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Elísio Estanque




      ENTRE A FÁBRICA E A COMUNIDADE
subjectividades e práticas de classe no operariado do calçado




                   Editora Afrontamento, Porto - 2000
Entre a Fábrica e a Comunidade




                                                                     ÍNDICE




Agradecimentos .................................................................................................................                    7
Introdução ........................................................................................................................                 9




                                                                     I PARTE
                      PROBLEMÁTICA TEÓRICA E PERSPECTIVA ANALÍTICA

                                                                    Capítulo 1
 ENTRE A CLASSE E A COMUNIDADE: ESTRUTURA DE CLASSES, INDUSTRIALIZAÇÃO
                    E IDENTIDADES CULTURAIS EM MUDANÇA

1.1 - Análise de classes e estrutura de classes .......................................................................................             20
      1.1.1 - Dilemas em torno da análise estrutural das classes .............................................................                      00
      1.1.2 - O conceito de “lugares contraditórios de classe” (modelo Wright I) ..................................                                 00
      1.1.3 - Novos desenvolvimentos no modelo de Wright (modelo Wright II)......................................                                   00

1.2 - Identidade e comunidade na formação da classe operária ........................................................                               40
      1.2.1 - Identidade e identificação ....................................................................................................       00
      1.2.2 - Comunidade e emancipação.................................................................................................             00
      1.2.3 - O problema do enquadramento espacial ..............................................................................                   00
      1.2.4 - A formação da classe operária, a comunidade e a acção colectiva .....................................                                 00

1.3 - Controle, consentimento e despotismo: regimes de acumulação e
      relações na produção .....................................................................................................................    77
      1.3.1 - Classe e processos produtivos, de Braverman a Burawoy ...................................................                             00
      1.3.2 - Regimes despóticos e regimes hegemónicos.........................................................................                     00
      1.3.4 - Relações de consentimento, sistemas de poder e novos despotismos ...................................                                  00

1.4 - Lazer, Cultura Popular e Controle Recreativo ............................................................................                     96
      1.4.1- Lazer e classes sociais ...........................................................................................................    00
      1.4.2 - Cultura popular e cultura de massas ...................................................................................               00
      1.4.3 - O lazer popular e a comunidade nos regimes autoritários ..................................................                            00



                                              Capítulo 2
                              PROCEDIMENTOS ANALÍTICOS E METODOLÓGICOS

2.1 - Hipóteses de partida ....................................................................................................................... 101

2.2 - Orientação metodológica ...............................................................................................................      105
      2.2.1 - Compreensão e auto-reflexão ...............................................................................................          111
      2.2.2 - O macro e o micro ................................................................................................................   111
      2.2.3 - O método de caso alargado ..................................................................................................         111
      2.2.4 - As técnicas de recolha utilizadas ...........................................................................................        111




                                                                         10
Entre a Fábrica e a Comunidade




                                      II PARTE
                EVOLUÇÃO HISTÓRICA: INDÚSTRIA, LAZER E COMUNIDADE

                                      Capítulo 3
             INDUSTRIALIZAÇÃO, MOVIMENTO OPERÁRIO E TRADIÇÃO FESTIVA NA
                                 VIRAGEM DO SÉCULO
3.1 - A chapelaria, o calçado e o movimento operário local ................................................................                              122
      3.1.1 - A primeira fase de industrialização: a chapelaria e o calçado ............................................                                 222
      3.1.2 - Condições de vida do operariado nos princípios do século .................................................                                 222
      3.1.3 - Associativismo e clivagens ideológicas na chapelaria e no calçado ....................................                                     222
      3.1.4 - Movimento grevista e acção operária na chapelaria e no calçado ......................................                                      222
3.2 - Cultura, festa e tradição nas comunidades locais ........................................................................                          150
      3.2.1 - Expressividade popular, religiosidade e mercado ...............................................................                            222
      3.2.2 - Alguns contrastes de classe: a vida quotidiana na viragem do século .................................                                      222
      3.2.3 - O discurso bairrista e o novo estatuto de vila e de concelho ...............................................                               222


                                    Capítulo 4
       SOB A TUTELA DO ESTADO NOVO: ACÇÃO COLECTIVA E PRÁTICAS DE LAZER,
                       ENTRE A REGULAÇÃO E A RESISTÊNCIA
4.1 - Impactos locais do Condicionamento Industrial .........................................................................                            181
             O sector da chapelaria ........................................................................................................             000
             O crescimento do sector do calçado ...................................................................................                      000
             A indústria metalúrgica e o caso da “Oliva” .....................................................................                           000
4.2 - Exemplos de resistência operária local: militância sindical e política durante o salazarismo . 193
4.3 - Controle recreativo e práticas culturais no Estado Novo............................................................                                217
      4.3.1 - Instituições estatais e festividades locais .............................................................................                  000
      4.3.2 - As formas locais de lazer e a moral dominante ....................................................................                         000
               A taberna .............................................................................................................................   000
               Cinemas e cafés ...................................................................................................................       000
               O campismo .........................................................................................................................      000
               O desporto ...........................................................................................................................    000
      4.3.3 - A acção da FNAT em S. João da Madeira e o caso da “Oliva” ..........................................                                       000




                                III PARTE
       TENDÊNCIAS RECENTES: AS CLASSES, A FÁBRICA E A COMUNIDADE

                                                                       Capítulo 5
A ESTRUTURA DE CLASSES NA REGIÃO DO CALÇADO: MOBILIDADE

SOCIAL, SUBJECTIVIDADES E PRÁTICAS ASSOCIATIVAS


5.1 - Caracterização da estrutura de classes da região ........................................................................ 256
5.2 - Mobilidade social intergeracional ................................................................................................. 267
5.3 - Subjectividades ambivalentes: emancipação e conservadorismo ............................................... 000
5.4 - Os problemas sociais identificados: entre o optimismo e a resignação ...................................... 000


                                                                            11
Entre a Fábrica e a Comunidade


5.5 - Práticas associativas e acções de protesto ..................................................................................... 000
5.6 - Os usos do lazer e a massificação do consumo ............................................................................. 000


                                                           Capítulo 6/ Capítulo 6-A
                ESTUDO DE CASO: RESISTÊNCIA, CONSENTIMENTO E EVASÃO NUMA
                     FÁBRICA DE CALÇADO/ UMA EXPERIÊNCIA NA FÁBRICA


        O Sociólogo na Fábrica: fragmentos de um “Diário de Campo” .................................... 298
6.1 - A importância da linha de montagem no processo de fabrico .................................................... 000
6.2 - Disciplina, poder, consentimento e resistência .............................................................................                    000
      6.2.1 - O patrão e os operários ........................................................................................................        000
      6.2.2 - Os encarregados e o poder: uma posição de fronteira .......................................................                             000
      6.2.3 - Os jogos de poder do colectivo operário ..............................................................................                  000
6.3 - Evasão e humor: rituais de descompressão ..................................................................................
      6.3.1 - Os intervalos e as brincadeiras sexistas ...............................................................................
      6.3.2 - Jogo e humor na produção .....................................................................................................
      6.3.3 - Ambiguidades e heterogeneidades de classe ........................................................................



CONCLUSÃO ......................................................................................................................................... 423
BIBLIOGRAFIA .................................................................................................................................... 000
ANEXOS ................................................................................................................................................. 000




                                                                           12
Entre a Fábrica e a Comunidade


                                          AGRADECIMENTOS



      O presente estudo destinou-se inicialmente a uma tese de doutoramento em
sociologia cuja defesa teve lugar na Universidade de Coimbra em Julho de 1999.
Embora tenha procedido a algumas alterações para esta edição em livro, manteve-se, no
essencial, a mesma estrutura expositiva. Apesar da pesquisa ter sido recentemente
concluída, os primeiros trabalhos que realizei sobre este tema tiveram o seu início há
alguns anos atrás no âmbito da actividade académica que tenho vindo a desenvolver na
Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra e no Centro de Estudos Sociais1.
     Muitos colegas e amigos contribuíram com o seu incentivo e solidariedade para que
as inúmeras hesitações e dificuldades com que me deparei ao longo deste percurso,
pudessem ser ultrapassadas. Não sendo possível enumerar todos aqueles que de um
modo ou de outro me apoiaram, cabe-me no entanto destacar alguns nomes, de pessoas
e instituições, que mais de perto me acompanharam nesta tarefa.
     Em primeiro lugar, cabe um agradecimento especial a Boaventura de Sousa Santos,
meu orientador científico, pela permanente motivação, confiança e apoio que me tem
dedicado desde que em 1985 integrei a equipa de investigadores por ele liderada. A
solidariedade que prontamente manifestou nas fases de maior inquietação e desânimo
por que passei, em especial durante a observação participante que realizei na fábrica, foi
decisiva para levar por diante este projecto.
     Em segundo lugar, quero expressar a minha gratidão aos colegas, companheiros do
Centro de Estudos Sociais, da Revista Crítica de Ciências Sociais e da FEUC, que desde
sempre se interessaram pelo meu trabalho e comigo partilharam o dia-a-dia de vida
académica ao longo das diferentes etapas desta caminhada. Sem o acolhimento e as
palavras de incentivo que de um modo geral recebi e sem o ambiente de diálogo
informal no âmbito dos projectos e seminários do CES, as dificuldades de realização
deste estudo teriam sido, sem dúvida, muito maiores. Gostaria de destacar o estímulo
intelectual que obtive da parte do João Arriscado Nunes; os entusiasmos e angústias


1 Entre eles contam-se o Relatório de Síntese das Provas de Aptidão Pedagógica e Capacidade Científica,
intitulado A Empresa em Contexto: relações de poder e cultura local na indústria do calçado em S. João
da Madeira, Coimbra, FEUC, 1990. Os projectos realizados no CES e que mais directamente se
relacionam com o actual tema, foram os seguintes: Estado, Economia e Reprodução Social na
Semiperiferia do Sistema Mundial: O Caso Português, coordenado por Boaventura de Sousa Santos
(CES/FEUC, 1992); Turismo e Cultura em Portugal: quatro estudos sobre mentalidades, práticas e
impactes sociais (CES/FEUC, 1995), coordenado por Carlos Fortuna; Estrutura de Classes e Trajectórias
de Classe em Portugal (CES/FEUC, 1997), sob a minha coordenação e em colaboração com José Manuel

                                                  13
Entre a Fábrica e a Comunidade


partilhados com o José Manuel Mendes, meu parceiro no projecto de pesquisa sobre as
classes sociais em Portugal; os incentivos que obtive do meu amigo João Peixoto,
sobretudo no período inicial do meu trabalho académico em Coimbra; o apoio que
recebi dos jovens colegas Hermes Costa e Daniel Francisco; a troca de ideias e o
permanente interesse, solidariedade e amizade do António Casimiro Ferreira; as
cumplicidades que mesmo à distancia foram preservadas com os colegas do ISCTE,
Cristina Lobo, Anália Torres, João Camarate, Ana Paula Nunes, Salomé Marivœt e
Rosa Parkinson. E para a colega e amiga Graça Capinha, pelas muitas ideias que
trocámos ao longo destes anos, vai uma palavra de especial gratidão.
     Agradeço em terceiro lugar, às instituições que financiaram projectos, viagens e
estágios, directa ou indirectamente relacionados com a pesquisa: Fundação Calouste
Gulbenkian, Junta Nacional de Investigação Científica e Tecnológica, Comissão
Fulbright,    Fundação      Luso-Americana         para    o   Desenvolvimento,        Reitoria     da
Universidade de Coimbra. À Universidade de Wisconsin-Madison, em especial ao
Professor Erik Olin Wright e ao Departamento de Ciências Sociais, que me acolheram
durante as estadias que aí efectuei em 1992 e 1994.
     Cumpre-me igualmente agradecer ao Sindicato dos Operários do Calçado, Malas e
Afins dos Distritos de Aveiro e Coimbra, sediado em S. João da Madeira, que me
disponibilizou os seus serviços, e especialmente ao seu dirigente Manuel Graça, pelo
seu interesse e pelo incansável apoio ao longo de vários anos. Às Câmaras Municipais
de S. João da Madeira e de Santa Maria da Feira, nomeadamente os serviços das
respectivas bibliotecas que sempre me facilitaram o acesso a diferente documentação.
Ao Director do jornal “O Regional”, daquela localidade, igualmente por me ter
facilitado o acesso aos seus arquivos. À empresa que me acolheu nessa cidade para o
trabalho de observação participante, nomeadamente o apoio entusiástico do seu
proprietário merece ser destacado pelo contributo que prestou a esta pesquisa. Para os
trabalhadores dessa empresa que me receberam e comigo partilharam esses momentos
inesquecíveis e me transmitiram abertamente aspectos importantes das suas vidas – em
especial para os amigos mais próximos, como o Acácio, o Cunha, o Manuel, o tio
António, a Cila e a Celeste –, vão a minha amizade e solidariedade.
     Uma palavra de especial gratidão é ainda devida à Faculdade de Economia da
Universidade de Coimbra e ao Centro de Estudos Sociais, instituições onde trabalho e

Mendes. Estes projectos foram financiados pela Junta Nacional de Investigação Científica e Tecnológica,
no quadro do Programa Estímulo para as Ciências Sociais.

                                                  14
Entre a Fábrica e a Comunidade


que, por esse motivo, são também a minha casa. Aos seus funcionários e colaboradores,
o meu sincero reconhecimento, em especial aos serviços da biblioteca, da secretaria e da
secção de informática da FEUC e ao pessoal do CES: o Nuno Serra, a Maria Lassalete
Simões e a Sandra Nogueira.
    Finalmente, agradeço também aos meus alunos da cadeira de Classes,
Desigualdades e Identidades – sobretudo os que a frequentaram no ano lectivo de
1998/1999 – com quem partilhei muitas das minhas perplexidades e entusiasmos em
torno desta pesquisa.




                                           15
Entre a Fábrica e a Comunidade




                                      INTRODUÇÃO




     As temáticas da classe e da comunidade têm suscitado inúmeras reflexões e

debates nas ciências sociais, na sequência dos quais se vem assistindo a uma

reformulação teórica significativa em torno desses conceitos. Sem dúvida que tais

elaborações conceptuais derivam, em boa medida, dos processos de fragmentação social

a que, quer a classe, quer a comunidade têm estado sujeitos, no quadro do capitalismo

global de finais do milénio.

     É sabido que os grandes processos de transformação social no capitalismo

decorrem sob ritmos e temporalidades diferentes, consoante o grau de modernização das

sociedades e o lugar que cada uma ocupa no sistema mundial. O facto de a sociedade

portuguesa ser marcada por traços de periferia na sua relação com os países centrais

significa, entre outras coisas, que ela encerra fenómenos cuja natureza contraditória e

polifacetada é porventura mais evidente do que nas sociedades de capitalismo avançado.

Algumas das tendências de mudança que vêm ocorrendo em Portugal ao longo das

últimas três décadas remetem-nos por vezes para problemas já identificados nos países

centrais noutras épocas históricas. Contudo, não deve esquecer-se que cada sociedade e

cada contexto particular contêm as suas próprias especificidades – históricas, socio-

económicas, políticas e culturais – e obedecem a variados ritmos de mudança.

     O presente estudo desenvolve-se em torno do núcleo industrial de S. João da

Madeira (SJM)2, localidade tradicionalmente ligada à produção chapeleira, mas

actualmente mais conhecida por ser a zona de maior concentração da indústria do

calçado. O seu principal objectivo é analisar o processo histórico de desenvolvimento




                                            16
Entre a Fábrica e a Comunidade


industrial desta região e o seu impacto na estruturação da classe trabalhadora, através da

observação das suas práticas, subjectividades e atitudes, e dando especial atenção às

formas adaptativas e de resistência de um operariado situado entre as pressões da

indústria e a lógica comunitária e semi-rural das colectividades da região.

      Desde as últimas décadas do século XIX que esta região tem conhecido profundas

mudanças induzidas pelo impacto da industrialização e suas formas de adaptação a nível

local. Todavia, reconhece-se hoje que, apesar das transformações, adaptações e

resistências produzidas pela articulação entre a produção fabril e as comunidades locais

ao longo do tempo, os traços de ruralidade e a força da tradição cultural têm subsistido à

presença crescente da lógica capitalista. Num contexto de desenvolvimento tardio, como

este, as linhas de ruptura e de continuidade socioeconómicas e culturais parecem

condensar no tempo algumas das clivagens e ambiguidades do sistema capitalista mais

geral, e simultaneamente fazem emergir o carácter contraditório e dramaticamente

disruptor que esse sistema tem vindo a impor à humanidade desde os primórdios da era

moderna.

      Pretende-se, assim, compreender até que ponto as lógicas de classe modeladas

pelas relações de produção incorporaram e reproduziram os vínculos e afinidades

colectivas estruturados a partir das raízes comunitárias. As formas de consentimento e

resistência dos trabalhadores serão observadas, quer no terreno das subjectividades e

representações, quer no domínio das práticas e dos comportamentos concretos e tendo

presentes, por um lado, a dimensão produtiva e das relações de trabalho, e, por outro, as

actividades desenvolvidas na comunidade, nomeadamente a esfera dos consumos e das

práticas de lazer.



2 Localidade que daqui para diante será simplesmente designada por “SJM”. O objecto de estudo inclui
os concelhos de S. João da Madeira, Oliveira de Azeméis e Stª. Maria da Feira. Como se poderá ver no
Anexo 1, neles se concentra a grande maioria das empresas do sector do calçado.

                                                17
Entre a Fábrica e a Comunidade


     Como se verá na apresentação das principais hipóteses e dos procedimentos

metodológicos que guiaram a investigação (Capítulo 2), a perspectiva de análise

adoptada pretende não só dar conta das especificidades regionais atrás referidas, mas ao

mesmo tempo captar os impactos locais de algumas das conjunturas políticas e

estratégias institucionais que mais marcaram a sociedade portuguesa ao longo do século

XX. A análise é, assim, historicamente balizada por três períodos distintos: um período

que vai de finais do século XIX até aos anos vinte do último século, em que se pretende

acompanhar a primeira fase de industrialização e implantação do mercado nesta região e

o seu impacto sobre o movimento operário local e as actividades festivas ligadas aos

rituais da comunidade rural; um segundo período que corresponde à vigência do Estado

Novo, no qual a acção institucional e a ideologia salazarista desempenharam um papel

decisivo na tentativa de impor às classes trabalhadoras comportamentos conformistas e

disciplinados, tanto na esfera laboral como nas actividades recreativas e de lazer; e,

finalmente, um período que vai do pós-25 de Abril à actualidade continuando a articular

a dimensão do trabalho industrial com a da massificação dos consumos e dos usos do

“tempo-livre”.

     Na sua organização formal, o livro divide-se em três partes: uma primeira parte diz

respeito à apresentação do quadro teórico e às metodologias e hipóteses de partida; uma

segunda parte centra-se na evolução histórica desde finais do século XIX até à queda do

Estado Novo; e uma terceira parte, mais centrada na actualidade, analisa a estrutura de

classes da região e apresenta estudos de caso baseados na observação directa da vida

social local nas suas diversas vertentes, em especial no quotidiano dos trabalhadores nas

suas relações com a actividade sindical, o ambiente fabril e as comunidades locais. Estas

grandes linhas de abordagem desdobram-se em nove capítulos que passarei a sumariar.




                                           18
Entre a Fábrica e a Comunidade


     No Capítulo 1, dá-se conta das principais linhas de reflexão e discussão teórica e

conceptual que serviram de inspiração ao modelo de análise adoptado. As questões da

classe e da comunidade ocupam aqui um lugar decisivo e serão tratadas, quer

separadamente, na medida em que se ligam a tradições teóricas distintas, quer na sua

interconexão, na medida em que remetem para linhas de investigação em que as duas

vertentes se encontram estreitamente ligadas. É precisamente na base dessa articulação

que se desenrola o principal fio condutor do presente livro. Além disso, como é

evidente, esta problemática não poderia deixar de conduzir-nos para outros percursos

teóricos que directa ou indirectamente se prendem com o tema em estudo. Posso

adiantar desde já alguns dos pontos que mereceram maior aprofundamento: as

discussões no campo da análise estrutural das classes nos anos setenta e as

reformulações teóricas que esta corrente tem vindo a promover nos últimos tempos,

nomeadamente através das contribuições de Erik Olin Wright (cujo modelo de análise

será utilizado no estudo da estrutura de classes da região); os conceitos de comunidade e

identidade serão discutidos enquanto instrumentos teóricos de grande actualidade que

poderão situar a análise das práticas e subjectividades operárias, bem como a dimensão

do consumo e do lazer, em quadros analíticos capazes de permitir articular a classe com

outras esferas de acção e de produção de sentido; os problemas da acção colectiva e da

consciência de classe serão tratados, não apenas à luz dos modelos estruturais, mas

sobretudo à luz do enquadramento comunitário do operariado e da sua histórica

vinculação aos contextos locais (em que as análises históricas de E. P. Thompson,

constituem uma referência importante); o tema dos regimes de acumulação e dos

sistemas de poder em vigor nas empresas, bem como a sua articulação com o mercado e

a comunidade fornecem importantes pistas de explicação para os mecanismos de

consentimento e controle que emergem na esfera da produção (dando-se aqui maior



                                           19
Entre a Fábrica e a Comunidade


realce aos estudos de Michael Burawoy); as actividades culturais, de lazer e o campo do

consumo constituem igualmente um campo de reflexão a ter em conta, tanto no que se

refere à compreensão das culturas operárias e populares (às quais, desde sempre, as

experiências do movimento operário e sindical estiveram ligadas), como pela

importância decisiva que assumiram no desenvolvimento das políticas disciplinares

levadas a cabo pelos estados fascistas e autoritários. Estes são alguns dos principais

tópicos que foram objecto de discussão teórica.

