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CONTRARRAZÕES AO RELATÓRIO PRELIMINAR -
ACÓRDÃO Nº. 1497/2016-TCU-PLENÁRIO –
PRESTAÇÃO DE CONTAS DA PRESIDENTA DA REPÚBLICA REFERENTE AO
EXERCÍCIO DE 2015
Conteúdo
1. Dos indícios de irregularidades e das possíveis distorções ........................................4
2. Das considerações gerais........................................................................................................9
2.1. Do objeto da Prestação de Contas da Presidente da República ....................................9
2.1.1. Dos limites de mérito: quanto às atribuições da Presidente da República....12
2.1.2. Dos limites de forma: quanto aos aspectos processuais...............................17
2.1.2.1. Da violação do contraditório e da ampla defesa pela vagueza das
condutas descritas no relatório preliminar ......................................................18
2.1.2.2. Do Devido Processo Legal e a imputação de irregularidade a contas
que ainda estão sendo examinadas pelas auditorias ........................................21
2.1.3. Da segurança jurídica: Da aplicação do artigo 9º do Pacto de San José da Costa
Rica – da natureza supralegal da norma................................................................25
2.2. A conjuntura econômica e da gestão fiscal de 2015 ...........................................45
3. Das contrarrazões ..................................................................................................................55
3.1. Dos aspectos relativos às supostas operações de crédito (subitens 9.2.1, 9.2.2,
9.2.3, 9.2.4, 9.2.5, 9.2.6, 9.2.7).................................................................................................................55
3.2. Dos aspectos relativos à programação orçamentária e financeira (subitens 9.2.9
e 9.2.10)................................................................................................................................................................56
3.3. Dos aspectos relativos à abertura de créditos suplementares (subitem 9.2.8).....56
2
3.4. Dos aspectos relativos à desvinculação de receitas (subitens 9.2.11 e 9.2.12)...56
3.5. Dos aspectos relativos à abertura de créditos extraordinários (subitens 9.2.16,
9.2.17, 9.2.18 e 9.2.19).................................................................................................................................57
3.6. Dos aspectos relativos à suposta operação de crédito referente à aquisição do
FX2 (subitem 9.2.20).....................................................................................................................................57
3.7. Dos demais aspectos..........................................................................................................................57
3.7.1. Do orçamento das empresas estatais (subitem 9.2.13).................................57
3.7.2. Dos repasses referentes ao Seguro Obrigatório de Danos Pessoais Causados
por Veículos Automotores de Vias Terrestres (subitem 9.2.14)............................57
3.7.3. Da autorização do Banco Central do Brasil ao Banco da Amazônia S.A para
fins de registro do seu patrimônio de referência (subitem 9.2.15).........................58
3.7.4. Da emissão direta de títulos públicos ao Banco do Brasil S.A (subitem 9.2.21)
58
3.7.5. Dos aspectos relativos às metas previstas no Plano Plurianual 2012-2015
(subitem 9.2.22) ...................................................................................................58
3.7.6. Do Balanço Geral da União (subitem 9.2.23)..............................................58
4. Das considerações finais.......................................................................................................59
3
EXCELENTÍSSIMO SENHOR PRESIDENTE DO TRIBUNAL DE CONTAS DA
UNIÃO
TC 008.389/2016-0
DILMA VANA ROUSSEFF, brasileira, divorciada, Ex-Presidente da
República, residente e domiciliada na Avenida Copacabana, nº 1.205/503 – Tristeza,
Porto Alegre-RS, CEP 91.900-050, RG nº 9017158222/SJS/RS, CPF nº 133.267.246-
91, por seu advogado abaixo assinado, em atenção aos termos do Acórdão nº.
1497/2016-TCU-Plenário – que trata da Prestação de Contas da Presidente da República
referente ao exercício de 2015, vem apresentar suas
CONTRARRAZÕES
aos indícios de irregularidades e de possíveis distorções apontados no referido acórdão.
4
1. Dos indícios de irregularidades e das possíveis distorções
1. Nos termos do referido Acórdão, foram apontados, no total, 23 indícios de
irregularidades e de possíveis distorções, in verbis:
9.2.1. manutenção do estoque de operações de crédito vencidas até
31/12/2014 durante praticamente todo o exercício de 2015, relativamente a
atrasos nos repasses ao Banco do Brasil respeitantes à equalização de juros do
Plano Safra, tendo iniciado aquele ano com valor aproximado de R$ 8,3
bilhões, em desacordo com o art. 36, caput, da Lei Complementar 101/2000
(item III.1.1 da instrução da Semag);
9.2.2. manutenção do estoque de operações de crédito vencidas até
31/12/2014 durante praticamente todo o exercício de 2015, relativamente a
atrasos nos repasses ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e
Social respeitantes à equalização de juros do Programa de Sustentação do
Investimento, tendo iniciado aquele ano com valor aproximado de R$ 20
bilhões, em desacordo com o art. 36, caput, da Lei Complementar 101/2000
(item III.1.2);
9.2.3. realização de novas operações de crédito pela União junto ao Banco
Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, no primeiro e no segundo
semestres do exercício de 2015, nos valores de R$ 3,7 bilhões e R$ 4,37
bilhões, respectivamente, em virtude de passivos oriundos do Programa de
Sustentação do Investimento, operacionalizado por aquela instituição
financeira, em desacordo com os arts. 32, § 1º, incisos I e II, e 36, caput, da
Lei Complementar 101/2000 e com os pressupostos do planejamento, da
transparência e da gestão fiscal responsável insculpidos no art. 1º, § 1º, da Lei
Complementar 101/2000 (item III.1.3);
5
9.2.4. realização de novas operações de crédito pela União junto ao Banco do
Brasil no primeiro e no segundo semestre do exercício de 2015, nos montantes
de R$ 2,6 bilhões e R$ 3,1 bilhões, respectivamente, em virtude de passivos
oriundos da equalização de taxa de juros em operações de crédito rural, em
desacordo com o art. 165, § 8ª, c/c o art. 32, § 1º, incisos I e II, da Lei
Complementar 101/2000, bem como com o art. e 36, caput, da mesma lei e
com os pressupostos do planejamento, da transparência e da gestão fiscal
responsável insculpidos no art. 1º, § 1º, da Lei Complementar 101/2000 (item
III.1.4);
9.2.5. omissão de passivos da União junto ao Banco do Brasil, à Caixa
Econômica Federal, ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico de
Social e ao Fundo de Garantia do Tempo de Serviço nas estatísticas da dívida
pública divulgadas pelo Banco Central do Brasil ao longo do exercício de
2015, contrariando os pressupostos do planejamento, da transparência e da
gestão fiscal responsável insculpidos no art. 1º, § 1º, da Lei Complementar
101/2000 (item III.2);
9.2.6. pagamento de dívidas da União junto ao Banco do Brasil e ao Banco
Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social sem a devida autorização
na Lei Orçamentária Anual ou em lei de créditos adicionais, inclusive com o
registro irregular de subvenções econômicas, contrariando o que estabelecem
o art. 167, inciso II, da Constituição Federal, o art. 5º, § 1º, da Lei
Complementar 101/2000 e os arts. 12, § 3º, inciso II, e § 6º, e 13 da Lei
4.320/1964 (item III.3.1);
9.2.7. pagamento de dívidas da União junto ao Fundo de Garantia do Tempo
de Serviço sem a devida autorização em Lei Orçamentária Anual ou em lei de
créditos adicionais, e também com o registro irregular de subvenções
econômicas, incluindo o pagamento de R$ 869,10 milhões executados em
6
2014 sem que constassem da respectiva dotação orçamentária (Lei
12.952/2014), contrariando o que estabelecem o art. 167, inciso II, da
Constituição Federal, o art. 5º, § 1º, da Lei Complementar 101/2000 e os arts.
12, § 3º, inciso II, e § 6º, e 13 da Lei 4.320/1964 (itens III.3.2 e III.3.3);
9.2.8. abertura de créditos suplementares, entre 27/7/2015 e 2/9/2015, por
meio dos Decretos Não Numerados 14241, 14242, 14243, 14244, 14250 e
14256, incompatíveis com a obtenção da meta de resultado primário então
vigente, em desacordo com o art. 4º da Lei Orçamentária Anual de 2015,
infringindo por consequência, o art. 167, inciso V, da Constituição Federal
(item III.4.1);
9.2.9. condução da programação orçamentária e financeira com amparo na
proposta de meta fiscal constante do Projeto de Lei PLN 5/2015, e não na
meta fiscal legalmente vigente nas datas de edição dos Relatórios de
Avaliação de Receitas e Despesas Primárias do 3º e do 4º Bimestres de 2015,
bem como dos Decretos 8.496/2015 e 8.532/2015, contrariando o disposto
nos arts. 9º da Lei Complementar 101/2000 e 52 da Lei 13.080/2015 (item
III.4.2);
9.2.10. contingenciamentos de despesas discricionárias da União em
montantes inferiores aos necessários para atingimento da meta fiscal vigente
nas datas de edição dos Decretos 8.496, de 30/7/2015, e 8.532, de 30/9/2015,
amparados, respectivamente, pelos Relatórios de Avaliação de Receitas e
Despesas Primárias do 3º e 4º Bimestres de 2015, contrariando o disposto nos
arts. 9º da Lei Complementar 101/2000 e 52 da Lei 13.080/2015 (item III.4.2);
9.2.11. utilização de recursos vinculados do superávit financeiro de 2014 em
finalidade diversa do objeto da vinculação, em ofensa ao parágrafo único do
art. 8º da Lei Complementar 101/2000 (item III.4.3);
7
9.2.12. utilização de recursos de fundos especiais em finalidade diversa do
objeto da vinculação, em desacordo com o estabelecido no art. 73 da Lei
4.320/1964 e em ofensa ao parágrafo único do art. 8º da Lei Complementar
101/2000 (item III.4.3);
9.2.13. execução de despesa em montante superior à dotação aprovada no
Orçamento de Investimento pelas empresas estatais Banco Nacional de
Desenvolvimento Econômico e Social e Petróleo Brasileiro S.A., em
desacordo com o disposto no inciso II do art. 167 da Constituição Federal
(item III.4.4);
9.2.14. ausência de repasse referente ao Seguro Obrigatório de Danos
Pessoais Causados por Veículos Automotores de Vias Terrestres, no valor de
R$ 89,7 milhões, destinado ao Fundo Nacional de Saúde, vinculado ao
Ministério da Saúde, em inobservância aos dispositivos das Leis 8.212/1991
e 9.503/1997 (item III.6);
9.2.15. concessão indevida de autorização pelo Banco Central do Brasil ao
Banco da Amazônia S.A. para que referida instituição financeira efetuasse o
registro de R$ 982,1 milhões no Nível I de seu Patrimônio de Referência, na
qualidade de Capital Principal, contrariando o que estabelecem o art. 16,
inciso XI, e § 1º, inciso I, da Resolução-CMN 4.192/2013 e com
inobservância das determinações contidas nos arts. 9º e 10, inciso IX, da Lei
4.595/1964 (item III.5);
9.2.16. abertura de créditos extraordinários por meio das Medidas Provisórias
686/2015, 697/2015, 702/2015 e 709/2015, em desacordo com os requisitos
constitucionais de urgência e imprevisibilidade previstos no art. 167, § 3º
(parecer do Ministério Público);
8
9.2.17. abertura de créditos extraordinários por meio das Medidas Provisórias
686/2015, 697/2015, 702/2015 e 709/2015, com características de créditos
suplementares e especiais, em desacordo com os arts. 167, inciso V, e 62, §
1º, alínea “d”, da Constituição Federal, c/c os arts. 40 e 41, inciso III, da Lei
4.320/64 (parecer do Ministério Público);
9.2.18. abertura de créditos suplementares para o FIES, qualificados
indevidamente como crédito extraordinário, por meio da MP 686/2015, para
viabilizar a contratação de novas operações de financiamento estudantil,
criando despesas obrigatórias de caráter continuado com duração de mais de
dois exercícios, com a inobservância dos arts. 15, 16 e 17 da Lei
Complementar 101/2000 (LRF), c/c o art. 43 da Lei 4.320/64 (parecer do
Ministério Público);
9.2.19. abertura de créditos suplementares qualificados indevidamente como
créditos extraordinários, por meio das MPs 686/2015 e 697/2015, que
aumentaram as despesas primárias da União de forma incompatível com o
alcance do resultado primário do exercício, com infringência ao art. 167,
inciso V, da Constituição Federal; ao art. 4º da Lei Orçamentária Anual de
2015 – Lei 13.115/2015, bem como em desacordo com o art. 9º da Lei
Complementar 101/2000 (parecer do Ministério Público);
9.2.20. autorização para contratação de operação de crédito externa para
financiamento do projeto FX-2 sem observar os requisitos previstos no art.
32, § 1º, inciso I, da Lei Complementar 101/2000, uma vez não haver prévia
autorização na lei orçamentária ou em créditos adicionais e não ter ocorrido
por meio de lei específica (parecer do Ministério Público);
9.2.21. emissão direta de títulos públicos ao Banco do Brasil com
inobservância de condição estabelecida na legislação (Resolução CMN
9
2.238/1996), incorrendo em operação de crédito vedada pelo art. 36 da Lei de
Responsabilidade Fiscal (voto do Relator);
9.2.22. falta de consistência de parcela significativa das informações
relacionadas a metas previstas no Plano Plurianual 2012-2015 (item IV.1 e
anexo I da instrução da Semag);
9.2.23. achados de auditoria que comprometem a fidedignidade das
informações contábeis constantes do Balanço Geral da União apresentado na
Prestação de Contas da Presidente da República do exercício de 2015 (item
IV.2 e anexo II).
2. Seguem os esclarecimentos considerados pertinentes em relação aos supostos
indícios de irregularidades e de possíveis distorções ora apontados no referido acórdão.
2. Das considerações gerais
2.1. Do objeto da Prestação de Contas da Presidente da República
3. De acordo com o artigo 71, I, da Constituição Federal, compete ao Tribunal
de Contas da União (TCU) apreciar as contas prestadas anualmente pelo Presidente da
República, mediante parecer prévio a ser submetido ao juízo do Congresso Nacional.
Essa tomada de contas do Presidente da República se refere às contas do governo, não
se confundindo com as contas de gestão que cada administrador público deve prestar ao
10
TCU, com fulcro no inciso II do mesmo dispositivo constitucional. A distinção entre
as duas figuras é bem delineada por Lucas Rocha Furtado1
, em sede doutrinária:
“As contas anuais se subdividem em duas outras categorias:
- contas de governo, cuja sistemática de prestação é definida pelos arts.
49, IX, e 71, I, da Constituição Federal; e
- contas de gestão, definidas pelo art. 71, II, do texto constitucional.
(...)
Como o próprio nome indica, o exame das contas de governo não
envolve aspectos específicos da gestão. Não se examina, por exemplo,
se determinado ato ou contrato é ilícito, ou se licitação ou concurso
público foram conduzidos conforme determina a legislação. Esses
aspectos devem ser examinados nas contas de gestão.
O exame das contas de governo compreende aspectos gerais
relacionados à execução dos orçamentos públicos federais,
especialmente no que concerne aos aspectos definidos pela Lei de
Responsabilidade Fiscal. É na realidade a análise das receitas e das
despesas previstas no Plano Plurianual, e nos Orçamentos Fiscal, da
Seguridade Sociais e de Investimentos das Estatais. Se estivéssemos no
campo da economia, seria correto afirmar que o exame das contas do
governo verifica aspectos macroeconômicos; ao passo que as contas de
gestão devem expressas a legalidade, a legitimidade e a economicidade
dos atos administrativos que compreendam a gestão do administrador.
Nas contas do governo é examinada a atuação da autoridade máxima
de cada um dos poderes da República (Presidente da República,
Presidente do STF, do STJ, do Procurador-Geral da República etc.);
nas contas de gestão, verificam-se os atos dos ordenadores das despesas
das diversas unidades administrativas. Se tomamos como exemplo o
Supremo Tribunal Federal, verificar-se-á que o Presidente do STF
presta contas de governo, a serem examinadas pelo TCU por meio de
parecer prévio e que serão julgadas pelo Congresso. O Diretor-Geral
1
FURTADO, Lucas. Curso de Direito Administrativo. Belo Horizonte: Fórum, 2007, p. 1107-1108.
11
do STF, ao contrário, presta contas de gestão, cujo julgamento cabe
diretamente ao TCU.”
(Grifos no original)
4. Como se vê, nas contas de governo, o Presidente da República responde
pelo comportamento financeiro geral da Administração Pública Federal, envolvendo
não só atos de sua competência, mas de todos os agentes públicos a ele subordinados,
como um dever que deriva do exercício do cargo, sem a necessidade de se perquirir a
atuação presidencial, ao contrário do que ocorre nas contas de gestão em que investiga-
se a regularidade dos atos concretos praticado por cada uma das autoridades ordenadoras
de despesas.
5. Dessa distinção entre contas de governo e contas de gestão se extrai uma
consequência inafastável quanto à responsabilidade pela prestação de contas, bem como
da sua defesa, ainda que em sede preliminar. Enquanto no primeiro caso, recai sobre
aquele que exerce o cargo no momento da prática do ato de prestar contas ou de
promover a sua defesa, no segundo, se liga pessoalmente à autoridade que praticou a
conduta em exame. Não é por outra razão que, findo o exercício do mandato
presidencial, a pessoa natural do ex-presidente da República não mantém a obrigação
ou o ônus de prestar contas sobre exercício anterior transcorrido durante o seu mandato,
tarefa que é cumprida pelo seu sucessor, uma vez que se trata da defesa das contas do
Governo Federal, e não da apuração da conduta de determinada autoridade específica.
Aliás, esta sempre foi a prática reiteradamente observada pelo TCU.
6. O mesmo fenômeno ocorre quando o Presidente da República não está no
exercício das atribuições do seu cargo, como presentemente ocorre com a Presidenta
Dilma Rousseff, afastada durante o julgamento do processo de impeachment por decisão
do Senado Federal na Denúncia por Crime de Responsabilidade - DCR nº 01/16, ou
ainda após o seu afastamento definitivo como resultado do referido processo. A
Presidenta eleita, por não estar no exercício do seu cargo, não tem a obrigação e o ônus
de defender das supostas irregularidades imputadas às contas do governo de 2015,
12
responsabilidade que recai sobre o Vice-Presidente em exercício do cargo, hoje
efetivado como Presidente da República por decisão do Senado Federal.
7. Assim, em relação aos atos de governo, nos quais a Ex-Presidenta da
República não teve qualquer participação por não serem da sua competência privativa,
sua defesa se limitará a encaminhar em anexo as explicações fornecidas pelos
ministérios e órgãos envolvidos, a partir de informações que foram fornecidas pela
Advocacia-Geral da União, nos termos de Protocolo de Acesso a Informações firmado
entre a então Presidenta da República afastada e o Advogado-Geral da União.
2.1.1. Dos limites de mérito: quanto às atribuições da Presidente da
República
8. A importância da adequada delimitação da responsabilidade da Presidente
da República é oportunamente destacada pelo Senador Acir Gurgacz, relator, no âmbito
da Comissão Mista de Planos, Orçamentos Públicos e Fiscalização do Congresso
Nacional – CMO das contas do exercício financeiro de 2014. A esse respeito, salienta o
iminente Senador:
“É preciso, no entanto, definir o objeto do julgamento que o Congresso
Nacional deve realizar para que os congressistas possam exercer suas
plenas prerrogativas no caso dentro do papel constitucional que lhes
cabe.
A delimitação é relevante porque não parece razoável atribuir todas as
minúcias do funcionamento da máquina pública à responsabilidade
do Chefe do Governo. O foco do julgamento deve se guiar pela
relevância, mas não abundância das matérias colocadas à
responsabilidade do Presidente.
Por outro lado, está em questão no julgamento político não um
governo em abstrato, uma política em tese. Trata-se de julgar a
conduta de um mandatário, de um titular de poderes políticos
13
conferidos pela Constituição e pelo voto popular, a partir dos
elementos trazidos nas contas.
A Carta Magna, não por acaso, diferencia esses tipos de apreciação em
seu art. 49. inciso IX: por um lado, o Congresso aprecia os relatórios
sobre os planos de governo, mas julga "as contas prestadas pelo
Presidente da República". Ou seja, parece não restar dúvidas de que o
julgamento é personalíssimo. É o mandatário quem tem as contas
julgadas, não o governo em geral. ”
(Grifamos)
9. Ainda nesse sentido, o Senador Acir Gurgacz faz uma importante e necessária
discussão sobre o papel do TCU e do Congresso Nacional na apreciação das contas do
Chefe do Poder Executivo, em especial nos dias atuais, em que se observa acentuada
confusão de papeis e atribuições e, consequentemente, de profundas distorções, como o
próprio acolhimento da Denúncia por Crime de Responsabilidade – DCR nº. 1, de 2016,
em que se condenou por crime de responsabilidade a Ex-Presidenta da República, por
suposta abertura de créditos suplementares por decretos presidenciais, sem autorização
do Congresso Nacional (Constituição Federal, art. 85, VI e art. 167, V; e Lei nº 1.079,
de 1950, art.10, item 4 e art. 11, item II), e por suposta contratação ilegal de operações
de crédito (Lei nº 1.079, de 1950, art. 11, item 3). Veja-se:
“O Egrégio Tribunal de Contas da União anualmente envia o parecer
prévio que elabora, intitulado "Contas do Governo da República -
Exercício 'x'", para o julgamento do Congresso Nacional, como se
fossem as contas prestadas pelo Chefe do Poder Executivo. No ora caso
relatado, "Contas do Governo da República - Exercício de 2014".
Tal denominação remete a uma abrangência que parece não se ajustar
à delimitação que acima se fez em conformidade com o ordenamento
jurídico. Se fosse apenas uma questão de nomenclatura, analisado o
objeto conforme a restrita exigência constitucional, atendida estaria a
norma, perdendo sentido o debate.
No entanto, não é isso que se constata na documentação enviada à
deliberação congressual. A terminologia empregada pelo Tribunal tem
total correspondência com o que analisou, porém, é o que nos parece,
não atende à restrição constitucional.
14
Este Colegiado já identificou por diversas vezes a impropriedade da
nomenclatura; porém, embora a tenha por vezes corrigido, não
enfrentou a essência da questão: qual seria o conteúdo das contas
presidenciais. a parcela que o Tribunal deve analisar mediante parecer
prévio.
Na análise das Contas de 2014, a Corte, preenchendo o vácuo
legislativo, cita que seu Parecer Prévio se ampara em seu Regimento
Interno, na sua Resolução nº 142, de 2001, no art. 36 da Lei nº 8.443,
de 1992, e no art. 56 da LRF, entre outros dispositivos legais.
Entretanto, nenhuma das normas citadas foi aprovada conforme a
competência firma da no art. 49. IX. CF. As matérias exclusivas do
Congresso Nacional são veiculadas mediante decreto legislativo ou
resolução, o que não ocorre no caso.
As normas internas expedidas pelo próprio Tribunal menos ainda
poderiam ser invocadas. O TCU, com todo o respeito que merece, não
desempenha atividade legiferante, salvo para cuidar da administração
interna; tampouco poderia substituir o Congresso Nacional na matéria.
No art. 224, o Regimento da Corte estabelece que o Relator das contas
pode efetuar as "fiscalizações que entenda necessárias à elaboração do
seu relatório". Ou seja, com base nesse dispositivo, pode o Relator,
discricionariamente, decidir quais atos, fatos, programas ou políticas
públicas serão fiscalizados para compor o parecer a ser encaminhado
ao Congresso Nacional.
