SlideShare uma empresa Scribd logo
1 de 2
Gustavo Rodrigues Zaraya (15000290); JOA (DIURNO)
Gymnopédie I
Eu ando muito, sabe? Sempre andei muito. Nunca andei, entretanto, com
um objetivo. Muitas vezes penso em andar e saio caminhando, não para
encontrar, mas para fugir, fugir da solidão, do abandono, da ânsia pela resposta.
A ânsia causada pela impossibilidade de encontrar a resposta, aquela que nos
acolhe e nos ensina a chave para o mistério da vida.
Ando pela cidade. E olho. Olho exaustivamente a cidade enquanto ando.
Em círculos contínuos, ao infinito, eu olho e tenho a impressão de que não vejo.
Ver exige vísceras e eu ainda não estou pronto para dar as minhas. Ver
necessita o despojamento das ilusões. Mas, não. Ainda não estou pronto para
aceitar a loucura, a loucura que destoa do sorriso por sorrir mais, que destoa da
lágrima por esbanjar felicidade. Não quero esta loucura, a loucura do saber.
Saber exige a luta. Exige olhar para o mundo e ver a si mesmo. E ver a si
mesmo é escapar de si mesmo. Meu leitor, é claro, invariavelmente medíocre,
não entenderá. É certo que tudo o que escapa da nossa vida, do nosso
entendimento, nos parece medíocres. Fruto de nossa prepotência e infantilidade.
Pense assim, acho você, que me lê, medíocre porque não o entendo. É
um saldo da nossa amizade. E também falo contigo que julga entender este
texto. Meu senhor: você entende o nada. Isto aqui é alma. Não é palavra.
E o que você sente é o julgo. As almas não devem ser julgadas. Elas
gritam por amparo e compaixão. A sua também, no presente.
Grita por compaixão.
Este texto surgiu ao acaso, enquanto ontem eu voltava justamente de uma
caminhada – não mais andando, mas desenvolvendo. Encontrei o olhar, não o
meu, mas o do meu outro eu: o de um velho. Imóvel. Medonho.
Estava em pé, na mureta do vão do MASP. Exatamente, senhores, em
pé, de costas ao vão, imóvel. Ninguém o via.
Perguntei a uma moça sentada: “ele vai se matar?”. Ela me disse: “está
aí há muito tempo. Há dias. Imóvel. É maluco, moço”.
Vida-Morte naquele corpo, em pé, imóvel. De costas para a morte, vendo
a vida. O olhar imóvel. Absoluto.
Por pudor não disse, mas é claro que era um mendigo. Um absoluto
mendigo, de barba e pele maltratadas. De odores e muitas mágoas. Talvez, do
olhar mais sábio e impenetrável que já vi.
Sim, mais do que olhar, eu vi aquele olhar. E por mais que eu não o
compreenda, e não compreendo até hoje, aquilo ali desfigurava máscaras.
A cidade não é feita de pedra. A cidade é feita de corpos. E de crianças
abandonadas, crianças com barba, crianças que apesar de não serem vítimas,
precisam de ajuda. Duma ajuda direcionada ideologicamente à fome da África.
Mas negada nas esquinas, às mãos pedintes, aos olhares apaixonados dos
mendigos.
Aquele homem olhava ao nada. Mas via a si mesmo na cidade. Via a sua
alma, e, por isso, via a todos. Via o grito de socorro, íntimo, silencioso, que urra
pela resposta. Pela resposta chamada não de paixão, mas de sintonia.
A sintonia humana da eternidade.
Fui embora. E fugi de mim mesmo em sonhos profundos e secretos.
Achei, por um momento, que a vida não valia a pena.
Mas dos céus, como tinta cremosa, estrelada, desceram as galáxias do
firmamento e ficaram derramadas na linha do horizonte. Abençoando a nossa
esperança. Destruindo a barreira de carros, de concreto, das rosas e dos nojos.
Simples, como a natureza promete a vida. Imensas como o amor promete o que
somos nós.
No amanhã.
(E assim que o homem mais humilde de todos se aproximou do mendigo
e lhe ofereceu a sua atenção, profunda e gratuita, o eco de toda uma civilização
estremeceu e resplandeceu. É que a aurora, então, iluminou a esperança, boba,
piegas – e secretamente austera e brutal – de um adolescente).