     O Capítulo 2 destina-se à apresentação das principais hipóteses de trabalho e nele

se procede a uma breve discussão em torno das opções metodológicas seguidas. Aí se

realça a pluralidade de instrumentos de pesquisa a que recorri, destacando-se a ênfase

dada à análise qualitativa, à sociologia reflexiva e ao método de observação participante

(utilizado no estudo de caso efectuado numa empresa de calçado).

     No Capítulo 3, entra-se na análise histórica. Procede-se, por um lado, ao estudo do

processo de industrialização e do movimento operário local a partir do último quartel do

século de oitocentos, o qual foi animado sobretudo pelos operários chapeleiros. Por

outro lado, apresentam-se e analisam-se algumas das formas e rituais festivos,

procurando relacioná-las com as identidades tradicionais, mas tendo presente os efeitos

da implantação industrial e da expansão do mercado. Assume-se aqui um tipo de

abordagem de características etnográficas, na medida em que me pareceu interessante

retratar alguns dos ambientes populares da época, a fim de observar mais de perto os

modos de vida das populações, tanto nas dificuldades económicas e laborais em que se

encontravam como na esfera das actividades lúdicas e rituais festivos em que

participavam. O objectivo é mostrar como os modos de vida comunitários e as

experiências operárias foram a pouco e pouco sendo modeladas não só pela lógica

económica moderna e pela acção do mercado, mas também pelo discurso moralista e



                                           20
Entre a Fábrica e a Comunidade


burguês que nessa altura começou a impor-se de forma mais nítida. Ainda neste

contexto, referem-se aspectos ligados ao fenómeno do “bairrismo”, promovido pelas

elites locais, cujo impacto disruptor sobre as identidades tradicionais e de classe foi

muito significativo.

     O Capítulo 4 dá continuidade à abordagem histórica, mas agora tendo como pano

de fundo o aparelho de Estado salazarista e a sua articulação com as instituições e os

interesses das classes dominantes da região. O discurso local, com os seus contornos

moralistas, continua a promover o sentimento bairrista em nome do progresso industrial

da vila, reproduzindo no mesmo passo o carácter nacionalista, autoritário e conservador

da ideologia do regime. Exemplos de resistência operária ao salazarismo são aqui

apresentados a partir de relatos e histórias de vida de dois activistas político-sindicais

ligados ao sector do calçado que foram vítimas de perseguição e repressão do regime,

assim como outros documentos onde algumas situações e movimentos grevistas são

testemunhados, apesar da fraca capacidade combativa do operariado. As formas de

ocupação dos “tempos livres” – as festas locais, a taberna, o cinema, os espectáculos, os

hábitos de vida dos jovens etc. – e a tentativa dos organismos locais e estatais em tutelá-

las e discipliná-las são igualmente analisadas, dando-se aqui algum destaque ao papel da

FNAT e à sua presença numa das empresas de maior significado local neste período (a

fábrica metalúrgica “Oliva”). Pretende-se assim mostrar os impactos da acção

disciplinadora e doutrinária do regime e das suas delegações e agentes locais (incluindo

os sectores da burguesia industrial por ele protegidas), sublinhando a sua relevância na

modelação dos hábitos de consumo dos trabalhadores, mas ao mesmo tempo sem

esquecer as capacidades de resistência da cultura popular estruturada a partir do

cruzamento entre a experiência fabril e as comunidades tradicionais. A dimensão

comunitária (e as formas locais de consumo e de lazer) revela-se aqui um elemento



                                            21
Entre a Fábrica e a Comunidade


fundamental para se perceberem as ambiguidades de uma classe que simultaneamente

sofre as pressões da exploração na fábrica e reproduz a sua identidade em íntima

sintonia com a vida na comunidade.

     O Capítulo 5 analisa a estrutura de classes da região a partir do modelo de análise

de Erik Olin Wright e interpreta os seus resultados – obtidos a partir de um inquérito à

população activa –, equacionando-os com as dimensões analíticas referidas,

nomeadamente os aspectos históricos e contextuais. Com base nesta abordagem, será

possível não só caracterizar a estrutura regional das classes como compará-la com os

resultados referentes à sociedade portuguesa no seu conjunto (recolhidos através da

mesma metodologia)3. De registar é o facto de estes resultados quantitativos

comprovarem variados aspectos respeitantes às classes sociais desta região assinalados

noutros capítulos, além de sublinharem o elevado peso morfológico da categoria

proletária, o esvaziamento das classes médias comparativamente com os valores do

continente, e as altas taxas de mobilidade intergeracional, bem como de imobilidade.

Por outro lado, também no plano das atitudes políticas, das práticas associativas e

ocupações de tempo livre, por exemplo, os valores que aqui aparecem são

particularmente reveladores da natureza contraditória e ambígua dos comportamentos

deste sector da classe operária.

     Na última parte do estudo surgem, lado a lado, o Capítulo 6 e o que designei como

Capítulo 6-A (alternando-se entre as páginas ímpares e pares), ambos centrados na

experiência de observação participante efectuada numa empresa de calçado. O primeiro,

procura analisar as relações na produção, girando o seu principal fio condutor em torno

das relações de poder na empresa e das práticas de resistência e consentimento dos

operários. Quer as contradições estruturais entre os trabalhadores e o patrão, quer as




                                            22
Entre a Fábrica e a Comunidade


dinâmicas de jogo e interacção do quotidiano fabril serão aqui tratadas com algum

detalhe. Se em termos estratégicos e de resistência organizada os trabalhadores

evidenciam um certo individualismo e parecem submeter-se ao poder arbitrário do

patrão e dos encarregados, já quando se observam de perto as suas atitudes espontâneas,

os rituais e os jogos que desenvolvem no espaço produtivo é notória a presença de

atitudes de resistência, ainda que de características tácitas e que se manifesta sobretudo

através uma rebeldia dissimulada, feita de gestos contidos e de silêncios, ou seja, uma

postura de contrariedade nunca completamente manifesta. Outros aspectos são aqui

objecto de análise detalhada, tais como os jogos sexistas, as clivagens entre os

encarregados e a situação específica em que se encontram no contexto da empresa, o

ritmo de trabalho e o stress, a selectividade que preside às atitudes autoritárias das

chefias, o uso do saber técnico por parte dos operários como fonte informal de poder, as

relações afectivas e transações amorosas dentro da fábrica, a importância do sentimento

de evasão e de fuga, as actividades fora da empresa (de trabalho e de lazer), as atitudes

perante o sindicato, etc. O Capítulo 6-A diz respeito às reflexões, notas pessoais e outras

questões relacionadas com o decurso da investigação – que decorreu de 26 de Fevereiro

a 3 de Maio de 1996 –, em especial os dilemas e angústias que esta metodologia

levantou. Em coerência com o que desde o início assumi ser uma abordagem

compreensiva e auto-reflexiva, decidi realçar essa dimensão autobiográfica e de

envolvimento pessoal e, nesse sentido, apresento-a aqui sob a forma de Diário de

Campo e em contraponto com a exposição mais analítica e interpretativa do Capítulo 6.

      Finalmente, apresentam-se as principais conclusões da pesquisa, onde se salienta a

natureza eminentemente contraditória deste segmento da classe trabalhadora portuguesa,

em cujas práticas e orientações se inscrevem as múltiplas adaptações, resistências e


3 Refiro-me ao inquérito às classes sociais em Portugal que foi realizado a partir do Centro de Estudos
Sociais, cujo projecto de investigação foi por mim dirigido, em colaboração com o colega José Manuel

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Entre a Fábrica e a Comunidade


ambiguidades socioculturais em que assentou a dinâmica de expansão industrial da

região.




Mendes (cf. Estanque e Mendes, 1998).

                                               24
Entre a Fábrica e a Comunidade



                                        Capítulo 1
ENTRE A FÁBRICA E A COMUNIDADE: ESTRUTURA DE CLASSES, INDUSTRIALIZAÇÃO
                      E IDENTIDADES CULTURAIS EM MUDANÇA



     Este estudo centra-se num segmento social – o operariado industrial – que desde

sempre ocupou um lugar decisivo nas discussões em torno da “classe”. Mas isso não

significa que a pesquisa se circunscreva à “análise de classes”, em sentido restrito. O

conceito de classe e os debates teóricos que desencadeou, em especial no interior da

corrente marxista, constitui o ponto de partida para uma análise das práticas e

subjectividades operárias a partir da combinação entre três dimensões distintas: o

processo histórico de industrialização; as relações de produção e o ambiente fabril; e as

vivências quotidianas dos trabalhadores na esfera da comunidade e do consumo. O

objectivo é, como referi na introdução, equacionar as múltiplas conexões e

impregnações entre estas diferentes esferas da vida social local a fim de compreender a

sua incidência sobre as identidades e formas de acção colectiva que caracterizam o

operariado do calçado e o contexto sociocultural em que se insere.

     Procurar-se-á neste capítulo esclarecer as principais linhas de abordagem teórica

em que o estudo se apoiou. Entre elas, destacam-se: a análise marxista das classes, em

especial o modelo de Erik Olin Wright que serviu de base à caracterização da estrutura

de classes da região; a reflexão em torno dos conceitos de identidade e comunidade,

tanto em termos genéricos como no que se refere às classes e ao operariado industrial; a

formação histórica da classe operária e a importância da sua vinculação às comunidades

tradicionais; os regimes de acumulação e sistemas de poder, nomeadamente os regimes

despóticos e hegemónicos analisados por Michael Burawoy; e, finalmente, as questões

do lazer e da cultura popular na sua relação com as classes e o operariado, que serão

abordadas à luz das políticas de controle recreativo levadas a cabo pelos estados


                                           25
Entre a Fábrica e a Comunidade


autoritários europeus nos anos vinte e trinta, incluindo as suas repercussões no caso

português.


      1.1 - Análise de classes e estrutura de classes

      As discussões em torno da classe são, como se sabe, recorrentes desde Marx e

Weber. Mais recentemente, e em especial após o colapso dos sistemas comunistas e

socialistas da Europa do Leste, alguns dos ataques à análise marxista das classes sociais

ganharam novo vigor. Contudo, apesar das polémicas sobre o “declínio” ou a “morte”

da classe (Clarke e Lipset, 1991; Clarke et al., 1993; Hout et al., 1993; Pakulsky, 1993;

Pakulsky e Waters, 1996a e 1996b), sobre a perda de centralidade do conceito ou a

premência da sua reformulação (Wright, 1985, 1989, 1997a; Callinicos, 1991), o que é

facto é que a produção teórica centrada na análise de classes está longe de ter perdido a

sua pertinência e actualidade. Em articulação ou não com outras temáticas, envolvendo

ou não análise empírica substantiva, as conceptualizações à volta da noção de classe

social continuam a assumir-se como um tema fundamental na literatura sociológica

actual4.


4 Desde a escola neoweberiana (Parkin, 1968, 1978 e 1979; Hindess, 1987; Giddens e Held, 1990; McAll,
1992; Esping-Andersen, 1993; Crompton, 1993; Butler e Savage, 1995; Pakulsky e Waters, 1996a,
1996b; Marshall, 1990 e 1997), aos contributos do marxismo estrutural e do chamado “marxismo
analítico” (Therborn, 1978, 1980 e 1983; McNall et al., 1991; Mayer, 1994; Chilcote e Chilcote, 1992;
Roemer, 1982a e 1994; Wright et al., 1992; Wright, 1985, 1989, 1994, 1996 e 1997a), passando pelas
discussões em torno dos novos movimentos sociais e da emancipação (Pizzorno, 1985; Touraine, 1985;
Arrighi et. al., 1989; Eyerman e Jamison, 1991; Ray, 1993; Aronowitz, 1992; Offe, 1985b; Calhoun,
1991 e 1994; Cohen e Arato, 1994; Melucci, 1989; Eder, 1993; Santos, 1994 e 1995; Maheu, 1995;
Laclau, 1996), é inquestionável a vitalidade da produção teórica e da investigação empírica que, directa
ou indirectamente, continua a tomar a classe e a análise das classes como um campo incontornável no
estudo das desigualdades sociais, da acção colectiva e da mudança sociocultural nas sociedades actuais.
Também em Portugal, apesar da institucionalização tardia da sociologia no nosso país, a análise de
classes teve um papel fundamental no desenvolvimento das ciências sociais: a investigação de Sedas
Nunes e David Miranda (1969); os estudos dirigidos por Eduardo de Freitas, Teixeira de Sousa,
Villaverde Cabral e Ferreira de Almeida (Sousa e Freiras, 1973; Freitas, 1973 e Freitas et al., 1976); a
análise de Mozzicafreddo (1981); a pesquisa de Marques e Bairrada (1982); os trabalhos de João Ferrão
(1982, 1985 e 1990) e Jorge Gaspar (1987); os estudos desenvolvidos pela equipa do ISCTE (Almeida,
1986; Almeida et al., 1988 e 1994; Costa, 1987; Costa et al., 1990); os trabalhos recentes de Villaverde
Cabral (1997). Estas são algumas das contribuições mais relevantes da sociologia portuguesa para a
análise das classes sociais na nossa sociedade. Para além desses trabalhos, refira-se ainda a pesquisa
apoiada no modelo de Erik Wright em que esteve envolvido o autor deste livro (Estanque, 1997; Mendes,
1997; Estanque e Mendes, 1998 e 1999).

                                                  26
Entre a Fábrica e a Comunidade


       A presente investigação não se assume – disse-o no início –, como uma análise de

classes em termos genéricos. Mas a classe é aqui, claramente, um dos conceitos em

questão. Nesse sentido, começarei por dar atenção à abordagem estrutural, na medida

em que ela constituiu um dos principais campos de produção e reflexão teórica da

análise marxista das classes (incluindo no próprio pensamento de Marx). O modelo de

Wright é aqui privilegiado, não só por ser um dos que mais contributos analíticos tem

prestado à sociologia das classes e porque tem vindo a proceder a constantes

reactualizações (Wright, 1989 e 1997a) – apesar das limitações que encerra e das

críticas que tem suscitado –, mas também porque em alguns pontos desta pesquisa (em

especial no Capítulo 5) irei utilizar como termo de comparação a análise recentemente

efectuada à estrutura de classes portuguesa com base nessa matriz teórica (Estanque e

Mendes, 1998). Essa dimensão do estudo, para além de permitir a comparação entre os

resultados do país e da região, será também objecto de uma análise compreensiva à luz

do processo histórico de industrialização e dos seus efeitos sobre as práticas e

subjectividades do operariado, no contexto local. A esse propósito, os estudos históricos

desenvolvidos por E. P. Thompson sobre a formação da classe operária inglesa

merecerão particular atenção. Em suma, tanto a perspectiva estrutural e abstracta como

a perspectiva histórica e conjuntural das classes constituem duas dimensões de análise

que podem completar-se no estudo de contextos concretos, não obstante o facto de (quer

uma quer outra) serem ao mesmo tempo ilustrativas das inúmeras contradições e

ambiguidades que, desde o próprio Marx5, têm acompanhado a teoria marxista das

classes no seu conjunto.


5 Na clássica distinção de Marx classe em si/ classe para si reflecte-se a oposição – presente de forma
difusa e muitas vezes incoerente na sua obra – entre a visão abstracta de cariz estruturalista e a visão
subjectivista, de cariz historicista ou sociopolítico (Giddens, 1975). Pode dizer-se que daí resultaram duas
linhas distintas de orientação do pensamento marxista ao longo do século XX. A primeira orientou-se
mais para a definição rigorosa dos conceitos, elaborando os critérios que permitissem mapear categorias,
fracções e fronteiras, esperando com isso estabelecer correspondências entre categorias abstractas e

                                                    27
Entre a Fábrica e a Comunidade


       1.1.1 - Dilemas em torno da análise estrutural das classes

       Principalmente a partir de finais da década de sessenta assistiu-se a uma

proliferação sem precedentes de estudos e reflexões de base marxista virados para a

análise da estrutura das classes nas sociedades capitalistas. Daí resultaram obras de

elevada elaboração conceptual e apoiadas numa sofisticação técnica e metodológica até

então inexistentes6. Os contributos teóricos de pensadores como Althusser e Balibar

(1970, 1975 e 1976), Poulantzas (1971, 1974), Carchedi (1977), Lukács (1971),

Miliband (1969 e 1987) e Wright (1981, 1985), ao lado do aparecimento de programas

de investigação sobre as classes em sociedades concretas, deram lugar a toda uma

profusão de pesquisas de inspiração marxista que conjugaram, pela primeira vez, o

desenvolvimento simultâneo da reflexão teórica e da análise empírica. Mas, apesar da

vitalidade do debate e das diversas linhas de pesquisa que o acompanharam, a classe

permaneceu ao longo da década de setenta “um conceito essencialmente contestado” ou

seja, “um conceito que não apenas ocupa um lugar numa teoria científica, mas serve

como campo de batalha a inúmeras disputas metodológicas, políticas e ideológicas”

(Conolly, 1972). Neste contexto, as contradições permaneceram entre as diversas

correntes marxistas, uma vez que, como reconhece Wright, “ou a cuidadosa

investigação empírica efectuada não era directamente orientada para abordagens

alternativas da análise de classes ou se desencadearam debates especulativos e


classes concretas (nomeadamente as correntes estruturalistas marcadas pelo pensamento de autores como
Althusser, Poulantzas e Wright, que adiante irei discutir). A segunda mostrou-se em geral mais sensível
ao estudo das conjunturas e processos de mudança, e centrou-se em especial na análise histórica e na
acção política do operariado inglês e americano do século passado (Thompson, 1987; Hobsbawm, 1984;
Tilly et al., 1975; Tilly, 1996; Jones, 1984, 1989), bem como no estudo aprofundado dos processos
produtivos (Lockwood 1966; Braverman, 1974; Gutman, 1977; Edwards, 1979).
6 Deverá reconhecer-se, todavia, que a preocupação com a construção rigorosa de categorias analíticas
orientadas para a análise empírica das classes foi partilhada pelos weberianos que, tal como os marxistas,
sentiram a necessidade de conceber instrumentos de análise mais ajustados à natureza complexa e à
profundidade das transformações ocorridas nas sociedades ocidentais. Pode ainda adiantar-se que
enquanto os primeiros pretenderam sobretudo contribuir para a “construção empírica” das classes – em
especial sob o impulso do funcionalismo americano –, os marxistas procuraram antes de mais desenvolver
os fundamentos teóricos de análise da estrutura de classes.

                                                   28
Entre a Fábrica e a Comunidade


abstractos cujos resultados serviam para ilustrar selectivamente os vários argumentos e

não para avaliar especificamente as diferentes alternativas” (Wright, in Prefácio a

Estanque e Mendes, 1998). A resposta a estas dificuldades procurou afirmar-se através

da estreita combinação entre o maior refinamento conceptual e os resultados da pesquisa

empírica. A linha de pesquisa lançada por Erik Olin Wright em 1979 – o Projecto

Comparativo da Análise de Classes – orientou-se justamente para a recolha sistemática

de dados comparáveis entre uma variedade de países, de maneira a que o debate pudesse

tornar-se mais focalizado nos resultados empíricos obtidos7.

       As polémicas assim instaladas no próprio campo marxista permitiram, por um

lado, lançar novas bases para o avanço da investigação sociológica em torno das classes

e, por outro lado, recolocaram a reflexão no terreno do pensamento de Marx,

nomeadamente, a partir das propostas para a sua “releitura” empreendidas sob

influência de Althusser (Althusser et al., 1970; Poulantzas, 1971 e 1974). O problema

da articulação entre o económico e o político ocupou um lugar central nestes debates, o

que, em boa medida, se liga ao facto de as definições abstractas de Marx terem, em

muitos casos, sido contrariadas pelas transformações históricas e pela prática política8.



