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Geografia do português
«... e esta particularidade ou se faz entre ofícios e tratos, como os cavaleiros que têm
uns vocábulos e os lavradores outros, e os cortesãos outros e os mercadores outros.
Ou também se faz entre terras esta particularidade, porque os da Beira têm umas falas,
os do Alentejo outras e os homens da Estremadura são diferentes dos de Entre Douro e
Minho, porque, assim como os tempos assim também as terras criam diversas
condições e conceitos.
E o velho, como tem o entender mais firme, com o que mais sabe, também suas falas
são de peso, e as do mancebo, mais leves.»
Fernão de Oliveira, Gramática da Linguagem Portuguesa (1975[1536]),
ed. M.ª Leonor Carvalhão Buescu, Lisboa, INCM, p. 98
no tempo — variação diacrónica
no espaço — variação diatópica
socialmente — variação diastrática
O português varia, como todas as línguas.
As línguas variam
consoante as situações — variação situacional
Dialetos
Variedades
geográficas
Características associadas a uma
região em que a língua é falada
Geográfica ou territorial
Variação diatópica
de uma língua
Português
Variante
europeia
Variante
africana
Variante
brasileira
Variante europeia
Português europeu
inclui
Português falado
em Portugal
continental
Português falado
nos arquipélagos
da Madeira e dos Açores
Variedades
insulares
Variedade
continental
Dialetos
centro-meridionais
Beira Litoral, Beira
Baixa, Estremadura,
Ribatejo, Alentejo
e Algarve
Mapa dos dialetos do Português europeu continental segundo
Luís F. Lindley Cintra (não sendo considerados os dialetos galegos).
 Dialetos transmontanos e alto-minhotos
 Dialetos baixo-minhotos, durienses e beirões
 Dialetos do centro litoral
 Dialetos do centro interior e do sul
Variante europeia
Dialetos
setentrionais
Trás-os-Montes,
Minho, Douro,
Beira Alta
e Beira Baixa
Variedade
continental
Traços distintivos das variedades do português continental
Variante europeia
Não oposição entre [v] e [b]
(troca do v pelo b)
vinho = [] inho
Não monotongação
de ditongos: ou e ei
Sibilantes alveolares
pronunciadas na ponta
da língua (chamado s beirão)
Ocorrência da africada [t],
quando a grafia é ch
chave = [t]ave
Oposição entre [v] e [b]
(não ocorrência de troca
do v pelo b)
Monotongação
de ditongos: ou e ei
ouro = [o]ro
Sibilantes alveolares
pronunciadas com o dorso
da língua
Não ocorrência
da africada [t]
Dialetos
setentrionais
Dialetos
centro-meridionais
Variante europeia
Sons
vocálicos
diferenciados
Com características muito próprias,
mas aproximam-se mais
dos dialetos centro-meridionais
do que dos setentrionais
Variedades insulares
Português do Brasil
inclui
Diversas variedades
internas
Com uma
evolução diferente
do português europeu
Variante brasileira
Áreas linguísticas do Brasil —
proposta de Antenor Nascentes
(1953), apresentada por Luís
Lindley Cintra e Celso Cunha.
 Amazónico
 Nordestino
 Baiano
 Mineiro
 Fluminense
 Sulista
 Incaracterístico
Variante brasileira
Vogais muito reduzidas
c[]ir
Não palatalização de t e d antes
de i e e átono
an[t]iga
Traços distintivos das variedades do Português europeu e do Português do Brasil
Português
europeu
Velarização do l em final de sílaba
ma[l]
Manutenção do r em posição final
Vogais átonas abertas
c[a]ir
Palatalização de t e d antes
de i e e
an[t]iga
Semivocalização do l em final
de sílaba
ma[w]
Supressão do r em posição final
Português
do Brasil
Variante brasileira
Manutenção de grupos
consonânticos (pt, bs, pn)
Pronome pessoal posposto
Ele chama-se Fidel.
Português
europeu
Utilização do infinitivo
Estão a entrar na sala.
Utilização do verbo «haver» com
um valor de posse ou existencial
Há duas horas que ele está ali.
Há três lojas naquela rua.
Introdução de um [i] no grupo
consonântico
Anteposição do pronome
Ele se chama Fidel.
Utilização do gerúndio
Estão entrando na sala.
Utilização do verbo «ter» com
um valor de posse ou existencial
Tem duas horas que ele está ali.
Tem três lojas naquela rua.