Mais conteúdo relacionado

Mais procurados

30 Poemas De Amor Slide
30 Poemas De Amor Slide30 Poemas De Amor Slide
30 Poemas De Amor SlideHugo Pereira
 
palavrasemsentido
palavrasemsentidopalavrasemsentido
palavrasemsentidomcunha
 
Dia mundial da poesia
Dia mundial da poesiaDia mundial da poesia
Dia mundial da poesiaA E A
 
Duas Crônicas Poéticas de Pedro Chagas Freitas
Duas Crônicas Poéticas de Pedro Chagas FreitasDuas Crônicas Poéticas de Pedro Chagas Freitas
Duas Crônicas Poéticas de Pedro Chagas FreitasGiba Canto
 
Cantico negro dito por
Cantico negro dito porCantico negro dito por
Cantico negro dito porSandra Pratas
 
Jamais Permita
Jamais PermitaJamais Permita
Jamais PermitaJNR
 
#Textos de Clarice Lispector# (by Fatinha)
#Textos de Clarice Lispector# (by Fatinha)#Textos de Clarice Lispector# (by Fatinha)
#Textos de Clarice Lispector# (by Fatinha)Fatinha
 
Gregory Colbert
Gregory ColbertGregory Colbert
Gregory Colbertcab3032
 
Gregory Colbert para refletir
Gregory Colbert para refletirGregory Colbert para refletir
Gregory Colbert para refletirRita Steter
 
Fotografias Gregory Colbert
Fotografias  Gregory ColbertFotografias  Gregory Colbert
Fotografias Gregory Colbertguest04fbf3
 

Mais procurados (19)

A janela dos outros
A janela dos outrosA janela dos outros
A janela dos outros
 
Para quem quiser ler
Para quem quiser lerPara quem quiser ler
Para quem quiser ler
 
30 Poemas De Amor Slide
30 Poemas De Amor Slide30 Poemas De Amor Slide
30 Poemas De Amor Slide
 
palavrasemsentido
palavrasemsentidopalavrasemsentido
palavrasemsentido
 
Dia mundial da poesia
Dia mundial da poesiaDia mundial da poesia
Dia mundial da poesia
 
Fernando Pessoa
Fernando PessoaFernando Pessoa
Fernando Pessoa
 
Duas Crônicas Poéticas de Pedro Chagas Freitas
Duas Crônicas Poéticas de Pedro Chagas FreitasDuas Crônicas Poéticas de Pedro Chagas Freitas
Duas Crônicas Poéticas de Pedro Chagas Freitas
 
Cantico negro dito por
Cantico negro dito porCantico negro dito por
Cantico negro dito por
 
Espiritualidade pura
Espiritualidade puraEspiritualidade pura
Espiritualidade pura
 
Adeus amor
Adeus amorAdeus amor
Adeus amor
 
Jamais Permita
Jamais PermitaJamais Permita
Jamais Permita
 
#Textos de Clarice Lispector# (by Fatinha)
#Textos de Clarice Lispector# (by Fatinha)#Textos de Clarice Lispector# (by Fatinha)
#Textos de Clarice Lispector# (by Fatinha)
 
Amar é(Tiago)
Amar é(Tiago)Amar é(Tiago)
Amar é(Tiago)
 
Ju Orando A Mim
Ju Orando A MimJu Orando A Mim
Ju Orando A Mim
 
Gregory Colbert
Gregory ColbertGregory Colbert
Gregory Colbert
 
Gregory Colbert
Gregory ColbertGregory Colbert
Gregory Colbert
 
Gregory Colbert
Gregory ColbertGregory Colbert
Gregory Colbert
 
Gregory Colbert para refletir
Gregory Colbert para refletirGregory Colbert para refletir
Gregory Colbert para refletir
 