7 Da parte dos teóricos weberianos, as iniciativas então desencadeadas surgiram como reacção à falência
do paradigma parsoniano do status-attainment – que pretendia medir a mobilidade observada a partir das
mudanças estruturais na divisão social do trabalho e com base em escalas de medição do status – e
procuraram clarificar as formas de articulação entre a estrutura socioeconómica e a acção de classe no
terreno político-social. Tal como aconteceu com o campo rival, também neste caso se pode dizer que se
assistiu a uma crescente inovação e vitalidade, quer a nível conceptual e teórico, quer no campo da
investigação empírica, o que, em certos casos, resultou num diálogo académico e numa reflexão teórica
mais estreitamente ligados aos conceitos de raiz marxista, especialmente a propósito dos processos de
mobilidade social e trajectórias de classe (cf., entre outros, Goldthorpe 1969 e 1980; Erikson e Goldthorpe,
1993; Lenski, 1966; Giddens, 1975 e 1982; Lipset, 1975; Blau, 1975; Parkin, 1974 e 1979; Dahrendorf,
1982; Sorensen, 1986; Marshall, 1990; Marshall e Rose, 1990; Crompton, 1993; Esping-Andersen,1993;
Pakulsky e Waters, 1996a e 1996b).
8 No entanto, é justo lembrar – como chamou a atenção Stuart Hall (1982) – que o próprio Marx não
deixou de apontar alguns factores de complexidade no que respeita às articulações entre o económico e o
não-económico na estrutura das classes: “são as fases de desenvolvimento do modo de produção que
fornecem a condição necessária, embora não suficiente, para uma teoria marxista das classes: não é o
económico, num sentido mais evidente, que „determina‟. (…) São as relações sociais e materiais em que
os homens produzem e reproduzem as suas condições materiais de existência que „determinam‟ – o como
continua por elucidar. A desigual distribuição das riquezas económicas, mercadorias e poder (…) é, para

                                                    29
Entre a Fábrica e a Comunidade


Exemplo disso é a visão acerca do antagonismo das classes (no quadro da teoria do

materialismo histórico): de facto, nunca as classes rivais se confrontaram como “dois

exércitos inimigos colocados frente a frente” (Balibar, 1991). E foi à volta desse pano

de fundo que a discussão sobre a relação entre as instâncias do económico e do político

– o mesmo é dizer, em torno dos tradicionais antagonismos marxianos, classe em si/

classe para si e infraestrutura/ superestrutura – procurou responder à questão da

correspondência entre as classes enquanto categorias abstractas e enquanto actores

concretos da luta política9. Mas, apesar da tónica repetidamente colocada na

determinação “final” do económico sobre as outras instâncias da formação social, por

parte de Althusser10, o mesmo autor não deixou de reconhecer a complexidade das

relações entre o económico e as diversas condicionantes históricas: “a contradição entre

capital-trabalho nunca é simples, mas sempre tornada específica pelas formas e

circunstâncias historicamente concretas da superestrutura… pela situação histórica

interna e externa” (Althusser e Balibar, 1970)11.



Marx, não a base mas o resultado da distribuição prévia dos agentes da produção capitalista em classes e
relações de classe (…)” (Hall, 1982: 31).
9 Evidentemente que, do pondo de vista marxista, um dos factores que mais directamente interfere com a
“superestrutura” política da sociedade capitalista, prende-se com o Estado (veja-se, adiante, a nota 9,
sobre a concepção de Poulantzas). De um modo geral, estas correntes põem o acento tónico na
capacidade de dominação e na procura de homogeneização político-cultural por parte do Estado
capitalista, recorrendo para isso a uma vasta gama de aparelhos ideológicos e repressivos (Althusser,
1975). Na sua busca de coesão e integração social, o Estado “desorganiza as classes como classes”
(Lukáks, 1971:65), ou seja, a lógica que preside à acção do Estado tem em vista impedir que, sob o efeito
de uma multiplicidade de lutas, os grupos humanos – em especial os mais desapossados – sejam vistos e
se vejam a si próprios como membros de uma classe ou como membros de uma colectividade específica,
para serem simplesmente vistos como membros “da sociedade” (Przeworsky, 1978).
10 Algumas das formulações de Althusser (1975 e 1976; Althusser e Balibar, 1970) e o historicismo
abstracto de Lukács (1971) tonaram-se objecto de uma cerrada crítica, mas ao mesmo tempo esses
importantes trabalhos relançaram o debate marxista, reposicionando a discussão no pensamento de Marx
e denunciando algumas das deturpações a que o mesmo vinha sendo sujeito.
11 O próprio Lenine se referiu à existência de “interesses de classe absolutamente heterogéneos, lutas
sociais e políticas absolutamente contrárias [as quais terão emergido] (…) na sequência de uma situação
histórica absolutamente única” (Lenine, 1969). A definição de classe que Lenine formulara em 1919
tinha-se tornado uma referência central no campo marxista: “classes são vastos grupos de homens que se
distinguem pelo lugar que ocupam num sistema historicamente definido de produção social, pela sua
relação (na maioria das vezes fixada e consagrada pelas leis) face aos meios de produção, pelo seu papel
na organização social do trabalho, portanto, pelos modos de obtenção e importância da parte das riquezas
sociais de que dispõem” (Lenine, 1969: 425).

                                                   30
Entre a Fábrica e a Comunidade


       Poulantzas veio entretanto introduzir novos elementos na abordagem estrutural

das classes. Para este autor, as relações sociais de produção são relações de

interdependência estruturadas na base da propriedade privada legalmente garantida pelo

Estado burguês. E isto segundo um modelo de dominação e de poder cuhjo objectivo

fundamental é a manutenção e a reprodução do modo de produção capitalista12. Um

conceito marcante no debate sobre a visão estruturalista foi o de determinação

estrutural das classes (Poulantzas, 1974), o qual aponta no sentido de que as relações de

classe se estruturam, não apenas a partir de elementos de natureza económica, mas

simultaneamente pelas dimensões política e ideológica. As relações de produção são

relações de classe apoiadas em poderes de classe que, como tais – sublinha Poulantzas –

, “estão constitutivamente ligados às relações políticas e ideológicas que os consagram e

os legitimam. Estas relações não se acrescentam simplesmente às relações de produção

„já lá‟, mas estão elas próprias presentes de forma específica em cada modo de

produção, na constituição das relações de produção” (Poulantzas, 1974: 24). A luta de

classes é parte integrante da própria formação das classes, e, portanto, não se trata de

conceber a estrutura económica de um lado, e a luta de classes sob a forma de relações

ideológicas e políticas, de outro lado. Ao procurar conceber a noção de ideologia como

um conjunto de práticas materiais (e não enquanto sinónimo de “sistema de ideias”),



12 Na concepção de Poulantzas, o Estado capitalista é definido na base da sua relativa autonomia face às
diferentes classes e fracções de classe, a qual lhe garante a capacidade de preservar e reproduzir o bloco-
no-poder. Traduzindo a linha do marxismo estruturalista, o Estado é visto por Poulantzas como um
sistema dinâmico que não está acima da luta de classes. Enquanto relação de forças condensada, que
interfere nas – e ao mesmo tempo incorpora as – contradições da sociedade, ele articula a conflitualidade
social e simultaneamente esconde-a. Boa parte da actividade do Estado e da sua eficácia social e política
deve-se, portanto, à sua não transparência. Enquanto fábrica de ideologia o papel do Estado ganha maior
relevo por aquilo que omite do que por aquilo que mostra. Todavia, ambas as vertentes são indissociáveis
na acção ideológica do Estado, embora cada uma dessas componentes se possa sobrepor à outra em
diferentes períodos históricos. Respostas contrárias podem até ter funções semelhantes, do ponto de vista
dos objectivos apaziguadores do Estado (Poulantzas, 1978). Embora pretenda ultrapassar as concepções
de Estado-coisa (visão instrumentalista de Lenine) e de Estado-sujeito, a sua conceptualização não deixa
de acentuar a ideia de “receptáculo” (onde se repercute a luta de classes) e a visão negativa ou reactiva
(face à vivacidade atribuída à luta e à conflitualidade social e de classe), em vez do papel activo e
empreendedor na relação entre a acção institucional e a sua intervenção na economia, na cultura e na

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Entre a Fábrica e a Comunidade


Poulantzas parece aqui olhar mais para a dimensão reprodutiva do que para a esfera

restrita da produção. Todavia, não fica claro até que ponto as vertentes ideológica e

política continuam ou não a ser concebidas como instâncias secundárias onde se

projecta o económico mas que a ele permanecem subordinadas, ou seja – como também

alertou Mozzicafreddo (1981) –, sendo a produção sempre social, e se as “lutas” e

“práticas” (investidas de ideologia e de política) são a base da estruturação das classes,

não se percebe de que forma entram na própria constituição da “determinação

estrutural”, uma vez que, na sua perspectiva, a relativa autonomia de níveis aponta para

a determinação “final” do económico. O conceito de determinação estrutural das classes

de Poulantzas pode, contudo, permitir pensar as estruturas e práticas políticas e

ideológicas como dimensões sociais do comportamento humano situadas, não “de fora”

das bases que as determinam, mas que, enquanto elementos do social (incluindo o

económico), participam nas estruturas de “determinação” e, ao mesmo tempo, tomam

parte da sua constituição e transformação (Mozzicafreddo, 1981: 40-41)13.


       1.1.2 – O conceito de “lugares contraditórios de classe” (modelo Wright I)

       Um dos fenómenos que mais contribuiu para dar novo curso às velhas polémicas

sobre as teses da “proletarização” versus “emburguesamento” das classes intermédias


sociedade em geral, aspectos que mais tarde outros autores vieram a realçar (Evens et al., 1985; Jessop,
1990; Offe, 1984 e 1985a; Offe e Wiesenthal, 1984; Mann, 1987).
13 O próprio Marx, ao discutir a noção de indivíduo, perece diagnosticar, desde logo, a importância do
factor ideológico na criação do trabalhador “livre”. Na verdade, ele rejeitou claramente a assunção
veiculada pelos economistas clássicos que tomava os indivíduos num sentido natural, biológico, como um
dado – os “indivíduos desprovidos” da sociedade mercantil –, como se estivessem de fora, disponíveis
para posteriormente se tomarem como a “base” das classes. O homem, observou Marx, é produto de
muitas determinações: “a sociedade não é apenas um conjunto de indivíduos; é a soma das relações que os
indivíduos estabelecem uns com os outros. É como se alguém dissesse que, do ponto de vista da
sociedade, escravos e homens livres não existem; são todos homens. De facto, isso é o que eles são fora da
sociedade. Ser escravo ou cidadão é uma relação socialmente determinada entre um indivíduo A e um
indivíduo B. O indivíduo A não é, enquanto tal, escravo. Ele só é escravo na, e através da, sociedade”
(Marx, 1973: 265). Ainda a este propósito, José Barata-Moura refere-se ao problema ontológico da relação
entre o indivíduo e o colectivo no pensamento de Marx, sublinhando que “o colectivo não é uma „coisa‟ –
fora, acima ou ao lado daqueles que materialmente o integram –, não é uma generalidade substancializada
distinta dos seus portadores e da sua actuação enquanto tais. O colectivo são indivíduos actuando de um
modo determinado. O colectivo é um processo dialéctico de trabalho” (Barata-Moura, 1997: 304).

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Entre a Fábrica e a Comunidade


foi o notório crescimento da chamada classe média nas sociedades avançadas – “este

grupo que não é grupo, esta classe que não é classe, este estrato que não é estrato”, na

curiosa acepção de Dahrendorf (1982: 56) –, crescimento esse que abalou

profundamente os pressupostos político-ideológicos do marxismo ortodoxo. Grande

parte do debate entre Poulantzas e Wright girou à volta desse fenómeno (se bem que,

enquanto marxistas, ambos recusaram e combateram as teses liberais ou funcionalistas

que acentuavam a crescente igualdade de oportunidades fornecida pelo sistema)14.

Principalmente devido à importância que dava ao critério ideológico, bem como ao

critério do chamado “trabalho improdutivo” (trabalho não directamente produtor de

mais valia), Poulantzas considerou que um vasto conjunto desses trabalhadores

assalariados integraria uma nova categoria de classe que, aliás, correspondia a um

“prolongamento” de uma classe já existente: a nova pequena burguesia (designação

que, em boa medida, justificou pela semelhança de traços ideológicos – o

individualismo, o feiticismo do poder, etc. – entre o sector dos empregados dos serviços

e a „velha‟ pequena burguesia).

       Erik Wright, por seu lado, tecendo diversas críticas a Poulantzas15, tentou

especificar os fundamentos possíveis da unidade política da “classe média”, embora


14 O crescente protagonismo destas categorias intermédias remete para o conhecido fenómeno da
mobilidade social, a qual, embora reflicta a relativa perda de rigidez da estrutura social não significou um
simples aumento das oportunidades para os filhos da classe operária (como pretenderam algumas
correntes liberais e funcionalistas), tendo antes gerado mecanismos mais complexos na dinâmica social,
mecanismos esses que se traduziram simultaneamente em movimentos de “ascensão”, de “declínio” e de
“reprodução” em termos das disparidades de poder e de estatuto social. Diversos autores preferem falar
de “trajectórias de classe” em vez de “mobilidade social” (cf. Bertaux, 1978; Bourdieu, 1979; Almeida,
1984; Almeida et al., 1994; Goldthorpe, 1984 e 1992; Butler e Savage, 1995; Rodriguez, 1989).
15 A crítica ao critério do trabalho produtivo devido à sua irrelevância em termos das consequências
práticas para a determinação dos interesses de classe, a crítica ao conceito de pequena burguesia, pelo
excessivo ênfase colocado nas características subjectivas dessa classe, a crítica à exagerada importância
atribuída à dimensão ideológica, aspectos que teriam consequências negativas devido, por um lado, à
secundarização do papel da estrutura de classes na determinação do conflito e, por outro, à perda de
centralidade do conceito marxista de relações de produção (Wright, 1981: 40-56). Alguns dos critérios
relativamente consensuais entre os marxistas em termos de uma definição formal mínima da classe, são os
seguintes: a) a classe é um conceito intrinsecamente relacional; b) as relações em que se encontram as
classes conferem-lhes interesses objectivos; c) tais interesses são de natureza antagónica; d) esse
antagonismo deriva da relação de exploração inerente ao modo de produção capitalista; e) tal processo de

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Entre a Fábrica e a Comunidade


aceitasse que esta categoria não constitui uma classe no sentido marxista. Em

alternativa, contrapõe o seu próprio modelo, construído em torno do conceito de lugares

contraditórios nas relações de classe (modelo Wright I) (Wright, 1981). Tais lugares de

classe são identificados não apenas no quadro do modo de produção capitalista (ou seja,

na base das relações de produção capitalistas), mas sim tendo em conta as articulações

complexas entre diferentes modos de produção que historicamente coexistem numa

mesma formação social (leitura que neste ponto é partilhada por ambos os autores).

Wright concebe um esquema triangular a partir das três classes tradicionais: burguesia e

proletariado (modo de produção capitalista) e pequena burguesia (modo de produção

mercantil simples)16. A razão pela qual alguém é considerado parte da pequena

burguesia ou da burguesia, e, por outro lado, a razão pela qual alguém é considerado

parte da pequena burguesia ou do proletariado é aferida em função de critérios como a

propriedade dos meios de produção, a autonomia na produção, o controle sobre a força

de trabalho alheia e a autoridade ou a posição nas relações de poder (Wright, 1981). A

mudança ocorrida na separação entre propriedade e controle, a distinção (parcial) entre

propriedade económica e controle, e a diferença entre “controle sobre os meios físicos

de produção” e “controle do processo de produção” são alguns dos factores que Wright

toma como centrais pelo seu alcance nas relações de classe. Assim, por exemplo,

enquanto o controle sobre os meios físicos e sobre o processo de produção constituem

factores incluídos nas relações de apropriação de mais-valia, o controle sobre a força de

trabalho faz parte das relações de dominação e autoridade. Em síntese, este primeiro



exploração fundamenta-se no modelo de organização da produção, ou seja, nas relações sociais de
produção (Wright, 1983: 11-13; 1985: 34-37).
16 Ao longo desses três eixos é possível detectar diversas posições de classe (ou “lugares contraditórios”),
primeiro, as situadas entre a pequena burguesia e cada uma das classes polares do modo de produção
dominante – a burguesia ou o proletariado (lugares situados entre o modo de produção mercantil simples
e o modo de produção capitalista), e, segundo, as posições situadas entre cada uma das classes polares do
modo de produção capitalista. Considerando que o impacto do desenvolvimento capitalista sobre a esfera
produtiva se repercute em fenómenos como: a) a progressiva perda de controle sobre o processo de

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Entre a Fábrica e a Comunidade


modelo de Wright resulta da articulação entre seis critérios: 1) controle sobre os

recursos e investimentos (propriedade económica); 2) controle sobre os meios físicos de

produção (posse); 3) controle sobre a força de trabalho alheia (posse); 4) propriedade

legal sobre capital e imóveis (propriedade jurídica); 5) situação legal de empregador

(propriedade jurídica); 6) venda de trabalho assalariado. Como consequência, esta

tipologia traduz-se num conjunto de oito categorias de classe: por um lado, as três que

correspondem a situações inequívocas: burguesia, proletariado e pequena burguesia; por

outro lado, cinco lugares contraditórios de classe: pequenos empregadores, empregados

semi-autónomos, gestores, gestores-consultores e supervisores (Wright, 1981: 66).

      Este primeiro modelo revelou diversas insuficiências teóricas e dificuldades de

operacionalização analítica, postas a nu pelo próprio terreno empírico. Eis algumas das

situações “anómalas” consideradas como reveladoras das deficiências do modelo: a

distinção entre as situações polares e os lugares contraditórios de classe não permite a

identificação de categorias de classe enquanto portadoras de interesses opostos (como

era objectivo declarado do autor); o caso dos empregados semiautónomos, considerados

numa situação distinta da classe operária devido à maior autonomia face às suas tarefas,

aspecto que, além de não pressupor nenhuma diferença essencial em termos de

interesses de classe, é definido com base num critério contingencial (que pode até ser

exterior ao processo produtivo) e não deriva das relações sociais de produção. Como

mais tarde reconheceu Wright, um porteiro poderia possuir mais autonomia do que, por

exemplo, um piloto de aviação, daí resultando que este último estaria mais firmemente

numa localização da classe operária do que o primeiro. A autonomia e a dominação,

enquanto critérios de pertença de classe, foram sobrevalorizados e deixam transparecer




trabalho por parte da classe operária; b) a diferenciação das funções do capital; e c) a crescente
complexificação das hierarquias no espaço produtivo (Wright, 1981: 59-66).

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Entre a Fábrica e a Comunidade


um excessivo pendor institucional, ou seja, uma lógica demasiado dependente das

hierarquias da empresa e das posições funcionais no seio da divisão técnica do trabalho.


      1.1.3 - Novos desenvolvimentos no modelo de Wright (modelo Wright II)

      Deste modo, o combate crítico foi, em certa medida, dando lugar à própria

autocrítica do autor e as reformulações que se seguiram começaram a traduzir-se num

segundo modelo, cuja sistematização – sempre acompanhada de abundante pesquisa

empírica e respectivos modelos estatísticos – apareceu na obra Classes (Wright, 1985).

      Este modelo reconstruído (Wright II) procurou recuperar o conceito marxista de

exploração para o centro da análise, considerando que o antagonismo de interesses entre

as classes passa necessariamente pela existência de relações de exploração. A

dominação, por si só, não chega para definir interesses objectivos antagónicos. Este é, no

entanto, um ponto delicado. Trata-se da tese das opressões múltiplas, segundo a qual as

sociedades capitalistas se caracterizam por uma pluralidade de mecanismos de

dominação, cada um deles exercendo uma forma particular de opressão: a desigualdade

sexual, o racismo, o colonialismo, o poder económico, etc. Uma boa ilustração da

diferença entre opressão e exploração é retirada da esfera familiar: a opressão dos filhos

pelos pais não implica a existência de interesses materiais (ou interesses “objectivos”)

opostos entre uns e outros. O mesmo se pode dizer dos grupos sociais em situações de

opressão não-exploradora – como acontece com os marginais, os pobres, os

desempregados, as minorias étnicas, etc. – que, por não traduziram uma relação de

interdependência com os opressores poderiam, do ponto de vista destes, ser banidos sem

que isso afectasse a sua condição, ou seja, ao contrário da situação de exploração, o

opressor não “precisa” do esforço produtivo do oprimido17. Por isso, a relação


17 Wright refere-se à diferença entre situações de opressão não-exploradora e situações de exploração
recorrendo aos exemplos históricos da colonização da América do Norte e da África do Sul. “No caso da

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Entre a Fábrica e a Comunidade


dominação/opressão não chega, por si só, para definir os interesses objectivos em causa.

Só a exploração pode estruturar as principais clivagens classistas porque só ela produz

interesses materiais antagónicos, visto que só neste caso o explorador “precisa” do

explorado para acumular riqueza e este último precisa do primeiro para sobreviver.

Relações de exploração geram, inevitavelmente, interesses objectivos contraditórios (já

que nenhum indivíduo tem um interesse objectivo em ser explorado) ainda que os

mesmos sejam camuflados através de atitudes subjectivas de anuência ou de

aceitação18. Daí a insistência do autor em que o conceito de exploração deve continuar

no centro da análise das classes.