Português
do Brasil
Variante brasileira
Formas de tratamento em
contexto familiar: «tu» ou «você»
erva
Português
europeu
Forma de tratamento em
contexto familiar: «você»
capim
caipira
Português
do Brasil
Variante brasileira
senzala
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aldeão
parte da casa em que
ficavam os escravos
rapaz
Vocabulário com origem
nas línguas do ramo tupi-guarani
Vocabulário com origem
nas línguas africanas
Variante africana
Variantes
de Angola e Moçambique
são as mais estudadas
Contacto com línguas
do ramo bantu
Resulta numa
evolução diferente
do português europeu
Vogais átonas
mais abertas
Anteposição do pronome
… nos dizer…
Marca de plural apenas
no determinante
… as mulher e os homem…
Algumas
características
Vocabulário do português
de Moçambique:
• machamba (horta)
• xipoco (espírito)
• matope (lama)
• machibombo (autocarro)
Vocabulário do português
de Angola:
• jinguba (amendoim)
• jindungo (piri-piri)
• bwé (muito)
• quimbo (aldeia)
Léxico,
vocabulário
O que são crioulos de base lexical portuguesa?
Base lexical portuguesa
Com origem
na língua portuguesa
«línguas novas que emergem em comunidades
onde previamente se desenvolveu um pidgin
para a comunicação entre os falantes das diversas
línguas maternas em presença»*
«forma de linguagem criada por falantes
de diferentes línguas maternas, convivendo
em comunidades relativamente estáveis,
quando se sentem obrigados, por razões de
sobrevivência, a comunicar entre si, embora
num conjunto restrito de situações»*
*Dulce Pereira, Crioulos de base portuguesa, Lisboa, Caminho, 2006, p. ??.
Crioulos
1
3
2
4
5
6
1. Crioulos da Alta Guiné
2. Crioulos do Golfo da Guiné
3. Crioulos indo-portugueses
4. Crioulos sino-portugueses
5. Crioulos malaio-portugueses
6. Crioulos do Brasil
Principais crioulos de base lexical portuguesa no mundo
Barlavento (Norte)
Guiné-Bissau
Cabo Verde
Casamansa — Senegal
1. Crioulos
da Alta Guiné
Sotavento (Sul)
Situação
de
bilinguismo
com o
português
1
2. Crioulos
do Golfo da Guiné
São Tomé e Príncipe:
• o forro
• o moncó
• o angolar
Situação de bilinguismo
com o português
2
3
5
4
Situação fragmentária:
• Crioulos ativos na Índia, no Sri Lanka e na Malásia (o papiá kristang)
• Crioulo de Macau — recentemente extinto
• Crioulo de Timor (o «português de Bidau») — em vias de extinção
3. Crioulos indo-portugueses
4. Crioulos malaio-portugueses
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Variação geográfica do português

  • 2.
  • 3. «... e esta particularidade ou se faz entre ofícios e tratos, como os cavaleiros que têm uns vocábulos e os lavradores outros, e os cortesãos outros e os mercadores outros. Ou também se faz entre terras esta particularidade, porque os da Beira têm umas falas, os do Alentejo outras e os homens da Estremadura são diferentes dos de Entre Douro e Minho, porque, assim como os tempos assim também as terras criam diversas condições e conceitos. E o velho, como tem o entender mais firme, com o que mais sabe, também suas falas são de peso, e as do mancebo, mais leves.» Fernão de Oliveira, Gramática da Linguagem Portuguesa (1975[1536]), ed. M.ª Leonor Carvalhão Buescu, Lisboa, INCM, p. 98
  • 4. no tempo — variação diacrónica no espaço — variação diatópica socialmente — variação diastrática O português varia, como todas as línguas. As línguas variam consoante as situações — variação situacional
  • 5. Dialetos Variedades geográficas Características associadas a uma região em que a língua é falada Geográfica ou territorial Variação diatópica de uma língua
  • 7. Variante europeia Português europeu inclui Português falado em Portugal continental Português falado nos arquipélagos da Madeira e dos Açores Variedades insulares Variedade continental
  • 8. Dialetos centro-meridionais Beira Litoral, Beira Baixa, Estremadura, Ribatejo, Alentejo e Algarve Mapa dos dialetos do Português europeu continental segundo Luís F. Lindley Cintra (não sendo considerados os dialetos galegos).  Dialetos transmontanos e alto-minhotos  Dialetos baixo-minhotos, durienses e beirões  Dialetos do centro litoral  Dialetos do centro interior e do sul Variante europeia Dialetos setentrionais Trás-os-Montes, Minho, Douro, Beira Alta e Beira Baixa Variedade continental
