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I
II
Juventude e Território: Um olhar jovem sobre governança da cidade.
© United Nations Human Settlements Programme (UN-HABITAT), 2015.
Nota
As designações empregadas e a apresentação do material dessa publicação não implicam, de forma alguma, a expressão de
qualquer opinião por parte do secretariado das Nações Unidas em relação à situação legal de qualquer país, território, cidade
ou área, ou de suas autoridades, ou à delimitação de suas fronteiras ou limites, ou em relação a seu sistema econômico ou
grau de desenvolvimento. As análises, conclusões e recomendações dessa publicação não refletem necessariamente as visões
da ONU-Habitat.
United Nations Human Settlements Programme (UN-HABITAT)
P.O. Box 30030, Nairobi 00100, Kenya
Tel: +254 20 762 3120
Fax: +254 20 762 3477
www.unhabitat.org
Agradecimentos
Fotos da capa: © Escola de Notícias, Ricardo Lisboa Photography.
Ilustrações e fotos texto: © Freepik.com e fotos divulgação.
Autores: Alice Junqueira, João Felipe Scarpelini, Talita Montiel, Safira de La Sala.
Contribuíram com os estudos de caso: Bruno Santos, Caique Andrade,
Cesar Augusto Quental, Diego da Cunha, Emi Tanaka, Flavio Calado, Henrique Parra, João Amorim, Julia Paiva, Lais Lisandra,
Marina Amorin, Pamela de Assis, Patrícia Guisordi, Pedro Alcântara, Rangel Mohedano, Raul Torres, Regina Meirelles, Ricardo
Mello, Escola de Notícias, Ideia em Pixel, Cidade Democrática, Amigos da Praça Éder Sader, Rede de Moradores da Vila
Madalena, Instituto Elos e GVT.
Contribuíram com informações: Governo Municipal da Cidade de São Paulo – Gabinete do Prefeito, Secretaria de Relações
Internacionais e Federativas, Secretaria de Direitos Humanos e Cidadania, Secretaria de Relações governamentais, Secretaria
de Desenvolvimento Urbano, Secretaria de Cultura, Secretaria do Verde e do Meio Ambiente, Secretaria de Comunicação;
Escola de Governo; GT Democracia Participativa Rede Nossa São Paulo; Assessoria técnica da CDHU; Associação dos
trabalhadores sem terra da zona oeste e noroeste de São Paulo; Minha Sampa e Movimento Parque Augusta.
Contribuíram com o questionário online: Núcleo de Estudos e Pesquisas em Gestão, Políticas e Tecnologias da Informação
- NGPTI/UFG , Mob Consult e Luiz Bouabci.
Site (http://www.youthandland.org): Kenichi Haramoto e Willian Martinelli.
Concepção visual: Alice Junqueira
Design gráfico: Tabitha Obara.
III
IV
CONTEÚDO
VCONTEÚDO
SUMÁRIO EXTECUTIVO.............................................................................................................................................................................................VII
CONCEITOS GERAIS: O QUE ENTENDEMOS POR ACESSO À TERRA, TERRITÓRIO, BOA GOVERNANÇA E PARTICIPAÇÃO?................................01
Acesso à terra................................................................................................................................................................................................................................01
Boa governança..............................................................................................................................................................................................................................03
EM QUE CONDIÇÕES A JUVENTUDE VIVE E ACESSA À TERRA NA CIDADE DE SÃO PAULO?...............................................................................07
O acesso à terra na cidade de São Paulo......................................................................................................................................................................................10
ASPECTOS JURÍDICOS DA PARTICIPAÇÃO DA JUVENTUDE NO DESENVOLVIMENTO URBANO BRASILEIRO......................................................21
Aspectos Constitucionais: formas de participação popular na democracia brasileira.................................................................................................................21
A Política Nacional de Desenvolvimento Urbano e a Participação Popular.................................................................................................................................25
O Direito à Cidade .........................................................................................................................................................................................................................26
Gestão democrática da cidade......................................................................................................................................................................................................29
Estatuto da Juventude...................................................................................................................................................................................................................33
O direito à participação social e política e as estratégias de inclusão da juventude..................................................................................................................35
O direito à cidade, um direito da juventude..................................................................................................................................................................................37
Incluindo a juventude no desenvolvimento urbano. Sinergias entre o Estatuto da Cidade e o Estatuto da Juventude..............................................................38
Participação da juventude na governança da terra na Cidade de São Paulo...............................................................................................................................39
Considerações sobre a participação formal na cidade de São Paulo...........................................................................................................................................45
Participação informal.....................................................................................................................................................................................................................46
Participação pela ação ..................................................................................................................................................................................................................51
ESTUDOS DE CASO................................................................................................................................................................................................75
Depoimentos de jovens que participaram da aplicação da metodologia.....................................................................................................................................81
CONCLUSÃO............................................................................................................................................................................................................85
1 Quão amigáveis à juventude são os processos / mecanismos de participação estabelecidos para melhorar a governança da cidade?...............................85
2 Quais são as barreiras e oportunidades para promoção da participação dos/as jovens na governança da terra no contexto urbano?..................................87
3 Que ferramentas podem fortalecer o engajamento dos/as jovens em processos de tomada de decisão na cidade de São Paulo? ......................................89
Reflexões finais..............................................................................................................................................................................................................................90
NOTAS.......................................................................................................................................................................................................................91
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.........................................................................................................................................................................94
CONTEÚDO
VI
SUMÁRIO
EXTECUTIVO
VIISUMÁRIO EXTECUTIVO
SUMÁRIO EXTECUTIVO
Essa publicação tem o intuito de compartilhar
os resultados do projeto Juventude e
Território – um olhar jovem sobre governança
da cidade. O projeto nasceu como um
dos resultados da parceria entre o Global
Land Tool Network (GLTN), cujo objetivo é
contribuir para a diminuição da pobreza por
meio da reforma agrária, da melhoria da
gestão da terra e da garantia do direito a
ocupação e propriedade para todos e todas,
e a ONU-Habitat, agência da Organização
das Nações Unidas (ONU) responsável
por promover a discussão e o avanço de
questões relacionadas à moradia e ao
desenvolvimento urbano sustentável.
Nos últimos anos, ambas organizações
desenvolveram projetos e materiais
de referências para a compreensão do
acesso à terra sob as perspectivas de
gênero e comunidades de base. Estas
experiências deram origem a uma terceira
linha de pesquisa focada na juventude, uma
outra lacuna identificada a partir de dois
importantes fatores do contexto atual: o
grande número da população jovem mundial
e a urbanização acelerada.
Cerca de um quarto (24,7%) da população
mundial tem entre 15 e 29 anos (U.S. Census
Bureau, 2014), a maior quantidade de jovens
que já existiu1
. Para 2030, a previsão é de
que 60% da população urbana terá menos de
18 anos, a maioria deles vivendo em favelas
e assentamentos informais (ONU-Habitat,
2013). No entanto, pouco se fala de juventude
quando se fala em acesso à terra e, ainda
menos, quando se trata do acesso à terra no
contexto urbano. Qual a relação da juventude
com a terra na cidade? Como a juventude
tem acesso à terra? Como as políticas
públicas municipais a incorporam? Os/as
jovens se preocupam mais com o espaço
público do que com moradia e propriedade?
Essas são algumas das perguntas sobre as
quais o GLTN e a ONU-Habitat vêm refletindo
e os temas sobre os quais tem buscado
desenvolver conteúdo referencial, com o
intuito de fornecer subsídios para a criação
de uma política global, construída a partir de
experiências locais articuladas por jovens.
Dessa maneira, promoveram projetos de
pesquisa em cinco países: Brasil, Iêmen,
Nepal, Quênia e Zimbábue, sendo São Paulo
a cidade escolhida para o projeto piloto no
Brasil. Todos esses países fazem parte das
regiões que atualmente têm mais jovens
em suas populações. É estimado que 85%
VIII
da juventude global (15 a 24 anos) vive em países em
desenvolvimento (ONU-Habitat, 2011). Além disso,
as cidades desses países são responsáveis por 90%
do crescimento da população urbana mundial (ONU-
Habitat, 2013).
Cada projeto abordou um aspecto da relação
juventude-terra, e o enfoque de São Paulo foi a
participação da juventude na governança da terra.
Esse tema foi escolhido, pois o GLTN e a ONU-Habitat
entendem que  a melhoria da governança da terra é
fundamental para o alcance de uma série de resultados
de desenvolvimento e para a não marginalização
de segmentos populacionais (ONU-Habitat, 2013).
Entendem também que, dada a diferença de percepção
de adultos e jovens sobre o acesso e o direito à terra,
as vozes da juventudes precisam ser ouvidas. Apesar
da juventude estar nas agendas políticas e sociais –ser
considerada como ator essencial para o futuro das
nações e estar no centro dos recentes acontecimentos
de mobilizações e protestos ao redor do mundo todo–,
os/as jovens ainda não são suficientemente envolvidos/
as e/ou legitimados/as nos processos de governança.