       Esta acepção em torno dos interesses objectivos (ou fundamentais) não deixou de

dar azo a acusações de ortodoxia e de voluntarismo. Conforme apontaram alguns dos

críticos de Writght, a crença implícita de que o verdadeiro interesse da classe operária

coincide com o interesse no socialismo reflecte, antes de mais, “uma arbitrária atribuição

de interesses, por razões de natureza política” (Laclau e Mouffe, 1985: 83). A questão

dos “interesses de classe”, além de ser um dos pontos mais combatidos e vulneráveis

deste modelo – bem como uma das noções que melhor exprimiu o dogmatismo marxista

em geral –, remete directamente para o problema da acção e da identidade de classe, a

que voltarei mais adiante. É, pois, imperioso reconhecer as dificuldades de Wright em




opressão não-exploradora os opressores ficariam felizes se os oprimidos simplesmente desaparecessem. A
vida teria ficado mais fácil para os colonos europeus na América do Norte se o continente não estivesse já
habitado por pessoas. O genocídio é assim uma estratégia potencial para a opressão não-exploradora. O
que não é uma opção numa situação de exploração económica porque os exploradores precisam do
trabalho dos explorados para o seu bem-estar material. Não é por acidente que culturalmente temos o
hediondo ditado „o único índio bom é o índio morto‟, mas não outros ditos como „o único trabalhador
bom é o trabalhador morto‟ ou „o único escravo bom é o escravo morto‟. Fará sentido dizer „o único
trabalhador bom é o trabalhador obediente e consciencioso‟, mas não que „o único trabalhador bom é o
trabalhador morto‟. O contraste entre a América do Norte e a África do Sul no tratamento dos povos
indígenas reflecte esta diferença pungente: na América do Norte, onde os povos indígenas foram
oprimidos (através da expulsão coerciva das terras), mas não explorados, o genocídio foi a política
primária de controlo social em face da resistência; na África do Sul, onde a população colona europeia
dependia fortemente do trabalho africano para a sua própria prosperidade, essa não podia ser uma opção”
(Wright, 1997a: 11-12).

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Entre a Fábrica e a Comunidade


libertar-se de alguns dos insolúveis equívocos que o marxismo estrutural introduziu na

análise abstracta das classes, aspectos que se foram tornando mais claros à medida que

outras clivagens sociais concorrentes com a classe foram sendo reconhecidas19.

      Apesar da vulnerabilidade de Wright a algumas destas críticas (Wright, 1989,

1997a e 1997b)20, a classe – definida num sentido estrutural – continua a ser tomada

pelo autor como um mecanismo que além de encerrar, ele próprio, uma forma particular

de opressão, é dotado de capacidade para impor limites às outras formas de opressão

(embora não as “determine” directamente), ou seja, o conceito de classe é o único que

transporta simultaneamente mecanismos de opressão e de exploração. Todavia, é

questionável se a dominação é menos importante que a exploração. A propensão humana

para a acção é muitas vezes mais constrangida pela dominação/opressão do que pela

exploração. Como principal referência teórica, Wright inspirou-se abundantemente em

John Roemer (1982b)21, o qual considera que a exploração e as classes são, à partida,

fenómenos relativamente independentes um do outro. Para além disso, procura mostrar a

possibilidade teórica da existência de sociedades com exploração mas sem classes

sociais (Costa, 1987). As desigualdades sociais são analisadas como consequência de

mecanismos de exploração capazes de proceder à transferência de sobretrabalho de uns

grupos sociais para outros, ou seja, existe uma relação causal entre o bem-estar de uns e




18 Ao contrário da conhecida equação liberal – segundo a qual os interesses do indivíduo correspondem
aos seus interesses expressos –, em Wright, o verdadeiro interesse está longe de coincidir com os
interesses manifestos do agente.
19 Como mostraram alguns estudos sobre as desigualdades, a mudança e a acção colectiva que surgiram
nos últimos dez anos (cf. Balibar e Wallerstein, 1991; Aronowitz, 1992; Eder, 1993; Cohen e Arato,
1994; Calhoun, 1994; Crompton, 1993 e 1997).
20 Em artigo recente sobre a questão da diferença sexual, parecem claras as crescentes cedências de
Wright, ou seja, a tendência em considerar ambos os factores (classe e diferença sexual), com
semelhantes capacidades de estruturação das desigualdades: “o marxismo e o feminismo são as duas
tradições teóricas que mais atenção têm dado à tentativa de compreensão destas formas de opressão. No
passado dispendeu-se muita energia teórica em debates de carácter metateórico sobre se se deveria
conferir uma prioridade geral a um ou a outro destes feixes de processos causais. Uma das conquistas do
progresso teórico destes últimos anos consistiu em superar essas preocupações” (Wright, 1997b).

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Entre a Fábrica e a Comunidade


a privação de outros. Ao contrário da teoria do valor-trabalho de Marx, Roemer defende

que pode haver exploração, por exemplo, num modelo de sociedade em que todos sejam

proprietários dos meios de produção e trabalhem em regime de autoprodução (economia

de subsistência sem mercado de trabalho), pressupondo-se para tal a existência de bens

produtivos e instrumentos técnicos desiguais à partida. Se, como demonstra Roemer

(1982b, 1986), o produtor X produzir mais mercadorias que o produtor Y dispendendo o

mesmo tempo de trabalho, ao trocá-las no mercado concorrencial, X pode obter um

cabaz de mercadorias maior que Y, tendo dispendido um esforço igual ou inferior, o que

significa que X explora Y. Em tal situação a exploração poderia acontecer, mesmo na

ausência de classes.

       O mesmo autor postula ainda a existência de um processo de correspondência

entre classes e exploração, o qual tem lugar no quadro de um modelo de economia de

subsistência com mercado de trabalho. Neste caso, as classes emergem a partir da

diferença (qualitativa e quantitativa) na relação com os meios de produção. À existência

ou não existência de propriedade dos meios de produção e ao desigual volume de

propriedade, correspondem diferentes classes: os que vendem força de trabalho, os que

compram força de trabalho e os que não vendem nem compram força de trabalho. Em tal

situação é a propriedade a base da exploração e trata-se, portanto, de exploração

capitalista (com base na apropriação de mais-valia no processo de trabalho).

       Segundo os modelos de Roemer, a desigual distribuição de recursos e a troca de

bens no mercado bastam para gerar transferência de mais-valia. São, portanto, dois os

tipos de recursos produtivos que estão na base desses processos: 1) – recursos alienáveis

(bens físicos, propriedade material); e 2) – recursos inalienáveis (capacidades,

habilidades, qualificações). As desigualdades nos primeiros dão origem à exploração


21 Os modelos propostos por este autor e a sua contribuição para as “novas e velhas questões” sobre a
teoria das classes foram objecto de importante reflexão e síntese teórica realizada por António Firmino da

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Entre a Fábrica e a Comunidade


capitalista e as desigualdades nos segundos dão origem ao que Roemer designa por

exploração socialista22. Olin Wright acrescenta-lhes duas novas modalidades (que se

vêm juntar àquelas): 3) – recursos em pessoas (posse de força de trabalho) e 4) –

recursos organizacionais (controle dos mecanismos de decisão nas organizações). A

desigual distribuição dos primeiros refere-se especificamente à sociedade feudal, uma

vez que aí, diferentemente do capitalismo, nem todos possuíam uma unidade de força de

trabalho, visto que os servos não eram sequer proprietários do seu próprio corpo,

enquanto os senhores possuíam a força de trabalho dos seus servos. Deste modo, a

exploração feudal assenta na transferência directa do sobretrabalho a partir da

propriedade da força de trabalho alheia. Por sua vez, a desigual distribuição de recursos

organizacionais dá lugar a uma forma de exploração considerada dominante nas

sociedades de “socialismo de Estado” (onde as estruturas organizacionais do Estado se

estendiam a toda a sociedade) – a exploração socialista23.

       Segundo Wright, as diferentes modalidades de recursos desigualmente distribuídos

combinam-se de forma complexa nas “sociedades concretas”, para darem origem a

múltiplas formas de exploração. Assim, ao propor o seu actual mapa das localizações de

classe, desde logo nos adverte que “na maior parte das sociedades haverá muitas

posições na estrutura de classes que são simultaneamente exploradoras e exploradas

segundo as diferentes dimensões das relações de exploração” (Wright, 1989a: 8).

Concretamente, nas sociedades capitalistas, o autor considera a combinação de três tipos



Costa (1987).
22 Escuso-me, por razões óbvias, de aprofundar a análise de Roemer, mas refira-se que uma segunda
componente de grande importância no contexto da sua “teoria geral da exploração” é inspirada na teoria
dos jogos. Dela se infere que as estratégias de retirada dos actores, perante as “alternativas viáveis” em
face de escolhas entre, por exemplo, participar no “jogo” feudal, capitalista, ou socialista, se tornam
condicionantes fulcrais das práticas e dos seus processos de estruturação em termos classistas (cf. Roemer,
1982a e 1982b; e Costa, 1987).
23 Em todo o caso, a noção de “exploração organizacional” ou “exploração burocrática” parece algo
ambígua, principalmente quando aplicada às sociedades capitalistas. De facto, não é fácil vislumbrar
situações em que aos desapossados dos meios de produção seja permitido estruturar com sucesso o “poder

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Entre a Fábrica e a Comunidade


principais de exploração: exploração capitalista (baseada no desigual controle dos meios

de produção); exploração organizacional ou burocrática (desigual controle de recursos

organizacionais ou de autoridade); e exploração por credenciais ou qualificações

(desigual controle de qualificações escassas ou credenciais escolares). Se nas actuais

sociedades a única forma de exploração fosse de tipo capitalista, todos os assalariados

pertenceriam à classe operária. Porém, tendo em atenção as outras formas de exploração

será possível visualizar divisões internas de classe, pondo em relevo, por exemplo,

localizações da “classe média” onde se combinam múltiplas formas de exploração e em

que algumas dão lugar a situações ambíguas (que, no fundo, correspondem a lugares

contraditórios nas relações de classe), ou seja, situações que podem ser

simultaneamente exploradas (porque, por exemplo, não possuem os meios de produção)

e exploradoras (porque, por exemplo, possuem elevadas credenciais ou diplomas

académicos). O referido esquema dá então lugar a uma estrutura com um conjunto de

doze “localizações de classe” (o que, obviamente, não significa advogar a existência de

doze classes) as quais, embora correspondendo a uma estrutura abstracta, condicionam

no concreto as práticas individuais e as formas possíveis de acção colectiva24.

       Uma das vantagens desta proposta reside justamente nas possibilidades que abre à

análise das chamadas “classes médias” a partir de um ponto de vista marxista,

permitindo visualizar diferentes lógicas de acção e diferentes estratégias segundo

critérios que se reconhecem hoje decisivos, como é o caso das qualificações (ou

credenciais escolares) e dos instrumentos de poder (recursos organizacionais ou



da organização”, em especial se se pretender usá-lo contra o proprietário. Por isso, dificilmente este factor
pode ser visto como uma relação independente.
24 Sobre a tipologia das doze localizações de classe e a sua operacionalização, ver Wright (1985: 64 e ss.).
No âmbito do presente estudo, o modelo de análise de Wright assume maior relevância no que respeita aos
resultados da estrutura regional das classes na zona da indústria do calçado (que apresentarei no Capítulo
6). A abordagem aí efectuada, embora apoiada nos pressupostos teóricos e metodológicos de Wright,
analisa os resultados obtidos recorrendo à dimensão histórica e cultural, ou seja, dando atenção a factores
que se aproximem mais da teoria weberiana.

                                                    41
Entre a Fábrica e a Comunidade


autoridade) de que se dispõe nas relações de trabalho. Mas há aqui incongruências

difíceis de ultrapassar.

      Primeiro, o conceito de exploração é, na prática, utilizado num sentido puramente

quantitativo e, em termos operativos, as distinções são efectuadas arbitrariamente, o que

contraria o pressuposto de que a análise marxista é fundamentalmente relacional.

Segundo, não se vê como os três critérios – propriedade, recursos organizacionais (ou

autoridade) e credenciais escolares – se relacionam uns com os outros. Terceiro, é

duvidoso que a desigual distribuição de recursos em credenciais e em autoridade possam

ser concebidas como formas de exploração com o mesmo nível de importância da

exploração capitalista (propriedade e extracção directa de mais-valia), pois esta é a única

relação que, além de produzir lucro, implica relações intrínsecas de interdependência

entre explorado/ explorador. Por último, o procedimento de Wright no que respeita ao

tratamento da dimensão político-social – das formações de classe, da consciência de

classe e da subjectividade – levanta sérias dúvidas, em particular a sua insistência nas

articulações “objectivas” entre as posições estruturais e as formas de consciência

confunde-se com a ortodoxia essencialista, como lhe têm apontado alguns dos seus

críticos neoweberianos e pós-marxistas (Marshall et al., 1988; Laclau e Mouffe, 1985).

      É importante nesta altura lembrar as aproximações de Wright ao pensamento de

Weber, particularmente notadas nos seus últimos trabalhos (Wright, 1997a e 1997b). Na

verdade, a abordagem estrutural das classes poderá sair enriquecida se for combinada

com factores mais identificados com o weberianismo, como sejam a dimensão

comunitária e a mobilidade social. O próprio Wright aponta, como se disse, as vantagens

de “marxianizar o weberianismo”25, considerando que o elo estrutural que liga


25 Em algumas formulações, o próprio conceito de “exploração” surge como elo de ligação entre as duas
tradições. É o que acontece quando, por exemplo, John Roemer fala em “exploração de status” ou em
“exploração socialista” e quando se admite que, em termos abstractos, pode haver exploração mesmo num
modelo de sociedade sem mercado de trabalho, ou seja, com todos os produtores a serem proprietários dos

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Entre a Fábrica e a Comunidade


explorador e explorado na produção afecta as capacidades de mercado e as

oportunidades de vida dos membros das classes sociais em presença e, assim, o conflito

distributivo está em articulação com as relações de exploração sediadas na produção.

Recorrendo a uma parábola da banda desenhada – a história do shmoo (Wright, 1997a:

4) – o autor procura mostrar como os recursos e meios de vida que os trabalhadores da

indústria possam encontrar fora da empresa constituem uma dimensão que – embora

tenha lugar através das relações de mercado e não na relação directa capital/trabalho –

faz parte dos mecanismos de exploração, já que o enriquecimento de uns é efectuado à

custa da privação de outros. Neste caso, a exploração não é incompatível com o

compromisso entre as classes desde que as actividades complementares (na verdade, o

equivalente aos shmoos) se mantenham insuficientes para a subsistência do trabalhador,

acabando por favorecer simultaneamente os operários e o capitalista. Ou seja, enquanto

os primeiros podem reforçar o seu baixo salário, mantendo ao mesmo tempo o emprego

(por isso não têm interesse que a fábrica feche as portas), o segundo beneficia com isso,

pelo menos enquanto tais rendimentos paralelos forem insuficientes por si sós, e os

assalariados, à falta de melhores alternativas, forem obrigados a trabalhar para um patrão

que lhes paga mal26. Com esta ilustração o autor pretende mostrar como as relações de

mercado têm de facto uma interferência directa na estruturação das classes visto que tais

mecanismos de mercado, apesar de facilitarem certas formas de compromisso, não

deixam de se apoiar no antagonismo de interesses e na lógica exploradora.




seus meios de produção, os próprios mecanismos de mercado fornecem as bases da exploração. Wright
adere claramente a esta ideia quando, no seu último livro, desenvolve a metáfora do “efeito shmoo”
(Wright, 1997a; cf. também Estanque e Mendes, 1998). Para uma síntese desta discussão e em particular
dos modelos de Roemer, ver Costa (1987).
26 Mas se, por hipótese, a situação se alterasse no sentido de se obterem benefícios crescentes a partir, por
exemplo, da actividade agrícola, é provável que muitos trabalhadores preferissem trocar a fábrica pelo
trabalho na agricultura, fazendo escassear a mão-de-obra na indústria e consequentemente inflaccionando
os salários aí praticados.

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Entre a Fábrica e a Comunidade


      Por outro lado, a localização “directa” na estrutura de classes, sendo muitas vezes

insuficiente para explicar tanto as práticas como as orientações subjectivas dos

indivíduos, faz apelo a outras mediações, como sejam a interferência “indirecta” das

redes sociais (familiares e de amizade) e das trajectórias pessoais ou intergeracionais na

definição da posição de classe mediada, enquanto factor influente na explicação das

práticas e subjectividades individuais ou colectivas27. Efectivamente, parece cada vez

mais insustentável a ideia de que a estrutura de classes possa, por si só, fornecer

explicações plausíveis para a compreensão das subjectividades e comportamentos

colectivos, uma vez que na verdade não existem quaisquer interesses “essenciais” ou

“objectivos” directamente atribuíveis à posição de classe28. Se esta continua a ser um

elemento importante, ela deve conjugar-se com outros factores de natureza histórica,

contextual e cultural, nomeadamente o fenómeno das identidades.

      O problema da acção colectiva e a questão dos “interesses” – classistas ou não –

podem ser equacionados com as identidades. Muito embora esse seja um tema que

abordarei mais à frente vale a pena adiantar que diversos autores o introduzem nas

discussões sobre a acção de classe. Por exemplo, Ted Benton prefere utilizar em vez do

conceito de “interesses”, a noção de “objectivos” (Benton, 1981), considerando que

estes são inerentes às práticas sociais e se manifestam sobretudo no seu conteúdo

simbólico. Esta ideia é sublinhada por Firmino da Costa quando afirma que “em

sociedade, cada actor ou categoria de actores não só tem um, mas diversos objectivos

possíveis,    ligados    à   variedade     de    identidades     colectivas    sobreponíveis      ou



27 Alguns resultados da sociedade portuguesa referentes às permeabilidades de classe entre diferentes
gerações e à posição de classe do cônjuge e do amigo mais próximo foram publicados noutro lugar
(Estanque e Mendes, 1998). Para novas discussões entre o modelo de Wright e a diferença sexual, ver
Wright (1997b) e Crompton (1997).
28 Michael Burawoy afirma que Wright faz concessões ao idealismo, ao formular o conceito de
“interesses de classe objectivos”, assumindo, implicitamente, que a classe operária tem um interesse
objectivo no socialismo (Burawoy, 1989).

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Entre a Fábrica e a Comunidade


alternativamente colocáveis” (Costa, 1987: 77)29. Quer isto dizer que a tomada de

consciência dos “interesses de classe” não deriva directa e “objectivamente” dos lugares

de classe, uma vez que estes apenas estão em condições de desenvolver interesses

potenciais. De qualquer dos modos, os interesses manifestam-se sempre no quadro de

identidades sociais em relação às quais estão, em certa medida, dependentes (Marshall,

1997: 52). Como frisou Pizzorno (1981), a identidade precede os interesses. Isto vai

também ao encontro da leitura dos pós-marxistas Laclau e Mouffe (1985), para quem

são sobretudo a experiência e as práticas que condicionam a subjectividade e a vontade

dos actores, e não tanto o processo inverso.

       Numa linha semelhante, os autores da escola neoweberiana de Essex (Marshall et

al., 1988), admitem que no caso da classe operária, as identidades sociais sejam

primariamente oriundas da produção, mas sublinham: “isso não é sempre verdade nem

tem consequências uniformes. Identidades sectoriais, tanto como identidades de classe,

podem emergir de experiências particulares de trabalho, mas elas não têm de ser

permanentes ou duráveis. Podem ser activadas em circunstâncias particulares, por

exemplo, no contexto de uma disputa industrial ou quando a fábrica está sob ameaça de

encerramento, mas noutras ocasiões permanecem latentes. Nessas alturas, as esferas da

vida fora do trabalho são provavelmente as mais salientes para activar as identidades

sociais. Na verdade, para alguns indivíduos estas identidades podem modelar outras

identidades potenciais” (Marshall et al., 1988: 273).

       De um modo geral, pode dizer-se que a explicação da acção colectiva da classe

trabalhadora com base nas solidariedades da colectividade operária tem vindo a sofrer



29 Como refere Firmino da Costa, daqui deriva “a possibilidade de objectivos alternativos e o facto de
uma parte importante da luta de classes consistir em tentar-se persuadir outros de que os seus „interesses
verdadeiros‟ são uns, e não outros, ou seja, em advogar mudanças de identidade, em procurar induzir
orientações preferenciais, não para umas, mas para outras identidades colectivas”. Citando Benton, pode
ler-se no mesmo texto: “tentar persuadir alguém de que um certo curso de acção, em vez dum outro

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uma crescente contestação30. É certo que o pressuposto evolucionista da teoria do

materialismo histórico, bem como o pendor determinista e abstracto que acompanhou a

teoria das classes no passado, são formalmente rejeitados por Erik Wright (1997a;

Wright et al., 1992). No entanto, a grande preocupação do autor com o rigor conceptual

e a operacionalidade dos modelos estatísticos parecem ir de par com uma certa perda de

vitalidade crítica, fazendo com que alguns dos seus “equipamentos analíticos” apareçam

hoje envoltos num excessivo relativismo. A abordagem de Wright é ontologicamente

forte, mas epistemologicamente fraca. Ao advogar que as classes têm uma existência

concreta, independentemente do que se passa num dado quadro “mental” ou

“conceptual”31, parece esquecer que, apesar de tudo, a realidade é inseparável do sujeito

que a pretende captar e “moldada” pelo próprio acto de conhecer.

       Uma análise realista das estruturas e da acção de classe exige a captação das

configurações concretas de ideologias, identidades culturais e práticas de classe inseridas

em contextos históricos particulares. Ou seja, a análise estruturalista das classes pode ser

útil a uma abordagem como a que está em causa neste estudo, mas é necessário

complementá-la com outras perspectivas que permitam uma compreensão mais profunda

e qualitativa da realidade social, capaz de captar os processos históricos e os contextos

socioculturais concorrentes com a estrutura de classes na modelação da acção colectiva.