  • 9. Traços distintivos das variedades do português continental Variante europeia Não oposição entre [v] e [b] (troca do v pelo b) vinho = [] inho Não monotongação de ditongos: ou e ei Sibilantes alveolares pronunciadas na ponta da língua (chamado s beirão) Ocorrência da africada [t], quando a grafia é ch chave = [t]ave Oposição entre [v] e [b] (não ocorrência de troca do v pelo b) Monotongação de ditongos: ou e ei ouro = [o]ro Sibilantes alveolares pronunciadas com o dorso da língua Não ocorrência da africada [t] Dialetos setentrionais Dialetos centro-meridionais
  • 10. Variante europeia Sons vocálicos diferenciados Com características muito próprias, mas aproximam-se mais dos dialetos centro-meridionais do que dos setentrionais Variedades insulares
  • 11. Português do Brasil inclui Diversas variedades internas Com uma evolução diferente do português europeu Variante brasileira
  • 12. Áreas linguísticas do Brasil — proposta de Antenor Nascentes (1953), apresentada por Luís Lindley Cintra e Celso Cunha.  Amazónico  Nordestino  Baiano  Mineiro  Fluminense  Sulista  Incaracterístico Variante brasileira
  • 13. Vogais muito reduzidas c[]ir Não palatalização de t e d antes de i e e átono an[t]iga Traços distintivos das variedades do Português europeu e do Português do Brasil Português europeu Velarização do l em final de sílaba ma[l] Manutenção do r em posição final Vogais átonas abertas c[a]ir Palatalização de t e d antes de i e e an[t]iga Semivocalização do l em final de sílaba ma[w] Supressão do r em posição final Português do Brasil Variante brasileira
  • 14. Manutenção de grupos consonânticos (pt, bs, pn) Pronome pessoal posposto Ele chama-se Fidel. Português europeu Utilização do infinitivo Estão a entrar na sala. Utilização do verbo «haver» com um valor de posse ou existencial Há duas horas que ele está ali. Há três lojas naquela rua. Introdução de um [i] no grupo consonântico Anteposição do pronome Ele se chama Fidel. Utilização do gerúndio Estão entrando na sala. Utilização do verbo «ter» com um valor de posse ou existencial Tem duas horas que ele está ali. Tem três lojas naquela rua. Português do Brasil Variante brasileira
  • 15. Formas de tratamento em contexto familiar: «tu» ou «você» erva Português europeu Forma de tratamento em contexto familiar: «você» capim caipira Português do Brasil Variante brasileira senzala moleque aldeão parte da casa em que ficavam os escravos rapaz Vocabulário com origem nas línguas do ramo tupi-guarani Vocabulário com origem nas línguas africanas
  • 16. Variante africana Variantes de Angola e Moçambique são as mais estudadas Contacto com línguas do ramo bantu Resulta numa evolução diferente do português europeu Vogais átonas mais abertas Anteposição do pronome … nos dizer… Marca de plural apenas no determinante … as mulher e os homem… Algumas características Vocabulário do português de Moçambique: • machamba (horta) • xipoco (espírito) • matope (lama) • machibombo (autocarro) Vocabulário do português de Angola: • jinguba (amendoim) • jindungo (piri-piri) • bwé (muito) • quimbo (aldeia)
  • 17. Léxico, vocabulário O que são crioulos de base lexical portuguesa? Base lexical portuguesa Com origem na língua portuguesa «línguas novas que emergem em comunidades onde previamente se desenvolveu um pidgin para a comunicação entre os falantes das diversas línguas maternas em presença»* «forma de linguagem criada por falantes de diferentes línguas maternas, convivendo em comunidades relativamente estáveis, quando se sentem obrigados, por razões de sobrevivência, a comunicar entre si, embora num conjunto restrito de situações»* *Dulce Pereira, Crioulos de base portuguesa, Lisboa, Caminho, 2006, p. ??. Crioulos
  • 18. 1 3 2 4 5 6 1. Crioulos da Alta Guiné 2. Crioulos do Golfo da Guiné 3. Crioulos indo-portugueses 4. Crioulos sino-portugueses 5. Crioulos malaio-portugueses 6. Crioulos do Brasil Principais crioulos de base lexical portuguesa no mundo
  • 19. Barlavento (Norte) Guiné-Bissau Cabo Verde Casamansa — Senegal 1. Crioulos da Alta Guiné Sotavento (Sul) Situação de bilinguismo com o português 1
  • 20. 2. Crioulos do Golfo da Guiné São Tomé e Príncipe: • o forro • o moncó • o angolar Situação de bilinguismo com o português 2
  • 21. 3 5 4 Situação fragmentária: • Crioulos ativos na Índia, no Sri Lanka e na Malásia (o papiá kristang) • Crioulo de Macau — recentemente extinto • Crioulo de Timor (o «português de Bidau») — em vias de extinção 3. Crioulos indo-portugueses 4. Crioulos malaio-portugueses 5. Crioulos sino-portugueses