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LIBERDADE, POSSIBILIDADE E DETERMINISMO EM LEIBNIZ
por
Luís Filipe Fernandes Mendes
Estudo apresentado como trabalho para o Seminário do
Ramo de Formação Educacional
Universidade Nova de Lisboa
Faculdade de Ciências Sociais e Humanas
2006/2007
A ser avaliado p/ Professor Doutor João Matos
Data 26 de Abril de 2007
Liberdade, possibilidade e determinismo em Leibniz Luís Mendes Seminário
Apresentação
Universidade Nova de Lisboa
Faculdade de Ciências Sociais e Humanas
LIBERDADE, POSSIBILIDADE E DETERMINISMO EM LEIBNIZ
por Luís Filipe Fernandes Mendes
N.º 11131
Dirigido ao Professor Doutor João Matos
Departamento de Ciências da Educação
APRESENTAÇÃO
arece-nos deveras importante, para a compreensão do sistema de Leibniz, a coexistência de Determinismo e
Liberdade. Existem vários caminhos e pistas diversas no manancial leibniziano sobre este assunto. Sendo
assim, pretendemos mostrar essa importância e escrutinar um caminho para realizar a compreensão duma
matéria que consideramos bastante sensível. Sensível não apenas no contexto da produção deste filósofo, mas
mesmo no contexto geral da reflexão do ser humano sobre si mesmo.
Neste problema em que se entrelaçam considerações religiosas e/ou teológicas, antropológicas, existenciais e, de algum modo,
escatológicas, a posição de Leibniz é recorrentemente lembrada numa áurea de mistério, indecifrabilidade e paradoxo. É porque consideramos
importantíssimo este assunto para a própria compreensão do ser humano, bem como para uma compreensão esclarecida do sistema de Leibniz,
que ousamos empreender a tarefa de trazer à luz os adiantamentos de Leibniz sobre a matéria da liberdade, assunto ao qual, aliás, parece ter
dedicado muita atenção – e não porque este assunto nunca tenha sido abordado, nem porque nunca se tenha tentado um esclarecimento eclético.
Vamos, assim, deitar o nosso olhar sobre os textos do autor para nos esclarecermos sobre um assunto acerca do qual muitos já
disseram muito.
P
Liberdade, possibilidade e determinismo em Leibniz Luís Mendes Seminário
Índice
ÍNDICE
Secção Título Página
Secção 1 – Introdução ------------------------------------------------------------------------------------------------------ 1
Secção 2 – Capítulo I – Da possibilidade da liberdade --------------------------------------------------------------- 8
Secção 3 – Do infinito ------------------------------------------------------------------------------------------------------- 9
Secção 4 – Das razões ------------------------------------------------------------------------------------------------------ 11
Secção 5 – Da verdade e das proposições -------------------------------------------------------------------------------- 13
Secção 6 – Capítulo II – Da liberdade ---------------------------------------------------------------------------------- 15
Secção 7 – Da espontaneidade --------------------------------------------------------------------------------------------- 17
Secção 8 – Capítulo III – As Mónadas e as Almas, A contingência e a Necessidade, A Determinação e a
Liberdade ----------------------------------------------------------------------------------------------------- 25
A simplicidade das Mónadas ---------------------------------------------------------------------------------------------- 25
Secção 9 – A complexidade das Mónadas ------------------------------------------------------------------------------- 26
Secção 10 – A contingência e a necessidade das coisas ---------------------------------------------------------------- 27
Secção 11 – A determinação e a liberdade ------------------------------------------------------------------------------- 27
Secção 12 – Capítulo IV – A forma do ponto de vista --------------------------------------------------------------- 31
Secção 13 – Da disposição ------------------------------------------------------------------------------------------------- 32
Secção 14 – Da liberdade de facto ---------------------------------------------------------------------------------------- 37
Secção 15 – Da pressuposição de evidência ----------------------------------------------------------------------------- 40
Secção 16 – O estabelecimento de hipóteses e o estado de confusão ------------------------------------------------ 45
Secção 17 – Capítulo V – Advertências -------------------------------------------------------------------------------- 51
Secção 18 – A finitude da vida humana e a imortalidade -------------------------------------------------------------- 53
Secção 19 – Conclusão ---------------------------------------------------------------------------------------------------- 62
Bibliografia ------------------------------------------------------------------------------------------------------------------ 74
Anexos ------------------------------------------------------------------------------------------------------------------- 76
Liberdade, possibilidade e determinismo em Leibniz Luís Mendes Seminário
Introdução Início
“ C o m o a l i b e r d a d e e a
c o n t i n g ê n c i a p o d e m c o e x i s t i r
c o m a s é r i e d e c a u s a s e c o m a
p r e v i d ê n c i a é u m a d a s m a i s
a n t i g a s p r e o c u p a ç õ e s d a r a ç a
h u m a n a . ”
Leibniz, Sobre a Liberdade
S e c ç ã o 1
INTRODUÇÃO À DELIMITAÇÃO DOS CONCEITOS DE DETERMINISMO E LIBERDADE
“… a ditadura de César tem o seu fundamento na sua [de César] noção ou natureza; que aí [na
natureza de César] se vê uma razão pela qual ele ganhou a jornada de Farsália, em vez de a ter perdido.”
Leibniz, Discurso de Metafísica
A noção de Mónada levará, à primeira vista, a julgar que existe em Leibniz uma teoria fácil da casualidade. A
Mónada é apresentada como uma substância simples, una, única, indivisível, isolada, fechada, sem janelas, da qual nada
sai, na qual nada pode entrar1
.
A Mónada é uma noção que facilmente nos encaminha para uma leitura fácil dum certo isolacionismo do sujeito.
Parece uma defesa ingénua da idiossincrasia, de tal modo que o mundo seria um conjunto de “unidades solipsistas”. Cada
substância é um mundo à parte. Cada Mónada é um mundo inteiro. Um espelho do universo2
.
Antes de abordarmos este possível solipsismo cumpre-se, portanto, mostrarmos porque essa seria uma leitura fácil,
mas desinformada. Isto porque, se quem tomar conhecimento dessa noção fundamental da filosofia de Leibniz pode ser
levado a considerá-lo solipsista ingénuo, aquele que se ativer a ler o que deixou escrito sobre a causalidade será, pelo
contrário, invadido duma sensação determinista desconcertante.
Há, portanto, aqui um problema. O problema da conciliação destas duas teses num mesmo ponto de vista. A nossa
investigação deverá, portanto, esclarecer-se sobre o que seja entendido pelo termo determinismo, bem como sobre o que
se quer indicar por essa autonomia constitutiva da Mónada.
Quem entrar em Leibniz pelos textos da tradição, tais como a Monadologia ou o Discurso de Metafísica, entra em
contacto com textos formais, os quais apresentam a generalidade das suas ideias e teorias, erigidas em sistema. O
problema de uma tal entrada não é evidente. Essa entrada, no entanto, escamoteia os textos que apresentam as suas
explicações, na maior parte dos casos fornecidas em pequenos textos, correspondências e cartas nunca enviadas. Ora, o
sistema filosófico de Leibniz é uma imbricação da qual a teoria da liberdade é um sistema. À partida, para abordar uma
parte do sistema, ter-se-ia que abordar, primeiramente, a totalidade. A totalidade prevalece sobre a parte dando-lhe
sentido.
Nós seguiremos, no entanto, um caminho inverso. É verdade que a natureza deste trabalho não nos permite
enveredar por análises metodológicas que, por si só, ocupariam a totalidade do espaço que temos previsto para este
estudo. Assim, este estudo não pode deixar de ser preliminar. Mas, por ser preliminar não abdica de escrutinar o sentido
daquilo que investiga.
O caminho inverso a que aludimos trata-se de partirmos dos textos explicativos. Um desses textos é o De libertate
de 1680-1682. Outro é o De libertate de 16893
. Este nosso caminho invertido começa, precisamente, neste último. A
nossa intenção é começar pelas explicações específicas dadas por Leibniz para, depois, visualizarmos essas explicações à
luz da totalidade do seu sistema. Refira-se que as explicações dadas por Leibniz têm sempre em vista, como não poderia
1
Ver, Monadologia, página 42. Doravante será referida por Mona, seguida do artigo ou da página. A edição usada é a indicada na Bibliografia.
2
Discurso de Metafísica, 46. Doravante referido por DM, seguido da página. A edição é a indicada na Bibliografia.
3
Disponíveis, ambos, na Internet, em http://www.leibnizbrasil.pro.br/index.htm. Estão incluídos em anexo ao presente estudo. O escrito de
1680 será, doravante, referido por A, seguido da indicação da página de anexo. O escrito de 1689 será referido, doravante, por B, seguido da
página de anexo.
Liberdade, possibilidade e determinismo em Leibniz Luís Mendes Seminário
Introdução -2-
deixar de ser, a totalidade do seu ponto de vista. Assim, obviamente que a explicação sectária não é, em rigor, sectária,
visto ser delineada dentro do ponto de vista que a enforma. Assim, a nossa abordagem não descura da advertência do
próprio filósofo chama a atenção para a precedência do todo relativamente à parte. O nosso intento é, precisamente,
doar sentido ao fenómeno da liberdade a partir da estrutura fundamental (a totalidade), procedendo das suas explicações
dirigidas especificamente, sem que esta especificidade implique um esquecimento relativamente ao todo, pois é este não
esquecimento que permite o pré-delineamento da abordagem específica em causa.
A própria delimitação do fenómeno deve contar com a preposição do todo. Mas, isso significa que o primeiro passo
deve ainda ser essa delimitação. Teremos pois sempre em vista a totalidade doadora de sentido nesta delimitação do
fenómeno da liberdade.
O texto B começa por fazer um comentário que simultaneamente se compreende dentro duma perspectiva
antropológica e duma perspectiva da história das ideias filosóficas. “Como a liberdade e a contingência podem coexistir
com a série de causas e com a previdência divina é uma das mais antigas preocupações da raça humana.” Este labirinto da
mente humana parece surgir irremediavelmente ligado a formas de determinação. Ora, o nosso intento é, exactamente,
o esclarecimento destas formas de determinismo implicadas pelo questionamento do que seja a liberdade humana ou o
seu âmbito efectivo.
A liberdade aparece imediatamente referida à série de causas do mundo natural. O ponto de vista de Leibniz sobre
o mundo físico descreve um mundo determinado pela relação de causalidade ou de causação entre dois fenómenos. Isto é,
segundo Leibniz os fenómenos sucedem-se de um modo tal que um provoca o outro, sendo que este existe pela
implicação da existência do outro.
Ora, esta referência contínua ao ponto de vista leibniziano deve precaver-se de ser mal interpretada. Não se
pressupõe aqui que um ponto de vista recrie um mundo à parte. Se uma Mónada e, por consequência, um ponto de vista é
um mundo à parte, isso não deve significar uma referência a qualquer coisa sem domínio público. Como veremos mais à
frente, o mundo à parte que cada Mónada é configura um mundo próprio que é o seu, em propriedade e
originariamente. Contudo, faz parte dos fenómenos percebidos como parte do mundo físico que venham acompanhados
duma referência à totalidade do universo. Esta referência é fundamental. Esta referência é a publicidade dos fenómenos,
isto é, é o carácter dos fenómenos que nos aparecem referidos a um ponto de vista geral. Os fenómenos com que nos
deparamos vêm ao nosso encontro com essa referência própria que remete para um ver geral (o que eu vejo, vejo-o
como visível – que pode, em princípio, ser percebido por qualquer um). E isto independentemente da questão
epistemológica acerca da existência das coisas fora de mim4
. O mundo que cada um é, constituído como ponto de vista,
é, antes de mais, um mundo próprio de percepções, percepções que constituem a proximidade. Esse mundo familiar, o
mundo que cada um habita em propriedade, de tal modo que se identifica com o seu mundo (a Mónada é o seu mundo),
configura a proximidade das coisas (cada mundo é um ponto de vista). Entretanto, esta proximidade não exclui o resto. A
Mónada, o mundo que cada um é, o ponto de vista e que cada um se projecta a si mesmo no mundo que o constitui,
reflecte a totalidade do sistema de Mónadas. O domínio próximo que cada um habita em propriedade, isto é, o domínio de
familiaridade refere-se constitutivamente à totalidade do sistema de Mónadas e, por inerência, à totalidade de sistemas de
mundos. Aqui encontramos a âncora da publicidade sobredita, mas também a âncora que nos permite dizer que um
ponto de vista não é um sujeito isolado no sentido solipsista. O domínio de familiaridade configura, deste modo, o ponto
de vista no próprio olhar em que este se projecta sobre o que desconhece (sobre o que não apercebe, sobre o que não
percebe senão confusamente). Isso que escapa ao seu olhar apercebido (consciente) não é, de facto, algo sobre o qual não
possamos dizer nada. O que desconhecemos, o que dizemos ignorar, não é algo sobre o qual não possamos dizer nada.
Aquilo que não sabemos e que, portanto, procuramos, é algo que à partida se configura a partir dessa referência que
procede do domínio familiar para se referir à totalidade. Na medida em que cada mundo espelha o universo, é em todo o
lado como aqui.
Assim, quando nos referimos ao ponto de vista de Leibniz, não queremos com isso dizer que se trata de uma
fábula de Leibniz. Pelo contrário, partimos do princípio que o seu ponto de vista reflectia e se reflectia na mesma
totalidade de sistemas que o autor deste estudo reflecte e em que se reflecte. Portanto, usando as palavras comuns e em
4
DM, 53.
Liberdade, possibilidade e determinismo em Leibniz Luís Mendes Seminário
Introdução -3-
sentido comum, para que nos façamos entender em palavras de todos-os-dias5
, partimos do princípio que Leibniz não
inventou um mundo que coubesse nas suas teorias, mas que desenvolveu uma explicação para o mundo.
Aqui percebemos que a noção de Mónada não deve ser lida de maneira imediata. Uma Mónada, sendo simples e
una, é complexa e múltipla. Sobre este tema, Leibniz escreveu profusamente. Aliás, esta matéria faz parte dos pontos
cardeais que servem de argamassa ao seu sistema. No entanto, não entrando ainda nas suas obras que atrás considerámos
propriamente de sistema, atemo-nos aqui ao escrito específico Novo sistema da natureza e da comunicação das substâncias6
.
“É necessário afirmar que Deus primeiro criou a alma, ou qualquer outra unidade real, de tal modo que tudo nela origina-se de
sua própria natureza, com uma perfeita espontaneidade quanto a si mesma e ainda com uma perfeita conformidade a coisas fora dela”7
.
Não há, portanto, nenhuma comunicação efectiva entre substâncias, embora no uso corrente da linguagem esse seja
o nome que lhe demos. Comunicação é uma palavra que usamos para designar esse fenómeno da simultaneidade das
ocorrências concordantes no interior de cada substância. Esta elucidação vale para qualquer substância, portanto, vale também
para as substâncias a que chamaremos almas. De resto, a alma mais não é do que a substância central dum corpo que
perfaz uma totalidade. Esta totalidade é ela mesma indestrutível (a morte não é entendida como uma separação entre
alma e corpo em que este seria destruído e aquela mantida). A alma é uma substância individual particular, ou seja, uma
Mónada específica, característica dos seres reflexivos8
.
Na realidade, então, as substâncias foram de tal modo criadas pela Substância Suprema (Deus) que, enquanto
existem, tudo o que no seu interior ocorre tem origem no seu próprio interior (espontaneidade). Por outro lado, cada
substância é um espelho do Universo e se, assim, é um mundo inteiro, é também um reflexo da totalidade do universo.
Ou seja, o interior duma Mónada reflecte a totalidade das Mónadas. Cada Mónada foi criada com uma tal forma (evitando
utilizar já a noção de constituição) que durante a sucessão de ocasiões no seu interior (existência), essa sucessão puramente
interior reflecte perfeitamente a sucessão de ocasiões que ocorre no interior de cada Mónada do universo. Assim a
aparência para as Mónadas capazes de pensamento, que dão conta de si mesmas, é a de que existe comunicação entre as
Mónadas. Esta comunicação é portanto uma explicação prática, segundo o uso habitual das palavras, e pode manter-se
desde que previamente esclarecida.
Tudo o que ocorre no nosso interior exprime o universo. Nesse sentido, pareceria que as nossas percepções, claras
e distintas ou confusas e indistintas, apercebidas9
ou não, seriam o resultado da sucessão das causas exteriores. Assim, a
nossa vontade e as nossas acções seriam um efeito do exterior entendido como causa. A liberdade seria, então, uma
aparência proporcionada pelo facto da nossa apercepção se iniciar em nós10
, como não poderia deixar de ser. Nós,
enquanto espelho, somos, propriamente falando, o reflexo. Tal como nunca poderemos ver o espelho por detrás do
reflexo, também não podemos ver o nosso ponto de vista por detrás do reflexo. Somos imagem do mundo e, como tal,
5
O próprio Leibniz, depois de esclarecer as coisas com rigor, recorre ao uso vulgar das palavras. Este uso perde em especificidade, mas não perde em
rigor, pois ganha o seu próprio rigor a partir da explicitação que o antecede.
6
Também disponível no endereço atrás referido, este texto não é incluído em anexo por não recorrermos frequentemente a ele.
7 Novo sistema da natureza e da comunicação das substâncias.
8
Habitualmente, Leibniz não entende que a alma seja simplesmente a essência animal, por assim dizer. O que caracteriza a alma não é a simples
animalidade, mas a reflectividade. Trata-se de uma parte do universo que consegue aperceber-se de si e do universo (note-se que a apercepção
de si implica sempre a apercepção do universo, e a apercepção do universo implica sempre a apercepção de si). Na imagem que se apercebe da
imagem ocorre, portanto, uma inflexão, tal como quando colocamos um espelho frente a outro espelho, gerando uma referência infinita
peculiar que converte a espontaneidade em liberdade.
9
As percepções podem ser apercebidas ou não, ou seja, há percepções que não notamos, e outras que notamos. Notar significa, em Leibniz,
aperceber. Por vezes cortamo-nos e não damos conta disso, não notámos o corte. Ora, podemos pensar que existiu dor, mas que não demos por
ela. Então, não foi apercebida. Em rigor tudo o que existe é percebido, mais ou menos confusamente. Leibniz entende que existe um limiar da
a aperceptibilidade, da notabilidade, isto é, há um limite de confusão para lá do qual não notamos as coisas, apesar delas estarem em nós. O
universo está totalmente em nós, mas essa totalidade não é absolutamente apercebida. Só porque tudo está em nós podemos aprender coisas
novas, descobrir coisas nunca vistas, inventar coisas ainda não imaginadas – tudo isto acontece porque se trata de um desbravamento, de um
des-encobrir, de um fazer luz sobre, de um esclarecer. Além disso, tudo aquilo que notamos refere a totalidade; o domínio familiar espelha a
totalidade. Deste modo, o ponto de vista tem uma forma de olhar o desconhecido que lhe é constitutiva. Como dissemos, o ponto de vista
projecta-se a si mesmo sobre o que lhe é, ainda, oculto. Essa projecção pode esclarecer-se da seguinte maneira: é em todo o lado como aqui.
10
Tal como um espelho consciente de si mesmo e cujo foco dessa consciência visa um espelho.
Liberdade, possibilidade e determinismo em Leibniz Luís Mendes Seminário
Introdução -4-
vemos a partir desses olhos que são já parte do reflexo. A liberdade parece surgir como uma ilusão proporcionada por
essa limitação óptica.11
Contudo, as divagações anteriores permitem-nos uma amplitude diferente. Enquanto espelho do universo cada
um dos humanos é, primeiramente, uma Mónada sem janelas. Não é a liberdade mas a causalidade que é uma ilusão
provocada pela nossa forma original, criada por Deus à imagem do universo. Ora, sendo que todas as substâncias foram
deste modo criadas, à imagem da totalidade das substâncias, é evidente que o que se origina em cada um reflecte de tal
modo o exterior que gera a ilusão de comunicação, causalidade ou causação entre substâncias12
.
Ora, isso significa que os fenómenos que ocorrem em nós têm origem na nossa natureza13
e que são consequências
do nosso ser, ocorrendo em ordem ao mundo que está em nós, exprimindo o universo em conformidade com essa
ordem total que presidiu à criação de todas as Mónadas individualmente consideradas. Daqui resulta uma outra forma de
determinismo que pode ser percebido no sistema de Leibniz. Se o que ocorre em nós resulta da visão de Deus acerca da
totalidade das Mónadas, visão que resulta na criação individual das Mónadas de tal modo que cada ocasião14
no seu interior
foi prevista, isto significa que cada substância é um mundo isolado, próprio e auto-suficiente cujo desenrolar ontológico15
foi
previamente visto por Deus. Este pré não deve aqui remeter para uma leitura cronológica da categoria divina. A visão de
Deus é a-temporal por definição, isto é, Deus apercebe a totalidade do universo de um só golpe. E esta visão não deve
remeter para categorias empíricas, mas puramente intuitivas e a priori (a totalidade é apreendida de uma só vez, sem
mediação, e, para dizê-lo em linguagem humana, antes de todos os tempos).
A presciência16
, a sabedoria prévia de Deus, a visão prévia de cada mundo e da totalidade dos mundos (universo)
não deve aqui ser descarnada do seu sentido teológico, tal como acima anotámos. Contudo, esta advertência não basta a
Leibniz.
11
Este uso do campo semântico de espelho é muito comum na Escolástica e reflecte-se, como não poderia deixar de ser, nos primeiros filósofos
que pretendem escapar da influência da metafísica medieval. Leibniz é um destes filósofos.
12
Ver DM, 55 e Mona. art. 51.
13
Natureza tem, para Leibniz, o sentido de essência, de noção. Não se entende natureza no sentido contemporâneo, devedor do romantismo, de
natureza humana. De algum modo a natureza de cada um é o seu modo de ser. Daí que Leibniz fale da natureza de cada Mónada. Uma análise
mais aprofundada levar-nos-ia a dizer que a natureza de cada Mónada compreende não só a totalidade da sua existência (dos possíveis que ela
escolheu para existirem, mas a totalidade das suas possibilidades, quer venham a existir alguma vez, quer não.
14
Uma ocasião não é simplesmente um instante cronológico, mas um momento de abertura de possibilidades da própria existência. Não é um
simples instante parado ao qual seguirá um outro. É um momento do fluxo contínuo que a apercepção prefigura e que prefigura a totalidade
da Mónada. A alma, pelo movimento livre da vontade, deve, então, identificar-se com existência. Cada um é a totalidade da sua existência.
Obviamente, o novelo ontológico gerado pela compreensão de cada um como espelho do universo, implica também que cada um seja a
totalidade da existência em geral. Note-se que, uma análise lógica levar-nos-ia à conclusão de que, cada escolha feita implica a totalidade do
universo. Em cada escolha que cada um faz compromete-se a existência da totalidade do universo. Uma escolha diferente pressuporia um
diferente universo. Um mundo em que o autor deste estudo resolvesse não o fazer, implicaria que o universo existente (nessa hipótese) não
fosse tal e qual este que existe. A minha escolha implica a totalidade.
15
Na medida em que, pelo que já se foi dizendo, a existência de cada um ressai do ser de cada um. O ser de cada um compreende o desenrolar
fáctico da existência. Cada fenómeno da existência, cada momento de vida na vida de César está implicado pelo seu ser. O ser de cada um é a
totalidade da vida de cada um.
16
A Presciência trata-se de um saber das coisas antes das coisas acontecerem. Não se trata de um simples cálculo, mas uma detenção em absoluto,
em propriedade. Não se trata de um saber indirecto como o que nós podemos ter se ouvirmos alguém dizer que vai fazer isto ou aquilo.