Fotografias Gregory Colbert
Fotografias  Gregory ColbertFotografias  Gregory Colbert
Fotografias Gregory Colbert
 

Semelhante a O olhar do mendigo

Semelhante a O olhar do mendigo (20)

Poemas de Josef
Poemas de JosefPoemas de Josef
Poemas de Josef
 
imagem
imagemimagem
imagem
 
Olhosestranhsovol4
Olhosestranhsovol4Olhosestranhsovol4
Olhosestranhsovol4
 
Poemas Ilustrados
Poemas IlustradosPoemas Ilustrados
Poemas Ilustrados
 
Carlos drummond de andrade
Carlos drummond de andradeCarlos drummond de andrade
Carlos drummond de andrade
 
Joias literarias vii
Joias literarias viiJoias literarias vii
Joias literarias vii
 
Anseiospdf
AnseiospdfAnseiospdf
Anseiospdf
 
Labirintos
LabirintosLabirintos
Labirintos
 
Labirintos
Labirintos Labirintos
Labirintos
 
BIOGRAFIA DA POETISA CECILIA MEIRELES.pptx
BIOGRAFIA DA POETISA CECILIA MEIRELES.pptxBIOGRAFIA DA POETISA CECILIA MEIRELES.pptx
BIOGRAFIA DA POETISA CECILIA MEIRELES.pptx
 
37
3737
37
 
Suplemento Acre 029 - Agosto, setembro e outubro 2023
Suplemento Acre 029 - Agosto, setembro e outubro 2023Suplemento Acre 029 - Agosto, setembro e outubro 2023
Suplemento Acre 029 - Agosto, setembro e outubro 2023
 
Exposição: "O Branco No Branco" (Exhibition: White on White)
Exposição: "O Branco No Branco" (Exhibition: White on White)Exposição: "O Branco No Branco" (Exhibition: White on White)
Exposição: "O Branco No Branco" (Exhibition: White on White)
 
Suplemento Acre 030 - novembro e dezembro 2023
Suplemento Acre 030 - novembro e dezembro 2023Suplemento Acre 030 - novembro e dezembro 2023
Suplemento Acre 030 - novembro e dezembro 2023
 
Madrugada
MadrugadaMadrugada
Madrugada
 
Livro de poesia plnm 2
Livro de poesia  plnm 2Livro de poesia  plnm 2
Livro de poesia plnm 2
 
Folhas de relva
Folhas de relvaFolhas de relva
Folhas de relva
 
Poucas palavras
Poucas palavrasPoucas palavras
Poucas palavras
 
Tabacaria - Álvaro de Campos
Tabacaria - Álvaro de CamposTabacaria - Álvaro de Campos
Tabacaria - Álvaro de Campos
 
Como um Estalo
Como um EstaloComo um Estalo
Como um Estalo
 

Último

Pedologia- Geografia - Geologia - aula_01.pptx
Pedologia- Geografia - Geologia - aula_01.pptxPedologia- Geografia - Geologia - aula_01.pptx
Pedologia- Geografia - Geologia - aula_01.pptxleandropereira983288
 
Literatura Brasileira - escolas literárias.ppt
Literatura Brasileira - escolas literárias.pptLiteratura Brasileira - escolas literárias.ppt
Literatura Brasileira - escolas literárias.pptMaiteFerreira4
 
Bullying - Atividade com caça- palavras
Bullying   - Atividade com  caça- palavrasBullying   - Atividade com  caça- palavras
Bullying - Atividade com caça- palavrasMary Alvarenga
 
