa, conquanto esse tipo de fracasso signifique sempre aquisição de conhecimento. * O fordinho 29 é, hoje, peça de museu. Sem ele, contudo, não se chegaria onde se chegou em matéria de automóveis. Constituiu etapa necessária e, mais importante, indispensável. Se a técnica e a ciência evoluem, não será a arte que deverá permanecer estacionária, conformando-se ao gosto de uma época ou geração. Se aquelas são impelidas por seus próprios
  • 27. 27 desenvolvimento e aperfeiçoamento contínuos, uns levando, propiciando e exigindo outros, a arte, do mesmo modo e ainda por dever necessariamente representar seu tempo, não tem como e nem porque (pelo contrário) permanecer sempre a mesma, em imutável repetição de formas e fórmulas, quando o próprio ser humano, seu autor e fautor, conquanto essencialmente o mesmo, até por imutabilidade biológica, evolui e se aperfeiçoa acompanhando a evolução geral da sociedade. A ciência e a técnica não evoluem sem a experimentação. Nem a arte. * A experiência pode constituir caminho frustrado (mas importante, como experimentação e resolução de uma hipótese), mas sempre é conhecimento que se adquire e se acrescenta, base sobre a qual se constrói algo, faz-se alguma coisa útil ou bela, que esta é a finalidade da arte e, aquela, da ciência. Na arte, é difícil (quando não impossível e, às vezes mesmo, inútil), fixar os limites e contornos do que é experimental e do que é realização.
  • 28. 28 CONSCIÊNCIA ARTÍSTICA E MODERNISMO Em 1922, no mês de fevereiro, com princípio no dia 13, aconteceu a Semana de Arte Moderna. Grupo de jovens intelectuais lançou publicamente o movimento modernista. Incompreendido e até ridicularizado, o movimento não obteve, de início, aceitação generalizada. Ao contrário, na época e durante muitos anos depois, foi combatido. Suas produções literárias não eram publicadas em antologias. As obras de seus pintores recusadas em museus. No entanto, desde aquele momento, desde aquela Semana, tudo o que foi feito, no Brasil, em matéria de arte e em qualquer das artes, somente é válido se realizado segundo os princípios vanguardistas então instaurados, mesmo considerando poesia o que não passa de prosa ou texto, em geral significativos. * O modernismo, publicamente instaurado na famosa Semana de Arte Moderna de fevereiro de 1922, tornou, de maneira ostensiva, obsoleto e inútil tudo aquilo que em arte continuou a se fazer à revelia dos caminhos então abertos. Toda obra de arte realizada a partir daí segundo os padrões anteriormente vigentes deixou de ter sentido, significação e validade. Isto porque a arte que os modernistas combateram era em grande parte artificiosa, convencional e importada de matrizes europeias, sem correspondência com a realidade brasileira e defasada em relação ao grau cultural existente. O
  • 29. 29 modernismo, inaugurando a busca constante, a pesquisa e a liberdade criadora, elevando a vanguarda como permanente atitude de espírito, ensejou grande abertura para a apreensão e compreensão de nossa realidade em todas as suas manifestações, correspondeu à necessidade da época e representou exigência da evolução econômica, social e cultural do país. * É necessário advertir que, malgrado ter sido o movimento modernista de 1922 totalizador e abrangente de todas as artes no sentido de renovação e atualização da inteligência brasileira, é comum ver-se, ainda hoje, escritores e artistas, jovens e velhos, completamente alheios às grandes conquistas daquele movimento. Isto ainda quase cem anos depois. Das contribuições do concretismo, e mesmo o que seja e significa esse movimento da década de 1950, praticamente tudo é ignorado. É verdade não ser fácil encontrar-se publicação concretista. Porém, isso não é motivo para seu desconhecimento e, muito menos, para a falta de interesse em estudá-lo. É fundamental, pois, que todos se atualizem e sejam de seu tempo. Não tem sentido e nem o menor valor persistir praticando arte (escrevendo, pintando, compondo, etc.), como se fazia outrora. É permanentemente urgente a indispensável assimilação consciente e consequente de todas as conquistas e contribuições modernas. Porque, o que se vê, é lastimável em sua maior parte.
  • 30. 30 O FATO ARTÍSTICO Há muita gente escrevendo. Uns muito bem. Outros bem. Alguns ainda estão por fora. Gostam de arte, procuram praticá- la. Porém ainda não entenderam a arte, ainda não adquiriram a consciência do fato artístico e nem compreenderam, por isso, que aquilo que já se fez já foi feito, não adianta repetir, não há valor e nem existe necessidade nessa repetição. Daí ser preciso, cada um em cada época, construir seu próprio caminho, pois cada um e cada época são diversos, diferentes de outros. Ninguém é repetição de outrem. Nenhuma época é semelhante à outra. Não é o caso de renovação pura e simples, no entanto. De procurar a novidade pela novidade. Porém, de construir e percorrer caminho próprio dentro de sua época, marcado pela modernidade e balizado pela essencialidade.
  • 31. 31 TEMA E CONTEÚDO EM ARTE Tema e conteúdo são categorias distintas e inconfundíveis, não se limitando e bipolarizando a arte apenas em forma e conteúdo ou forma e tema, porém, nessa triologia, a que se acrescenta o tratamento. Tema de uma obra de arte é, por exemplo, uma árvore. Conteúdo é o que o artista diz ou informa dessa árvore, revelando, nisso, sua percepção do tema. Essa mesma árvore pode ser abordada, pelo mesmo ou por outros artistas, quantas vezes desejarem. O tema será, pois, idêntico. Contudo, seu conteúdo, o que se diz dele, poderá (e deverá) variar ao infinito, sob pena de repetição ou plágio. O tema é, portanto, secundário. O que se informa dele e o modo (forma) de fazê-lo, conjunção que representa o tratamento que o artista lhe dá, é que são importantes e fundamentais, distinguindo o artista das demais pessoas e os artistas entre si, numa hierarquia de valores. Desse modo, ao contrário do que se pensa, conteúdo e forma não são categorias ou entidades antípodas ou, pelo menos, bipolares. Compõem realidade una e indissociável. Surgem e se desenvolvem juntas, inapelavelmente, constituindo o tratamento que o artista dá ao tema, não havendo possibilidade da obra de arte ter simultaneamente bela forma e conteúdo fraco ou vice-versa. Ambos, pois, têm, numa obra, iguais qualidades ou falta delas: são bons, regulares ou ruins.
  • 32. 32 O tratamento que o artista dá ao tema compõe-se, portanto, de duas partes indissociáveis, que, na verdade, são uma só, já que impossível sua existência autônoma, uma não existindo sem a outra, visto que o conteúdo somente se configura por meio de determinada forma e esta, por sua vez, se materializa por intermédio e no momento mesmo do nascimento do conteúdo. (05/09/1982) Existem, assim, três elementos e um modo na obra literária. Tema, conteúdo, forma e tratamento. Tema é o assunto. Conteúdo é o que se diz sobre o tema. Forma, a maneira de dizê-lo. Tratamento é o modo de se lidar com esses elementos, dando-lhes ou não significação estética. No primeiro caso, tem- se a obra literária. No último, apenas contrafação. No mínimo, 90% do que se produz e se pretende como literatura (e arte de modo geral) inclui-se na segunda hipótese. (21/04/1983) Em arte, antes e/ou acima do quê o autor diz, é mais importante como o diz, ou seja, o tratamento estético dado ao tema, porque o conteúdo, qualquer conteúdo, pode ser dito de outra maneira que não a literária. A obra literária é produto estético, como se sabe. Deve-se observar e se preocupar se a obra realizou-se esteticamente por
  • 33. 33 meio do tratamento, que inclui a linguagem. Quando se procura ou se preocupa com a mensagem, os motivos e as causas da obra literária e artística de modo geral, desvia-se da arte e ambienta-se em outros campos (política, sociologia, filosofia, psicologia, economia, etc.), nos quais a obra de arte não passa de dado, fenômeno ou fato encarado ou estudado sob um desses prismas, não sendo então analisada e julgada pelo que exclusivamente é, ou seja, produto estético. (24/10/1982)
  • 34. 34 ENGAJAMENTO DA ARTE: ABRAÇO (MORTAL) DE TAMANDUÁ Predomina em certos meios a ideia de que a arte deve ser engajada, ou seja, deve veicular conteúdo ou mensagem social, humanista e progressista. Alardeia-se que a arte não pode permanecer indiferente ao sofrimento dos explorados, devendo partilhar de suas aspirações e constituir também instrumento de sua luta contra a exploração, a injustiça e a desigualdade. Afirma-se que o contrário, isto é, o alheamento desse sofrimento e dessa luta, consiste em alienação, conformismo, arte pela arte, torre de marfim, etc. Contudo, dessa posição resulta, simplesmente, a subordinação da arte à política, à filosofia e à ideologia, já que se pretende seja ela apenas mero veículo de ideário social, nobre e generoso sem dúvida, porém, estranho ao específico artístico. A arte, como a ciência e como tudo que o indivíduo, em conjunto ou isoladamente, elabora e constrói, é obra humana. Sem o ser humano não haveria arte, eis que o que existe na natureza é o natural destituído de qualquer elaboração ou conotação artística. Todavia, por ser a arte uma das inúmeras manifestações da inteligência e da sensibilidade humanas, não quer dizer que deva, por isso, subordinar-se às suas demais manifestações ou a alguma delas.