Também não se trata de um cálculo, como na meteorologia. A Presciência divina significa uma detenção em próprio de todo o saber, de todas as
verdades acerca de todas as coisas. Esta presciência não é, sob nenhum aspecto, empírica ou mediata, mas detida por anterioridade. Note-se
que o Pré-, em todos os fenómenos a que nos referimos, tem uma conotação absolutamente formal, isto é, refere-se à própria constituição,
neste caso, da sabedoria divina. A sabedoria divina é, constitutivamente, anterior. Isto significa que esta anterioridade não faz, na verdade,
nenhuma referência cronológica. A sua forma é a anterioridade. Não se trata, pois, de ser produzida um ou dois segundos antes disto ou
daquilo, mas de ser, por definição, anterior ao tempo e, consequentemente, anterior a qualquer categoria temporal. A alma, enquanto imagem
de Deus, é constitutivamente constituída por algo semelhante a esta presciência. Mas a sua natureza presciente à sua medida. Mas a alma recebe
desta pré-sabedoria o seu próprio modo de ser pré. Deste modo, a determinação do sentido de cada ocasião depende das possibilidades que
dessa ocasião são arrancadas, que essa ocasião abre. O sentido da vida é determinado, de cada vez, da abertura de possibilidades enraizada nesse
próprio a cada vez (facticidade). A incontornabilidade do agora, do viver a cada vez, é o próprio atraso de cada um relativamente a si mesmo, na
medida em que o seu sentido e, por consequência, o seu ser é assim determinado, constitutivamente, enquanto possibilidade. O paradoxo que
daqui resulta, a saber, a anterioridade da possibilidade relativamente à existência, não é de facto um paradoxo, na medida em que este pré é
meramente formal, isto é, sem referência a nenhuma categoria cronológica.
Liberdade, possibilidade e determinismo em Leibniz Luís Mendes Seminário
Introdução -5-
A presciência é um problema da tradição cristã que tradicionalmente costuma ser mitigado pelo factor de
eternidade. Ou seja, habitualmente dissolve-se a sensação de determinismo (ou fatalismo) que deriva da noção de
presciência (Predeterminismo), nesse prefixo que indica a ausência de tempo. Então, o pré divino, enquanto abdicando
por essência de qualquer anterioridade cronológica, na medida em que é a ausência de uma apercepção temporal,
apresenta uma visão pura, eterna (um ponto de vista absoluto, o mundo que é todos os mundos) que, obviamente, não
cabe já nessa série de fenómenos em que ocorre a relação de determinação de um fenómeno por outro.
Ora, segundo Leibniz a presciência divina é, de facto, atemporal e, nesse sentido, não se lhe pode tornar a culpa
dos nossos actos. Assim, o acto voluntário de alguém, antes de ter lugar, não existe ainda. Não existe, embora Deus saiba
certamente que ele vai ocorrer. Mas o ponto aqui é antropológico, ou melhor, fenomenológico e não propriamente
teológico. O que importa aqui a Leibniz é que um segundo antes de agir o acto é desconhecido do agente.17
O argumento de que “se Deus sabe de antemão todas as minhas acções, então as minhas decisões estão, a bem
dizer, já tomadas e, nesse caso, não são propriamente minhas, mas de Deus que assim decidiu o mundo do qual faço
parte” é um argumento vazio, de um qualquer ponto de vista humano. Isto porque a presciência divina nada decreta,
apenas prevê. Mas, se se afirmar que essa previsão é para as criaturas uma predestinação, então resta dizer que a vontade
divina determina mas não necessita. Ou seja, não se pode dizer que sendo exterior Deus não comunica com a Mónada.
Deus é o único objecto externo que afecta a nossa alma, aliás, toda a afecção da nossa alma resulta da influência divina
(vemos todas as coisas através dele)18
. Mas, por outro lado, também não se pode dizer que a decisão divina necessita a
nossa decisão. Um segundo antes da decisão a nossa alma ainda não tem uma escolha, ainda são possíveis várias escolhas e
tem que ser, efectivamente, a alma a tomar a decisão. Essa decisão não decorre, no domínio das coisas humanas, da
vontade divina (pois esta explicação, por última e primeira que é, nada explica). A escolha ainda por fazer também não
pode ser demonstrada matematicamente antes de ser tomada. Ora, se a decisão estivesse necessitada (não dependesse da
decisão da alma), então haveria de se poder demonstrar recorrendo ao princípio da contradição. Contudo, qualquer
tentativa de fornecer uma tal demonstração apenas demonstrará à saciedade o contrário: que a decisão não está
necessitada e que, para se saber qual a escolha possível que se tornará existente, se terá de esperar pelo momento em que
a vontade se pronuncia19
. Só depois de tomada a decisão a escolha (prevista por Deus) se torna evidente.
Note-se que com isso Leibniz não está a afirmar que, apesar de a nossa decisão já estar tomada necessariamente
antes do momento da nossa vontade se decidir, nós estamos livres porque ao nos decidirmos tomámos a nossa decisão à
margem de uma coação. Pelo contrário, para Leibniz, a coação é indiferente. A coação é indiferente para aferir da
liberdade humana devido à não indiferença da vontade. Leibniz recusa a possibilidade da indiferença da vontade, ou, pelo
menos, recusa a possibilidade de uma escolha em estado de indiferença, o que, na prática, significa a recusa de que seja
17
Ver DM, 74.
18
Como se pode ver em DM, 72.
19
Aqui não podemos deixar de fazer um reparo contemporâneo. A indústria da sétima arte ajuda a ilustrar e a tornar compreensível, a partir de
um apoio empírico ou experimental, esta tese. Veja-se o filme Relatório Minoritário. Nesse filme, as técnicas forenses permitem à polícia
antecipar os crimes mais graves. A polícia sabe quando um cidadão vai decidir executar um homicídio. O curioso é que os homicidas que ainda
não mataram, em grande parte dos casos, recusam a ideia de que iriam matar. A pergunta surge-nos: como podemos saber se eles iriam de
facto matar? Mas os homicídios foram praticamente eliminados. Este dado estatístico fornece alguma base de apoio para acreditarmos que o
método funciona. Contudo, imaginemos o acusado: o réu é acusado antes de matar. Assim, a maior parte dos casos são passionais, pois os casos
ponderados, os homicídios premeditados, deixaram de ser uma opção (por razões óbvias: são imediatamente previstos pela polícia). Por outro
lado, um futuro-homicida, estando junto à esposa apanhada em flagrante traição, empunhando uma arma, apontando-a à traidora, recusa que
fosse matar. Mas é, sobretudo, o caso principal do filme que aqui me interessa. O chefe da polícia de pré-conhecimento é acusado pela técnica
forense que o implica num futuro homicídio de alguém que ele nem conhece. Recusando a ideia de se vir a tornar homicida envereda por uma
fuga que o leva ao local previsto para o crime. Aí desenrolam-se todas as circunstâncias previstas, circunstâncias que inclinam o protagonista a
premir o gatilho. Por momentos ele julga-se necessitado, sem escolha, pois o homicídio havia sido previsto. Mas foi aí, nesse momento de
conflito entre o que sabia ser uma previsão e o momento existencial, fáctico (incontornável) da decisão que ele percebeu: a decisão só estaria
tomada quando ele a tomasse. Note-se que o tomar conhecimento da previsão se torna um factor decisivo da decisão. Podemos dizer que, se
alguém toma conhecimento de uma decisão sua futura, essa decisão passa a ser um condicionante da decisão futura efectiva. Isto é, teria que
existir uma actualização da previsão que tivesse em conta esse conhecimento. Obviamente que, se essa actualização fosse também ela
transmitida ao agente, seria necessária uma nova actualização. Este processo é infinito. Ou seja, conhecer uma decisão futura é abrir de novo o
processo, por assim dizer. Deste modo podemos afirmar que, se Deus nos revelasse as nossas decisões futuras, essas decisões não estariam, de
facto, predeterminadas, pois poder-se-ia decidir sobre elas. Claro que, uma vez que Deus é absoluto conhecimento, o seu conhecimento
levaria em conta, também, este facto. Então, como se vê, entra aqui um vector paradoxal. A previsão última e irreversível não pode ser
revelada pois, ao ser revelada, deixa de ser irreversível. O vector paradoxal é, precisamente, a revelação da previsão. Por outro lado, a não
revelação significa que só se sabe a escolha depois da decisão.
Liberdade, possibilidade e determinismo em Leibniz Luís Mendes Seminário
Introdução -6-
possível ser-se livre e indiferente. A liberdade pressupõe escolha, escolha pressupõe decisão, a decisão só pode ocorrer
no caso em que uma das escolhas inclina a vontade em maior grau. A inclinação da vontade segue a perfeição. O mesmo
é dizer que só existe liberdade quando em causa está a decisão entre duas ou mais possibilidades sendo que, entre elas,
existe uma cuja perfeição leva à rejeição da existência das restantes. Assim, mesmo em circunstâncias de coação não se
pode negar a liberdade humana (devido à coacção). Isto significa também que, apesar de uma das escolhas oferecer muito
prazer20
e felicidade aparente, o agente pode sempre se decidir pela outra que, porventura, pode ser mais perfeita (na
realidade). Para Leibniz esta realidade não mostra a indiferença da vontade perante as escolhas possíveis. Existe liberdade
se existem vários possíveis em consideração. Um possível tem sempre alguma realidade, isto é, algum grau de perfeição.
A vontade, se é livre, deve ser indiferente à necessidade (isto é, deve ter o poder de agir diferentemente), deve poder
inclinar-se para o que julga mais perfeito21
.
A vontade não é indiferente. Mas este tópico insere uma dificuldade que as teorias da indiferença evitavam ou
pretendiam evitar ao propor essa indiferença. Essa dificuldade pode traduzir-se assim: podemos então afirmar que não
existe liberdade onde a vontade é determinada por uma inclinação. Esta dificuldade é poderosa e assaz esgrimida na
história das ideias filosóficas. Mas pouco tem que ver com o sistema de Leibniz. A abordagem ao sistema de Leibniz, por
despreocupada que seja, facilmente encontra referências à espontaneidade substancial. A espontaneidade substancial
erradica, logicamente, a necessidade da inclinação22
.
A não indiferença da vontade mais não significa que dizer que uma vontade não pode ter uma vontade, pois, nesse
caso, a referência seria ao infinito23
. De resto, Leibniz concebe a vontade como conatus24
, como tenção para, como esforço
de, como intenção. Trata-se de uma ligação. A vontade não pode, pois, ser vazia. Não pode haver uma selecção sem um
princípio de preferência.
A espontaneidade da substância implica, pois, uma existência em referência circular. Isto é, tudo o que lhe
acontece durante a vida surge de si mesma. Na acepção mais própria das palavras, a vida de cada um nasce da sua própria
natureza. Assim, as decisões são, também elas, próprias. Espontâneas. Sem qualquer ingerência. A nossa vontade é, pois,
independente de tudo quanto não é ela. Deste modo, a inclinação para a perfeição, a vontade de perfeição (conatus) deve
ser compreendida tendo em atenção os seguintes aspectos. Antes de mais, qualquer possível em consideração é,
enquanto está em consideração, uma percepção da alma. Essa percepção pode, com efeito, ser apercebida confusamente
e confundir a alma. Assim, a alma pode errar por erro, digamos assim. Aquilo que aparentemente é mais perfeito pode
não o ser (“a nossa vontade tenderia sempre para o bem aparente”25
).
Não pode a alma, neste particular, afirmar-se necessitada por um conjunto de razões? O facto de a sua vontade se
encontrar inclinada, o facto da sua apercepção a iludir ou enganar parecem necessitar a decisão. Admitindo-se a
inclinação (que não resulta duma opção da alma, a alma não escolheu ser atraída pela perfeição), e admitindo-se o ponto
de vista (a alma, enquanto reflexo do universo é um mundo possível, uma visão desse universo, a alma não escolhe o seu
20
Ver Novos Ensaios sobre o Entendimento Humano , doravante referido como Ensaio, seguido da paginação (a edição é a referida na Bibliografia).
Ensaio, 109-110. A indiferença deve ser definida propriamente como a ausência de apercepção de prazer ou dor. Uma percepção indiferente é
aquela que não é acompanhada de nenhum prazer nem dor (em sentido geral como sentimento de perfeição ou de ausência dela). Ora, é certo
que não há nenhuma percepção absolutamente indiferente, mas aplica-se este adjectivo às percepções cujo efeito não é notável (cujo prazer ou
dor resultantes não são notáveis pela alma). Note-se, portanto, que a indiferença e a ignorância são afinal a indistinção e a confusão das
percepções.
21
DM, 74.
22
Ensaio, 135: “Ser determinado ao melhor é ser maximamente livre”; “… a escolha, por muito determinada que a vontade esteja a seu respeito,
não deve ser chamada necessária absolutamente e em rigor; a prevalência dos bens inclina sem necessitar, se bem que, tudo considerado, essa
inclinação seja determinante e não deixe nunca de produzir o seu efeito”. Esta escolha inclinada é a essência da liberdade e jamais um jugo: “Se
a liberdade consiste em sacudir o jugo da razão, os loucos e os insensatos serão os únicos livres, mas não creio, porém, que pelo amor de uma
tal liberdade alguém quisesse ser louco, salvo aquele que já o é.” Kant viria a perceber a importância deste ponto teórico para uma
fundamentação da moral.
23
A, 2 e 3.
24
Conatus. De conor – empreender, esforçar-se, ensaiar, tentar; esforço, ímpeto, impulso, tendência, inclinação, empenho.
25
DM, 74.
Liberdade, possibilidade e determinismo em Leibniz Luís Mendes Seminário
Introdução -7-
ponto de vista na medida em que este é a sua forma), então a decisão resulta, supõe-se, matematicamente da sua soma. A
resposta de Leibniz é mais clara do que nós poderíamos ser: “depende da alma precaver-se contra as surpresas das
aparências”26
. O ponto de vista (a substância) é sempre verdadeiro. A inclinação é sempre boa27
. O erro28
, pois, está no
olhar que deve precaver-se, tematizar-se29
e não o fez convenientemente. Este poder de precaver-se deve ser usado
invariavelmente no seu melhor proveito e a responsabilidade do uso incorrecto ou incauto desse poder cabe à alma.
Essa precaução que a alma deve tomar vem apenas asseverar a tese segundo a qual “todos os nossos fenómenos,
tudo aquilo que pode alguma vez acontecer-nos, mais não são do que consequências do nosso ser”. Ora, isto significa
apenas que o mundo está em nós. Não precisamos de receber estímulos de fora. O mundo está dentro de nós30
. E é com
esse mundo que contamos para os nossos cálculos e para julgar do futuro pelo passado. Ora, esta pertença do mundo a si
refere a espontaneidade dos fenómenos relativamente à substância. Todos os fenómenos que a alma percebe e/ou dos
quais se apercebe nascem espontaneamente (sem outra causa) de si própria. Todas as suas decisões são, portanto,
incondicionadas se, por condição, se entender um requisito exterior à alma. Nas substâncias inteligentes a
espontaneidade é liberdade que, neste sentido, mais não é que a apercepção de si próprio como causa. Por outras
palavras, a liberdade é a consumação da alma como espelho propriamente dito, na medida em que espelha a divindade,
causa suprema e espontaneidade pura.
Ora, aqui surge-nos uma nova objecção. Deus, ente no qual tudo é espontâneo, é também o ser necessário por
excelência. A existência necessária está aliada à vontade livre, e ambos em grau supremo.
Qualquer objecção deste género não é uma objecção de facto nem de direito, posto que ela própria se responde.
Em Deus a existência é absolutamente necessária, e a vontade divina é supremamente livre. Ora, o que questionamos é,
precisamente, a liberdade da vontade (por oposição à necessidade da vontade). A necessidade da existência (que se opõe
à contingência) em nada impede a liberdade da vontade31
. De resto, mesmo que impedisse, nada daí se inferiria para as
criaturas, visto não ser a existência de nenhum ser criado necessária32
. Nenhuma alma criada é tal que a negação da sua
existência resultasse em contradição. Todas as existências limitadas, na medida em que não abarcam a plenitude, a
perfeição total, são simplesmente contingentes, isto é, a sua coexistência com Deus é possível mas não necessária (pois,
como é óbvio, Deus, substância necessária por princípio, existe independentemente da não existência de qualquer das
suas criaturas)33
.
26
Ensaio, 135, “… a mais alta perfeição de um ser inteligente consiste em se aplicar cuidadosa e constantemente à procura da verdadeira
felicidade, assim, também o cuidado que devemos ter para não tomar por uma felicidade real a que é simplesmente imaginária…” este cuidado
é o fundamento mesmo da nossa liberdade. A liberdade, com efeito, seria vácua se a alma não detivesse este poder de cuidar de si.
27
E é, como se viu, uma condição para a liberdade.
28
O erro consiste em tomar por felicidade real uma felicidade apenas aparente. Resulta das nossas percepções confusas (note-se que a ignorância
mais não é do que a confusão das percepções uma vez que o autor sustenta que cada substância contém o mundo inteiro). A possibilidade do
erro, em si mesma, é boa na medida em que segue uma necessidade operativa, prática. Praticamente convém que a alma possa decidir-se em
tempo útil. Ensaio, 111, “o autor infinitamente sábio do nosso ser agiu para nosso bem, quando fez de maneira que estejamos muitas vezes na
ignorância e em percepções confusas: para que possamos agir mais prontamente por instinto e para não sermos incomodados por sensações
demasiado distintas, relativas a muitos objectos, de que nos esquecemos por completo e que a natureza não pôde dispensar para alcançar os
seus fins.” É claro, umas linhas a baixo, ao afirmar que se tivéssemos os nossos sentidos mais aperfeiçoados do que temos isso nos traria
demasiados inconvenientes. Temos o olfacto e a visão que nos é conveniente. A margem de erro que lhes cabe é a melhor tendo em conta a
nossa finalidade (procura da felicidade, procura da perfeição).
29
Tematizar é, antes de mais, considerar – uma concentração do ponto de vista. A esta concentração podemos chamar atenção. Este esforço de
concentração do ponto de vista é dirigido pelas necessidades da vida. Cf. Ensaio, 56.
30
DM, 53.
31
Pelo menos, em abstracto. A consideração desta objecção em termos dos seus pormenores far-se-á, tacitamente, mais à frente ao se mostrar a
possibilidade da liberdade.
32
É possível conceber-se um Deus necessitado sem negar a liberdade humana. Há, de facto, quem defenda que Deus escolhe necessariamente a
perfeição e, simultaneamente, defenda que o humano é livre. Contra esses também Leibniz escreve. Essas considerações também se farão mais
à frente.
33
A haver uma substância necessária, qualquer outra substância necessária é necessária se a sua não coexistência com a primeira implicar
contradição, pois, dada a sua necessidade a primeira não pode ser negada sem contradição. Assim, sendo Deus o criador incriado e necessário,
a haver outra substância necessária, a existência desta ter-se-ia que derivar da existência de Deus, dado que esta foi já asserida. Obviamente, a
existência de Deus tem também de ser derivável da existência dessa outra (o que não coloca nenhuma dificuldade, uma vez que a existência de
Deus se deriva da existência de qualquer outra substância). Uma análise mais demorada haveria de mostrar que uma qualquer existência
Liberdade, possibilidade e determinismo em Leibniz Luís Mendes Seminário
Introdução -8-
necessária tem que ser absolutamente coexistente com Deus, isto é, tem que ser Deus. Daí derivar-se-ia que é necessário que a única substância
cuja existência é necessária é Deus (qualquer substância necessária é Deus).
Liberdade, possibilidade e determinismo em Leibniz Luís Mendes Seminário
Da possibilidade da liberdade -9- Cap. I
S e c ç ã o 2
CAPÍTULO I – DA POSSIBILIDADE DA LIBERDADE
Depois de ter notado a importância do problema em causa, Leibniz, no Sobre a Liberdade de 1689, comenta uma
das aparências que podem resultar das suas teorias34
. Em linhas gerais, traça um quadro para um leitor possível. Esse
quadro apresentaria Leibniz como necessitarista e fatalista.
A primeira confusão surge da sua tese segundo a qual “nada acontece por acaso ou acidente”, ou “tudo acontece
por uma razão”. Esta tese é por ele afirmada ao longo de toda a sua obra, nos seus mais vários escritos. Em DM, 42,
podemos encontrar uma formulação interessante tal que nada acontece no mundo que seja absolutamente irregular, nem sequer
se poderia ficcionar nada assim. Mas citamos aqui o princípio claramente expresso e explicado em Princípios da Natureza e da
Graça35
, 25: “… nada se faz sem razão suficiente, quer dizer, que nada acontece, sem que seja possível àquele que
conhecesse bem as coisas, dar uma razão que baste para determinar por que é isso assim e não de outro modo.”
Ora, como Leibniz bem aponta, dessas considerações resulta um certo necessitarismo. Isto é, fica-se com a ideia
que Leibniz considera que tudo está necessitado e que, portanto, ou não existe liberdade ou, se existe, se trata duma
liberdade derivada, por assim dizer (uma liberdade fenoménica, isto é, reduzida à apercepção de poder decidir-se a si
mesmo sem coação). Mas deverá o fenómeno da liberdade ser reduzido a esta apercepção de ausência de coação? Para
Leibniz, não.
Em ordem a demonstrar que a ordem dos acontecimentos não está necessitada, apesar de para tudo se poder
encontrar uma razão e nada acontecer por acaso, Leibniz procede a uma análise lógica. Sendo que há possíveis que nunca
existiram, não existem e não existirão, então há, necessariamente, possíveis que existem sem serem necessários, pois em
vez deles poderiam existir esses possíveis que não existem. Portanto, apesar de nada acontecer por acaso, o que acontece
é contingente.
O contingente é aquilo que existe sem que seja possível demonstrar a sua necessidade, apesar de se poder
demonstrar a sua certeza36
. O necessário é, pois, o que é demonstrável pelo princípio da contradição. A força da
necessidade implica que seja contraditório o seu contrário. Assim, um acontecimento necessário é tal que a sua não
ocorrência resulta numa contradição. Qualquer ser necessário é igualmente definido. Deus, por exemplo – e na série dos
fenómenos não existe qualquer exemplo – é necessário uma vez que, enquanto Criador Incriado e substância primeira de
todas as coisas, a sua não existência acarretaria contradição ao concluir pela não existência de mais nenhum fenómeno, o
que é manifestamente contraditório com a verificação de que existem coisas. Mas esta contradição é, por assim dizer,
sintética e, como tal, deve resultar numa identidade. Ou seja, a necessidade de Deus significa que não pode ocorrer que
Deus possa ser não existente (não é verdade que[Deus=não Deus]). Por outras palavras, a análise do conceito de Deus
implicará a sua própria existência (Deus=Deus; por análise de que Deus=Perfeição=Existência). A noção de Deus implica a
sua própria existência. A não existência de Deus é contraditória, resulta num absurdo (a possibilidade de um ser perfeito
que não existe)37
.
34
“Quando eu considerava que nada acontece por acaso ou por acidente (a menos que estejamos considerando certas substâncias entendidas por si
mesmas), que a fortuna diferenciada do destino é nome vazio, e que nenhuma coisa existe a menos que suas próprias condições [requisitis]
particulares estejam presentes (condições de cuja presença conjunta se segue, alternadamente, que as coisas existem) estive muito próximo à
opinião daqueles que pensam que tudo é absolutamente necessário, que julgam que é suficiente para a liberdade que não estejamos coagidos,
mesmo que estejamos sujeitos à necessidade, e próximo à opinião daqueles que não distinguem o que é infalível ou certamente conhecido
como verdadeiro, daquilo que é necessário.”