SEMINÁRIO QUIMICA AMBIENTAL - PPGEEA - FINAL.pptx
SEMINÁRIO QUIMICA AMBIENTAL -  PPGEEA - FINAL.pptxSEMINÁRIO QUIMICA AMBIENTAL -  PPGEEA - FINAL.pptx
SEMINÁRIO QUIMICA AMBIENTAL - PPGEEA - FINAL.pptxCompartilhadoFACSUFA
 
VARIEDADES LINGUÍSTICAS - 1. pptx
VARIEDADES        LINGUÍSTICAS - 1. pptxVARIEDADES        LINGUÍSTICAS - 1. pptx
VARIEDADES LINGUÍSTICAS - 1. pptxMarlene Cunhada
 
activIDADES CUENTO lobo esta CUENTO CUARTO GRADO
activIDADES CUENTO  lobo esta  CUENTO CUARTO GRADOactivIDADES CUENTO  lobo esta  CUENTO CUARTO GRADO
activIDADES CUENTO lobo esta CUENTO CUARTO GRADOcarolinacespedes23
 
Dicionário de Genealogia, autor Gilber Rubim Rangel
Dicionário de Genealogia, autor Gilber Rubim RangelDicionário de Genealogia, autor Gilber Rubim Rangel
Dicionário de Genealogia, autor Gilber Rubim RangelGilber Rubim Rangel
 
DESAFIO LITERÁRIO - 2024 - EASB/ÁRVORE -
DESAFIO LITERÁRIO - 2024 - EASB/ÁRVORE -DESAFIO LITERÁRIO - 2024 - EASB/ÁRVORE -
DESAFIO LITERÁRIO - 2024 - EASB/ÁRVORE -Aline Santana
 
Livro O QUE É LUGAR DE FALA - Autora Djamila Ribeiro
Livro O QUE É LUGAR DE FALA  - Autora Djamila RibeiroLivro O QUE É LUGAR DE FALA  - Autora Djamila Ribeiro
Livro O QUE É LUGAR DE FALA - Autora Djamila RibeiroMarcele Ravasio
 
Slides Lição 5, CPAD, Os Inimigos do Cristão, 2Tr24, Pr Henrique.pptx
Slides Lição 5, CPAD, Os Inimigos do Cristão, 2Tr24, Pr Henrique.pptxSlides Lição 5, CPAD, Os Inimigos do Cristão, 2Tr24, Pr Henrique.pptx
Slides Lição 5, CPAD, Os Inimigos do Cristão, 2Tr24, Pr Henrique.pptxLuizHenriquedeAlmeid6
 
Descreve o conceito de função, objetos, imagens, domínio e contradomínio.
Descreve o conceito de função, objetos, imagens, domínio e contradomínio.Descreve o conceito de função, objetos, imagens, domínio e contradomínio.
Descreve o conceito de função, objetos, imagens, domínio e contradomínio.Vitor Mineiro
 
Slides Lição 04, Central Gospel, O Tribunal De Cristo, 1Tr24.pptx
Slides Lição 04, Central Gospel, O Tribunal De Cristo, 1Tr24.pptxSlides Lição 04, Central Gospel, O Tribunal De Cristo, 1Tr24.pptx
Slides Lição 04, Central Gospel, O Tribunal De Cristo, 1Tr24.pptxLuizHenriquedeAlmeid6
 
ALMANANHE DE BRINCADEIRAS - 500 atividades escolares
ALMANANHE DE BRINCADEIRAS - 500 atividades escolaresALMANANHE DE BRINCADEIRAS - 500 atividades escolares
ALMANANHE DE BRINCADEIRAS - 500 atividades escolaresLilianPiola
 
GÊNERO TEXTUAL - TIRINHAS - Charges - Cartum
GÊNERO TEXTUAL - TIRINHAS - Charges - CartumGÊNERO TEXTUAL - TIRINHAS - Charges - Cartum
GÊNERO TEXTUAL - TIRINHAS - Charges - CartumAugusto Costa
 