As práticas e experiências vividas no processo produtivo e na comunidade não só se

inscrevem nas estruturas mais gerais do capitalismo, mas revestem-se de significados



qualquer, é do seu interesse significa tomar parte na constituição e/ou reconstituição da sua identidade
social e pessoal” (Costa, 1987: 77).
30 A perda de centralidade da classe nos processos políticos e na transformação social mais geral,
caminha de par com a emergência de outro tipo de fenómenos e de clivagens identitárias (socioculturais,
étnicas, sexuais, etc.), assunto a que irei referir-me no ponto seguinte (cf. Korpi, 1983; Goldthorpe, 1984;
Maheu, 1995; Eder, 1993; Aronowitz, 1992; Burawoy, 1985 e 1989; Pakulsky e Waters, 1996a).
31 Uma tentativa de demarcação face a Ernesto Laclau (e a outros críticos), segundo o qual “os objectos
não são nunca dados como meras „existências‟ mas, são sempre articulados no seio de totalidades
discursivas” (Laclau, 1990: 109). Alguns acusam-no de ser como o viajante meticuloso que “passa o
tempo a fazer as malas para não ir a lado nenhum”.

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Entre a Fábrica e a Comunidade: Subjetividades e Práticas de Classe no Operariado do Calçado

  • 1. Elísio Estanque ENTRE A FÁBRICA E A COMUNIDADE subjectividades e práticas de classe no operariado do calçado Editora Afrontamento, Porto - 2000
  • 2. Entre a Fábrica e a Comunidade ÍNDICE Agradecimentos ................................................................................................................. 7 Introdução ........................................................................................................................ 9 I PARTE PROBLEMÁTICA TEÓRICA E PERSPECTIVA ANALÍTICA Capítulo 1 ENTRE A CLASSE E A COMUNIDADE: ESTRUTURA DE CLASSES, INDUSTRIALIZAÇÃO E IDENTIDADES CULTURAIS EM MUDANÇA 1.1 - Análise de classes e estrutura de classes ....................................................................................... 20 1.1.1 - Dilemas em torno da análise estrutural das classes ............................................................. 00 1.1.2 - O conceito de “lugares contraditórios de classe” (modelo Wright I) .................................. 00 1.1.3 - Novos desenvolvimentos no modelo de Wright (modelo Wright II)...................................... 00 1.2 - Identidade e comunidade na formação da classe operária ........................................................ 40 1.2.1 - Identidade e identificação .................................................................................................... 00 1.2.2 - Comunidade e emancipação................................................................................................. 00 1.2.3 - O problema do enquadramento espacial .............................................................................. 00 1.2.4 - A formação da classe operária, a comunidade e a acção colectiva ..................................... 00 1.3 - Controle, consentimento e despotismo: regimes de acumulação e relações na produção ..................................................................................................................... 77 1.3.1 - Classe e processos produtivos, de Braverman a Burawoy ................................................... 00 1.3.2 - Regimes despóticos e regimes hegemónicos......................................................................... 00 1.3.4 - Relações de consentimento, sistemas de poder e novos despotismos ................................... 00 1.4 - Lazer, Cultura Popular e Controle Recreativo ............................................................................ 96 1.4.1- Lazer e classes sociais ........................................................................................................... 00 1.4.2 - Cultura popular e cultura de massas ................................................................................... 00 1.4.3 - O lazer popular e a comunidade nos regimes autoritários .................................................. 00 Capítulo 2 PROCEDIMENTOS ANALÍTICOS E METODOLÓGICOS 2.1 - Hipóteses de partida ....................................................................................................................... 101 2.2 - Orientação metodológica ............................................................................................................... 105 2.2.1 - Compreensão e auto-reflexão ............................................................................................... 111 2.2.2 - O macro e o micro ................................................................................................................ 111 2.2.3 - O método de caso alargado .................................................................................................. 111 2.2.4 - As técnicas de recolha utilizadas ........................................................................................... 111 10
  • 3. Entre a Fábrica e a Comunidade II PARTE EVOLUÇÃO HISTÓRICA: INDÚSTRIA, LAZER E COMUNIDADE Capítulo 3 INDUSTRIALIZAÇÃO, MOVIMENTO OPERÁRIO E TRADIÇÃO FESTIVA NA VIRAGEM DO SÉCULO 3.1 - A chapelaria, o calçado e o movimento operário local ................................................................ 122 3.1.1 - A primeira fase de industrialização: a chapelaria e o calçado ............................................ 222 3.1.2 - Condições de vida do operariado nos princípios do século ................................................. 222 3.1.3 - Associativismo e clivagens ideológicas na chapelaria e no calçado .................................... 222 3.1.4 - Movimento grevista e acção operária na chapelaria e no calçado ...................................... 222 3.2 - Cultura, festa e tradição nas comunidades locais ........................................................................ 150 3.2.1 - Expressividade popular, religiosidade e mercado ............................................................... 222 3.2.2 - Alguns contrastes de classe: a vida quotidiana na viragem do século ................................. 222 3.2.3 - O discurso bairrista e o novo estatuto de vila e de concelho ............................................... 222 Capítulo 4 SOB A TUTELA DO ESTADO NOVO: ACÇÃO COLECTIVA E PRÁTICAS DE LAZER, ENTRE A REGULAÇÃO E A RESISTÊNCIA 4.1 - Impactos locais do Condicionamento Industrial ......................................................................... 181 O sector da chapelaria ........................................................................................................ 000 O crescimento do sector do calçado ................................................................................... 000 A indústria metalúrgica e o caso da “Oliva” ..................................................................... 000 4.2 - Exemplos de resistência operária local: militância sindical e política durante o salazarismo . 193 4.3 - Controle recreativo e práticas culturais no Estado Novo............................................................ 217 4.3.1 - Instituições estatais e festividades locais ............................................................................. 000 4.3.2 - As formas locais de lazer e a moral dominante .................................................................... 000 A taberna ............................................................................................................................. 000 Cinemas e cafés ................................................................................................................... 000 O campismo ......................................................................................................................... 000 O desporto ........................................................................................................................... 000 4.3.3 - A acção da FNAT em S. João da Madeira e o caso da “Oliva” .......................................... 000 III PARTE TENDÊNCIAS RECENTES: AS CLASSES, A FÁBRICA E A COMUNIDADE Capítulo 5 A ESTRUTURA DE CLASSES NA REGIÃO DO CALÇADO: MOBILIDADE SOCIAL, SUBJECTIVIDADES E PRÁTICAS ASSOCIATIVAS 5.1 - Caracterização da estrutura de classes da região ........................................................................ 256 5.2 - Mobilidade social intergeracional ................................................................................................. 267 5.3 - Subjectividades ambivalentes: emancipação e conservadorismo ............................................... 000 5.4 - Os problemas sociais identificados: entre o optimismo e a resignação ...................................... 000 11
  • 4. Entre a Fábrica e a Comunidade 5.5 - Práticas associativas e acções de protesto ..................................................................................... 000 5.6 - Os usos do lazer e a massificação do consumo ............................................................................. 000 Capítulo 6/ Capítulo 6-A ESTUDO DE CASO: RESISTÊNCIA, CONSENTIMENTO E EVASÃO NUMA FÁBRICA DE CALÇADO/ UMA EXPERIÊNCIA NA FÁBRICA O Sociólogo na Fábrica: fragmentos de um “Diário de Campo” .................................... 298 6.1 - A importância da linha de montagem no processo de fabrico .................................................... 000 6.2 - Disciplina, poder, consentimento e resistência ............................................................................. 000 6.2.1 - O patrão e os operários ........................................................................................................ 000 6.2.2 - Os encarregados e o poder: uma posição de fronteira ....................................................... 000 6.2.3 - Os jogos de poder do colectivo operário .............................................................................. 000 6.3 - Evasão e humor: rituais de descompressão .................................................................................. 6.3.1 - Os intervalos e as brincadeiras sexistas ............................................................................... 6.3.2 - Jogo e humor na produção ..................................................................................................... 6.3.3 - Ambiguidades e heterogeneidades de classe ........................................................................ CONCLUSÃO ......................................................................................................................................... 423 BIBLIOGRAFIA .................................................................................................................................... 000 ANEXOS ................................................................................................................................................. 000 12
  • 5. Entre a Fábrica e a Comunidade AGRADECIMENTOS O presente estudo destinou-se inicialmente a uma tese de doutoramento em sociologia cuja defesa teve lugar na Universidade de Coimbra em Julho de 1999. Embora tenha procedido a algumas alterações para esta edição em livro, manteve-se, no essencial, a mesma estrutura expositiva. Apesar da pesquisa ter sido recentemente concluída, os primeiros trabalhos que realizei sobre este tema tiveram o seu início há alguns anos atrás no âmbito da actividade académica que tenho vindo a desenvolver na Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra e no Centro de Estudos Sociais1. Muitos colegas e amigos contribuíram com o seu incentivo e solidariedade para que as inúmeras hesitações e dificuldades com que me deparei ao longo deste percurso, pudessem ser ultrapassadas. Não sendo possível enumerar todos aqueles que de um modo ou de outro me apoiaram, cabe-me no entanto destacar alguns nomes, de pessoas e instituições, que mais de perto me acompanharam nesta tarefa. Em primeiro lugar, cabe um agradecimento especial a Boaventura de Sousa Santos, meu orientador científico, pela permanente motivação, confiança e apoio que me tem dedicado desde que em 1985 integrei a equipa de investigadores por ele liderada. A solidariedade que prontamente manifestou nas fases de maior inquietação e desânimo por que passei, em especial durante a observação participante que realizei na fábrica, foi decisiva para levar por diante este projecto. Em segundo lugar, quero expressar a minha gratidão aos colegas, companheiros do Centro de Estudos Sociais, da Revista Crítica de Ciências Sociais e da FEUC, que desde sempre se interessaram pelo meu trabalho e comigo partilharam o dia-a-dia de vida académica ao longo das diferentes etapas desta caminhada. Sem o acolhimento e as palavras de incentivo que de um modo geral recebi e sem o ambiente de diálogo informal no âmbito dos projectos e seminários do CES, as dificuldades de realização deste estudo teriam sido, sem dúvida, muito maiores. Gostaria de destacar o estímulo intelectual que obtive da parte do João Arriscado Nunes; os entusiasmos e angústias 1 Entre eles contam-se o Relatório de Síntese das Provas de Aptidão Pedagógica e Capacidade Científica, intitulado A Empresa em Contexto: relações de poder e cultura local na indústria do calçado em S. João da Madeira, Coimbra, FEUC, 1990. Os projectos realizados no CES e que mais directamente se relacionam com o actual tema, foram os seguintes: Estado, Economia e Reprodução Social na Semiperiferia do Sistema Mundial: O Caso Português, coordenado por Boaventura de Sousa Santos (CES/FEUC, 1992); Turismo e Cultura em Portugal: quatro estudos sobre mentalidades, práticas e impactes sociais (CES/FEUC, 1995), coordenado por Carlos Fortuna; Estrutura de Classes e Trajectórias de Classe em Portugal (CES/FEUC, 1997), sob a minha coordenação e em colaboração com José Manuel 13
  • 6. Entre a Fábrica e a Comunidade partilhados com o José Manuel Mendes, meu parceiro no projecto de pesquisa sobre as classes sociais em Portugal; os incentivos que obtive do meu amigo João Peixoto, sobretudo no período inicial do meu trabalho académico em Coimbra; o apoio que recebi dos jovens colegas Hermes Costa e Daniel Francisco; a troca de ideias e o permanente interesse, solidariedade e amizade do António Casimiro Ferreira; as cumplicidades que mesmo à distancia foram preservadas com os colegas do ISCTE, Cristina Lobo, Anália Torres, João Camarate, Ana Paula Nunes, Salomé Marivœt e Rosa Parkinson. E para a colega e amiga Graça Capinha, pelas muitas ideias que trocámos ao longo destes anos, vai uma palavra de especial gratidão. Agradeço em terceiro lugar, às instituições que financiaram projectos, viagens e estágios, directa ou indirectamente relacionados com a pesquisa: Fundação Calouste Gulbenkian, Junta Nacional de Investigação Científica e Tecnológica, Comissão Fulbright, Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento, Reitoria da Universidade de Coimbra. À Universidade de Wisconsin-Madison, em especial ao Professor Erik Olin Wright e ao Departamento de Ciências Sociais, que me acolheram durante as estadias que aí efectuei em 1992 e 1994. Cumpre-me igualmente agradecer ao Sindicato dos Operários do Calçado, Malas e Afins dos Distritos de Aveiro e Coimbra, sediado em S. João da Madeira, que me disponibilizou os seus serviços, e especialmente ao seu dirigente Manuel Graça, pelo seu interesse e pelo incansável apoio ao longo de vários anos. Às Câmaras Municipais de S. João da Madeira e de Santa Maria da Feira, nomeadamente os serviços das respectivas bibliotecas que sempre me facilitaram o acesso a diferente documentação. Ao Director do jornal “O Regional”, daquela localidade, igualmente por me ter facilitado o acesso aos seus arquivos. À empresa que me acolheu nessa cidade para o trabalho de observação participante, nomeadamente o apoio entusiástico do seu proprietário merece ser destacado pelo contributo que prestou a esta pesquisa. Para os trabalhadores dessa empresa que me receberam e comigo partilharam esses momentos inesquecíveis e me transmitiram abertamente aspectos importantes das suas vidas – em especial para os amigos mais próximos, como o Acácio, o Cunha, o Manuel, o tio António, a Cila e a Celeste –, vão a minha amizade e solidariedade. Uma palavra de especial gratidão é ainda devida à Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra e ao Centro de Estudos Sociais, instituições onde trabalho e Mendes. Estes projectos foram financiados pela Junta Nacional de Investigação Científica e Tecnológica, no quadro do Programa Estímulo para as Ciências Sociais. 14
  • 7. Entre a Fábrica e a Comunidade que, por esse motivo, são também a minha casa. Aos seus funcionários e colaboradores, o meu sincero reconhecimento, em especial aos serviços da biblioteca, da secretaria e da secção de informática da FEUC e ao pessoal do CES: o Nuno Serra, a Maria Lassalete Simões e a Sandra Nogueira. Finalmente, agradeço também aos meus alunos da cadeira de Classes, Desigualdades e Identidades – sobretudo os que a frequentaram no ano lectivo de 1998/1999 – com quem partilhei muitas das minhas perplexidades e entusiasmos em torno desta pesquisa. 15
  • 8. Entre a Fábrica e a Comunidade INTRODUÇÃO As temáticas da classe e da comunidade têm suscitado inúmeras reflexões e debates nas ciências sociais, na sequência dos quais se vem assistindo a uma reformulação teórica significativa em torno desses conceitos. Sem dúvida que tais elaborações conceptuais derivam, em boa medida, dos processos de fragmentação social a que, quer a classe, quer a comunidade têm estado sujeitos, no quadro do capitalismo global de finais do milénio. É sabido que os grandes processos de transformação social no capitalismo decorrem sob ritmos e temporalidades diferentes, consoante o grau de modernização das sociedades e o lugar que cada uma ocupa no sistema mundial. O facto de a sociedade portuguesa ser marcada por traços de periferia na sua relação com os países centrais significa, entre outras coisas, que ela encerra fenómenos cuja natureza contraditória e polifacetada é porventura mais evidente do que nas sociedades de capitalismo avançado. Algumas das tendências de mudança que vêm ocorrendo em Portugal ao longo das últimas três décadas remetem-nos por vezes para problemas já identificados nos países centrais noutras épocas históricas. Contudo, não deve esquecer-se que cada sociedade e cada contexto particular contêm as suas próprias especificidades – históricas, socio- económicas, políticas e culturais – e obedecem a variados ritmos de mudança. O presente estudo desenvolve-se em torno do núcleo industrial de S. João da Madeira (SJM)2, localidade tradicionalmente ligada à produção chapeleira, mas actualmente mais conhecida por ser a zona de maior concentração da indústria do calçado. O seu principal objectivo é analisar o processo histórico de desenvolvimento 16
  • 9. Entre a Fábrica e a Comunidade industrial desta região e o seu impacto na estruturação da classe trabalhadora, através da observação das suas práticas, subjectividades e atitudes, e dando especial atenção às formas adaptativas e de resistência de um operariado situado entre as pressões da indústria e a lógica comunitária e semi-rural das colectividades da região. Desde as últimas décadas do século XIX que esta região tem conhecido profundas mudanças induzidas pelo impacto da industrialização e suas formas de adaptação a nível local. Todavia, reconhece-se hoje que, apesar das transformações, adaptações e resistências produzidas pela articulação entre a produção fabril e as comunidades locais ao longo do tempo, os traços de ruralidade e a força da tradição cultural têm subsistido à presença crescente da lógica capitalista. Num contexto de desenvolvimento tardio, como este, as linhas de ruptura e de continuidade socioeconómicas e culturais parecem condensar no tempo algumas das clivagens e ambiguidades do sistema capitalista mais geral, e simultaneamente fazem emergir o carácter contraditório e dramaticamente disruptor que esse sistema tem vindo a impor à humanidade desde os primórdios da era moderna. Pretende-se, assim, compreender até que ponto as lógicas de classe modeladas pelas relações de produção incorporaram e reproduziram os vínculos e afinidades colectivas estruturados a partir das raízes comunitárias. As formas de consentimento e resistência dos trabalhadores serão observadas, quer no terreno das subjectividades e representações, quer no domínio das práticas e dos comportamentos concretos e tendo presentes, por um lado, a dimensão produtiva e das relações de trabalho, e, por outro, as actividades desenvolvidas na comunidade, nomeadamente a esfera dos consumos e das práticas de lazer. 2 Localidade que daqui para diante será simplesmente designada por “SJM”. O objecto de estudo inclui os concelhos de S. João da Madeira, Oliveira de Azeméis e Stª. Maria da Feira. Como se poderá ver no Anexo 1, neles se concentra a grande maioria das empresas do sector do calçado. 17
  • 10. Entre a Fábrica e a Comunidade Como se verá na apresentação das principais hipóteses e dos procedimentos metodológicos que guiaram a investigação (Capítulo 2), a perspectiva de análise adoptada pretende não só dar conta das especificidades regionais atrás referidas, mas ao mesmo tempo captar os impactos locais de algumas das conjunturas políticas e estratégias institucionais que mais marcaram a sociedade portuguesa ao longo do século XX. A análise é, assim, historicamente balizada por três períodos distintos: um período que vai de finais do século XIX até aos anos vinte do último século, em que se pretende acompanhar a primeira fase de industrialização e implantação do mercado nesta região e o seu impacto sobre o movimento operário local e as actividades festivas ligadas aos rituais da comunidade rural; um segundo período que corresponde à vigência do Estado Novo, no qual a acção institucional e a ideologia salazarista desempenharam um papel decisivo na tentativa de impor às classes trabalhadoras comportamentos conformistas e disciplinados, tanto na esfera laboral como nas actividades recreativas e de lazer; e, finalmente, um período que vai do pós-25 de Abril à actualidade continuando a articular a dimensão do trabalho industrial com a da massificação dos consumos e dos usos do “tempo-livre”. Na sua organização formal, o livro divide-se em três partes: uma primeira parte diz respeito à apresentação do quadro teórico e às metodologias e hipóteses de partida; uma segunda parte centra-se na evolução histórica desde finais do século XIX até à queda do Estado Novo; e uma terceira parte, mais centrada na actualidade, analisa a estrutura de classes da região e apresenta estudos de caso baseados na observação directa da vida social local nas suas diversas vertentes, em especial no quotidiano dos trabalhadores nas suas relações com a actividade sindical, o ambiente fabril e as comunidades locais. Estas grandes linhas de abordagem desdobram-se em nove capítulos que passarei a sumariar. 18