35
Doravante, PNG, seguido da paginação. A edição é a indicada na Bibliografia.
36
Há aqui uma diferença fundamental entre o certo e o necessário. Habitualmente, Leibniz confina o uso da demonstração ao necessário. No
entanto, em A, 1, Leibniz admite uma forma fraca de demonstração como um mostrar certo. Entretanto, cabe elucidar que ser certo difere de ser
necessário (o que é mostrado no caso da demonstração necessária).
37
Uma vez que Perfeição implica Existência. A necessidade dum ser necessário significa que a sua mera possibilidade implica a sua existência
necessariamente. Note-se que esta demonstração não é propriamente leibniziana. Leibniz aceita-a com a reserva de que não supre todas as
inquietações. Incluímo-la a título de exemplo.
Liberdade, possibilidade e determinismo em Leibniz Luís Mendes Seminário
Da possibilidade da liberdade -10- Cap. I
Ora, também as fábulas são possíveis, na medida em que posso pensar num carneiro a falar sem entrar em
contradição. Mas apesar disso, não existem carneiros falantes38
. Deste modo também a realidade existente que temos
perante nós não é mais do que um possível entre outros possíveis. A negação desta realidade existente não implica
contradição e, aliás, é perfeitamente imaginável que a sociedade humana que existe fosse substituída por uma sociedade
de carneiros falantes, a qual é possível e em nada contraditória em si mesma.
A contingência das coisas resulta de que a existências delas não é necessária em si mesma. A realidade existente
poderia ser diferente.
Não só a existência, mas também a verdade pode ser necessária ou contingente. Tentando delimitar os sentidos
dos termos com a máxima precisão, Leibniz procura apreender claramente o uso desses termos neste particular. As
verdades necessárias são bem diferentes das contingentes. Então, cumpre-se esclarecer a sua ideia, isto é, tornar essas
ideias claras e distintas.
É comum a qualquer verdade que o predicado esteja no sujeito. Por outras palavras, que a proposição verdadeira
assira uma identidade. É essa a fonte da infalibilidade e, a bem dizer, da demonstração: que o predicado seja contido pelo
sujeito.
Leibniz nota aqui que, ao invés de resolver o problema, parece estar a escavá-lo mais e mais. Como é possível que
se retire o predicado do sujeito sem que este se mude noutra coisa? Ora, se isto não for possível, então toda a verdade se
mostrará necessária39
.
As formas de identidade, os seus modos de enunciação e as dificuldades inerentes foram largamente estudadas
pelo autor40
. Entretanto, essa infalibilidade é distinta conforme se está a falar de Deus ou da criatura. Qualquer verdade
se mostra infalível perante Deus, mas apenas uma certa infalibilidade se mostra às almas humanas. As verdades cuja
demonstração se estende ao infinito não são captáveis pelo intelecto humano. Da mesma forma, não podem ser reduzidas
a uma identidade imediata (x=x), precisamente porque a análise se estenderia ao infinito. Estas verdades não redutíveis a
uma identidade imediata são verdades contingentes (pois, no que nos diz respeito, poderiam não ser verdade). As
verdades que são imediatamente redutíveis a uma identidade são proposições inter-definíveis (12=6x2) e, portanto,
necessárias (pois negá-las seria negar a própria definição dos termos, isto é, uma contradição). Do ponto de vista divino,
todas as verdades são necessárias porque Deus capta toda a série infinita num só golpe claramente distinguindo a identidade
imediata entre os termos.
Leibniz percebe que a noção de liberdade se relaciona com a de infinito. Assim, os dois maiores labirintos
humanos mostram-se como devedores do mesmo problema: a natureza do infinito.
A liberdade é da ordem do infinito, pois que a sua possibilidade está ligada ao contingente. A análise dos vários
sentidos de contingente levou à noção de infinito (série infinita).
S e c ç ã o 3
DO INFINITO
“Todas as criaturas têm gravadas em si um certo sinal da divina infinidade”41
. Cada criatura é um espelho, um
espelho que reflecte a totalidade do universo. Mas reflecte, primeiramente, a imagem de Deus. Deus, a substância
38
Leibniz rejeita que a matéria tome sucessivamente todas as formas possíveis. Como pode Leibniz saber que não existem tais carneiros? Ora,
Leibniz sustenta que é em todo o lado como aqui. O resto do universo não difere, segundo ele, do nosso horizonte de familiaridade, pelo
menos, formalmente.
39
Com consequências gravosas a resultarem da análise. Se toda a verdade é necessária, então toda a proposição verdadeira é uma identidade. Há
duas consequências analíticas. Ou há muito poucas verdades – apenas as identidades, apenas as necessárias. E/ou toda a proposição verdadeira
é percebida como tal. Ora, a primeira consequência resulta em contradição, pois é evidente que existem verdades não demonstráveis
matematicamente. A segunda é, igualmente, um absurdo, pois nesse caso eu poderia saber com certeza tudo aquilo que é verdade,
inclusivamente, conhecer todo o meu futuro.
40 Cf. DM, 74; Ensaio, passim.
41
A,1.
Liberdade, possibilidade e determinismo em Leibniz Luís Mendes Seminário
Da possibilidade da liberdade -11- Cap. I
primeira, origem de todas as outras, é a Vontade supremamente livre, absolutamente espontânea (Deus deseja o Bem
porque quer). As Mónadas individuais, as almas são, portanto, à imagem de Deus, unas, espontâneas, livres, infinitas42
. É
importante delimitarmos o sentido deste infinito.
Em toda e qualquer porção de matéria se encontra uma infinidade de mundos (Mónadas)43
. Cada substância
individual, Mónada, actua sobre todas as outras e sofre as acções de todas as outras44
. Ou seja, cada substância, por mais
imperfeita que seja, contém o universo inteiro45
.
Qualquer verdade de facto, relativa às coisas individuais, depende de uma série infinita de razões (é explicada por
uma série infinita). Numa série infinita apenas Deus pode ver a infalibilidade de uma verdade contingente. Isto significa
que Deus conhece as verdades contingentes a priori, isto é, anteriormente à experiência, por pura intuição intelectual.
Leibniz distingue entre verdades originárias ou básicas e verdades derivadas. As primeiras são as imediatas46
,
evidentes, claras e distintas por si mesmas. São, portanto, segundo a nomenclatura acima, identidades (x=x). São deste
tipo as tautologias (afirmam-se a si mesmas ou negam a própria contradição). As verdades derivadas são mediatas, não
são sempre evidentes por si próprias e a análise pode levar ao infinito sem mostrar a sua infalibilidade à razão humana.
Então dividem-se em dois conjuntos: as verdades derivadas que podem ser decompostas numa série finita de verdades
originárias (x=y+z); e as verdades derivadas cuja análise, como se disse, se desenvolve infinitamente (x=y+z+…+n, em
que n=∞).
De acordo com a elucidação dada acima devemos considerar como verdades necessárias as verdades originárias e
as verdades derivadas finitamente decomponíveis47
. Então podemos dizer, em concordância com a noção de necessário
que apresentamos relativamente à existência, que uma proposição necessária é aquela cujo contrário implica uma
contradição.
A demonstração expõe a igualdade entre os termos da proposição (12=6x2=12). Ou seja, a demonstração revela
a coincidência entre sujeito e predicado, tal como disséramos atrás, evidenciando a identidade entre os termos da
proposição (12=2x2x312=2x612=12)48
.
Por seu lado, as verdades contingentes não são redutíveis a uma proposição básica ou verdade originária (tal como
não é possível completar a série de pi (π=3,14159265358979…), isto é, não é possível indicar a sua proposição
originária tal que os termos sejam idênticos49
. No entanto, para Leibniz, isso não significa que o predicado não esteja no
42
Apesar da finitude constitutiva do seu ponto de vista. As almas têm o infinito espelhado em si próprias, apesar de sobre si próprias deterem
constitutivamente um olhar finito (por condição, incapaz de abarcar a totalidade, o infinito).
43
B,2, “Na verdade, não há porção de matéria tão diminuta que não contenha um tipo de mundo de criatura, infinitas em número […]”
44
B,2. Note-se que esta linguagem segue o uso corrente. Nenhuma substância actua sobre outra ou sofre de outra o que quer que seja. Esse pathos
é meramente uma ilusão criada pelo facto de cada substância reflectir em si mesma o universo.
45
Confusamente. A alma contém em si, confusamente, a imagem do universo inteiro, de todas as coisas que tenham existido, que existam ou
venham a existir. E não apenas parcialmente, mas em sua noção completa. Se pudéssemos notar a totalidade do que somos, deter um
conhecimento absoluto do que somos, então conheceríamos o futuro, o presente e o passado de todo o universo e de todos os mundos que o
constituem. Por mundos não se entende universos. Para Leibniz existe apenas um universo (uma totalidade). Cada Mónada é um mundo. É
neste sentido que existem múltiplos mundos. São tantos os mundos quantos os pontos de vista, os quais se constituem, precisamente, desse
mundo que são.
46
Inatas. Uma verdade inata não é, necessariamente, um conhecimento inato. Isto, nem sempre, aliás, na maioria das vezes não se tematiza o que
é inato. Não se lhe presta atenção. A constituição dum ponto de vista teórico é a possibilidade de retirar do escondimento isso que está presente,
manifestando-se, mas não se mostrando enquanto tal.
47
Isto é, as verdades tautológicas (12=12), e as verdades redutíveis a verdades tautológicas (12=6x2). Isto é, as verdades necessárias são aquelas
em que os termos são inter-definíveis.
48
Importa referir que a demonstração pode passar por mostrar a inclusão da definição de um dos termos na definição do outro termo, tal como:
demonstra-se que um duodenário é senário decompondo 12 (duodenário) em 2x2x3 (binário, binário, ternário), sendo que o senário equivale
a 2x3 (binário, ternário), pois, então, um duodenário é, também, senário. Uma demonstração serve também para evidenciar as várias
formulações possíveis de uma proposição, ou para reduzir uma proposição derivada numa básica, tal como: 12=2x2x3, então 12=2(2x3); ou,
12=2x2x3, então 2x2x3=2x2x3, então 2(2x3)=2(2x3); ou, 7+7+3+4=4x7-7, 3x7=3x7, então 21=21. A demonstração elucida a
identidade de proposições derivadas de uma mesma verdade originária, tal como: 12/60; 18/90; 12/60=2/10; 18/90=2/10;
12/60=18/90 (note-se que ambas as fracções resultam em 0,2 ou 20%, isto é, são de facto o mesmo valor).
49
Isto é, π=3,14159265358979 não é exacto (na verdade, é falso). O valor de pi não é 3,14159265358979, pois a série está por completar. O
mais importante é que não é possível completá-la por ser infinita. Deus vê a identidade a priori, não porque veja o fim, o termo ou o último
número da série, o que seria uma contradição, mas porque Deus abarca a totalidade da série num só golpe.
Liberdade, possibilidade e determinismo em Leibniz Luís Mendes Seminário
Da possibilidade da liberdade -12- Cap. I
sujeito, mas significa que isso não pode ser demonstrado. Não se pode demonstrar a identidade entre os dois termos, pois não
é possível retornar uma unidade da série cuja análise se prolonga ao infinito. O importante aqui é notar essa
impossibilidade humana de prever a identidade. Não se pode demonstrar matematicamente a identidade entre sujeito e
predicado nas proposições verdadeiras não redutíveis a proposições originárias. Portanto, o infinito da criatura é um
infinito que a própria criatura não está em condições de esclarecer. Nesta medida, essa infinitude da criatura realça o seu
carácter de finita. Ou seja, evidencia que a criatura se desconhece a si mesma. Aquilo que lhe é mais próprio, o próprio
ser, é de tal natureza que escapa à sua própria compreensão. A sua infinitude realça a sua finitude na medida em
que esta consiste, precisamente, na presença inabarcável daquela.
A demonstração matemática não é possível pela própria natureza do contingente. Mas os recursos da razão não
foram esgotados e ainda nos resta a experiência. O conhecimento pela experiência é a percepção distinta mediante os
sentidos, enquanto o conhecimento racional é o conhecimento por princípios. O princípio geral da razão afirma que nada
é sem razão, isto é, que há sempre uma razão pela qual o predicado está no sujeito50
. Por outras palavras, manda a razão que
se algo é de determinado modo, haja requisitos suficientes51
pelos quais ela é assim e não de outro modo. No entanto, no
que concerne ao contingente, a demonstração matemática não é possível.
Há aqui o delinear de um espaço para a liberdade que parte da infinitude humana facticamente experienciada
como finitude, ou, mais precisamente, limitação. A liberdade deverá surgir precisamente neste espaço de avanço da alma
relativamente a si própria. Por outro lado, poder-se-ia objectar, que a liberdade teria que ser diferente em Deus, já que
Deus não pode ser infinito e finito. Mas continuemos a nossa análise. Tal dificuldade ainda não está completamente
compreendida.
S e c ç ã o 4
DAS RAZÕES
Segundo Leibniz podem ser fornecidas razões quer para as acções das mentes, quer para as acções dos corpos. No
entanto, as escolhas que fundam essas acções não são necessárias. Assim, a escolha tomada é uma possibilidade tornada
existente, mas não a única possibilidade disponível. Deste modo, a explicitação da escolha incorre numa série infinita de
explicações (na impossibilidade de indicar a identidade por uma proposição finita). Por outro lado, isso significa que a
verdade da nossa escolha nos permanece oculta e que, de facto, não podemos conhecer verdadeiramente a série infinita
que nos determina52
na escolha53
.54
50
B, 2, “De facto devemos assumir como certo que Deus fez todas as coisas do modo mais perfeito, e que Ele nada faz sem uma razão, e que nada
acontece, em qualquer lugar, a menos que Ele que a tudo conhece, reconheça sua razão, ou seja, por que o estado de coisas é deste modo e
não de outro.”
51
Por requisitos suficientes não se entendem as simples condições de possibilidade mas também as condições que, uma vez coexistentes, levem à
coexistência de qualquer outra coisa. Cf. PNG, 25.
52
Note-se, portanto, o matiz, a tonalidade que distingue, no uso, a necessidade da determinação. Pretendemos que o uso forme continuamente
uma compreensão prévia à altura em que tematizaremos essa distinção de modo formal.
53
Esta análise aqui feita por nós é corroborada pelas palavras do próprio autor em Ensaio, 120. “E se nem sempre notamos a razão que nos
determina, ou antes, pela qual nós nos determinamos, é porque somos igualmente incapazes de nos apercebermos de todo o jogo do nosso
espírito e dos seus pensamentos, o mais das vezes imperceptíveis e confusos, como de destrinçar todas as máquinas que a natureza faz jogar no
corpo.” Aqui Leibniz vai mais longe do que a nossa análise pretende neste ponto. Assim, deixemos a sua análise mais para a frente. Queremos
apenas fazer notar a mestria do filósofo que mostra ideias perspicazes e muito interessantes, provavelmente muito à frente do seu tempo.
Qualquer coisa como um não consciente está aqui claramente presente nas suas considerações, bem como a noção da importância da mecânica
somática na formulação da decisão, a um nível evidentemente somático (passamos a redundância). Leibniz pretende dizer que para conhecer a
totalidade da série explicativa (demonstrativa) da nossa decisão seria necessário conhecer a totalidade do processo de formação da decisão,
quer ao nível fisiológico, quer ao nível filogenético (remanescente no corpo), quer ao nível de tendências, inclinações ou forças espirituais não
conscientes, bem como toda a história perceptiva do sujeito. De acrescentar a necessidade de conhecer a totalidade das relações entre a
totalidade do universo e entre o resto do universo e o sujeito. A circunstância imediata e longínqua, interna e externa – a esse conhecimento
haveria que se juntar uma grande capacidade de concentrar a atenção e uma avantajada inteligência, conhecer os possíveis desígnios de Deus e
destrinçar todos os possíveis na sua mente. Só então se poderiam ponderar os possíveis e perceber o que realmente contou entre os que foram
Liberdade, possibilidade e determinismo em Leibniz Luís Mendes Seminário
Da possibilidade da liberdade -13- Cap. I
As escolhas feitas pela mente carecem de necessidade. Esta tese é fundamental na medida em que Leibniz parece procurar
uma noção de liberdade que tenha um alcance metafísico55
. Mas é sobretudo fundamental na ressalva da santidade de
Deus. O tema da liberdade é caro às religiões, na medida em que dessa discussão resulta a compreensão da natureza
originária do humano e da sua imbricação com as noções de pecado e redenção (no Ocidente), e de religamento (nas
religiões em geral).
A tentativa de salvar a natureza originária do humano tenta justificar a origem do mal fora da culpa humana. Por
outro lado, a imperatividade de responsabilizar o humano pelos seus actos exige que as decisões surjam de si próprio, da
sua vontade, culpando-o, absolvendo-o ou salvando-o. Surge então este dilema entre a natureza do mal que, para salvar a
natureza do humano (e da natureza em geral, bem como a própria natureza divina), não deve ser considerada positiva, e
a natureza das acções humanas que, de modo a manter o sentido de responsabilidade, deve sustentar-se sobre a liberdade
da vontade.
Leibniz vê, aqui, a necessidade de rejeitar que o pecado seja escolhido pelo humano (o que tornaria a natureza
humana em má e daria ao mal consistência real e positiva, dividindo o universo em Bem e Mal). Esta decisão de Leibniz é
fácil de concretizar sem entrar em grandes problematizações nem colidir em demasia com a normalidade religiosa neste
particular. Assim, como já se disse, a existência humana é entendida como uma situação de finitude incontornável
dominada pelo fenómeno da confusão. A alma, dirigida à perfeição, escolhe o erro por confusão. Salva-se a natureza
humana (inclinada à perfeição, ao bem, à felicidade e à verdade) e o acto criador divino (o homem é criado imagem de
Deus). Por outro lado, esse acto humano confuso significa que o erro é permitido (portanto, escolhido56
) por Deus.
Ora, o filósofo não pretende escapar a esta dificuldade. Pelo contrário, ele defronta-a, digladia-se com ela.
Pretende resolvê-la.
Deus não escolhe os pecados. Deus escolhe (admitir) a existência de substâncias (ou acontecimentos57
) possíveis,
existência que envolve pecados livres58
. A escolha da existência de uma substância envolve a admissão de todos os possíveis
da sua noção completa59
, ou seja, toda a série de coisas que nela estão contidas. A razão mais profunda e primeira,
específica, para a escolha de uma série de coisas que inclui pecados não é do domínio da criatura. Mas a razão geral é a
escolha da maior perfeição possível.
Deus escolhe apenas a perfeição (escolhe-se a si mesmo)60
. Ao escolher a perfeição Deus escolhe, pois, o positivo.
Ou seja, Deus não escolhe os pecados na série. Deus abarca a série de um só golpe e, se a escolhe, escolhe-a pela sua
perfeição, por ser mais perfeita do que qualquer outra que pudesse existir em seu lugar, tendo em conta a totalidade do
universo e a sua máxima perfeição possível. Portanto, Deus escolhe a perfeição da série de coisas contidas na Mónada e,
nessa escolha são admitidas (escolhidas) as suas limitações por essa imbricação que têm com o que é positivo na série. A
rejeição desses pecados é excluída por não haver outro possível cuja perfeição rejeite esses pecados. O pecado é uma
limitação, é nada de positivo, não é escolhido por si próprio, mas é admitido pelo acto de escolha da perfeição61
cuja
existentes, compreendendo as razões próximas e profundas da nossa próxima decisão, compreender, portanto, a complexidade que a envolve
e o verdadeiro desígnio que a enformou e tornou existente. Enfim, para se conhecer realmente uma decisão seria necessário ser Deus.
54
A situação do humano na facticidade (incontornabilidade) é de confusão.
55
De facto, não seria necessário refutar o necessitarismo para afirmar a liberdade, como de resto Leibniz sabe e expressa algumas vezes. B,1, por
exemplo.
56
Relativamente a Deus não se pode afirmar que se pudesse, teria escolhido outra coisa. O que Deus quer que seja, é. O que Deus permite que exista,
Deus quer que exista. Nada existe que Deus não queira que exista.
57
Note-se que se deriva do sistema de Leibniz que, em rigor, um acontecimento, um sucesso físico, natural ou outro, nada mais é que uma
percepção nas Mónadas individualmente consideradas. Não há acontecimentos fora das Mónadas. Em rigor, tampouco existem interacções –
tais termos são simplesmente usados por comodidade. Existem apenas Mónadas e (sem que este e signifique um acrescento quantitativo) as suas
percepções. Todas as percepções são provocadas pelas percepções imediatamente anteriores (e, em última instância, pelo ser da própria
Mónada). Cf. Mona, art. 23, pág. 47, DM §14, por exemplo. Tudo o que nos pode acontecer são pensamentos e percepções.
58
Dada a liberdade humana, a escolha da existência duma alma (substância individual ou Mónada) acarreta, obviamente, a sua liberdade e,
consequentemente, os seus pecados livres.
59
A noção que Deus tem de cada Mónada envolve toda a série das suas percepções, e, consequentemente, todas as suas decisões.
60
O que, de resto, se verifica em todas as Mónadas criadas à sua imagem.
61
No que se refere a Deus não se pode invocar a escolha por confusão.
Liberdade, possibilidade e determinismo em Leibniz Luís Mendes Seminário
Da possibilidade da liberdade -14- Cap. I
existência é estabelecida pela série que os inclui. Numa série, a rejeição de um elemento rejeitaria todos os outros.62
“Todavia, essas questões não são oportunas aqui.”63
S e c ç ã o 5
DA VERDADE E DAS PROPOSIÇÕES
A verdade consiste numa relação interna (à proposição) entre os termos, entre o sujeito e o predicado. Desse
modo, elucida-nos Leibniz, tal como um número menor só é menor na medida em que está para outro número maior,
de igual modo uma proposição só é verdadeira na medida em que o predicado está no sujeito. Esta analogia propõe a
compreensão da verdade como identidade. Só é verdadeira a proposição que põe uma identidade entre dois termos.
Ora, tal como numa enunciação matemática se pode sempre subtrair o menor do maior, também numa
proposição se pode subtrair o predicado do sujeito. Deste modo conclui-se que o predicado sempre está contido
(disperso) nas coisas do sujeito 64
. A análise das enunciações matemáticas traduz cada termo por uma repetição
(matemática) de si mesmo, quando possível (de 2+3=4+1, obter 5=5), ou, se não é possível, essa análise prolonga-se ao
infinito (como no caso de pi). A tradução de um número irracional por um racional resulta normalmente numa série
infinita.
De modo semelhante, as verdades demonstráveis, necessárias, podem ser traduzíveis em identidade65
(daí a
demonstrabilidade), enquanto que as verdades contingentes são livres, não podem ser traduzidas, por qualquer tipo de
análise, a uma identidade.
Apesar disso, as verdades contingentes e livres são do conhecimento divino, não demonstrativamente (o que seria
contraditório), mas intuitivamente (de um só golpe)66
.
O conhecimento divino incide sobre si próprio (Deus conhece-se a si mesmo absolutamente). Conhecendo-se a si
mesmo, Deus conhece todos os possíveis, existentes e não existentes, conhece todas as verdades, originárias ou
derivadas,67
conhece todas as coisas e os decretos do Seu livre arbítrio o mais importante dos quais é o de que todas as
coisas aconteçam da melhor maneira pela melhor razão.