Assim, as estratégias utilizadas para a realização do
projeto foram:
•	 Compreensão dos principais conceitos relacionados
ao tema pesquisado, a partir de referências
acadêmicas e de organismos governamentais e
multilaterais;
•	 Análise jurídica das leis vigentes relacionadas à
temática para entender o quão responsivas elas
são à juventude, o que se pretende com elas e
quais são as lacunas para sua implementação
(Constituição Federal, Estatuto da Cidade e Estatuto
da Juventude);
•	 Análise contextual com base em indicadores
oficiais;
•	 Conversas informais com representantes do poder
público e movimentos sociais para compreensão
dos espaços e formas de participação existentes;
•	 Questionário online para ampliação de referência
sobre a visão da juventude acerca da temática e
suas formas de participação;
•	 Estudos de casos junto a jovens da periferia e do
centro da cidade para levantamento de percepções
e práticas sobre o acesso à terra e o participação da
juventude na governança da terra na cidade;
IXSUMÁRIO EXTECUTIVO
•	 Data Mining para mapeamento de mecanismos e
formas de participação da juventude em processos
de governança e soluções para cidades.
Sabemos que este é somente um pequeno retrato da
realidade que traz consigo limitações, no entanto, esse
retrato apresenta importantes informações e ideias
sobre formas de atuação político-sociais. Esperamos
que este processo se estenda e ajude a incentivar a
participação da juventude na governança da cidade
de São Paulo. Neste caminho, poderemos juntos/as
fortalecer as formas de participação e metodologias de
intervenção existentes e encontrar novas. Acreditamos
no poder colaborativo das pessoas e setores para
encontrarmos soluções mais efetivas. Aumentar a
percepção de que vivemos em rede é premissa deste
trabalho, assim como valorizar essa maneira de atuação
e organização –a partir da construção coletiva, por meio
do encontro entre pessoas na cidade e com a utilização
das várias possibilidades da internet.
CONCEITOS GERAIS:
O QUE ENTENDEMOS POR
ACESSO À TERRA, TERRITÓRIO,
BOA GOVERNANÇA E
PARTICIPAÇÃO?
01CONCEITOS GERAIS: O QUE ENTENDEMOS POR ACESSO À TERRA, TERRITÓRIO, BOA GOVERNANÇA E PARTICIPAÇÃO?
CONCEITOS GERAIS: O QUE ENTENDEMOS POR ACESSO À
TERRA, TERRITÓRIO, BOA GOVERNANÇA E PARTICIPAÇÃO?
Para se refletir sobre juventude e governança da cidade
é importante entender alguns conceitos que dão base
a esses termos e que são associados a sua prática.
São eles: acesso à terra, território, boa governança e
participação.
Acesso à terra
Tradicionalmente o acesso à terra é ligado ao acesso
ao “solo”, “chão”, ou ao fato de se ter uma propriedade.
Porém, uma nova visão, mundialmente difundida pelo
GLTN e pela ONU-Habitat, tem sido cada vez mais
adotada. Essa visão consiste em pensar o acesso e o
direito à terra integralmente. Ou seja, acesso à terra
não é somente o acesso à terra “em si”, mas também
a seus recursos e infraestrutura, tais como habitação,
alimentação, transporte, lazer e economia.
Consiste, igualmente, em entender que quando
falamos em terra, falamos tanto de áreas rurais quanto
das áreas urbanas e, por isso, dos grandes desafios
que estamos vivendo: mudanças climáticas, desastres
naturais, urbanização acelerada, segurança alimentar,
fontes de energia, pobreza, oportunidades de trabalho,
governança, entre outros. Todos esses desafios estão
fortemente ligados à questão territorial e demandam
soluções para problemas como insegurança do direito
a ocupação e propriedade, uso não sustentável da
terra, expansão urbana desigual, baixa capacidade
institucional para resolução de conflitos etc.
Dessa maneira, as razões de falta de acesso à terra são
complexas e advêm de um conjunto de situações, não
apenas de questões de regularização da terra ou de
custo de posse.
Entre elas, quando se trata do ambiente urbano,
estão o preconceito geracional – uma das
principais dificuldades que afetam a juventude –, as
desigualdades de gênero, as desigualdades raciais, os
padrões de urbanização e distribuição geográfica, as
relações de poder, entre outras.
TERRA E DIREITOS HUMANOS
Já parou pra pensar que para termos nossos direitos
efetivados precisamos necessariamente termos acesso
à terra? Abaixo alguns exemplos.
Direitos econômicos: terra para subsistência, geração
de ativos econômicos, geração de renda, local de
trabalho, acesso à serviços, capacitações etc.
Direitos sociais: terra para abrigo e vida familiar,
recreação, educação, espaços públicos, parques, saúde
etc.
Direitos culturais: terra para eventos comunitários,
práticas religiosas e de culturas tradicionais,
entretenimento, eventos culturais e artísticos etc.
Direitos civis e políticos: terra disponibilizada para
projetos de juventude, para informação, para mídia,
para consultas públicas etc.
02
Território
Para abordar o acesso à terra a partir do referencial das
cidades, é preciso que o tratemos junto ao conceito de
território.
Isso porque por “território” se entende o lugar onde
determinado Estado exerce sua soberania; o espaço
de terra onde a Constituição e as leis daquele Estado
são aplicáveis.2
Ou seja, “é o espaço ao qual se
circunscreve validade como ordem jurídica estatal”
(DALLARI, 2013, p. 87). É neste espaço –no território–
que as cidades organizam os equipamentos, bens e
serviços públicos que são oferecidos para a população.
É também neste espaço que se desenvolvem as
relações sociais, tanto entre indivíduos quanto entre
organizações públicas e privadas.
Por isso, duas dimensões são atribuídas ao território:
sua materialidade e os sentimentos que ele provoca
(HAESBAERT, 2004).
Apesar da primeira dimensão ser a mais amplamente
difundida, entendemos que é preciso dar especial
relevância à segunda, pois é no processo de
apropriação do espaço –o direito de criarmos cidades
que satisfaçam às nossas necessidades diretamente–
que muitos entendem estar o direito à cidade.3
Trata-se
da criação de laços afetivos e significados para com
o espaço e do cuidado com o coletivo. É sob essa
perspectiva também que se dá a definição de terra
/ território para os indígenas, pois, “para os índios,
a terra é um bem coletivo, destinado a produzir a
satisfação das necessidades de todos os membros da
sociedade. Todos têm o direito de utilizar os recursos
do meio ambiente, por meio da caça, pesca coleta e
agricultura. Embora o produto do trabalho possa ser
individual, as obrigações existentes entre os indivíduos
asseguram a todos o usufruto dos recursos” (MUSEU
DO ÍNDIO, 2014).
Youth and Land Responsiveness Criteria
Em seu esforço para promover a inclusão das
demandas da juventude no setor da terra, o GLTN
e a ONU-Habitat desenvolveram uma ferramenta
chamada Youth and Land Responsiveness Criteria –
YLRC (Critérios de Responsividade à Terra e Juventude).
O YLRC mais do que voltado à terra, é voltado para
as pessoas. Trata-se de uma ferramenta para fazer
com que a juventude e outras partes interessadas
no setor da terra dialoguem. Seu objetivo é avaliar
programas e políticas objetivamente para garantir que
as questões da juventude e da terra são abordadas de
forma equitativa, a fim de alcançar a segurança de
ocupação e posse para todos e todas. Essas questões
incluem a definição do papel da juventude no setor de
terra, seu conhecimento sobre o tema, sua participação
na governança e seu acesso à terra. A ferramenta
pode ser usada para avaliar outras ferramentas já
existentes e identificar onde e como elas podem ser
mais sensíveis às necessidades e preocupações da
juventude para terra.
Os diferentes critérios desta ferramenta foram
estabelecidos seguindo as várias reuniões consultivas
realizadas pelo GLTN e pela ONU-Habitat com jovens,
parceiros, profissionais e especialistas. Os critérios
reconhecem o fato de que os/as jovens podem assumir
responsabilidades de adultos mesmo quando são
menores de idade, que vivem uma fase de transição
com realidades complexas e , principalmente, que a
terra não é um tema exclusivo da idade adulta..
03CONCEITOS GERAIS: O QUE ENTENDEMOS POR ACESSO À TERRA, TERRITÓRIO, BOA GOVERNANÇA E PARTICIPAÇÃO?
Dessa maneira, nossa proposta é enxergarmos o
território da cidade como um bem coletivo, onde
a diversidade das pessoas, relações e expressões
precisam ser valorizadas e os direitos de todos e todas
garantidos. Com essa compreensão, passamos a nos
apropriar mais do território, a reivindicar mais nossos
direitos e a participar mais da governança da cidade.
Boa governança
Governança é um conceito que assumiu distintos
significados ao longo do tempo. Segundo especialistas
em administração e desenvolvimento regional,
“Recorrendo às diferentes concepções sobre governança, com base em autores
referenciais, algumas expressões são recorrentes. Sem a preocupação de hierarquização,
destacam-se definições que fazem referência à: (1) uma nova forma de governar e de
formulação de políticas públicas, como um processo de tomada de decisão relativamente
horizontal, que inclui uma pluralidade de atores público, semi-público e privado, diferente
do antigo modelo hierárquico, não mais sustentado na dominação nem na violência
legítima, senão na negociação e cooperação com base em certos princípios submetidos
ao consenso; (2) um processo complexo de tomada de decisão que antecipa e ultrapassa
o governo, como um novo modelo de regulação coletiva, baseado na interação em rede
de atores públicos, associativos, mercantis e comunitários; (3) um conjunto complexo de
instituições e atores, públicos e não públicos, que agem num processo interativo (STOKER,
1998).” (CANÇADO; TAVARES; DALLABRIDA, 2013, p. 328)
No Brasil, o Programa Cidades Sustentáveis define
governança como um processo que “engloba a
forma como o território se organiza politicamente
e a participação da sociedade civil.” (PROGRAMA
CIDADES SUSTENTÁVEIS, 2013).