  • 35. 35 Cada uma dessas manifestações responde e corresponde a determinada necessidade, sendo a própria manifestação em si, qualquer seja, exigência básica do ser humano. As ciências exatas e outras atendem ou visam atender necessidades materiais, conquanto sua elaboração teórica e muito de sua prática operacional constituam atividades intelectuais. As ciências sociais objetivam estudar aspectos especiais da sociedade humana. A arte destina-se ao prazer estético, que se não confunde, porém, com o mero entretenimento. A obra de arte é, como se sabe, produto estético, oriundo da operosidade do ser humano, como os demais produtos que elabora, porém, destinado a proporcionar prazer estético. A função social da arte, ao contrário do que alguns entendem e proclamam, às vezes até iradamente, é essa, a de produzir prazer estético. Todas as demais funções são (e devem ser) exercidas por outros modos e meios. Em consequência, pretender que a arte seja instrumento de outras solicitações e aspirações humanas significa, no plano geral, subordiná-la a essas manifestações, desvirtuando sua finalidade e destinação, e, no plano pessoal, implica em direcionar e sufocar a liberdade individual, um dos dois maiores direitos e pretensões do ser humano, já que o outro, como se sabe, constitui a igualdade de oportunidades numa sociedade livre da exploração do homem pelo homem e da hipertrofia e distorções da burocracia estatal.
  • 36. 36 É significativo, no caso, que apenas os não artistas e/ou os pretensos artistas advoguem ou pratiquem o engajamento da arte. Nenhum artista autêntico concorda, em sã consciência, com a subordinação da arte a outras manifestações humanas, tanto porque isso representa sua negação, aviltamento ou destruição, como porque, como já dito, a arte, em si e por si, corresponde à específica exigência do ser humano, como criador e/ou espectador, além de que essa subordinação significa, ainda, cerceamento ou eliminação da liberdade criadora do indivíduo. Isto não elide, contudo, a possibilidade ou necessidade do artista, como e enquanto ser humano, engajar-se nas grandes lutas políticas e sociais de seu tempo, seja por intermédio da militância política em seu sentido mais amplo, seja por outros meios e modos. Em suma, da prevalência da mensagem e mesmo do tema ou assunto sobre os meios de produção artística decorre o abastardamento da arte e a contrafação artística. Por isso, aqueles que, com o engajamento compulsório da arte, pensam até em a estar valorizando, apenas lhe estão dando, à semelhança do Tamanduá, abraço só gestual, aparente e enganadoramente generoso e amistoso, porém, efetivamente, mortal. (revista Dimensão nº 16/17, 1988, editorial)
  • 37. 37 ENSINO DA LITERATURA E DAS ARTES EM GERAL: COBRA QUE ENGOLE A PRÓPRIA CAUDA O ensino da literatura, como de qualquer arte, não pode ser feito (porque não é isso) na e sobre a base de teorias. Arte não se ensina, já se sabe. Faz-se. Usufrui-se. A informação daquilo que existe não deve e nem pode ultrapassar a organização de roteiro crítico, seletivo, aberto, amplo e inteligente do que se fez (e se faz) de importante e essencial em cada gênero e do motivo por que isso é essencial e não outra coisa qualquer, ou seja, aquele rebotalho que vai ficando à margem do caminho, mesmo que, episodicamente, venha a ocupar seu centro, por equívoco ou outras nefandas razões. E esse motivo, já ensina Pound, só possui método válido, límpido, simples e infalível: a comparação. Em arte, e muito já se disse sobre isso, o critério do valor é a comparação. Unicamente. O bom e válido não é o que foi elaborado desse ou daquele modo, segundo essa ou aquela norma, regra ou princípio. Muito pelo contrário. O bom é bom porque é bom. Por si e em si mesmo e em comparação com outras realizações do mesmo gênero. Agora, saber distinguir e avaliar é questão de conhecimento e sensibilidade, perspicácia e acuidade. Conhecimento, nesse caso, é a matriz da comparação, já que sem conhecer-se obras do mesmo gênero não há possibilidade metodológica de saber
  • 38. 38 para comparar. E sensibilidade se desenvolve no contato direto com a obra de arte. Em consequência, não há a menor necessidade da teorética atual, que não leva a nada, não significa nada, a não ser justificar a posição daqueles que a elaboram, por um motivo ou outro, ou daqueles que dela se aproveitam, de um modo ou de outro. O importante é a obra de criação e menos importante é o que se diz dela, por mais inteligente e apropriado seja, malgrado a opinião em contrário dos próprios interessados. Basta, pois, o referido roteiro de orientação ou de leitura, desde que, é claro (e tudo deve assim ser feito, até simples muro), efetuado com “engenho e arte”. São, portanto, prejudiciais: conteúdo, critério, método e enfoque predominantes no ensino das artes, a começar principalmente pela literatura (embora seus responsáveis tardiamente ou nunca cheguem a essa conclusão e nem de longe concordem com ela, o que é explicável por diversas e variadas razoes, das psicológicas e sociais às deformações profissionais). Esse ensino substitui o conhecimento e usufruto direto da obra de arte pelo que se diz (e até pelo que não se diz) dela, cingindo- se ao campo abstrato da teorética insípida e estéril, cuja finalidade é ela própria, o que, no caso, é aberrante. Não leva e não pode levar a nada. A não ser a justificativa de sua própria existência, o que, convenha-se, é muito pouco. Na realidade, é apenas (apenas?) prejudicial, nocivo. E isso já é muito. É excessivo. Se assim é – e infelizmente é – por que existe, vive e
  • 39. 39 prolifera? Ora, se o ser humano, no lado oposto da genialidade, criatividade e bondade, é capaz das ações mais negativas e destrutivas (uma das quais, definitiva, a de colocar em perigo sua própria existência coletiva no planeta), não é menos capaz de, no campo específico da arte (e em tantos outros), criar tremendas distorções que, sob o pretexto de servi-la, estudá-la, elucidá-la e compreendê-la, a substitua e a reduza a mero objeto, simples justificativa para outros fins, antípodas da arte. Em suma, as consequências e o proveito da teorização artística e de seu ensino constituem sua própria existência e proliferação. Seu objetivo ou finalidade é existir. Sua existência é, pois, sua própria finalidade. Que é o mesmo que uma cobra engolir a própria cauda. Nada mais desnecessário, portanto. E nocivo. (revista Dimensão nº 15, 1987, editorial)
  • 40. 40 DA PREJUDICIALIDADE DOS ESTUDOS TEÓRICOS SOBRE ARTE Para o Artista O que faz a arte avançar é a própria arte, a reflexão, a observação, o estudo, a pesquisa, a sensibilidade e a criatividade do artista. A arte surge, existe, avança, se aperfeiçoa no próprio ato de se fazê-la e concebê-la pelo artista. Todo tempo físico gasto, todo espaço emocional ocupado e sobrecarregado com reflexões teóricas sobre a arte – mas, alheias, paralelas ou à margem da estrita reflexão do artista sobre a criação, o ato e modo de fazê-la surgir – significam perda de tempo e desgaste inútil, que redundam em prejuízo para elaboração da obra. Para o Teórico Para o indivíduo teórico e não artista, não passam, os estudos teóricos sobre a arte, de elucubrações de simples compensação de fundo psicológico, algumas vezes derivadas de inaptidão criativa, de incapacidade de ser artista, não tendo, por isso, qualquer utilidade. Pelo contrário. Para Leigos e Leitores Apenas ocupam o tempo que poderia (e deveria) ser dedicado a fruir e usufruir da obra de criação artística. (14/10/1982)