Atividades sobre Coordenadas Geográficas
Atividades sobre Coordenadas GeográficasAtividades sobre Coordenadas Geográficas
Atividades sobre Coordenadas Geográficasprofcamilamanz
 
RedacoesComentadasModeloAnalisarFazer.pdf
RedacoesComentadasModeloAnalisarFazer.pdfRedacoesComentadasModeloAnalisarFazer.pdf
RedacoesComentadasModeloAnalisarFazer.pdfAlissonMiranda22
 
Transformações isométricas.pptx Geometria
Transformações isométricas.pptx GeometriaTransformações isométricas.pptx Geometria
Transformações isométricas.pptx Geometriajucelio7
 
PROGRAMA DE AÇÃO 2024 - MARIANA DA SILVA MORAES.pdf
PROGRAMA DE AÇÃO 2024 - MARIANA DA SILVA MORAES.pdfPROGRAMA DE AÇÃO 2024 - MARIANA DA SILVA MORAES.pdf
PROGRAMA DE AÇÃO 2024 - MARIANA DA SILVA MORAES.pdfMarianaMoraesMathias
 
Rotas Transaarianas como o desrto prouz riqueza
Rotas Transaarianas como o desrto prouz riquezaRotas Transaarianas como o desrto prouz riqueza
Rotas Transaarianas como o desrto prouz riquezaronaldojacademico
 
“Sobrou pra mim” - Conto de Ruth Rocha.pptx
“Sobrou pra mim” - Conto de Ruth Rocha.pptx“Sobrou pra mim” - Conto de Ruth Rocha.pptx
“Sobrou pra mim” - Conto de Ruth Rocha.pptxthaisamaral9365923
 

Último (20)

Pedologia- Geografia - Geologia - aula_01.pptx
Pedologia- Geografia - Geologia - aula_01.pptxPedologia- Geografia - Geologia - aula_01.pptx
Pedologia- Geografia - Geologia - aula_01.pptx
 
Literatura Brasileira - escolas literárias.ppt
Literatura Brasileira - escolas literárias.pptLiteratura Brasileira - escolas literárias.ppt
Literatura Brasileira - escolas literárias.ppt
 
Bullying - Atividade com caça- palavras
Bullying   - Atividade com  caça- palavrasBullying   - Atividade com  caça- palavras
Bullying - Atividade com caça- palavras
 
SEMINÁRIO QUIMICA AMBIENTAL - PPGEEA - FINAL.pptx
SEMINÁRIO QUIMICA AMBIENTAL -  PPGEEA - FINAL.pptxSEMINÁRIO QUIMICA AMBIENTAL -  PPGEEA - FINAL.pptx
SEMINÁRIO QUIMICA AMBIENTAL - PPGEEA - FINAL.pptx
 
VARIEDADES LINGUÍSTICAS - 1. pptx
VARIEDADES        LINGUÍSTICAS - 1. pptxVARIEDADES        LINGUÍSTICAS - 1. pptx
VARIEDADES LINGUÍSTICAS - 1. pptx
 
activIDADES CUENTO lobo esta CUENTO CUARTO GRADO
activIDADES CUENTO  lobo esta  CUENTO CUARTO GRADOactivIDADES CUENTO  lobo esta  CUENTO CUARTO GRADO
activIDADES CUENTO lobo esta CUENTO CUARTO GRADO
 
Dicionário de Genealogia, autor Gilber Rubim Rangel
Dicionário de Genealogia, autor Gilber Rubim RangelDicionário de Genealogia, autor Gilber Rubim Rangel
Dicionário de Genealogia, autor Gilber Rubim Rangel
 
DESAFIO LITERÁRIO - 2024 - EASB/ÁRVORE -
DESAFIO LITERÁRIO - 2024 - EASB/ÁRVORE -DESAFIO LITERÁRIO - 2024 - EASB/ÁRVORE -
DESAFIO LITERÁRIO - 2024 - EASB/ÁRVORE -
 