Por meio destes raciocínios se mostra a possibilidade da liberdade. A noção de necessidade deve ser delimitada
como a relação cuja negação implica contradição. Então, resulta da exposição que até aqui se fez, que é certo que podem e
devem haver verdades que não podem ser traduzidas, por nenhuma espécie de análise, a identidades ou avaliadas pelo
princípio de contradição. Essas verdades consistem em séries infinitas apenas conhecidas plenamente por Deus. Tendo
sido mostrado que, em toda e qualquer porção de matéria se encontra uma infinidade de substâncias, e que toda a
Mónada actua sobre todas as outras e sofre as acções de todas as outras, ou seja, tendo sido mostrada a própria infinidade
das porções do universo (a infinita analisabilidade) e a interpenetração geral e conexão mútua de todas as coisas –
demonstra-se a possibilidade da liberdade das Mónadas, fundada sobre a contingência das coisas e da verdade.
As coisas que existem são possíveis que existem porque, pela sua perfeição, excluíram da existência outros
possíveis que, consequentemente, não existem. A escolha da existência, tarefa divina, é uma preferência da perfeição,
mas não uma necessidade. O que é poderia ser de outro modo. Da mesma forma há verdades contingentes tais que de si
se podem dar razões, e destas outras razões, assim sucessivamente ao infinito, sem conseguir, por intermédio duma
62
B,2, “[…] a limitação e o pecado devem ser compensados por um outro bem não passível de obtenção [de outro modo].”
63
B,2.
64
Impõe-se aqui uma advertência. A análise destes tópicos não é inocente. Note-se sobretudo que o que quer que se conclua para a relação entre
predicado e sujeito deve ser inferido, por analogia, para a relação entre as percepções e as Mónadas. Ou seja, o estado de coisas que aparece de
cada vez à Mónada (sujeito) mais não é que um predicado.
65
A verdade foi resumida à identidade.
66
Visio. Isto é, visão (imediata). Este tipo de visão imediata não deve ser confundido com a visão empírica.
67
Ao conhecimento dos contingentes chama-se conhecimento médio.
Liberdade, possibilidade e determinismo em Leibniz Luís Mendes Seminário
Da possibilidade da liberdade -15- Cap. I
análise, reduzir a análise a uma demonstração matemática. Há, portanto, verdades que não estão necessitadas, cuja
negação não acarreta contradição e cuja explicação se estende infinitamente sem podermos abarcar completamente toda
a série.
Tendo mostrado isto demonstrou-se a possibilidade da liberdade. O contingente, quer no que diz respeito à
verdade, quer no que diz respeito à existência, é uma condição necessária (requisito fundamental) para a liberdade. Isto
não significa que a liberdade humana seja entendida como reduzida à possibilidade de dizer não. Significa sim que a
possibilidade da negação é condição de possibilidade da afirmação livre.
Liberdade, possibilidade e determinismo em Leibniz Luís Mendes Seminário
Da liberdade -16- Cap. II
S e c ç ã o 6
CAPÍTULO II – DA LIBERDADE
“Mas, será preciso utilizar de sentidos inequívocos para as palavras a fim de evitar todo o tipo de locução
absurda.”68
A Leibniz não interessa apenas que a liberdade humana se trate duma liberdade de ter feito outra coisa. Não lhe
interessa apenas uma liberdade fundada sobre o contingente69
. Interessa-lhe que a liberdade possa ser sustentada na
espontaneidade. Interessa-lhe mostrar que a liberdade, além de ser possível é necessária.
Toda a pessoa possui liberdade de vontade, do mesmo modo que em Deus tudo é espontâneo. Uma vontade é um
ímpeto em agir do qual estamos conscientes. Uma acção decorre duma vontade e da faculdade70
para a realizar. Uma
vontade ocorre onde as condições para o querer e para o não querer não são indiferentes. A indiferença não é um
requisito da liberdade, pelo contrário, a ausência de indiferença é fundamental para a formação duma vontade. Por
outras palavras, a vontade só pode ocorrer onde existe uma preferência71
. De resto, para os intentos deste estudo,
convém-nos, precisamente, delimitar o conceito de vontade como preferência. A vontade é, portanto, um ímpeto para.
Deve entender-se este para como remissibilidade. O sentido de uma vontade encontra-se no seu referente.
Essa é uma conclusão muito importante e deve ser explicada. A alma enquanto espelho72
do universo é o reflexo
das coisas, é o reflexo do universo. E é, por princípio, reflexo de Deus. Este ponto é fundamental. É natural do espelho
que não o possamos ver. Quando olhamos um espelho o que vemos é a imagem que nele é reflectida. Tome-se a imagem
em consideração. A imagem é constituída por reflexo daquilo de que é imagem. É natural da imagem que desapareça
com o objecto de que é imagem. Se sairmos de frente do espelho a nossa imagem sairá dele.
Assim, vemos melhor o sentido do ímpeto da vontade. A vontade do homem é esse conatus do espelho que se
esforça por espelhar o objecto. Nesse sentido, a vontade humana é, primeiramente, um esforço de perfeição, à imagem de
Deus. Isso significa que aquilo que o homem é depende daquilo que Deus é. O homem depende, Deus é. O Homem está
caído na confusão, na sua confusão que o leva a perder-se de si próprio. A perder-se, no próprio esforço de perfeição, da
própria perfeição para que é esforço. O humano caído na facticidade (a condição incontornável do humano) é um ser
lançado na confusão do próprio ponto de vista, jogado na confusão do seu próprio mundo. Há, evidentemente, o perigo
de se perder na confusão. Há o perigo de que o esforço para a perfeição (forma da própria vontade) se torne,
facticamente, um erro.
68
A,1.
69
Leia-se, para uma pré-posição de leitura dos próximos capítulos, a correspondência com Clarke, sobretudo o 5º escrito: “Pois importa distinguir
entre uma necessidade absoluta e uma necessidade hipotética […], entre uma necessidade que tem lugar porque o oposto implica contradição,
e que é designada lógica, metafísica ou matemática, e uma necessidade moral, que leva o sábio a escolher o melhor e todo o espírito a seguir a
inclinação mais forte.”. (Ed., Erdmann, p. 763, segundo tradução de Adelino Cardoso em introdução a DM)
70
Facultas. Habilidade. Poder. Mas, em sentido rigoroso difere de capacidade no sentido em que se pode ter a faculdade da visão e não se ter a
capacidade.
71
Utiliza-se a palavra preferência no sentido de inclinação da vontade, um esforço espontâneo fundador da liberdade. Difere, portanto, do termo
sentiment, traduzível também por orientação preferencial ou sentimento, mas que Leibniz usa com o significado de uma orientação preferencial do
espírito num ou noutro sentido. Os sentimentos ou orientações preferenciais não são voluntários, pelo contrário, a sua formação é insensível e
ocorre no espírito manifestando-se apenas enquanto orientação preferencial. Ora, também o esforço da vontade não é formado livremente, posto
que é a própria vontade. A diferença, no entanto, é fundamental: enquanto que o esforço é voluntário, isto é, formado em sede da vontade,
definindo-a espontaneamente, o sentimento é marginal a essa vontade e pode opor-se-lhe. Não deve confundir-se sentimento com opinião,
pois embora a característica fundamental dos dois seja a formação insensível, à margem da percepção e vontade, a opinião manifesta-se com a
aparência de juízo auto-justificado, precisamente enquanto não evidencia a necessidade de justificação. Pelo contrário, o sentimento não se
mostra de maneira teórica, mas como uma orientação preliminar, anterior a qualquer formação de opinião. Isto nada diz, sem uma
descriminação posterior, que uma opinião tenha mais ou menos valor que uma orientação. Significa que, se um deles acerta o alvo do que está
em causa, tal é contingente e indistinguível.
72
DM, 46, “toda a substância é como um mundo inteiro e como um espelho de Deus, ou melhor, de todo o universo, que cada um exprime à sua
maneira”.
Liberdade, possibilidade e determinismo em Leibniz Luís Mendes Seminário
Da liberdade -17- Cap. II
Por outro lado, tal remissibilidade implica que a própria possibilidade da liberdade reside nesse para do esforço
enformador da vontade como esforço para. Tal como a imagem existe apenas enquanto o objecto estiver diante do
espelho. Daí que, para Leibniz, a noção de graça fosse da maior importância. A ideia cristã da imagem torna a graça
divina num fenómeno fundamental para a compreensão da própria antropologia cristã. A graça é, por seu lado,
fortemente condicionadora da ideia de liberdade, dentro da reflexão cristã, mas sobretudo para a reflexão protestante.
Leibniz reforça, por isso, sobretudo a ideia de espelho. O filósofo está completamente ciente de que a defesa filosófica da
liberdade necessita, acima de tudo, da prescrição da primordialidade da vontade. Mas a primordialidade da vontade,
compreendida como exclusão de qualquer coisa anterior73
, traz consigo o problema da prescrição. Isto é, a primordialidade
não pode ser se não prescrita pelo filósofo, pois é por definição não explicável.
A indiferença da vontade é, pois, rejeitada por Leibniz que considera fundamental que a vontade seja um esforço
para. A inclinação é a verdadeira essência da vontade. Não faz sentido, pois, exigir da vontade uma indiferença que a
descaracterizaria.74
Em contrapartida assere a primordialidade da vontade. Como devemos conceber esta primordialidade?
Com certeza, como espontaneidade. Mas assim estamos apenas a adiar o problema, pois como devemos conceber esta
espontaneidade? Entendamos que a dificuldade não está em entendê-la, mas em fundamentá-la. Não é possível dar uma
razão daquilo que é, por definição, a ausência de razões. A ausência de razões não é abarcável pela razão. Percebemos que
se adie o problema mais uma vez: Deus escolhe o mundo melhor porque quer.75
O problema é adiado da discussão
antropológica, a qual passa em stand by para a teológica.76
Mas, sendo a indiferença rejeitada e a primordialidade posta em
seu lugar, devemos determo-nos na importância dada às noções de espelho/reflexo/imagem que ocupa tantas secções
em tantos escritos do autor.
A imagem é posta no espelho por uma espécie de emanação do objecto. É a presença do objecto que mantém a
imagem. Por outro lado, o espelho permanece não-visto, de tal modo que o podemos tomar pela imagem. A imagem
origina-se no espelho como imagem-do objecto. No espelho não há causalidade relativamente à imagem. A imagem que o
espelho reflecte não depende de uma causa no espelho. O mesmo espelho reflecte várias imagens sem que nele nada se
altere. É o objecto que muda. De igual modo, não há nenhuma causa nem nenhuma razão para a decisão – relativamente
ao humano, a vontade é primordial, é o momento zero, o momento constituinte de si mesmo. Relativamente ao seu
objecto, ela reflecte aquilo para que tende, reflecte a perfeição, mas reflecte, também, a confusão do ponto de vista77
.
Estas observações são fundamentais. E constituem um pano de fundo para a compreensão da tese de Leibniz segundo a
qual a perfeição (as razões duma vontade), inclina sem necessitar. A nossa decisão decorre, portanto, ou da perfeição do
objecto, ou da imperfeição do espelho. Assim há, de facto, uma relação entre a constituição (o que em cima nos pareceu
não existir) do espelho e a imagem. Contudo, esta relação não é a causa da decisão. Tal como a minha imagem num
espelho não é causada pela superfície do espelho, mas pela minha presença diante do espelho. Contudo, se o espelho
estiver partido ou deformado, a imagem vai ser corrompida, sem que, com isso, se altere a remissão da minha imagem a
mim. Por outro lado, a imagem também não surge pela razão de eu me ter postado diante do espelho. Eu posso postar-
me diante de uma parede de pedra que ela não me devolve nenhuma imagem. Ora, a superfície do espelho é tal que
reflecte. Contudo, se a minha presença diante do espelho define os contornos da imagem, a imagem surge na superfície do
espelho sem, propriamente, ser causada por mim. Percebe-se que a imagem seja definida pelo objecto de que é imagem
73
Sobre Belarmino, Grua, II, p. 302.
74
A, 3, “Se a completa indiferença é requerida para a liberdade, então, certamente não há jamais um ato [actus] livre, já que penso que o caso em
que tudo em ambos os aspectos é igual, certamente não ocorre. […]Nem penso que se possa produzir um exemplo no qual é a vontade
[voluntas] que escolhe, desde que há [sempre] alguma razão para escolher uma de duas coisas;”. Ver a expressão muito clara em DM, 37, “toda a
vontade supõe alguma razão de querer e que essa razão é naturalmente anterior à vontade”.
75
A,3, “Deus produz o melhor não por necessidade, mas, porque o deseja.” Ver a discussão do assunto em DM, 37. Leibniz considera que o
melhor, a verdade ou o bem não são o melhor, a verdade ou o bem devido ao facto de Deus os escolher, mas que Deus os escolhe de livre
vontade inclinado por serem o que são. Isto é, Deus não tem qualquer poder sobre as essências. Nem sequer é criador do próprio
entendimento. A verdade é únivoca e anterior à sua escolha. Deus produz o melhor porque assim o deseja. Não acontece que o melhor seja o
melhor porque Deus o escolheu. Ver Teodiceia, art. 183 e art. 380. Doravante, Teod. seguido do artigo. A bibliografia indica a edição base.
76
Não estamos aqui a fazer uma depreciação. Estamos a fazer notar aquilo que, a nosso ver, se trata de uma opção consciente de Leibniz, e não,
propriamente, de um dolo.
77
A, 1, “Disso se segue que uma razão que sempre força uma mente livre a escolher uma coisa a uma outra (se aquela razão deriva da perfeição de
uma coisa, como ocorre em Deus, ou da nossa imperfeição) não elimina nossa liberdade.” Ver também que Leibniz considera possível corrigir
a confusão do ponto de vista que, apesar de natural, não é, portanto, originária – não define o homem, define sim a sua quotidianeidade (o
hábito e a assunção de que se dominam as coisas, os conceitos e os assuntos – por exemplo, Ensaio, 137 e em diante.
Liberdade, possibilidade e determinismo em Leibniz Luís Mendes Seminário
Da liberdade -18- Cap. II
(de igual modo, a vontade é definida pela perfeição de que é esforço). Percebe-se que a imagem seja apresentada pela
superfície do espelho (tal como a vontade depende da imperfeição do humano, da sua confusão, da facticidade da sua
existência, enfim, da sua constituição). Mas não podemos dizer que a imagem é causada por nenhuma dessas realidades,
tal como a vontade não é necessitada pela inclinação nem pela confusão, apesar de decorrer delas. A imagem é projectada
ali, surge, estampa-se. De semelhante modo (a analogia vale o que vale) a escolha surge da inclinação para a perfeição e da
constituição da alma, mas não necessariamente. A constituição da escolha é espontânea. Até ao momento da escolha, a
vontade não está comprometida com nenhuma escolha, nenhuma escolha existe, apesar de qualquer demonstração que se
possa fazer. O ter-se a vontade comprometido com uma escolha e não com outra é puramente contingente78
. Uma
demonstração (se de tudo se pode dar uma demonstração) seria apenas hipotética79
. O contrário seria possível.
Imagine-se, agora, um mundo em que os sujeitos conscientes são espelhos de facto. Um espelho perfeito, mesmo
que se visse ao espelho, não o saberia, sobretudo se, ao contrário dos espelhos que conhecemos, não representasse
exactamente apenas aquilo que está à sua frente. Imagine-se que esses espelhos reflectiam, cada um à sua maneira, um
mesmo objecto que nunca estava mesmo às suas frentes. Imagine-se que esses espelhos se viam a um espelho regular.
Que veriam eles? Não veriam, com certeza, que tinham a forma de espelho. Precisamente, veriam outra coisa que a
forma de espelho, veriam o conteúdo reflectido nessa forma (por assim dizer). Mas, enquanto sujeitos conscientes de si,
por eles não pensava Deus. Ou seja, eram eles próprios que se olhavam nesse espelho sem compreenderem plenamente
o que viam, mas sobretudo sem saberem que não o compreendiam. O ponto de vista constituído pelo seu olhar (dum
desses espelhos) era o seu ponto de vista, e não o ponto de vista daquilo de que eram imagem. Esse seu olhar surgiria
espontaneamente dele, com uma originalidade que só poderia ser dele. Cada um desses espelhos não seria como um
canudo por onde o objecto olhava. Pelo contrário, apesar de serem espelhos, cada um seria um olhar absolutamente
próprio, incomunicável e original.
S e c ç ã o 7
DA ESPONTANEIDADE
Ora, tendo nós dito que todas as existências (excepto a de Deus) são contingentes e espontâneas, assere-se que a
existência das almas e as suas vontades são contingentes e espontâneas, como, aliás, decorre do facto de que Deus escolhe
a perfeição porque quer, uma vez que as existências particulares procedem da escolha divina pela perfeição. Assim, toda
a existência particular e, de facto, a existência da totalidade das Mónadas, são devedoras e são explicáveis pelo princípio
da perfeição. Isto vale para a existência das almas (cuja perfeição inclinou Deus a escolhê-las), e vale para as escolhas das
almas humanas (pois é a perfeição da possibilidade que leva a alma a decidir-se por dar-lhe existência). A liberdade é
presidida pelo princípio da perfeição. A liberdade humana é presidida, então, pela procura da perfeição que deve ser
entendida como a procura da felicidade.80
78
Note-se que tudo o que é contingente (o que pode não acontecer) tem uma existência fundamentada no princípio da perfeição (o melhor vem à
existência). De facto, a vontade é a procura do que é melhor e, nessa medida, reflecte sempre isso que busca. Por outro lado, a vontade não é
sempre (e na maioria das vezes não é) capaz de discernir verdadeiramente a perfeição real das coisas. Encontra-se, aí, com o erro. Note-se que,
numa perspectiva global, a decisão tomada é sempre a melhor. Este melhor aqui é um ponto de vista supra-humano. Quando um humano cai
no erro e julgando estar a escolher o melhor, escolhe algo que não o é para si, não deixa de estar a escolher o melhor do ponto de vista divino
(totalitário). Note-se, portanto, que conforme se fala do ponto de vista divino ou humano, também as razões apresentadas serão diferentes.
Além disso, a escolha divina é prioritária e define a primordialidade da vontade pela perfeição. Essa escolha, do ponto de vista humano,
portanto, segue ainda a perfeição, não vendo assaz claramente as coisas. Assim, o homem julga escolher, por si, o melhor, mesmo quando
escolhe o pior; e mesmo quando escolhe o pior, o homem escolhe o melhor dum ponto de vista supra-individual.
79
Carta a Bourguet, 1716, G.P., III, p.588, “a sequência das coisas é sempre contingente, e um estado de modo algum deriva necessariamente de
um outro estado precedente […]. A conexão entre dois estados é uma consecução natural, mas não necessária, como é natural à arvore dar
frutos, embora possa acontecer por certas razões que os não dê”. Ver a discussão do tema em DM, 50 e seguintes.
80
DM, XXXVI, pág. 85, “Porque a felicidade é para as pessoas o que a perfeição é para os seres”. Ver também que o prazer deve ser entendido
como sentimento de perfeição – por exemplo, Ensaio, 137.
Liberdade, possibilidade e determinismo em Leibniz Luís Mendes Seminário
Da liberdade -19- Cap. II
Apenas a existência de Deus pode ser explicada pela própria definição81
.
Todas as demais existências são meramente possibilidades entre outras possibilidades que existem meramente em
função da sua própria perfeição. Esta perfeição não é uma perfeição da sua definição. Este ponto é fundamental. Não é
porque uma coisa é mais bela ou mais perfeita em si mesma que ela é preferida. Ou, reformulando, a perfeição não reside
nas características de uma dada possibilidade em sua própria noção. A verdadeira perfeição deve ser buscada “em uma
comparação82
com as demais coisas”83
. Significa isto que a perfeição de uma coisa é aferida pelo conjunto das perfeições nas
relações estabelecidas84
entre a totalidade das Mónadas (na totalidade do universo).
Esclareça-se que, por totalidade do universo, não se entende a mera soma das Mónadas presentes num dado
momento. Também não se entende por totalidade do universo a mera soma das Mónadas que existiram, existem e
existirão. Por totalidade do universo entende-se todas as Mónadas na sua referência mútua, quer enquanto existem, quer
enquanto existiram, quer enquanto existirão. Há, portanto, duas anotações fundamentais. Por um lado deve referir-se
que se tomam em consideração todas aquelas que tomam existência (no passado, no presente e no futuro). Por outro lado,
não se trata de uma mera soma, o que significaria um resultado acumulado posteriormente, isto é, o seu sentido
resultaria dessa soma e da junção de todas as partes somadas. Pelo contrário, a totalidade do universo é anterior às suas
partes, ao sentido de cada uma das Mónadas em particular.
A totalidade do universo é anterior a cada uma das suas partes. A ordem que rege a estrutura sistémica endógena
universal é contingente85
, espontânea, não no sentido de sem sentido, arbitrária, mas no sentido em que obedece ao
princípio da conveniência perfeita86
. A inteligibilidade do universo não é matemática, nem é logicamente demonstrável87
.
Nunca existiu, segundo Leibniz, um nada originário, pois seria pressupor a ordem do tempo antes do tempo. Nunca
existiu um caos originário, pois essa originariedade significaria ausência de universo (a ordem no sentido que
descrevemos). O mal nada tem de primitivo, e o caos, lugar da ausência da ordem do universo (ausência, portanto, de
harmonia ou de conveniência perfeita, ausência de perfeição), portanto, lugar do mal, nada tem de primitivo, nada tem
de existência. O erro é um desacordo entre o que se visa e o que é visado. Um erro erra porque falha na conveniência
daquele que erra, mas um acerto quando visto dum ponto de vista global. Esta vista global é anterior a toda e qualquer
existência. Uma possibilidade vem à existência na medida em que, por uma conveniência perfeita, entendida nos termos
que vêm a ser descritos, é preferível a todas as outras que poderiam ocorrer no seu lugar. Portanto, percebe-se agora,
todo o universo está em cada uma das suas partes, tal como Deus está em todas as suas criaturas88
, apesar de não ser possível que
uma substância criada tenha influência sobre outra89
.
81
Note-se que, em rigor, Leibniz discorda da tese que da simples definição de Perfeição e de Deus como ser perfeito se deduz a sua existência. A
tese de Leibniz é que, se se mostrar que Deus é possível, então Deus existe necessariamente. Ver DM, 67. Confrontar com Quos Ens
Perfectissimum Sit Possibile, G. W. Leibniz, Novembro de 1676. Disponível em http://www.leibnizbrasil.pro.br/index.htm.
82
Usando a linguagem normal porque não há outra maneira de o dizer. Obviamente, sendo rigoroso, jamais se pode dizer que existem relações
entre Mónadas ou possibilidades de Mónadas. Estas dificuldades criadas com o hiato entre o uso prático e o uso rigoroso da linguagem são das
que mais confusões criam entre comentadores. Veja-se art. 51. de Mona.
83
A, 1.
84
Reforce-se a nota de esta linguagem é prática mas não rigorosa. Em rigor, para Leibniz, não existem relações entre seres.
85
Como se disse acima, nada pode justificar o que, por definição, é ausência de razão. Ver Carta a Magnus Wederkopf (Maio 1671).
86
Conveniência perfeita ou harmonia geral. Ver, a respeito, DM, 41, “Daí que não seja preciso duvidar de que a felicidade dos espíritos seja o fim
principal de Deus e que ele a realize tanto quanto o permite a harmonia geral”. A harmonia geral é, portanto, princípio ordenador, orientador
(ontologicamente anterior à existência individual de cada ser).
87
Pelo contrário, trata-se de um exercício de inteligência (divina). É um axioma metafísico e ontológico. É possível dizer, embora não iremos
agora desenvolver a questão, que se trata de um axioma antropológico, escatológico e mesmo praxiológico.
88
Ensaio, 45.