Não nos parece que tamanha discricionariedade esteja alinhada ao
atual texto da Carta Política, que separou, precisamente, as
competências do Tribunal e do Congresso Nacional. Ao primeiro, cabe
julgar as contas dos administradores públicos, de maneira geral. Ao
segundo, compete com exclusividade julgar as contas presidenciais (CF.
art. 71, I e 1I).
Embora o Congresso Nacional não tenha cuidado adequadamente da
preservação de suas competências, o vazio legislativo não deveria ser
suprido por outro órgão ou Poder, por mais prestígio que tenha e
mereça.
Mas não se trata de apenas zelar pelas competências do Poder
Legislativo, o que não seria pouco. Na verdade, no respeitoso e
abrangente Relatório e Parecer Prévio elaborados pelo Tribunal,
verifica-se que este fundiu, indistintamente, matérias de caráter
15
eminentemente técnico-jurídicas sob a responsabilidade de gestores
públicos, para estabelecer conexão direta com atribuições do primeiro
mandatário do País. Ou seja, combinou os incisos I e II do art. 7I da
Constituição, para compor a prestação das contas presidenciais de
2014.
O próprio Parecer alerta que as contas da Presidente representam,
consolidação das "contas individuais de ministérios, órgãos e
entidades federais dependentes de orçamento federa l" (item 1. 1.3).
Mais: o Relatório revela que o Parecer Prévio contempla "informações
sobre os demais Poderes e o Ministério Público" (Introdução, terceiro
parágrafo). A questão merece ser enfrentada devido às consequências
políticas e jurídicas para os prestadores de contas.
A união desses universos apenas é compreensível se o objetivo for
mostrar visão abrangente de toda a atuação governamental, por vezes,
necessária, haja vista que metas e objetivos fixados para o Governo
federal podem ser afetados por eventos ocorridos no âmbito dos demais
Poderes e do Ministério Público, fato que deve ser levado em
consideração na apreciação das contas presidenciais. Mas deveriam
ser mostrados especificadamente, para permitir a clara distinção entre
o que se imputa ao Presidente e o que é de responsabilidade dos demais
agentes públicos.
Isso porque o resultado do julgamento pelo Legislativo não poderá
contaminar (seja para aprovar ou rejeitar) as contas relativas a outros
responsáveis pelos dinheiros públicos, cuja competência de
julgamento pertence ao Tribunal (art. 71. 11. CF).
Veja-se que o Tribunal alerta, no mesmo citado item 1.1.3, que sobre as
contas individuais "pode haver erros e irregularidades não detectados
no nível consolidado que venham a ser constatados e julgados no futuro,
em atendimento ao que dispõe o art. 71, inciso II, da Constituição
Federal". Esclarece, ainda, que as contas atribuíveis a outros gestores
serão julgadas posteriormente pelo Tribunal. ”
(Grifamos)
10. O Senador Acir Gurgacz ainda lastreia o seu entendimento em balizada
doutrina. Veja-se:
16
“A junção dos documentos, conforme ora identificada, enfrenta a
oposição da mais abalizada da doutrina. O ex-Procurador-Geral do
Ministério Público junto ao Tribunal de Contas do Distrito Federal e
Territórios - TCDFT, Jorge Ulisses Jacoby, traz a seguinte orientação:
‘Se o Chefe do Poder Executivo não pratica ato de ordenador de
despesas, não estará sujeito a julgamento pelo tribunal de contas;
contudo, se o fizer, será julgado como qualquer ordenador de
despesas, na forma da competência definida no art. 71, inc. li, da
Constituição Federal. Desse modo, não pode o Chefe de Poder
ser chamado a responder por ato de subalterno se não exerceu
a função de ordenador de despesas, limitando-se à chefia
política.’
Bandeira de Mello apontou a grave consequência de não se apartar as
contas diretas e pessoalmente imputáveis ao Presidente da República,
que no seu entendimento terão de passar por exame substancial,
daquelas concernentes aos ordenadores de despesa:
‘Sem embargo, tal competência, diga-se de passagem tem sido
tradicional e erroneamente confundida com a apreciação
substancial das contas do Governo, em geral, de tal sorte que,
absurdamente, nas órbitas estaduais ou municipais, Tribunais
de Contas destas esferas têm rejeitado contas de Governador
ou Prefeito, por atos que, muitas vezes, não lhes podem ser
diretamente imputáveis, pois não se faz a devida acepção entre
o que é de responsabilidade direta das autoridades em questão
e o que é de responsabilidade de subordinados seus. Com efeito,
possivelmente não há e talvez jamais venha a haver alguma
administração, considerada em seu todo, livre de falha ou
irregularidade na gestão de recursos públicos. Sempre existirá
algum servidor da administração direta ou indireta que cometerá
deslizes, faltas ou mesmo incorreções graves em detrimento do bom
e honesto manejo dos recursos públicos, para não se falar de meras
impropriedades técnicas no que concerne a registros relativos à
receita e despesa públicas. É um contrassenso absoluto
considerar a aprovação das contas do Chefe do Poder
Executivo dependente da miríade de atos praticados por
terceiros, conquanto agentes da administração direta ou
indireta: atos que, nos respectivos escalões, o Presidente,
Governadores e Prefeitos centenas de milhares de vezes sequer
poderão saber que foram praticados ou como o foram e se, em
cada caso, foi obedecida cada particularizada exigência técnica
17
ou legal. Sem embargo, a sanção pela rejeição de contas do Chefe
do Poder Executivo (que ocorrerá se o Legislativo acolher parecer
do Tribunal de Contas neste sentido) é politicamente grave. ’ ”
(Grifamos)
11. Por fim, arremata o Senador Acir Gurgacz quanto à cautela necessária à
aferição de responsabilidade do Presidente da República, o que é validamente estendido
ao caso em apreço e que, por certo, norteará a manifestação desta respeitada Corte de
Contas:
“Em razão do exposto, é necessário ponderação ao incluir fatos e
atos nas contas presidenciais. Antes, é preciso configurar a
vinculação direta do ato com o Chefe de Governo, analisar a
legitimidade, eficiência e economicidade, sua repercussão
financeira e orçamentária. o atingimento dos fins pretendidos, o
potencial de ofensa à coisa pública.
(...)
A aferição da responsabilidade do Presidente da República precisa
ser cautelosa, os indícios devem estar claramente evidenciados e a
conexão com a conduta presidencial deve ser comprovada, não
presumida, bem assim realizada a subsunção do fato à previsão
legal. É mister ter em conta que o julgamento envolve questões
muito além da necessidade de constatar irregularidades e punir o
vício: tem íntima relação com a estabilidade das instituições. ”
(Grifamos)
2.1.2. Dos limites de forma: quanto aos aspectos processuais
18
2.1.2.1. Da violação do contraditório e da ampla defesa pela vagueza das
condutas descritas no relatório preliminar
12. Antes de analisar a regularidade dos apontamentos imputados pelo relatório
preliminar, vale destacar que o atual procedimento, como vem sendo conduzido,
constitui grave violação do contraditório e da ampla defesa, consagrados no art. 5º LV,
CF, em razão da descrição vaga e sucinta das condutas que teriam sido praticadas em
2015 e que seriam irregulares.
13. Como é por demais sabido, o artigo 5º da Constituição Federal estabelece que:
“LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos
acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com
os meios e recursos a ela inerentes; “
14. A flagrante violação do contraditório e da ampla defesa é evidente quando se
atenta para o fato de o relatório preliminar sobre as contas do governo da República em
2015, ao contrário do adotado nos anos anteriores, inclusive o de 2014 que foi bem
minucioso, apresenta uma análise resumida a partir de alegação muito breve e vaga da
conduta, o que só se sustentaria alguma consequência juridicamente relevante com uma
complementação posterior, que não poderiam ser atacadas pela defesa da Presidenta da
República.
15. Ocorre que para que as aludidas garantias constitucionais sejam cumpridas, é
preciso que as condutas sejam descritas de forma pormenorizadas e que as imputações
sejam motivadas adequadamente, não sendo suficiente a mera referência a dispositivos
legais que teriam sido supostamente violados. Observe-se que a fundamentação correta
dos atos jurídicos, como elemento indispensável para a validade dos atos do Poder
Público em geral, é aplicável também, como não poderia deixar de ser às imputações
classificadas pelo relatório preliminar como irregularidades de contas.
19
16. Bem a propósito, cabe transcrever, no que se refere à necessidade de a
fiscalização fundamentar pormenorizadamente os autos de infração, o entendimento de
Aurélio Pitanga Seixas Filho2
, a teor da seguinte passagem ilustrativa, que embora se
refira ao Direito Tributário também se aplica ao Direito Financeiro:
“Deve ficar bem entendido que o dever de fundamentação ou motivação
do ato administrativo não será apropriadamente atendido, se a
autoridade administrativa obedecer a um mero formalismo ritualístico
que não descreva correta e adequadamente a causa motivadora do
exercício da função administrativa (...).
Se a dívida tributária tiver sido acertada e liquidada em um lançamento
tributário, a autoridade fiscal deverá expor, minuciosamente, qual a
conduta descoberta antes de enquadrá-la nos dispositivos legais
pertinentes.
Não preenche o requisito da motivação expressa, a mera descrição dos
dispositivos legais infringidos, o que exige do contribuinte, por
definição uma pessoa leiga na técnica tributária, um esforço de
interpretação somente alcançável pelos especialistas na legislação
fiscal. ”
(Grifamos)
17. Assim, tem-se que, além da razoável motivação (que deve ser escrita e
devidamente fundamentada), deve-se garantir aos litigantes a proteção decorrente do
contraditório e da ampla defesa. Não se pode admitir, assim, ações estatais que,
olvidando as garantias legais - e que são também constitucionais - importem em não
demonstrar cabalmente a infração imputada ao administrador na tomada de contas. E
para que reste efetivamente demonstrada a infração, impõe-se que a autoridade
2
FILHO, Aurélio Pitanga Seixas. “A Motivação dos Atos Administrativos, em especial, do Lançamento Tributário”,
Estudos de Direito Tributário em Homenagem à Memória de Gilberto de Ulhôa Canto, Rio de Janeiro: Forense, 1998, p.
44-45
20
administrativa, não só indique a conduta imputada, mas especifique,
pormenorizadamente, as razões de fato que motivem o procedimento inquisitório, como
mais uma vez esclarece Aurélio Pitanga Seixas Filho3
:
“Para isso deverá, em um procedimento inquisitório, descobrir a
conduta tributável do contribuinte, fazer a sua valoração jurídica e
liquidar o valor do tributo que será exigido (...).
Não é válido, em termos de direito de defesa, que a notificação de
lançamento apresente um sumário ou síntese de sua motivação (...). Sob
pena de invalidade, o lançamento tributário deve especificar
pormenorizadamente as razões de fato que motivaram a sua emissão,
para, em seguida demonstrar a sua valoração jurídica. ”
(Grifamos)
18. Também, quanto à estrita necessidade de fundamentação dos atos da
Administração Pública corretamente atrelados às situações que lhes deram causa,
aborda a doutrina administrativista, a exemplo de Celso Antônio Bandeira de Mello4
,
com respaldo no Princípio da Motivação, o seguinte:
"(...) implica para a Administração Pública o dever de justificar seus
atos, apontando-lhes os fundamentos de direito e de fato, assim como
a correlação lógica entre os eventos e situações que deu por existentes
e a providência tomada, nos casos em que este último aclaramento seja
necessário para aferir-se a consonância da conduta administrativa
com a lei que lhe serviu de arrimo”
(Grifamos)
3
FILHO, Aurélio Pitanga Seixas. “A Necessidade de Motivação do Lançamento Tributário”, in Caderno Científico do
Mestrado e Doutorado em Direito – Universidade Gama Filho, Vol. 1, nº 1, Rio de Janeiro: Editoria Central da
Universidade Gama Filho, 1993, p. 7-8
4
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 13.ed., Malheiros, 2000, p. 82
21
19. Nesse sentido, também, Maria Sylvia Zanella di Pietro5
leciona que:
"O princípio da motivação exige que a Administração Pública indique
os fundamentos de fato e de direito de suas decisões. Ele está
consagrado pela doutrina e pela jurisprudência, não havendo mais
espaço para as velhas doutrinas que discutiam se a sua obrigatoriedade
alcançava só os atos vinculados ou só os atos discricionários, ou se
estava presente em ambas categorias. A sua obrigatoriedade se justifica
em qualquer tipo de ato, porque trata de formalidade necessária para
permitir o controle de legalidade dos atos administrativos. ”
20. Desse modo, é forçoso reconhecer que as imputações feitas à Presidenta da
República foram elaboradas de forma absolutamente irregular, sem vários dos
elementos essenciais que permitem identificar, com clareza, a motivação e a valoração
que justifica a suposta irregularidade apontada, o que acabar por macular com a nulidade
o relatório preliminar.
2.1.2.2. Do Devido Processo Legal e a imputação de irregularidade a
contas que ainda estão sendo examinadas pelas auditorias
21. Dentre as supostas irregularidades apontadas pelo relatório preliminar
existem várias condutas que ainda são objeto de análise pelas auditorias do TCU. A
despeito de tais investigações ainda não terem sido concluídas, o relatório preliminar,
contrariando as práticas reiteradamente adotadas pelo próprio Tribunal, que jamais
5
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 19 ed., Atlas, 2005, p. 97
22
imputou a irregularidade a uma conduta ainda em análise das auditorias, considerou tais
atuações como irregulares, em flagrante violação ao devido processo legal, insculpido
no inciso LIV, do art. 5º da Constituição Federal, nos seguintes termos:
“LIV - ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido
processo legal; ”
22. A garantia do devido processo legal, em sua acepção formal, garante os
litigantes em relação ao cumprimento do procedimento legal a ser adotado pelas
autoridades administrativas, o que não resta atendido quando procedimentos ainda em
curso no âmbito do Tribunal, que são destinados a verificar a existência de ilegalidades,
suscitam a imputação de irregularidades nos procedimentos de tomada de contas,
inclusive no relatório preliminar.
23. Esta afirmativa é extraída da disciplina que tais procedimentos mereceram de
nossa legislação. Senão vejamos, o artigo 239 do Regimento Interno do TCU, aprovado
pela Resolução TCU nº 246/2011, estabelece que a auditoria é o instrumento de
fiscalização utilizado para examinar a legalidade e a legitimidade dos atos de gestão, in
verbis:
“Art. 239. Auditoria é o instrumento de fiscalização utilizado pelo
Tribunal para:
I – examinar a legalidade e a legitimidade dos atos de gestão dos
responsáveis sujeitos a sua jurisdição, quanto ao aspecto contábil,
financeiro, orçamentário e patrimonial;
II – avaliar o desempenho dos órgãos e entidades jurisdicionados, assim
como dos sistemas, programas, projetos e atividades governamentais,
quanto aos aspectos de economicidade, eficiência e eficácia dos atos
praticados;
III – subsidiar a apreciação dos atos sujeitos a registro. ”
23
24. Por sua vez, o artigo 209 do mesmo Regimento Interno, estabelece que a
constatação de irregularidade das contas se dá nos casos previstos nos seus quatro
incisos. Não se tratando as imputações em exame de omissão do dever de prestar contas
ou de desfalque, se baseiam na suposta prática de ilegalidade, ilegitimidade ou violação
à economicidade, ou a danos ao erário, nos seguintes termos:
“Art. 209. O Tribunal julgará as contas irregulares quando evidenciada
qualquer das seguintes ocorrências:
I – omissão no dever de prestar contas;
II – prática de ato de gestão ilegal, ilegítimo ou antieconômico, ou
infração a norma legal ou regulamentar de natureza contábil,
financeira, orçamentária, operacional ou patrimonial;
III – dano ao erário decorrente de ato de gestão ilegítimo ou
antieconômico;
IV – desfalque ou desvio de dinheiros, bens ou valores públicos. ”
25. Ora, se foi instalada a fase de fiscalização para identificar a legalidade e
legitimidade dos atos praticados, é porque não havia certeza quando à correção das
práticas administrativas adotadas pelo Poder Executivo. Logo, antes de encerrada tal
análise não se pode pretender imputar de irregulares as contas ainda sob fiscalização,
sob pena de, afastando-se do procedimento regularmente previsto, violar-se o devido
processo legal.
26. Que não se alegue em socorro ao procedimento adotado que o art. 7º da
Resolução TCU nº 142/01 teria autorizado que integrassem no relatório sobre as contas
do Presidente da República as supostas irregularidades encontradas no exercício a que
se referem, ainda que os respectivos processos estejam pendentes de julgamento. É que
tal resolução da Corte de Contas não pode ser interpretada de modo a subverter o devido
processo legal constitucionalmente garantido, viabilizando a imputação de suposta
24
irregularidade que ainda não tenha sido examinada pela auditoria. Interpretar o art. 7º
da Resolução TCU nº 142/01 de modo a subverter o procedimento previsto no
Regimento Interno, que, repita-se, foi aprovado por resolução posterior do próprio
Tribunal, não significa apenas admitir a inviável preponderância de norma anterior
sobre norma posterior antinômica, mas violar o próprio artigo 41, I, §§1º e 2º, da Lei
Orgânica do TCU (Lei nº 8.443/92)6
, que estabelece que as auditorias do TCU serão
realizadas na forma prevista no Regimento Interno do Tribunal, que, como vimos, se
destina a apurar indícios de irregularidade, garantindo-se a oportunidade para o gestor
de ser comunicado para realizar medidas saneadoras da conduta, o que resta frustrado
quando, antes de esgotado tal auditoria, a atuação do administrador é considerada
irregular no processo de tomada de contas. Tal subversão da marcha processual, suprime
etapas e substitui o caráter pedagógico que a norma legal proporciona aos gestores por
uma postura punitivista por ela não agasalhada, o que acaba por violar o devido processo
legal, como demonstrado.
27. Não é por outra razão que, há muito, o TCU vem adotando a cautela de
aguardar o encerramento das fiscalizações e auditorias em andamento antes de inserir
no relatório preliminar qualquer imputação de irregularidade. No entanto, no relatório
preliminar das contas de 2015, tal costume consagrado nas práticas reiteradamente
observadas pelo TCU não veio a ser atendido, o que ensejou a violação do devido
processo legal, acarretando a nulidade de todo o procedimento adotado.
6 “Art. 41. Para assegurar a eficácia do controle e para instruir o julgamento das contas, o Tribunal efetuará a fiscalização dos atos de que resulte receita ou despesa, praticados pelos
responsáveis sujeitos à sua jurisdição, competindo-lhe, para tanto, em especial:
II - realizar, por iniciativa própria, na forma estabelecida no Regimento Interno, inspeções e auditorias de mesma natureza que as previstas no inciso I do art. 38 desta Lei;
§ 1° As inspeções e auditorias de que trata esta seção serão regulamentadas no Regimento Interno e realizadas por servidores da Secretaria do Tribunal.
§ 2° O Tribunal comunicará às autoridades competentes dos poderes da União o resultado das inspeções e auditorias que realizar, para as medidas saneadoras das impropriedades e faltas
identificadas. ”
25
2.1.3. Da segurança jurídica: Da aplicação do artigo 9º do Pacto de San José
da Costa Rica – da natureza supralegal da norma
28. Conforme ficará exaustivamente exposto abaixo, todos os procedimentos
adotados pelos técnicos, assessores e pareceres técnicos elaborados estavam em estrita
observância ao posicionamento anteriores do TCU.
29. Não ocorreu qualquer situação atípica nos procedimentos. O que ocorreu, na
realidade, foi uma virada de jurisprudência procedido por este egrégio Tribunal de
Contas da União após a consolidação de um entendimento dominante por longo período.
30. O Estado Democrático de Direito não permite decisões de surpresa que
atinjam situações passadas a partir de concepções oportunistas do presente.
31. No constitucionalismo contemporâneo não há espaço para tomada de decisões
maniqueístas, fechadas, do tudo ou nada. Tem como desafio conciliar o Direito com a
Justiça. O objetivo do Estado constitucional é dotar a constituição material da necessária
efetividade normativa. Neste aspecto há que ser analisado a relação entre o Direito
Internacional e o Direito Interno dos Estados a partir do exame da relação hierárquico-
normativa entre os tratados internacionais e a Constituição.
32. O Brasil aderiu no ano de 1992, à Convenção Americana sobre Direitos
Humanos – Pacto de San José da Costa Rica7
. O Supremo Tribunal Federal pacificou
sua jurisprudência no sentido de que os tratados de direitos humanos incorporam ao
ordenamento jurídico doméstico com caráter supralegal8
.
7
Decreto n. 678, de 6 de novembro de 1992.
8
RE 349.703- 1. Relator para o Acórdão Ministro Gilmar Mendes, Tribunal Pleno, DJe n. 104, divulgado em 04/06/2009,
publicação 05/06/2009, p. 727.
26
33. Consagra o referido tratado internacional, como direito fundamental de todo
o cidadão, a partir do devido processo legal e amplo direito de defesa, a garantia da
preservação da segurança jurídica e a irretroatividade das penas. Afirma o tratado, como
garantias judiciais, em seu artigo 9º:
Artigo 9º - Princípio da legalidade e da retroatividade
Ninguém poderá ser condenado por atos ou omissões que, no momento
em que foram cometidos, não constituam delito, de acordo com o
direito aplicável. Tampouco poder-se-á impor pena mais grave do que
a aplicável no momento da ocorrência do delito. Se, depois de
perpetrado o delito, a lei estipular a imposição de pena mais leve, o
delinquente deverá dela beneficiar-se. (grifo nosso)
34. O ponto fulcral do presente procedimento é exatamente a relação que se
dará entre o Direito Internacional e o Direito Interno dos Estados a partir do exame
da relação hierárquico-normativa entre os tratados internacionais e a Constituição.
35. Como afirma o Ministro Gilmar Mendes do Supremo Tribunal Federal:
Não se pode perder de vista que, hoje, vivemos em um “Estado
Constitucional Cooperativo”, identificado pelo professor Peter Häberle
como aquele que não mais se apresenta como um Estado Constitucional
voltado para si mesmo, mas que se disponibiliza como referência para
os outros Estados Constitucionais membros de uma comunidade, e no
qual ganha relevo o papel dos direitos humanos e fundamentais.
Para Häberle, ainda que, numa perspectiva internacional, muitas vezes
a cooperação entre os Estados ocupe o lugar de mera coordenação e de
simples ordenamento para a coexistência pacífica (ou seja, de mera
delimitação dos âmbitos das soberanias nacionais), no campo do direito
constitucional nacional, tal fenômeno, por si só, pode induzir aos menos
a tendências que apontem para um enfraquecimento dos limites entre o
interno e o externo, gerando uma concepção que faz prevalecer o direito
comunitário sobre o direito interno.
Nesse contexto, mesmo conscientes de que os motivos que conduzem à
concepção de um Estado Constitucional Cooperativo são complexos, é
27
preciso reconhecer os aspectos sociológico-econômico e ideal-moral
como os mais evidentes. E no que se refere ao aspecto ideal-moral, não
se pode deixar de considerar a proteção aos direitos humanos como
fórmula mais concreta de que dispõe o sistema constitucional, a exigir
dos atores da vida sócio-política do Estado uma contribuição positiva
para a máxima eficácia das normas das Constituições modernas que
protegem a cooperação internacional amistosa como princípio vetor das
relações entre os Estados Nacionais e a proteção dos direitos humanos
como corolário da própria garantia da dignidade da pessoa humana9
.
36. O artigo 9º, do Pacto de San José da Costa Rica afirma como direito
fundamental do cidadão, a garantia da segurança jurídica e da irretroatividade da
punição.
37. Como já mencionado a natureza normativa de supralegalidade do Pacto
de San José da Costa Rica impõe ao intérprete que examine a relação hierárquico-
normativa entre os tratados internacionais e a Constituição. Assim, há a necessidade
de se efetuar a interpretação do tratado internacional e a lei ordinária de forma a obter a
máxima efetividade da Constituição.