  • 41. 41 A literatura só pode ser conhecida nos e a partir dos textos em si e entre si, neste caso por meio do método comparativo. Todo conhecimento feito por intermédio da teoria, mesmo que chegue, como conhecimento, ao mesmo resultado que o contato direto com o texto, peca por dois defeitos capitais: a) será sempre de segunda mão e haurido de outros, de críticos e teóricos; b) será memorização e não fruto de esforço, criação e elaboração próprios. Assim, o estudo da literatura e das artes em geral deve partir da obra de criação. Por meio e a partir dela o coordenador (professor) deve levar os alunos a descobrir, comparar, formular, criar pensamentos e conhecimentos próprios a respeito da obra. É método muito mais difícil e exige turmas pequenas e motivadas. Porém, bem aplicado e orientado, criará, no mínimo, verdadeiros conhecedores de literatura e pensadores e, no máximo, que constitui o ideal, criadores. De outro modo, não produzirá senão memorizadores, repetidores ou simples teóricos. Com as exceções (raras) de praxe. (27/08/1983)
  • 42. 42 ARTE E DIVERSÃO Nada mais diverso uma da outra do que arte e diversão. A primeira implica no prazer estético que advém da inteligência e da sensibilidade. O divertimento é determinado pela descontração, alegria e despreocupação, funcionando como verdadeiro desaguadoro de tensões, angústias e perplexidades. A inteligência desenvolve-se e a sensibilidade aprimora-se. Ambos exigem esforço, burilamento. Os divertimentos, que se cingem à assistência de disputas esportivas, funções circenses, viagens, turismo, passeios, festas, bate-papos, etc., não requerem esforço, decorrendo naturalmente do exercício de viver. Por esses e outros motivos, a arte ainda possui relativamente poucos adeptos, já que não prescinde de aperfeiçoamento e empenho, sendo, por isso mesmo, intenso, sofisticado e duradouro o prazer estético que proporciona. * As obras (filmes, romances, contos e novelas, sejam as literárias sejam as radiofônicas ou televisivas) que apelam para a exploração das emoções e dos sentimentos não atingem nível artístico, visto que tais atributos humanos não dependem da inteligência nem da sensibilidade. Como estado natural do ser humano, são espontâneos, e conquanto possam (e devam) ser trabalhados e apurados, sua natureza e função não implicam
  • 43. 43 nem levam ao conhecimento, não obstante influenciem sua aquisição e desenvolvimento e, principalmente, aplicação prática. Reagem a atos e acontecimentos determinados. Não incitam a iniciativa e a criação. São agentes, mas, passivos, que funcionam mediante provocação externa, como a ofensa que se faz ao indivíduo, a morte do amigo, parente ou figura popular e pública, a vitória ou derrota esportiva do time pelo qual se torce. Daí, apelar as obras destinadas ao sucesso de público à emoção e ao sentimento e as de valor artístico à inteligência e à sensibilidade. A manipulação, pois, de sentimentos e emoções e as reações daí decorrentes não constituem arte e nem representam ou traduzem forma de cultura e saber. Em suma, em literatura e cinema, toda obra que se direciona a explorar a emoção e o sentimento do leitor e do espectador não possui qualidades artísticas. Contudo, para se fazer arte não basta pautar a obra pela inteligência e sensibilidade. São necessários, ainda, interesse, dedicação e informação estética para desenvolvê-las e saber fazê-las atuar para se poder dar ao material trabalhado (palavra, imagem, estória, barro, cores e formas) o tratamento adequado. A arte é ativa. A diversão é passiva. Nem se lembre que a prática de esporte também é ativa. Todavia, ela não é diversão, sendo, como o nome indica, prática que, mesmo recreativa, extrapola esses limites e implicações.
  • 44. 44 A PADRONIZAÇÃO DO GOSTO E DO FAZER ARTÍSTICO Nos dias que correm – e de há muito – não é (mais) possível nem ao menos pretender-se estabelecer ou restabelecer um cânone, no sentido de regra, padrão ou diretiva geral pelas quais se pautaria a criação artística de modo geral e a poética em particular. Se isso foi, no passado, factível e praticável nos lindes do classicismo e mesmo de outras tendências artísticas, tal fato deveu-se a conjunto especial de circunstâncias, ligadas ou conectadas a particulares fases do desenvolvimento da civilização humana. O que hoje predomina é a necessidade de embasar-se a criação até em coordenadas que refogem ao campo específico da arte, inserindo-a no amplo contexto das realizações humanas em geral. Assim, não é produtivo nem qualitativo empreender-se qualquer tarefa ou cometimento em nenhum dos campos em que se multiplica a atividade humana sem alicerçá-lo em conhecimento, competência, rigor, esforço, elaboração, invenção e flexibilidade mental, além de independência e autonomia intelectual, liberdade criadora e plena consciência do que se pretende fazer e de como fazê-lo. Do mesmo modo – não mais nem menos – na poesia, por exemplo, além desses elementos, adicionam-se (ou devem adicionar-se) requisitos específicos, a exemplo, entre outros, de
  • 45. 45 elaboração da linguagem, contenção verbal e/ou pesquisa, experimentação e criação de novas linguagens. O poema, é apenas verbo – a arte da palavra por excelência – não se confundindo, não se compadecendo, não se subordinando, não se desviando e muito menos se transformando em visualização e grafismo. Como se diz: uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa. A conjugação dos fatores gerais e especiais mostra-se essencial à feitura de poética marcada por dicção particular que se paute ou se caracterize por contribuição própria, configurando obra pessoal, que concorra para enriquecer o já milenar e considerável patrimônio artístico humano. A submissão a cânone pré-estabelecido configura capitis diminutio intelectual, capitulação a ditames alheios e renúncia à consecução de obra própria, representando mera repetição subordinativa a fórmulas engessadas do fazer artístico. Cada época e cada autor devem ser – e na realidade o são – livres para criar, pesquisar, experimentar, arriscar-se e proceder à construção de obra pessoal sem quaisquer restrições, normas ou limitações. A natureza humana repele armadura física e/ou mental que lhe aponte caminhos previamente traçados e estabelecidos. À semelhança de toda e qualquer época, cada artista no passado teve oportunidade – e muitos a aproveitaram – de direcionar a feitura de sua obra. Todavia, não se pode nem se deve admitir que o que fizeram imobilize para sempre a elaboração artística.
  • 46. 46 Em consequência, o artista é (e deve ser sempre) livre para estabelecer sua próprias coordenadas e particular dicção, para fazer as experiências que desejar e, principalmente, para não ter receio de expor-se na tentativa de trazer seu contributo à construção do patrimônio cultural universal. Toda tentativa de se impor cânone ou maneira única do fazer artístico deve ser repelida, mesmo porque significa padronização cerceadora da criatividade e da liberdade individual, tornando-se, por isso, inaceitável. A pluralidade assim obtida, calcada nos pressupostos apontados, constitui a antítese da armadura que o cânone estabelece ou da pasteurização, que em outro sentido, perspectiva e finalidade, a indústria do entretenimento persegue como maneira de lhe permitir, ao uniformizar (e acarneirar) o gosto e as tendências, produzir em série milhares de produtos iguais em economia de escala propiciatória de lucros fantásticos. Não interessa, pois, a essa indústria e à mídia que a integra e por ela é instrumentalizada, a pluralidade e diversidade criadoras fundamentadas, antes de tudo, na liberdade do ser humano, que por sinal, não é um só, mas, milhões, que exigem, antes de tudo, igualdade absoluta de oportunidades para que floresça sua explosão criativa.