Quando se trata de governança da terra, o GLTN
articula-se com tais concepções e a coloca como
um conceito que “diz respeito às regras, processos
e estruturas por meio das quais as decisões sobre o
acesso e uso da terra são tomadas, a maneira pela
qual as decisões são implementadas e executadas,
e a maneira com que interesses conflitantes na terra
são geridos.” (ONU-Habitat, 2010, p.14, tradução dos
autores).
Assim, a governança da terra inclui não apenas
governo e instituições previstas na Lei, mas também
instituições e estruturas consuetudinárias4
e agentes
informais, sejam eles comunitários, religiosos,
ou outros, de acordo com o local. Inclui toda a
prática formal e informal que rege o acesso à terra
e as relações de poder. A estrutura de poder de
uma sociedade é, entre outras coisas, refletida na
governança da terra. Ao mesmo tempo, a governança
pode expressar a distribuição de poder na sociedade.
04
Quem se beneficia com o quadro jurídico, institucional
e político atual relacionado à terra? Como esse
quadro interage com autoridades formais e sistemas
informais? Quais são as estruturas de incentivo para
uso da terra? Quais são as restrições? Quem tem qual
influência em como as decisões sobre o uso da terra
são tomadas? Como são aplicadas as decisões? Que
recursos existem para o gerenciamento de demandas?
(ONU-Habitat, 2010). É em razão de reflexões como
essas que torna-se importante pensar como se dá uma
“boa governança”, já que existem muitas maneiras de
se constituir relações políticas, sociais e de poder.
Na visão da ONU, a boa governança, no âmbito dos
governos, “promove a igualdade, a participação,
o pluralismo, a transparência, a responsabilidade
e o Estado de Direito de forma efetiva, eficiente e
duradoura.” (KI-MOON, 2009).
Especialmente em relação à terra, a ONU-Habitat
destaca que quando a governança da terra é eficaz,
o acesso equitativo à terra e a segurança de posse
e ocupação podem contribuir para a melhoria das
condições sociais, econômicas e ambientais. Ela pode
garantir que os benefícios advindos da terra e dos
recursos naturais sejam geridos com responsabilidade
e distribuídos de forma equitativa. A administração da
terra pode ser simplificada e tornada mais acessível e
eficiente (ONU-Habitat, 2010).
Por outro lado, uma governança fraca/deficiente,
seja na administração formal da terra ou nos acordos
de posse consuetudinários, afeta especialmente a
população pobre e as comunidades de base, podendo
deixá-las marginalizadas. Muitas vezes, seus direitos à
terra não são protegidos e, em muitas cidades, vivem
sob o medo constante de despejos, hoje comumente
05CONCEITOS GERAIS: O QUE ENTENDEMOS POR ACESSO À TERRA, TERRITÓRIO, BOA GOVERNANÇA E PARTICIPAÇÃO?
justificados pelo “desenvolvimento”. Assim, a
governança fraca/deficiente também pode significar
que a terra não é utilizada adequadamente para criar
riqueza para o benefício de toda a sociedade ou país
(ONU-Habitat, 2010).
Participação
Apesar das definições de boa governança diferirem
em alguns aspectos, a maioria traz um elemento em
comum: a participação como eixo estruturante da boa
governança.
Participação é um conceito que varia e depende de
contextos históricos, sociais e políticos. Derivações
como participação comunitária, participação popular,
participação política, participação social, participação
cidadã etc., evoluíram em uma rede complexa de
“formas de participação”. Por isso, hoje, vão desde a
conquista e a concretização de direitos, e a efetivação
dos poderes conferidos à população, até a ação
e promoção de consciência social dos cidadãos e
cidadãs.
Assim, a participação faz parte dos campos social
(incluindo o cultural e o econômico), político e jurídico,
e varia em pelo menos três perspectivas: 1) na maneira
como se organiza; 2) na maneira como está relacionada
com o Estado e 3) na maneira como a legislação exige
do governo a sua implementação ou não (AVRITZER,
2008).
Consideramos neste projeto, portanto, a palavra
participação em seu amplo significado: influência
sobre políticas públicas; ação comunitária; ativismo ou
associativismo; movimentos e manifestações; exercício
e definição de direitos; controle social; (re)construção
da democracia, e assim por diante. Isso porque, se não
considerarmos o conjunto, veremos com limitação o
processo participativo.
Por isso, foram observados processos que dividimos
em duas categorias: participação formal (prevista em lei
e/ou promovida pelo governo) e participação informal
(não realizada ou promovida pelo governo).
Nesse sentido, para nós, boa governança da terra no
contexto urbano é um processo de desenvolvimento
acessível, participativo, transparente e mensurável, que
atende às necessidades e desejos da sociedade civil –
incluindo os dos/as jovens.
06
EM QUE CONDIÇÕES
A JUVENTUDE VIVE E
ACESSA À TERRA NA
CIDADE DE SÃO PAULO?
07EM QUE CONDIÇÕES A JUVENTUDE VIVE E ACESSA À TERRA NA CIDADE DE SÃO PAULO?
São Paulo é uma das cidades onde a sociedade civil
mais se organizou após o início da redemocratização
do Brasil e onde começaram importantes movimentos
sociais nacionais, como o movimento nacional pela
reforma urbana (AVRITZER, 2008). No entanto, a
população paulistana, ainda hoje, sofre com grande
desigualdade social e territorial.
A cidade abriga 11.244.369 pessoas, das quais 25,83%
são jovens, em uma área de 1.521 km² –99,1% urbana
e 0,9% rural (IBGE, 2010). Um enorme espaço com
um índice de desenvolvimento humano municipal
(IDHM) considerado “muito alto” –0,805– (PNUD,
2013) e o maior PIB do país (IBGE, 2015), indicadores
que mascaram contextos bastante problemáticos. A
situação das periferias é muito diferente do cenário
traçado pelos dados econômicos e sociais médios
desses indicadores; são regiões de alta vulnerabilidade
social. Esse cenário é ainda mais preocupante quando
observamos, conforme mostra o mapa ao lado5
, que
os/as jovens estão concentrados/as justamente nessas
regiões.
EM QUE CONDIÇÕES A JUVENTUDE VIVE E ACESSA
À TERRA NA CIDADE DE SÃO PAULO?
PARTICIPAÇÃO DE JOVENS DE 15 A 19 ANOS NA POPULAÇÃO TOTAL
Fonte: Mapa da Vulnerabilidade Social do Município de São Paulo, 2000
08
MAPA DA VULNERABILIDADE SOCIAL SETORES CENSITÁRIOS DO MUNICÍPIO DE SÃO PAULO, 2004
Fonte: CEM-CEBRAP, 2004
As periferias paulistanas são regiões que convivem
com diversos tipos de falta de acesso. Por exemplo,
quando se tratam de equipamentos culturais e
esportivos, há 236 equipamentos públicos culturais
nos 96 distritos da cidade, sendo que em 24 desses
(muitos situados em periferias) não há nenhum
equipamento, enquanto 6 outros (todos centrais)
concentram 83 equipamentos –28 em apenas um
único distrito. No caso dos equipamentos esportivos, a
desigualdade aumenta. São 56 distritos sem nenhum
equipamento e um único concentrando 31 dos 459
disponíveis para uso público. A questão da mobilidade
também é um problema. Dados mostram que o tempo
médio gasto em deslocamentos diários na cidade é de
duas horas e, naturalmente, quem demora mais, vive
na periferia (REDE NOSSA SÃO PAULO, 2013).
Ou seja, em São Paulo, os/as jovens são uma parte
importante da população de áreas que enfrentam
grande vulnerabilidade social. Isso é revelado
também por uma pesquisa do Centro de Estudos da
Metrópole (CEM-CEBRAP) da Universidade de São
Paulo em parceria com a Secretaria de Assistência
Social de São Paulo (SAS-PMSP). Esse estudo divide a
população em alguns grupos, construídos em função
de sua precariedade socioeconômica e do percentual
de famílias jovens (ciclo de vida familiar). O mapa
abaixo mostra a variação desse índice no espaço e a
juventude como parte dos grupos mais vulneráveis.
09EM QUE CONDIÇÕES A JUVENTUDE VIVE E ACESSA À TERRA NA CIDADE DE SÃO PAULO?
“O verdadeiro desafio, aquele que deveria ser
enfrentado antes de mais nada, é o de reverter a
lógica perversa da nossa urbanização, que relega
invariavelmente e impiedosamente os mais pobres
para o mais longe possível, no ato mesmo em que
o espaço urbano se produz. (...) Passados doze anos
da aprovação do Estatuto da Cidade, nem São Paulo
nem nenhum município brasileiro o aplicou de forma
sistêmica, integrada e completa.”