38. Nesta esteira, como afirma o Ministro Gilmar Mendes:
(...) diante do inequívoco caráter especial dos tratados internacionais
que cuidam da proteção dos direitos humanos, não é difícil entender
que a sua internalização no ordenamento jurídico, por meio do
procedimento de ratificação previsto na Constituição, tem o condão de
paralisar a eficácia jurídica de toda e qualquer disciplina normativa
infraconstitucional com ela conflitante10
.
(...)
9
RE 349.703- 1. Relator para o Acórdão Ministro Gilmar Mendes, Tribunal Pleno, DJe n. 104, divulgado em 04/06/2009,
publicação 05/06/2009, p. 721/722.
10
RE 349.703- 1. Relator para o Acórdão Ministro Gilmar Mendes, p. 733.
28
Tendo em vista o caráter supralegal desses diplomas normativos
internacionais, a legislação infraconstitucional posterior que com eles
seja conflitante também tem eficácia paralisada. É o que ocorre, por
exemplo, com o art. 652 do Novo Código Civil (Lei n. 10.406/2002), que
reproduz disposição idêntica ao art. 1.287 do Código Civil de 1916. (o
realce é do original)
39. O Pacto de San José da Costa Rica teve sua adesão, a partir do mecanismo
adotado pelo sistema normativo brasileiro, com a aprovação pelo Congresso Nacional.
Quando aprovou a adesão pelo Brasil ao Pacto de São José da Costa Rica, o legislador
ordinário quis conferir a todos os cidadãos brasileiros o pleno exercício de um direito
fundamental que é o da garantia do princípio da segurança jurídica e do princípio
da irretroatividade da pena.
40. Não há limite, portanto, para a interpretação de tratado internacional que
protege e efetiva os direitos humanos e fundamentais. A partir da concepção da máxima
efetividade dos direitos humanos e fundamentais, esses tratados têm “lugar especial
reservado no ordenamento jurídico. Equipará-los à legislação ordinária seria subestimar
o seu valor especial no contexto do sistema de proteção dos direitos da pessoa
humana”11
.
41. Não por outra razão, que no direito comparado há posição firme no sentido
de que a negação da aplicação dos tratados de direito internacional de proteção aos
direitos humanos é subverter a prevalência deste tratado à legislação
infraconstitucional. O professor Klaus Vogel, citado pelo Ministro Gilmar Mendes tem
posição firme no sentido de que:
11
RE 349.703- 1. Relator para o Acórdão Ministro Gilmar Mendes, p. 727.
29
prevalece internacionalmente a noção de que as leis que contrariam
tratados internacionais devem ser inconstitucionais e,
consequentemente, nulas.12
(grifos nossos)
42. Concordando com este posicionamento, o Ministro Gilmar Mendes vem a
afirmar que “parece evidente que a possibilidade de afastar a aplicação de normas
internacionais por meio de legislação ordinária (treaty override), inclusive no âmbito
estadual e municipal, está defasada com relação às exigências de cooperação, boa-fé e
estabilidade do atual cenário internacional (...)”13
43. Afirma, ainda, o eminente Ministro Gilmar Mendes, que:
O texto constitucional admite a preponderância das normas
internacionais sobre normas infraconstitucionais e claramente remete
o intérprete para realidades normativas diferenciadas em face da
concepção tradicional do direito internacional público.
Refiro-me aos arts. 4º, parágrafo único e 5º, parágrafos 2º, 3º e 4º, da
Constituição Federal, que sinalizam para uma maior abertura
constitucional ao direito internacional e, na visão de alguns, ao direito
supranacional.
Além desses dispositivos, o entendimento de predomínio dos tratados
internacionais em nenhum aspecto conflita com os arts. 2º, 5º, II e § 2º,
49, I, 84, VIII da Constituição Federal.
(...)
Ora, se o texto constitucional dispõe sobre a criação de normas
internacionais e prescinde de sua conversão em espécies normativas
internas – na esteira do entendido no RE 71.154/PR, Rel. Min. Oswaldo
Trigueiro , Pleno DJ 25.8.1971 – deve o intérprete constitucional
inevitavelmente concluir que os tratados internacionais constituem,
12
RE 349.703- 1. Relator para o Acórdão Ministro Gilmar Mendes, p. 870.
13
RE 349.703- 1. Relator para o Acórdão Ministro Gilmar Mendes, p. 870.
30
por si sós, espécies normativas infraconstitucionais distintas e
autônomas, que não se confundem com as normas federais, tais como
decreto-legislativo, decretos executivos, medidas provisórias, leis
ordinárias ou leis complementares.
(...)
Na verdade, a equiparação absoluta entre tratados internacionais e leis
ordinárias federais procura enquadrar as normas internacionais em
atos normativos internos, o que não tem qualquer sustentação na
estrutura Constitucional. Constitui ‘solução simplista’ à complexa
questão da aplicação das normas internacionais, conforme já apontara
o saudoso Min. Philadelfo de Azevedo no julgamento de 11.10.1943
(Apelação Cível n. 7. 872/RS).
Como exposto, o tratado internacional não necessita ser aplicado na
estrutura de outro normativo interno nem ter status paritário com
qualquer deles, pois tem assento próprio na Carta Magna, com
requisitos materiais e formais peculiares.
Dessa forma, à luz dos atuais elementos de integração e abertura do
Estado à cooperação internacional, tutelados no texto constitucional,
o entendimento que privilegie a boa-fé e a segurança dos pactos
internacionais revela-se mais fiel à Carta Magna14
. (grifo nosso)
44. Constata-se, portanto, que o artigo 9º do Pacto de San José da Costa Rica
deve ser aplicado ao caso concreto, sem qualquer restrição quanto a seu exercício.
45. A Constituição de 1988 consagrou o princípio da segurança jurídica
como um princípio constitucional.
46. A segurança jurídica deve ser observada e, todos os espaços públicos do
processo de decisão, em especial, nos processos jurídico-administrativos. Como
14
RE 349.703- 1. Relator para o Acórdão Ministro Gilmar Mendes, p. 870/873.
31
postulado do Estado Democrático de Direito, temos o princípio da Segurança Jurídica
que deverá ser observado em todos os seus termos. Para o Ministro Gilmar Mendes:
A revisão radical de determinados modelos jurídicos ou a adoção de
novos sistemas ou modelos suscita indagações relevantes no contexto
da segurança jurídica.
A ideia de segurança jurídica torna imperativa a adoção de cláusulas
de transição nos casos de mudança radical de um dado instituto ou
estatuo jurídico.
Daí por que se considera, em muitos sistemas jurídicos, que, em casos
de mudança de regime jurídico, a não adoção de cláusulas de transição
poderá configurar omissão legislativa inconstitucional grave.
Assim, ainda que se não possa invocar a ideia de direito adquirido para
a proteção das chamadas situações estatutárias ou que se não possa
reivindicar direito adquirido a um instituto jurídico, não pode o
legislador ou o Poder Público em geral, sem ferir o princípio da
segurança jurídica, fazer tabula rasa das situações jurídicas
consolidadas ao longo do tempo.
Situações ou posições consolidadas podem assentar-se até mesmo em
um quadro inicial de ilicitude.
Nesse contexto assume relevância o debate sobre a anulação de atos
administrativos, em decorrência de sua eventual ilicitude. Igualmente
relevante se afigura a controvérsia sobre a legitimidade ou não da
revogação de certos atos da Administração após decorrido determinado
prazo.
Em geral, associam-se aqui elementos de variada ordem ligados à boa-
fé da pessoa afetada pela medida, a confiança depositada na
inalterabilidade da situação e o decurso de tempo razoável15
.
15
Curso de Direito Constitucional. Editora Saraiva: São Paulo, p. 473.
32
47. Conforme afirma o Eminente Ministro Celso de Mello:
o que se revela incontroverso, nesse contexto, é que a exigência de
segurança jurídica, enquanto expressão do Estado Democrático de
Direito, mostra-se impregnada de elevado conteúdo ético, social e
jurídico, projetando-se sobre as relações jurídicas, mesmo as de direito
público (RTJ 191/192, Rel. p/ o acórdão Min. GILMAR MENDES), em
ordem a viabilizar a incidência desse mesmo princípio sobre
comportamentos de qualquer dos Poderes ou órgãos do Estado, para
que se preservem, desse modo, situações consolidadas e protegidas pelo
fenômeno da “res judicata”16
. (grifo original)
48. J. J. Gomes Canotilho, consagrado constitucionalista português, nos ensina
que:
Estes dois princípios – segurança jurídica e proteção da confiança –
andam estreitamente associados, a ponto de alguns autores
considerarem o princípio da proteção de confiança como um
subprincípio ou como uma dimensão específica da segurança jurídica.
Em geral, considera-se que a segurança jurídica está conexionada com
elementos objectivos da ordem jurídica – garantia de estabilidade
jurídica, segurança de orientação e realização do direito – enquanto a
procteção da confiança se prende mais com as componentes subjectivas
da segurança, designadamente a calculabilidade e previsibilidade dos
indivíduos em relação aos efeitos jurídicos dos actos dos poderes
públicos. A segurança e a procteção da confiança exigem, no fundo: (1)
fiabilidade, clareza, racionalidade e transparência dos actos do poder;
(2) de forma que em relação a eles o cidadão veja garantida a segurança
nas suas disposições pessoais e nos efeitos jurídicos dos seus próprios
actos. Deduz-se já que os postulados da segurança jurídica e da
procteção da confiança são exigíveis perante qualquer acto de qualquer
poder- legislativo, executivo e judicial. O princípio geral da segurança
jurídica em sentido amplo ‘abrangendo, pois, a idéia de procteção da
confiança) pode formular-se do seguinte modo: o indivíduo têm o direito
de poder confiar em que seus actos ou às decisões públicas incidentes
sobre os seus direitos, posições ou relações jurídicas alicerçadas em
normas jurídicas vigentes e válidas por esses actos jurídicos deixado
16
STF-RE-594.350/RS, Relator Ministro Celso de Mello. Publicado no DJ de
33
pelas autoridades com base nessas normas se ligam os efeitos jurídicos
previstos e prescritos no ordenamento jurídico. As refracções mais
importantes do princípio da segurança jurídica são as seguintes: (1)
relativamente a actos normativos – proibição de normas retroativas
restritivas de direitos ou interesses juridicamente protegidos; (2)
relativamente a actos jurisdicionais - inalterabilidade do caso julgado;
(3) em relação a actos da administração – tendencial estabilidade dos
casos decididos através de acto administrativos constitutivos de
direitos17
. (grifo nosso)
49. Toda e qualquer posição consolidada, quer no âmbito administrativo, judicial
ou mesmo político, deve ser preservada para se garantir a eficácia do princípio da
segurança jurídica e para que se impeça alterações bruscas, radicais.
50. O Supremo Tribunal Federal tem jurisprudência consolidada no sentido de
que as alterações de jurisprudência ocorridas não podem atingir fatos passados, na
medida em que terão efeitos prospectivos.
51. Nesse sentido encontramos o seguinte julgado, paradigmático do C. Supremo
Tribunal Federal, em voto proferido pelo Eminente Ministro Gilmar Mendes, nos autos
do Processo RE 637485/RJ, publicado no DJe de 01 de agosto de 2012:
(...)
3. MUDANÇA JURISPRUDENCIAL E SEGURANÇA JURÍDICA
O caso apresentado nos autos é deveras peculiar. O recurso
extraordinário relata que o autor, após exercer dois mandatos
consecutivos como Prefeito do Município de Rio das Flores-RJ, nos
períodos 2001-2004 e 2005-2008, transferiu seu domicílio eleitoral e,
atendendo às regras quanto à desincompatibilização, candidatou-se ao
cargo de Prefeito do Município de Valença-RJ no pleito de 2008.
17
In Direito Constitucional e Teoria da Constituição, Edições Almedina, 7ª edição (4ª reimpressão), p. 257, 2003.
34
Na época, a jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral era firme em
considerar que, nessas hipóteses, não se haveria de cogitar da falta de
condição de elegibilidade prevista no art. 14, § 5º, da Constituição, pois
a candidatura se daria em município diverso.
Por isso, a candidatura do autor sequer chegou a ser impugnada pelo
Ministério Público ou por partido político. Assim, transcorrido todo o
período de campanha, pressuposta a regularidade da candidatura, tudo
conforme as normas (legais e jurisprudenciais) vigentes à época, o autor
saiu-se vitorioso no pleito eleitoral.
Em 17 de dezembro de 2008, já no período de diplomação dos eleitos, o
TSE alterou radicalmente sua jurisprudência e passou a considerar tal
hipótese como vedada pelo art. 14, § 5º, da Constituição.
Em razão dessa mudança jurisprudencial, o Ministério Público
Eleitoral e a Coligação adversária naquele pleito impugnaram a
expedição do diploma do autor, com fundamento no art. 262, I, do
Código Eleitoral. O Tribunal Regional Eleitoral do Rio de Janeiro,
com base na anterior jurisprudência do TSE, negou provimento ao
recurso e manteve o diploma do autor. Porém, no TSE, o recurso
especial eleitoral foi julgado procedente e, após rejeição dos recursos
cabíveis, determinou-se a cassação do diploma do autor.
O caso descrito, portanto, revela uma situação diferenciada, em que
houve regular registro da candidatura, legítima participação e vitória
no pleito eleitoral e efetiva diplomação do autor, tudo conforme as
regras então vigentes e sua interpretação pela Justiça Eleitoral. As
circunstâncias levam a crer que a alteração repentina e radical dessas
regras, uma vez o período eleitoral já praticamente encerrado,
repercute drasticamente na segurança jurídica que deve nortear o
processo eleitoral, mais especificamente na confiança não somente do
cidadão candidato, mas também na confiança depositada no sistema
pelo cidadão-eleitor.
Em casos como este, em que se altera jurisprudência longamente
adotada, parece sensato considerar seriamente a necessidade de se
modular os efeitos da decisão, com base em razões de segurança
jurídica. Essa tem sido a praxe neste Supremo Tribunal Federal,
quando há modificação radical de jurisprudência.
Cito, a título de exemplo, a decisão proferida na Questão de Ordem no
INQ 687 (DJ 9.11.2001), em que o Tribunal cancelou o enunciado da
35
Súmula n. 394, ressalvando os atos praticados e as decisões já
proferidas que nela se basearam.
No Conflito de Competência n. 7.204/MG, Rel. Min. Carlos Britto (julg.
em 29.6.2005), fixou-se o entendimento de que “o Supremo Tribunal
Federal, guardião-mor da Constituição Republicana, pode e deve, em
prol da segurança jurídica, atribuir eficácia prospectiva às suas
decisões, com a delimitação precisa dos respectivos efeitos, toda vez
que proceder a revisões de jurisprudência definidora de competência
ex ratione materiae. O escopo é preservar os jurisdicionados de
alterações jurisprudenciais que ocorram sem mudança formal do
Magno Texto”.
Assim também ocorreu no julgamento do HC n. 82.959, em que
declaramos, com efeitos prospectivos, a inconstitucionalidade da
vedação legal da progressão de regime para os crimes hediondos (art.
2º, § 1º, da Lei n. 8.072/90, com radical modificação da antiga
jurisprudência do Tribunal).
Recordo, igualmente, o importante e emblemático caso da fidelidade
partidária, no qual esta Corte, ante a radical mudança que se operava,
naquele momento, em antiga jurisprudência do Supremo Tribunal
Federal, e com base em razões de segurança jurídica, entendeu que os
efeitos de sua decisão deveriam ser modulados no tempo, fixando o
marco temporal desde o qual tais efeitos pudessem ser efetivamente
produzidos, especificamente a data da decisão do Tribunal Superior
Eleitoral na Consulta n. 1.398/2007, Rel. Min. Cesar Asfor Rocha, que
ocorreu na Sessão do dia 27 de março de 2007.
Ressalte-se, neste ponto, que não se trata aqui de declaração de
inconstitucionalidade em controle abstrato, a qual pode suscitar a
modulação dos efeitos da decisão mediante a aplicação do art. 27 da
Lei 9.868/99. O caso é de substancial mudança de jurisprudência,
decorrente de nova interpretação do texto constitucional, o que impõe
ao Tribunal, tendo em vista razões de segurança jurídica, a tarefa de
proceder a uma ponderação das consequências e o devido ajuste do
resultado, adotando a técnica de decisão que possa melhor traduzir a
mutação constitucional operada. Esse entendimento ficou bem
esclarecido no julgamento do RE n. 353.657/PR, Rel. Min. Marco
Aurélio e do RE n. 370.682/SC, Rel. Min. Ilmar Galvão (caso IPI
alíquota zero).
Assim, também o Tribunal Superior Eleitoral, quando modifica sua
jurisprudência, especialmente no decorrer do período eleitoral, deve
36
ajustar o resultado de sua decisão, em razão da necessária preservação
da segurança jurídica que deve lastrear a realização das eleições,
especialmente a confiança dos cidadãos candidatos e cidadãos eleitores.
Talvez um dos temas mais ricos da teoria do direito e da moderna teoria
constitucional seja aquele relativo à evolução jurisprudencial e,
especialmente, à possível mutação constitucional. Se a sua repercussão
no plano material é inegável, são inúmeros os desafios no plano do
processo em geral e, em especial, do processo constitucional.
Nesse sentido, vale registrar a observação de Karl Larenz:
“De entre os factores que dão motivo a uma revisão e,
com isso, frequentemente, a uma modificação da
interpretação anterior, cabe uma importância
proeminente à alteração da situação normativa. Trata-
se a este propósito de que as relações fácticas ou usos
que o legislador histórico tinha perante si e em
conformidade aos quais projectou a sua regulação,
para os quais a tinha pensado, variaram de tal modo
que a norma dada deixou de se ‘ajustar’ às novas
relações. É o factor temporal que se faz notar aqui.
Qualquer lei está, como facto histórico, em relação
actuante com o seu tempo. Mas o tempo também não
está em quietude; o que no momento da gênese da lei
actuava de modo determinado, desejado pelo
legislador, pode posteriormente actuar de um modo
que nem sequer o legislador previu, nem, se o pudesse
ter previsto, estaria disposto a aprovar. Mas, uma vez
que a lei, dado que pretende ter também validade para
uma multiplicidade de casos futuros, procura também
garantir uma certa constância nas relações inter-
humanas, a qual é, por seu lado, pressuposto de muitas
disposições orientadas para o futuro, nem toda a
modificação de relações acarreta por si só, de
imediato, uma alteração do conteúdo da norma. Existe
a princípio, ao invés, uma relação de tensão que só
impele a uma solução - por via de uma interpretação
modificada ou de um desenvolvimento judicial do
37
Direito - quando a insuficiência do entendimento
anterior da lei passou a ser ‘evidente’.”18
.
Daí afirmar Larenz:
“A alteração da situação normativa pode assim
conduzir à modificação - restrição ou extensão - do
significado da norma até aqui prevalecente. De par
com a alteração da situação normativa, existem factos
tais como, sobretudo, modificações na estrutura da
ordem jurídica global, uma nítida tendência da
legislação mais recente, um novo entendimento da
ratio legis ou dos critérios teleológico-objectivos, bem
como a necessidade de adequação do Direito pré-
constitucional aos princípios constitucionais, que
podem provocar uma alteração de interpretação. Disto
falámos nós já. Os tribunais podem abandonar a sua
interpretação anterior porque se convenceram que era
incorrecta, que assentava em falsas suposições ou em
conclusões não suficientemente seguras. Mas ao tomar
em consideração o factor temporal, pode também
resultar que uma interpretação que antes era correcta
agora não o seja.”19
Por isso, ensina, Larenz, de forma lapidar:
“O preciso momento em que deixou de ser ‘correcta’ é
impossível de determinar. Isto assenta em que as
alterações subjacentes se efectuam na maior parte das
vezes de modo contínuo e não de repente. Durante um
‘tempo intermédio’ podem ser ‘plausíveis’ ambas as
coisas, a manutenção de uma interpretação constante
e a passagem a uma interpretação modificada,
adequada ao tempo. É também possível que uma
interpretação que aparecia originariamente como
conforme à Constituição, deixe de o ser na sequência
de uma modificação das relações determinantes. Então
18
Karl Larenz, Metodologia da Ciência do Direito, 3a. Edição, Lisboa, 1997, p. 495
19
Larenz, Metodologia, cit., p. 498-500
38
é de escolher a interpretação, no quadro das possíveis,
segundo os outros critérios de interpretação, que seja
agora a única conforme à Constituição”.
No plano constitucional, esse tema mereceu uma análise superior no
trabalho de Inocêncio Mártires Coelho sobre interpretação
constitucional (Inocêncio Mártires Coelho, Interpretação
Constitucional. Sergio Antonio Fabris, Porto Alegre, 1997).
No Capítulo 4 da obra em referência, que trata das consequências da
diferença entre lei e Constituição, propicia-se uma releitura do
fenômeno da chamada mutação constitucional, asseverando-se que as
situações da vida são constitutivas do significado das regras de direito,
na medida em que é somente no momento de sua aplicação aos casos
ocorrentes que se revelam o sentido e o alcance dos enunciados
normativos. Com base em Pérez Luño e Reale, enfatiza-se que, em
verdade, a norma jurídica não é o pressuposto, mas o resultado do
processo interpretativo ou que a norma é a sua interpretação. (grifo
nosso)
Essa colocação coincide, fundamentalmente, com a observação de
Häberle, segundo a qual não existe norma jurídica, senão norma
jurídica interpretada (Es gibt keine Rechtsnormen, es gibt nur
interpretierte Rechtsnormen), ressaltando-se que interpretar um ato
normativo nada mais é do que colocá-lo no tempo ou integrá-lo na
realidade pública (Einen Rechtssatz “auslegen” bedeutet, ihn in die
Zeit, d.h. in die öffentliche Wirklichkeit stellen – um seiner Wirksamkeit
willen). Por isso, Häberle introduz o conceito de pós-compreensão
(Nachverständnis), entendido como o conjunto de fatores
temporalmente condicionados com base nos quais se compreende
“supervenientemente” uma dada norma. A pós-compreensão nada
mais seria, para Häberle, do que a pré-compreensão do futuro, isto é,
o elemento dialético correspondente da ideia de pré-compreensão20
.
(grifo nosso)
Tal concepção permite a Häberle afirmar que, em sentido amplo, toda
lei interpretada – não apenas as chamadas leis temporárias – é uma lei
20
Häberle, Peter. “Zeit und Verfassung”. In: Probleme der
Verfassungsinterpretation,org:Dreier,Ralf/Schwegmann,FriedrichNomos,Baden-Baden, 1976, p.312-313
39
com duração temporal limitada (In einem weiteren Sinne sind alle –
interpretierten – Gesetzen “Zeitgesetze” – nicht nur die zeitlich
befristeten). Em outras palavras, o texto, confrontado com novas
experiências, transforma-se necessariamente em outro texto.
Essa reflexão e a ideia segundo a qual a atividade hermenêutica nada
mais é do que um procedimento historicamente situado autorizam
Häberle a realçar que uma interpretação constitucional aberta
prescinde do conceito de mutação constitucional (Verfassungswandel)
enquanto categoria autônoma.