  • 47. 47 A UNIVERSALIDADE DA ARTE A arte é universal. Está além e acima de vários outros valores ou deveria estar, alguns apenas provisórios, como pátria, língua, raça e quejandos. O fato da maioria inverter essa hierarquia não lhe muda a ordem. Almeja-se que todos os países e todas as regiões dentro desses países sejam matrizes de pensamento e de criação artística e científica e, não como em geral e comumente, meros receptáculos ou filiais do pensamento e da criatividade alheia. Justamente, pois, por se valorizar a arte (e automaticamente o ser humano que é quem a produz), é que se quer que todos a criem e que essa criação seja autêntica e circule livremente por todos os lugares onde existam seres humanos.
  • 48. 48 ARTE E CIÊNCIA O público tem noção depreciativa de “poeta”, de “artista”. Muito mais depreciativa é a opinião dos poetas e artistas em relação ao público. Mas, contraditoriamente, não deixa de ter certa razão o povo na sua apreciação dessas pessoas. É que o artista, por e para sê-lo, é fortemente absorvido por seu trabalho. Impossível, quando se é artista ou cientista, não sê-lo. É que nessas duas ocupações reside o vértice da inteligência, da sensibilidade e da cultura humana. Seus parâmetros e, principalmente, seus objetivos são infinitos e extrapolam tudo que a média humana possa pretender, fazer e imaginar. Se existir e viver é fundamental, sua importância e transcendência só se efetivam por meio dessas preocupações, ocupações e atividades: arte e ciência. Muito ao contrário, pois, do que o homem comum julga, o artista, o cientista e o poeta, desde que autênticos e não simples nefelibatas (que muitos existem), é que estão com os pés na terra e não apenas passam por ela sem deixar rastros, sinais e obras. O problema do escritor é criar em palavras as impressões que absorve da realidade, das circunstâncias e dos fatos. Tanto melhor será quanto maior agudeza de sensibilidade exercitar ao defrontar, confrontar e afrontar a realidade, além de pleno domínio da linguagem. Do ponto de vista da linguagem esse exercício desdobra-se circularmente como o voo do gavião e, sob o aspecto da estrutura, é organizado em espirais a maneira do coleio da serpente.
  • 49. 49 CONCEITUAÇÃO DE LITERATURA I A literatura tem sido a arte menos compreendida ou menos conhecida no que ela seja realmente. O desconhecimento do conceito de literatura tem ocasionado erros de palmatória, nos quais muitos incidem, em virtude da pouca cultura ou, pelo menos, do pouco interesse que ela lhes desperta, a ponto de denominarem a outros campos de cultura como sendo literatura. Estendem indiscriminada e erroneamente o conceito literário até onde ele não alcança absolutamente. A literatura é, antes de tudo, a arte da palavra, o cultivo da palavra na procura do belo, proporcionando assim o prazer estético, finalidade suprema e única da literatura. Tudo o mais, tudo o que foge a esta definição, não constitui literatura, é outra coisa. Não se poderia dizer o que seja realmente literatura com tanta precisão e acerto a não ser nesta simples e complexa definição: a literatura é a arte da palavra. Só o cultivo estético da palavra pode ser literatura. Vários são os campos culturais erroneamente ainda designados ou incorporados à literatura. De quatro dos quais nos ocuparemos. A incorporação da história à literatura talvez seja o mais absurdo. Não há erro mais crasso e grosseiro. A história é ciência com finalidades próprias e métodos particulares e exclusivos de investigação, análise e exposição. A história, que é a “reconstituição científica do passado cultural
  • 50. 50 da humanidade”, ainda é julgada literatura! Temos intelectuais que se dedicaram exclusivamente a pesquisas históricas e seus nomes andam pelas antologias, considerados como literatos ou escritores, e não cientistas ou historiadores, como deveriam. Felizmente, não são muitos os que ainda laboram nesse erro ou que ainda julgam que a história seja “a biografia da humanidade” ou “a geografia no tempo” e quejandos, satisfazendo-se com essas definições simbólicas e imprecisas, já completamente superadas para designar uma ciência! O jornalismo é, mais frequentemente do que a história, julgado atividade literária ou modalidade e subdivisão da literatura. A função do jornalista é informar, noticiar os fatos ou, quando muito, interpretá-los. O jornalismo nada mais é do que informação ao leitor dos acontecimentos marcantes no mundo, no país ou em determinada região. Existem, entretanto, gêneros literários exercidos por meio das colunas dos jornais dos quais salienta-se a crônica, não constituindo propriamente jornalismo, mas literatura. As confusões a este respeito são inúmeras, embora tendo única origem: a designação de crônica ao que seja simplesmente artigo e vice-versa. Não existe, por outro lado, a denominada “literatura científica”. Nem se sabe o que isso possa significar. Literatura científica: o paradoxo dos paradoxos, o absurdo dos absurdos! A literatura é arte e arte não é ciência. E como então esse monstrengo sem pé nem cabeça, essa denominação paradoxal? Não se sabe. Só é apropriada a expressão ficção científica, constituída de romances ou contos de teor científico, raramente
  • 51. 51 podendo ser incorporados à literatura. Compõem linha temática como o cangaceirismo ou o indianismo no romance, porém, temática revestida de absurdos, de seres fantásticos, de viagens a planetas exóticos e baseada na mesma linha das revistas em quadrinhos, em temas tratados e destinados, em sua maioria, apenas à diversão e passatempo, explorando o baixo gosto de público inculto e iletrado. Outro engano e grande erro é a denominação de literatura a prospectos de propaganda de produtos farmacêuticos. Pelo exposto, pela definição de literatura que transcrevemos, não mais é mister demorar em outras considerações. É patente e insofismável que simples propaganda de remédios não pode ser denominada literatura, em hipótese alguma. Não se encontra a palavra cultivada artisticamente nos prospectos de propaganda, nos telegramas das agências telegráficas, nos artigos de análise da situação econômica e política ou nos delineamentos gerais da história de uma civilização. Não é possível, pelo contrário, é completamente impossível encontrar finalidade estética em notícias, em prospectos de propaganda, etc.. Não é possível, porque, mesmo se bem escritos não constituirão literatura, nunca serão arte, pois a literatura é arte, como a música, a escultura, a pintura e a arquitetura. II Já vai longe o tempo em que Sílvio Romero, ardoroso polemista e profundo estudioso de nossa cultura, brilhava como estrela mentora no nosso fraco firmamento literário. Dorme no
  • 52. 52 colchão do tempo o eco de suas polêmicas. Polêmicas ditadas menos pelo temperamento combativo do que pela intolerância intelectual. Sílvio foi intolerante, revestindo suas ideias e conceitos por dogmatismos culturais inaceitáveis, mesmo para aquela época. Calcando esses dogmatismos em posições dúbias, às vezes inverossímeis e estapafúrdias, como foi, por exemplo, o seu critério de nacionalismo, condição precípua para o valor das obras literárias. Para ele as obras que não portassem forte conteúdo de brasilidade, que não traduzissem o espírito nacional não eram consideradas de valor, mesmo se o tivessem em alto grau. Esse critério particularista e incompreensível, além de completamente falso e errado, levou-o a desconsiderar a obra de Machado de Assis, monumento da literatura universal, em favor dos livros de José de Alencar, que julgou um dos mais distintos escritores não só da língua portuguesa como da literatura universal. Sabe-se hoje quão grande é a diferença entre o criador de Capitu e o cantor lírico da virgem dos lábios de mel, embora este ocupe posição invejável nas letras brasileiras. Ao nacionalismo como valor acrescentou-se, também, o bairrismo como termômetro de julgamento. Se aquele é absurdo, este então chega ao máximo dos absurdos, considerando-se o homem de cultura que era Sílvio Romero. Impulsionado por bairrismo exagerado, Romero dedicou mais de cem páginas da História da Literatura Brasileira a considerações em torno de Tobias Barreto, enquanto que em exíguo espaço tratou da obra poética de Castro Alves, para