Livro O QUE É LUGAR DE FALA - Autora Djamila Ribeiro
Livro O QUE É LUGAR DE FALA  - Autora Djamila RibeiroLivro O QUE É LUGAR DE FALA  - Autora Djamila Ribeiro
Livro O QUE É LUGAR DE FALA - Autora Djamila Ribeiro
 
Slides Lição 5, CPAD, Os Inimigos do Cristão, 2Tr24, Pr Henrique.pptx
Slides Lição 5, CPAD, Os Inimigos do Cristão, 2Tr24, Pr Henrique.pptxSlides Lição 5, CPAD, Os Inimigos do Cristão, 2Tr24, Pr Henrique.pptx
Slides Lição 5, CPAD, Os Inimigos do Cristão, 2Tr24, Pr Henrique.pptx
 
Descreve o conceito de função, objetos, imagens, domínio e contradomínio.
Descreve o conceito de função, objetos, imagens, domínio e contradomínio.Descreve o conceito de função, objetos, imagens, domínio e contradomínio.
Descreve o conceito de função, objetos, imagens, domínio e contradomínio.
 
Slides Lição 04, Central Gospel, O Tribunal De Cristo, 1Tr24.pptx
Slides Lição 04, Central Gospel, O Tribunal De Cristo, 1Tr24.pptxSlides Lição 04, Central Gospel, O Tribunal De Cristo, 1Tr24.pptx
Slides Lição 04, Central Gospel, O Tribunal De Cristo, 1Tr24.pptx
 
ALMANANHE DE BRINCADEIRAS - 500 atividades escolares
ALMANANHE DE BRINCADEIRAS - 500 atividades escolaresALMANANHE DE BRINCADEIRAS - 500 atividades escolares
ALMANANHE DE BRINCADEIRAS - 500 atividades escolares
 
GÊNERO TEXTUAL - TIRINHAS - Charges - Cartum
GÊNERO TEXTUAL - TIRINHAS - Charges - CartumGÊNERO TEXTUAL - TIRINHAS - Charges - Cartum
GÊNERO TEXTUAL - TIRINHAS - Charges - Cartum
 
Atividades sobre Coordenadas Geográficas
Atividades sobre Coordenadas GeográficasAtividades sobre Coordenadas Geográficas
Atividades sobre Coordenadas Geográficas
 
RedacoesComentadasModeloAnalisarFazer.pdf
RedacoesComentadasModeloAnalisarFazer.pdfRedacoesComentadasModeloAnalisarFazer.pdf
RedacoesComentadasModeloAnalisarFazer.pdf
 
Transformações isométricas.pptx Geometria
Transformações isométricas.pptx GeometriaTransformações isométricas.pptx Geometria
Transformações isométricas.pptx Geometria
 
PROGRAMA DE AÇÃO 2024 - MARIANA DA SILVA MORAES.pdf
PROGRAMA DE AÇÃO 2024 - MARIANA DA SILVA MORAES.pdfPROGRAMA DE AÇÃO 2024 - MARIANA DA SILVA MORAES.pdf
PROGRAMA DE AÇÃO 2024 - MARIANA DA SILVA MORAES.pdf
 
Rotas Transaarianas como o desrto prouz riqueza
Rotas Transaarianas como o desrto prouz riquezaRotas Transaarianas como o desrto prouz riqueza
Rotas Transaarianas como o desrto prouz riqueza
 
“Sobrou pra mim” - Conto de Ruth Rocha.pptx
“Sobrou pra mim” - Conto de Ruth Rocha.pptx“Sobrou pra mim” - Conto de Ruth Rocha.pptx
“Sobrou pra mim” - Conto de Ruth Rocha.pptx
 