Nesses casos, fica evidente que o Tribunal não poderá fingir que
sempre pensara dessa forma. Daí a necessidade de, em tais casos,
fazer-se o ajuste do resultado, adotando-se técnica de decisão que,
tanto quanto possível, traduza a mudança de valoração. No plano
constitucional, esses casos de mudança na concepção jurídica podem
produzir uma mutação normativa ou a evolução na interpretação,
permitindo que venha a ser reconhecida a inconstitucionalidade de
situações anteriormente consideradas legítimas. A orientação
doutrinária tradicional, marcada por uma alternativa rigorosa entre
atos legítimos ou ilegítimos (entweder als rechtmässig oder als
rechtswidrig), encontra dificuldade para identificar a consolidação de
um processo de inconstitucionalização (Prozess des Verfassungswidrig
Werdens). Prefere-se admitir que, embora não tivesse sido identificada,
a ilegitimidade sempre existira. (grifo nosso)
Daí afirmar Häberle:
“O Direito Constitucional vive, prima facie, uma problemática
temporal. De um lado, a dificuldade de alteração e a consequente
duração e continuidade, confiabilidade e segurança; de outro, o tempo
envolve agora mesmo, especificamente o Direito Constitucional. É que
o processo de reforma constitucional deverá ser feito de forma flexível
e a partir de uma interpretação constitucional aberta. A continuidade
da Constituição somente será possível se passado e futuro estiverem
nela associados.”21
21
Häberle, Zeit und Verfassung, cit., p. 295-296
40
Häberle indaga: “O que significa tempo? Objetivamente, tempo é a
possibilidade de se introduzir mudança, ainda que não haja a
necessidade de produzi-la.”22
Tal como anota Häberle, “o tempo sinaliza ou indica uma reunião
(ensemble) de forças sociais e ideias. (...) A ênfase ao ‘fator tempo’ não
deve levar ao entendimento de que o tempo há de ser utilizado como
‘sujeito’ de transformação ou de movimento (...). A história (da
comunidade) tem muitos sujeitos. O tempo nada mais é do que a
dimensão na qual as mudanças se tornam possíveis e necessárias (...).”23
Não é raro que essas alterações de concepções se verifiquem, entre
outros campos, exatamente em matéria de defesa dos direitos
fundamentais. Aqui talvez se mesclem as mais diversas concepções
existentes na própria sociedade e o processo dialético que as envolve. E
os diversos entendimentos de mundo convivem, sem que, muitas vezes, o
“novo” tenha condições de superar o “velho”.
É natural também que esse tipo de situação se coloque de forma bastante
evidente no quadro de uma nova ordem constitucional. Aqui,
entendimentos na jurisprudência, doutrina e legislação tornam, às
vezes, inevitável que a interpretação da Constituição se realize, em um
primeiro momento, com base na situação jurídica pré-existente. Assim,
até mesmo institutos novos poderão ser interpretados segundo
entendimento consolidado na jurisprudência e na legislação pré-
constitucionais. Nesse caso, é igualmente compreensível que uma nova
orientação hermenêutica reclame cuidados especiais.
Nesse sentido, refiro-me mais uma vez às lições de Larenz:
“O que é para os tribunais civis, quando muito, uma excepção, adequa-
se em muito maior medida a um Tribunal Constitucional. Decerto que
se poderá, por exemplo, resolver muitas vezes sobre recursos
constitucionais de modo rotineiro, com os meios normais da
argumentação jurídica. Aqui tão pouco faltam casos comparáveis. Mas
nas resoluções de grande alcance político para o futuro da
comunidade, estes meios não são suficientes. Ao Tribunal
22
Häberle, Zeit und Verfassung, cit., p. 300
23
Häberle, Zeit und Verfassung, cit., p. 300
41
Constitucional incumbe uma responsabilidade política na manutenção
da ordem jurídico-estadual e da sua capacidade de funcionamento. Não
pode proceder segundo a máxima: fiat justitia, pereat res publica.
Nenhum juiz constitucional procederá assim na prática. Aqui a
ponderação das consequências é, portanto, de todo irrenunciável, e
neste ponto tem KRIELE razão. Certamente que as consequências
(mais remotas) tão pouco são susceptíveis de ser entrevistas com
segurança por um Tribunal Constitucional, se bem que este disponha de
possibilidades muito mais amplas do que um simples juiz civil de
conseguir uma imagem daquelas. Mas isto tem que ser aceite. No que se
refere à avaliação das consequências previsíveis, esta avaliação só pode
estar orientada à ideia de ‘bem comum’, especialmente à manutenção
ou aperfeiçoamento da capacidade funcional do Estado de Direito. É,
neste sentido, uma avaliação política, mas devendo exigir-se de cada
juiz constitucional que se liberte, tanto quanto lhe seja possível - e este
é, seguramente, em larga escala o caso - da sua orientação política
subjectiva, de simpatia para com determinados grupos políticos, ou de
antipatia para com outros, e procure uma resolução despreconceituada,
‘racional’.”24
Talvez o caso historicamente mais relevante da assim chamada mutação
constitucional seja expresso na concepção da igualdade racial nos
Estados Unidos. Em 1896, no caso Plessy versus Ferguson, a Corte
Suprema americana reconheceu que a separação entre brancos e negros
em espaços distintos, no caso específico – em vagões de trens – era
legítima. Foi a consagração da fórmula “equal but separated”. Essa
orientação veio a ser superada no já clássico Brown versus Board of
Education (1954), no qual se assentou a incompatibilidade dessa
separação com os princípios básicos da igualdade.
Nos próprios Estados Unidos, a decisão tomada em Mapp versus Ohio,
367 U.S. 643 (1961), posteriormente confirmada em Linkletter versus
Walker, 381 U.S. 618 (1965), a propósito da busca e apreensão
realizada na residência da Sra. Dollree Mapp, acusada de portar
material pornográfico, em evidente violação às leis de Ohio, traduz uma
24
Metodologia, cit., p. 517
42
significativa mudança da orientação até então esposada pela Corte
Suprema.
A condenação de Dollree Mapp foi determinada com base em evidências
obtidas pela polícia quando adentraram sua residência, em 1957,
apesar de não disporem de mandado judicial de busca e apreensão.
A Suprema Corte, contrariando o julgamento da 1ª Instância, declarou
que a ‘regra de exclusão’ (baseada na Quarta Emenda da Constituição),
que proíbe o uso de provas obtidas por meios ilegais nas Cortes federais,
deveria ser estendida também às Cortes estaduais. A decisão provocou
muita controvérsia, mas os proponentes da ‘regra de exclusão’
afirmavam constituir esta a única forma de assegurar que provas
obtidas ilegalmente não fossem utilizadas.
A decisão de Mapp v. Ohio superou o precedente Wolf v. Colorado, 338
U.S. 25 (1949), tornando a regra obrigatória aos Estados e àqueles
acusados cujas investigações e processos não tinham atendido a estes
princípios, era conferido o direito de habeas corpus.
Em 1965 a Suprema Corte americana julgou o caso Linkletter v. Walker,
381 U.S. 618, no qual um condenado por arrombamento na Corte de
Louisiana requereu o direito de habeas corpus, com fundamento na
decisão do caso Mapp v. Ohio.
A Suprema Corte decidiu contrariamente à aplicação retroativa da
norma naqueles casos que tiveram o julgamento final antes da decisão
proferida em Mapp. Essa mudança foi descrita por Christina Aires Lima
em sua dissertação de Mestrado:
“Apesar do entendimento da Corte Federal do Distrito de Louisiana e
da Corte de Apelação do Estado, de que no caso Linkletter as
investigações sobre a pessoa e bens do acusado foram feitas de modo
ilegal, tais Cortes decidiram que a regra estabelecida no caso Mapp não
poderia ser aplicada retroativamente às condenações das cortes
estaduais, que se tornaram finais antes do anúncio da decisão do
referido precedente.
As decisões dessas Cortes foram fundadas no entendimento de que,
conferir-se efeito retroativo aos casos que tiveram julgamento final
antes da decisão do caso Mapp, causaria um enorme e preocupante
problema para a administração da Justiça.
43
A Suprema Corte americana admitiu o certiorari requerido por
Linkletter, restrito à questão de saber se deveria, ou não, aplicar efeito
retroativo à decisão proferida no caso Mapp”.25
Ao justificar o indeferimento da aplicação da norma retroativamente, a
opinião majoritária da Corte Suprema americana, no julgamento do
caso Linkletter v. Walker, foi no seguinte sentido:
“Uma vez aceita a premissa de que não somos requeridos e nem
proibidos de aplicar uma decisão retroativamente, devemos então
sopesar os méritos e deméritos em cada caso, analisando o histórico
anterior da norma em questão, seu objetivo e efeito, e se a operação
retrospectiva irá adiantar ou retardar sua operação. Acreditamos que
essa abordagem é particularmente correta com referência às proibições
da 4a. Emenda, no que concerne às buscas e apreensões desarrazoadas.
Ao invés de ‘depreciar’ a Emenda devemos aplicar a sabedoria do
Justice Holmes que dizia que ‘na vida da lei não existe lógica: o que há
é experiência’”.26
.
E mais adiante ressaltou:
“A conduta imprópria da polícia, anterior à decisão em Mapp, já
ocorreu e não será corrigida pela soltura dos prisioneiros envolvidos.
Nem sequer dará harmonia ao delicado relacionamento estadual-
federal que discutimos como parte do objetivo de Mapp. Finalmente, a
invasão de privacidade nos lares das vítimas e seus efeitos não podem
ser revertidos. A reparação chegou muito tarde”.27
No direito alemão, mencione-se o famoso caso sobre o regime da
execução penal (Strafgefangene), de 14 de março de 1972. Segundo a
concepção tradicional, o estabelecimento de restrições aos direitos
fundamentais dos presidiários, mediante atos normativos secundários,
era considerado, inicialmente, compatível com a Lei Fundamental. Na
espécie, cuidava-se de Verfassungsbeschwerde proposta por preso que
tivera carta dirigida a uma organização de ajuda aos presidiários
25
Lima, Christina Aires Corrêa. O Princípio da Nulidade das Leis Inconstitucionais, UnB, 2000, p. 84
26
United States Reports, Vol. 381, p. 629
27
United States Reports, Vol. 381, p. 637.
44
interceptada, porque continha críticas à direção do presídio. A decisão
respaldava-se em uma portaria do Ministério da Justiça do Estado.
A Corte Constitucional alemã colocou em dúvida esse entendimento na
decisão proferida sobre problemática da execução penal, como se logra
depreender da seguinte passagem do acórdão:
“O constituinte contemplou, por ocasião da promulgação da Lei
Fundamental, a situação tradicional da execução da pena, tal como
resulta dos artigos 2º, parágrafo 2º, 2º período, e
104, parágrafos 1º e 2º da Lei Fundamental, não existindo qualquer
sinal de que ele partira da premissa de que o legislador haveria de editar
uma lei imediatamente após a entrada em vigor da Lei Fundamental. Na
apreciação da questão sobre o decurso de prazo razoável para o
legislador disciplinar a matéria e, por conseguinte, sobre a
configuração de ofensa à Constituição, deve-se considerar também que,
até recentemente, admitia-se, com fundamento das relações peculiares
de poder (besondere Gewaltverhältnisse), que os direitos fundamentais
do preso estavam submetidos a uma restrição geral decorrente das
condições de execução da pena.
Cuidar-se-ia de limitação implícita, que não precisava estar prevista
expressamente em lei. Assinale-se, todavia, que, segundo a orientação
que se contrapõe à corrente tradicional, a Lei Fundamental, enquanto
ordenação objetiva de valores com ampla proteção dos direitos
fundamentais, não pode admitir uma restrição ipso jure da proteção dos
direitos fundamentais para determinados grupos de pessoas. Essa
corrente somente impôs-se após lento e gradual processo.”28
A especificidade da situação impunha, todavia, que se tolerassem,
provisoriamente, as restrições aos direitos fundamentais dos
presidiários, ainda que sem fundamento legal expresso. O legislador
deveria emprestar nova disciplina à matéria, em consonância com a
orientação agora dominante sobre os direitos fundamentais.
A evolução do entendimento doutrinário e jurisprudencial – uma
autêntica mutação constitucional – passava a exigir, no entanto, que
28
(BVerfGE 33, 1 (12))
45
qualquer restrição a esses direitos devesse ser estabelecida mediante
expressa autorização legal. (grifo nosso)
Todas essas considerações estão a evidenciar que as mudanças
radicais na interpretação da Constituição devem ser acompanhadas da
devida e cuidadosa reflexão sobre suas consequências, tendo em vista
o postulado da segurança jurídica. (grifo do original)
Não só a Corte Constitucional, mas também o Tribunal que exerce o
papel de órgão de cúpula da Justiça Eleitoral, deve adotar tais cautelas
por ocasião das chamadas “viragens jurisprudenciais” na
interpretação dos preceitos constitucionais que dizem respeito aos
direitos políticos e ao processo eleitoral.
(...)
O Supremo Tribunal Federal fixou a interpretação desse artigo 16,
entendendo-o como uma garantia constitucional (1) do devido processo
legal eleitoral, (2) da igualdade de chances e (3) das minorias. A ementa
do RE 633.703 (Rel. Min. Gilmar Mendes) deixa explícito o
entendimento assentado pelo Tribunal:
Logo, é possível concluir que a mudança de jurisprudência do
Tribunal Superior Eleitoral está submetida ao princípio da
anterioridade eleitoral. Assim, as decisões do TSE que, no curso do
pleito eleitoral (ou logo após o seu encerramento), impliquem
mudança de jurisprudência (e dessa forma repercutam sobre a
segurança jurídica), não têm aplicabilidade imediata ao caso concreto
e somente terão eficácia sobre outros casos no pleito eleitoral posterior.
(grifos do original)
52. O princípio da segurança jurídica previsto em nossa Constituição não pode
gerar a anomia do direito. Deverá ser aplicado em sua integralidade.
53. A mudança de jurisprudência por parte do Tribunal de Contas não poderá
afetar a segurança jurídica.
2.2. A conjuntura econômica e da gestão fiscal de 2015
46
54. O início do segundo mandato da Presidenta da República Dilma Rousseff foi
pautado, em termos econômicos, pela busca de dois objetivos principais: a
estabilização macroeconômica e a recuperação do crescimento.
55. É importante observar que estabilização macroeconômica e recuperação do
crescimento serão sempre duas faces de uma mesma moeda. Uma não existe sem a
outra. O controle da inflação depende do equilíbrio fiscal e o equilíbrio fiscal
depende da recuperação do crescimento.
56. Em 2015, esta complementaridade ficou clara, uma vez que a queda do nível
de atividade, dos lucros das empresas e da massa salarial levou à diminuição da
arrecadação do governo e a uma piora do resultado fiscal, a despeito do corte substancial
de despesas realizado
57. Nos últimos anos, uma confluência de fatores levou à desaceleração da
economia brasileira. Em especial, cabe destacar quatro.
58. O primeiro foi a queda dos preços das commodities – sobretudo do petróleo
e do minério de ferro –, que reduziu o lucro das empresas e a arrecadação do governo,
contribuindo ainda para a depreciação da nossa moeda.
59. Em janeiro de 2016, os preços dessas commodities correspondiam a quase a
metade dos de 2009, sendo ainda quatro a cinco vezes menores do que os valores
alcançados em 2011 a 2013.
60. Um segundo fator foi a mudança na política monetária dos Estados
Unidos. Esta mudança acentuou a desvalorização cambial e mudou as perspectivas de
crescimento da economia mundial. O fato dos Estados Unidos terem voltado a elevar as
taxas de juros, após anos de taxas baixas, contribuiu de forma decisiva para a
desvalorização cambial, com efeitos inflacionários, e para a desaceleração econômica
no curto prazo.
47
61. O terceiro fator foi a desaceleração da economia chinesa, que passa por um
momento de esgotamento do seu padrão de crescimento, sendo que ainda não conseguiu
estabelecer uma nova dinâmica. O cenário de taxas superiores a 10% ficou para trás,
tornando cada vez mais clara a impossibilidade de serem retomadas, a curto prazo, as
taxas superiores a 7% de crescimento.
62. Um quarto fator é o fato de termos tido a maior estiagem dos últimos 80
anos. A redução do regime de chuvas no SE e no NE aumentou o custo de geração de
energia elétrica, devido à necessidade de manter ligadas praticamente todas as
termelétricas brasileiras.
63. Diante da necessidade de reequilíbrio fiscal, o governo não pôde mais
absorver, a partir de 2015, a maior parte do custo de geração de energia elétrica, como
vinha fazendo. Isto, naturalmente, resultou em reajuste das tarifas de energia. A exemplo
da mudança da taxa de câmbio, este reajuste gerou um efeito restritivo e inflacionário
no curto prazo.
64. O impacto deste conjunto de fatores foi o aumento temporário da
inflação e a redução temporária do nível de atividade.
65. Em relação à inflação, como foi dito diversas vezes pela equipe econômica
do governo ao longo de 2015, o impacto era temporário, fruto da desvalorização
cambial e da elevação de preços administrados (em especial, energia e combustíveis).
Como previsto, em 2016 esse efeito já começa a se dissipar, como mostram, a cada mês,
as projeções de mercado para a inflação neste ano.
66. Quanto ao nível de atividade, também se observa que, à medida que a taxa de
câmbio se estabiliza em um novo patamar, a economia se recupera e os setores
produtores de bens “tradables” (comercializáveis) tendem a se expandir, gerando
estímulos à recuperação da economia. Isso, aliás, fica claro com elevação do nosso saldo
comercial em 2015. Ao contrário das projeções feitas no início do ano passado, o saldo
48
comercial alcançou US$ 19,6 bilhões, bem acima dos US$ 5 bilhões projetados
inicialmente.
67. Diante desse cenário, o Governo Federal adotou ao longo de todo o ano de
2015, uma gestão fiscal prudente, ao promover o maior contingenciamento de
despesas discricionárias (R$ 79,5 bilhões) desde o advento da Lei de Responsabilidade
Fiscal.
68. Mesmo antes de o orçamento ser aprovado, foram editadas medidas de
contenção dos gastos, como o decreto de limite orçamentário. Esse decreto reduziu o
limite de execução mensal de 1/12 para 1/18, impondo, portanto, um corte potencial de
30% das despesas discricionárias correntes.
69. Quando o orçamento foi aprovado, nos quatro relatórios bimestrais que se
seguiram, três apontaram a necessidade de que fossem feitos novos contingenciamentos,
diante da queda cada vez mais acentuada da receita. Vale lembrar: a receita
líquida caiu R$ 180 bilhões em relação àquela aprovada no LOA 2015.
70. Em maio, no primeiro relatório do ano, o governo promoveu um
contingenciamento de R$ 70,9 bilhões, o que levou a revisão de cronogramas de
obras e de programas, bem como a uma contenção muito forte de gastos de custeio.
A realização de novos concursos para a ocupação de cargos públicos foi suspensa, o que
representou uma economia de R$ 4,2 bilhões em relação ao projetado no orçamento.
71. No bimestre seguinte, apesar de ter sido proposto um novo
contingenciamento, da ordem de R$ 8,6 bilhões, ficou evidente a impossibilidade
de obtenção da meta de 1,2% do PIB constante da Lei de Diretrizes Orçamentárias.
Cabe lembrar que essa meta havia sido estabelecida em dezembro de 2014, e estava
baseada em uma expectativa de mercado de crescimento de 0,8% da economia
brasileira em 2015.
49
72. Diante desse cenário, em julho, o governo enviou a proposta de mudança de
meta para o Congresso Nacional, reduzindo o superávit do setor público consolidado de
R$ 66,3 bilhões para R$ 8,7 bilhões. Em outubro, o governo enviou uma revisão desta
proposta, reduzindo ainda mais a previsão do superávit, diante de uma maior frustração
da receita, decorrente basicamente das mudanças nos parâmetros econômicos estimados
tanto pelo governo como pelo mercado.
73. Em 2015, além dos cortes de despesas discricionárias, o governo adotou
diversas medidas para elevar o resultado fiscal, reduzindo despesas obrigatórias e
buscando aumentar a arrecadação.
74. Na tentativa de ampliar a arrecadação, algumas desonerações fiscais foram
revistas, como a da folha de pagamentos, o IPI sobre veículos, moveis e cosméticos, foi
restabelecido o PIS/COFINS sobre receitas financeiras e feita a correção do
PIS/COFINS sobre importação. Além disso, houve a elevação do IOF crédito sobre
pessoas físicas, aumento da tributação sobre combustíveis (CIDE e PIS/COFINS), sobre
bebidas frias e da CSLL sobre instituições financeiras. Foram também majoradas
algumas tarifas, como sobre as apostas em loterias e a de expedição de passaporte.
75. O esforço fiscal em 2015 foi da ordem de R$ 134 bilhões, 2,3% do PIB.
Todavia, ele não foi suficiente para fazer frente à frustração de receitas e à elevação
de algumas despesas obrigatórias.
76. A previsão de crescimento da economia brasileira para o 2015 foi revisada
para baixo, nos meses seguintes à publicação da Lei de Diretrizes Orçamentárias
daquele ano. A rápida reversão dos parâmetros macroeconômicos resultou em uma
queda na previsão de receita, tornando impossível a obtenção da meta aprovada na LDO.
77. Para que se possa dimensionar adequadamente a rapidez desta mudança de
parâmetros, cabe lembrar que, em dezembro de 2014, momento da aprovação da LDO,
a expectativa de crescimento do PIB era de 0,8%. Em julho de 2015, contudo, a
50
expectativa já era de queda de 1,5%. Ao final do ano, a expectativa de queda do PIB era
de 3,7%.
78. Quando comparamos a projeção de receita e o limite autorizado para as
despesas aprovados na LOA 2015, com os valores efetivamente realizados em 2015,
observarmos que a maior alteração, em relação ao previsto na LOA, foi em relação à
receita. A queda da receita líquida efetivamente observada foi de R$ 180 bilhões
em relação ao previsto na LOA, e de R$ 115 bilhões em relação ao previsto no
primeiro relatório de 2015.
79. No caso da despesa, o valor executado foi inferior ao previsto na LOA.
Aliás, a queda da despesa só não foi maior porque, ao final do ano, após a
aprovação da nova meta pelo Congresso, houve o pagamento dos passivos
apontados pelo Tribunal de Contas da União no valor de R$ 55,0 bilhões.
80. A gestão fiscal durante o ano de 2015, como ressaltada acima foi caracterizada
pela imposição de limites financeiros rigorosos para a execução das despesas primárias,
que implicaram no maior contingenciamento em porcentual do PIB desde o início da
LRF. Além disso, no primeiro semestre desse mesmo ano o governo já havia
implementado ou submetido ao Congresso um conjunto de medidas voltadas para
reduzir despesas e para recuperar a arrecadação.
81. A despeito dessas medidas explícitas de ajustamento fiscal, a frustração nas
estimativas de receitas comprometeu o esforço de se ampliar o resultado primário. Essa
argumentação que atribui ao comportamento atípico ou excepcional das receitas a
principal causa da dificuldade de se ampliar o resultado primário está explícita nas
diversas manifestações do Poder Executivo e posteriormente foram corroboradas por
manifestações do Poder Legislativo.
82. Este cenário foi reconhecido pelo Congresso Nacional, que aprovou o parecer
da Comissão Mista do Orçamento (CMO), quando da apreciação da proposta de redução
51
da meta fiscal constante no PLN 5/2015. O parecer destaca o "contexto excepcional"
que dificultou o ajuste fiscal devido à expressiva queda na receita pública. Seguem-se
alguns excertos:
2. Decidimos aceitar a proposta de alteração do PLN 5
encaminhada pelo Executivo, com alguns ajustes. Não
podemos ignorar as dificuldades financeiras que o país vem
enfrentando. A queda expressiva da receita pública, de
mais de R$ 197 bilhões em relação à lei orçamentária,
mostra que estamos em um contexto excepcional.
O ajuste está sendo feito a duras penas porque a arrecadação
vem respondendo com muita intensidade à queda da atividade
econômica, porque houve e há oposição a algumas medidas
fiscais propostas e seus efeitos foram atenuados na tramitação
dos projetos, e porque a deterioração das condições de
mercado dificulta a realização de algumas operações. Do lado
das despesas, a rigidez de mais de 90% dos gastos reduz as
possibilidades de atuação.