  • 53. 53 muitos o maior poeta brasileiro de todos os tempos. Aí o erro de Sílvio não foi em elevar Tobias, superior a todas as carradas de elogios que seu coestaduano lhe descarregou, na expressão de outro sergipano, o escritor Gilberto Amado, mas em depreciar Castro Alves, em negar-lhe o legítimo lugar que ocupa no cenário de nossas letras. O nacionalismo constituiu a preocupação cultural de Romero, ao passo que o bairrismo é consequência direta do seu temperamento. Estas duas constantes de sua obra só por si desabonavam o levantamento cultural da História da Literatura Brasileira e, se por acaso não bastassem, acresce a circunstância de que Romero parte de posição falsa na conceituação de literatura: “Cumpre declarar, por último, que a divisão proposta não se guia exclusivamente pelos fatos literários; porque para mim a expressão literatura tem a amplitude que lhe dão os críticos e historiadores alemães. Compreende todas as manifestações da inteligência de um povo: política, economia, arte, criações populares, ciências e não, como era de costume supor-se no Brasil, somente as intituladas belas artes, que afinal cifravam-se quase exclusivamente na poesia”. Para Romero literatura é política, economia, criações populares, ciências e tudo isso, por incrível que pareça, é também arte! Se a literatura é arte, ele mesmo o afirma, como também ciência, política, economia? Em artigo anterior já expressamos a conceituação moderna, verdadeira e única de literatura. Moderna, porque só de uns decênios a esta parte é
  • 54. 54 que os teóricos da crítica chegaram conscientemente à definição implícita em literatura desde que ela existe: literatura é a arte da palavra. Verdadeira, porque tudo o que foge a esta definição, tudo o que é escrito não tendo por finalidade o cultivo artístico da palavra não é literatura, é jornalismo, história, explanações científicas, é filosofia, tudo, menos literatura. Única em virtude de literatura só ser isto: arte da palavra. Sílvio Romero considerou literatura justamente o que não é literatura, por isso sua História da Literatura Brasileira está repleta de estudos bibliográficos de políticos, de economistas, de cientistas, de historiadores e de literatos. O que Romero realizou foi o levantamento cultural do Brasil. Se possuísse maior percepção do fenômeno literário teria denominado sua obra de “História da Cultura Brasileira”. Não obstante esses motivos – nacionalismo como critério de valor, bairrismo como parâmetro de julgamento e o falso conceito de literatura – não se pode negar ao trabalho de Sílvio Romero os méritos que possui, porém, em virtude deles, somos obrigados a considerar a obra do crítico sergipano só sob o ponto de vista de abertura e demarcação de caminhos naquela mata de que nos fala Amoroso Lima. (Jornal de Uberaba: I - “Conceituação de Literatura”, em 03/02/1957; II - “Erros de Sílvio Romero”, em 17/02/1957, este, sob o título “Considerações Sobre Sílvio Romero” publicou-se em A Flama, órgão dos alunos
  • 55. 55 do colégio Pedro II - Internato, nº 06, junho 1957, e ainda, ambos, intitulados “Sílvio Romero e a Conceituação da Literatura”, in Suplemento Literário do Diário de Notícias, Rio de Janeiro, 13 setembro 1957).
  • 56. 56 MUDANÇA DE MENTALIDADE De uns tempos pra cá registrou-se significativa mudança no conceito de literatura, consequência da evolução que se operou na mentalidade dos escritores brasileiros. A razão desse fato residiu em causas que extravasaram o âmbito literário e mergulharam suas raízes em fenômenos mais amplos e complexos. Nas transformações econômicas e sociais do século poderemos encontrar, além de outras, a explicação para o acontecimento. Na primeira metade do século XX observa-se que o conceito de literatura de simples “sorriso da sociedade” – na definição superada e inconsequente de Afrânio Peixoto – libertou-se da esdrúxula dependência e alcançou foros de, por si só, ser elevado a plano superior. Não resta dúvida, no entanto, que os resquícios da mentalidade fin-de-siècle e da belle-époque ainda são encontrados, apesar dos notáveis progressos por que tem atravessado o país. Naquela época, de doce e despreocupada vivência, nota-se, como característica principal – tanto nas obras publicadas, como na maneira de se encarar a literatura – a completa desvinculação do escritor com os problemas do país. A total subordinação a modelos importados foi a responsável direta por esse alheiamento. A simples eleição de tema brasileiro em seus poemas ou romances não indicou maior familiaridade com o meio. Como copiadores servis, nossos intelectuais não
  • 57. 57 ultrapassaram o estágio de meros discípulos de mestres estrangeiros. Após a 1ª Guerra Mundial o ambiente foi diverso. Com a eclosão do modernismo em 1922 deu-se, paralela às inovações essencialmente literárias, a integração do escritor dentro das tradições e dos problemas populares e, também, maior seriedade e profundidade nos temas tratados. Já na década de 1930 os romancistas – principalmente do Nordeste – timbraram em retratar nas suas obras a miséria e o sofrimento de camadas da população brasileira, em franca contraposição à temática predominante no século anterior, cujo back-ground era, quase por completo e com poucas e notáveis exceções, a vida dos setores privilegiados do país, descritos num tom e numa maneira que, hoje em dia, cinge-se somente às novelas de rádio ou às crônicas sociais. A poesia, a princípio tímida e superficial, ganhou, com alguns poetas dessa década, maior complexidade e sentido mais profundo. Os escritores sentiram de modo cada vez mais intenso a necessidade premente de estudar não só literatura, mas, procurar compreender, através de outros setores da cultura, as causas das transformações econômicas e suas consequências no corpo social. Dessa compreensão, passaram de meros espectadores e copistas a participar, em profundidade, dos problemas da época. Daí resultou neles outra concepção de arte, um modo novo de encarar a literatura e de colocá-la não só como intérprete ou painel dos acontecimentos, mas, inclusive, como reivindicadora de novos status. Compreenderam que
  • 58. 58 literatura não é e não pode ser sorriso da sociedade e, sim, função séria e possuidora de lugar importante no conjunto das atividades humanas. Além desse fatores resultantes do progresso econômico e do aumento demográfico, a multiplicação das faculdades – dentre as quais coube maior papel às faculdades de filosofia, ciências e letras, como já ressaltou Alceu Amoroso Lima – contribuiu não só para o crescimento do número de leitores como para elevação do nível cultural do povo. Atualmente, vários dos melhores escritores podem viver e dedicar-se inteiramente ao mister de escrever, fato dos mais promissores para a publicação de obras de real valor. Mas, isso não impediu nem impede que, ao arrepio da verdadeira literatura, ainda surjam todos os dias obras de incrível mediocridade. Seus autores julgam que para ser escritor ou poeta basta apenas escrever ou publicar romances e livros de poemas. Para erigi-los em escritores não faltam escribas que por vários motivos (sendo o principal deles a absoluta ausência de cultura e conhecimento especializado), tecem loas, em publicações diversas, a esses falsos valores. (Lavoura e Comércio, 22 junho 1961)
  • 59. 59
  • 60. 60
  • 62. 62 GENERALIDADES ESPAÇO PARA A POESIA I – A POSTURA DO POETA É facilmente constatável que a poesia (e quando se diz poesia, diz-se, também, a criação artística de modo geral), não possui espaço suficiente e necessário para se expressar. Além das dificuldades e óbices decorrentes de sociedade estruturada sobre valores de uso, utilidade e lucro, os próprios poetas e pessoas diretamente interessadas em poesia, com as exceções de praxe, não procuram promover condições para maior e melhor difusão e presença da criação poética. Limitam-se a escrever, quando o fazem. Se a função primordial do escritor é escrever, isso, todavia, não o exime de também revelar e difundir sua obra e a de outros escritores numa sociedade absorvida por milhares de solicitações e refratária, em princípio, a usufruir e valorizar a poesia. Cumpre assim, ao próprio poeta, em primeiro lugar, ter consciência da importância e da necessidade da poesia não apenas para si, mas, para todos. Se ele mesmo não a assume perante a sociedade e se retrai e se isola, não procurando abrir espaços para sua difusão, não serão os outros, com as exceções sempre existentes, que o irão fazer. É necessário, pois, que o poeta lute por sua arte e pela arte. Primeiro, fazendo-a, construindo-a. Depois, como postura e norma de ação, sem prejuízo para sua obra e dentro de suas