João Sette Whitaker Ferreira, 46 anos, arquiteto,
urbanista, economista, professor e membro do
Conselho da Cidade6
Especificamente em relação à questão habitacional,
a cidade tem 10,8% de seu domicílios (386.188) em
favelas e vive um contexto de especulação imobiliária e
déficit habitacional (Secretaria Municipal de Habitação,
2011). A valorização imobiliária em São Paulo foi de
197,4% entre janeiro de 2008 e janeiro de 2014 para
compra e de 95,9%, no mesmo período para aluguel
(Índice Fipe/Zap, 2014). Enquanto isso, entre janeiro de
2008 a dezembro de 2013 a inflação medida pelo IPCA
foi de 38,9% (Índice Fipe/Zap, 2014), o que mostra o
quão maior é a valorização dos imóveis em relação à
inflação.
Por consequência, tais dados se refletem no nível
de satisfação da população com a cidade. O IRBEM
(Indicadores de Referência de Bem-Estar no Município)
revela insatisfação em relação à estética da cidade,
desigualdade social, realidade da juventude, valores
sociais, habitação e transparência e participação.
Estética da cidade – média 5,0
Aparência da cidade;
Aparência de seu bairro;
Conservação dos monumentos históricos;
Conservação dos espaços públicos.
Desigualdade social – media 3,8
Igualdade no acesso à educação;
Igualdade no acesso à oportunidade de trabalho e emprego;
Igualdade no acesso ao serviço de saúde;
Igualdade no acesso à moradia;
Igualdade no acesso à justiça;
Distribuição de renda.
Juventude – média 4,8
Acesso ao ensino técnico profissionalizante e universitário;
Oportunidade do primeiro emprego aos/às jovens;
O grau de acesso a informações para os/as jovens na prevenção ao uso de
drogas;
Programas de prevenção da gravidez na adolescência;
O quanto as escolas são atrativas para os/as jovens;
Espaços culturais e centros de juventude nos bairros;
Tratamento dos policiais aos/às jovens.
Valores sociais – média 4,5
Solidariedade: espírito de grupo e respeito ao outro e à vida entre as
pessoas na cidade;
Cultura de paz e recusa à violência entre as pessoas na cidade;
Cidadania: participação da população na vida da cidade, exercendo direitos
e deveres;
Responsabilidades compartilhadas, consciência do coletivo entre as pessoas
na cidade;
Comportamento ético: conduta humana honesta e benéfica entre as pessoas
na cidade.
Abaixo o detalhamento das categorias pesquisadas e
suas respectivas valorações médias, determinadas a
partir de uma escala de 0 a 10 (IRBEM, 2013).
10
Habitação – média 4,5
Qualidade de sua moradia;
Oferta e qualidade da coleta de esgoto em sua casa;
Quantidade de estações de metrô em seu bairro;
Políticas que permitem a aquisição da casa própria;
Políticas de reurbanização das favelas;
Oferta de planos habitacionais para todas as faixas salariais;
Soluções criadas para moradias em áreas de risco.
Transparência e participação – média 3,5
Obrigatoriedade do voto;
Espaços de participação política;	
Seu grau de conhecimento dos meios de comunicação populares;
Acesso a informações úteis por telefone e internet;
O acesso as informações no portal da Prefeitura na internet;
Forma de participação na escolha dos subprefeitos;
Participação popular em conselhos das subprefeituras;
Acompanhamento das ações dos políticos eleitos;
Transparência dos gastos e investimentos públicos;
Punição à corrupção;
Honestidade dos governantes.
O acesso à terra na cidade de São Paulo
De acordo com as conversas realizadas para o projeto
junto a representantes do poder público, movimentos
sociais e jovens de São Paulo, quando se fala em
acesso à terra, a percepção mais recorrente é associá-
lo ao acesso à terra rural ou, quando se trata do
ambiente urbano, à moradia e propriedade.
A segunda percepção, também fortemente presente,
é o acesso à terra como acesso ao espaço público e,
somente quando se avança a discussão, como o direito
à cidade.
Com isso, pode-se perceber que a visão integral para o
acesso à terra falada anteriormente ainda não é a que
prevalece.
Todas as percepções mencionadas, moradia e
propriedade, espaço público e direito à cidade, estão
ligadas ao próprio processo de urbanização da cidade.
Representantes de movimentos sociais colocam que
a questão da moradia é central, pois ela afeta outros
serviços como educação, trabalho e aquisição de bens
de consumo. Sem moradia “há falta de endereço”
para acessar outros serviços. Colocam ainda que a
aquisição da moradia constitui um valor simbólico de
dignidade e, na mente de muitas famílias sem moradia,
“pré-requisito” para outros direitos.
Do lado do governo, o tema também é bastante
presente em termos de políticas e desafios. A questão
habitacional é centralizada na Secretaria Municipal
de Habitação (SMH) porém, por entenderem a
importância da agenda e a demanda existente por
parte da população, outras secretarias se articulam e
“Tem muito estranhamento da gestão pública
municipal em torno desse tema. Acesso à terra é muito
vinculado à luta agrária.”
William Nozaki, 32 anos, coordenador de promoção
do direito à cidade, Secretaria Municipal de Direitos
Humanos e Cidadania
11EM QUE CONDIÇÕES A JUVENTUDE VIVE E ACESSA À TERRA NA CIDADE DE SÃO PAULO?
“Quem não tem casa acha que não tem mais nenhum
outro direito. A moradia é ‘poder’.”
Jô, coordenadora do programa Minha Casa Minha Vida
da Associação dos trabalhadores sem terra da zona
oeste e noroeste de São Paulo.
“Para o Movimento de População de Rua, dignidade é
a ‘chave da casa na mão’. Mesmo que não consigam
lidar com tudo o que implica ter uma moradia, o
imaginário é que a casa é ‘seu lugar no mundo’.”
Andréa Maria Ferreira, 44 anos, coordenadora adjunta
da Coordenação de Políticas para a População em
Situação de Rua da Secretaria Municipal de Direitos
Humanos e Cidadania.
incorporam políticas habitacionais para contribuírem
com o alcance de objetivos específicos, como,
por exemplo, o empoderamento de mulheres e a
igualdade racial. No entanto, a SMH ressalta que a
já mencionada alta demanda por terra é o grande
desafio para a implementação de políticas públicas
habitacionais. Para a aquisição de terras para projetos
de habitação, existe não só a disputa com o setor
privado, mas também a necessidade de articulação
com os interesses de outras secretarias, que
demandam terra para seus próprios serviços. Além
disso, muitas das terras analisadas são descartadas por
problemas de matrícula, contaminação, entre outros
problemas, e diversas outras, já ocupadas, precisam de
regularização.
A Secretaria Municipal de Desenvolvimento Urbano
(SMDU) acrescenta, ainda, mais alguns fatores que
compõe o desafio: o alto custo de desapropriação,
dificuldades operacionais com a estrutura burocrática
da prefeitura, a necessidade de mão de obra técnica
para avaliação nem sempre disponível e a incerteza em
relação ao processo, pois não é possível prever o custo
final da propriedade/imóvel, cujo valor é contestado
pelo proprietário e aferido via determinação judicial.
Já a fala dos movimentos de moradia, ressalta
principalmente a especulação imobiliária como um
dos principais problemas para o acesso à terra em São
Paulo. Por causa da intensa valorização dos terrenos e
dos imóveis, muitas famílias acabam vendendo suas
casas e indo cada vez mais para a periferia da cidade.
Outras, não conseguem comprar ou manter suas
casas nos bairros em que vivem ou que desejam viver.
Colocam, ainda, que isso impacta inclusive políticas
públicas já existentes.
12
“Por que a terra pode ser privada se o ar e a água não
são? Não temos esse questionamento.”
Maurício Piragino, 50 anos, coordenador do Grupo de
Trabalho de democracia participativa da Rede Nossa
São Paulo e diretor da Escola de Governo São Paulo
“Quando terras são desapropriadas para construir
hospitais, escolas etc. ninguém contesta, quando é pra
habitação a pressão é enorme. A moradia encontra
muita resistência porque não é vista como um direito.”
Miriam Hermogenes, 40 anos, coordenadora de
relação com movimentos sociais, Secretaria Municipal
de Relações Governamentais
“Há uma cultura muito ruim de que habitação é
somente moradia, principalmente apartamento,
enquanto a habitação precisa da moradia e do resto da
cidade, calçada, luz, esgoto, área de lazer etc.”
Adele Lamm, 38 anos, assessora técnica da CDHU
O Minha Casa Minha Vida, principal programa
habitacional do governo federal brasileiro, por vezes
não consegue ser implementado na cidade de São
Paulo justamente por causa do custo da terra, pois os
preços dos terrenos tornam proibitivos a construção
das unidades habitacionais de acordo com teto de
preço estabelecido pelo programa.
13EM QUE CONDIÇÕES A JUVENTUDE VIVE E ACESSA À TERRA NA CIDADE DE SÃO PAULO?
“O acesso a terra é tão difícil que é quase o sonho de
uma vida e não de uma faixa etária. Hoje em dia é
preciso dinheiro para conseguir moradia.”
Gustavo Vidigal, 40 anos, chefe de Gabinete da
Secretaria Municipal de Relações Internacionais e
Federativas
“É praticamente impossível uma pessoa solteira
conseguir entrar em um programa de habitação social.