O Governo tem utilizado de todos os mecanismos a sua
disposição para reequilibrar o orçamento: realizou
contingenciamento recorde de R$ 79,9 bilhões de despesas
discricionárias; propôs uma série de medidas de reforço de
arrecadação, algumas ainda em tramitação no Congresso
Nacional, e outras de redução dos gastos obrigatórios. Por
outro lado, atento às recomendações da Corte de Contas, o
Poder Executivo, mesmo diante da restrição orçamentária,
efetuou o pagamento de mais de R$ 13 bilhões de subsídios e
subvenções pendentes de anos anteriores.
Temos que reconhecer que há um esforço legítimo para
equacionar o déficit público e restabelecer a confiança na
capacidade de o país superar os percalços vividos neste
momento atípico. O projeto ora analisado prima pela
transparência ao explicitar a realidade das finanças públicas.
Mesmo diante das adversidades, não há abandono da
disciplina fiscal. Ao contrário, evidenciam-se todos os
esforços realizados que, em vista da conjuntura, apenas
começam a produzir os resultados esperados.
[...]
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  • 1. 1 CONTRARRAZÕES AO RELATÓRIO PRELIMINAR - ACÓRDÃO Nº. 1497/2016-TCU-PLENÁRIO – PRESTAÇÃO DE CONTAS DA PRESIDENTA DA REPÚBLICA REFERENTE AO EXERCÍCIO DE 2015 Conteúdo 1. Dos indícios de irregularidades e das possíveis distorções ........................................4 2. Das considerações gerais........................................................................................................9 2.1. Do objeto da Prestação de Contas da Presidente da República ....................................9 2.1.1. Dos limites de mérito: quanto às atribuições da Presidente da República....12 2.1.2. Dos limites de forma: quanto aos aspectos processuais...............................17 2.1.2.1. Da violação do contraditório e da ampla defesa pela vagueza das condutas descritas no relatório preliminar ......................................................18 2.1.2.2. Do Devido Processo Legal e a imputação de irregularidade a contas que ainda estão sendo examinadas pelas auditorias ........................................21 2.1.3. Da segurança jurídica: Da aplicação do artigo 9º do Pacto de San José da Costa Rica – da natureza supralegal da norma................................................................25 2.2. A conjuntura econômica e da gestão fiscal de 2015 ...........................................45 3. Das contrarrazões ..................................................................................................................55 3.1. Dos aspectos relativos às supostas operações de crédito (subitens 9.2.1, 9.2.2, 9.2.3, 9.2.4, 9.2.5, 9.2.6, 9.2.7).................................................................................................................55 3.2. Dos aspectos relativos à programação orçamentária e financeira (subitens 9.2.9 e 9.2.10)................................................................................................................................................................56 3.3. Dos aspectos relativos à abertura de créditos suplementares (subitem 9.2.8).....56
  • 2. 2 3.4. Dos aspectos relativos à desvinculação de receitas (subitens 9.2.11 e 9.2.12)...56 3.5. Dos aspectos relativos à abertura de créditos extraordinários (subitens 9.2.16, 9.2.17, 9.2.18 e 9.2.19).................................................................................................................................57 3.6. Dos aspectos relativos à suposta operação de crédito referente à aquisição do FX2 (subitem 9.2.20).....................................................................................................................................57 3.7. Dos demais aspectos..........................................................................................................................57 3.7.1. Do orçamento das empresas estatais (subitem 9.2.13).................................57 3.7.2. Dos repasses referentes ao Seguro Obrigatório de Danos Pessoais Causados por Veículos Automotores de Vias Terrestres (subitem 9.2.14)............................57 3.7.3. Da autorização do Banco Central do Brasil ao Banco da Amazônia S.A para fins de registro do seu patrimônio de referência (subitem 9.2.15).........................58 3.7.4. Da emissão direta de títulos públicos ao Banco do Brasil S.A (subitem 9.2.21) 58 3.7.5. Dos aspectos relativos às metas previstas no Plano Plurianual 2012-2015 (subitem 9.2.22) ...................................................................................................58 3.7.6. Do Balanço Geral da União (subitem 9.2.23)..............................................58 4. Das considerações finais.......................................................................................................59
  • 3. 3 EXCELENTÍSSIMO SENHOR PRESIDENTE DO TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO TC 008.389/2016-0 DILMA VANA ROUSSEFF, brasileira, divorciada, Ex-Presidente da República, residente e domiciliada na Avenida Copacabana, nº 1.205/503 – Tristeza, Porto Alegre-RS, CEP 91.900-050, RG nº 9017158222/SJS/RS, CPF nº 133.267.246- 91, por seu advogado abaixo assinado, em atenção aos termos do Acórdão nº. 1497/2016-TCU-Plenário – que trata da Prestação de Contas da Presidente da República referente ao exercício de 2015, vem apresentar suas CONTRARRAZÕES aos indícios de irregularidades e de possíveis distorções apontados no referido acórdão.
  • 4. 4 1. Dos indícios de irregularidades e das possíveis distorções 1. Nos termos do referido Acórdão, foram apontados, no total, 23 indícios de irregularidades e de possíveis distorções, in verbis: 9.2.1. manutenção do estoque de operações de crédito vencidas até 31/12/2014 durante praticamente todo o exercício de 2015, relativamente a atrasos nos repasses ao Banco do Brasil respeitantes à equalização de juros do Plano Safra, tendo iniciado aquele ano com valor aproximado de R$ 8,3 bilhões, em desacordo com o art. 36, caput, da Lei Complementar 101/2000 (item III.1.1 da instrução da Semag); 9.2.2. manutenção do estoque de operações de crédito vencidas até 31/12/2014 durante praticamente todo o exercício de 2015, relativamente a atrasos nos repasses ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social respeitantes à equalização de juros do Programa de Sustentação do Investimento, tendo iniciado aquele ano com valor aproximado de R$ 20 bilhões, em desacordo com o art. 36, caput, da Lei Complementar 101/2000 (item III.1.2); 9.2.3. realização de novas operações de crédito pela União junto ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, no primeiro e no segundo semestres do exercício de 2015, nos valores de R$ 3,7 bilhões e R$ 4,37 bilhões, respectivamente, em virtude de passivos oriundos do Programa de Sustentação do Investimento, operacionalizado por aquela instituição financeira, em desacordo com os arts. 32, § 1º, incisos I e II, e 36, caput, da Lei Complementar 101/2000 e com os pressupostos do planejamento, da transparência e da gestão fiscal responsável insculpidos no art. 1º, § 1º, da Lei Complementar 101/2000 (item III.1.3);
  • 5. 5 9.2.4. realização de novas operações de crédito pela União junto ao Banco do Brasil no primeiro e no segundo semestre do exercício de 2015, nos montantes de R$ 2,6 bilhões e R$ 3,1 bilhões, respectivamente, em virtude de passivos oriundos da equalização de taxa de juros em operações de crédito rural, em desacordo com o art. 165, § 8ª, c/c o art. 32, § 1º, incisos I e II, da Lei Complementar 101/2000, bem como com o art. e 36, caput, da mesma lei e com os pressupostos do planejamento, da transparência e da gestão fiscal responsável insculpidos no art. 1º, § 1º, da Lei Complementar 101/2000 (item III.1.4); 9.2.5. omissão de passivos da União junto ao Banco do Brasil, à Caixa Econômica Federal, ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico de Social e ao Fundo de Garantia do Tempo de Serviço nas estatísticas da dívida pública divulgadas pelo Banco Central do Brasil ao longo do exercício de 2015, contrariando os pressupostos do planejamento, da transparência e da gestão fiscal responsável insculpidos no art. 1º, § 1º, da Lei Complementar 101/2000 (item III.2); 9.2.6. pagamento de dívidas da União junto ao Banco do Brasil e ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social sem a devida autorização na Lei Orçamentária Anual ou em lei de créditos adicionais, inclusive com o registro irregular de subvenções econômicas, contrariando o que estabelecem o art. 167, inciso II, da Constituição Federal, o art. 5º, § 1º, da Lei Complementar 101/2000 e os arts. 12, § 3º, inciso II, e § 6º, e 13 da Lei 4.320/1964 (item III.3.1); 9.2.7. pagamento de dívidas da União junto ao Fundo de Garantia do Tempo de Serviço sem a devida autorização em Lei Orçamentária Anual ou em lei de créditos adicionais, e também com o registro irregular de subvenções econômicas, incluindo o pagamento de R$ 869,10 milhões executados em
  • 6. 6 2014 sem que constassem da respectiva dotação orçamentária (Lei 12.952/2014), contrariando o que estabelecem o art. 167, inciso II, da Constituição Federal, o art. 5º, § 1º, da Lei Complementar 101/2000 e os arts. 12, § 3º, inciso II, e § 6º, e 13 da Lei 4.320/1964 (itens III.3.2 e III.3.3); 9.2.8. abertura de créditos suplementares, entre 27/7/2015 e 2/9/2015, por meio dos Decretos Não Numerados 14241, 14242, 14243, 14244, 14250 e 14256, incompatíveis com a obtenção da meta de resultado primário então vigente, em desacordo com o art. 4º da Lei Orçamentária Anual de 2015, infringindo por consequência, o art. 167, inciso V, da Constituição Federal (item III.4.1); 9.2.9. condução da programação orçamentária e financeira com amparo na proposta de meta fiscal constante do Projeto de Lei PLN 5/2015, e não na meta fiscal legalmente vigente nas datas de edição dos Relatórios de Avaliação de Receitas e Despesas Primárias do 3º e do 4º Bimestres de 2015, bem como dos Decretos 8.496/2015 e 8.532/2015, contrariando o disposto nos arts. 9º da Lei Complementar 101/2000 e 52 da Lei 13.080/2015 (item III.4.2); 9.2.10. contingenciamentos de despesas discricionárias da União em montantes inferiores aos necessários para atingimento da meta fiscal vigente nas datas de edição dos Decretos 8.496, de 30/7/2015, e 8.532, de 30/9/2015, amparados, respectivamente, pelos Relatórios de Avaliação de Receitas e Despesas Primárias do 3º e 4º Bimestres de 2015, contrariando o disposto nos arts. 9º da Lei Complementar 101/2000 e 52 da Lei 13.080/2015 (item III.4.2); 9.2.11. utilização de recursos vinculados do superávit financeiro de 2014 em finalidade diversa do objeto da vinculação, em ofensa ao parágrafo único do art. 8º da Lei Complementar 101/2000 (item III.4.3);
  • 7. 7 9.2.12. utilização de recursos de fundos especiais em finalidade diversa do objeto da vinculação, em desacordo com o estabelecido no art. 73 da Lei 4.320/1964 e em ofensa ao parágrafo único do art. 8º da Lei Complementar 101/2000 (item III.4.3); 9.2.13. execução de despesa em montante superior à dotação aprovada no Orçamento de Investimento pelas empresas estatais Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social e Petróleo Brasileiro S.A., em desacordo com o disposto no inciso II do art. 167 da Constituição Federal (item III.4.4); 9.2.14. ausência de repasse referente ao Seguro Obrigatório de Danos Pessoais Causados por Veículos Automotores de Vias Terrestres, no valor de R$ 89,7 milhões, destinado ao Fundo Nacional de Saúde, vinculado ao Ministério da Saúde, em inobservância aos dispositivos das Leis 8.212/1991 e 9.503/1997 (item III.6); 9.2.15. concessão indevida de autorização pelo Banco Central do Brasil ao Banco da Amazônia S.A. para que referida instituição financeira efetuasse o registro de R$ 982,1 milhões no Nível I de seu Patrimônio de Referência, na qualidade de Capital Principal, contrariando o que estabelecem o art. 16, inciso XI, e § 1º, inciso I, da Resolução-CMN 4.192/2013 e com inobservância das determinações contidas nos arts. 9º e 10, inciso IX, da Lei 4.595/1964 (item III.5); 9.2.16. abertura de créditos extraordinários por meio das Medidas Provisórias 686/2015, 697/2015, 702/2015 e 709/2015, em desacordo com os requisitos constitucionais de urgência e imprevisibilidade previstos no art. 167, § 3º (parecer do Ministério Público);
  • 8. 8 9.2.17. abertura de créditos extraordinários por meio das Medidas Provisórias 686/2015, 697/2015, 702/2015 e 709/2015, com características de créditos suplementares e especiais, em desacordo com os arts. 167, inciso V, e 62, § 1º, alínea “d”, da Constituição Federal, c/c os arts. 40 e 41, inciso III, da Lei 4.320/64 (parecer do Ministério Público); 9.2.18. abertura de créditos suplementares para o FIES, qualificados indevidamente como crédito extraordinário, por meio da MP 686/2015, para viabilizar a contratação de novas operações de financiamento estudantil, criando despesas obrigatórias de caráter continuado com duração de mais de dois exercícios, com a inobservância dos arts. 15, 16 e 17 da Lei Complementar 101/2000 (LRF), c/c o art. 43 da Lei 4.320/64 (parecer do Ministério Público); 9.2.19. abertura de créditos suplementares qualificados indevidamente como créditos extraordinários, por meio das MPs 686/2015 e 697/2015, que aumentaram as despesas primárias da União de forma incompatível com o alcance do resultado primário do exercício, com infringência ao art. 167, inciso V, da Constituição Federal; ao art. 4º da Lei Orçamentária Anual de 2015 – Lei 13.115/2015, bem como em desacordo com o art. 9º da Lei Complementar 101/2000 (parecer do Ministério Público); 9.2.20. autorização para contratação de operação de crédito externa para financiamento do projeto FX-2 sem observar os requisitos previstos no art. 32, § 1º, inciso I, da Lei Complementar 101/2000, uma vez não haver prévia autorização na lei orçamentária ou em créditos adicionais e não ter ocorrido por meio de lei específica (parecer do Ministério Público); 9.2.21. emissão direta de títulos públicos ao Banco do Brasil com inobservância de condição estabelecida na legislação (Resolução CMN
  • 9. 9 2.238/1996), incorrendo em operação de crédito vedada pelo art. 36 da Lei de Responsabilidade Fiscal (voto do Relator); 9.2.22. falta de consistência de parcela significativa das informações relacionadas a metas previstas no Plano Plurianual 2012-2015 (item IV.1 e anexo I da instrução da Semag); 9.2.23. achados de auditoria que comprometem a fidedignidade das informações contábeis constantes do Balanço Geral da União apresentado na Prestação de Contas da Presidente da República do exercício de 2015 (item IV.2 e anexo II). 2. Seguem os esclarecimentos considerados pertinentes em relação aos supostos indícios de irregularidades e de possíveis distorções ora apontados no referido acórdão. 2. Das considerações gerais 2.1. Do objeto da Prestação de Contas da Presidente da República 3. De acordo com o artigo 71, I, da Constituição Federal, compete ao Tribunal de Contas da União (TCU) apreciar as contas prestadas anualmente pelo Presidente da República, mediante parecer prévio a ser submetido ao juízo do Congresso Nacional. Essa tomada de contas do Presidente da República se refere às contas do governo, não se confundindo com as contas de gestão que cada administrador público deve prestar ao
  • 10. 10 TCU, com fulcro no inciso II do mesmo dispositivo constitucional. A distinção entre as duas figuras é bem delineada por Lucas Rocha Furtado1 , em sede doutrinária: “As contas anuais se subdividem em duas outras categorias: - contas de governo, cuja sistemática de prestação é definida pelos arts. 49, IX, e 71, I, da Constituição Federal; e - contas de gestão, definidas pelo art. 71, II, do texto constitucional. (...) Como o próprio nome indica, o exame das contas de governo não envolve aspectos específicos da gestão. Não se examina, por exemplo, se determinado ato ou contrato é ilícito, ou se licitação ou concurso público foram conduzidos conforme determina a legislação. Esses aspectos devem ser examinados nas contas de gestão. O exame das contas de governo compreende aspectos gerais relacionados à execução dos orçamentos públicos federais, especialmente no que concerne aos aspectos definidos pela Lei de Responsabilidade Fiscal. É na realidade a análise das receitas e das despesas previstas no Plano Plurianual, e nos Orçamentos Fiscal, da Seguridade Sociais e de Investimentos das Estatais. Se estivéssemos no campo da economia, seria correto afirmar que o exame das contas do governo verifica aspectos macroeconômicos; ao passo que as contas de gestão devem expressas a legalidade, a legitimidade e a economicidade dos atos administrativos que compreendam a gestão do administrador. Nas contas do governo é examinada a atuação da autoridade máxima de cada um dos poderes da República (Presidente da República, Presidente do STF, do STJ, do Procurador-Geral da República etc.); nas contas de gestão, verificam-se os atos dos ordenadores das despesas das diversas unidades administrativas. Se tomamos como exemplo o Supremo Tribunal Federal, verificar-se-á que o Presidente do STF presta contas de governo, a serem examinadas pelo TCU por meio de parecer prévio e que serão julgadas pelo Congresso. O Diretor-Geral 1 FURTADO, Lucas. Curso de Direito Administrativo. Belo Horizonte: Fórum, 2007, p. 1107-1108.
  • 11. 11 do STF, ao contrário, presta contas de gestão, cujo julgamento cabe diretamente ao TCU.” (Grifos no original) 4. Como se vê, nas contas de governo, o Presidente da República responde pelo comportamento financeiro geral da Administração Pública Federal, envolvendo não só atos de sua competência, mas de todos os agentes públicos a ele subordinados, como um dever que deriva do exercício do cargo, sem a necessidade de se perquirir a atuação presidencial, ao contrário do que ocorre nas contas de gestão em que investiga- se a regularidade dos atos concretos praticado por cada uma das autoridades ordenadoras de despesas. 5. Dessa distinção entre contas de governo e contas de gestão se extrai uma consequência inafastável quanto à responsabilidade pela prestação de contas, bem como da sua defesa, ainda que em sede preliminar. Enquanto no primeiro caso, recai sobre aquele que exerce o cargo no momento da prática do ato de prestar contas ou de promover a sua defesa, no segundo, se liga pessoalmente à autoridade que praticou a conduta em exame. Não é por outra razão que, findo o exercício do mandato presidencial, a pessoa natural do ex-presidente da República não mantém a obrigação ou o ônus de prestar contas sobre exercício anterior transcorrido durante o seu mandato, tarefa que é cumprida pelo seu sucessor, uma vez que se trata da defesa das contas do Governo Federal, e não da apuração da conduta de determinada autoridade específica. Aliás, esta sempre foi a prática reiteradamente observada pelo TCU. 6. O mesmo fenômeno ocorre quando o Presidente da República não está no exercício das atribuições do seu cargo, como presentemente ocorre com a Presidenta Dilma Rousseff, afastada durante o julgamento do processo de impeachment por decisão do Senado Federal na Denúncia por Crime de Responsabilidade - DCR nº 01/16, ou ainda após o seu afastamento definitivo como resultado do referido processo. A Presidenta eleita, por não estar no exercício do seu cargo, não tem a obrigação e o ônus de defender das supostas irregularidades imputadas às contas do governo de 2015,
  • 12. 12 responsabilidade que recai sobre o Vice-Presidente em exercício do cargo, hoje efetivado como Presidente da República por decisão do Senado Federal. 7. Assim, em relação aos atos de governo, nos quais a Ex-Presidenta da República não teve qualquer participação por não serem da sua competência privativa, sua defesa se limitará a encaminhar em anexo as explicações fornecidas pelos ministérios e órgãos envolvidos, a partir de informações que foram fornecidas pela Advocacia-Geral da União, nos termos de Protocolo de Acesso a Informações firmado entre a então Presidenta da República afastada e o Advogado-Geral da União. 2.1.1. Dos limites de mérito: quanto às atribuições da Presidente da República 8. A importância da adequada delimitação da responsabilidade da Presidente da República é oportunamente destacada pelo Senador Acir Gurgacz, relator, no âmbito da Comissão Mista de Planos, Orçamentos Públicos e Fiscalização do Congresso Nacional – CMO das contas do exercício financeiro de 2014. A esse respeito, salienta o iminente Senador: “É preciso, no entanto, definir o objeto do julgamento que o Congresso Nacional deve realizar para que os congressistas possam exercer suas plenas prerrogativas no caso dentro do papel constitucional que lhes cabe. A delimitação é relevante porque não parece razoável atribuir todas as minúcias do funcionamento da máquina pública à responsabilidade do Chefe do Governo. O foco do julgamento deve se guiar pela relevância, mas não abundância das matérias colocadas à responsabilidade do Presidente. Por outro lado, está em questão no julgamento político não um governo em abstrato, uma política em tese. Trata-se de julgar a conduta de um mandatário, de um titular de poderes políticos
  • 13. 13 conferidos pela Constituição e pelo voto popular, a partir dos elementos trazidos nas contas. A Carta Magna, não por acaso, diferencia esses tipos de apreciação em seu art. 49. inciso IX: por um lado, o Congresso aprecia os relatórios sobre os planos de governo, mas julga "as contas prestadas pelo Presidente da República". Ou seja, parece não restar dúvidas de que o julgamento é personalíssimo. É o mandatário quem tem as contas julgadas, não o governo em geral. ” (Grifamos) 9. Ainda nesse sentido, o Senador Acir Gurgacz faz uma importante e necessária discussão sobre o papel do TCU e do Congresso Nacional na apreciação das contas do Chefe do Poder Executivo, em especial nos dias atuais, em que se observa acentuada confusão de papeis e atribuições e, consequentemente, de profundas distorções, como o próprio acolhimento da Denúncia por Crime de Responsabilidade – DCR nº. 1, de 2016, em que se condenou por crime de responsabilidade a Ex-Presidenta da República, por suposta abertura de créditos suplementares por decretos presidenciais, sem autorização do Congresso Nacional (Constituição Federal, art. 85, VI e art. 167, V; e Lei nº 1.079, de 1950, art.10, item 4 e art. 11, item II), e por suposta contratação ilegal de operações de crédito (Lei nº 1.079, de 1950, art. 11, item 3). Veja-se: “O Egrégio Tribunal de Contas da União anualmente envia o parecer prévio que elabora, intitulado "Contas do Governo da República - Exercício 'x'", para o julgamento do Congresso Nacional, como se fossem as contas prestadas pelo Chefe do Poder Executivo. No ora caso relatado, "Contas do Governo da República - Exercício de 2014". Tal denominação remete a uma abrangência que parece não se ajustar à delimitação que acima se fez em conformidade com o ordenamento jurídico. Se fosse apenas uma questão de nomenclatura, analisado o objeto conforme a restrita exigência constitucional, atendida estaria a norma, perdendo sentido o debate. No entanto, não é isso que se constata na documentação enviada à deliberação congressual. A terminologia empregada pelo Tribunal tem total correspondência com o que analisou, porém, é o que nos parece, não atende à restrição constitucional.