89
Ensaio, 143. Quanto à questão de saber se, então, as coisas existem fora de nós, leia-se DM, 53, “E como esses fenómenos [que se passam em
nós] mantêm uma certa ordem conforme à nossa natureza [que é conforme ao universo] ou, por assim dizer, ao mundo que está em nós,
donde resulta que possamos fazer observações úteis para regular a nossa conduta, que são justificadas pelo êxito dos fenómenos futuros, e que
assim nós possamos frequentemente julgar a respeito do futuro pelo passado sem nos enganarmos, isso bastaria para dizer que tais fenómenos
são verdadeiros, sem nos preocuparmos se eles estão fora de nós e se mais alguém também se apercebe deles. No entanto […] as percepções
ou expressões de todas as substâncias se entre-respondem […]. […] nada nos pode acontecer a não ser pensamentos e percepções […].”
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Liberdade e possibilidade em Leibniz

  • 1. LIBERDADE, POSSIBILIDADE E DETERMINISMO EM LEIBNIZ por Luís Filipe Fernandes Mendes Estudo apresentado como trabalho para o Seminário do Ramo de Formação Educacional Universidade Nova de Lisboa Faculdade de Ciências Sociais e Humanas 2006/2007 A ser avaliado p/ Professor Doutor João Matos Data 26 de Abril de 2007
  • 2. Liberdade, possibilidade e determinismo em Leibniz Luís Mendes Seminário Apresentação Universidade Nova de Lisboa Faculdade de Ciências Sociais e Humanas LIBERDADE, POSSIBILIDADE E DETERMINISMO EM LEIBNIZ por Luís Filipe Fernandes Mendes N.º 11131 Dirigido ao Professor Doutor João Matos Departamento de Ciências da Educação APRESENTAÇÃO arece-nos deveras importante, para a compreensão do sistema de Leibniz, a coexistência de Determinismo e Liberdade. Existem vários caminhos e pistas diversas no manancial leibniziano sobre este assunto. Sendo assim, pretendemos mostrar essa importância e escrutinar um caminho para realizar a compreensão duma matéria que consideramos bastante sensível. Sensível não apenas no contexto da produção deste filósofo, mas mesmo no contexto geral da reflexão do ser humano sobre si mesmo. Neste problema em que se entrelaçam considerações religiosas e/ou teológicas, antropológicas, existenciais e, de algum modo, escatológicas, a posição de Leibniz é recorrentemente lembrada numa áurea de mistério, indecifrabilidade e paradoxo. É porque consideramos importantíssimo este assunto para a própria compreensão do ser humano, bem como para uma compreensão esclarecida do sistema de Leibniz, que ousamos empreender a tarefa de trazer à luz os adiantamentos de Leibniz sobre a matéria da liberdade, assunto ao qual, aliás, parece ter dedicado muita atenção – e não porque este assunto nunca tenha sido abordado, nem porque nunca se tenha tentado um esclarecimento eclético. Vamos, assim, deitar o nosso olhar sobre os textos do autor para nos esclarecermos sobre um assunto acerca do qual muitos já disseram muito. P
  • 3. Liberdade, possibilidade e determinismo em Leibniz Luís Mendes Seminário Índice ÍNDICE Secção Título Página Secção 1 – Introdução ------------------------------------------------------------------------------------------------------ 1 Secção 2 – Capítulo I – Da possibilidade da liberdade --------------------------------------------------------------- 8 Secção 3 – Do infinito ------------------------------------------------------------------------------------------------------- 9 Secção 4 – Das razões ------------------------------------------------------------------------------------------------------ 11 Secção 5 – Da verdade e das proposições -------------------------------------------------------------------------------- 13 Secção 6 – Capítulo II – Da liberdade ---------------------------------------------------------------------------------- 15 Secção 7 – Da espontaneidade --------------------------------------------------------------------------------------------- 17 Secção 8 – Capítulo III – As Mónadas e as Almas, A contingência e a Necessidade, A Determinação e a Liberdade ----------------------------------------------------------------------------------------------------- 25 A simplicidade das Mónadas ---------------------------------------------------------------------------------------------- 25 Secção 9 – A complexidade das Mónadas ------------------------------------------------------------------------------- 26 Secção 10 – A contingência e a necessidade das coisas ---------------------------------------------------------------- 27 Secção 11 – A determinação e a liberdade ------------------------------------------------------------------------------- 27 Secção 12 – Capítulo IV – A forma do ponto de vista --------------------------------------------------------------- 31 Secção 13 – Da disposição ------------------------------------------------------------------------------------------------- 32 Secção 14 – Da liberdade de facto ---------------------------------------------------------------------------------------- 37 Secção 15 – Da pressuposição de evidência ----------------------------------------------------------------------------- 40 Secção 16 – O estabelecimento de hipóteses e o estado de confusão ------------------------------------------------ 45 Secção 17 – Capítulo V – Advertências -------------------------------------------------------------------------------- 51 Secção 18 – A finitude da vida humana e a imortalidade -------------------------------------------------------------- 53 Secção 19 – Conclusão ---------------------------------------------------------------------------------------------------- 62 Bibliografia ------------------------------------------------------------------------------------------------------------------ 74 Anexos ------------------------------------------------------------------------------------------------------------------- 76
  • 4. Liberdade, possibilidade e determinismo em Leibniz Luís Mendes Seminário Introdução Início “ C o m o a l i b e r d a d e e a c o n t i n g ê n c i a p o d e m c o e x i s t i r c o m a s é r i e d e c a u s a s e c o m a p r e v i d ê n c i a é u m a d a s m a i s a n t i g a s p r e o c u p a ç õ e s d a r a ç a h u m a n a . ” Leibniz, Sobre a Liberdade S e c ç ã o 1 INTRODUÇÃO À DELIMITAÇÃO DOS CONCEITOS DE DETERMINISMO E LIBERDADE “… a ditadura de César tem o seu fundamento na sua [de César] noção ou natureza; que aí [na natureza de César] se vê uma razão pela qual ele ganhou a jornada de Farsália, em vez de a ter perdido.” Leibniz, Discurso de Metafísica A noção de Mónada levará, à primeira vista, a julgar que existe em Leibniz uma teoria fácil da casualidade. A Mónada é apresentada como uma substância simples, una, única, indivisível, isolada, fechada, sem janelas, da qual nada sai, na qual nada pode entrar1 . A Mónada é uma noção que facilmente nos encaminha para uma leitura fácil dum certo isolacionismo do sujeito. Parece uma defesa ingénua da idiossincrasia, de tal modo que o mundo seria um conjunto de “unidades solipsistas”. Cada substância é um mundo à parte. Cada Mónada é um mundo inteiro. Um espelho do universo2 . Antes de abordarmos este possível solipsismo cumpre-se, portanto, mostrarmos porque essa seria uma leitura fácil, mas desinformada. Isto porque, se quem tomar conhecimento dessa noção fundamental da filosofia de Leibniz pode ser levado a considerá-lo solipsista ingénuo, aquele que se ativer a ler o que deixou escrito sobre a causalidade será, pelo contrário, invadido duma sensação determinista desconcertante. Há, portanto, aqui um problema. O problema da conciliação destas duas teses num mesmo ponto de vista. A nossa investigação deverá, portanto, esclarecer-se sobre o que seja entendido pelo termo determinismo, bem como sobre o que se quer indicar por essa autonomia constitutiva da Mónada. Quem entrar em Leibniz pelos textos da tradição, tais como a Monadologia ou o Discurso de Metafísica, entra em contacto com textos formais, os quais apresentam a generalidade das suas ideias e teorias, erigidas em sistema. O problema de uma tal entrada não é evidente. Essa entrada, no entanto, escamoteia os textos que apresentam as suas explicações, na maior parte dos casos fornecidas em pequenos textos, correspondências e cartas nunca enviadas. Ora, o sistema filosófico de Leibniz é uma imbricação da qual a teoria da liberdade é um sistema. À partida, para abordar uma parte do sistema, ter-se-ia que abordar, primeiramente, a totalidade. A totalidade prevalece sobre a parte dando-lhe sentido. Nós seguiremos, no entanto, um caminho inverso. É verdade que a natureza deste trabalho não nos permite enveredar por análises metodológicas que, por si só, ocupariam a totalidade do espaço que temos previsto para este estudo. Assim, este estudo não pode deixar de ser preliminar. Mas, por ser preliminar não abdica de escrutinar o sentido daquilo que investiga. O caminho inverso a que aludimos trata-se de partirmos dos textos explicativos. Um desses textos é o De libertate de 1680-1682. Outro é o De libertate de 16893 . Este nosso caminho invertido começa, precisamente, neste último. A nossa intenção é começar pelas explicações específicas dadas por Leibniz para, depois, visualizarmos essas explicações à luz da totalidade do seu sistema. Refira-se que as explicações dadas por Leibniz têm sempre em vista, como não poderia 1 Ver, Monadologia, página 42. Doravante será referida por Mona, seguida do artigo ou da página. A edição usada é a indicada na Bibliografia. 2 Discurso de Metafísica, 46. Doravante referido por DM, seguido da página. A edição é a indicada na Bibliografia. 3 Disponíveis, ambos, na Internet, em http://www.leibnizbrasil.pro.br/index.htm. Estão incluídos em anexo ao presente estudo. O escrito de 1680 será, doravante, referido por A, seguido da indicação da página de anexo. O escrito de 1689 será referido, doravante, por B, seguido da página de anexo.
  • 5. Liberdade, possibilidade e determinismo em Leibniz Luís Mendes Seminário Introdução -2- deixar de ser, a totalidade do seu ponto de vista. Assim, obviamente que a explicação sectária não é, em rigor, sectária, visto ser delineada dentro do ponto de vista que a enforma. Assim, a nossa abordagem não descura da advertência do próprio filósofo chama a atenção para a precedência do todo relativamente à parte. O nosso intento é, precisamente, doar sentido ao fenómeno da liberdade a partir da estrutura fundamental (a totalidade), procedendo das suas explicações dirigidas especificamente, sem que esta especificidade implique um esquecimento relativamente ao todo, pois é este não esquecimento que permite o pré-delineamento da abordagem específica em causa. A própria delimitação do fenómeno deve contar com a preposição do todo. Mas, isso significa que o primeiro passo deve ainda ser essa delimitação. Teremos pois sempre em vista a totalidade doadora de sentido nesta delimitação do fenómeno da liberdade. O texto B começa por fazer um comentário que simultaneamente se compreende dentro duma perspectiva antropológica e duma perspectiva da história das ideias filosóficas. “Como a liberdade e a contingência podem coexistir com a série de causas e com a previdência divina é uma das mais antigas preocupações da raça humana.” Este labirinto da mente humana parece surgir irremediavelmente ligado a formas de determinação. Ora, o nosso intento é, exactamente, o esclarecimento destas formas de determinismo implicadas pelo questionamento do que seja a liberdade humana ou o seu âmbito efectivo. A liberdade aparece imediatamente referida à série de causas do mundo natural. O ponto de vista de Leibniz sobre o mundo físico descreve um mundo determinado pela relação de causalidade ou de causação entre dois fenómenos. Isto é, segundo Leibniz os fenómenos sucedem-se de um modo tal que um provoca o outro, sendo que este existe pela implicação da existência do outro. Ora, esta referência contínua ao ponto de vista leibniziano deve precaver-se de ser mal interpretada. Não se pressupõe aqui que um ponto de vista recrie um mundo à parte. Se uma Mónada e, por consequência, um ponto de vista é um mundo à parte, isso não deve significar uma referência a qualquer coisa sem domínio público. Como veremos mais à frente, o mundo à parte que cada Mónada é configura um mundo próprio que é o seu, em propriedade e originariamente. Contudo, faz parte dos fenómenos percebidos como parte do mundo físico que venham acompanhados duma referência à totalidade do universo. Esta referência é fundamental. Esta referência é a publicidade dos fenómenos, isto é, é o carácter dos fenómenos que nos aparecem referidos a um ponto de vista geral. Os fenómenos com que nos deparamos vêm ao nosso encontro com essa referência própria que remete para um ver geral (o que eu vejo, vejo-o como visível – que pode, em princípio, ser percebido por qualquer um). E isto independentemente da questão epistemológica acerca da existência das coisas fora de mim4 . O mundo que cada um é, constituído como ponto de vista, é, antes de mais, um mundo próprio de percepções, percepções que constituem a proximidade. Esse mundo familiar, o mundo que cada um habita em propriedade, de tal modo que se identifica com o seu mundo (a Mónada é o seu mundo), configura a proximidade das coisas (cada mundo é um ponto de vista). Entretanto, esta proximidade não exclui o resto. A Mónada, o mundo que cada um é, o ponto de vista e que cada um se projecta a si mesmo no mundo que o constitui, reflecte a totalidade do sistema de Mónadas. O domínio próximo que cada um habita em propriedade, isto é, o domínio de familiaridade refere-se constitutivamente à totalidade do sistema de Mónadas e, por inerência, à totalidade de sistemas de mundos. Aqui encontramos a âncora da publicidade sobredita, mas também a âncora que nos permite dizer que um ponto de vista não é um sujeito isolado no sentido solipsista. O domínio de familiaridade configura, deste modo, o ponto de vista no próprio olhar em que este se projecta sobre o que desconhece (sobre o que não apercebe, sobre o que não percebe senão confusamente). Isso que escapa ao seu olhar apercebido (consciente) não é, de facto, algo sobre o qual não possamos dizer nada. O que desconhecemos, o que dizemos ignorar, não é algo sobre o qual não possamos dizer nada. Aquilo que não sabemos e que, portanto, procuramos, é algo que à partida se configura a partir dessa referência que procede do domínio familiar para se referir à totalidade. Na medida em que cada mundo espelha o universo, é em todo o lado como aqui. Assim, quando nos referimos ao ponto de vista de Leibniz, não queremos com isso dizer que se trata de uma fábula de Leibniz. Pelo contrário, partimos do princípio que o seu ponto de vista reflectia e se reflectia na mesma totalidade de sistemas que o autor deste estudo reflecte e em que se reflecte. Portanto, usando as palavras comuns e em 4 DM, 53.
  • 6. Liberdade, possibilidade e determinismo em Leibniz Luís Mendes Seminário Introdução -3- sentido comum, para que nos façamos entender em palavras de todos-os-dias5 , partimos do princípio que Leibniz não inventou um mundo que coubesse nas suas teorias, mas que desenvolveu uma explicação para o mundo. Aqui percebemos que a noção de Mónada não deve ser lida de maneira imediata. Uma Mónada, sendo simples e una, é complexa e múltipla. Sobre este tema, Leibniz escreveu profusamente. Aliás, esta matéria faz parte dos pontos cardeais que servem de argamassa ao seu sistema. No entanto, não entrando ainda nas suas obras que atrás considerámos propriamente de sistema, atemo-nos aqui ao escrito específico Novo sistema da natureza e da comunicação das substâncias6 . “É necessário afirmar que Deus primeiro criou a alma, ou qualquer outra unidade real, de tal modo que tudo nela origina-se de sua própria natureza, com uma perfeita espontaneidade quanto a si mesma e ainda com uma perfeita conformidade a coisas fora dela”7 . Não há, portanto, nenhuma comunicação efectiva entre substâncias, embora no uso corrente da linguagem esse seja o nome que lhe demos. Comunicação é uma palavra que usamos para designar esse fenómeno da simultaneidade das ocorrências concordantes no interior de cada substância. Esta elucidação vale para qualquer substância, portanto, vale também para as substâncias a que chamaremos almas. De resto, a alma mais não é do que a substância central dum corpo que perfaz uma totalidade. Esta totalidade é ela mesma indestrutível (a morte não é entendida como uma separação entre alma e corpo em que este seria destruído e aquela mantida). A alma é uma substância individual particular, ou seja, uma Mónada específica, característica dos seres reflexivos8 . Na realidade, então, as substâncias foram de tal modo criadas pela Substância Suprema (Deus) que, enquanto existem, tudo o que no seu interior ocorre tem origem no seu próprio interior (espontaneidade). Por outro lado, cada substância é um espelho do Universo e se, assim, é um mundo inteiro, é também um reflexo da totalidade do universo. Ou seja, o interior duma Mónada reflecte a totalidade das Mónadas. Cada Mónada foi criada com uma tal forma (evitando utilizar já a noção de constituição) que durante a sucessão de ocasiões no seu interior (existência), essa sucessão puramente interior reflecte perfeitamente a sucessão de ocasiões que ocorre no interior de cada Mónada do universo. Assim a aparência para as Mónadas capazes de pensamento, que dão conta de si mesmas, é a de que existe comunicação entre as Mónadas. Esta comunicação é portanto uma explicação prática, segundo o uso habitual das palavras, e pode manter-se desde que previamente esclarecida. Tudo o que ocorre no nosso interior exprime o universo. Nesse sentido, pareceria que as nossas percepções, claras e distintas ou confusas e indistintas, apercebidas9 ou não, seriam o resultado da sucessão das causas exteriores. Assim, a nossa vontade e as nossas acções seriam um efeito do exterior entendido como causa. A liberdade seria, então, uma aparência proporcionada pelo facto da nossa apercepção se iniciar em nós10 , como não poderia deixar de ser. Nós, enquanto espelho, somos, propriamente falando, o reflexo. Tal como nunca poderemos ver o espelho por detrás do reflexo, também não podemos ver o nosso ponto de vista por detrás do reflexo. Somos imagem do mundo e, como tal, 5 O próprio Leibniz, depois de esclarecer as coisas com rigor, recorre ao uso vulgar das palavras. Este uso perde em especificidade, mas não perde em rigor, pois ganha o seu próprio rigor a partir da explicitação que o antecede. 6 Também disponível no endereço atrás referido, este texto não é incluído em anexo por não recorrermos frequentemente a ele. 7 Novo sistema da natureza e da comunicação das substâncias. 8 Habitualmente, Leibniz não entende que a alma seja simplesmente a essência animal, por assim dizer. O que caracteriza a alma não é a simples animalidade, mas a reflectividade. Trata-se de uma parte do universo que consegue aperceber-se de si e do universo (note-se que a apercepção de si implica sempre a apercepção do universo, e a apercepção do universo implica sempre a apercepção de si). Na imagem que se apercebe da imagem ocorre, portanto, uma inflexão, tal como quando colocamos um espelho frente a outro espelho, gerando uma referência infinita peculiar que converte a espontaneidade em liberdade. 9 As percepções podem ser apercebidas ou não, ou seja, há percepções que não notamos, e outras que notamos. Notar significa, em Leibniz, aperceber. Por vezes cortamo-nos e não damos conta disso, não notámos o corte. Ora, podemos pensar que existiu dor, mas que não demos por ela. Então, não foi apercebida. Em rigor tudo o que existe é percebido, mais ou menos confusamente. Leibniz entende que existe um limiar da a aperceptibilidade, da notabilidade, isto é, há um limite de confusão para lá do qual não notamos as coisas, apesar delas estarem em nós. O universo está totalmente em nós, mas essa totalidade não é absolutamente apercebida. Só porque tudo está em nós podemos aprender coisas novas, descobrir coisas nunca vistas, inventar coisas ainda não imaginadas – tudo isto acontece porque se trata de um desbravamento, de um des-encobrir, de um fazer luz sobre, de um esclarecer. Além disso, tudo aquilo que notamos refere a totalidade; o domínio familiar espelha a totalidade. Deste modo, o ponto de vista tem uma forma de olhar o desconhecido que lhe é constitutiva. Como dissemos, o ponto de vista projecta-se a si mesmo sobre o que lhe é, ainda, oculto. Essa projecção pode esclarecer-se da seguinte maneira: é em todo o lado como aqui. 10 Tal como um espelho consciente de si mesmo e cujo foco dessa consciência visa um espelho.
  • 7. Liberdade, possibilidade e determinismo em Leibniz Luís Mendes Seminário Introdução -4- vemos a partir desses olhos que são já parte do reflexo. A liberdade parece surgir como uma ilusão proporcionada por essa limitação óptica.11 Contudo, as divagações anteriores permitem-nos uma amplitude diferente. Enquanto espelho do universo cada um dos humanos é, primeiramente, uma Mónada sem janelas. Não é a liberdade mas a causalidade que é uma ilusão provocada pela nossa forma original, criada por Deus à imagem do universo. Ora, sendo que todas as substâncias foram deste modo criadas, à imagem da totalidade das substâncias, é evidente que o que se origina em cada um reflecte de tal modo o exterior que gera a ilusão de comunicação, causalidade ou causação entre substâncias12 . Ora, isso significa que os fenómenos que ocorrem em nós têm origem na nossa natureza13 e que são consequências do nosso ser, ocorrendo em ordem ao mundo que está em nós, exprimindo o universo em conformidade com essa ordem total que presidiu à criação de todas as Mónadas individualmente consideradas. Daqui resulta uma outra forma de determinismo que pode ser percebido no sistema de Leibniz. Se o que ocorre em nós resulta da visão de Deus acerca da totalidade das Mónadas, visão que resulta na criação individual das Mónadas de tal modo que cada ocasião14 no seu interior foi prevista, isto significa que cada substância é um mundo isolado, próprio e auto-suficiente cujo desenrolar ontológico15 foi previamente visto por Deus. Este pré não deve aqui remeter para uma leitura cronológica da categoria divina. A visão de Deus é a-temporal por definição, isto é, Deus apercebe a totalidade do universo de um só golpe. E esta visão não deve remeter para categorias empíricas, mas puramente intuitivas e a priori (a totalidade é apreendida de uma só vez, sem mediação, e, para dizê-lo em linguagem humana, antes de todos os tempos). A presciência16 , a sabedoria prévia de Deus, a visão prévia de cada mundo e da totalidade dos mundos (universo) não deve aqui ser descarnada do seu sentido teológico, tal como acima anotámos. Contudo, esta advertência não basta a Leibniz. 11 Este uso do campo semântico de espelho é muito comum na Escolástica e reflecte-se, como não poderia deixar de ser, nos primeiros filósofos que pretendem escapar da influência da metafísica medieval. Leibniz é um destes filósofos. 12 Ver DM, 55 e Mona. art. 51. 13 Natureza tem, para Leibniz, o sentido de essência, de noção. Não se entende natureza no sentido contemporâneo, devedor do romantismo, de natureza humana. De algum modo a natureza de cada um é o seu modo de ser. Daí que Leibniz fale da natureza de cada Mónada. Uma análise mais aprofundada levar-nos-ia a dizer que a natureza de cada Mónada compreende não só a totalidade da sua existência (dos possíveis que ela escolheu para existirem, mas a totalidade das suas possibilidades, quer venham a existir alguma vez, quer não. 14 Uma ocasião não é simplesmente um instante cronológico, mas um momento de abertura de possibilidades da própria existência. Não é um simples instante parado ao qual seguirá um outro. É um momento do fluxo contínuo que a apercepção prefigura e que prefigura a totalidade da Mónada. A alma, pelo movimento livre da vontade, deve, então, identificar-se com existência. Cada um é a totalidade da sua existência. Obviamente, o novelo ontológico gerado pela compreensão de cada um como espelho do universo, implica também que cada um seja a totalidade da existência em geral. Note-se que, uma análise lógica levar-nos-ia à conclusão de que, cada escolha feita implica a totalidade do universo. Em cada escolha que cada um faz compromete-se a existência da totalidade do universo. Uma escolha diferente pressuporia um diferente universo. Um mundo em que o autor deste estudo resolvesse não o fazer, implicaria que o universo existente (nessa hipótese) não fosse tal e qual este que existe. A minha escolha implica a totalidade. 15 Na medida em que, pelo que já se foi dizendo, a existência de cada um ressai do ser de cada um. O ser de cada um compreende o desenrolar fáctico da existência. Cada fenómeno da existência, cada momento de vida na vida de César está implicado pelo seu ser. O ser de cada um é a totalidade da vida de cada um. 16 A Presciência trata-se de um saber das coisas antes das coisas acontecerem. Não se trata de um simples cálculo, mas uma detenção em absoluto, em propriedade. Não se trata de um saber indirecto como o que nós podemos ter se ouvirmos alguém dizer que vai fazer isto ou aquilo. Também não se trata de um cálculo, como na meteorologia. A Presciência divina significa uma detenção em próprio de todo o saber, de todas as verdades acerca de todas as coisas. Esta presciência não é, sob nenhum aspecto, empírica ou mediata, mas detida por anterioridade. Note-se que o Pré-, em todos os fenómenos a que nos referimos, tem uma conotação absolutamente formal, isto é, refere-se à própria constituição, neste caso, da sabedoria divina. A sabedoria divina é, constitutivamente, anterior. Isto significa que esta anterioridade não faz, na verdade, nenhuma referência cronológica. A sua forma é a anterioridade. Não se trata, pois, de ser produzida um ou dois segundos antes disto ou daquilo, mas de ser, por definição, anterior ao tempo e, consequentemente, anterior a qualquer categoria temporal. A alma, enquanto imagem de Deus, é constitutivamente constituída por algo semelhante a esta presciência. Mas a sua natureza presciente à sua medida. Mas a alma recebe desta pré-sabedoria o seu próprio modo de ser pré. Deste modo, a determinação do sentido de cada ocasião depende das possibilidades que dessa ocasião são arrancadas, que essa ocasião abre. O sentido da vida é determinado, de cada vez, da abertura de possibilidades enraizada nesse próprio a cada vez (facticidade). A incontornabilidade do agora, do viver a cada vez, é o próprio atraso de cada um relativamente a si mesmo, na medida em que o seu sentido e, por consequência, o seu ser é assim determinado, constitutivamente, enquanto possibilidade. O paradoxo que daqui resulta, a saber, a anterioridade da possibilidade relativamente à existência, não é de facto um paradoxo, na medida em que este pré é meramente formal, isto é, sem referência a nenhuma categoria cronológica.