Começamos a luta pela inclusão de “solteiros” no
programa Minha Casa Minha Vida, inicialmente pela
vulnerabilidade do segmento LGBT, o que acabou se
tornando um benefício para jovens, mas isso tá longe
de ser o suficiente.”
Jô, coordenadora do programa Minha Casa Minha Vida
da Associação dos trabalhadores sem terra da zona
oeste e noroeste de São Paulo
“Segurança habitacional não é necessariamente ter
propriedade, mas no Brasil eles estão vinculados.
Locação social, aluguel subsidiado, há outras soluções
nas quais é possível pensar.”
Tomás Wissembach, 33 anos, coordenador da
Secretaria Municipal de Desenvolvimento Urbano
Diante disso, dois caminhos são apontados como
diretrizes essenciais para melhorar o quadro
habitacional da cidade:
1.	 aumentar infraestrutura e oferta de empregos nas
periferias;
2.	 aumentar a densidade demográfica do centro
expandido, ou seja, nos locais onde já há
infraestrutura. E, com isso, buscar o equilíbrio de
ocupação e a contenção da desmedida valorização
das áreas.
Por fim, os movimentos de moradia destacam uma
outra dificuldade para a criação e implementação
de políticas habitacionais, que é o fato da habitação
não ser totalmente entendida como um direito pela
sociedade. A habitação, atualmente, é entendida como
bem de consumo; “Eu financio, eu compro”. Como
essa é a ideia corrente e como a maioria das pessoas
espera acessar suas moradias, tais políticas encontram
muitas barreiras, confrontando-se com opiniões de que
políticas de outros serviços como saúde e educação
são prioritárias.
Em relação à juventude, ambos governo e movimentos
de moradia colocam que moradia é majoritariamente
uma questão de “adulto”, dos “pais”, percepção
também afirmada pelo recente relatório da ONU-
Habitat, What Land Means to Youth [O que a terra
significa para a juventude] (ONU-Habitat, 2014).
14
Alguns fatores podem ser atribuídos a isso. Apesar da
decisão sobre a moradia - aquisição, aluguel ou imóvel
familiar - ser uma decisão individual, muitas vezes ela
é feita em consulta com a família ou, em alguns casos,
até mesmo com a comunidade.
Além disso, esta escolha muda ao longo do tempo,
dependendo de fatores como emprego, casamento
ou coabitação, crianças, entre outros (ONU-Habitat,
2014). Por sua fase de vida, a maior parte dos/as jovens
não tem condições financeiras para comprar uma
propriedade, porém o acesso a uma propriedade não
se dá apenas baseado na condição financeira.
Fatores sociais também influenciam a disponibilidade
e possibilidade de moradia para jovens, como,
por exemplo, a influência do preconceito, seja ele
geracional, racial, de gênero, entre outros. Fianças de
aluguel para jovens muitas vezes são mais altas do
que para adultos. Proprietários dão preferência para
pessoas mais velhas e/ou com filhos, associando a
juventude a desordem, falta de confiança e assim
por diante (ONU-Habitat, 2014). Ao mesmo tempo,
é difícil o acesso à crédito para jovens e não há foco
na juventude nas políticas habitacionais. A SMH, por
exemplo, se posiciona a partir do objetivo de atender
toda a demanda municipal, porém, possui uma lista
de grupos prioritários os quais são: famílias, mulheres
chefe de família, idosos, pessoas com deficiência e
população em situação de rua.
Outro fator importante política habitacional no Brasil
é pensada sob o ponto de vista de renda e não de
faixa etária, enquanto a juventude é um dos públicos
com mais dificuldade de acesso à moradia, como
mostram os dados anteriormente apresentados.
Para a coordenadora de Estudos Setoriais Urbanos
do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea),
Maria Piedade Morais, “é preciso diversificar a política
habitacional do país que sempre esteve calcada na
aquisição da casa própria. No fundo as pessoas não
precisam comprar uma casa. Se você é um jovem, por
exemplo, e não sabe onde vai trabalhar no futuro, não
precisa, necessariamente, comprar uma casa, tem é
que ter onde morar.7
” (MORAES, 2008)
15EM QUE CONDIÇÕES A JUVENTUDE VIVE E ACESSA À TERRA NA CIDADE DE SÃO PAULO?
De acordo com o IPEA, os fatores que levam os/as jovens a morar ou não na casa dos pais e/ou mães são:
Entre os dependentes
•	 Local de residência: residir em uma região metropolitana ou município de grande porte aumenta a
probabilidade de dependência – reflexo de um mercado habitacional mais caro;
•	 Tipo de moradia: o/a jovem tende a permanecer mais tempo morando com os pais quando seus pais moram
em domicílios próprios regulares;
•	 Educação: quanto mais elevada a educação do/a jovem, maior a probabilidade de ele/a continuar como
dependente.
Entre os independentes
•	 Situação social: os/as jovens cadados/as e com emprego apresentam maior probabilidade de formar um novo
domicílio.
•	 Gênero: as mulheres são mais propensas a saírem da casa dos pais, muitas vezes visando constituir um
possível relacionamento.
•	 Aluguel: os aluguéis formais são a principal escolha dos/as jovens independentes.
•	 Idade: à medida que envelhecem, os/as jovens são mais propensos à independência. No entanto, a partir
de certa idade ocorre justamente o oposto – possivelmente uma situação de “conformismo”, de falta de
alternativas ou de assistência dos/as jovens aos pais idosos. (IPEA, 2012)8
Tais perspectivas vêm demonstrar que a percepção de
que moradia não é um tema sobre o qual o/a jovem
pensa é incorreta. A diferença de foco se dá em razão
de sua fase de vida, a qual faz com que a juventude
se volte a outras prioridades, como estudo, trabalho e
lazer.
E é o lazer, vinculado ao espaço público, que surge
quando se amplia a discussão sobre o acesso à terra e
juventude.
O acesso ao espaço público aparece pelo significado
sociocultural que os/as jovens têm com a terra. A
relação da juventude com a terra está ligada com
sua busca por identidade, comunidade e expressão
cultural. (ONU-Habitat, 2014). Nesse sentido, ocupar o
espaço público é compreendido como essencial para a
formação da identidade e expressão da juventude.
16
Tanto governo municipal quanto movimentos
da sociedade civil entendem que hoje há um
esvaziamento do sentido “público” da convivência
e a expansão da cultura do medo e que, por isso,
é preciso trabalhar a reabertura e a ressignificação
do espaço público, bem como a recuperação do
sentimento de pertencimento à cidade. Isso se dá
principalmente, pela insuficiência e desigualdade de
espaços e equipamentos públicos, crescente expansão
de espaços privados de convivência - shoppings,
condomínios fechados etc. – burocratização das formas
de acesso ao espaço público existentes e violência.
No caso dos espaços privados há ainda um agravante:
o preconceito e a discriminação. O/A jovem da
periferia frequentemente se depara com “fronteiras”
implicitamente estabelecidas em locais que, em razão
do crescimento econômico, cada vez menos têm
“exclusividade” de ocupação pelas classes com maior
poder aquisitivo –como shoppings, aeroportos etc.
Por outro lado, segundo Marco Antônio Silva, assessor
da Secretaria Municipal de Promoção da Igualdade
Racial, com o crescimentos da cidade, a deficiência
do sistema de transporte público e o preconceito,
os/as jovens da periferia começaram a buscar novas
maneiras de se divertir, o que fez com que eles/
as criassem uma relação mais direta com os locais
onde vivem. Com isso, nasceram movimentos como
o “100% Jardim Irene”, “Guaianazes na veia”, “Love
Cidade Tiradentes” e outros.
Em relação à violência, segundo o coordenador
municipal de juventude, Gabriel Medina, a restrição se
agrava pelas diversas formas de controle, repressão
e criminalização da juventude, período da vida
muito controlado, observado e tutelado. O controle
exacerbado, e muitas vezes militarizado, baseado
na percepção “jovem problema” coloca limites para
o acesso dos/as jovens aos espaços públicos, à sua
participação e à sua cidadania.
No âmbito das políticas públicas, a atual gestão
municipal declara colocar o acesso ao espaço público
como uma de suas temáticas centrais e diz basear-
se, principalmente, na requalificação dos espaços da
periferia e na promoção do direito à cidade.
“Shopping não é pra preto e pobre. Quando o jovem
corre atrás de outros espaços para lazer etc., pois na
periferia há grande limitações, ele se depara com essa
realidade em que a sociedade coloca benefícios pra
uma parcela pequena da população, percebendo que de
fato ele não tem possibilidade de transitar em diversos
espaços.”
Marco Antônio Silva, 41 anos, assessor da  Secretaria
Municipal de Promoção da Igualdade Racial
“A gente tem falta de lazer na periferia. No meio desses
rolezinhos eu ouvi um monte de depoimentos de
pessoas da favela, postando no Facebook: só porque vai
com determinada roupa no shopping ou porque está
em muita gente, o segurança não deixa entrar. Teve
protesto outro dia num shopping por causa disso. Eles
não deixam entrar por causa da roupa, aparência, cor
da pele, mas se vão 20 pessoas arrumadinhas num
shopping eles não vão barrar.”
Jovem participante do Estudo de Caso Campo Limpo
17EM QUE CONDIÇÕES A JUVENTUDE VIVE E ACESSA À TERRA NA CIDADE DE SÃO PAULO?