  • 14. 14 Este Colegiado já identificou por diversas vezes a impropriedade da nomenclatura; porém, embora a tenha por vezes corrigido, não enfrentou a essência da questão: qual seria o conteúdo das contas presidenciais. a parcela que o Tribunal deve analisar mediante parecer prévio. Na análise das Contas de 2014, a Corte, preenchendo o vácuo legislativo, cita que seu Parecer Prévio se ampara em seu Regimento Interno, na sua Resolução nº 142, de 2001, no art. 36 da Lei nº 8.443, de 1992, e no art. 56 da LRF, entre outros dispositivos legais. Entretanto, nenhuma das normas citadas foi aprovada conforme a competência firma da no art. 49. IX. CF. As matérias exclusivas do Congresso Nacional são veiculadas mediante decreto legislativo ou resolução, o que não ocorre no caso. As normas internas expedidas pelo próprio Tribunal menos ainda poderiam ser invocadas. O TCU, com todo o respeito que merece, não desempenha atividade legiferante, salvo para cuidar da administração interna; tampouco poderia substituir o Congresso Nacional na matéria. No art. 224, o Regimento da Corte estabelece que o Relator das contas pode efetuar as "fiscalizações que entenda necessárias à elaboração do seu relatório". Ou seja, com base nesse dispositivo, pode o Relator, discricionariamente, decidir quais atos, fatos, programas ou políticas públicas serão fiscalizados para compor o parecer a ser encaminhado ao Congresso Nacional. Não nos parece que tamanha discricionariedade esteja alinhada ao atual texto da Carta Política, que separou, precisamente, as competências do Tribunal e do Congresso Nacional. Ao primeiro, cabe julgar as contas dos administradores públicos, de maneira geral. Ao segundo, compete com exclusividade julgar as contas presidenciais (CF. art. 71, I e 1I). Embora o Congresso Nacional não tenha cuidado adequadamente da preservação de suas competências, o vazio legislativo não deveria ser suprido por outro órgão ou Poder, por mais prestígio que tenha e mereça. Mas não se trata de apenas zelar pelas competências do Poder Legislativo, o que não seria pouco. Na verdade, no respeitoso e abrangente Relatório e Parecer Prévio elaborados pelo Tribunal, verifica-se que este fundiu, indistintamente, matérias de caráter
  • 15. 15 eminentemente técnico-jurídicas sob a responsabilidade de gestores públicos, para estabelecer conexão direta com atribuições do primeiro mandatário do País. Ou seja, combinou os incisos I e II do art. 7I da Constituição, para compor a prestação das contas presidenciais de 2014. O próprio Parecer alerta que as contas da Presidente representam, consolidação das "contas individuais de ministérios, órgãos e entidades federais dependentes de orçamento federa l" (item 1. 1.3). Mais: o Relatório revela que o Parecer Prévio contempla "informações sobre os demais Poderes e o Ministério Público" (Introdução, terceiro parágrafo). A questão merece ser enfrentada devido às consequências políticas e jurídicas para os prestadores de contas. A união desses universos apenas é compreensível se o objetivo for mostrar visão abrangente de toda a atuação governamental, por vezes, necessária, haja vista que metas e objetivos fixados para o Governo federal podem ser afetados por eventos ocorridos no âmbito dos demais Poderes e do Ministério Público, fato que deve ser levado em consideração na apreciação das contas presidenciais. Mas deveriam ser mostrados especificadamente, para permitir a clara distinção entre o que se imputa ao Presidente e o que é de responsabilidade dos demais agentes públicos. Isso porque o resultado do julgamento pelo Legislativo não poderá contaminar (seja para aprovar ou rejeitar) as contas relativas a outros responsáveis pelos dinheiros públicos, cuja competência de julgamento pertence ao Tribunal (art. 71. 11. CF). Veja-se que o Tribunal alerta, no mesmo citado item 1.1.3, que sobre as contas individuais "pode haver erros e irregularidades não detectados no nível consolidado que venham a ser constatados e julgados no futuro, em atendimento ao que dispõe o art. 71, inciso II, da Constituição Federal". Esclarece, ainda, que as contas atribuíveis a outros gestores serão julgadas posteriormente pelo Tribunal. ” (Grifamos) 10. O Senador Acir Gurgacz ainda lastreia o seu entendimento em balizada doutrina. Veja-se:
  • 16. 16 “A junção dos documentos, conforme ora identificada, enfrenta a oposição da mais abalizada da doutrina. O ex-Procurador-Geral do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas do Distrito Federal e Territórios - TCDFT, Jorge Ulisses Jacoby, traz a seguinte orientação: ‘Se o Chefe do Poder Executivo não pratica ato de ordenador de despesas, não estará sujeito a julgamento pelo tribunal de contas; contudo, se o fizer, será julgado como qualquer ordenador de despesas, na forma da competência definida no art. 71, inc. li, da Constituição Federal. Desse modo, não pode o Chefe de Poder ser chamado a responder por ato de subalterno se não exerceu a função de ordenador de despesas, limitando-se à chefia política.’ Bandeira de Mello apontou a grave consequência de não se apartar as contas diretas e pessoalmente imputáveis ao Presidente da República, que no seu entendimento terão de passar por exame substancial, daquelas concernentes aos ordenadores de despesa: ‘Sem embargo, tal competência, diga-se de passagem tem sido tradicional e erroneamente confundida com a apreciação substancial das contas do Governo, em geral, de tal sorte que, absurdamente, nas órbitas estaduais ou municipais, Tribunais de Contas destas esferas têm rejeitado contas de Governador ou Prefeito, por atos que, muitas vezes, não lhes podem ser diretamente imputáveis, pois não se faz a devida acepção entre o que é de responsabilidade direta das autoridades em questão e o que é de responsabilidade de subordinados seus. Com efeito, possivelmente não há e talvez jamais venha a haver alguma administração, considerada em seu todo, livre de falha ou irregularidade na gestão de recursos públicos. Sempre existirá algum servidor da administração direta ou indireta que cometerá deslizes, faltas ou mesmo incorreções graves em detrimento do bom e honesto manejo dos recursos públicos, para não se falar de meras impropriedades técnicas no que concerne a registros relativos à receita e despesa públicas. É um contrassenso absoluto considerar a aprovação das contas do Chefe do Poder Executivo dependente da miríade de atos praticados por terceiros, conquanto agentes da administração direta ou indireta: atos que, nos respectivos escalões, o Presidente, Governadores e Prefeitos centenas de milhares de vezes sequer poderão saber que foram praticados ou como o foram e se, em cada caso, foi obedecida cada particularizada exigência técnica
  • 17. 17 ou legal. Sem embargo, a sanção pela rejeição de contas do Chefe do Poder Executivo (que ocorrerá se o Legislativo acolher parecer do Tribunal de Contas neste sentido) é politicamente grave. ’ ” (Grifamos) 11. Por fim, arremata o Senador Acir Gurgacz quanto à cautela necessária à aferição de responsabilidade do Presidente da República, o que é validamente estendido ao caso em apreço e que, por certo, norteará a manifestação desta respeitada Corte de Contas: “Em razão do exposto, é necessário ponderação ao incluir fatos e atos nas contas presidenciais. Antes, é preciso configurar a vinculação direta do ato com o Chefe de Governo, analisar a legitimidade, eficiência e economicidade, sua repercussão financeira e orçamentária. o atingimento dos fins pretendidos, o potencial de ofensa à coisa pública. (...) A aferição da responsabilidade do Presidente da República precisa ser cautelosa, os indícios devem estar claramente evidenciados e a conexão com a conduta presidencial deve ser comprovada, não presumida, bem assim realizada a subsunção do fato à previsão legal. É mister ter em conta que o julgamento envolve questões muito além da necessidade de constatar irregularidades e punir o vício: tem íntima relação com a estabilidade das instituições. ” (Grifamos) 2.1.2. Dos limites de forma: quanto aos aspectos processuais
  • 18. 18 2.1.2.1. Da violação do contraditório e da ampla defesa pela vagueza das condutas descritas no relatório preliminar 12. Antes de analisar a regularidade dos apontamentos imputados pelo relatório preliminar, vale destacar que o atual procedimento, como vem sendo conduzido, constitui grave violação do contraditório e da ampla defesa, consagrados no art. 5º LV, CF, em razão da descrição vaga e sucinta das condutas que teriam sido praticadas em 2015 e que seriam irregulares. 13. Como é por demais sabido, o artigo 5º da Constituição Federal estabelece que: “LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes; “ 14. A flagrante violação do contraditório e da ampla defesa é evidente quando se atenta para o fato de o relatório preliminar sobre as contas do governo da República em 2015, ao contrário do adotado nos anos anteriores, inclusive o de 2014 que foi bem minucioso, apresenta uma análise resumida a partir de alegação muito breve e vaga da conduta, o que só se sustentaria alguma consequência juridicamente relevante com uma complementação posterior, que não poderiam ser atacadas pela defesa da Presidenta da República. 15. Ocorre que para que as aludidas garantias constitucionais sejam cumpridas, é preciso que as condutas sejam descritas de forma pormenorizadas e que as imputações sejam motivadas adequadamente, não sendo suficiente a mera referência a dispositivos legais que teriam sido supostamente violados. Observe-se que a fundamentação correta dos atos jurídicos, como elemento indispensável para a validade dos atos do Poder Público em geral, é aplicável também, como não poderia deixar de ser às imputações classificadas pelo relatório preliminar como irregularidades de contas.
  • 19. 19 16. Bem a propósito, cabe transcrever, no que se refere à necessidade de a fiscalização fundamentar pormenorizadamente os autos de infração, o entendimento de Aurélio Pitanga Seixas Filho2 , a teor da seguinte passagem ilustrativa, que embora se refira ao Direito Tributário também se aplica ao Direito Financeiro: “Deve ficar bem entendido que o dever de fundamentação ou motivação do ato administrativo não será apropriadamente atendido, se a autoridade administrativa obedecer a um mero formalismo ritualístico que não descreva correta e adequadamente a causa motivadora do exercício da função administrativa (...). Se a dívida tributária tiver sido acertada e liquidada em um lançamento tributário, a autoridade fiscal deverá expor, minuciosamente, qual a conduta descoberta antes de enquadrá-la nos dispositivos legais pertinentes. Não preenche o requisito da motivação expressa, a mera descrição dos dispositivos legais infringidos, o que exige do contribuinte, por definição uma pessoa leiga na técnica tributária, um esforço de interpretação somente alcançável pelos especialistas na legislação fiscal. ” (Grifamos) 17. Assim, tem-se que, além da razoável motivação (que deve ser escrita e devidamente fundamentada), deve-se garantir aos litigantes a proteção decorrente do contraditório e da ampla defesa. Não se pode admitir, assim, ações estatais que, olvidando as garantias legais - e que são também constitucionais - importem em não demonstrar cabalmente a infração imputada ao administrador na tomada de contas. E para que reste efetivamente demonstrada a infração, impõe-se que a autoridade 2 FILHO, Aurélio Pitanga Seixas. “A Motivação dos Atos Administrativos, em especial, do Lançamento Tributário”, Estudos de Direito Tributário em Homenagem à Memória de Gilberto de Ulhôa Canto, Rio de Janeiro: Forense, 1998, p. 44-45
  • 20. 20 administrativa, não só indique a conduta imputada, mas especifique, pormenorizadamente, as razões de fato que motivem o procedimento inquisitório, como mais uma vez esclarece Aurélio Pitanga Seixas Filho3 : “Para isso deverá, em um procedimento inquisitório, descobrir a conduta tributável do contribuinte, fazer a sua valoração jurídica e liquidar o valor do tributo que será exigido (...). Não é válido, em termos de direito de defesa, que a notificação de lançamento apresente um sumário ou síntese de sua motivação (...). Sob pena de invalidade, o lançamento tributário deve especificar pormenorizadamente as razões de fato que motivaram a sua emissão, para, em seguida demonstrar a sua valoração jurídica. ” (Grifamos) 18. Também, quanto à estrita necessidade de fundamentação dos atos da Administração Pública corretamente atrelados às situações que lhes deram causa, aborda a doutrina administrativista, a exemplo de Celso Antônio Bandeira de Mello4 , com respaldo no Princípio da Motivação, o seguinte: "(...) implica para a Administração Pública o dever de justificar seus atos, apontando-lhes os fundamentos de direito e de fato, assim como a correlação lógica entre os eventos e situações que deu por existentes e a providência tomada, nos casos em que este último aclaramento seja necessário para aferir-se a consonância da conduta administrativa com a lei que lhe serviu de arrimo” (Grifamos) 3 FILHO, Aurélio Pitanga Seixas. “A Necessidade de Motivação do Lançamento Tributário”, in Caderno Científico do Mestrado e Doutorado em Direito – Universidade Gama Filho, Vol. 1, nº 1, Rio de Janeiro: Editoria Central da Universidade Gama Filho, 1993, p. 7-8 4 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 13.ed., Malheiros, 2000, p. 82
  • 21. 21 19. Nesse sentido, também, Maria Sylvia Zanella di Pietro5 leciona que: "O princípio da motivação exige que a Administração Pública indique os fundamentos de fato e de direito de suas decisões. Ele está consagrado pela doutrina e pela jurisprudência, não havendo mais espaço para as velhas doutrinas que discutiam se a sua obrigatoriedade alcançava só os atos vinculados ou só os atos discricionários, ou se estava presente em ambas categorias. A sua obrigatoriedade se justifica em qualquer tipo de ato, porque trata de formalidade necessária para permitir o controle de legalidade dos atos administrativos. ” 20. Desse modo, é forçoso reconhecer que as imputações feitas à Presidenta da República foram elaboradas de forma absolutamente irregular, sem vários dos elementos essenciais que permitem identificar, com clareza, a motivação e a valoração que justifica a suposta irregularidade apontada, o que acabar por macular com a nulidade o relatório preliminar. 2.1.2.2. Do Devido Processo Legal e a imputação de irregularidade a contas que ainda estão sendo examinadas pelas auditorias 21. Dentre as supostas irregularidades apontadas pelo relatório preliminar existem várias condutas que ainda são objeto de análise pelas auditorias do TCU. A despeito de tais investigações ainda não terem sido concluídas, o relatório preliminar, contrariando as práticas reiteradamente adotadas pelo próprio Tribunal, que jamais 5 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 19 ed., Atlas, 2005, p. 97
  • 22. 22 imputou a irregularidade a uma conduta ainda em análise das auditorias, considerou tais atuações como irregulares, em flagrante violação ao devido processo legal, insculpido no inciso LIV, do art. 5º da Constituição Federal, nos seguintes termos: “LIV - ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal; ” 22. A garantia do devido processo legal, em sua acepção formal, garante os litigantes em relação ao cumprimento do procedimento legal a ser adotado pelas autoridades administrativas, o que não resta atendido quando procedimentos ainda em curso no âmbito do Tribunal, que são destinados a verificar a existência de ilegalidades, suscitam a imputação de irregularidades nos procedimentos de tomada de contas, inclusive no relatório preliminar. 23. Esta afirmativa é extraída da disciplina que tais procedimentos mereceram de nossa legislação. Senão vejamos, o artigo 239 do Regimento Interno do TCU, aprovado pela Resolução TCU nº 246/2011, estabelece que a auditoria é o instrumento de fiscalização utilizado para examinar a legalidade e a legitimidade dos atos de gestão, in verbis: “Art. 239. Auditoria é o instrumento de fiscalização utilizado pelo Tribunal para: I – examinar a legalidade e a legitimidade dos atos de gestão dos responsáveis sujeitos a sua jurisdição, quanto ao aspecto contábil, financeiro, orçamentário e patrimonial; II – avaliar o desempenho dos órgãos e entidades jurisdicionados, assim como dos sistemas, programas, projetos e atividades governamentais, quanto aos aspectos de economicidade, eficiência e eficácia dos atos praticados; III – subsidiar a apreciação dos atos sujeitos a registro. ”
  • 23. 23 24. Por sua vez, o artigo 209 do mesmo Regimento Interno, estabelece que a constatação de irregularidade das contas se dá nos casos previstos nos seus quatro incisos. Não se tratando as imputações em exame de omissão do dever de prestar contas ou de desfalque, se baseiam na suposta prática de ilegalidade, ilegitimidade ou violação à economicidade, ou a danos ao erário, nos seguintes termos: “Art. 209. O Tribunal julgará as contas irregulares quando evidenciada qualquer das seguintes ocorrências: I – omissão no dever de prestar contas; II – prática de ato de gestão ilegal, ilegítimo ou antieconômico, ou infração a norma legal ou regulamentar de natureza contábil, financeira, orçamentária, operacional ou patrimonial; III – dano ao erário decorrente de ato de gestão ilegítimo ou antieconômico; IV – desfalque ou desvio de dinheiros, bens ou valores públicos. ” 25. Ora, se foi instalada a fase de fiscalização para identificar a legalidade e legitimidade dos atos praticados, é porque não havia certeza quando à correção das práticas administrativas adotadas pelo Poder Executivo. Logo, antes de encerrada tal análise não se pode pretender imputar de irregulares as contas ainda sob fiscalização, sob pena de, afastando-se do procedimento regularmente previsto, violar-se o devido processo legal. 26. Que não se alegue em socorro ao procedimento adotado que o art. 7º da Resolução TCU nº 142/01 teria autorizado que integrassem no relatório sobre as contas do Presidente da República as supostas irregularidades encontradas no exercício a que se referem, ainda que os respectivos processos estejam pendentes de julgamento. É que tal resolução da Corte de Contas não pode ser interpretada de modo a subverter o devido processo legal constitucionalmente garantido, viabilizando a imputação de suposta
  • 24. 24 irregularidade que ainda não tenha sido examinada pela auditoria. Interpretar o art. 7º da Resolução TCU nº 142/01 de modo a subverter o procedimento previsto no Regimento Interno, que, repita-se, foi aprovado por resolução posterior do próprio Tribunal, não significa apenas admitir a inviável preponderância de norma anterior sobre norma posterior antinômica, mas violar o próprio artigo 41, I, §§1º e 2º, da Lei Orgânica do TCU (Lei nº 8.443/92)6 , que estabelece que as auditorias do TCU serão realizadas na forma prevista no Regimento Interno do Tribunal, que, como vimos, se destina a apurar indícios de irregularidade, garantindo-se a oportunidade para o gestor de ser comunicado para realizar medidas saneadoras da conduta, o que resta frustrado quando, antes de esgotado tal auditoria, a atuação do administrador é considerada irregular no processo de tomada de contas. Tal subversão da marcha processual, suprime etapas e substitui o caráter pedagógico que a norma legal proporciona aos gestores por uma postura punitivista por ela não agasalhada, o que acaba por violar o devido processo legal, como demonstrado. 27. Não é por outra razão que, há muito, o TCU vem adotando a cautela de aguardar o encerramento das fiscalizações e auditorias em andamento antes de inserir no relatório preliminar qualquer imputação de irregularidade. No entanto, no relatório preliminar das contas de 2015, tal costume consagrado nas práticas reiteradamente observadas pelo TCU não veio a ser atendido, o que ensejou a violação do devido processo legal, acarretando a nulidade de todo o procedimento adotado. 6 “Art. 41. Para assegurar a eficácia do controle e para instruir o julgamento das contas, o Tribunal efetuará a fiscalização dos atos de que resulte receita ou despesa, praticados pelos responsáveis sujeitos à sua jurisdição, competindo-lhe, para tanto, em especial: II - realizar, por iniciativa própria, na forma estabelecida no Regimento Interno, inspeções e auditorias de mesma natureza que as previstas no inciso I do art. 38 desta Lei; § 1° As inspeções e auditorias de que trata esta seção serão regulamentadas no Regimento Interno e realizadas por servidores da Secretaria do Tribunal. § 2° O Tribunal comunicará às autoridades competentes dos poderes da União o resultado das inspeções e auditorias que realizar, para as medidas saneadoras das impropriedades e faltas identificadas. ”
  • 25. 25 2.1.3. Da segurança jurídica: Da aplicação do artigo 9º do Pacto de San José da Costa Rica – da natureza supralegal da norma 28. Conforme ficará exaustivamente exposto abaixo, todos os procedimentos adotados pelos técnicos, assessores e pareceres técnicos elaborados estavam em estrita observância ao posicionamento anteriores do TCU. 29. Não ocorreu qualquer situação atípica nos procedimentos. O que ocorreu, na realidade, foi uma virada de jurisprudência procedido por este egrégio Tribunal de Contas da União após a consolidação de um entendimento dominante por longo período. 30. O Estado Democrático de Direito não permite decisões de surpresa que atinjam situações passadas a partir de concepções oportunistas do presente. 31. No constitucionalismo contemporâneo não há espaço para tomada de decisões maniqueístas, fechadas, do tudo ou nada. Tem como desafio conciliar o Direito com a Justiça. O objetivo do Estado constitucional é dotar a constituição material da necessária efetividade normativa. Neste aspecto há que ser analisado a relação entre o Direito Internacional e o Direito Interno dos Estados a partir do exame da relação hierárquico- normativa entre os tratados internacionais e a Constituição. 32. O Brasil aderiu no ano de 1992, à Convenção Americana sobre Direitos Humanos – Pacto de San José da Costa Rica7 . O Supremo Tribunal Federal pacificou sua jurisprudência no sentido de que os tratados de direitos humanos incorporam ao ordenamento jurídico doméstico com caráter supralegal8 . 7 Decreto n. 678, de 6 de novembro de 1992. 8 RE 349.703- 1. Relator para o Acórdão Ministro Gilmar Mendes, Tribunal Pleno, DJe n. 104, divulgado em 04/06/2009, publicação 05/06/2009, p. 727.
  • 26. 26 33. Consagra o referido tratado internacional, como direito fundamental de todo o cidadão, a partir do devido processo legal e amplo direito de defesa, a garantia da preservação da segurança jurídica e a irretroatividade das penas. Afirma o tratado, como garantias judiciais, em seu artigo 9º: Artigo 9º - Princípio da legalidade e da retroatividade Ninguém poderá ser condenado por atos ou omissões que, no momento em que foram cometidos, não constituam delito, de acordo com o direito aplicável. Tampouco poder-se-á impor pena mais grave do que a aplicável no momento da ocorrência do delito. Se, depois de perpetrado o delito, a lei estipular a imposição de pena mais leve, o delinquente deverá dela beneficiar-se. (grifo nosso) 34. O ponto fulcral do presente procedimento é exatamente a relação que se dará entre o Direito Internacional e o Direito Interno dos Estados a partir do exame da relação hierárquico-normativa entre os tratados internacionais e a Constituição. 35. Como afirma o Ministro Gilmar Mendes do Supremo Tribunal Federal: Não se pode perder de vista que, hoje, vivemos em um “Estado Constitucional Cooperativo”, identificado pelo professor Peter Häberle como aquele que não mais se apresenta como um Estado Constitucional voltado para si mesmo, mas que se disponibiliza como referência para os outros Estados Constitucionais membros de uma comunidade, e no qual ganha relevo o papel dos direitos humanos e fundamentais. Para Häberle, ainda que, numa perspectiva internacional, muitas vezes a cooperação entre os Estados ocupe o lugar de mera coordenação e de simples ordenamento para a coexistência pacífica (ou seja, de mera delimitação dos âmbitos das soberanias nacionais), no campo do direito constitucional nacional, tal fenômeno, por si só, pode induzir aos menos a tendências que apontem para um enfraquecimento dos limites entre o interno e o externo, gerando uma concepção que faz prevalecer o direito comunitário sobre o direito interno. Nesse contexto, mesmo conscientes de que os motivos que conduzem à concepção de um Estado Constitucional Cooperativo são complexos, é
  • 27. 27 preciso reconhecer os aspectos sociológico-econômico e ideal-moral como os mais evidentes. E no que se refere ao aspecto ideal-moral, não se pode deixar de considerar a proteção aos direitos humanos como fórmula mais concreta de que dispõe o sistema constitucional, a exigir dos atores da vida sócio-política do Estado uma contribuição positiva para a máxima eficácia das normas das Constituições modernas que protegem a cooperação internacional amistosa como princípio vetor das relações entre os Estados Nacionais e a proteção dos direitos humanos como corolário da própria garantia da dignidade da pessoa humana9 . 36. O artigo 9º, do Pacto de San José da Costa Rica afirma como direito fundamental do cidadão, a garantia da segurança jurídica e da irretroatividade da punição. 37. Como já mencionado a natureza normativa de supralegalidade do Pacto de San José da Costa Rica impõe ao intérprete que examine a relação hierárquico- normativa entre os tratados internacionais e a Constituição. Assim, há a necessidade de se efetuar a interpretação do tratado internacional e a lei ordinária de forma a obter a máxima efetividade da Constituição. 38. Nesta esteira, como afirma o Ministro Gilmar Mendes: (...) diante do inequívoco caráter especial dos tratados internacionais que cuidam da proteção dos direitos humanos, não é difícil entender que a sua internalização no ordenamento jurídico, por meio do procedimento de ratificação previsto na Constituição, tem o condão de paralisar a eficácia jurídica de toda e qualquer disciplina normativa infraconstitucional com ela conflitante10 . (...) 9 RE 349.703- 1. Relator para o Acórdão Ministro Gilmar Mendes, Tribunal Pleno, DJe n. 104, divulgado em 04/06/2009, publicação 05/06/2009, p. 721/722. 10 RE 349.703- 1. Relator para o Acórdão Ministro Gilmar Mendes, p. 733.