  • 8. Liberdade, possibilidade e determinismo em Leibniz Luís Mendes Seminário Introdução -5- A presciência é um problema da tradição cristã que tradicionalmente costuma ser mitigado pelo factor de eternidade. Ou seja, habitualmente dissolve-se a sensação de determinismo (ou fatalismo) que deriva da noção de presciência (Predeterminismo), nesse prefixo que indica a ausência de tempo. Então, o pré divino, enquanto abdicando por essência de qualquer anterioridade cronológica, na medida em que é a ausência de uma apercepção temporal, apresenta uma visão pura, eterna (um ponto de vista absoluto, o mundo que é todos os mundos) que, obviamente, não cabe já nessa série de fenómenos em que ocorre a relação de determinação de um fenómeno por outro. Ora, segundo Leibniz a presciência divina é, de facto, atemporal e, nesse sentido, não se lhe pode tornar a culpa dos nossos actos. Assim, o acto voluntário de alguém, antes de ter lugar, não existe ainda. Não existe, embora Deus saiba certamente que ele vai ocorrer. Mas o ponto aqui é antropológico, ou melhor, fenomenológico e não propriamente teológico. O que importa aqui a Leibniz é que um segundo antes de agir o acto é desconhecido do agente.17 O argumento de que “se Deus sabe de antemão todas as minhas acções, então as minhas decisões estão, a bem dizer, já tomadas e, nesse caso, não são propriamente minhas, mas de Deus que assim decidiu o mundo do qual faço parte” é um argumento vazio, de um qualquer ponto de vista humano. Isto porque a presciência divina nada decreta, apenas prevê. Mas, se se afirmar que essa previsão é para as criaturas uma predestinação, então resta dizer que a vontade divina determina mas não necessita. Ou seja, não se pode dizer que sendo exterior Deus não comunica com a Mónada. Deus é o único objecto externo que afecta a nossa alma, aliás, toda a afecção da nossa alma resulta da influência divina (vemos todas as coisas através dele)18 . Mas, por outro lado, também não se pode dizer que a decisão divina necessita a nossa decisão. Um segundo antes da decisão a nossa alma ainda não tem uma escolha, ainda são possíveis várias escolhas e tem que ser, efectivamente, a alma a tomar a decisão. Essa decisão não decorre, no domínio das coisas humanas, da vontade divina (pois esta explicação, por última e primeira que é, nada explica). A escolha ainda por fazer também não pode ser demonstrada matematicamente antes de ser tomada. Ora, se a decisão estivesse necessitada (não dependesse da decisão da alma), então haveria de se poder demonstrar recorrendo ao princípio da contradição. Contudo, qualquer tentativa de fornecer uma tal demonstração apenas demonstrará à saciedade o contrário: que a decisão não está necessitada e que, para se saber qual a escolha possível que se tornará existente, se terá de esperar pelo momento em que a vontade se pronuncia19 . Só depois de tomada a decisão a escolha (prevista por Deus) se torna evidente. Note-se que com isso Leibniz não está a afirmar que, apesar de a nossa decisão já estar tomada necessariamente antes do momento da nossa vontade se decidir, nós estamos livres porque ao nos decidirmos tomámos a nossa decisão à margem de uma coação. Pelo contrário, para Leibniz, a coação é indiferente. A coação é indiferente para aferir da liberdade humana devido à não indiferença da vontade. Leibniz recusa a possibilidade da indiferença da vontade, ou, pelo menos, recusa a possibilidade de uma escolha em estado de indiferença, o que, na prática, significa a recusa de que seja 17 Ver DM, 74. 18 Como se pode ver em DM, 72. 19 Aqui não podemos deixar de fazer um reparo contemporâneo. A indústria da sétima arte ajuda a ilustrar e a tornar compreensível, a partir de um apoio empírico ou experimental, esta tese. Veja-se o filme Relatório Minoritário. Nesse filme, as técnicas forenses permitem à polícia antecipar os crimes mais graves. A polícia sabe quando um cidadão vai decidir executar um homicídio. O curioso é que os homicidas que ainda não mataram, em grande parte dos casos, recusam a ideia de que iriam matar. A pergunta surge-nos: como podemos saber se eles iriam de facto matar? Mas os homicídios foram praticamente eliminados. Este dado estatístico fornece alguma base de apoio para acreditarmos que o método funciona. Contudo, imaginemos o acusado: o réu é acusado antes de matar. Assim, a maior parte dos casos são passionais, pois os casos ponderados, os homicídios premeditados, deixaram de ser uma opção (por razões óbvias: são imediatamente previstos pela polícia). Por outro lado, um futuro-homicida, estando junto à esposa apanhada em flagrante traição, empunhando uma arma, apontando-a à traidora, recusa que fosse matar. Mas é, sobretudo, o caso principal do filme que aqui me interessa. O chefe da polícia de pré-conhecimento é acusado pela técnica forense que o implica num futuro homicídio de alguém que ele nem conhece. Recusando a ideia de se vir a tornar homicida envereda por uma fuga que o leva ao local previsto para o crime. Aí desenrolam-se todas as circunstâncias previstas, circunstâncias que inclinam o protagonista a premir o gatilho. Por momentos ele julga-se necessitado, sem escolha, pois o homicídio havia sido previsto. Mas foi aí, nesse momento de conflito entre o que sabia ser uma previsão e o momento existencial, fáctico (incontornável) da decisão que ele percebeu: a decisão só estaria tomada quando ele a tomasse. Note-se que o tomar conhecimento da previsão se torna um factor decisivo da decisão. Podemos dizer que, se alguém toma conhecimento de uma decisão sua futura, essa decisão passa a ser um condicionante da decisão futura efectiva. Isto é, teria que existir uma actualização da previsão que tivesse em conta esse conhecimento. Obviamente que, se essa actualização fosse também ela transmitida ao agente, seria necessária uma nova actualização. Este processo é infinito. Ou seja, conhecer uma decisão futura é abrir de novo o processo, por assim dizer. Deste modo podemos afirmar que, se Deus nos revelasse as nossas decisões futuras, essas decisões não estariam, de facto, predeterminadas, pois poder-se-ia decidir sobre elas. Claro que, uma vez que Deus é absoluto conhecimento, o seu conhecimento levaria em conta, também, este facto. Então, como se vê, entra aqui um vector paradoxal. A previsão última e irreversível não pode ser revelada pois, ao ser revelada, deixa de ser irreversível. O vector paradoxal é, precisamente, a revelação da previsão. Por outro lado, a não revelação significa que só se sabe a escolha depois da decisão.
  • 9. Liberdade, possibilidade e determinismo em Leibniz Luís Mendes Seminário Introdução -6- possível ser-se livre e indiferente. A liberdade pressupõe escolha, escolha pressupõe decisão, a decisão só pode ocorrer no caso em que uma das escolhas inclina a vontade em maior grau. A inclinação da vontade segue a perfeição. O mesmo é dizer que só existe liberdade quando em causa está a decisão entre duas ou mais possibilidades sendo que, entre elas, existe uma cuja perfeição leva à rejeição da existência das restantes. Assim, mesmo em circunstâncias de coação não se pode negar a liberdade humana (devido à coacção). Isto significa também que, apesar de uma das escolhas oferecer muito prazer20 e felicidade aparente, o agente pode sempre se decidir pela outra que, porventura, pode ser mais perfeita (na realidade). Para Leibniz esta realidade não mostra a indiferença da vontade perante as escolhas possíveis. Existe liberdade se existem vários possíveis em consideração. Um possível tem sempre alguma realidade, isto é, algum grau de perfeição. A vontade, se é livre, deve ser indiferente à necessidade (isto é, deve ter o poder de agir diferentemente), deve poder inclinar-se para o que julga mais perfeito21 . A vontade não é indiferente. Mas este tópico insere uma dificuldade que as teorias da indiferença evitavam ou pretendiam evitar ao propor essa indiferença. Essa dificuldade pode traduzir-se assim: podemos então afirmar que não existe liberdade onde a vontade é determinada por uma inclinação. Esta dificuldade é poderosa e assaz esgrimida na história das ideias filosóficas. Mas pouco tem que ver com o sistema de Leibniz. A abordagem ao sistema de Leibniz, por despreocupada que seja, facilmente encontra referências à espontaneidade substancial. A espontaneidade substancial erradica, logicamente, a necessidade da inclinação22 . A não indiferença da vontade mais não significa que dizer que uma vontade não pode ter uma vontade, pois, nesse caso, a referência seria ao infinito23 . De resto, Leibniz concebe a vontade como conatus24 , como tenção para, como esforço de, como intenção. Trata-se de uma ligação. A vontade não pode, pois, ser vazia. Não pode haver uma selecção sem um princípio de preferência. A espontaneidade da substância implica, pois, uma existência em referência circular. Isto é, tudo o que lhe acontece durante a vida surge de si mesma. Na acepção mais própria das palavras, a vida de cada um nasce da sua própria natureza. Assim, as decisões são, também elas, próprias. Espontâneas. Sem qualquer ingerência. A nossa vontade é, pois, independente de tudo quanto não é ela. Deste modo, a inclinação para a perfeição, a vontade de perfeição (conatus) deve ser compreendida tendo em atenção os seguintes aspectos. Antes de mais, qualquer possível em consideração é, enquanto está em consideração, uma percepção da alma. Essa percepção pode, com efeito, ser apercebida confusamente e confundir a alma. Assim, a alma pode errar por erro, digamos assim. Aquilo que aparentemente é mais perfeito pode não o ser (“a nossa vontade tenderia sempre para o bem aparente”25 ). Não pode a alma, neste particular, afirmar-se necessitada por um conjunto de razões? O facto de a sua vontade se encontrar inclinada, o facto da sua apercepção a iludir ou enganar parecem necessitar a decisão. Admitindo-se a inclinação (que não resulta duma opção da alma, a alma não escolheu ser atraída pela perfeição), e admitindo-se o ponto de vista (a alma, enquanto reflexo do universo é um mundo possível, uma visão desse universo, a alma não escolhe o seu 20 Ver Novos Ensaios sobre o Entendimento Humano , doravante referido como Ensaio, seguido da paginação (a edição é a referida na Bibliografia). Ensaio, 109-110. A indiferença deve ser definida propriamente como a ausência de apercepção de prazer ou dor. Uma percepção indiferente é aquela que não é acompanhada de nenhum prazer nem dor (em sentido geral como sentimento de perfeição ou de ausência dela). Ora, é certo que não há nenhuma percepção absolutamente indiferente, mas aplica-se este adjectivo às percepções cujo efeito não é notável (cujo prazer ou dor resultantes não são notáveis pela alma). Note-se, portanto, que a indiferença e a ignorância são afinal a indistinção e a confusão das percepções. 21 DM, 74. 22 Ensaio, 135: “Ser determinado ao melhor é ser maximamente livre”; “… a escolha, por muito determinada que a vontade esteja a seu respeito, não deve ser chamada necessária absolutamente e em rigor; a prevalência dos bens inclina sem necessitar, se bem que, tudo considerado, essa inclinação seja determinante e não deixe nunca de produzir o seu efeito”. Esta escolha inclinada é a essência da liberdade e jamais um jugo: “Se a liberdade consiste em sacudir o jugo da razão, os loucos e os insensatos serão os únicos livres, mas não creio, porém, que pelo amor de uma tal liberdade alguém quisesse ser louco, salvo aquele que já o é.” Kant viria a perceber a importância deste ponto teórico para uma fundamentação da moral. 23 A, 2 e 3. 24 Conatus. De conor – empreender, esforçar-se, ensaiar, tentar; esforço, ímpeto, impulso, tendência, inclinação, empenho. 25 DM, 74.
  • 10. Liberdade, possibilidade e determinismo em Leibniz Luís Mendes Seminário Introdução -7- ponto de vista na medida em que este é a sua forma), então a decisão resulta, supõe-se, matematicamente da sua soma. A resposta de Leibniz é mais clara do que nós poderíamos ser: “depende da alma precaver-se contra as surpresas das aparências”26 . O ponto de vista (a substância) é sempre verdadeiro. A inclinação é sempre boa27 . O erro28 , pois, está no olhar que deve precaver-se, tematizar-se29 e não o fez convenientemente. Este poder de precaver-se deve ser usado invariavelmente no seu melhor proveito e a responsabilidade do uso incorrecto ou incauto desse poder cabe à alma. Essa precaução que a alma deve tomar vem apenas asseverar a tese segundo a qual “todos os nossos fenómenos, tudo aquilo que pode alguma vez acontecer-nos, mais não são do que consequências do nosso ser”. Ora, isto significa apenas que o mundo está em nós. Não precisamos de receber estímulos de fora. O mundo está dentro de nós30 . E é com esse mundo que contamos para os nossos cálculos e para julgar do futuro pelo passado. Ora, esta pertença do mundo a si refere a espontaneidade dos fenómenos relativamente à substância. Todos os fenómenos que a alma percebe e/ou dos quais se apercebe nascem espontaneamente (sem outra causa) de si própria. Todas as suas decisões são, portanto, incondicionadas se, por condição, se entender um requisito exterior à alma. Nas substâncias inteligentes a espontaneidade é liberdade que, neste sentido, mais não é que a apercepção de si próprio como causa. Por outras palavras, a liberdade é a consumação da alma como espelho propriamente dito, na medida em que espelha a divindade, causa suprema e espontaneidade pura. Ora, aqui surge-nos uma nova objecção. Deus, ente no qual tudo é espontâneo, é também o ser necessário por excelência. A existência necessária está aliada à vontade livre, e ambos em grau supremo. Qualquer objecção deste género não é uma objecção de facto nem de direito, posto que ela própria se responde. Em Deus a existência é absolutamente necessária, e a vontade divina é supremamente livre. Ora, o que questionamos é, precisamente, a liberdade da vontade (por oposição à necessidade da vontade). A necessidade da existência (que se opõe à contingência) em nada impede a liberdade da vontade31 . De resto, mesmo que impedisse, nada daí se inferiria para as criaturas, visto não ser a existência de nenhum ser criado necessária32 . Nenhuma alma criada é tal que a negação da sua existência resultasse em contradição. Todas as existências limitadas, na medida em que não abarcam a plenitude, a perfeição total, são simplesmente contingentes, isto é, a sua coexistência com Deus é possível mas não necessária (pois, como é óbvio, Deus, substância necessária por princípio, existe independentemente da não existência de qualquer das suas criaturas)33 . 26 Ensaio, 135, “… a mais alta perfeição de um ser inteligente consiste em se aplicar cuidadosa e constantemente à procura da verdadeira felicidade, assim, também o cuidado que devemos ter para não tomar por uma felicidade real a que é simplesmente imaginária…” este cuidado é o fundamento mesmo da nossa liberdade. A liberdade, com efeito, seria vácua se a alma não detivesse este poder de cuidar de si. 27 E é, como se viu, uma condição para a liberdade. 28 O erro consiste em tomar por felicidade real uma felicidade apenas aparente. Resulta das nossas percepções confusas (note-se que a ignorância mais não é do que a confusão das percepções uma vez que o autor sustenta que cada substância contém o mundo inteiro). A possibilidade do erro, em si mesma, é boa na medida em que segue uma necessidade operativa, prática. Praticamente convém que a alma possa decidir-se em tempo útil. Ensaio, 111, “o autor infinitamente sábio do nosso ser agiu para nosso bem, quando fez de maneira que estejamos muitas vezes na ignorância e em percepções confusas: para que possamos agir mais prontamente por instinto e para não sermos incomodados por sensações demasiado distintas, relativas a muitos objectos, de que nos esquecemos por completo e que a natureza não pôde dispensar para alcançar os seus fins.” É claro, umas linhas a baixo, ao afirmar que se tivéssemos os nossos sentidos mais aperfeiçoados do que temos isso nos traria demasiados inconvenientes. Temos o olfacto e a visão que nos é conveniente. A margem de erro que lhes cabe é a melhor tendo em conta a nossa finalidade (procura da felicidade, procura da perfeição). 29 Tematizar é, antes de mais, considerar – uma concentração do ponto de vista. A esta concentração podemos chamar atenção. Este esforço de concentração do ponto de vista é dirigido pelas necessidades da vida. Cf. Ensaio, 56. 30 DM, 53. 31 Pelo menos, em abstracto. A consideração desta objecção em termos dos seus pormenores far-se-á, tacitamente, mais à frente ao se mostrar a possibilidade da liberdade. 32 É possível conceber-se um Deus necessitado sem negar a liberdade humana. Há, de facto, quem defenda que Deus escolhe necessariamente a perfeição e, simultaneamente, defenda que o humano é livre. Contra esses também Leibniz escreve. Essas considerações também se farão mais à frente. 33 A haver uma substância necessária, qualquer outra substância necessária é necessária se a sua não coexistência com a primeira implicar contradição, pois, dada a sua necessidade a primeira não pode ser negada sem contradição. Assim, sendo Deus o criador incriado e necessário, a haver outra substância necessária, a existência desta ter-se-ia que derivar da existência de Deus, dado que esta foi já asserida. Obviamente, a existência de Deus tem também de ser derivável da existência dessa outra (o que não coloca nenhuma dificuldade, uma vez que a existência de Deus se deriva da existência de qualquer outra substância). Uma análise mais demorada haveria de mostrar que uma qualquer existência
  • 11. Liberdade, possibilidade e determinismo em Leibniz Luís Mendes Seminário Introdução -8- necessária tem que ser absolutamente coexistente com Deus, isto é, tem que ser Deus. Daí derivar-se-ia que é necessário que a única substância cuja existência é necessária é Deus (qualquer substância necessária é Deus).
  • 12. Liberdade, possibilidade e determinismo em Leibniz Luís Mendes Seminário Da possibilidade da liberdade -9- Cap. I S e c ç ã o 2 CAPÍTULO I – DA POSSIBILIDADE DA LIBERDADE Depois de ter notado a importância do problema em causa, Leibniz, no Sobre a Liberdade de 1689, comenta uma das aparências que podem resultar das suas teorias34 . Em linhas gerais, traça um quadro para um leitor possível. Esse quadro apresentaria Leibniz como necessitarista e fatalista. A primeira confusão surge da sua tese segundo a qual “nada acontece por acaso ou acidente”, ou “tudo acontece por uma razão”. Esta tese é por ele afirmada ao longo de toda a sua obra, nos seus mais vários escritos. Em DM, 42, podemos encontrar uma formulação interessante tal que nada acontece no mundo que seja absolutamente irregular, nem sequer se poderia ficcionar nada assim. Mas citamos aqui o princípio claramente expresso e explicado em Princípios da Natureza e da Graça35 , 25: “… nada se faz sem razão suficiente, quer dizer, que nada acontece, sem que seja possível àquele que conhecesse bem as coisas, dar uma razão que baste para determinar por que é isso assim e não de outro modo.” Ora, como Leibniz bem aponta, dessas considerações resulta um certo necessitarismo. Isto é, fica-se com a ideia que Leibniz considera que tudo está necessitado e que, portanto, ou não existe liberdade ou, se existe, se trata duma liberdade derivada, por assim dizer (uma liberdade fenoménica, isto é, reduzida à apercepção de poder decidir-se a si mesmo sem coação). Mas deverá o fenómeno da liberdade ser reduzido a esta apercepção de ausência de coação? Para Leibniz, não. Em ordem a demonstrar que a ordem dos acontecimentos não está necessitada, apesar de para tudo se poder encontrar uma razão e nada acontecer por acaso, Leibniz procede a uma análise lógica. Sendo que há possíveis que nunca existiram, não existem e não existirão, então há, necessariamente, possíveis que existem sem serem necessários, pois em vez deles poderiam existir esses possíveis que não existem. Portanto, apesar de nada acontecer por acaso, o que acontece é contingente. O contingente é aquilo que existe sem que seja possível demonstrar a sua necessidade, apesar de se poder demonstrar a sua certeza36 . O necessário é, pois, o que é demonstrável pelo princípio da contradição. A força da necessidade implica que seja contraditório o seu contrário. Assim, um acontecimento necessário é tal que a sua não ocorrência resulta numa contradição. Qualquer ser necessário é igualmente definido. Deus, por exemplo – e na série dos fenómenos não existe qualquer exemplo – é necessário uma vez que, enquanto Criador Incriado e substância primeira de todas as coisas, a sua não existência acarretaria contradição ao concluir pela não existência de mais nenhum fenómeno, o que é manifestamente contraditório com a verificação de que existem coisas. Mas esta contradição é, por assim dizer, sintética e, como tal, deve resultar numa identidade. Ou seja, a necessidade de Deus significa que não pode ocorrer que Deus possa ser não existente (não é verdade que[Deus=não Deus]). Por outras palavras, a análise do conceito de Deus implicará a sua própria existência (Deus=Deus; por análise de que Deus=Perfeição=Existência). A noção de Deus implica a sua própria existência. A não existência de Deus é contraditória, resulta num absurdo (a possibilidade de um ser perfeito que não existe)37 . 34 “Quando eu considerava que nada acontece por acaso ou por acidente (a menos que estejamos considerando certas substâncias entendidas por si mesmas), que a fortuna diferenciada do destino é nome vazio, e que nenhuma coisa existe a menos que suas próprias condições [requisitis] particulares estejam presentes (condições de cuja presença conjunta se segue, alternadamente, que as coisas existem) estive muito próximo à opinião daqueles que pensam que tudo é absolutamente necessário, que julgam que é suficiente para a liberdade que não estejamos coagidos, mesmo que estejamos sujeitos à necessidade, e próximo à opinião daqueles que não distinguem o que é infalível ou certamente conhecido como verdadeiro, daquilo que é necessário.” 35 Doravante, PNG, seguido da paginação. A edição é a indicada na Bibliografia. 36 Há aqui uma diferença fundamental entre o certo e o necessário. Habitualmente, Leibniz confina o uso da demonstração ao necessário. No entanto, em A, 1, Leibniz admite uma forma fraca de demonstração como um mostrar certo. Entretanto, cabe elucidar que ser certo difere de ser necessário (o que é mostrado no caso da demonstração necessária). 37 Uma vez que Perfeição implica Existência. A necessidade dum ser necessário significa que a sua mera possibilidade implica a sua existência necessariamente. Note-se que esta demonstração não é propriamente leibniziana. Leibniz aceita-a com a reserva de que não supre todas as inquietações. Incluímo-la a título de exemplo.