  • 63. 63 possibilidades (que são muitas e sempre poderão ser ampliadas), assumindo-a perante todos e procurando criar condições no emaranhado aparentemente caótico de solicitações do mundo moderno para que a poesia ocupe espaços e alcance a todos. Cada vez mais. (revista Dimensão nº 02, 1981, editorial) II – A ATUAÇÃO DO POETA Aceito que ao poeta incumbe também promover sua poesia e a poesia, cumpre, em consequência, buscar e encontrar os caminhos e meios de atuação eficaz, não prejudicial ao ato criador, realidade primeira e básica do artista. A simultaneidade, nesse campo, da máxima eficácia e da não prejudicialidade não é problema que se põe e principalmente se resolve por meio de fórmula genérica, aplicável erga omnes. A questão, aí, se circunscreve e se equaciona no âmbito das tendências, potencialidades e aptidões individuais. Contudo, simplesmente na perspectiva da eficiência da atuação do poeta para conquistar espaços para a poesia, diversos caminhos se abrem e se clarificam a partir tão-somente da premissa básica da proposição inicial: divulgar a poesia, dilatando seu campo de abrangência na sociedade. A escolha das inúmeras maneiras, meios e modos de atuação do poeta na divulgação da poesia deve orientar-se pelos critérios da objetividade (significando economia de meios) e da eficácia (obtenção do máximo resultado), ou seja, cada mínimo
  • 64. 64 esforço produzindo o máximo resultado, regra essencial, de resto, em qualquer empreendimento humano. Detectados e encontrados os meios de atuação, grupal ou individual, mais eficientes e menos desgastantes e dispendiosos, devem, em decorrência, ser trabalhados e desenvolvidos, estudando-se e analisando-se seus resultados e os divulgando, para que essa experiência prática seja aproveitada e também utilizada por outros poetas ou grupos de poetas. Se não existe, aprioristicamente, fórmula adequada para essa atividade em todos os lugares e circunstâncias, é evidente que sua busca, o debate em torno do tema, a preocupação com o assunto e a troca de ideias e opiniões constituem o primeiro passo para fixação dos modos mais eficientes para se divulgar a poesia. Sobretudo, para se evitar a utilização de métodos episódicos, equivocados e negativos (ou, na melhor das hipóteses, inócuos), como aqueles ultimamente praticados por certos grupos em algumas grandes cidades, que, quando não afastam e espantam o público (por força também de atitudes exibicionistas), no mínimo não o conquistam. De qualquer modo, o trabalho do poeta para abrir e conquistar espaços para a poesia somente será eficaz se, mediante utilização de metodologia apropriada, for planejado, permanente e sistematicamente no sentido de proporcionar ao maior número possível de pessoas a descoberta e o gosto pela poesia por meio do conhecimento da própria (e melhor) poesia. Desiderato que pode ser obtido, notadamente, por sua participação na divulgação da poesia por intermédio de livros,
  • 65. 65 periódicos, meios gerais de comunicação e escolas de todos os níveis, estas últimas locais por excelência de leitores efetivos e potenciais e onde a poesia ainda, salvo raras exceções, não tem merecido tratamento adequado. Se isso constitui o óbvio, tem faltado, todavia, nesses setores, a atuação permanente e insubstituível do poeta, já que ninguém mais qualificado e em melhores condições de divulgar apropriadamente a poesia, por força do domínio dos meios expressionais específicos, da compreensão do fazer poético e da consciência de sua importância e necessidade. (revista Dimensão nº 03, 1981, editorial) III – A PREVALÊNCIA DA OBRA DE CRIAÇÃO ARTÍSTICA A procura de espaços para a poesia e para as artes de modo geral pressupõe que prevaleça, em quaisquer circunstâncias, a obra de criação artística sobre sua teoria e crítica. Embora, em tese e em sã consciência, ninguém defenda o contrário, na prática, todavia, isso vem acontecendo, seja na preocupação das pessoas, seja no ensino de letras e artes, seja nos periódicos e publicações culturais. Considera-se, enganadamente, que para se entender e usufruir uma obra de arte é necessário estudar e conhecer proposições teóricas que a explicariam ou situariam, esquecendo-se que a finalidade e o objetivo da obra de arte é o prazer estético.
  • 66. 66 A criação artística reflete, é certo, particular visão do mundo. Mas, isso não implica que se deva necessariamente teorizar sobre ela, dissecando sua estrutura, componentes e motivações. Ela é e está. Deve ser conhecida e usufruída. É o quando basta. É tudo. E é muito. Deve ser livre, aberta e ilimitada em sua realização e fruição. Não se deve e nem é lícito cerceá-la, dirigi-la, deturpá-la e secundarizá-la com pretextos alheios à sua essência, objetivo e finalidade. É evidente que quanto maior cultura, sensibilidade, perspicácia e menor dose de ingenuidade se possuir, melhor se usufruirá da obra de arte e maior será o nível de exigência. Contudo, essa cultura e esses atributos não passam pelo conhecimento, estudo e preocupação com teorizações estéticas e artísticas. Se assim fosse, somente os iniciados nessa parafernália teórica teriam acesso às obras de arte, o que não acontece, nem pode. Malgrado isso, exarcebaram-se, em nosso tempo, a preocupação e ocupação com a teoria e a crítica em detrimento do contato direto e permanente com a obra de arte e sua fruição, sendo usual e comum, hoje, ler-se mais, e às vezes unicamente, sobre a obra de arte do que se ler, conhecer, observar e usufruir a própria, o que representa grave distorção. No ensino de letras e artes, com as exceções de praxe, devidas quase sempre ao ainda raríssimo exercício da docência pelos próprios artistas, a obra de arte constitui mero pretexto ou simples objeto, sobre o qual erigem-se complexas e quase sempre inúteis construções teóricas, que nada têm a ver com a
  • 67. 67 arte em si (constituída apenas - apenas? - da obra de criação stricto sensu), que se bastam a si mesmas e se alimentam de suas próprias elocubrações bizantinas, tornadas fins em si mesmas, nociva e desnecessariamente. Substitui-se, pois, o contato e conhecimento diretos da obra de arte e principalmente sua lúdica fruição pelo saber teórico, nesse caso quase sempre estéril e esterilizante, interessando mais e sendo mais importante o que se diz sobre a obra de arte e sobre a arte do que a própria obra, o que constitui grande aberração. Os periódicos culturais (em raros casos dirigidos por artistas), sejam independentes ou editados por universidades, instituições e por raríssimos jornais e editoras, com poucas exceções não fogem à regra, substituindo inteiramente (ou quase) a obra de criação por noticiários, artigos teóricos, recensões, análises críticas e artigos em geral, no mais das vezes anódinos uns, maçantes e inúteis outros, laudatórios e inconsequentes os demais. Os periódicos de letras, por exemplo, em sua esmagadora maioria, sistematicamente não veiculam obra de criação (poesia, conto, crônica, capítulo de romance, ato ou cena de peça teatral), em total descaso pela divulgação da obra de arte, que, desse modo, perde ou deixa de ganhar preciosos e necessários espaços. Urge, pois, que se modifique essa situação, para prevalecer, em todos os níveis e oportunidades e sobre o acessório e, na maior parte das vezes, o dispensável, a obra de
  • 68. 68 criação artística, que não está tendo vez nem mesmo onde deveria, natural e logicamente, ocupar todos ou pelo menos a maior parte dos espaços. (revista Dimensão nº 04, 1982, editorial) IV – POSSIBILIDADES E LIMITAÇÕES DOS MEIOS DE COMUNICAÇÃO Não apenas poetas, escritores, artistas, editoras, poderes públicos, periódicos e instituições culturais, de ensino e entidades congêneres podem e devem, por decorrência lógica e natural, promover e abrir espaços à poesia e às artes em geral. Os meios de comunicação (imprensa, rádio e televisão), constituem instrumentos eficazes e praticamente os únicos da sociedade moderna aptos a transmitir quaisquer conteúdos a todos os seres humanos em escala, intensidade e abrangência inusitadas e nunca vistas em qualquer outra época da história humana. Em consequência, pois, de suas possibilidades e função específica, esses meios de comunicação devem – a par divertir, entreter e informar – propugnar e contribuir para a elevação cultural da sociedade. Essa obrigação, que emana e decorre de sua própria natureza, particularidades e eficácia, não pode ser descartada ou escamoteada pelo simples (e ao mesmo tempo complexo e aqui não minimizado) pretexto do lucro e da audiência. Há que se preocupar também com a formação cultural da sociedade, investir nisso, desenvolver técnica apropriada.