  • 28. 28 Tendo em vista o caráter supralegal desses diplomas normativos internacionais, a legislação infraconstitucional posterior que com eles seja conflitante também tem eficácia paralisada. É o que ocorre, por exemplo, com o art. 652 do Novo Código Civil (Lei n. 10.406/2002), que reproduz disposição idêntica ao art. 1.287 do Código Civil de 1916. (o realce é do original) 39. O Pacto de San José da Costa Rica teve sua adesão, a partir do mecanismo adotado pelo sistema normativo brasileiro, com a aprovação pelo Congresso Nacional. Quando aprovou a adesão pelo Brasil ao Pacto de São José da Costa Rica, o legislador ordinário quis conferir a todos os cidadãos brasileiros o pleno exercício de um direito fundamental que é o da garantia do princípio da segurança jurídica e do princípio da irretroatividade da pena. 40. Não há limite, portanto, para a interpretação de tratado internacional que protege e efetiva os direitos humanos e fundamentais. A partir da concepção da máxima efetividade dos direitos humanos e fundamentais, esses tratados têm “lugar especial reservado no ordenamento jurídico. Equipará-los à legislação ordinária seria subestimar o seu valor especial no contexto do sistema de proteção dos direitos da pessoa humana”11 . 41. Não por outra razão, que no direito comparado há posição firme no sentido de que a negação da aplicação dos tratados de direito internacional de proteção aos direitos humanos é subverter a prevalência deste tratado à legislação infraconstitucional. O professor Klaus Vogel, citado pelo Ministro Gilmar Mendes tem posição firme no sentido de que: 11 RE 349.703- 1. Relator para o Acórdão Ministro Gilmar Mendes, p. 727.
  • 29. 29 prevalece internacionalmente a noção de que as leis que contrariam tratados internacionais devem ser inconstitucionais e, consequentemente, nulas.12 (grifos nossos) 42. Concordando com este posicionamento, o Ministro Gilmar Mendes vem a afirmar que “parece evidente que a possibilidade de afastar a aplicação de normas internacionais por meio de legislação ordinária (treaty override), inclusive no âmbito estadual e municipal, está defasada com relação às exigências de cooperação, boa-fé e estabilidade do atual cenário internacional (...)”13 43. Afirma, ainda, o eminente Ministro Gilmar Mendes, que: O texto constitucional admite a preponderância das normas internacionais sobre normas infraconstitucionais e claramente remete o intérprete para realidades normativas diferenciadas em face da concepção tradicional do direito internacional público. Refiro-me aos arts. 4º, parágrafo único e 5º, parágrafos 2º, 3º e 4º, da Constituição Federal, que sinalizam para uma maior abertura constitucional ao direito internacional e, na visão de alguns, ao direito supranacional. Além desses dispositivos, o entendimento de predomínio dos tratados internacionais em nenhum aspecto conflita com os arts. 2º, 5º, II e § 2º, 49, I, 84, VIII da Constituição Federal. (...) Ora, se o texto constitucional dispõe sobre a criação de normas internacionais e prescinde de sua conversão em espécies normativas internas – na esteira do entendido no RE 71.154/PR, Rel. Min. Oswaldo Trigueiro , Pleno DJ 25.8.1971 – deve o intérprete constitucional inevitavelmente concluir que os tratados internacionais constituem, 12 RE 349.703- 1. Relator para o Acórdão Ministro Gilmar Mendes, p. 870. 13 RE 349.703- 1. Relator para o Acórdão Ministro Gilmar Mendes, p. 870.
  • 30. 30 por si sós, espécies normativas infraconstitucionais distintas e autônomas, que não se confundem com as normas federais, tais como decreto-legislativo, decretos executivos, medidas provisórias, leis ordinárias ou leis complementares. (...) Na verdade, a equiparação absoluta entre tratados internacionais e leis ordinárias federais procura enquadrar as normas internacionais em atos normativos internos, o que não tem qualquer sustentação na estrutura Constitucional. Constitui ‘solução simplista’ à complexa questão da aplicação das normas internacionais, conforme já apontara o saudoso Min. Philadelfo de Azevedo no julgamento de 11.10.1943 (Apelação Cível n. 7. 872/RS). Como exposto, o tratado internacional não necessita ser aplicado na estrutura de outro normativo interno nem ter status paritário com qualquer deles, pois tem assento próprio na Carta Magna, com requisitos materiais e formais peculiares. Dessa forma, à luz dos atuais elementos de integração e abertura do Estado à cooperação internacional, tutelados no texto constitucional, o entendimento que privilegie a boa-fé e a segurança dos pactos internacionais revela-se mais fiel à Carta Magna14 . (grifo nosso) 44. Constata-se, portanto, que o artigo 9º do Pacto de San José da Costa Rica deve ser aplicado ao caso concreto, sem qualquer restrição quanto a seu exercício. 45. A Constituição de 1988 consagrou o princípio da segurança jurídica como um princípio constitucional. 46. A segurança jurídica deve ser observada e, todos os espaços públicos do processo de decisão, em especial, nos processos jurídico-administrativos. Como 14 RE 349.703- 1. Relator para o Acórdão Ministro Gilmar Mendes, p. 870/873.
  • 31. 31 postulado do Estado Democrático de Direito, temos o princípio da Segurança Jurídica que deverá ser observado em todos os seus termos. Para o Ministro Gilmar Mendes: A revisão radical de determinados modelos jurídicos ou a adoção de novos sistemas ou modelos suscita indagações relevantes no contexto da segurança jurídica. A ideia de segurança jurídica torna imperativa a adoção de cláusulas de transição nos casos de mudança radical de um dado instituto ou estatuo jurídico. Daí por que se considera, em muitos sistemas jurídicos, que, em casos de mudança de regime jurídico, a não adoção de cláusulas de transição poderá configurar omissão legislativa inconstitucional grave. Assim, ainda que se não possa invocar a ideia de direito adquirido para a proteção das chamadas situações estatutárias ou que se não possa reivindicar direito adquirido a um instituto jurídico, não pode o legislador ou o Poder Público em geral, sem ferir o princípio da segurança jurídica, fazer tabula rasa das situações jurídicas consolidadas ao longo do tempo. Situações ou posições consolidadas podem assentar-se até mesmo em um quadro inicial de ilicitude. Nesse contexto assume relevância o debate sobre a anulação de atos administrativos, em decorrência de sua eventual ilicitude. Igualmente relevante se afigura a controvérsia sobre a legitimidade ou não da revogação de certos atos da Administração após decorrido determinado prazo. Em geral, associam-se aqui elementos de variada ordem ligados à boa- fé da pessoa afetada pela medida, a confiança depositada na inalterabilidade da situação e o decurso de tempo razoável15 . 15 Curso de Direito Constitucional. Editora Saraiva: São Paulo, p. 473.
  • 32. 32 47. Conforme afirma o Eminente Ministro Celso de Mello: o que se revela incontroverso, nesse contexto, é que a exigência de segurança jurídica, enquanto expressão do Estado Democrático de Direito, mostra-se impregnada de elevado conteúdo ético, social e jurídico, projetando-se sobre as relações jurídicas, mesmo as de direito público (RTJ 191/192, Rel. p/ o acórdão Min. GILMAR MENDES), em ordem a viabilizar a incidência desse mesmo princípio sobre comportamentos de qualquer dos Poderes ou órgãos do Estado, para que se preservem, desse modo, situações consolidadas e protegidas pelo fenômeno da “res judicata”16 . (grifo original) 48. J. J. Gomes Canotilho, consagrado constitucionalista português, nos ensina que: Estes dois princípios – segurança jurídica e proteção da confiança – andam estreitamente associados, a ponto de alguns autores considerarem o princípio da proteção de confiança como um subprincípio ou como uma dimensão específica da segurança jurídica. Em geral, considera-se que a segurança jurídica está conexionada com elementos objectivos da ordem jurídica – garantia de estabilidade jurídica, segurança de orientação e realização do direito – enquanto a procteção da confiança se prende mais com as componentes subjectivas da segurança, designadamente a calculabilidade e previsibilidade dos indivíduos em relação aos efeitos jurídicos dos actos dos poderes públicos. A segurança e a procteção da confiança exigem, no fundo: (1) fiabilidade, clareza, racionalidade e transparência dos actos do poder; (2) de forma que em relação a eles o cidadão veja garantida a segurança nas suas disposições pessoais e nos efeitos jurídicos dos seus próprios actos. Deduz-se já que os postulados da segurança jurídica e da procteção da confiança são exigíveis perante qualquer acto de qualquer poder- legislativo, executivo e judicial. O princípio geral da segurança jurídica em sentido amplo ‘abrangendo, pois, a idéia de procteção da confiança) pode formular-se do seguinte modo: o indivíduo têm o direito de poder confiar em que seus actos ou às decisões públicas incidentes sobre os seus direitos, posições ou relações jurídicas alicerçadas em normas jurídicas vigentes e válidas por esses actos jurídicos deixado 16 STF-RE-594.350/RS, Relator Ministro Celso de Mello. Publicado no DJ de
  • 33. 33 pelas autoridades com base nessas normas se ligam os efeitos jurídicos previstos e prescritos no ordenamento jurídico. As refracções mais importantes do princípio da segurança jurídica são as seguintes: (1) relativamente a actos normativos – proibição de normas retroativas restritivas de direitos ou interesses juridicamente protegidos; (2) relativamente a actos jurisdicionais - inalterabilidade do caso julgado; (3) em relação a actos da administração – tendencial estabilidade dos casos decididos através de acto administrativos constitutivos de direitos17 . (grifo nosso) 49. Toda e qualquer posição consolidada, quer no âmbito administrativo, judicial ou mesmo político, deve ser preservada para se garantir a eficácia do princípio da segurança jurídica e para que se impeça alterações bruscas, radicais. 50. O Supremo Tribunal Federal tem jurisprudência consolidada no sentido de que as alterações de jurisprudência ocorridas não podem atingir fatos passados, na medida em que terão efeitos prospectivos. 51. Nesse sentido encontramos o seguinte julgado, paradigmático do C. Supremo Tribunal Federal, em voto proferido pelo Eminente Ministro Gilmar Mendes, nos autos do Processo RE 637485/RJ, publicado no DJe de 01 de agosto de 2012: (...) 3. MUDANÇA JURISPRUDENCIAL E SEGURANÇA JURÍDICA O caso apresentado nos autos é deveras peculiar. O recurso extraordinário relata que o autor, após exercer dois mandatos consecutivos como Prefeito do Município de Rio das Flores-RJ, nos períodos 2001-2004 e 2005-2008, transferiu seu domicílio eleitoral e, atendendo às regras quanto à desincompatibilização, candidatou-se ao cargo de Prefeito do Município de Valença-RJ no pleito de 2008. 17 In Direito Constitucional e Teoria da Constituição, Edições Almedina, 7ª edição (4ª reimpressão), p. 257, 2003.
  • 34. 34 Na época, a jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral era firme em considerar que, nessas hipóteses, não se haveria de cogitar da falta de condição de elegibilidade prevista no art. 14, § 5º, da Constituição, pois a candidatura se daria em município diverso. Por isso, a candidatura do autor sequer chegou a ser impugnada pelo Ministério Público ou por partido político. Assim, transcorrido todo o período de campanha, pressuposta a regularidade da candidatura, tudo conforme as normas (legais e jurisprudenciais) vigentes à época, o autor saiu-se vitorioso no pleito eleitoral. Em 17 de dezembro de 2008, já no período de diplomação dos eleitos, o TSE alterou radicalmente sua jurisprudência e passou a considerar tal hipótese como vedada pelo art. 14, § 5º, da Constituição. Em razão dessa mudança jurisprudencial, o Ministério Público Eleitoral e a Coligação adversária naquele pleito impugnaram a expedição do diploma do autor, com fundamento no art. 262, I, do Código Eleitoral. O Tribunal Regional Eleitoral do Rio de Janeiro, com base na anterior jurisprudência do TSE, negou provimento ao recurso e manteve o diploma do autor. Porém, no TSE, o recurso especial eleitoral foi julgado procedente e, após rejeição dos recursos cabíveis, determinou-se a cassação do diploma do autor. O caso descrito, portanto, revela uma situação diferenciada, em que houve regular registro da candidatura, legítima participação e vitória no pleito eleitoral e efetiva diplomação do autor, tudo conforme as regras então vigentes e sua interpretação pela Justiça Eleitoral. As circunstâncias levam a crer que a alteração repentina e radical dessas regras, uma vez o período eleitoral já praticamente encerrado, repercute drasticamente na segurança jurídica que deve nortear o processo eleitoral, mais especificamente na confiança não somente do cidadão candidato, mas também na confiança depositada no sistema pelo cidadão-eleitor. Em casos como este, em que se altera jurisprudência longamente adotada, parece sensato considerar seriamente a necessidade de se modular os efeitos da decisão, com base em razões de segurança jurídica. Essa tem sido a praxe neste Supremo Tribunal Federal, quando há modificação radical de jurisprudência. Cito, a título de exemplo, a decisão proferida na Questão de Ordem no INQ 687 (DJ 9.11.2001), em que o Tribunal cancelou o enunciado da
  • 35. 35 Súmula n. 394, ressalvando os atos praticados e as decisões já proferidas que nela se basearam. No Conflito de Competência n. 7.204/MG, Rel. Min. Carlos Britto (julg. em 29.6.2005), fixou-se o entendimento de que “o Supremo Tribunal Federal, guardião-mor da Constituição Republicana, pode e deve, em prol da segurança jurídica, atribuir eficácia prospectiva às suas decisões, com a delimitação precisa dos respectivos efeitos, toda vez que proceder a revisões de jurisprudência definidora de competência ex ratione materiae. O escopo é preservar os jurisdicionados de alterações jurisprudenciais que ocorram sem mudança formal do Magno Texto”. Assim também ocorreu no julgamento do HC n. 82.959, em que declaramos, com efeitos prospectivos, a inconstitucionalidade da vedação legal da progressão de regime para os crimes hediondos (art. 2º, § 1º, da Lei n. 8.072/90, com radical modificação da antiga jurisprudência do Tribunal). Recordo, igualmente, o importante e emblemático caso da fidelidade partidária, no qual esta Corte, ante a radical mudança que se operava, naquele momento, em antiga jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, e com base em razões de segurança jurídica, entendeu que os efeitos de sua decisão deveriam ser modulados no tempo, fixando o marco temporal desde o qual tais efeitos pudessem ser efetivamente produzidos, especificamente a data da decisão do Tribunal Superior Eleitoral na Consulta n. 1.398/2007, Rel. Min. Cesar Asfor Rocha, que ocorreu na Sessão do dia 27 de março de 2007. Ressalte-se, neste ponto, que não se trata aqui de declaração de inconstitucionalidade em controle abstrato, a qual pode suscitar a modulação dos efeitos da decisão mediante a aplicação do art. 27 da Lei 9.868/99. O caso é de substancial mudança de jurisprudência, decorrente de nova interpretação do texto constitucional, o que impõe ao Tribunal, tendo em vista razões de segurança jurídica, a tarefa de proceder a uma ponderação das consequências e o devido ajuste do resultado, adotando a técnica de decisão que possa melhor traduzir a mutação constitucional operada. Esse entendimento ficou bem esclarecido no julgamento do RE n. 353.657/PR, Rel. Min. Marco Aurélio e do RE n. 370.682/SC, Rel. Min. Ilmar Galvão (caso IPI alíquota zero). Assim, também o Tribunal Superior Eleitoral, quando modifica sua jurisprudência, especialmente no decorrer do período eleitoral, deve
  • 36. 36 ajustar o resultado de sua decisão, em razão da necessária preservação da segurança jurídica que deve lastrear a realização das eleições, especialmente a confiança dos cidadãos candidatos e cidadãos eleitores. Talvez um dos temas mais ricos da teoria do direito e da moderna teoria constitucional seja aquele relativo à evolução jurisprudencial e, especialmente, à possível mutação constitucional. Se a sua repercussão no plano material é inegável, são inúmeros os desafios no plano do processo em geral e, em especial, do processo constitucional. Nesse sentido, vale registrar a observação de Karl Larenz: “De entre os factores que dão motivo a uma revisão e, com isso, frequentemente, a uma modificação da interpretação anterior, cabe uma importância proeminente à alteração da situação normativa. Trata- se a este propósito de que as relações fácticas ou usos que o legislador histórico tinha perante si e em conformidade aos quais projectou a sua regulação, para os quais a tinha pensado, variaram de tal modo que a norma dada deixou de se ‘ajustar’ às novas relações. É o factor temporal que se faz notar aqui. Qualquer lei está, como facto histórico, em relação actuante com o seu tempo. Mas o tempo também não está em quietude; o que no momento da gênese da lei actuava de modo determinado, desejado pelo legislador, pode posteriormente actuar de um modo que nem sequer o legislador previu, nem, se o pudesse ter previsto, estaria disposto a aprovar. Mas, uma vez que a lei, dado que pretende ter também validade para uma multiplicidade de casos futuros, procura também garantir uma certa constância nas relações inter- humanas, a qual é, por seu lado, pressuposto de muitas disposições orientadas para o futuro, nem toda a modificação de relações acarreta por si só, de imediato, uma alteração do conteúdo da norma. Existe a princípio, ao invés, uma relação de tensão que só impele a uma solução - por via de uma interpretação modificada ou de um desenvolvimento judicial do
  • 37. 37 Direito - quando a insuficiência do entendimento anterior da lei passou a ser ‘evidente’.”18 . Daí afirmar Larenz: “A alteração da situação normativa pode assim conduzir à modificação - restrição ou extensão - do significado da norma até aqui prevalecente. De par com a alteração da situação normativa, existem factos tais como, sobretudo, modificações na estrutura da ordem jurídica global, uma nítida tendência da legislação mais recente, um novo entendimento da ratio legis ou dos critérios teleológico-objectivos, bem como a necessidade de adequação do Direito pré- constitucional aos princípios constitucionais, que podem provocar uma alteração de interpretação. Disto falámos nós já. Os tribunais podem abandonar a sua interpretação anterior porque se convenceram que era incorrecta, que assentava em falsas suposições ou em conclusões não suficientemente seguras. Mas ao tomar em consideração o factor temporal, pode também resultar que uma interpretação que antes era correcta agora não o seja.”19 Por isso, ensina, Larenz, de forma lapidar: “O preciso momento em que deixou de ser ‘correcta’ é impossível de determinar. Isto assenta em que as alterações subjacentes se efectuam na maior parte das vezes de modo contínuo e não de repente. Durante um ‘tempo intermédio’ podem ser ‘plausíveis’ ambas as coisas, a manutenção de uma interpretação constante e a passagem a uma interpretação modificada, adequada ao tempo. É também possível que uma interpretação que aparecia originariamente como conforme à Constituição, deixe de o ser na sequência de uma modificação das relações determinantes. Então 18 Karl Larenz, Metodologia da Ciência do Direito, 3a. Edição, Lisboa, 1997, p. 495 19 Larenz, Metodologia, cit., p. 498-500
  • 38. 38 é de escolher a interpretação, no quadro das possíveis, segundo os outros critérios de interpretação, que seja agora a única conforme à Constituição”. No plano constitucional, esse tema mereceu uma análise superior no trabalho de Inocêncio Mártires Coelho sobre interpretação constitucional (Inocêncio Mártires Coelho, Interpretação Constitucional. Sergio Antonio Fabris, Porto Alegre, 1997). No Capítulo 4 da obra em referência, que trata das consequências da diferença entre lei e Constituição, propicia-se uma releitura do fenômeno da chamada mutação constitucional, asseverando-se que as situações da vida são constitutivas do significado das regras de direito, na medida em que é somente no momento de sua aplicação aos casos ocorrentes que se revelam o sentido e o alcance dos enunciados normativos. Com base em Pérez Luño e Reale, enfatiza-se que, em verdade, a norma jurídica não é o pressuposto, mas o resultado do processo interpretativo ou que a norma é a sua interpretação. (grifo nosso) Essa colocação coincide, fundamentalmente, com a observação de Häberle, segundo a qual não existe norma jurídica, senão norma jurídica interpretada (Es gibt keine Rechtsnormen, es gibt nur interpretierte Rechtsnormen), ressaltando-se que interpretar um ato normativo nada mais é do que colocá-lo no tempo ou integrá-lo na realidade pública (Einen Rechtssatz “auslegen” bedeutet, ihn in die Zeit, d.h. in die öffentliche Wirklichkeit stellen – um seiner Wirksamkeit willen). Por isso, Häberle introduz o conceito de pós-compreensão (Nachverständnis), entendido como o conjunto de fatores temporalmente condicionados com base nos quais se compreende “supervenientemente” uma dada norma. A pós-compreensão nada mais seria, para Häberle, do que a pré-compreensão do futuro, isto é, o elemento dialético correspondente da ideia de pré-compreensão20 . (grifo nosso) Tal concepção permite a Häberle afirmar que, em sentido amplo, toda lei interpretada – não apenas as chamadas leis temporárias – é uma lei 20 Häberle, Peter. “Zeit und Verfassung”. In: Probleme der Verfassungsinterpretation,org:Dreier,Ralf/Schwegmann,FriedrichNomos,Baden-Baden, 1976, p.312-313
  • 39. 39 com duração temporal limitada (In einem weiteren Sinne sind alle – interpretierten – Gesetzen “Zeitgesetze” – nicht nur die zeitlich befristeten). Em outras palavras, o texto, confrontado com novas experiências, transforma-se necessariamente em outro texto. Essa reflexão e a ideia segundo a qual a atividade hermenêutica nada mais é do que um procedimento historicamente situado autorizam Häberle a realçar que uma interpretação constitucional aberta prescinde do conceito de mutação constitucional (Verfassungswandel) enquanto categoria autônoma. Nesses casos, fica evidente que o Tribunal não poderá fingir que sempre pensara dessa forma. Daí a necessidade de, em tais casos, fazer-se o ajuste do resultado, adotando-se técnica de decisão que, tanto quanto possível, traduza a mudança de valoração. No plano constitucional, esses casos de mudança na concepção jurídica podem produzir uma mutação normativa ou a evolução na interpretação, permitindo que venha a ser reconhecida a inconstitucionalidade de situações anteriormente consideradas legítimas. A orientação doutrinária tradicional, marcada por uma alternativa rigorosa entre atos legítimos ou ilegítimos (entweder als rechtmässig oder als rechtswidrig), encontra dificuldade para identificar a consolidação de um processo de inconstitucionalização (Prozess des Verfassungswidrig Werdens). Prefere-se admitir que, embora não tivesse sido identificada, a ilegitimidade sempre existira. (grifo nosso) Daí afirmar Häberle: “O Direito Constitucional vive, prima facie, uma problemática temporal. De um lado, a dificuldade de alteração e a consequente duração e continuidade, confiabilidade e segurança; de outro, o tempo envolve agora mesmo, especificamente o Direito Constitucional. É que o processo de reforma constitucional deverá ser feito de forma flexível e a partir de uma interpretação constitucional aberta. A continuidade da Constituição somente será possível se passado e futuro estiverem nela associados.”21 21 Häberle, Zeit und Verfassung, cit., p. 295-296
  • 40. 40 Häberle indaga: “O que significa tempo? Objetivamente, tempo é a possibilidade de se introduzir mudança, ainda que não haja a necessidade de produzi-la.”22 Tal como anota Häberle, “o tempo sinaliza ou indica uma reunião (ensemble) de forças sociais e ideias. (...) A ênfase ao ‘fator tempo’ não deve levar ao entendimento de que o tempo há de ser utilizado como ‘sujeito’ de transformação ou de movimento (...). A história (da comunidade) tem muitos sujeitos. O tempo nada mais é do que a dimensão na qual as mudanças se tornam possíveis e necessárias (...).”23 Não é raro que essas alterações de concepções se verifiquem, entre outros campos, exatamente em matéria de defesa dos direitos fundamentais. Aqui talvez se mesclem as mais diversas concepções existentes na própria sociedade e o processo dialético que as envolve. E os diversos entendimentos de mundo convivem, sem que, muitas vezes, o “novo” tenha condições de superar o “velho”. É natural também que esse tipo de situação se coloque de forma bastante evidente no quadro de uma nova ordem constitucional. Aqui, entendimentos na jurisprudência, doutrina e legislação tornam, às vezes, inevitável que a interpretação da Constituição se realize, em um primeiro momento, com base na situação jurídica pré-existente. Assim, até mesmo institutos novos poderão ser interpretados segundo entendimento consolidado na jurisprudência e na legislação pré- constitucionais. Nesse caso, é igualmente compreensível que uma nova orientação hermenêutica reclame cuidados especiais. Nesse sentido, refiro-me mais uma vez às lições de Larenz: “O que é para os tribunais civis, quando muito, uma excepção, adequa- se em muito maior medida a um Tribunal Constitucional. Decerto que se poderá, por exemplo, resolver muitas vezes sobre recursos constitucionais de modo rotineiro, com os meios normais da argumentação jurídica. Aqui tão pouco faltam casos comparáveis. Mas nas resoluções de grande alcance político para o futuro da comunidade, estes meios não são suficientes. Ao Tribunal 22 Häberle, Zeit und Verfassung, cit., p. 300 23 Häberle, Zeit und Verfassung, cit., p. 300
  • 41. 41 Constitucional incumbe uma responsabilidade política na manutenção da ordem jurídico-estadual e da sua capacidade de funcionamento. Não pode proceder segundo a máxima: fiat justitia, pereat res publica. Nenhum juiz constitucional procederá assim na prática. Aqui a ponderação das consequências é, portanto, de todo irrenunciável, e neste ponto tem KRIELE razão. Certamente que as consequências (mais remotas) tão pouco são susceptíveis de ser entrevistas com segurança por um Tribunal Constitucional, se bem que este disponha de possibilidades muito mais amplas do que um simples juiz civil de conseguir uma imagem daquelas. Mas isto tem que ser aceite. No que se refere à avaliação das consequências previsíveis, esta avaliação só pode estar orientada à ideia de ‘bem comum’, especialmente à manutenção ou aperfeiçoamento da capacidade funcional do Estado de Direito. É, neste sentido, uma avaliação política, mas devendo exigir-se de cada juiz constitucional que se liberte, tanto quanto lhe seja possível - e este é, seguramente, em larga escala o caso - da sua orientação política subjectiva, de simpatia para com determinados grupos políticos, ou de antipatia para com outros, e procure uma resolução despreconceituada, ‘racional’.”24 Talvez o caso historicamente mais relevante da assim chamada mutação constitucional seja expresso na concepção da igualdade racial nos Estados Unidos. Em 1896, no caso Plessy versus Ferguson, a Corte Suprema americana reconheceu que a separação entre brancos e negros em espaços distintos, no caso específico – em vagões de trens – era legítima. Foi a consagração da fórmula “equal but separated”. Essa orientação veio a ser superada no já clássico Brown versus Board of Education (1954), no qual se assentou a incompatibilidade dessa separação com os princípios básicos da igualdade. Nos próprios Estados Unidos, a decisão tomada em Mapp versus Ohio, 367 U.S. 643 (1961), posteriormente confirmada em Linkletter versus Walker, 381 U.S. 618 (1965), a propósito da busca e apreensão realizada na residência da Sra. Dollree Mapp, acusada de portar material pornográfico, em evidente violação às leis de Ohio, traduz uma 24 Metodologia, cit., p. 517
  • 42. 42 significativa mudança da orientação até então esposada pela Corte Suprema. A condenação de Dollree Mapp foi determinada com base em evidências obtidas pela polícia quando adentraram sua residência, em 1957, apesar de não disporem de mandado judicial de busca e apreensão. A Suprema Corte, contrariando o julgamento da 1ª Instância, declarou que a ‘regra de exclusão’ (baseada na Quarta Emenda da Constituição), que proíbe o uso de provas obtidas por meios ilegais nas Cortes federais, deveria ser estendida também às Cortes estaduais. A decisão provocou muita controvérsia, mas os proponentes da ‘regra de exclusão’ afirmavam constituir esta a única forma de assegurar que provas obtidas ilegalmente não fossem utilizadas. A decisão de Mapp v. Ohio superou o precedente Wolf v. Colorado, 338 U.S. 25 (1949), tornando a regra obrigatória aos Estados e àqueles acusados cujas investigações e processos não tinham atendido a estes princípios, era conferido o direito de habeas corpus. Em 1965 a Suprema Corte americana julgou o caso Linkletter v. Walker, 381 U.S. 618, no qual um condenado por arrombamento na Corte de Louisiana requereu o direito de habeas corpus, com fundamento na decisão do caso Mapp v. Ohio. A Suprema Corte decidiu contrariamente à aplicação retroativa da norma naqueles casos que tiveram o julgamento final antes da decisão proferida em Mapp. Essa mudança foi descrita por Christina Aires Lima em sua dissertação de Mestrado: “Apesar do entendimento da Corte Federal do Distrito de Louisiana e da Corte de Apelação do Estado, de que no caso Linkletter as investigações sobre a pessoa e bens do acusado foram feitas de modo ilegal, tais Cortes decidiram que a regra estabelecida no caso Mapp não poderia ser aplicada retroativamente às condenações das cortes estaduais, que se tornaram finais antes do anúncio da decisão do referido precedente. As decisões dessas Cortes foram fundadas no entendimento de que, conferir-se efeito retroativo aos casos que tiveram julgamento final antes da decisão do caso Mapp, causaria um enorme e preocupante problema para a administração da Justiça.