  • 13. Liberdade, possibilidade e determinismo em Leibniz Luís Mendes Seminário Da possibilidade da liberdade -10- Cap. I Ora, também as fábulas são possíveis, na medida em que posso pensar num carneiro a falar sem entrar em contradição. Mas apesar disso, não existem carneiros falantes38 . Deste modo também a realidade existente que temos perante nós não é mais do que um possível entre outros possíveis. A negação desta realidade existente não implica contradição e, aliás, é perfeitamente imaginável que a sociedade humana que existe fosse substituída por uma sociedade de carneiros falantes, a qual é possível e em nada contraditória em si mesma. A contingência das coisas resulta de que a existências delas não é necessária em si mesma. A realidade existente poderia ser diferente. Não só a existência, mas também a verdade pode ser necessária ou contingente. Tentando delimitar os sentidos dos termos com a máxima precisão, Leibniz procura apreender claramente o uso desses termos neste particular. As verdades necessárias são bem diferentes das contingentes. Então, cumpre-se esclarecer a sua ideia, isto é, tornar essas ideias claras e distintas. É comum a qualquer verdade que o predicado esteja no sujeito. Por outras palavras, que a proposição verdadeira assira uma identidade. É essa a fonte da infalibilidade e, a bem dizer, da demonstração: que o predicado seja contido pelo sujeito. Leibniz nota aqui que, ao invés de resolver o problema, parece estar a escavá-lo mais e mais. Como é possível que se retire o predicado do sujeito sem que este se mude noutra coisa? Ora, se isto não for possível, então toda a verdade se mostrará necessária39 . As formas de identidade, os seus modos de enunciação e as dificuldades inerentes foram largamente estudadas pelo autor40 . Entretanto, essa infalibilidade é distinta conforme se está a falar de Deus ou da criatura. Qualquer verdade se mostra infalível perante Deus, mas apenas uma certa infalibilidade se mostra às almas humanas. As verdades cuja demonstração se estende ao infinito não são captáveis pelo intelecto humano. Da mesma forma, não podem ser reduzidas a uma identidade imediata (x=x), precisamente porque a análise se estenderia ao infinito. Estas verdades não redutíveis a uma identidade imediata são verdades contingentes (pois, no que nos diz respeito, poderiam não ser verdade). As verdades que são imediatamente redutíveis a uma identidade são proposições inter-definíveis (12=6x2) e, portanto, necessárias (pois negá-las seria negar a própria definição dos termos, isto é, uma contradição). Do ponto de vista divino, todas as verdades são necessárias porque Deus capta toda a série infinita num só golpe claramente distinguindo a identidade imediata entre os termos. Leibniz percebe que a noção de liberdade se relaciona com a de infinito. Assim, os dois maiores labirintos humanos mostram-se como devedores do mesmo problema: a natureza do infinito. A liberdade é da ordem do infinito, pois que a sua possibilidade está ligada ao contingente. A análise dos vários sentidos de contingente levou à noção de infinito (série infinita). S e c ç ã o 3 DO INFINITO “Todas as criaturas têm gravadas em si um certo sinal da divina infinidade”41 . Cada criatura é um espelho, um espelho que reflecte a totalidade do universo. Mas reflecte, primeiramente, a imagem de Deus. Deus, a substância 38 Leibniz rejeita que a matéria tome sucessivamente todas as formas possíveis. Como pode Leibniz saber que não existem tais carneiros? Ora, Leibniz sustenta que é em todo o lado como aqui. O resto do universo não difere, segundo ele, do nosso horizonte de familiaridade, pelo menos, formalmente. 39 Com consequências gravosas a resultarem da análise. Se toda a verdade é necessária, então toda a proposição verdadeira é uma identidade. Há duas consequências analíticas. Ou há muito poucas verdades – apenas as identidades, apenas as necessárias. E/ou toda a proposição verdadeira é percebida como tal. Ora, a primeira consequência resulta em contradição, pois é evidente que existem verdades não demonstráveis matematicamente. A segunda é, igualmente, um absurdo, pois nesse caso eu poderia saber com certeza tudo aquilo que é verdade, inclusivamente, conhecer todo o meu futuro. 40 Cf. DM, 74; Ensaio, passim. 41 A,1.
  • 14. Liberdade, possibilidade e determinismo em Leibniz Luís Mendes Seminário Da possibilidade da liberdade -11- Cap. I primeira, origem de todas as outras, é a Vontade supremamente livre, absolutamente espontânea (Deus deseja o Bem porque quer). As Mónadas individuais, as almas são, portanto, à imagem de Deus, unas, espontâneas, livres, infinitas42 . É importante delimitarmos o sentido deste infinito. Em toda e qualquer porção de matéria se encontra uma infinidade de mundos (Mónadas)43 . Cada substância individual, Mónada, actua sobre todas as outras e sofre as acções de todas as outras44 . Ou seja, cada substância, por mais imperfeita que seja, contém o universo inteiro45 . Qualquer verdade de facto, relativa às coisas individuais, depende de uma série infinita de razões (é explicada por uma série infinita). Numa série infinita apenas Deus pode ver a infalibilidade de uma verdade contingente. Isto significa que Deus conhece as verdades contingentes a priori, isto é, anteriormente à experiência, por pura intuição intelectual. Leibniz distingue entre verdades originárias ou básicas e verdades derivadas. As primeiras são as imediatas46 , evidentes, claras e distintas por si mesmas. São, portanto, segundo a nomenclatura acima, identidades (x=x). São deste tipo as tautologias (afirmam-se a si mesmas ou negam a própria contradição). As verdades derivadas são mediatas, não são sempre evidentes por si próprias e a análise pode levar ao infinito sem mostrar a sua infalibilidade à razão humana. Então dividem-se em dois conjuntos: as verdades derivadas que podem ser decompostas numa série finita de verdades originárias (x=y+z); e as verdades derivadas cuja análise, como se disse, se desenvolve infinitamente (x=y+z+…+n, em que n=∞). De acordo com a elucidação dada acima devemos considerar como verdades necessárias as verdades originárias e as verdades derivadas finitamente decomponíveis47 . Então podemos dizer, em concordância com a noção de necessário que apresentamos relativamente à existência, que uma proposição necessária é aquela cujo contrário implica uma contradição. A demonstração expõe a igualdade entre os termos da proposição (12=6x2=12). Ou seja, a demonstração revela a coincidência entre sujeito e predicado, tal como disséramos atrás, evidenciando a identidade entre os termos da proposição (12=2x2x312=2x612=12)48 . Por seu lado, as verdades contingentes não são redutíveis a uma proposição básica ou verdade originária (tal como não é possível completar a série de pi (π=3,14159265358979…), isto é, não é possível indicar a sua proposição originária tal que os termos sejam idênticos49 . No entanto, para Leibniz, isso não significa que o predicado não esteja no 42 Apesar da finitude constitutiva do seu ponto de vista. As almas têm o infinito espelhado em si próprias, apesar de sobre si próprias deterem constitutivamente um olhar finito (por condição, incapaz de abarcar a totalidade, o infinito). 43 B,2, “Na verdade, não há porção de matéria tão diminuta que não contenha um tipo de mundo de criatura, infinitas em número […]” 44 B,2. Note-se que esta linguagem segue o uso corrente. Nenhuma substância actua sobre outra ou sofre de outra o que quer que seja. Esse pathos é meramente uma ilusão criada pelo facto de cada substância reflectir em si mesma o universo. 45 Confusamente. A alma contém em si, confusamente, a imagem do universo inteiro, de todas as coisas que tenham existido, que existam ou venham a existir. E não apenas parcialmente, mas em sua noção completa. Se pudéssemos notar a totalidade do que somos, deter um conhecimento absoluto do que somos, então conheceríamos o futuro, o presente e o passado de todo o universo e de todos os mundos que o constituem. Por mundos não se entende universos. Para Leibniz existe apenas um universo (uma totalidade). Cada Mónada é um mundo. É neste sentido que existem múltiplos mundos. São tantos os mundos quantos os pontos de vista, os quais se constituem, precisamente, desse mundo que são. 46 Inatas. Uma verdade inata não é, necessariamente, um conhecimento inato. Isto, nem sempre, aliás, na maioria das vezes não se tematiza o que é inato. Não se lhe presta atenção. A constituição dum ponto de vista teórico é a possibilidade de retirar do escondimento isso que está presente, manifestando-se, mas não se mostrando enquanto tal. 47 Isto é, as verdades tautológicas (12=12), e as verdades redutíveis a verdades tautológicas (12=6x2). Isto é, as verdades necessárias são aquelas em que os termos são inter-definíveis. 48 Importa referir que a demonstração pode passar por mostrar a inclusão da definição de um dos termos na definição do outro termo, tal como: demonstra-se que um duodenário é senário decompondo 12 (duodenário) em 2x2x3 (binário, binário, ternário), sendo que o senário equivale a 2x3 (binário, ternário), pois, então, um duodenário é, também, senário. Uma demonstração serve também para evidenciar as várias formulações possíveis de uma proposição, ou para reduzir uma proposição derivada numa básica, tal como: 12=2x2x3, então 12=2(2x3); ou, 12=2x2x3, então 2x2x3=2x2x3, então 2(2x3)=2(2x3); ou, 7+7+3+4=4x7-7, 3x7=3x7, então 21=21. A demonstração elucida a identidade de proposições derivadas de uma mesma verdade originária, tal como: 12/60; 18/90; 12/60=2/10; 18/90=2/10; 12/60=18/90 (note-se que ambas as fracções resultam em 0,2 ou 20%, isto é, são de facto o mesmo valor). 49 Isto é, π=3,14159265358979 não é exacto (na verdade, é falso). O valor de pi não é 3,14159265358979, pois a série está por completar. O mais importante é que não é possível completá-la por ser infinita. Deus vê a identidade a priori, não porque veja o fim, o termo ou o último número da série, o que seria uma contradição, mas porque Deus abarca a totalidade da série num só golpe.
  • 15. Liberdade, possibilidade e determinismo em Leibniz Luís Mendes Seminário Da possibilidade da liberdade -12- Cap. I sujeito, mas significa que isso não pode ser demonstrado. Não se pode demonstrar a identidade entre os dois termos, pois não é possível retornar uma unidade da série cuja análise se prolonga ao infinito. O importante aqui é notar essa impossibilidade humana de prever a identidade. Não se pode demonstrar matematicamente a identidade entre sujeito e predicado nas proposições verdadeiras não redutíveis a proposições originárias. Portanto, o infinito da criatura é um infinito que a própria criatura não está em condições de esclarecer. Nesta medida, essa infinitude da criatura realça o seu carácter de finita. Ou seja, evidencia que a criatura se desconhece a si mesma. Aquilo que lhe é mais próprio, o próprio ser, é de tal natureza que escapa à sua própria compreensão. A sua infinitude realça a sua finitude na medida em que esta consiste, precisamente, na presença inabarcável daquela. A demonstração matemática não é possível pela própria natureza do contingente. Mas os recursos da razão não foram esgotados e ainda nos resta a experiência. O conhecimento pela experiência é a percepção distinta mediante os sentidos, enquanto o conhecimento racional é o conhecimento por princípios. O princípio geral da razão afirma que nada é sem razão, isto é, que há sempre uma razão pela qual o predicado está no sujeito50 . Por outras palavras, manda a razão que se algo é de determinado modo, haja requisitos suficientes51 pelos quais ela é assim e não de outro modo. No entanto, no que concerne ao contingente, a demonstração matemática não é possível. Há aqui o delinear de um espaço para a liberdade que parte da infinitude humana facticamente experienciada como finitude, ou, mais precisamente, limitação. A liberdade deverá surgir precisamente neste espaço de avanço da alma relativamente a si própria. Por outro lado, poder-se-ia objectar, que a liberdade teria que ser diferente em Deus, já que Deus não pode ser infinito e finito. Mas continuemos a nossa análise. Tal dificuldade ainda não está completamente compreendida. S e c ç ã o 4 DAS RAZÕES Segundo Leibniz podem ser fornecidas razões quer para as acções das mentes, quer para as acções dos corpos. No entanto, as escolhas que fundam essas acções não são necessárias. Assim, a escolha tomada é uma possibilidade tornada existente, mas não a única possibilidade disponível. Deste modo, a explicitação da escolha incorre numa série infinita de explicações (na impossibilidade de indicar a identidade por uma proposição finita). Por outro lado, isso significa que a verdade da nossa escolha nos permanece oculta e que, de facto, não podemos conhecer verdadeiramente a série infinita que nos determina52 na escolha53 .54 50 B, 2, “De facto devemos assumir como certo que Deus fez todas as coisas do modo mais perfeito, e que Ele nada faz sem uma razão, e que nada acontece, em qualquer lugar, a menos que Ele que a tudo conhece, reconheça sua razão, ou seja, por que o estado de coisas é deste modo e não de outro.” 51 Por requisitos suficientes não se entendem as simples condições de possibilidade mas também as condições que, uma vez coexistentes, levem à coexistência de qualquer outra coisa. Cf. PNG, 25. 52 Note-se, portanto, o matiz, a tonalidade que distingue, no uso, a necessidade da determinação. Pretendemos que o uso forme continuamente uma compreensão prévia à altura em que tematizaremos essa distinção de modo formal. 53 Esta análise aqui feita por nós é corroborada pelas palavras do próprio autor em Ensaio, 120. “E se nem sempre notamos a razão que nos determina, ou antes, pela qual nós nos determinamos, é porque somos igualmente incapazes de nos apercebermos de todo o jogo do nosso espírito e dos seus pensamentos, o mais das vezes imperceptíveis e confusos, como de destrinçar todas as máquinas que a natureza faz jogar no corpo.” Aqui Leibniz vai mais longe do que a nossa análise pretende neste ponto. Assim, deixemos a sua análise mais para a frente. Queremos apenas fazer notar a mestria do filósofo que mostra ideias perspicazes e muito interessantes, provavelmente muito à frente do seu tempo. Qualquer coisa como um não consciente está aqui claramente presente nas suas considerações, bem como a noção da importância da mecânica somática na formulação da decisão, a um nível evidentemente somático (passamos a redundância). Leibniz pretende dizer que para conhecer a totalidade da série explicativa (demonstrativa) da nossa decisão seria necessário conhecer a totalidade do processo de formação da decisão, quer ao nível fisiológico, quer ao nível filogenético (remanescente no corpo), quer ao nível de tendências, inclinações ou forças espirituais não conscientes, bem como toda a história perceptiva do sujeito. De acrescentar a necessidade de conhecer a totalidade das relações entre a totalidade do universo e entre o resto do universo e o sujeito. A circunstância imediata e longínqua, interna e externa – a esse conhecimento haveria que se juntar uma grande capacidade de concentrar a atenção e uma avantajada inteligência, conhecer os possíveis desígnios de Deus e destrinçar todos os possíveis na sua mente. Só então se poderiam ponderar os possíveis e perceber o que realmente contou entre os que foram
  • 16. Liberdade, possibilidade e determinismo em Leibniz Luís Mendes Seminário Da possibilidade da liberdade -13- Cap. I As escolhas feitas pela mente carecem de necessidade. Esta tese é fundamental na medida em que Leibniz parece procurar uma noção de liberdade que tenha um alcance metafísico55 . Mas é sobretudo fundamental na ressalva da santidade de Deus. O tema da liberdade é caro às religiões, na medida em que dessa discussão resulta a compreensão da natureza originária do humano e da sua imbricação com as noções de pecado e redenção (no Ocidente), e de religamento (nas religiões em geral). A tentativa de salvar a natureza originária do humano tenta justificar a origem do mal fora da culpa humana. Por outro lado, a imperatividade de responsabilizar o humano pelos seus actos exige que as decisões surjam de si próprio, da sua vontade, culpando-o, absolvendo-o ou salvando-o. Surge então este dilema entre a natureza do mal que, para salvar a natureza do humano (e da natureza em geral, bem como a própria natureza divina), não deve ser considerada positiva, e a natureza das acções humanas que, de modo a manter o sentido de responsabilidade, deve sustentar-se sobre a liberdade da vontade. Leibniz vê, aqui, a necessidade de rejeitar que o pecado seja escolhido pelo humano (o que tornaria a natureza humana em má e daria ao mal consistência real e positiva, dividindo o universo em Bem e Mal). Esta decisão de Leibniz é fácil de concretizar sem entrar em grandes problematizações nem colidir em demasia com a normalidade religiosa neste particular. Assim, como já se disse, a existência humana é entendida como uma situação de finitude incontornável dominada pelo fenómeno da confusão. A alma, dirigida à perfeição, escolhe o erro por confusão. Salva-se a natureza humana (inclinada à perfeição, ao bem, à felicidade e à verdade) e o acto criador divino (o homem é criado imagem de Deus). Por outro lado, esse acto humano confuso significa que o erro é permitido (portanto, escolhido56 ) por Deus. Ora, o filósofo não pretende escapar a esta dificuldade. Pelo contrário, ele defronta-a, digladia-se com ela. Pretende resolvê-la. Deus não escolhe os pecados. Deus escolhe (admitir) a existência de substâncias (ou acontecimentos57 ) possíveis, existência que envolve pecados livres58 . A escolha da existência de uma substância envolve a admissão de todos os possíveis da sua noção completa59 , ou seja, toda a série de coisas que nela estão contidas. A razão mais profunda e primeira, específica, para a escolha de uma série de coisas que inclui pecados não é do domínio da criatura. Mas a razão geral é a escolha da maior perfeição possível. Deus escolhe apenas a perfeição (escolhe-se a si mesmo)60 . Ao escolher a perfeição Deus escolhe, pois, o positivo. Ou seja, Deus não escolhe os pecados na série. Deus abarca a série de um só golpe e, se a escolhe, escolhe-a pela sua perfeição, por ser mais perfeita do que qualquer outra que pudesse existir em seu lugar, tendo em conta a totalidade do universo e a sua máxima perfeição possível. Portanto, Deus escolhe a perfeição da série de coisas contidas na Mónada e, nessa escolha são admitidas (escolhidas) as suas limitações por essa imbricação que têm com o que é positivo na série. A rejeição desses pecados é excluída por não haver outro possível cuja perfeição rejeite esses pecados. O pecado é uma limitação, é nada de positivo, não é escolhido por si próprio, mas é admitido pelo acto de escolha da perfeição61 cuja existentes, compreendendo as razões próximas e profundas da nossa próxima decisão, compreender, portanto, a complexidade que a envolve e o verdadeiro desígnio que a enformou e tornou existente. Enfim, para se conhecer realmente uma decisão seria necessário ser Deus. 54 A situação do humano na facticidade (incontornabilidade) é de confusão. 55 De facto, não seria necessário refutar o necessitarismo para afirmar a liberdade, como de resto Leibniz sabe e expressa algumas vezes. B,1, por exemplo. 56 Relativamente a Deus não se pode afirmar que se pudesse, teria escolhido outra coisa. O que Deus quer que seja, é. O que Deus permite que exista, Deus quer que exista. Nada existe que Deus não queira que exista. 57 Note-se que se deriva do sistema de Leibniz que, em rigor, um acontecimento, um sucesso físico, natural ou outro, nada mais é que uma percepção nas Mónadas individualmente consideradas. Não há acontecimentos fora das Mónadas. Em rigor, tampouco existem interacções – tais termos são simplesmente usados por comodidade. Existem apenas Mónadas e (sem que este e signifique um acrescento quantitativo) as suas percepções. Todas as percepções são provocadas pelas percepções imediatamente anteriores (e, em última instância, pelo ser da própria Mónada). Cf. Mona, art. 23, pág. 47, DM §14, por exemplo. Tudo o que nos pode acontecer são pensamentos e percepções. 58 Dada a liberdade humana, a escolha da existência duma alma (substância individual ou Mónada) acarreta, obviamente, a sua liberdade e, consequentemente, os seus pecados livres. 59 A noção que Deus tem de cada Mónada envolve toda a série das suas percepções, e, consequentemente, todas as suas decisões. 60 O que, de resto, se verifica em todas as Mónadas criadas à sua imagem. 61 No que se refere a Deus não se pode invocar a escolha por confusão.
  • 17. Liberdade, possibilidade e determinismo em Leibniz Luís Mendes Seminário Da possibilidade da liberdade -14- Cap. I existência é estabelecida pela série que os inclui. Numa série, a rejeição de um elemento rejeitaria todos os outros.62 “Todavia, essas questões não são oportunas aqui.”63 S e c ç ã o 5 DA VERDADE E DAS PROPOSIÇÕES A verdade consiste numa relação interna (à proposição) entre os termos, entre o sujeito e o predicado. Desse modo, elucida-nos Leibniz, tal como um número menor só é menor na medida em que está para outro número maior, de igual modo uma proposição só é verdadeira na medida em que o predicado está no sujeito. Esta analogia propõe a compreensão da verdade como identidade. Só é verdadeira a proposição que põe uma identidade entre dois termos. Ora, tal como numa enunciação matemática se pode sempre subtrair o menor do maior, também numa proposição se pode subtrair o predicado do sujeito. Deste modo conclui-se que o predicado sempre está contido (disperso) nas coisas do sujeito 64 . A análise das enunciações matemáticas traduz cada termo por uma repetição (matemática) de si mesmo, quando possível (de 2+3=4+1, obter 5=5), ou, se não é possível, essa análise prolonga-se ao infinito (como no caso de pi). A tradução de um número irracional por um racional resulta normalmente numa série infinita. De modo semelhante, as verdades demonstráveis, necessárias, podem ser traduzíveis em identidade65 (daí a demonstrabilidade), enquanto que as verdades contingentes são livres, não podem ser traduzidas, por qualquer tipo de análise, a uma identidade. Apesar disso, as verdades contingentes e livres são do conhecimento divino, não demonstrativamente (o que seria contraditório), mas intuitivamente (de um só golpe)66 . O conhecimento divino incide sobre si próprio (Deus conhece-se a si mesmo absolutamente). Conhecendo-se a si mesmo, Deus conhece todos os possíveis, existentes e não existentes, conhece todas as verdades, originárias ou derivadas,67 conhece todas as coisas e os decretos do Seu livre arbítrio o mais importante dos quais é o de que todas as coisas aconteçam da melhor maneira pela melhor razão. Por meio destes raciocínios se mostra a possibilidade da liberdade. A noção de necessidade deve ser delimitada como a relação cuja negação implica contradição. Então, resulta da exposição que até aqui se fez, que é certo que podem e devem haver verdades que não podem ser traduzidas, por nenhuma espécie de análise, a identidades ou avaliadas pelo princípio de contradição. Essas verdades consistem em séries infinitas apenas conhecidas plenamente por Deus. Tendo sido mostrado que, em toda e qualquer porção de matéria se encontra uma infinidade de substâncias, e que toda a Mónada actua sobre todas as outras e sofre as acções de todas as outras, ou seja, tendo sido mostrada a própria infinidade das porções do universo (a infinita analisabilidade) e a interpenetração geral e conexão mútua de todas as coisas – demonstra-se a possibilidade da liberdade das Mónadas, fundada sobre a contingência das coisas e da verdade. As coisas que existem são possíveis que existem porque, pela sua perfeição, excluíram da existência outros possíveis que, consequentemente, não existem. A escolha da existência, tarefa divina, é uma preferência da perfeição, mas não uma necessidade. O que é poderia ser de outro modo. Da mesma forma há verdades contingentes tais que de si se podem dar razões, e destas outras razões, assim sucessivamente ao infinito, sem conseguir, por intermédio duma 62 B,2, “[…] a limitação e o pecado devem ser compensados por um outro bem não passível de obtenção [de outro modo].” 63 B,2. 64 Impõe-se aqui uma advertência. A análise destes tópicos não é inocente. Note-se sobretudo que o que quer que se conclua para a relação entre predicado e sujeito deve ser inferido, por analogia, para a relação entre as percepções e as Mónadas. Ou seja, o estado de coisas que aparece de cada vez à Mónada (sujeito) mais não é que um predicado. 65 A verdade foi resumida à identidade. 66 Visio. Isto é, visão (imediata). Este tipo de visão imediata não deve ser confundido com a visão empírica. 67 Ao conhecimento dos contingentes chama-se conhecimento médio.