  • 11. Entre a Fábrica e a Comunidade No Capítulo 1, dá-se conta das principais linhas de reflexão e discussão teórica e conceptual que serviram de inspiração ao modelo de análise adoptado. As questões da classe e da comunidade ocupam aqui um lugar decisivo e serão tratadas, quer separadamente, na medida em que se ligam a tradições teóricas distintas, quer na sua interconexão, na medida em que remetem para linhas de investigação em que as duas vertentes se encontram estreitamente ligadas. É precisamente na base dessa articulação que se desenrola o principal fio condutor do presente livro. Além disso, como é evidente, esta problemática não poderia deixar de conduzir-nos para outros percursos teóricos que directa ou indirectamente se prendem com o tema em estudo. Posso adiantar desde já alguns dos pontos que mereceram maior aprofundamento: as discussões no campo da análise estrutural das classes nos anos setenta e as reformulações teóricas que esta corrente tem vindo a promover nos últimos tempos, nomeadamente através das contribuições de Erik Olin Wright (cujo modelo de análise será utilizado no estudo da estrutura de classes da região); os conceitos de comunidade e identidade serão discutidos enquanto instrumentos teóricos de grande actualidade que poderão situar a análise das práticas e subjectividades operárias, bem como a dimensão do consumo e do lazer, em quadros analíticos capazes de permitir articular a classe com outras esferas de acção e de produção de sentido; os problemas da acção colectiva e da consciência de classe serão tratados, não apenas à luz dos modelos estruturais, mas sobretudo à luz do enquadramento comunitário do operariado e da sua histórica vinculação aos contextos locais (em que as análises históricas de E. P. Thompson, constituem uma referência importante); o tema dos regimes de acumulação e dos sistemas de poder em vigor nas empresas, bem como a sua articulação com o mercado e a comunidade fornecem importantes pistas de explicação para os mecanismos de consentimento e controle que emergem na esfera da produção (dando-se aqui maior 19
  • 12. Entre a Fábrica e a Comunidade realce aos estudos de Michael Burawoy); as actividades culturais, de lazer e o campo do consumo constituem igualmente um campo de reflexão a ter em conta, tanto no que se refere à compreensão das culturas operárias e populares (às quais, desde sempre, as experiências do movimento operário e sindical estiveram ligadas), como pela importância decisiva que assumiram no desenvolvimento das políticas disciplinares levadas a cabo pelos estados fascistas e autoritários. Estes são alguns dos principais tópicos que foram objecto de discussão teórica. O Capítulo 2 destina-se à apresentação das principais hipóteses de trabalho e nele se procede a uma breve discussão em torno das opções metodológicas seguidas. Aí se realça a pluralidade de instrumentos de pesquisa a que recorri, destacando-se a ênfase dada à análise qualitativa, à sociologia reflexiva e ao método de observação participante (utilizado no estudo de caso efectuado numa empresa de calçado). No Capítulo 3, entra-se na análise histórica. Procede-se, por um lado, ao estudo do processo de industrialização e do movimento operário local a partir do último quartel do século de oitocentos, o qual foi animado sobretudo pelos operários chapeleiros. Por outro lado, apresentam-se e analisam-se algumas das formas e rituais festivos, procurando relacioná-las com as identidades tradicionais, mas tendo presente os efeitos da implantação industrial e da expansão do mercado. Assume-se aqui um tipo de abordagem de características etnográficas, na medida em que me pareceu interessante retratar alguns dos ambientes populares da época, a fim de observar mais de perto os modos de vida das populações, tanto nas dificuldades económicas e laborais em que se encontravam como na esfera das actividades lúdicas e rituais festivos em que participavam. O objectivo é mostrar como os modos de vida comunitários e as experiências operárias foram a pouco e pouco sendo modeladas não só pela lógica económica moderna e pela acção do mercado, mas também pelo discurso moralista e 20
  • 13. Entre a Fábrica e a Comunidade burguês que nessa altura começou a impor-se de forma mais nítida. Ainda neste contexto, referem-se aspectos ligados ao fenómeno do “bairrismo”, promovido pelas elites locais, cujo impacto disruptor sobre as identidades tradicionais e de classe foi muito significativo. O Capítulo 4 dá continuidade à abordagem histórica, mas agora tendo como pano de fundo o aparelho de Estado salazarista e a sua articulação com as instituições e os interesses das classes dominantes da região. O discurso local, com os seus contornos moralistas, continua a promover o sentimento bairrista em nome do progresso industrial da vila, reproduzindo no mesmo passo o carácter nacionalista, autoritário e conservador da ideologia do regime. Exemplos de resistência operária ao salazarismo são aqui apresentados a partir de relatos e histórias de vida de dois activistas político-sindicais ligados ao sector do calçado que foram vítimas de perseguição e repressão do regime, assim como outros documentos onde algumas situações e movimentos grevistas são testemunhados, apesar da fraca capacidade combativa do operariado. As formas de ocupação dos “tempos livres” – as festas locais, a taberna, o cinema, os espectáculos, os hábitos de vida dos jovens etc. – e a tentativa dos organismos locais e estatais em tutelá- las e discipliná-las são igualmente analisadas, dando-se aqui algum destaque ao papel da FNAT e à sua presença numa das empresas de maior significado local neste período (a fábrica metalúrgica “Oliva”). Pretende-se assim mostrar os impactos da acção disciplinadora e doutrinária do regime e das suas delegações e agentes locais (incluindo os sectores da burguesia industrial por ele protegidas), sublinhando a sua relevância na modelação dos hábitos de consumo dos trabalhadores, mas ao mesmo tempo sem esquecer as capacidades de resistência da cultura popular estruturada a partir do cruzamento entre a experiência fabril e as comunidades tradicionais. A dimensão comunitária (e as formas locais de consumo e de lazer) revela-se aqui um elemento 21
  • 14. Entre a Fábrica e a Comunidade fundamental para se perceberem as ambiguidades de uma classe que simultaneamente sofre as pressões da exploração na fábrica e reproduz a sua identidade em íntima sintonia com a vida na comunidade. O Capítulo 5 analisa a estrutura de classes da região a partir do modelo de análise de Erik Olin Wright e interpreta os seus resultados – obtidos a partir de um inquérito à população activa –, equacionando-os com as dimensões analíticas referidas, nomeadamente os aspectos históricos e contextuais. Com base nesta abordagem, será possível não só caracterizar a estrutura regional das classes como compará-la com os resultados referentes à sociedade portuguesa no seu conjunto (recolhidos através da mesma metodologia)3. De registar é o facto de estes resultados quantitativos comprovarem variados aspectos respeitantes às classes sociais desta região assinalados noutros capítulos, além de sublinharem o elevado peso morfológico da categoria proletária, o esvaziamento das classes médias comparativamente com os valores do continente, e as altas taxas de mobilidade intergeracional, bem como de imobilidade. Por outro lado, também no plano das atitudes políticas, das práticas associativas e ocupações de tempo livre, por exemplo, os valores que aqui aparecem são particularmente reveladores da natureza contraditória e ambígua dos comportamentos deste sector da classe operária. Na última parte do estudo surgem, lado a lado, o Capítulo 6 e o que designei como Capítulo 6-A (alternando-se entre as páginas ímpares e pares), ambos centrados na experiência de observação participante efectuada numa empresa de calçado. O primeiro, procura analisar as relações na produção, girando o seu principal fio condutor em torno das relações de poder na empresa e das práticas de resistência e consentimento dos operários. Quer as contradições estruturais entre os trabalhadores e o patrão, quer as 22
  • 15. Entre a Fábrica e a Comunidade dinâmicas de jogo e interacção do quotidiano fabril serão aqui tratadas com algum detalhe. Se em termos estratégicos e de resistência organizada os trabalhadores evidenciam um certo individualismo e parecem submeter-se ao poder arbitrário do patrão e dos encarregados, já quando se observam de perto as suas atitudes espontâneas, os rituais e os jogos que desenvolvem no espaço produtivo é notória a presença de atitudes de resistência, ainda que de características tácitas e que se manifesta sobretudo através uma rebeldia dissimulada, feita de gestos contidos e de silêncios, ou seja, uma postura de contrariedade nunca completamente manifesta. Outros aspectos são aqui objecto de análise detalhada, tais como os jogos sexistas, as clivagens entre os encarregados e a situação específica em que se encontram no contexto da empresa, o ritmo de trabalho e o stress, a selectividade que preside às atitudes autoritárias das chefias, o uso do saber técnico por parte dos operários como fonte informal de poder, as relações afectivas e transações amorosas dentro da fábrica, a importância do sentimento de evasão e de fuga, as actividades fora da empresa (de trabalho e de lazer), as atitudes perante o sindicato, etc. O Capítulo 6-A diz respeito às reflexões, notas pessoais e outras questões relacionadas com o decurso da investigação – que decorreu de 26 de Fevereiro a 3 de Maio de 1996 –, em especial os dilemas e angústias que esta metodologia levantou. Em coerência com o que desde o início assumi ser uma abordagem compreensiva e auto-reflexiva, decidi realçar essa dimensão autobiográfica e de envolvimento pessoal e, nesse sentido, apresento-a aqui sob a forma de Diário de Campo e em contraponto com a exposição mais analítica e interpretativa do Capítulo 6. Finalmente, apresentam-se as principais conclusões da pesquisa, onde se salienta a natureza eminentemente contraditória deste segmento da classe trabalhadora portuguesa, em cujas práticas e orientações se inscrevem as múltiplas adaptações, resistências e 3 Refiro-me ao inquérito às classes sociais em Portugal que foi realizado a partir do Centro de Estudos Sociais, cujo projecto de investigação foi por mim dirigido, em colaboração com o colega José Manuel 23
  • 16. Entre a Fábrica e a Comunidade ambiguidades socioculturais em que assentou a dinâmica de expansão industrial da região. Mendes (cf. Estanque e Mendes, 1998). 24
  • 17. Entre a Fábrica e a Comunidade Capítulo 1 ENTRE A FÁBRICA E A COMUNIDADE: ESTRUTURA DE CLASSES, INDUSTRIALIZAÇÃO E IDENTIDADES CULTURAIS EM MUDANÇA Este estudo centra-se num segmento social – o operariado industrial – que desde sempre ocupou um lugar decisivo nas discussões em torno da “classe”. Mas isso não significa que a pesquisa se circunscreva à “análise de classes”, em sentido restrito. O conceito de classe e os debates teóricos que desencadeou, em especial no interior da corrente marxista, constitui o ponto de partida para uma análise das práticas e subjectividades operárias a partir da combinação entre três dimensões distintas: o processo histórico de industrialização; as relações de produção e o ambiente fabril; e as vivências quotidianas dos trabalhadores na esfera da comunidade e do consumo. O objectivo é, como referi na introdução, equacionar as múltiplas conexões e impregnações entre estas diferentes esferas da vida social local a fim de compreender a sua incidência sobre as identidades e formas de acção colectiva que caracterizam o operariado do calçado e o contexto sociocultural em que se insere. Procurar-se-á neste capítulo esclarecer as principais linhas de abordagem teórica em que o estudo se apoiou. Entre elas, destacam-se: a análise marxista das classes, em especial o modelo de Erik Olin Wright que serviu de base à caracterização da estrutura de classes da região; a reflexão em torno dos conceitos de identidade e comunidade, tanto em termos genéricos como no que se refere às classes e ao operariado industrial; a formação histórica da classe operária e a importância da sua vinculação às comunidades tradicionais; os regimes de acumulação e sistemas de poder, nomeadamente os regimes despóticos e hegemónicos analisados por Michael Burawoy; e, finalmente, as questões do lazer e da cultura popular na sua relação com as classes e o operariado, que serão abordadas à luz das políticas de controle recreativo levadas a cabo pelos estados 25
  • 18. Entre a Fábrica e a Comunidade autoritários europeus nos anos vinte e trinta, incluindo as suas repercussões no caso português. 1.1 - Análise de classes e estrutura de classes As discussões em torno da classe são, como se sabe, recorrentes desde Marx e Weber. Mais recentemente, e em especial após o colapso dos sistemas comunistas e socialistas da Europa do Leste, alguns dos ataques à análise marxista das classes sociais ganharam novo vigor. Contudo, apesar das polémicas sobre o “declínio” ou a “morte” da classe (Clarke e Lipset, 1991; Clarke et al., 1993; Hout et al., 1993; Pakulsky, 1993; Pakulsky e Waters, 1996a e 1996b), sobre a perda de centralidade do conceito ou a premência da sua reformulação (Wright, 1985, 1989, 1997a; Callinicos, 1991), o que é facto é que a produção teórica centrada na análise de classes está longe de ter perdido a sua pertinência e actualidade. Em articulação ou não com outras temáticas, envolvendo ou não análise empírica substantiva, as conceptualizações à volta da noção de classe social continuam a assumir-se como um tema fundamental na literatura sociológica actual4. 4 Desde a escola neoweberiana (Parkin, 1968, 1978 e 1979; Hindess, 1987; Giddens e Held, 1990; McAll, 1992; Esping-Andersen, 1993; Crompton, 1993; Butler e Savage, 1995; Pakulsky e Waters, 1996a, 1996b; Marshall, 1990 e 1997), aos contributos do marxismo estrutural e do chamado “marxismo analítico” (Therborn, 1978, 1980 e 1983; McNall et al., 1991; Mayer, 1994; Chilcote e Chilcote, 1992; Roemer, 1982a e 1994; Wright et al., 1992; Wright, 1985, 1989, 1994, 1996 e 1997a), passando pelas discussões em torno dos novos movimentos sociais e da emancipação (Pizzorno, 1985; Touraine, 1985; Arrighi et. al., 1989; Eyerman e Jamison, 1991; Ray, 1993; Aronowitz, 1992; Offe, 1985b; Calhoun, 1991 e 1994; Cohen e Arato, 1994; Melucci, 1989; Eder, 1993; Santos, 1994 e 1995; Maheu, 1995; Laclau, 1996), é inquestionável a vitalidade da produção teórica e da investigação empírica que, directa ou indirectamente, continua a tomar a classe e a análise das classes como um campo incontornável no estudo das desigualdades sociais, da acção colectiva e da mudança sociocultural nas sociedades actuais. Também em Portugal, apesar da institucionalização tardia da sociologia no nosso país, a análise de classes teve um papel fundamental no desenvolvimento das ciências sociais: a investigação de Sedas Nunes e David Miranda (1969); os estudos dirigidos por Eduardo de Freitas, Teixeira de Sousa, Villaverde Cabral e Ferreira de Almeida (Sousa e Freiras, 1973; Freitas, 1973 e Freitas et al., 1976); a análise de Mozzicafreddo (1981); a pesquisa de Marques e Bairrada (1982); os trabalhos de João Ferrão (1982, 1985 e 1990) e Jorge Gaspar (1987); os estudos desenvolvidos pela equipa do ISCTE (Almeida, 1986; Almeida et al., 1988 e 1994; Costa, 1987; Costa et al., 1990); os trabalhos recentes de Villaverde Cabral (1997). Estas são algumas das contribuições mais relevantes da sociologia portuguesa para a análise das classes sociais na nossa sociedade. Para além desses trabalhos, refira-se ainda a pesquisa apoiada no modelo de Erik Wright em que esteve envolvido o autor deste livro (Estanque, 1997; Mendes, 1997; Estanque e Mendes, 1998 e 1999). 26
  • 19. Entre a Fábrica e a Comunidade A presente investigação não se assume – disse-o no início –, como uma análise de classes em termos genéricos. Mas a classe é aqui, claramente, um dos conceitos em questão. Nesse sentido, começarei por dar atenção à abordagem estrutural, na medida em que ela constituiu um dos principais campos de produção e reflexão teórica da análise marxista das classes (incluindo no próprio pensamento de Marx). O modelo de Wright é aqui privilegiado, não só por ser um dos que mais contributos analíticos tem prestado à sociologia das classes e porque tem vindo a proceder a constantes reactualizações (Wright, 1989 e 1997a) – apesar das limitações que encerra e das críticas que tem suscitado –, mas também porque em alguns pontos desta pesquisa (em especial no Capítulo 5) irei utilizar como termo de comparação a análise recentemente efectuada à estrutura de classes portuguesa com base nessa matriz teórica (Estanque e Mendes, 1998). Essa dimensão do estudo, para além de permitir a comparação entre os resultados do país e da região, será também objecto de uma análise compreensiva à luz do processo histórico de industrialização e dos seus efeitos sobre as práticas e subjectividades do operariado, no contexto local. A esse propósito, os estudos históricos desenvolvidos por E. P. Thompson sobre a formação da classe operária inglesa merecerão particular atenção. Em suma, tanto a perspectiva estrutural e abstracta como a perspectiva histórica e conjuntural das classes constituem duas dimensões de análise que podem completar-se no estudo de contextos concretos, não obstante o facto de (quer uma quer outra) serem ao mesmo tempo ilustrativas das inúmeras contradições e ambiguidades que, desde o próprio Marx5, têm acompanhado a teoria marxista das classes no seu conjunto. 5 Na clássica distinção de Marx classe em si/ classe para si reflecte-se a oposição – presente de forma difusa e muitas vezes incoerente na sua obra – entre a visão abstracta de cariz estruturalista e a visão subjectivista, de cariz historicista ou sociopolítico (Giddens, 1975). Pode dizer-se que daí resultaram duas linhas distintas de orientação do pensamento marxista ao longo do século XX. A primeira orientou-se mais para a definição rigorosa dos conceitos, elaborando os critérios que permitissem mapear categorias, fracções e fronteiras, esperando com isso estabelecer correspondências entre categorias abstractas e 27
  • 20. Entre a Fábrica e a Comunidade 1.1.1 - Dilemas em torno da análise estrutural das classes Principalmente a partir de finais da década de sessenta assistiu-se a uma proliferação sem precedentes de estudos e reflexões de base marxista virados para a análise da estrutura das classes nas sociedades capitalistas. Daí resultaram obras de elevada elaboração conceptual e apoiadas numa sofisticação técnica e metodológica até então inexistentes6. Os contributos teóricos de pensadores como Althusser e Balibar (1970, 1975 e 1976), Poulantzas (1971, 1974), Carchedi (1977), Lukács (1971), Miliband (1969 e 1987) e Wright (1981, 1985), ao lado do aparecimento de programas de investigação sobre as classes em sociedades concretas, deram lugar a toda uma profusão de pesquisas de inspiração marxista que conjugaram, pela primeira vez, o desenvolvimento simultâneo da reflexão teórica e da análise empírica. Mas, apesar da vitalidade do debate e das diversas linhas de pesquisa que o acompanharam, a classe permaneceu ao longo da década de setenta “um conceito essencialmente contestado” ou seja, “um conceito que não apenas ocupa um lugar numa teoria científica, mas serve como campo de batalha a inúmeras disputas metodológicas, políticas e ideológicas” (Conolly, 1972). Neste contexto, as contradições permaneceram entre as diversas correntes marxistas, uma vez que, como reconhece Wright, “ou a cuidadosa investigação empírica efectuada não era directamente orientada para abordagens alternativas da análise de classes ou se desencadearam debates especulativos e classes concretas (nomeadamente as correntes estruturalistas marcadas pelo pensamento de autores como Althusser, Poulantzas e Wright, que adiante irei discutir). A segunda mostrou-se em geral mais sensível ao estudo das conjunturas e processos de mudança, e centrou-se em especial na análise histórica e na acção política do operariado inglês e americano do século passado (Thompson, 1987; Hobsbawm, 1984; Tilly et al., 1975; Tilly, 1996; Jones, 1984, 1989), bem como no estudo aprofundado dos processos produtivos (Lockwood 1966; Braverman, 1974; Gutman, 1977; Edwards, 1979). 6 Deverá reconhecer-se, todavia, que a preocupação com a construção rigorosa de categorias analíticas orientadas para a análise empírica das classes foi partilhada pelos weberianos que, tal como os marxistas, sentiram a necessidade de conceber instrumentos de análise mais ajustados à natureza complexa e à profundidade das transformações ocorridas nas sociedades ocidentais. Pode ainda adiantar-se que enquanto os primeiros pretenderam sobretudo contribuir para a “construção empírica” das classes – em especial sob o impulso do funcionalismo americano –, os marxistas procuraram antes de mais desenvolver os fundamentos teóricos de análise da estrutura de classes. 28
  • 21. Entre a Fábrica e a Comunidade abstractos cujos resultados serviam para ilustrar selectivamente os vários argumentos e não para avaliar especificamente as diferentes alternativas” (Wright, in Prefácio a Estanque e Mendes, 1998). A resposta a estas dificuldades procurou afirmar-se através da estreita combinação entre o maior refinamento conceptual e os resultados da pesquisa empírica. A linha de pesquisa lançada por Erik Olin Wright em 1979 – o Projecto Comparativo da Análise de Classes – orientou-se justamente para a recolha sistemática de dados comparáveis entre uma variedade de países, de maneira a que o debate pudesse tornar-se mais focalizado nos resultados empíricos obtidos7. As polémicas assim instaladas no próprio campo marxista permitiram, por um lado, lançar novas bases para o avanço da investigação sociológica em torno das classes e, por outro lado, recolocaram a reflexão no terreno do pensamento de Marx, nomeadamente, a partir das propostas para a sua “releitura” empreendidas sob influência de Althusser (Althusser et al., 1970; Poulantzas, 1971 e 1974). O problema da articulação entre o económico e o político ocupou um lugar central nestes debates, o que, em boa medida, se liga ao facto de as definições abstractas de Marx terem, em muitos casos, sido contrariadas pelas transformações históricas e pela prática política8. 7 Da parte dos teóricos weberianos, as iniciativas então desencadeadas surgiram como reacção à falência do paradigma parsoniano do status-attainment – que pretendia medir a mobilidade observada a partir das mudanças estruturais na divisão social do trabalho e com base em escalas de medição do status – e procuraram clarificar as formas de articulação entre a estrutura socioeconómica e a acção de classe no terreno político-social. Tal como aconteceu com o campo rival, também neste caso se pode dizer que se assistiu a uma crescente inovação e vitalidade, quer a nível conceptual e teórico, quer no campo da investigação empírica, o que, em certos casos, resultou num diálogo académico e numa reflexão teórica mais estreitamente ligados aos conceitos de raiz marxista, especialmente a propósito dos processos de mobilidade social e trajectórias de classe (cf., entre outros, Goldthorpe 1969 e 1980; Erikson e Goldthorpe, 1993; Lenski, 1966; Giddens, 1975 e 1982; Lipset, 1975; Blau, 1975; Parkin, 1974 e 1979; Dahrendorf, 1982; Sorensen, 1986; Marshall, 1990; Marshall e Rose, 1990; Crompton, 1993; Esping-Andersen,1993; Pakulsky e Waters, 1996a e 1996b). 8 No entanto, é justo lembrar – como chamou a atenção Stuart Hall (1982) – que o próprio Marx não deixou de apontar alguns factores de complexidade no que respeita às articulações entre o económico e o não-económico na estrutura das classes: “são as fases de desenvolvimento do modo de produção que fornecem a condição necessária, embora não suficiente, para uma teoria marxista das classes: não é o económico, num sentido mais evidente, que „determina‟. (…) São as relações sociais e materiais em que os homens produzem e reproduzem as suas condições materiais de existência que „determinam‟ – o como continua por elucidar. A desigual distribuição das riquezas económicas, mercadorias e poder (…) é, para 29