Finalmente, o direito, e consequentemente o acesso,
à cidade, é a abordagem que vem crescendo dentro
do atual governo e nos movimentos da sociedade
civil. Em razão disso, no ano de 2013, foi criada a
coordenadoria de direito à cidade dentro da Secretaria
Municipal de Direitos Humanos e Cidadania. O intuito
da coordenadoria é dar respostas territoriais a questões
específicas. Por isso, busca-se a dimensão territorial
das diversas áreas – juventude, trabalho, drogas,
migrantes, etc.
Vale ressaltar, que a coordenadoria nasceu a partir
do processo de construção da política de juventude
municipal, estruturada em torno de três elementos:
prevenção à mortalidade da juventude negra,
qualificação do trabalho e educação e conexão da
cultura e dos modos de uso da cidade. Foi a partir da
reflexão sobre a articulação desses elementos que se
deu a percepção de que para o alcance dos objetivos
desejados, era preciso pensar a cidade como um todo.
“O jovem tem que ter o direito de se manifestar. Muitas
vezes estamos fazendo arte e não é pichação na
cidade. E os policiais já chegam com repressão, sem
diálogo, com violência”.
Depoimento coletado no evento Diálogos SP sobre
ocupação do espaço público.
“Entendemos terra como território e nossa intenção é
instalar o software humano no hardware urbano.”
William Nozaki, 32 anos, coordenador de promoção
do direito à cidade, Secretaria Municipal de Direitos
Humanos e Cidadania
Exemplos de políticas de acesso à cidade que
tem grande impacto na juventude
•	 Plano Juventude Viva
•	 Programa de Valorização de Iniciativas Culturais –
VAI
•	 Wifi nas praças
•	 Rede de ônibus 24 horas e Parque Ibirapuera 24
horas
18
Acesso à terra e migração
Um tema pouco falado quando se trata de
desenvolvimento urbano é migração. No entanto, a
base da migração está justamente no acesso à terra.
“Quanto maior for a concentração de terra, maior a
migração dessa região. A terra e a produtividade da
terra, a capacidade de desenvolver riqueza, cultura,
soberania alimentar etc. está na base. O sonho do
migrante, porém, não é abordado em São Paulo.
Tudo se concentra mais no problema da moradia e
nas questões trabalhistas, não entra na discussão o
território. Além disso, é possível dizer que em nenhum
momento o/a migrante passa por um questionamento
se ele e cidadão/ã ou não. E esse é um assunto que
envolve diretamente a etapa da juventude. No mundo
a maioria dos/as migrantes é força de trabalho, então,
mais de 70% tem entre 17 e 32 anos”.
Paulo Illes, 39 anos, coordenador de políticas para
migrantes, Secretaria Municipal de Direitos Humanos
e Cidadania
Por parte da sociedade civil também é possível notar
também a ampliação da percepção do direito à cidade.
Além do Movimento Nacional de Reforma Urbana
(MNRU) e do Fórum Nacional da Reforma Urbana
(FNRU), principais movimentos da temática, cada vez
mais movimentos com pautas específicas justificam e
articulam suas demandas colocando-as como parte da
promoção do acesso à cidade.
É a partir de todas essas percepções, sobre como
tratar o acesso à terra e ao território, que abre-se o
caminho para a discussão sobre participação.
19EM QUE CONDIÇÕES A JUVENTUDE VIVE E ACESSA À TERRA NA CIDADE DE SÃO PAULO?
20
ASPECTOS JURÍDICOS
DA PARTICIPAÇÃO
DA JUVENTUDE NO
DESENVOLVIMENTO
URBANO BRASILEIRO
21ASPECTOS JURÍDICOS DA PARTICIPAÇÃO DA JUVENTUDE NO DESENVOLVIMENTO URBANO BRASILEIRO
Para avançar o debate acerca da participação da
juventude na governança da terra é necessário que
se atente às possibilidades jurídicas propostas pelo
sistema normativo brasileiro, uma vez que vivemos
em um Estado de Direito onde normas são um dos
elementos estruturadores das relações humanas.
Neste sentido, analisou-se essas possibilidades a
partir de três Leis principais. Primeiro, a Constituição
Federal, Lei Máxima do País, com foco nos aspectos
de participação popular e de desenvolvimento urbano.
Em segundo lugar, o Estatuto da Cidade, com ênfase
nas regulações referentes à Gestão Democrática
da Cidade, que legitima a participação popular para
criação do espaço urbano e, por fim, o recentemente
estabelecido Estatuto da Juventude, com uma leitura
dos mecanismos de participação propostos e das
referências às questões majoritariamente de cunho
urbano.
Desta maneira, fez-se uma aproximação entre
os aspectos jurídicos da participação popular,
especialmente de jovens, e a governança urbana,
objetivando encontrar sinergias e potencialidades.
Aspectos Constitucionais: formas de
participação popular na democracia
brasileira
Depois de um período ditatorial de vinte anos, em 1988
foi promulgada no Brasil uma nova Constituição Federal
(CF). Estabelecendo que o Brasil é uma República
Federativa constituída em um Estado Democrático de
Direito, já no preâmbulo é possível notar a inspiração
dos legisladores quando se expressaram no sentido
de que a presente Constituição visa “assegurar o
exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade,
a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a
igualdade e a justiça como valores supremos de uma
sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos,
fundada na harmonia social e comprometida, na ordem
interna e internacional, com a solução pacífica das
controvérsias”.
Tal inspiração resultou em um extenso texto
constitucional, abrangendo não só princípios, mas
verdadeiras regras para uma ampla gama de assuntos,
inclusive de cunho econômico, social e ambiental.
Estas características transformaram a Constituição
ASPECTOS JURÍDICOS DA PARTICIPAÇÃO DA JUVENTUDE NO
DESENVOLVIMENTO URBANO BRASILEIRO
22
Brasileira em uma lei objeto de interesse e pesquisa
ao redor do mundo. Já em seu artigo 1º, parágrafo
único, a chamada “Constituição Cidadã” definiu que
“todo o poder emana do povo, que o exerce por meio
de representantes eleitos ou diretamente, nos termos
desta Constituição”.
Foi assim estabelecido um modelo de democracia
participativa, que é amplo e integra múltiplos
mecanismos de participação para garantir o Estado
Democrático. Esse modelo de democracia participativa
inclui outros dois modelos de democracia, isto é,
a “democracia representativa” (ou “democracia
indireta”), que possibilita a eleição de representantes
políticos que agem como procuradores da população,
a eles cabendo a tomada de decisões e formulação
de políticas; e a “democracia semidireta”, que além
dos mecanismos da democracia representativa
inclui instrumentos como o referendo, o plebiscito,
a iniciativa popular e a ação popular. A democracia
participativa, por sua vez, como hoje se entende,
além de combinar os modelos indireto e semidireto,
busca cada vez mais aproximar o cidadão do processo
de elaboração e fiscalização de leis e políticas, tendo
como principal manifestação os debates, audiências e
consultas públicas.
Dessa maneira, as características principais
dos mecanismos de participação previstos
constitucionalmente são:
A eleição de representantes políticos se trata,
conforme mencionado, da expressão principal da
democracia indireta e se vincula diretamente à
cidadania, entendida como a faculdade do/a cidadão/ã
de gozar de seus direitos políticos, que são o conjunto
de direitos que regulam a forma de intervenção popular
no governo. É a manifestação principal da soberania
popular, que nos termos do artigo 14 da Constituição
Federal, “será exercida pelo sufrágio universal e pelo
voto direto e secreto, com valor igual para todos/as
e, nos termos da lei, mediante plebiscito, referendo e
iniciativa popular”.
No caso da eleição de representantes, o direito político
em questão é exatamente o direito de sufrágio, que
consiste na capacidade de eleger e ser eleito. É,
portanto, um direito que envolve a capacidade eleitoral
ativa (alistabilidade), ou seja, o direito de votar, e a
capacidade eleitoral passiva (elegibilidade), que é o
direito de ser votado.
Eleição de representantes políticos
23ASPECTOS JURÍDICOS DA PARTICIPAÇÃO DA JUVENTUDE NO DESENVOLVIMENTO URBANO BRASILEIRO
A eleição de representantes se dá seguindo a estrutura federativa do Estado Brasileiro, ou seja, em nível
Municipal, Estadual e Federal (União), e nos âmbitos do Poder Legislativo e do Poder Executivo. Isto significa que
os cargos elegíveis são:
Legislativo Executivo
Município Vereador
Prefeito
Vice-Prefeito
Estado Deputado Estadual
Governador
Vice-Governador
União
Deputado Federal
Senador
Presidente
Vice-Presidente
Por fim, tanto para a alistabilidade quanto para a elegibilidade há requisitos mínimos a serem cumpridos, incluindo
idades mínimas.
Direito de votar
O direito de votar é ao mesmo tempo um dever. Conforme o artigo 14, §1°, I, o voto
é obrigatório aos brasileiros maiores de 18 anos (correspondendo à maioridade civil),
enquanto que para os brasileiros maiores de 16 anos e menores de 18 anos, para os
maiores de 70 anos e para os analfabetos, o voto é facultativo (art. 14, §1º, II).