  • 18. Liberdade, possibilidade e determinismo em Leibniz Luís Mendes Seminário Da possibilidade da liberdade -15- Cap. I análise, reduzir a análise a uma demonstração matemática. Há, portanto, verdades que não estão necessitadas, cuja negação não acarreta contradição e cuja explicação se estende infinitamente sem podermos abarcar completamente toda a série. Tendo mostrado isto demonstrou-se a possibilidade da liberdade. O contingente, quer no que diz respeito à verdade, quer no que diz respeito à existência, é uma condição necessária (requisito fundamental) para a liberdade. Isto não significa que a liberdade humana seja entendida como reduzida à possibilidade de dizer não. Significa sim que a possibilidade da negação é condição de possibilidade da afirmação livre.
  • 19. Liberdade, possibilidade e determinismo em Leibniz Luís Mendes Seminário Da liberdade -16- Cap. II S e c ç ã o 6 CAPÍTULO II – DA LIBERDADE “Mas, será preciso utilizar de sentidos inequívocos para as palavras a fim de evitar todo o tipo de locução absurda.”68 A Leibniz não interessa apenas que a liberdade humana se trate duma liberdade de ter feito outra coisa. Não lhe interessa apenas uma liberdade fundada sobre o contingente69 . Interessa-lhe que a liberdade possa ser sustentada na espontaneidade. Interessa-lhe mostrar que a liberdade, além de ser possível é necessária. Toda a pessoa possui liberdade de vontade, do mesmo modo que em Deus tudo é espontâneo. Uma vontade é um ímpeto em agir do qual estamos conscientes. Uma acção decorre duma vontade e da faculdade70 para a realizar. Uma vontade ocorre onde as condições para o querer e para o não querer não são indiferentes. A indiferença não é um requisito da liberdade, pelo contrário, a ausência de indiferença é fundamental para a formação duma vontade. Por outras palavras, a vontade só pode ocorrer onde existe uma preferência71 . De resto, para os intentos deste estudo, convém-nos, precisamente, delimitar o conceito de vontade como preferência. A vontade é, portanto, um ímpeto para. Deve entender-se este para como remissibilidade. O sentido de uma vontade encontra-se no seu referente. Essa é uma conclusão muito importante e deve ser explicada. A alma enquanto espelho72 do universo é o reflexo das coisas, é o reflexo do universo. E é, por princípio, reflexo de Deus. Este ponto é fundamental. É natural do espelho que não o possamos ver. Quando olhamos um espelho o que vemos é a imagem que nele é reflectida. Tome-se a imagem em consideração. A imagem é constituída por reflexo daquilo de que é imagem. É natural da imagem que desapareça com o objecto de que é imagem. Se sairmos de frente do espelho a nossa imagem sairá dele. Assim, vemos melhor o sentido do ímpeto da vontade. A vontade do homem é esse conatus do espelho que se esforça por espelhar o objecto. Nesse sentido, a vontade humana é, primeiramente, um esforço de perfeição, à imagem de Deus. Isso significa que aquilo que o homem é depende daquilo que Deus é. O homem depende, Deus é. O Homem está caído na confusão, na sua confusão que o leva a perder-se de si próprio. A perder-se, no próprio esforço de perfeição, da própria perfeição para que é esforço. O humano caído na facticidade (a condição incontornável do humano) é um ser lançado na confusão do próprio ponto de vista, jogado na confusão do seu próprio mundo. Há, evidentemente, o perigo de se perder na confusão. Há o perigo de que o esforço para a perfeição (forma da própria vontade) se torne, facticamente, um erro. 68 A,1. 69 Leia-se, para uma pré-posição de leitura dos próximos capítulos, a correspondência com Clarke, sobretudo o 5º escrito: “Pois importa distinguir entre uma necessidade absoluta e uma necessidade hipotética […], entre uma necessidade que tem lugar porque o oposto implica contradição, e que é designada lógica, metafísica ou matemática, e uma necessidade moral, que leva o sábio a escolher o melhor e todo o espírito a seguir a inclinação mais forte.”. (Ed., Erdmann, p. 763, segundo tradução de Adelino Cardoso em introdução a DM) 70 Facultas. Habilidade. Poder. Mas, em sentido rigoroso difere de capacidade no sentido em que se pode ter a faculdade da visão e não se ter a capacidade. 71 Utiliza-se a palavra preferência no sentido de inclinação da vontade, um esforço espontâneo fundador da liberdade. Difere, portanto, do termo sentiment, traduzível também por orientação preferencial ou sentimento, mas que Leibniz usa com o significado de uma orientação preferencial do espírito num ou noutro sentido. Os sentimentos ou orientações preferenciais não são voluntários, pelo contrário, a sua formação é insensível e ocorre no espírito manifestando-se apenas enquanto orientação preferencial. Ora, também o esforço da vontade não é formado livremente, posto que é a própria vontade. A diferença, no entanto, é fundamental: enquanto que o esforço é voluntário, isto é, formado em sede da vontade, definindo-a espontaneamente, o sentimento é marginal a essa vontade e pode opor-se-lhe. Não deve confundir-se sentimento com opinião, pois embora a característica fundamental dos dois seja a formação insensível, à margem da percepção e vontade, a opinião manifesta-se com a aparência de juízo auto-justificado, precisamente enquanto não evidencia a necessidade de justificação. Pelo contrário, o sentimento não se mostra de maneira teórica, mas como uma orientação preliminar, anterior a qualquer formação de opinião. Isto nada diz, sem uma descriminação posterior, que uma opinião tenha mais ou menos valor que uma orientação. Significa que, se um deles acerta o alvo do que está em causa, tal é contingente e indistinguível. 72 DM, 46, “toda a substância é como um mundo inteiro e como um espelho de Deus, ou melhor, de todo o universo, que cada um exprime à sua maneira”.
  • 20. Liberdade, possibilidade e determinismo em Leibniz Luís Mendes Seminário Da liberdade -17- Cap. II Por outro lado, tal remissibilidade implica que a própria possibilidade da liberdade reside nesse para do esforço enformador da vontade como esforço para. Tal como a imagem existe apenas enquanto o objecto estiver diante do espelho. Daí que, para Leibniz, a noção de graça fosse da maior importância. A ideia cristã da imagem torna a graça divina num fenómeno fundamental para a compreensão da própria antropologia cristã. A graça é, por seu lado, fortemente condicionadora da ideia de liberdade, dentro da reflexão cristã, mas sobretudo para a reflexão protestante. Leibniz reforça, por isso, sobretudo a ideia de espelho. O filósofo está completamente ciente de que a defesa filosófica da liberdade necessita, acima de tudo, da prescrição da primordialidade da vontade. Mas a primordialidade da vontade, compreendida como exclusão de qualquer coisa anterior73 , traz consigo o problema da prescrição. Isto é, a primordialidade não pode ser se não prescrita pelo filósofo, pois é por definição não explicável. A indiferença da vontade é, pois, rejeitada por Leibniz que considera fundamental que a vontade seja um esforço para. A inclinação é a verdadeira essência da vontade. Não faz sentido, pois, exigir da vontade uma indiferença que a descaracterizaria.74 Em contrapartida assere a primordialidade da vontade. Como devemos conceber esta primordialidade? Com certeza, como espontaneidade. Mas assim estamos apenas a adiar o problema, pois como devemos conceber esta espontaneidade? Entendamos que a dificuldade não está em entendê-la, mas em fundamentá-la. Não é possível dar uma razão daquilo que é, por definição, a ausência de razões. A ausência de razões não é abarcável pela razão. Percebemos que se adie o problema mais uma vez: Deus escolhe o mundo melhor porque quer.75 O problema é adiado da discussão antropológica, a qual passa em stand by para a teológica.76 Mas, sendo a indiferença rejeitada e a primordialidade posta em seu lugar, devemos determo-nos na importância dada às noções de espelho/reflexo/imagem que ocupa tantas secções em tantos escritos do autor. A imagem é posta no espelho por uma espécie de emanação do objecto. É a presença do objecto que mantém a imagem. Por outro lado, o espelho permanece não-visto, de tal modo que o podemos tomar pela imagem. A imagem origina-se no espelho como imagem-do objecto. No espelho não há causalidade relativamente à imagem. A imagem que o espelho reflecte não depende de uma causa no espelho. O mesmo espelho reflecte várias imagens sem que nele nada se altere. É o objecto que muda. De igual modo, não há nenhuma causa nem nenhuma razão para a decisão – relativamente ao humano, a vontade é primordial, é o momento zero, o momento constituinte de si mesmo. Relativamente ao seu objecto, ela reflecte aquilo para que tende, reflecte a perfeição, mas reflecte, também, a confusão do ponto de vista77 . Estas observações são fundamentais. E constituem um pano de fundo para a compreensão da tese de Leibniz segundo a qual a perfeição (as razões duma vontade), inclina sem necessitar. A nossa decisão decorre, portanto, ou da perfeição do objecto, ou da imperfeição do espelho. Assim há, de facto, uma relação entre a constituição (o que em cima nos pareceu não existir) do espelho e a imagem. Contudo, esta relação não é a causa da decisão. Tal como a minha imagem num espelho não é causada pela superfície do espelho, mas pela minha presença diante do espelho. Contudo, se o espelho estiver partido ou deformado, a imagem vai ser corrompida, sem que, com isso, se altere a remissão da minha imagem a mim. Por outro lado, a imagem também não surge pela razão de eu me ter postado diante do espelho. Eu posso postar- me diante de uma parede de pedra que ela não me devolve nenhuma imagem. Ora, a superfície do espelho é tal que reflecte. Contudo, se a minha presença diante do espelho define os contornos da imagem, a imagem surge na superfície do espelho sem, propriamente, ser causada por mim. Percebe-se que a imagem seja definida pelo objecto de que é imagem 73 Sobre Belarmino, Grua, II, p. 302. 74 A, 3, “Se a completa indiferença é requerida para a liberdade, então, certamente não há jamais um ato [actus] livre, já que penso que o caso em que tudo em ambos os aspectos é igual, certamente não ocorre. […]Nem penso que se possa produzir um exemplo no qual é a vontade [voluntas] que escolhe, desde que há [sempre] alguma razão para escolher uma de duas coisas;”. Ver a expressão muito clara em DM, 37, “toda a vontade supõe alguma razão de querer e que essa razão é naturalmente anterior à vontade”. 75 A,3, “Deus produz o melhor não por necessidade, mas, porque o deseja.” Ver a discussão do assunto em DM, 37. Leibniz considera que o melhor, a verdade ou o bem não são o melhor, a verdade ou o bem devido ao facto de Deus os escolher, mas que Deus os escolhe de livre vontade inclinado por serem o que são. Isto é, Deus não tem qualquer poder sobre as essências. Nem sequer é criador do próprio entendimento. A verdade é únivoca e anterior à sua escolha. Deus produz o melhor porque assim o deseja. Não acontece que o melhor seja o melhor porque Deus o escolheu. Ver Teodiceia, art. 183 e art. 380. Doravante, Teod. seguido do artigo. A bibliografia indica a edição base. 76 Não estamos aqui a fazer uma depreciação. Estamos a fazer notar aquilo que, a nosso ver, se trata de uma opção consciente de Leibniz, e não, propriamente, de um dolo. 77 A, 1, “Disso se segue que uma razão que sempre força uma mente livre a escolher uma coisa a uma outra (se aquela razão deriva da perfeição de uma coisa, como ocorre em Deus, ou da nossa imperfeição) não elimina nossa liberdade.” Ver também que Leibniz considera possível corrigir a confusão do ponto de vista que, apesar de natural, não é, portanto, originária – não define o homem, define sim a sua quotidianeidade (o hábito e a assunção de que se dominam as coisas, os conceitos e os assuntos – por exemplo, Ensaio, 137 e em diante.
  • 21. Liberdade, possibilidade e determinismo em Leibniz Luís Mendes Seminário Da liberdade -18- Cap. II (de igual modo, a vontade é definida pela perfeição de que é esforço). Percebe-se que a imagem seja apresentada pela superfície do espelho (tal como a vontade depende da imperfeição do humano, da sua confusão, da facticidade da sua existência, enfim, da sua constituição). Mas não podemos dizer que a imagem é causada por nenhuma dessas realidades, tal como a vontade não é necessitada pela inclinação nem pela confusão, apesar de decorrer delas. A imagem é projectada ali, surge, estampa-se. De semelhante modo (a analogia vale o que vale) a escolha surge da inclinação para a perfeição e da constituição da alma, mas não necessariamente. A constituição da escolha é espontânea. Até ao momento da escolha, a vontade não está comprometida com nenhuma escolha, nenhuma escolha existe, apesar de qualquer demonstração que se possa fazer. O ter-se a vontade comprometido com uma escolha e não com outra é puramente contingente78 . Uma demonstração (se de tudo se pode dar uma demonstração) seria apenas hipotética79 . O contrário seria possível. Imagine-se, agora, um mundo em que os sujeitos conscientes são espelhos de facto. Um espelho perfeito, mesmo que se visse ao espelho, não o saberia, sobretudo se, ao contrário dos espelhos que conhecemos, não representasse exactamente apenas aquilo que está à sua frente. Imagine-se que esses espelhos reflectiam, cada um à sua maneira, um mesmo objecto que nunca estava mesmo às suas frentes. Imagine-se que esses espelhos se viam a um espelho regular. Que veriam eles? Não veriam, com certeza, que tinham a forma de espelho. Precisamente, veriam outra coisa que a forma de espelho, veriam o conteúdo reflectido nessa forma (por assim dizer). Mas, enquanto sujeitos conscientes de si, por eles não pensava Deus. Ou seja, eram eles próprios que se olhavam nesse espelho sem compreenderem plenamente o que viam, mas sobretudo sem saberem que não o compreendiam. O ponto de vista constituído pelo seu olhar (dum desses espelhos) era o seu ponto de vista, e não o ponto de vista daquilo de que eram imagem. Esse seu olhar surgiria espontaneamente dele, com uma originalidade que só poderia ser dele. Cada um desses espelhos não seria como um canudo por onde o objecto olhava. Pelo contrário, apesar de serem espelhos, cada um seria um olhar absolutamente próprio, incomunicável e original. S e c ç ã o 7 DA ESPONTANEIDADE Ora, tendo nós dito que todas as existências (excepto a de Deus) são contingentes e espontâneas, assere-se que a existência das almas e as suas vontades são contingentes e espontâneas, como, aliás, decorre do facto de que Deus escolhe a perfeição porque quer, uma vez que as existências particulares procedem da escolha divina pela perfeição. Assim, toda a existência particular e, de facto, a existência da totalidade das Mónadas, são devedoras e são explicáveis pelo princípio da perfeição. Isto vale para a existência das almas (cuja perfeição inclinou Deus a escolhê-las), e vale para as escolhas das almas humanas (pois é a perfeição da possibilidade que leva a alma a decidir-se por dar-lhe existência). A liberdade é presidida pelo princípio da perfeição. A liberdade humana é presidida, então, pela procura da perfeição que deve ser entendida como a procura da felicidade.80 78 Note-se que tudo o que é contingente (o que pode não acontecer) tem uma existência fundamentada no princípio da perfeição (o melhor vem à existência). De facto, a vontade é a procura do que é melhor e, nessa medida, reflecte sempre isso que busca. Por outro lado, a vontade não é sempre (e na maioria das vezes não é) capaz de discernir verdadeiramente a perfeição real das coisas. Encontra-se, aí, com o erro. Note-se que, numa perspectiva global, a decisão tomada é sempre a melhor. Este melhor aqui é um ponto de vista supra-humano. Quando um humano cai no erro e julgando estar a escolher o melhor, escolhe algo que não o é para si, não deixa de estar a escolher o melhor do ponto de vista divino (totalitário). Note-se, portanto, que conforme se fala do ponto de vista divino ou humano, também as razões apresentadas serão diferentes. Além disso, a escolha divina é prioritária e define a primordialidade da vontade pela perfeição. Essa escolha, do ponto de vista humano, portanto, segue ainda a perfeição, não vendo assaz claramente as coisas. Assim, o homem julga escolher, por si, o melhor, mesmo quando escolhe o pior; e mesmo quando escolhe o pior, o homem escolhe o melhor dum ponto de vista supra-individual. 79 Carta a Bourguet, 1716, G.P., III, p.588, “a sequência das coisas é sempre contingente, e um estado de modo algum deriva necessariamente de um outro estado precedente […]. A conexão entre dois estados é uma consecução natural, mas não necessária, como é natural à arvore dar frutos, embora possa acontecer por certas razões que os não dê”. Ver a discussão do tema em DM, 50 e seguintes. 80 DM, XXXVI, pág. 85, “Porque a felicidade é para as pessoas o que a perfeição é para os seres”. Ver também que o prazer deve ser entendido como sentimento de perfeição – por exemplo, Ensaio, 137.
  • 22. Liberdade, possibilidade e determinismo em Leibniz Luís Mendes Seminário Da liberdade -19- Cap. II Apenas a existência de Deus pode ser explicada pela própria definição81 . Todas as demais existências são meramente possibilidades entre outras possibilidades que existem meramente em função da sua própria perfeição. Esta perfeição não é uma perfeição da sua definição. Este ponto é fundamental. Não é porque uma coisa é mais bela ou mais perfeita em si mesma que ela é preferida. Ou, reformulando, a perfeição não reside nas características de uma dada possibilidade em sua própria noção. A verdadeira perfeição deve ser buscada “em uma comparação82 com as demais coisas”83 . Significa isto que a perfeição de uma coisa é aferida pelo conjunto das perfeições nas relações estabelecidas84 entre a totalidade das Mónadas (na totalidade do universo). Esclareça-se que, por totalidade do universo, não se entende a mera soma das Mónadas presentes num dado momento. Também não se entende por totalidade do universo a mera soma das Mónadas que existiram, existem e existirão. Por totalidade do universo entende-se todas as Mónadas na sua referência mútua, quer enquanto existem, quer enquanto existiram, quer enquanto existirão. Há, portanto, duas anotações fundamentais. Por um lado deve referir-se que se tomam em consideração todas aquelas que tomam existência (no passado, no presente e no futuro). Por outro lado, não se trata de uma mera soma, o que significaria um resultado acumulado posteriormente, isto é, o seu sentido resultaria dessa soma e da junção de todas as partes somadas. Pelo contrário, a totalidade do universo é anterior às suas partes, ao sentido de cada uma das Mónadas em particular. A totalidade do universo é anterior a cada uma das suas partes. A ordem que rege a estrutura sistémica endógena universal é contingente85 , espontânea, não no sentido de sem sentido, arbitrária, mas no sentido em que obedece ao princípio da conveniência perfeita86 . A inteligibilidade do universo não é matemática, nem é logicamente demonstrável87 . Nunca existiu, segundo Leibniz, um nada originário, pois seria pressupor a ordem do tempo antes do tempo. Nunca existiu um caos originário, pois essa originariedade significaria ausência de universo (a ordem no sentido que descrevemos). O mal nada tem de primitivo, e o caos, lugar da ausência da ordem do universo (ausência, portanto, de harmonia ou de conveniência perfeita, ausência de perfeição), portanto, lugar do mal, nada tem de primitivo, nada tem de existência. O erro é um desacordo entre o que se visa e o que é visado. Um erro erra porque falha na conveniência daquele que erra, mas um acerto quando visto dum ponto de vista global. Esta vista global é anterior a toda e qualquer existência. Uma possibilidade vem à existência na medida em que, por uma conveniência perfeita, entendida nos termos que vêm a ser descritos, é preferível a todas as outras que poderiam ocorrer no seu lugar. Portanto, percebe-se agora, todo o universo está em cada uma das suas partes, tal como Deus está em todas as suas criaturas88 , apesar de não ser possível que uma substância criada tenha influência sobre outra89 . 81 Note-se que, em rigor, Leibniz discorda da tese que da simples definição de Perfeição e de Deus como ser perfeito se deduz a sua existência. A tese de Leibniz é que, se se mostrar que Deus é possível, então Deus existe necessariamente. Ver DM, 67. Confrontar com Quos Ens Perfectissimum Sit Possibile, G. W. Leibniz, Novembro de 1676. Disponível em http://www.leibnizbrasil.pro.br/index.htm. 82 Usando a linguagem normal porque não há outra maneira de o dizer. Obviamente, sendo rigoroso, jamais se pode dizer que existem relações entre Mónadas ou possibilidades de Mónadas. Estas dificuldades criadas com o hiato entre o uso prático e o uso rigoroso da linguagem são das que mais confusões criam entre comentadores. Veja-se art. 51. de Mona. 83 A, 1. 84 Reforce-se a nota de esta linguagem é prática mas não rigorosa. Em rigor, para Leibniz, não existem relações entre seres. 85 Como se disse acima, nada pode justificar o que, por definição, é ausência de razão. Ver Carta a Magnus Wederkopf (Maio 1671). 86 Conveniência perfeita ou harmonia geral. Ver, a respeito, DM, 41, “Daí que não seja preciso duvidar de que a felicidade dos espíritos seja o fim principal de Deus e que ele a realize tanto quanto o permite a harmonia geral”. A harmonia geral é, portanto, princípio ordenador, orientador (ontologicamente anterior à existência individual de cada ser). 87 Pelo contrário, trata-se de um exercício de inteligência (divina). É um axioma metafísico e ontológico. É possível dizer, embora não iremos agora desenvolver a questão, que se trata de um axioma antropológico, escatológico e mesmo praxiológico. 88 Ensaio, 45. 89 Ensaio, 143. Quanto à questão de saber se, então, as coisas existem fora de nós, leia-se DM, 53, “E como esses fenómenos [que se passam em nós] mantêm uma certa ordem conforme à nossa natureza [que é conforme ao universo] ou, por assim dizer, ao mundo que está em nós, donde resulta que possamos fazer observações úteis para regular a nossa conduta, que são justificadas pelo êxito dos fenómenos futuros, e que assim nós possamos frequentemente julgar a respeito do futuro pelo passado sem nos enganarmos, isso bastaria para dizer que tais fenómenos são verdadeiros, sem nos preocuparmos se eles estão fora de nós e se mais alguém também se apercebe deles. No entanto […] as percepções ou expressões de todas as substâncias se entre-respondem […]. […] nada nos pode acontecer a não ser pensamentos e percepções […].”