  • 22. Entre a Fábrica e a Comunidade Exemplo disso é a visão acerca do antagonismo das classes (no quadro da teoria do materialismo histórico): de facto, nunca as classes rivais se confrontaram como “dois exércitos inimigos colocados frente a frente” (Balibar, 1991). E foi à volta desse pano de fundo que a discussão sobre a relação entre as instâncias do económico e do político – o mesmo é dizer, em torno dos tradicionais antagonismos marxianos, classe em si/ classe para si e infraestrutura/ superestrutura – procurou responder à questão da correspondência entre as classes enquanto categorias abstractas e enquanto actores concretos da luta política9. Mas, apesar da tónica repetidamente colocada na determinação “final” do económico sobre as outras instâncias da formação social, por parte de Althusser10, o mesmo autor não deixou de reconhecer a complexidade das relações entre o económico e as diversas condicionantes históricas: “a contradição entre capital-trabalho nunca é simples, mas sempre tornada específica pelas formas e circunstâncias historicamente concretas da superestrutura… pela situação histórica interna e externa” (Althusser e Balibar, 1970)11. Marx, não a base mas o resultado da distribuição prévia dos agentes da produção capitalista em classes e relações de classe (…)” (Hall, 1982: 31). 9 Evidentemente que, do pondo de vista marxista, um dos factores que mais directamente interfere com a “superestrutura” política da sociedade capitalista, prende-se com o Estado (veja-se, adiante, a nota 9, sobre a concepção de Poulantzas). De um modo geral, estas correntes põem o acento tónico na capacidade de dominação e na procura de homogeneização político-cultural por parte do Estado capitalista, recorrendo para isso a uma vasta gama de aparelhos ideológicos e repressivos (Althusser, 1975). Na sua busca de coesão e integração social, o Estado “desorganiza as classes como classes” (Lukáks, 1971:65), ou seja, a lógica que preside à acção do Estado tem em vista impedir que, sob o efeito de uma multiplicidade de lutas, os grupos humanos – em especial os mais desapossados – sejam vistos e se vejam a si próprios como membros de uma classe ou como membros de uma colectividade específica, para serem simplesmente vistos como membros “da sociedade” (Przeworsky, 1978). 10 Algumas das formulações de Althusser (1975 e 1976; Althusser e Balibar, 1970) e o historicismo abstracto de Lukács (1971) tonaram-se objecto de uma cerrada crítica, mas ao mesmo tempo esses importantes trabalhos relançaram o debate marxista, reposicionando a discussão no pensamento de Marx e denunciando algumas das deturpações a que o mesmo vinha sendo sujeito. 11 O próprio Lenine se referiu à existência de “interesses de classe absolutamente heterogéneos, lutas sociais e políticas absolutamente contrárias [as quais terão emergido] (…) na sequência de uma situação histórica absolutamente única” (Lenine, 1969). A definição de classe que Lenine formulara em 1919 tinha-se tornado uma referência central no campo marxista: “classes são vastos grupos de homens que se distinguem pelo lugar que ocupam num sistema historicamente definido de produção social, pela sua relação (na maioria das vezes fixada e consagrada pelas leis) face aos meios de produção, pelo seu papel na organização social do trabalho, portanto, pelos modos de obtenção e importância da parte das riquezas sociais de que dispõem” (Lenine, 1969: 425). 30
  • 23. Entre a Fábrica e a Comunidade Poulantzas veio entretanto introduzir novos elementos na abordagem estrutural das classes. Para este autor, as relações sociais de produção são relações de interdependência estruturadas na base da propriedade privada legalmente garantida pelo Estado burguês. E isto segundo um modelo de dominação e de poder cuhjo objectivo fundamental é a manutenção e a reprodução do modo de produção capitalista12. Um conceito marcante no debate sobre a visão estruturalista foi o de determinação estrutural das classes (Poulantzas, 1974), o qual aponta no sentido de que as relações de classe se estruturam, não apenas a partir de elementos de natureza económica, mas simultaneamente pelas dimensões política e ideológica. As relações de produção são relações de classe apoiadas em poderes de classe que, como tais – sublinha Poulantzas – , “estão constitutivamente ligados às relações políticas e ideológicas que os consagram e os legitimam. Estas relações não se acrescentam simplesmente às relações de produção „já lá‟, mas estão elas próprias presentes de forma específica em cada modo de produção, na constituição das relações de produção” (Poulantzas, 1974: 24). A luta de classes é parte integrante da própria formação das classes, e, portanto, não se trata de conceber a estrutura económica de um lado, e a luta de classes sob a forma de relações ideológicas e políticas, de outro lado. Ao procurar conceber a noção de ideologia como um conjunto de práticas materiais (e não enquanto sinónimo de “sistema de ideias”), 12 Na concepção de Poulantzas, o Estado capitalista é definido na base da sua relativa autonomia face às diferentes classes e fracções de classe, a qual lhe garante a capacidade de preservar e reproduzir o bloco- no-poder. Traduzindo a linha do marxismo estruturalista, o Estado é visto por Poulantzas como um sistema dinâmico que não está acima da luta de classes. Enquanto relação de forças condensada, que interfere nas – e ao mesmo tempo incorpora as – contradições da sociedade, ele articula a conflitualidade social e simultaneamente esconde-a. Boa parte da actividade do Estado e da sua eficácia social e política deve-se, portanto, à sua não transparência. Enquanto fábrica de ideologia o papel do Estado ganha maior relevo por aquilo que omite do que por aquilo que mostra. Todavia, ambas as vertentes são indissociáveis na acção ideológica do Estado, embora cada uma dessas componentes se possa sobrepor à outra em diferentes períodos históricos. Respostas contrárias podem até ter funções semelhantes, do ponto de vista dos objectivos apaziguadores do Estado (Poulantzas, 1978). Embora pretenda ultrapassar as concepções de Estado-coisa (visão instrumentalista de Lenine) e de Estado-sujeito, a sua conceptualização não deixa de acentuar a ideia de “receptáculo” (onde se repercute a luta de classes) e a visão negativa ou reactiva (face à vivacidade atribuída à luta e à conflitualidade social e de classe), em vez do papel activo e empreendedor na relação entre a acção institucional e a sua intervenção na economia, na cultura e na 31
  • 24. Entre a Fábrica e a Comunidade Poulantzas parece aqui olhar mais para a dimensão reprodutiva do que para a esfera restrita da produção. Todavia, não fica claro até que ponto as vertentes ideológica e política continuam ou não a ser concebidas como instâncias secundárias onde se projecta o económico mas que a ele permanecem subordinadas, ou seja – como também alertou Mozzicafreddo (1981) –, sendo a produção sempre social, e se as “lutas” e “práticas” (investidas de ideologia e de política) são a base da estruturação das classes, não se percebe de que forma entram na própria constituição da “determinação estrutural”, uma vez que, na sua perspectiva, a relativa autonomia de níveis aponta para a determinação “final” do económico. O conceito de determinação estrutural das classes de Poulantzas pode, contudo, permitir pensar as estruturas e práticas políticas e ideológicas como dimensões sociais do comportamento humano situadas, não “de fora” das bases que as determinam, mas que, enquanto elementos do social (incluindo o económico), participam nas estruturas de “determinação” e, ao mesmo tempo, tomam parte da sua constituição e transformação (Mozzicafreddo, 1981: 40-41)13. 1.1.2 – O conceito de “lugares contraditórios de classe” (modelo Wright I) Um dos fenómenos que mais contribuiu para dar novo curso às velhas polémicas sobre as teses da “proletarização” versus “emburguesamento” das classes intermédias sociedade em geral, aspectos que mais tarde outros autores vieram a realçar (Evens et al., 1985; Jessop, 1990; Offe, 1984 e 1985a; Offe e Wiesenthal, 1984; Mann, 1987). 13 O próprio Marx, ao discutir a noção de indivíduo, perece diagnosticar, desde logo, a importância do factor ideológico na criação do trabalhador “livre”. Na verdade, ele rejeitou claramente a assunção veiculada pelos economistas clássicos que tomava os indivíduos num sentido natural, biológico, como um dado – os “indivíduos desprovidos” da sociedade mercantil –, como se estivessem de fora, disponíveis para posteriormente se tomarem como a “base” das classes. O homem, observou Marx, é produto de muitas determinações: “a sociedade não é apenas um conjunto de indivíduos; é a soma das relações que os indivíduos estabelecem uns com os outros. É como se alguém dissesse que, do ponto de vista da sociedade, escravos e homens livres não existem; são todos homens. De facto, isso é o que eles são fora da sociedade. Ser escravo ou cidadão é uma relação socialmente determinada entre um indivíduo A e um indivíduo B. O indivíduo A não é, enquanto tal, escravo. Ele só é escravo na, e através da, sociedade” (Marx, 1973: 265). Ainda a este propósito, José Barata-Moura refere-se ao problema ontológico da relação entre o indivíduo e o colectivo no pensamento de Marx, sublinhando que “o colectivo não é uma „coisa‟ – fora, acima ou ao lado daqueles que materialmente o integram –, não é uma generalidade substancializada distinta dos seus portadores e da sua actuação enquanto tais. O colectivo são indivíduos actuando de um modo determinado. O colectivo é um processo dialéctico de trabalho” (Barata-Moura, 1997: 304). 32
  • 25. Entre a Fábrica e a Comunidade foi o notório crescimento da chamada classe média nas sociedades avançadas – “este grupo que não é grupo, esta classe que não é classe, este estrato que não é estrato”, na curiosa acepção de Dahrendorf (1982: 56) –, crescimento esse que abalou profundamente os pressupostos político-ideológicos do marxismo ortodoxo. Grande parte do debate entre Poulantzas e Wright girou à volta desse fenómeno (se bem que, enquanto marxistas, ambos recusaram e combateram as teses liberais ou funcionalistas que acentuavam a crescente igualdade de oportunidades fornecida pelo sistema)14. Principalmente devido à importância que dava ao critério ideológico, bem como ao critério do chamado “trabalho improdutivo” (trabalho não directamente produtor de mais valia), Poulantzas considerou que um vasto conjunto desses trabalhadores assalariados integraria uma nova categoria de classe que, aliás, correspondia a um “prolongamento” de uma classe já existente: a nova pequena burguesia (designação que, em boa medida, justificou pela semelhança de traços ideológicos – o individualismo, o feiticismo do poder, etc. – entre o sector dos empregados dos serviços e a „velha‟ pequena burguesia). Erik Wright, por seu lado, tecendo diversas críticas a Poulantzas15, tentou especificar os fundamentos possíveis da unidade política da “classe média”, embora 14 O crescente protagonismo destas categorias intermédias remete para o conhecido fenómeno da mobilidade social, a qual, embora reflicta a relativa perda de rigidez da estrutura social não significou um simples aumento das oportunidades para os filhos da classe operária (como pretenderam algumas correntes liberais e funcionalistas), tendo antes gerado mecanismos mais complexos na dinâmica social, mecanismos esses que se traduziram simultaneamente em movimentos de “ascensão”, de “declínio” e de “reprodução” em termos das disparidades de poder e de estatuto social. Diversos autores preferem falar de “trajectórias de classe” em vez de “mobilidade social” (cf. Bertaux, 1978; Bourdieu, 1979; Almeida, 1984; Almeida et al., 1994; Goldthorpe, 1984 e 1992; Butler e Savage, 1995; Rodriguez, 1989). 15 A crítica ao critério do trabalho produtivo devido à sua irrelevância em termos das consequências práticas para a determinação dos interesses de classe, a crítica ao conceito de pequena burguesia, pelo excessivo ênfase colocado nas características subjectivas dessa classe, a crítica à exagerada importância atribuída à dimensão ideológica, aspectos que teriam consequências negativas devido, por um lado, à secundarização do papel da estrutura de classes na determinação do conflito e, por outro, à perda de centralidade do conceito marxista de relações de produção (Wright, 1981: 40-56). Alguns dos critérios relativamente consensuais entre os marxistas em termos de uma definição formal mínima da classe, são os seguintes: a) a classe é um conceito intrinsecamente relacional; b) as relações em que se encontram as classes conferem-lhes interesses objectivos; c) tais interesses são de natureza antagónica; d) esse antagonismo deriva da relação de exploração inerente ao modo de produção capitalista; e) tal processo de 33
  • 26. Entre a Fábrica e a Comunidade aceitasse que esta categoria não constitui uma classe no sentido marxista. Em alternativa, contrapõe o seu próprio modelo, construído em torno do conceito de lugares contraditórios nas relações de classe (modelo Wright I) (Wright, 1981). Tais lugares de classe são identificados não apenas no quadro do modo de produção capitalista (ou seja, na base das relações de produção capitalistas), mas sim tendo em conta as articulações complexas entre diferentes modos de produção que historicamente coexistem numa mesma formação social (leitura que neste ponto é partilhada por ambos os autores). Wright concebe um esquema triangular a partir das três classes tradicionais: burguesia e proletariado (modo de produção capitalista) e pequena burguesia (modo de produção mercantil simples)16. A razão pela qual alguém é considerado parte da pequena burguesia ou da burguesia, e, por outro lado, a razão pela qual alguém é considerado parte da pequena burguesia ou do proletariado é aferida em função de critérios como a propriedade dos meios de produção, a autonomia na produção, o controle sobre a força de trabalho alheia e a autoridade ou a posição nas relações de poder (Wright, 1981). A mudança ocorrida na separação entre propriedade e controle, a distinção (parcial) entre propriedade económica e controle, e a diferença entre “controle sobre os meios físicos de produção” e “controle do processo de produção” são alguns dos factores que Wright toma como centrais pelo seu alcance nas relações de classe. Assim, por exemplo, enquanto o controle sobre os meios físicos e sobre o processo de produção constituem factores incluídos nas relações de apropriação de mais-valia, o controle sobre a força de trabalho faz parte das relações de dominação e autoridade. Em síntese, este primeiro exploração fundamenta-se no modelo de organização da produção, ou seja, nas relações sociais de produção (Wright, 1983: 11-13; 1985: 34-37). 16 Ao longo desses três eixos é possível detectar diversas posições de classe (ou “lugares contraditórios”), primeiro, as situadas entre a pequena burguesia e cada uma das classes polares do modo de produção dominante – a burguesia ou o proletariado (lugares situados entre o modo de produção mercantil simples e o modo de produção capitalista), e, segundo, as posições situadas entre cada uma das classes polares do modo de produção capitalista. Considerando que o impacto do desenvolvimento capitalista sobre a esfera produtiva se repercute em fenómenos como: a) a progressiva perda de controle sobre o processo de 34
  • 27. Entre a Fábrica e a Comunidade modelo de Wright resulta da articulação entre seis critérios: 1) controle sobre os recursos e investimentos (propriedade económica); 2) controle sobre os meios físicos de produção (posse); 3) controle sobre a força de trabalho alheia (posse); 4) propriedade legal sobre capital e imóveis (propriedade jurídica); 5) situação legal de empregador (propriedade jurídica); 6) venda de trabalho assalariado. Como consequência, esta tipologia traduz-se num conjunto de oito categorias de classe: por um lado, as três que correspondem a situações inequívocas: burguesia, proletariado e pequena burguesia; por outro lado, cinco lugares contraditórios de classe: pequenos empregadores, empregados semi-autónomos, gestores, gestores-consultores e supervisores (Wright, 1981: 66). Este primeiro modelo revelou diversas insuficiências teóricas e dificuldades de operacionalização analítica, postas a nu pelo próprio terreno empírico. Eis algumas das situações “anómalas” consideradas como reveladoras das deficiências do modelo: a distinção entre as situações polares e os lugares contraditórios de classe não permite a identificação de categorias de classe enquanto portadoras de interesses opostos (como era objectivo declarado do autor); o caso dos empregados semiautónomos, considerados numa situação distinta da classe operária devido à maior autonomia face às suas tarefas, aspecto que, além de não pressupor nenhuma diferença essencial em termos de interesses de classe, é definido com base num critério contingencial (que pode até ser exterior ao processo produtivo) e não deriva das relações sociais de produção. Como mais tarde reconheceu Wright, um porteiro poderia possuir mais autonomia do que, por exemplo, um piloto de aviação, daí resultando que este último estaria mais firmemente numa localização da classe operária do que o primeiro. A autonomia e a dominação, enquanto critérios de pertença de classe, foram sobrevalorizados e deixam transparecer trabalho por parte da classe operária; b) a diferenciação das funções do capital; e c) a crescente complexificação das hierarquias no espaço produtivo (Wright, 1981: 59-66). 35
  • 28. Entre a Fábrica e a Comunidade um excessivo pendor institucional, ou seja, uma lógica demasiado dependente das hierarquias da empresa e das posições funcionais no seio da divisão técnica do trabalho. 1.1.3 - Novos desenvolvimentos no modelo de Wright (modelo Wright II) Deste modo, o combate crítico foi, em certa medida, dando lugar à própria autocrítica do autor e as reformulações que se seguiram começaram a traduzir-se num segundo modelo, cuja sistematização – sempre acompanhada de abundante pesquisa empírica e respectivos modelos estatísticos – apareceu na obra Classes (Wright, 1985). Este modelo reconstruído (Wright II) procurou recuperar o conceito marxista de exploração para o centro da análise, considerando que o antagonismo de interesses entre as classes passa necessariamente pela existência de relações de exploração. A dominação, por si só, não chega para definir interesses objectivos antagónicos. Este é, no entanto, um ponto delicado. Trata-se da tese das opressões múltiplas, segundo a qual as sociedades capitalistas se caracterizam por uma pluralidade de mecanismos de dominação, cada um deles exercendo uma forma particular de opressão: a desigualdade sexual, o racismo, o colonialismo, o poder económico, etc. Uma boa ilustração da diferença entre opressão e exploração é retirada da esfera familiar: a opressão dos filhos pelos pais não implica a existência de interesses materiais (ou interesses “objectivos”) opostos entre uns e outros. O mesmo se pode dizer dos grupos sociais em situações de opressão não-exploradora – como acontece com os marginais, os pobres, os desempregados, as minorias étnicas, etc. – que, por não traduziram uma relação de interdependência com os opressores poderiam, do ponto de vista destes, ser banidos sem que isso afectasse a sua condição, ou seja, ao contrário da situação de exploração, o opressor não “precisa” do esforço produtivo do oprimido17. Por isso, a relação 17 Wright refere-se à diferença entre situações de opressão não-exploradora e situações de exploração recorrendo aos exemplos históricos da colonização da América do Norte e da África do Sul. “No caso da 36
  • 29. Entre a Fábrica e a Comunidade dominação/opressão não chega, por si só, para definir os interesses objectivos em causa. Só a exploração pode estruturar as principais clivagens classistas porque só ela produz interesses materiais antagónicos, visto que só neste caso o explorador “precisa” do explorado para acumular riqueza e este último precisa do primeiro para sobreviver. Relações de exploração geram, inevitavelmente, interesses objectivos contraditórios (já que nenhum indivíduo tem um interesse objectivo em ser explorado) ainda que os mesmos sejam camuflados através de atitudes subjectivas de anuência ou de aceitação18. Daí a insistência do autor em que o conceito de exploração deve continuar no centro da análise das classes. Esta acepção em torno dos interesses objectivos (ou fundamentais) não deixou de dar azo a acusações de ortodoxia e de voluntarismo. Conforme apontaram alguns dos críticos de Writght, a crença implícita de que o verdadeiro interesse da classe operária coincide com o interesse no socialismo reflecte, antes de mais, “uma arbitrária atribuição de interesses, por razões de natureza política” (Laclau e Mouffe, 1985: 83). A questão dos “interesses de classe”, além de ser um dos pontos mais combatidos e vulneráveis deste modelo – bem como uma das noções que melhor exprimiu o dogmatismo marxista em geral –, remete directamente para o problema da acção e da identidade de classe, a que voltarei mais adiante. É, pois, imperioso reconhecer as dificuldades de Wright em opressão não-exploradora os opressores ficariam felizes se os oprimidos simplesmente desaparecessem. A vida teria ficado mais fácil para os colonos europeus na América do Norte se o continente não estivesse já habitado por pessoas. O genocídio é assim uma estratégia potencial para a opressão não-exploradora. O que não é uma opção numa situação de exploração económica porque os exploradores precisam do trabalho dos explorados para o seu bem-estar material. Não é por acidente que culturalmente temos o hediondo ditado „o único índio bom é o índio morto‟, mas não outros ditos como „o único trabalhador bom é o trabalhador morto‟ ou „o único escravo bom é o escravo morto‟. Fará sentido dizer „o único trabalhador bom é o trabalhador obediente e consciencioso‟, mas não que „o único trabalhador bom é o trabalhador morto‟. O contraste entre a América do Norte e a África do Sul no tratamento dos povos indígenas reflecte esta diferença pungente: na América do Norte, onde os povos indígenas foram oprimidos (através da expulsão coerciva das terras), mas não explorados, o genocídio foi a política primária de controlo social em face da resistência; na África do Sul, onde a população colona europeia dependia fortemente do trabalho africano para a sua própria prosperidade, essa não podia ser uma opção” (Wright, 1997a: 11-12). 37