  • 43. 43 A Suprema Corte americana admitiu o certiorari requerido por Linkletter, restrito à questão de saber se deveria, ou não, aplicar efeito retroativo à decisão proferida no caso Mapp”.25 Ao justificar o indeferimento da aplicação da norma retroativamente, a opinião majoritária da Corte Suprema americana, no julgamento do caso Linkletter v. Walker, foi no seguinte sentido: “Uma vez aceita a premissa de que não somos requeridos e nem proibidos de aplicar uma decisão retroativamente, devemos então sopesar os méritos e deméritos em cada caso, analisando o histórico anterior da norma em questão, seu objetivo e efeito, e se a operação retrospectiva irá adiantar ou retardar sua operação. Acreditamos que essa abordagem é particularmente correta com referência às proibições da 4a. Emenda, no que concerne às buscas e apreensões desarrazoadas. Ao invés de ‘depreciar’ a Emenda devemos aplicar a sabedoria do Justice Holmes que dizia que ‘na vida da lei não existe lógica: o que há é experiência’”.26 . E mais adiante ressaltou: “A conduta imprópria da polícia, anterior à decisão em Mapp, já ocorreu e não será corrigida pela soltura dos prisioneiros envolvidos. Nem sequer dará harmonia ao delicado relacionamento estadual- federal que discutimos como parte do objetivo de Mapp. Finalmente, a invasão de privacidade nos lares das vítimas e seus efeitos não podem ser revertidos. A reparação chegou muito tarde”.27 No direito alemão, mencione-se o famoso caso sobre o regime da execução penal (Strafgefangene), de 14 de março de 1972. Segundo a concepção tradicional, o estabelecimento de restrições aos direitos fundamentais dos presidiários, mediante atos normativos secundários, era considerado, inicialmente, compatível com a Lei Fundamental. Na espécie, cuidava-se de Verfassungsbeschwerde proposta por preso que tivera carta dirigida a uma organização de ajuda aos presidiários 25 Lima, Christina Aires Corrêa. O Princípio da Nulidade das Leis Inconstitucionais, UnB, 2000, p. 84 26 United States Reports, Vol. 381, p. 629 27 United States Reports, Vol. 381, p. 637.
  • 44. 44 interceptada, porque continha críticas à direção do presídio. A decisão respaldava-se em uma portaria do Ministério da Justiça do Estado. A Corte Constitucional alemã colocou em dúvida esse entendimento na decisão proferida sobre problemática da execução penal, como se logra depreender da seguinte passagem do acórdão: “O constituinte contemplou, por ocasião da promulgação da Lei Fundamental, a situação tradicional da execução da pena, tal como resulta dos artigos 2º, parágrafo 2º, 2º período, e 104, parágrafos 1º e 2º da Lei Fundamental, não existindo qualquer sinal de que ele partira da premissa de que o legislador haveria de editar uma lei imediatamente após a entrada em vigor da Lei Fundamental. Na apreciação da questão sobre o decurso de prazo razoável para o legislador disciplinar a matéria e, por conseguinte, sobre a configuração de ofensa à Constituição, deve-se considerar também que, até recentemente, admitia-se, com fundamento das relações peculiares de poder (besondere Gewaltverhältnisse), que os direitos fundamentais do preso estavam submetidos a uma restrição geral decorrente das condições de execução da pena. Cuidar-se-ia de limitação implícita, que não precisava estar prevista expressamente em lei. Assinale-se, todavia, que, segundo a orientação que se contrapõe à corrente tradicional, a Lei Fundamental, enquanto ordenação objetiva de valores com ampla proteção dos direitos fundamentais, não pode admitir uma restrição ipso jure da proteção dos direitos fundamentais para determinados grupos de pessoas. Essa corrente somente impôs-se após lento e gradual processo.”28 A especificidade da situação impunha, todavia, que se tolerassem, provisoriamente, as restrições aos direitos fundamentais dos presidiários, ainda que sem fundamento legal expresso. O legislador deveria emprestar nova disciplina à matéria, em consonância com a orientação agora dominante sobre os direitos fundamentais. A evolução do entendimento doutrinário e jurisprudencial – uma autêntica mutação constitucional – passava a exigir, no entanto, que 28 (BVerfGE 33, 1 (12))
  • 45. 45 qualquer restrição a esses direitos devesse ser estabelecida mediante expressa autorização legal. (grifo nosso) Todas essas considerações estão a evidenciar que as mudanças radicais na interpretação da Constituição devem ser acompanhadas da devida e cuidadosa reflexão sobre suas consequências, tendo em vista o postulado da segurança jurídica. (grifo do original) Não só a Corte Constitucional, mas também o Tribunal que exerce o papel de órgão de cúpula da Justiça Eleitoral, deve adotar tais cautelas por ocasião das chamadas “viragens jurisprudenciais” na interpretação dos preceitos constitucionais que dizem respeito aos direitos políticos e ao processo eleitoral. (...) O Supremo Tribunal Federal fixou a interpretação desse artigo 16, entendendo-o como uma garantia constitucional (1) do devido processo legal eleitoral, (2) da igualdade de chances e (3) das minorias. A ementa do RE 633.703 (Rel. Min. Gilmar Mendes) deixa explícito o entendimento assentado pelo Tribunal: Logo, é possível concluir que a mudança de jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral está submetida ao princípio da anterioridade eleitoral. Assim, as decisões do TSE que, no curso do pleito eleitoral (ou logo após o seu encerramento), impliquem mudança de jurisprudência (e dessa forma repercutam sobre a segurança jurídica), não têm aplicabilidade imediata ao caso concreto e somente terão eficácia sobre outros casos no pleito eleitoral posterior. (grifos do original) 52. O princípio da segurança jurídica previsto em nossa Constituição não pode gerar a anomia do direito. Deverá ser aplicado em sua integralidade. 53. A mudança de jurisprudência por parte do Tribunal de Contas não poderá afetar a segurança jurídica. 2.2. A conjuntura econômica e da gestão fiscal de 2015
  • 46. 46 54. O início do segundo mandato da Presidenta da República Dilma Rousseff foi pautado, em termos econômicos, pela busca de dois objetivos principais: a estabilização macroeconômica e a recuperação do crescimento. 55. É importante observar que estabilização macroeconômica e recuperação do crescimento serão sempre duas faces de uma mesma moeda. Uma não existe sem a outra. O controle da inflação depende do equilíbrio fiscal e o equilíbrio fiscal depende da recuperação do crescimento. 56. Em 2015, esta complementaridade ficou clara, uma vez que a queda do nível de atividade, dos lucros das empresas e da massa salarial levou à diminuição da arrecadação do governo e a uma piora do resultado fiscal, a despeito do corte substancial de despesas realizado 57. Nos últimos anos, uma confluência de fatores levou à desaceleração da economia brasileira. Em especial, cabe destacar quatro. 58. O primeiro foi a queda dos preços das commodities – sobretudo do petróleo e do minério de ferro –, que reduziu o lucro das empresas e a arrecadação do governo, contribuindo ainda para a depreciação da nossa moeda. 59. Em janeiro de 2016, os preços dessas commodities correspondiam a quase a metade dos de 2009, sendo ainda quatro a cinco vezes menores do que os valores alcançados em 2011 a 2013. 60. Um segundo fator foi a mudança na política monetária dos Estados Unidos. Esta mudança acentuou a desvalorização cambial e mudou as perspectivas de crescimento da economia mundial. O fato dos Estados Unidos terem voltado a elevar as taxas de juros, após anos de taxas baixas, contribuiu de forma decisiva para a desvalorização cambial, com efeitos inflacionários, e para a desaceleração econômica no curto prazo.
  • 47. 47 61. O terceiro fator foi a desaceleração da economia chinesa, que passa por um momento de esgotamento do seu padrão de crescimento, sendo que ainda não conseguiu estabelecer uma nova dinâmica. O cenário de taxas superiores a 10% ficou para trás, tornando cada vez mais clara a impossibilidade de serem retomadas, a curto prazo, as taxas superiores a 7% de crescimento. 62. Um quarto fator é o fato de termos tido a maior estiagem dos últimos 80 anos. A redução do regime de chuvas no SE e no NE aumentou o custo de geração de energia elétrica, devido à necessidade de manter ligadas praticamente todas as termelétricas brasileiras. 63. Diante da necessidade de reequilíbrio fiscal, o governo não pôde mais absorver, a partir de 2015, a maior parte do custo de geração de energia elétrica, como vinha fazendo. Isto, naturalmente, resultou em reajuste das tarifas de energia. A exemplo da mudança da taxa de câmbio, este reajuste gerou um efeito restritivo e inflacionário no curto prazo. 64. O impacto deste conjunto de fatores foi o aumento temporário da inflação e a redução temporária do nível de atividade. 65. Em relação à inflação, como foi dito diversas vezes pela equipe econômica do governo ao longo de 2015, o impacto era temporário, fruto da desvalorização cambial e da elevação de preços administrados (em especial, energia e combustíveis). Como previsto, em 2016 esse efeito já começa a se dissipar, como mostram, a cada mês, as projeções de mercado para a inflação neste ano. 66. Quanto ao nível de atividade, também se observa que, à medida que a taxa de câmbio se estabiliza em um novo patamar, a economia se recupera e os setores produtores de bens “tradables” (comercializáveis) tendem a se expandir, gerando estímulos à recuperação da economia. Isso, aliás, fica claro com elevação do nosso saldo comercial em 2015. Ao contrário das projeções feitas no início do ano passado, o saldo
  • 48. 48 comercial alcançou US$ 19,6 bilhões, bem acima dos US$ 5 bilhões projetados inicialmente. 67. Diante desse cenário, o Governo Federal adotou ao longo de todo o ano de 2015, uma gestão fiscal prudente, ao promover o maior contingenciamento de despesas discricionárias (R$ 79,5 bilhões) desde o advento da Lei de Responsabilidade Fiscal. 68. Mesmo antes de o orçamento ser aprovado, foram editadas medidas de contenção dos gastos, como o decreto de limite orçamentário. Esse decreto reduziu o limite de execução mensal de 1/12 para 1/18, impondo, portanto, um corte potencial de 30% das despesas discricionárias correntes. 69. Quando o orçamento foi aprovado, nos quatro relatórios bimestrais que se seguiram, três apontaram a necessidade de que fossem feitos novos contingenciamentos, diante da queda cada vez mais acentuada da receita. Vale lembrar: a receita líquida caiu R$ 180 bilhões em relação àquela aprovada no LOA 2015. 70. Em maio, no primeiro relatório do ano, o governo promoveu um contingenciamento de R$ 70,9 bilhões, o que levou a revisão de cronogramas de obras e de programas, bem como a uma contenção muito forte de gastos de custeio. A realização de novos concursos para a ocupação de cargos públicos foi suspensa, o que representou uma economia de R$ 4,2 bilhões em relação ao projetado no orçamento. 71. No bimestre seguinte, apesar de ter sido proposto um novo contingenciamento, da ordem de R$ 8,6 bilhões, ficou evidente a impossibilidade de obtenção da meta de 1,2% do PIB constante da Lei de Diretrizes Orçamentárias. Cabe lembrar que essa meta havia sido estabelecida em dezembro de 2014, e estava baseada em uma expectativa de mercado de crescimento de 0,8% da economia brasileira em 2015.
  • 49. 49 72. Diante desse cenário, em julho, o governo enviou a proposta de mudança de meta para o Congresso Nacional, reduzindo o superávit do setor público consolidado de R$ 66,3 bilhões para R$ 8,7 bilhões. Em outubro, o governo enviou uma revisão desta proposta, reduzindo ainda mais a previsão do superávit, diante de uma maior frustração da receita, decorrente basicamente das mudanças nos parâmetros econômicos estimados tanto pelo governo como pelo mercado. 73. Em 2015, além dos cortes de despesas discricionárias, o governo adotou diversas medidas para elevar o resultado fiscal, reduzindo despesas obrigatórias e buscando aumentar a arrecadação. 74. Na tentativa de ampliar a arrecadação, algumas desonerações fiscais foram revistas, como a da folha de pagamentos, o IPI sobre veículos, moveis e cosméticos, foi restabelecido o PIS/COFINS sobre receitas financeiras e feita a correção do PIS/COFINS sobre importação. Além disso, houve a elevação do IOF crédito sobre pessoas físicas, aumento da tributação sobre combustíveis (CIDE e PIS/COFINS), sobre bebidas frias e da CSLL sobre instituições financeiras. Foram também majoradas algumas tarifas, como sobre as apostas em loterias e a de expedição de passaporte. 75. O esforço fiscal em 2015 foi da ordem de R$ 134 bilhões, 2,3% do PIB. Todavia, ele não foi suficiente para fazer frente à frustração de receitas e à elevação de algumas despesas obrigatórias. 76. A previsão de crescimento da economia brasileira para o 2015 foi revisada para baixo, nos meses seguintes à publicação da Lei de Diretrizes Orçamentárias daquele ano. A rápida reversão dos parâmetros macroeconômicos resultou em uma queda na previsão de receita, tornando impossível a obtenção da meta aprovada na LDO. 77. Para que se possa dimensionar adequadamente a rapidez desta mudança de parâmetros, cabe lembrar que, em dezembro de 2014, momento da aprovação da LDO, a expectativa de crescimento do PIB era de 0,8%. Em julho de 2015, contudo, a
  • 50. 50 expectativa já era de queda de 1,5%. Ao final do ano, a expectativa de queda do PIB era de 3,7%. 78. Quando comparamos a projeção de receita e o limite autorizado para as despesas aprovados na LOA 2015, com os valores efetivamente realizados em 2015, observarmos que a maior alteração, em relação ao previsto na LOA, foi em relação à receita. A queda da receita líquida efetivamente observada foi de R$ 180 bilhões em relação ao previsto na LOA, e de R$ 115 bilhões em relação ao previsto no primeiro relatório de 2015. 79. No caso da despesa, o valor executado foi inferior ao previsto na LOA. Aliás, a queda da despesa só não foi maior porque, ao final do ano, após a aprovação da nova meta pelo Congresso, houve o pagamento dos passivos apontados pelo Tribunal de Contas da União no valor de R$ 55,0 bilhões. 80. A gestão fiscal durante o ano de 2015, como ressaltada acima foi caracterizada pela imposição de limites financeiros rigorosos para a execução das despesas primárias, que implicaram no maior contingenciamento em porcentual do PIB desde o início da LRF. Além disso, no primeiro semestre desse mesmo ano o governo já havia implementado ou submetido ao Congresso um conjunto de medidas voltadas para reduzir despesas e para recuperar a arrecadação. 81. A despeito dessas medidas explícitas de ajustamento fiscal, a frustração nas estimativas de receitas comprometeu o esforço de se ampliar o resultado primário. Essa argumentação que atribui ao comportamento atípico ou excepcional das receitas a principal causa da dificuldade de se ampliar o resultado primário está explícita nas diversas manifestações do Poder Executivo e posteriormente foram corroboradas por manifestações do Poder Legislativo. 82. Este cenário foi reconhecido pelo Congresso Nacional, que aprovou o parecer da Comissão Mista do Orçamento (CMO), quando da apreciação da proposta de redução
  • 51. 51 da meta fiscal constante no PLN 5/2015. O parecer destaca o "contexto excepcional" que dificultou o ajuste fiscal devido à expressiva queda na receita pública. Seguem-se alguns excertos: 2. Decidimos aceitar a proposta de alteração do PLN 5 encaminhada pelo Executivo, com alguns ajustes. Não podemos ignorar as dificuldades financeiras que o país vem enfrentando. A queda expressiva da receita pública, de mais de R$ 197 bilhões em relação à lei orçamentária, mostra que estamos em um contexto excepcional. O ajuste está sendo feito a duras penas porque a arrecadação vem respondendo com muita intensidade à queda da atividade econômica, porque houve e há oposição a algumas medidas fiscais propostas e seus efeitos foram atenuados na tramitação dos projetos, e porque a deterioração das condições de mercado dificulta a realização de algumas operações. Do lado das despesas, a rigidez de mais de 90% dos gastos reduz as possibilidades de atuação. O Governo tem utilizado de todos os mecanismos a sua disposição para reequilibrar o orçamento: realizou contingenciamento recorde de R$ 79,9 bilhões de despesas discricionárias; propôs uma série de medidas de reforço de arrecadação, algumas ainda em tramitação no Congresso Nacional, e outras de redução dos gastos obrigatórios. Por outro lado, atento às recomendações da Corte de Contas, o Poder Executivo, mesmo diante da restrição orçamentária, efetuou o pagamento de mais de R$ 13 bilhões de subsídios e subvenções pendentes de anos anteriores. Temos que reconhecer que há um esforço legítimo para equacionar o déficit público e restabelecer a confiança na capacidade de o país superar os percalços vividos neste momento atípico. O projeto ora analisado prima pela transparência ao explicitar a realidade das finanças públicas. Mesmo diante das adversidades, não há abandono da disciplina fiscal. Ao contrário, evidenciam-se todos os esforços realizados que, em vista da conjuntura, apenas começam a produzir os resultados esperados. [...]