Direito de ser votado
As condições de elegibilidade do cidadão brasileiro
estão elencadas no art. 14, §3º: ter nacionalidade
brasileira; estar em pleno exercício dos direitos
políticos; alistamento eleitoral; domicílio eleitoral na
circunscrição; filiação partidária; e idade mínima variável
de acordo com o cargo concorrido. São elas:
•	 35 anos: Presidente/a e Vice-Presidente da
República; Senador.
•	 30 anos: Governador/a e Vice-Governador do Estado
e do Distrito Federal.
•	 21 anos: Prefeito/a e Vice-Prefeito Municipal;
Deputado Federal, Deputado Estadual e Distrital.
•	 18 anos: Vereador/a.
O plebiscito é uma consulta ao povo sobre
determinado tema e, dependendo da resposta da
coletividade, será adotada ou não alguma medida
legislativa ou administrativa. É o método que foi
utilizado em 1993 (por determinação constitucional)
Plebiscito
24
Referendo popular
Iniciativa popular
Debates, audiências e consultas públicas
para definir se no período pós-ditatorial o regime
político adotado seria a Monarquia ou a República,
e consequentemente o Parlamentarismo ou o
Presidencialismo. Como sabemos, venceram a
República e o Presidencialismo.
Diferentemente do plebiscito, que é uma consulta
prévia, o referendo popular, como o nome indica, é
uma consulta pública para referendar, ratificando ou
não, uma norma já aprovada; ou seja, é posterior ao
ato. Foi o instrumento utilizado para o Estatuto do
Desarmamento.
A iniciativa popular está prevista no art. 61, §2º, e
trata da possibilidade que o povo tem de encaminhar
um projeto de lei ordinária ou complementar para ser
apreciado pelo poder Legislativo. No caso de lei de
cunho federal, o projeto de lei pode ser apresentado
à Câmara dos Deputados após ter sido subscrito por,
no mínimo, um por cento do eleitorado nacional e
distribuído por pelo menos cinco Estados, com não
menos de três décimos por cento dos eleitores de
cada um deles.
Também podem ser propostos projetos de lei em
âmbito municipal, conforme o artigo 29, XIII. Neste
caso, os projetos devem ser de interesse específico
do Município, da cidade ou de bairros, e devem
ser subscritos por pelo menos cinco por cento do
eleitorado municipal.
A ação popular está prevista no artigo 5º, LXXIII, e
regulamentada pela Lei nº 4.717/65. A ação popular é
uma ação processual em defesa da coletividade que
pode ser proposta no Poder Judiciário por qualquer
cidadão/ã que esteja em dia com seus direitos
políticos. Serve para anular o ato lesivo ao patrimônio
público ou de entidade de que o Estado participe, à
moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao
patrimônio histórico e cultural.
Os debates, audiências e consultas públicas são os
meios previstos constitucionalmente que mais se
aproximam da visão de democracia participativa que
hoje se procura. Tais instrumentos servem para incluir
a população diretamente na tomada de decisão,
instruindo e ouvindo suas opiniões sobre casos
concretos.
A partir do apresentado, percebe-se que um aspecto
fundamental da democracia é se caracterizar como
um processo, uma constante construção envolvendo
diferentes aspirações, desejos e reivindicações.
Assim, é natural que a democracia participativa busque
diferentes métodos para garantir a participação da
população, em nível individual e também conforme
grupos de interesse nas diversas políticas –que, nesta
ocasião, se traduz pela busca da participação de jovens
no desenvolvimento urbano.
Ação popular
25ASPECTOS JURÍDICOS DA PARTICIPAÇÃO DA JUVENTUDE NO DESENVOLVIMENTO URBANO BRASILEIRO
ESTATUTO DA CIDADE
A Política Nacional de
Desenvolvimento Urbano e
a Participação Popular
A Política Nacional de
Desenvolvimento Urbano se
baseia em duas leis principais: a
Constituição Federal e o Estatuto
da Cidade.
A seguir, serão apresentados seus
aspectos fundamentais visando à
compreensão introdutória do tema
e considerando principalmente
a participação popular enquanto
dimensão da governança urbana.
Bases da Política de Desenvolvimento Urbano:
a Constituição Federal e o Estatuto da Cidade
Como destacado anteriormente,
a Constituição Federal de 1988 é
bastante abrangente, tocando em
diversos pontos que refletiam as
necessidades e ambições públicas
em um período pós-ditatorial.
Nesse sentido, foi proposta, por
iniciativa popular (SAULE, 2007), a
inclusão das cidades em seu texto,
o que resultou em um capítulo
dedicado à Política Urbana, nos
artigos 182 e 183. Assim, esta foi
a primeira Constituição brasileira
a incluir diretrizes de tal cunho “e
talvez seja a única do mundo a
tratar diretamente [desta]” (PINTO,
2010, p. 117).
Essa previsão constitucional
reflete as preocupações com os
problemas urbanos (habitação,
transporte e saneamento) que
ganharam importância a partir
da década de 1940, quando os
núcleos urbanos passaram a ter um
crescimento progressivamente alto
no Brasil, visto que, inicialmente,
“a questão do crescimento urbano
não era vista como problemática,
e sim um salutar reflexo do
desenvolvimento do país9
”
(JORGE, 2009, p. 749). Tão intensa
foi a urbanização do Brasil que, já
nos anos 2000, cerca de 80% da
população vivia em cidades.
No âmbito constitucional, o
artigo 182 define que as políticas
de desenvolvimento urbano
devem ser elaboradas pelos
municípios e têm por objetivo
ordenar o pleno desenvolvimento
das funções sociais da cidade
e garantir o bem-estar de seus
habitantes. Conforme o previsto
na Constituição, a política de
desenvolvimento urbano pendula
entre dois elementos essenciais:
a propriedade e o plano diretor,
em escalas micro e macro,
respectivamente. Assim, o plano
diretor ficou estabelecido como o
principal instrumento para a política
urbana brasileira, sendo obrigatório
para cidades com mais de 20
mil habitantes. Vale dizer, que os
planos diretores são instrumentos
que visam garantir os interesses
da coletividade por meio,
prioritariamente, da ordenação do
espaço físico-territorial da cidade.
Na outra ponta do desenvolvimento
urbano, na escala micro, encontra-
se o direito fundamental à
propriedade, definido no artigo 5º
caput, e inciso XXII, da Constituição
26
Federal, que tratam das garantias e direitos individuais.
Sobre ele, cabem duas observações. A primeira é que
o direito fundamental à propriedade significa que é
possível aos cidadãos e cidadãs ser proprietários/as;
isto é, a propriedade é protegida como bem particular:
é possível adquirir e administrá-la livremente, e é
essa possibilidade que a Constituição protege como
fundamental. Já a segunda ressalva refere-se à
extensão de tal direito. Historicamente a propriedade
foi associada à exploração individual de determinado
espaço. Em sua origem latina, dizia-se que o
proprietário de um terreno era proprietário dele “até o
céu e até o inferno”, e dele se utilizava como preferisse.
Imperava a vontade do indivíduo.
Com o crescente desenvolvimento das cidades, o
coletivo passou a ganhar mais destaque e, da mesma
forma, a compreensão de que os atos individuais de
decisão sobre a propriedade são, em certos limites
(de construção e uso, por exemplo), corresponsáveis
pelo bem de todos/as10
. A esses limites dados ao
exercício do direito de propriedade tendo em vista o
interesse coletivo, dá-se o nome de função social. É a
função social da propriedade, prevista tanto no artigo
5º, XXIII, quanto no artigo 182, que faz a harmonização
entre o interesse público e privado na política de
desenvolvimento urbano brasileiro. Tanto é assim
que, objetivamente, o artigo 182, §2º, prevê que “a
propriedade urbana cumpre sua função social quando
atende às exigências fundamentais de ordenação da
cidade expressas no plano diretor”.
Para regular o previsto pela Constituição Federal, no
ano de 2001 foi aprovada a Lei nº 10.257, denominada
de “Estatuto da Cidade”,11
que institui em nível federal
a política de desenvolvimento urbano. O Estatuto da
Cidade estipula em seu artigo 2º que a política urbana
tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das
funções sociais da cidade e da propriedade urbana,
e estabelece objetivos, diretrizes e instrumentos12
a serem aplicados em nível municipal. No entanto,
mais do que uma lei, o Estatuto da Cidade é, nos
termos de Maricato (2010), uma conquista social cujo
desenrolar se estendeu durante décadas. Sua história
é, portanto, exemplo de como setores de diversos
extratos sociais (movimentos populares, entidades
profissionais, sindicais e acadêmicas, pesquisadores,
ONGs, parlamentares e prefeitos progressistas)
podem persistir muitos anos na defesa de uma ideia
e alcançá-la, mesmo num contexto adverso. Ela trata
de reunir, por meio de um enfoque holístico, em um
mesmo texto, diversos aspectos relativos ao governo
democrático da cidade, à justiça urbana e ao equilíbrio
ambiental. Ela traz à tona a questão urbana e a insere
na agenda política nacional num país, até pouco tempo,
marcado pela cultura rural.
Desta maneira, é possível dizer que o Estatuto da
Cidade busca a efetivação do “Direito à Cidade”,
noção política e cultural que vem ganhando espaço
nas discussões nacionais e internacionais sobre os
desafios de um mundo urbano, e em organismos
internacionais como a ONU-HABITAT.