  • 30. Entre a Fábrica e a Comunidade libertar-se de alguns dos insolúveis equívocos que o marxismo estrutural introduziu na análise abstracta das classes, aspectos que se foram tornando mais claros à medida que outras clivagens sociais concorrentes com a classe foram sendo reconhecidas19. Apesar da vulnerabilidade de Wright a algumas destas críticas (Wright, 1989, 1997a e 1997b)20, a classe – definida num sentido estrutural – continua a ser tomada pelo autor como um mecanismo que além de encerrar, ele próprio, uma forma particular de opressão, é dotado de capacidade para impor limites às outras formas de opressão (embora não as “determine” directamente), ou seja, o conceito de classe é o único que transporta simultaneamente mecanismos de opressão e de exploração. Todavia, é questionável se a dominação é menos importante que a exploração. A propensão humana para a acção é muitas vezes mais constrangida pela dominação/opressão do que pela exploração. Como principal referência teórica, Wright inspirou-se abundantemente em John Roemer (1982b)21, o qual considera que a exploração e as classes são, à partida, fenómenos relativamente independentes um do outro. Para além disso, procura mostrar a possibilidade teórica da existência de sociedades com exploração mas sem classes sociais (Costa, 1987). As desigualdades sociais são analisadas como consequência de mecanismos de exploração capazes de proceder à transferência de sobretrabalho de uns grupos sociais para outros, ou seja, existe uma relação causal entre o bem-estar de uns e 18 Ao contrário da conhecida equação liberal – segundo a qual os interesses do indivíduo correspondem aos seus interesses expressos –, em Wright, o verdadeiro interesse está longe de coincidir com os interesses manifestos do agente. 19 Como mostraram alguns estudos sobre as desigualdades, a mudança e a acção colectiva que surgiram nos últimos dez anos (cf. Balibar e Wallerstein, 1991; Aronowitz, 1992; Eder, 1993; Cohen e Arato, 1994; Calhoun, 1994; Crompton, 1993 e 1997). 20 Em artigo recente sobre a questão da diferença sexual, parecem claras as crescentes cedências de Wright, ou seja, a tendência em considerar ambos os factores (classe e diferença sexual), com semelhantes capacidades de estruturação das desigualdades: “o marxismo e o feminismo são as duas tradições teóricas que mais atenção têm dado à tentativa de compreensão destas formas de opressão. No passado dispendeu-se muita energia teórica em debates de carácter metateórico sobre se se deveria conferir uma prioridade geral a um ou a outro destes feixes de processos causais. Uma das conquistas do progresso teórico destes últimos anos consistiu em superar essas preocupações” (Wright, 1997b). 38
  • 31. Entre a Fábrica e a Comunidade a privação de outros. Ao contrário da teoria do valor-trabalho de Marx, Roemer defende que pode haver exploração, por exemplo, num modelo de sociedade em que todos sejam proprietários dos meios de produção e trabalhem em regime de autoprodução (economia de subsistência sem mercado de trabalho), pressupondo-se para tal a existência de bens produtivos e instrumentos técnicos desiguais à partida. Se, como demonstra Roemer (1982b, 1986), o produtor X produzir mais mercadorias que o produtor Y dispendendo o mesmo tempo de trabalho, ao trocá-las no mercado concorrencial, X pode obter um cabaz de mercadorias maior que Y, tendo dispendido um esforço igual ou inferior, o que significa que X explora Y. Em tal situação a exploração poderia acontecer, mesmo na ausência de classes. O mesmo autor postula ainda a existência de um processo de correspondência entre classes e exploração, o qual tem lugar no quadro de um modelo de economia de subsistência com mercado de trabalho. Neste caso, as classes emergem a partir da diferença (qualitativa e quantitativa) na relação com os meios de produção. À existência ou não existência de propriedade dos meios de produção e ao desigual volume de propriedade, correspondem diferentes classes: os que vendem força de trabalho, os que compram força de trabalho e os que não vendem nem compram força de trabalho. Em tal situação é a propriedade a base da exploração e trata-se, portanto, de exploração capitalista (com base na apropriação de mais-valia no processo de trabalho). Segundo os modelos de Roemer, a desigual distribuição de recursos e a troca de bens no mercado bastam para gerar transferência de mais-valia. São, portanto, dois os tipos de recursos produtivos que estão na base desses processos: 1) – recursos alienáveis (bens físicos, propriedade material); e 2) – recursos inalienáveis (capacidades, habilidades, qualificações). As desigualdades nos primeiros dão origem à exploração 21 Os modelos propostos por este autor e a sua contribuição para as “novas e velhas questões” sobre a teoria das classes foram objecto de importante reflexão e síntese teórica realizada por António Firmino da 39
  • 32. Entre a Fábrica e a Comunidade capitalista e as desigualdades nos segundos dão origem ao que Roemer designa por exploração socialista22. Olin Wright acrescenta-lhes duas novas modalidades (que se vêm juntar àquelas): 3) – recursos em pessoas (posse de força de trabalho) e 4) – recursos organizacionais (controle dos mecanismos de decisão nas organizações). A desigual distribuição dos primeiros refere-se especificamente à sociedade feudal, uma vez que aí, diferentemente do capitalismo, nem todos possuíam uma unidade de força de trabalho, visto que os servos não eram sequer proprietários do seu próprio corpo, enquanto os senhores possuíam a força de trabalho dos seus servos. Deste modo, a exploração feudal assenta na transferência directa do sobretrabalho a partir da propriedade da força de trabalho alheia. Por sua vez, a desigual distribuição de recursos organizacionais dá lugar a uma forma de exploração considerada dominante nas sociedades de “socialismo de Estado” (onde as estruturas organizacionais do Estado se estendiam a toda a sociedade) – a exploração socialista23. Segundo Wright, as diferentes modalidades de recursos desigualmente distribuídos combinam-se de forma complexa nas “sociedades concretas”, para darem origem a múltiplas formas de exploração. Assim, ao propor o seu actual mapa das localizações de classe, desde logo nos adverte que “na maior parte das sociedades haverá muitas posições na estrutura de classes que são simultaneamente exploradoras e exploradas segundo as diferentes dimensões das relações de exploração” (Wright, 1989a: 8). Concretamente, nas sociedades capitalistas, o autor considera a combinação de três tipos Costa (1987). 22 Escuso-me, por razões óbvias, de aprofundar a análise de Roemer, mas refira-se que uma segunda componente de grande importância no contexto da sua “teoria geral da exploração” é inspirada na teoria dos jogos. Dela se infere que as estratégias de retirada dos actores, perante as “alternativas viáveis” em face de escolhas entre, por exemplo, participar no “jogo” feudal, capitalista, ou socialista, se tornam condicionantes fulcrais das práticas e dos seus processos de estruturação em termos classistas (cf. Roemer, 1982a e 1982b; e Costa, 1987). 23 Em todo o caso, a noção de “exploração organizacional” ou “exploração burocrática” parece algo ambígua, principalmente quando aplicada às sociedades capitalistas. De facto, não é fácil vislumbrar situações em que aos desapossados dos meios de produção seja permitido estruturar com sucesso o “poder 40
  • 33. Entre a Fábrica e a Comunidade principais de exploração: exploração capitalista (baseada no desigual controle dos meios de produção); exploração organizacional ou burocrática (desigual controle de recursos organizacionais ou de autoridade); e exploração por credenciais ou qualificações (desigual controle de qualificações escassas ou credenciais escolares). Se nas actuais sociedades a única forma de exploração fosse de tipo capitalista, todos os assalariados pertenceriam à classe operária. Porém, tendo em atenção as outras formas de exploração será possível visualizar divisões internas de classe, pondo em relevo, por exemplo, localizações da “classe média” onde se combinam múltiplas formas de exploração e em que algumas dão lugar a situações ambíguas (que, no fundo, correspondem a lugares contraditórios nas relações de classe), ou seja, situações que podem ser simultaneamente exploradas (porque, por exemplo, não possuem os meios de produção) e exploradoras (porque, por exemplo, possuem elevadas credenciais ou diplomas académicos). O referido esquema dá então lugar a uma estrutura com um conjunto de doze “localizações de classe” (o que, obviamente, não significa advogar a existência de doze classes) as quais, embora correspondendo a uma estrutura abstracta, condicionam no concreto as práticas individuais e as formas possíveis de acção colectiva24. Uma das vantagens desta proposta reside justamente nas possibilidades que abre à análise das chamadas “classes médias” a partir de um ponto de vista marxista, permitindo visualizar diferentes lógicas de acção e diferentes estratégias segundo critérios que se reconhecem hoje decisivos, como é o caso das qualificações (ou credenciais escolares) e dos instrumentos de poder (recursos organizacionais ou da organização”, em especial se se pretender usá-lo contra o proprietário. Por isso, dificilmente este factor pode ser visto como uma relação independente. 24 Sobre a tipologia das doze localizações de classe e a sua operacionalização, ver Wright (1985: 64 e ss.). No âmbito do presente estudo, o modelo de análise de Wright assume maior relevância no que respeita aos resultados da estrutura regional das classes na zona da indústria do calçado (que apresentarei no Capítulo 6). A abordagem aí efectuada, embora apoiada nos pressupostos teóricos e metodológicos de Wright, analisa os resultados obtidos recorrendo à dimensão histórica e cultural, ou seja, dando atenção a factores que se aproximem mais da teoria weberiana. 41
  • 34. Entre a Fábrica e a Comunidade autoridade) de que se dispõe nas relações de trabalho. Mas há aqui incongruências difíceis de ultrapassar. Primeiro, o conceito de exploração é, na prática, utilizado num sentido puramente quantitativo e, em termos operativos, as distinções são efectuadas arbitrariamente, o que contraria o pressuposto de que a análise marxista é fundamentalmente relacional. Segundo, não se vê como os três critérios – propriedade, recursos organizacionais (ou autoridade) e credenciais escolares – se relacionam uns com os outros. Terceiro, é duvidoso que a desigual distribuição de recursos em credenciais e em autoridade possam ser concebidas como formas de exploração com o mesmo nível de importância da exploração capitalista (propriedade e extracção directa de mais-valia), pois esta é a única relação que, além de produzir lucro, implica relações intrínsecas de interdependência entre explorado/ explorador. Por último, o procedimento de Wright no que respeita ao tratamento da dimensão político-social – das formações de classe, da consciência de classe e da subjectividade – levanta sérias dúvidas, em particular a sua insistência nas articulações “objectivas” entre as posições estruturais e as formas de consciência confunde-se com a ortodoxia essencialista, como lhe têm apontado alguns dos seus críticos neoweberianos e pós-marxistas (Marshall et al., 1988; Laclau e Mouffe, 1985). É importante nesta altura lembrar as aproximações de Wright ao pensamento de Weber, particularmente notadas nos seus últimos trabalhos (Wright, 1997a e 1997b). Na verdade, a abordagem estrutural das classes poderá sair enriquecida se for combinada com factores mais identificados com o weberianismo, como sejam a dimensão comunitária e a mobilidade social. O próprio Wright aponta, como se disse, as vantagens de “marxianizar o weberianismo”25, considerando que o elo estrutural que liga 25 Em algumas formulações, o próprio conceito de “exploração” surge como elo de ligação entre as duas tradições. É o que acontece quando, por exemplo, John Roemer fala em “exploração de status” ou em “exploração socialista” e quando se admite que, em termos abstractos, pode haver exploração mesmo num modelo de sociedade sem mercado de trabalho, ou seja, com todos os produtores a serem proprietários dos 42
  • 35. Entre a Fábrica e a Comunidade explorador e explorado na produção afecta as capacidades de mercado e as oportunidades de vida dos membros das classes sociais em presença e, assim, o conflito distributivo está em articulação com as relações de exploração sediadas na produção. Recorrendo a uma parábola da banda desenhada – a história do shmoo (Wright, 1997a: 4) – o autor procura mostrar como os recursos e meios de vida que os trabalhadores da indústria possam encontrar fora da empresa constituem uma dimensão que – embora tenha lugar através das relações de mercado e não na relação directa capital/trabalho – faz parte dos mecanismos de exploração, já que o enriquecimento de uns é efectuado à custa da privação de outros. Neste caso, a exploração não é incompatível com o compromisso entre as classes desde que as actividades complementares (na verdade, o equivalente aos shmoos) se mantenham insuficientes para a subsistência do trabalhador, acabando por favorecer simultaneamente os operários e o capitalista. Ou seja, enquanto os primeiros podem reforçar o seu baixo salário, mantendo ao mesmo tempo o emprego (por isso não têm interesse que a fábrica feche as portas), o segundo beneficia com isso, pelo menos enquanto tais rendimentos paralelos forem insuficientes por si sós, e os assalariados, à falta de melhores alternativas, forem obrigados a trabalhar para um patrão que lhes paga mal26. Com esta ilustração o autor pretende mostrar como as relações de mercado têm de facto uma interferência directa na estruturação das classes visto que tais mecanismos de mercado, apesar de facilitarem certas formas de compromisso, não deixam de se apoiar no antagonismo de interesses e na lógica exploradora. seus meios de produção, os próprios mecanismos de mercado fornecem as bases da exploração. Wright adere claramente a esta ideia quando, no seu último livro, desenvolve a metáfora do “efeito shmoo” (Wright, 1997a; cf. também Estanque e Mendes, 1998). Para uma síntese desta discussão e em particular dos modelos de Roemer, ver Costa (1987). 26 Mas se, por hipótese, a situação se alterasse no sentido de se obterem benefícios crescentes a partir, por exemplo, da actividade agrícola, é provável que muitos trabalhadores preferissem trocar a fábrica pelo trabalho na agricultura, fazendo escassear a mão-de-obra na indústria e consequentemente inflaccionando os salários aí praticados. 43
  • 36. Entre a Fábrica e a Comunidade Por outro lado, a localização “directa” na estrutura de classes, sendo muitas vezes insuficiente para explicar tanto as práticas como as orientações subjectivas dos indivíduos, faz apelo a outras mediações, como sejam a interferência “indirecta” das redes sociais (familiares e de amizade) e das trajectórias pessoais ou intergeracionais na definição da posição de classe mediada, enquanto factor influente na explicação das práticas e subjectividades individuais ou colectivas27. Efectivamente, parece cada vez mais insustentável a ideia de que a estrutura de classes possa, por si só, fornecer explicações plausíveis para a compreensão das subjectividades e comportamentos colectivos, uma vez que na verdade não existem quaisquer interesses “essenciais” ou “objectivos” directamente atribuíveis à posição de classe28. Se esta continua a ser um elemento importante, ela deve conjugar-se com outros factores de natureza histórica, contextual e cultural, nomeadamente o fenómeno das identidades. O problema da acção colectiva e a questão dos “interesses” – classistas ou não – podem ser equacionados com as identidades. Muito embora esse seja um tema que abordarei mais à frente vale a pena adiantar que diversos autores o introduzem nas discussões sobre a acção de classe. Por exemplo, Ted Benton prefere utilizar em vez do conceito de “interesses”, a noção de “objectivos” (Benton, 1981), considerando que estes são inerentes às práticas sociais e se manifestam sobretudo no seu conteúdo simbólico. Esta ideia é sublinhada por Firmino da Costa quando afirma que “em sociedade, cada actor ou categoria de actores não só tem um, mas diversos objectivos possíveis, ligados à variedade de identidades colectivas sobreponíveis ou 27 Alguns resultados da sociedade portuguesa referentes às permeabilidades de classe entre diferentes gerações e à posição de classe do cônjuge e do amigo mais próximo foram publicados noutro lugar (Estanque e Mendes, 1998). Para novas discussões entre o modelo de Wright e a diferença sexual, ver Wright (1997b) e Crompton (1997). 28 Michael Burawoy afirma que Wright faz concessões ao idealismo, ao formular o conceito de “interesses de classe objectivos”, assumindo, implicitamente, que a classe operária tem um interesse objectivo no socialismo (Burawoy, 1989). 44
  • 37. Entre a Fábrica e a Comunidade alternativamente colocáveis” (Costa, 1987: 77)29. Quer isto dizer que a tomada de consciência dos “interesses de classe” não deriva directa e “objectivamente” dos lugares de classe, uma vez que estes apenas estão em condições de desenvolver interesses potenciais. De qualquer dos modos, os interesses manifestam-se sempre no quadro de identidades sociais em relação às quais estão, em certa medida, dependentes (Marshall, 1997: 52). Como frisou Pizzorno (1981), a identidade precede os interesses. Isto vai também ao encontro da leitura dos pós-marxistas Laclau e Mouffe (1985), para quem são sobretudo a experiência e as práticas que condicionam a subjectividade e a vontade dos actores, e não tanto o processo inverso. Numa linha semelhante, os autores da escola neoweberiana de Essex (Marshall et al., 1988), admitem que no caso da classe operária, as identidades sociais sejam primariamente oriundas da produção, mas sublinham: “isso não é sempre verdade nem tem consequências uniformes. Identidades sectoriais, tanto como identidades de classe, podem emergir de experiências particulares de trabalho, mas elas não têm de ser permanentes ou duráveis. Podem ser activadas em circunstâncias particulares, por exemplo, no contexto de uma disputa industrial ou quando a fábrica está sob ameaça de encerramento, mas noutras ocasiões permanecem latentes. Nessas alturas, as esferas da vida fora do trabalho são provavelmente as mais salientes para activar as identidades sociais. Na verdade, para alguns indivíduos estas identidades podem modelar outras identidades potenciais” (Marshall et al., 1988: 273). De um modo geral, pode dizer-se que a explicação da acção colectiva da classe trabalhadora com base nas solidariedades da colectividade operária tem vindo a sofrer 29 Como refere Firmino da Costa, daqui deriva “a possibilidade de objectivos alternativos e o facto de uma parte importante da luta de classes consistir em tentar-se persuadir outros de que os seus „interesses verdadeiros‟ são uns, e não outros, ou seja, em advogar mudanças de identidade, em procurar induzir orientações preferenciais, não para umas, mas para outras identidades colectivas”. Citando Benton, pode ler-se no mesmo texto: “tentar persuadir alguém de que um certo curso de acção, em vez dum outro 45
  • 38. Entre a Fábrica e a Comunidade uma crescente contestação30. É certo que o pressuposto evolucionista da teoria do materialismo histórico, bem como o pendor determinista e abstracto que acompanhou a teoria das classes no passado, são formalmente rejeitados por Erik Wright (1997a; Wright et al., 1992). No entanto, a grande preocupação do autor com o rigor conceptual e a operacionalidade dos modelos estatísticos parecem ir de par com uma certa perda de vitalidade crítica, fazendo com que alguns dos seus “equipamentos analíticos” apareçam hoje envoltos num excessivo relativismo. A abordagem de Wright é ontologicamente forte, mas epistemologicamente fraca. Ao advogar que as classes têm uma existência concreta, independentemente do que se passa num dado quadro “mental” ou “conceptual”31, parece esquecer que, apesar de tudo, a realidade é inseparável do sujeito que a pretende captar e “moldada” pelo próprio acto de conhecer. Uma análise realista das estruturas e da acção de classe exige a captação das configurações concretas de ideologias, identidades culturais e práticas de classe inseridas em contextos históricos particulares. Ou seja, a análise estruturalista das classes pode ser útil a uma abordagem como a que está em causa neste estudo, mas é necessário complementá-la com outras perspectivas que permitam uma compreensão mais profunda e qualitativa da realidade social, capaz de captar os processos históricos e os contextos socioculturais concorrentes com a estrutura de classes na modelação da acção colectiva. As práticas e experiências vividas no processo produtivo e na comunidade não só se inscrevem nas estruturas mais gerais do capitalismo, mas revestem-se de significados qualquer, é do seu interesse significa tomar parte na constituição e/ou reconstituição da sua identidade social e pessoal” (Costa, 1987: 77). 30 A perda de centralidade da classe nos processos políticos e na transformação social mais geral, caminha de par com a emergência de outro tipo de fenómenos e de clivagens identitárias (socioculturais, étnicas, sexuais, etc.), assunto a que irei referir-me no ponto seguinte (cf. Korpi, 1983; Goldthorpe, 1984; Maheu, 1995; Eder, 1993; Aronowitz, 1992; Burawoy, 1985 e 1989; Pakulsky e Waters, 1996a). 31 Uma tentativa de demarcação face a Ernesto Laclau (e a outros críticos), segundo o qual “os objectos não são nunca dados como meras „existências‟ mas, são sempre articulados no seio de totalidades discursivas” (Laclau, 1990: 109). Alguns acusam-no de ser como o viajante meticuloso que “passa o tempo a fazer as malas para não ir a lado nenhum”. 46