  • 69. 69 O fato de, em alguns setores, constituir competência exclusiva do Estado explorar esses meios de comunicação diretamente ou mediante concessão em caráter precário a particulares, já demonstra sua importância, influência (aliás sabidas de todos), e verdadeira natureza. Cumpre, pois, seja exigido e regulamentado pelo órgão competente seu uso, que deve ser sempre o Legislativo, no sentido de reservar, também para a divulgação cultural e artística, os espaços necessários e não, apenas, deixar sejam tais meios utilizados como o são normalmente: meros instrumentos para obtenção de lucros, além de outras finalidades até mesmo mais complexas, que não vêm a pelo no momento. O ideal, evidentemente, seria que os próprios meios de comunicação espontaneamente abrissem às artes e à cultura os espaços suficientes. Porém, não o fazem. E quando o fazem, não passam de iniciativa isoladas e/ou efêmeras, mesmo (e talvez justamente por isso), se importantes e fundamentais e, em decorrência, de grande repercussão. Os exemplos são conhecidos. Todavia, na maior parte das vezes, essas iniciativas, embora elogiáveis como tais, constituem, na imprensa por exemplo, meras páginas e, quando muito, cadernos ou suplementos, porém, ocupados em sua totalidade ou maior parte por noticiários, recensões e indefectíveis artigos teóricos ou simplesmente elogiativos, superficiais e, por isso e outros motivos, inúteis, quando não, e comumente, nocivos. Não bastam, pois, necessidade e obrigação de divulgar arte e cultura, devendo, também, os meios de comunicação adquirir
  • 70. 70 técnica específica e ter, ainda, orientação adequada para, por exemplo, entre outras condições, abrir espaços principalmente para as obras de criação artística. Contudo, a ocorrência, constatável à primeira vista, é que, na esteira dos valores humanos prevalecentes na moderna sociedade de consumo baseada no lucro, a imprensa e os demais meios de comunicação, esses ainda mais que aquela, abdicaram, perderam e/ou nunca exerceram uma de suas funções e possibilidades, justamente a de captar, difundir e, pela só circunstância de fazê-lo adequadamente, multiplicar as mais legítimas tendências artísticas e culturais existentes na sociedade onde atuam ou oriundas do patrimônio cultural comum da humanidade. Abdicando de uma de suas mais importantes faculdades, esses meios de comunicação conformam-se ou cingem-se tão-somente a instrumentos de lazer, entretenimento e informação meramente fatual, que, se pudessem ser gratuitos e inconsequentes, não teriam a nocividade que têm, já que toda pretensa ou considerada gratuidade encerra clara opção, no mínimo, anestesiadora. Quando muito, e assim mesmo apenas pequena parte da imprensa, ainda procura, em vários outros setores, que menos a arte e a cultura, ser participante, exigente, crítica e até mesmo, em raros casos, renovadora. Porém, não chegou ainda essa imprensa à arte e à cultura, em seu sentido estrito. Queda-se nos seus limites periféricos, que, por opção institucional, irresponsabilidade e/ou incompetência, não ultrapassa.
  • 71. 71 Além disso, com notáveis exceções, os meios de comunicação, por deformação de origem, opção institucional e/ou inconsciência funcional e profissional, no amplo espectro informativo por exemplo, ao decair de parte de suas funções e possibilidades, fetichizam o fato, não o realçando pelo valor que realmente tenha, mas pelo que possa render por meio de sua exploração deformadora, superficial e/ou sensacionalista de simples notícia, transformando-o, nesse processo liquidificador, em produto ou mercadoria de venda como outro qualquer, de fácil, digestivo e imediato consumo. É necessário, diante da insuficiência e nocividade desse quadro, que os próprios artistas, os órgãos culturais e pessoas ligadas, por gosto e/ou função, às artes conscientizem-se, em primeiro lugar, do dever dos meios de comunicação para com a arte e a cultura para, num segundo e consequente momento exigir deles atuação também cultural e de maior responsabilidade no sentido de sempre e cada vez mais abrir espaços à poesia e às artes em geral, justificadoras por si sós da própria existência humana. (revista Dimensão nº 05, 1982, editorial) V (FINAL) – RIGOR SELETIVO A procura e a conquista de espaços para a poesia e as artes em geral não pressupõem a divulgação pura e simples de poemas e outras criações artísticas. Ao contrário, tais atos só têm validade, significado e eficácia se presididos e orientados
  • 72. 72 pelo maior rigor seletivo possível, fundamentado na qualidade estética da obra de arte. Não é admissível difundir obra destituída de valor estético, visto que somente esse valor configura a existência da arte. Nessas condições, sua propagação não apenas é desnecessária, por carente de finalidade e sentido, como prejudicial, pelo que implica em desorientação e influência negativa do mau-gosto, do anacrônico e do equivocado. Nenhuma causa justifica, portanto, a disseminação da obra desqualificada, devendo ser denunciado e até mesmo combatido todo motivo extraliterário e extra-artístico ocasionador da veiculação e imposição de contrafações artísticas. E são diversos, variados e especiosos os falsos critérios que orientam tal promoção, abrangendo desde amizade, interesses pessoal e comercial, desinformação, desatualização, didatismo, historicismo, conservadorismo, a até nacionalismo, regionalismo, ideologismo, partidarismo e quejandos. Conquanto se saiba que a difusão nessas circunstâncias dá à obra apenas vida efêmera e meramente episódica – com sua inclusão nas indefectíveis listas dos mais vendidos, badalação em noticiários, artigos, notas ou reportagens nos meios de comunicação, podendo até mesmo se constituir numa “onda” ou moda (que não ocorre apenas na indumentária e similares, mas existe também na arte, na cultura e no campo das ideias) – essa publicidade, principalmente por massiva, sempre é prejudicial, já que enganosa e diversionista.
  • 73. 73 A verdadeira obra de arte, ao contrário, subsiste através do tempo, mesmo – e isso é frequente – que seu valor não seja percebido e reconhecido de imediato. Porém, cedo ou tarde é descoberto e proclamado. E, aí, para sempre. Cumpre, pois, tentar detectar, desde logo, separando o muito joio do escasso trigo, a obra de real valor, propagando-se apenas ela e não outra. Contudo, isso nem sempre é tarefa fácil e alcançável no momento da ocorrência artística, por uma série de razões, que vão desde o singular das limitações pessoais do observador até a pluralidade das influências, relativismos e condicionamentos espaciotemporais. Por outro lado, o surgimento, nas artes, de tendência ou movimento, que sempre se propõe e se apresenta como única maneira válida de prática artística, pode, em consequência desse unilateralismo, ocasionar, de modo geral, em maior ou menor grau e no decorrer de tempo mais ou menos longo, perplexidade, antessala do equívoco e da inação, e, mesmo e comumente, levar seus participantes e seguidores a posições extremadas e sectárias (semelhantes a idêntico fenômeno na política), delas resultando, entre outras atitudes, combate acerbo a todas as obras e modos de fazer diversos, geralmente apenas por diversos, não obstante de qualidade. Todavia, as perplexidades, equívocos, sectarismos e outros defeitos, carências e limitações antes enumerados, são, implacavelmente, retificados com o passar do tempo e as coisas e valores invariavelmente repostos em seus lugares com os
  • 74. 74 merecidos sepultamento e olvido das obras despossuídas de significação estética, não sem antes, porém, assoalharem tais obras os prejuízos e negativas influências aludidos. Daí resulta necessário que sempre, e cada vez com maior rigor, se busque reconhecer, no contemporâneo, acima da transitoriedade do momento, a obra artística válida e apenas para ela se procure abrir, conquistar ou obter os necessários espaços de divulgação e atuação. (revista Dimensão nº 06, 1983, editorial)
  • 75. 75 A POESIA, COMO EMOÇÃO E COMO ARTE Mais do que a literatura de modo geral, a poesia, sob o aspecto estritamente literário e conforme conhecida definição, é a arte da palavra em seu mais alto grau. Na prática, contudo, coexistem, antípodas, duas tendências: a poesia como emoção e a poesia como arte. Na primeira, o poema é exclusivamente resultante da emoção, do sentimento, de estados de espírito, em suma, de causas pessoais, subjetivas. O poema nasce e flui, às vezes com maior ou menor dificuldade expressional (circunstância que qualitativamente nada significa), ao influxo et pour cause da necessidade (comumente denominada “inspiração”) de se extravasar, expressar ou verbalizar sentimentos, emoções e ideias. O que não constitui poesia. Quando de boa qualidade, não passa de prosa. Normalmente, não é nada. A não ser produto pessoal e subjetivo de e para efeito catártico. Ou seja, quase tudo que se escreve e se publica, no gênero. E que passa, equivocadamente, por poesia, arte. Que não é. E nunca será. Ideias, sentimentos, emoções, pensamentos, acontecimentos etc. não constituem arte. São o que são: ideias, sentimentos, etc. O que não é pouco. Mas, é outra coisa. No segundo caso, a poesia, como toda obra de arte, é produto estético. Destinado a proporcionar prazer estético e não a ser mero veículo ou instrumento emocional e ideológico.