O olhar do mendigo

  • 1. Gustavo Rodrigues Zaraya (15000290); JOA (DIURNO) Gymnopédie I Eu ando muito, sabe? Sempre andei muito. Nunca andei, entretanto, com um objetivo. Muitas vezes penso em andar e saio caminhando, não para encontrar, mas para fugir, fugir da solidão, do abandono, da ânsia pela resposta. A ânsia causada pela impossibilidade de encontrar a resposta, aquela que nos acolhe e nos ensina a chave para o mistério da vida. Ando pela cidade. E olho. Olho exaustivamente a cidade enquanto ando. Em círculos contínuos, ao infinito, eu olho e tenho a impressão de que não vejo. Ver exige vísceras e eu ainda não estou pronto para dar as minhas. Ver necessita o despojamento das ilusões. Mas, não. Ainda não estou pronto para aceitar a loucura, a loucura que destoa do sorriso por sorrir mais, que destoa da lágrima por esbanjar felicidade. Não quero esta loucura, a loucura do saber. Saber exige a luta. Exige olhar para o mundo e ver a si mesmo. E ver a si mesmo é escapar de si mesmo. Meu leitor, é claro, invariavelmente medíocre, não entenderá. É certo que tudo o que escapa da nossa vida, do nosso entendimento, nos parece medíocres. Fruto de nossa prepotência e infantilidade. Pense assim, acho você, que me lê, medíocre porque não o entendo. É um saldo da nossa amizade. E também falo contigo que julga entender este texto. Meu senhor: você entende o nada. Isto aqui é alma. Não é palavra. E o que você sente é o julgo. As almas não devem ser julgadas. Elas gritam por amparo e compaixão. A sua também, no presente. Grita por compaixão. Este texto surgiu ao acaso, enquanto ontem eu voltava justamente de uma caminhada – não mais andando, mas desenvolvendo. Encontrei o olhar, não o meu, mas o do meu outro eu: o de um velho. Imóvel. Medonho. Estava em pé, na mureta do vão do MASP. Exatamente, senhores, em pé, de costas ao vão, imóvel. Ninguém o via.
  • 2. Perguntei a uma moça sentada: “ele vai se matar?”. Ela me disse: “está aí há muito tempo. Há dias. Imóvel. É maluco, moço”. Vida-Morte naquele corpo, em pé, imóvel. De costas para a morte, vendo a vida. O olhar imóvel. Absoluto. Por pudor não disse, mas é claro que era um mendigo. Um absoluto mendigo, de barba e pele maltratadas. De odores e muitas mágoas. Talvez, do olhar mais sábio e impenetrável que já vi. Sim, mais do que olhar, eu vi aquele olhar. E por mais que eu não o compreenda, e não compreendo até hoje, aquilo ali desfigurava máscaras. A cidade não é feita de pedra. A cidade é feita de corpos. E de crianças abandonadas, crianças com barba, crianças que apesar de não serem vítimas, precisam de ajuda. Duma ajuda direcionada ideologicamente à fome da África. Mas negada nas esquinas, às mãos pedintes, aos olhares apaixonados dos mendigos. Aquele homem olhava ao nada. Mas via a si mesmo na cidade. Via a sua alma, e, por isso, via a todos. Via o grito de socorro, íntimo, silencioso, que urra pela resposta. Pela resposta chamada não de paixão, mas de sintonia. A sintonia humana da eternidade. Fui embora. E fugi de mim mesmo em sonhos profundos e secretos. Achei, por um momento, que a vida não valia a pena. Mas dos céus, como tinta cremosa, estrelada, desceram as galáxias do firmamento e ficaram derramadas na linha do horizonte. Abençoando a nossa esperança. Destruindo a barreira de carros, de concreto, das rosas e dos nojos. Simples, como a natureza promete a vida. Imensas como o amor promete o que somos nós. No amanhã. (E assim que o homem mais humilde de todos se aproximou do mendigo e lhe ofereceu a sua atenção, profunda e gratuita, o eco de toda uma civilização estremeceu e resplandeceu. É que a aurora, então, iluminou a esperança, boba, piegas – e secretamente austera e brutal – de um adolescente).