  • 76. 76 Resulta e é trabalho ao nível da e sobre a linguagem. É a arte da palavra, o que implica justamente em se utilizá-la apenas com a finalidade contida e expressa na própria definição: sua elaboração artística para propiciar prazer estético. Em consequência, e por exclusão, tudo que não seja, nesse contexto, elaboração artística da palavra, com objetivo de construir obra de arte e produzir prazer estético, não é poesia, não é arte. “Poesia se faz com palavras e não com ideias”, explica Mallarmé (França 1842-1898). “A inspiração consiste em trabalhar todos os dias”, afirma Baudelaire (França, 1821- 1867), significando que sem trabalho e elaboração do texto não é possível haver arte. Em “Procura da Poesia”, Carlos Drummond de Andrade (Brasil, 1902-1987), mostra o que não é poesia e indica onde encontrá-la: “o que pensas e sentes, isso ainda não é poesia [....] penetra surdamente no reino das palavras. Lá estão os poemas que esperam ser escritos” (grifos nossos). O fato de, ao dizer isso, estar Drummond fazendo prosa e a circunstância de que normalmente não seguiu seu próprio conselho, confirmam, ao invés de invalidar, a pertinência de sua reflexão. De igual modo, ínsita em e resultante de cada uma dessas posições, subsiste e exterioriza-se correspondente atitude. Na primeira hipótese, a motivação única e meramente emocional da obra não suscita (e nem exige) curiosidade intelectual ou artística nos autores. Nem lhes provoca interesse por seu instrumento expressional, a linguagem (a não ser,
  • 77. 77 quando isso ocorre, por seus aspectos meramente gramaticais e quantitativos), pelo que, na maioria dos casos, não se preocupam em conhecer a obra de outros autores. Quando o fazem e a apreciam, esse interesse, normalmente ocasional, e essa admiração, sempre superficial, não passam de simples empatia e identificação emocional e/ou ideológica, nada tendo a ver com a estética. Sentimentos, ideias e emoções são, nesse caso, a um só tempo, meio e finalidade. A expressão verbal (e ela é só verbal, sem qualquer utilização de outros ou novos elementos estéticos) não constitui senão materialização ou necessidade de exteriorização emocional Não tem, por isso, para esses autores, outra importância que não essa. Daí não ser submetida à elaboração e, muito menos, à pesquisa, inventividade, inovação. Simples veículo para transporte ou condução de sentimentos e ideias é, habitualmente, discursiva, linear, prosaica. Não passa, no mais das vezes (quando, por suas qualidades, configura obra literária), de crônica ou prosa narrativa, confessional ou descritiva, que tem seu valor, mas, não é poesia: exemplos notórios, em língua portuguesa, da obra de Drummond e de Fernando Pessoa (Portugal, 1888-1935), com algumas exceções; de Morte e Vida Severina, de João Cabral de Melo Neto (Brasil, 1920), do Poema Sujo, de Ferreira Gullar (Brasil, 1930). Apreciam-se esses escritos não por qualidades poéticas, que não têm, mas, por suas virtudes estilísticas e pela empatia emocional e/ou identificação ideológica. O poema de Drummond a respeito de sua obra completa publicado em Dimensão 18/19, é sintomático de
  • 78. 78 insatisfação e de consciência desse problema. Já Lawrence Ferlinghetti (EE. UU., 1919), confessa, sem ambages, que “poesia moderna é prosa”, em texto assim mesmo intitulado, constante de sua antologia Vida Sem Fim (São Paulo, editora Brasiliense, 1984). Por sua vez, Fernando Pessoa afirma que “Por mim, escrevo a prosa dos meus versos/E fico contente” (texto XXVIII, em “O Guardador de Rebanhos”, de Ficções do Interlúdio). No segundo caso, está a elaboração artística da linguagem embasada pela consciência do fator estético, que poucos alcançam ou possuem. A palavra, a linguagem, como matéria- prima (e bruta) do poema, é trabalhada objetiva e exaustivamente para produzir efeito tão-somente estético. Mesmo quando o poema deriva da emoção (sua origem, qualquer seja, não tem a menor importância), esta é filtrada pela elaboração estética, pelo que se afirma, parafraseando Thomas Alva Edison (EE.UU., 1847-1931), que arte é 90% de transpiração e 10% de inspiração. Os autores, por isso, têm grande interesse e curiosidade pela obra de outros poetas de iguais preocupação e ocupação, por suas pesquisas e reflexões. Ao contrário do que escreve Mário Quintana (Brasil, 1906), no texto “Comunhão”, de Sapato Florido (de que “os verdadeiros poetas não leem os outros poetas”), como artistas autênticos, e por isso mesmo, é que se interessam em ler outros poetas, desprezando, contudo, os meros desnudadores da alma, os simples expositores de ideias. Os pretensos poetas é que não leem outros poetas, porque o que os move é apenas a
  • 79. 79 necessidade catártica de exteriorizar verbalmente sentimentos e/ou ideias e, às vezes (quando a têm), sua visão do mundo, o que, aliás, é próprio da prosa. Enfim e em suma, entre uma e outra dessas tendências há um abismo: a fronteira que separa a poesia do que não o é. (revista Dimensão nº 18/19, 1989, editorial)
  • 80. 80 POESIA E PROSA / POEMA E TEXTO A literatura é a arte da palavra, como se sabe, conquanto poucos entendam o alcance e significado dessa definição. A consciência estética constitui, ainda, apanágio de alguns. Daqueles poucos justamente que, entre os milhões que escrevem, constroem, realmente, obra literária, ou seja, artística. Normalmente utiliza-se a palavra pensando, tentando ou objetivando elaborar obra literária, quando, na realidade, mais não se faz do que simplesmente expressar ideias, sentimentos e emoções. Há, pois, na esmagadora maioria dos casos, enorme diferença entre o que se escreve, pensando estar- se fazendo literatura, e o que, efetivamente, constitui literatura. A questão toda reside em saber utilizar a palavrar com finalidade artística, no sentido de que o objeto e objetivo do ato de escrever é a palavra em si e não o contrário, ou seja, sua subordinação a propósitos alheios à arte, como simples veículo de emoções, ideias, sentimentos ou teses. Isto porque “não há a expressão de um objeto, mas o objeto de uma expressão [....] A arte, enfim, não é expressão mas produto [....] A arte não tem filiais, ela apenas exprime a própria arte. ‘O homem – escreveu Fiedler – deve persuadir-se de que nas palavras ele não possui uma expressão, mas um produto da própria vida interior. A linguagem artística não é expressão do ser, mas forma do ser’ [....] o problema das relações entre a arte e as demais atividades humanas deve basear-se na existência independente e específica da arte” (Valdemar Cordeiro). “O