O Direito à Cidade
O Direito à Cidade é um conceito recente, que se
especialmente tornou conhecido pelo discurso do
geógrafo David Harvey, e que internacionalmente vem
sendo construído por meio de diferentes fontes, das
quais se destacam quatro documentos principais:
27ASPECTOS JURÍDICOS DA PARTICIPAÇÃO DA JUVENTUDE NO DESENVOLVIMENTO URBANO BRASILEIRO
i.	 Tratado “Por Cidades,Vilas e Povoados, Justos,
Democráticos e Sustentáveis”, elaborado durante
a Conferência da Sociedade Civil sobre Meio
Ambiente e Desenvolvimento, da Conferência
das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e
Desenvolvimento – ECO-92, no Rio de Janeiro, em
1992;
ii.	 Agenda Habitat, elaborada na Conferência Global
sobre os Assentamentos Humanos nas Nações
Unidas – Habitat II, em Istambul, em 1996;
iii.	Carta Europeia dos Direitos Humanos nas
Cidades, elaborada pelo Fórum de Autoridades
Locais, em Saint Dennis, em 2000; e,
iv.	Carta Mundial do Direito à Cidade, processo
iniciado pelo Fórum Social Mundial em 2004.
Em tais documentos é possível identificar etapas
conceituais que servem de base ao Direito à Cidade
que, vale ressaltar, encontra-se em formação e
transformação. Primeiramente, na ECO-92, o direito à
cidade se manifesta como o direito à cidadania, isto é,
o direito dos/as cidadãos/ãs participarem na condução
de seus destinos. Na Agenda Habitat II, firmada em
1996, o destaque foi o estabelecimento do “direito à
moradia” como direito humano internacional, hoje já
bastante aceito pela comunidade jurídica internacional.
Na terceira etapa, isto é, na Carta Europeia de 2000,
afirmou-se um rol de direitos humanos individuais que
devem ser assegurados aos habitantes de cidades.
Com tais subsídios, e valendo-se de outras
experiências, como a sistematização do direito
urbanístico nacional brasileiro, o Fórum Social Mundial
articulou a elaboração da Carta Mundial de Direito à
Cidade, na qual o Direito à Cidade é definido como “o
usufruto equitativo das cidades dentro dos princípios
de sustentabilidade, democracia, equidade e justiça
social”.
Neste sentido, o Direito à Cidade busca se posicionar
como um direito emergente na esfera dos direitos
humanos coletivos (p. ex., o Direito ao Meio Ambiente)
e, assim, estimular a adoção deste conceito pelos
países, visando à construção de cidades mais justas,
humanas, democráticas e sustentáveis. Para tanto,
propõe oito princípios fundamentais:
Em síntese, o que o Direito à Cidade propõe é,
considerando o destaque internacional das cidades
e o positivo impacto da esfera internacional no
desenvolvimento de políticas nacionais e locais,
principalmente nos países em desenvolvimento,
propiciar uma mudança de perspectiva para o
planejamento e gestão urbana contemporânea, com
foco nas pessoas –principalmente as pessoas mais
vulneradas.13
Gestão democrática da cidade; função social da
cidade; função social da propriedade; exercício
pleno da cidadania; igualdade e não discriminação;
proteção especial de grupos e pessoas vulneráveis;
compromisso social do setor privado; e impulso à
economia solidária e a políticas progressivas.
28
Além dessa abordagem conceitual, a questão do direito
à cidade aparece explicitamente entre as diretrizes
gerais14
, que têm a função de nortear a aplicação dos
instrumentos urbanísticos previstos em lei. Destas,
duas merecem destaque: a garantia do direito a
cidades sustentáveis (art. 2º, I) e a gestão democrática
da cidade (art. 2º, II).
Dispõe o artigo 2º, I, que a garantia do direito a
cidades sustentáveis deve ser entendida como o
direito à terra urbana, à moradia, ao saneamento
ambiental, à infraestrutura urbana, ao transporte,
aos serviços públicos, ao trabalho e ao lazer –para
as presentes e futuras gerações. Embora ainda
não haja consenso sobre os parâmetros técnicos
precisos da cidade sustentável (RUANO, 2007;
SOUZA, 2010), a legislação brasileira apresenta este
novo direito com o respaldo de outras garantias já
estabelecidas –moradia, saneamento–, reafirmando-as
e fomentando as discussões sobre como se pensar
a cidade que queremos. Adicionalmente, o direito à
cidade sustentável –isto é, um “passo além do ‘direito
à cidade’”– como o próprio nome indica, busca mais
expressamente a inclusão da dimensão ambiental (e
social, e econômica) na política urbana e produção da
cidade.
Se por um lado a cidade foi durante muito tempo
entendida como uma estrutura à parte do “meio
ambiente natural” –era o “ambiente construído”–,
por outro, a Constituição Federal, em seu artigo 225,
afirma claramente que a população tem direito a um
meio ambiente ecologicamente equilibrado, com o
objetivo assegurar a qualidade de vida de todos e todas
“todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente
equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à
sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e
à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para
as presentes e futuras gerações”.
Dessa maneira, não há o que se questionar sobre a
necessidade de que tais critérios ambientais sejam
aplicados aos locais onde a maioria da população vive:
as cidades. E é isto que busca incluir o Estatuto da
Cidade.
Além disto, a regulação constitucional, quanto ao
meio ambiente, define que a responsabilidade de
sua proteção cabe tanto ao Poder Público (legislativo,
executivo e judiciário) quanto à coletividade. Ao inserir
a coletividade nesta missão, tem-se o que Nalini (2010)
sugere como “reabilitação da democracia dos antigos”,
isto é, “estimular a democracia da participação”
em uma verdadeira “tarefa de cidadania ambiental”,
que, note-se, em consonância com as disposições
internacionais sobre o desenvolvimento sustentável,
ressalta a responsabilidade intergeracional –também
presente no Estatuto da Cidade.
Por isso, conforme Osorio e Menegassi (2002),
é igualmente importante considerar que “a
sustentabilidade de uma cidade também é definida
pela qualidade de sua governança, [pois] somente
um processo de governança urbana transparente e
responsável poderá assegurar o desenvolvimento
sustentável das cidades com justiça social e
preservação ambiental”.
Neste sentido, ao passo em que a diferentes grupos
sociais cabem diferentes custos ambientais, o
processo de democratização da gestão das cidades
deve reconhecer as particularidades das relações da
cidadania com seus territórios (OSORIO; MENEGASSI,
2002), o que implica na compreensão de sua dinâmica
29ASPECTOS JURÍDICOS DA PARTICIPAÇÃO DA JUVENTUDE NO DESENVOLVIMENTO URBANO BRASILEIRO
territorial: a análise do território a partir da dinâmica
social, que considera a dinâmica das coisas fixas e das
que se movimentam (FIORILLO, 2008). E, conforme
Fiorillo (2008), são justamente as coisas que se
movimentam que dão valor às coisas fixas –é o caso
do dinheiro e das pessoas com as relações sociais que
se estabelecem.
Pode-se dizer, então, que a democracia da participação
é inerente à sustentabilidade e às determinações
constitucionais quanto ao ambiente, e também à
gestão urbana. Tanto é que, além da Constituição
Federal no artigo 29, XII, transformar o direito à
participação em um requisito constitucional para a
instituição e fiscalização da implementação do plano
diretor, tanto no executivo quanto no legislativo, o
artigo 2º, II, do Estatuto da Cidade reafirma esse
direito definindo a “gestão democrática por meio
da participação da população e de associações
representativas dos vários segmentos da comunidade
na formulação, execução e acompanhamento de
planos, programas e projetos de desenvolvimento
urbano”.
Assim, este princípio –a Gestão Democrática da
Cidade–, chama a população a fazer parte diretamente
da gestão urbana, tanto individualmente quanto
coletivamente (por meio de associações de bairro,
meio ambiente, moradores sem-teto etc.), participando
de projetos e programas relacionados à cidade.
Mais do que isso, manifesta concretamente a
democracia da participação proposta pela Constituição
Federal, sendo sua compreensão vital para se avançar
na participação popular.
Gestão democrática da cidade
Sabendo que a participação da população na gestão
pública é um elemento essencial da democracia
brasileira que a Constituição Federal delineia, e da
importância que as áreas urbanas têm na atualidade
para o alcance do desenvolvimento pessoal,
comunitário e político, o Estatuto da Cidade, além de
prever a participação popular como diretriz da política
urbana, também dedica todo um capítulo ao tema,
que, embora curto, encontra-se “cheio de significado”
(NALINI, 2010).
Ao romper com a visão administrativa de disciplinar
a cidade a partir de regramentos impostos tão
somente pelo Poder Público (FIORILLO, 2008), a
noção de gestão democrática propõe a ideia de um
novo pacto territorial em que a cidade se transforme
efetivamente em um espaço de convivência e pleno
desenvolvimento para todos/as seus/suas habitantes
(BUCCI, 2003).
Com isso, a participação popular passa de “princípio” a
“instrumento” da política urbana.
30
Neste sentido, o capítulo IV –Da Gestão Democrática
da Cidade– nos seus artigos 43 a 45, explicita como
se dará a participação da população diretamente na
governança urbana, ao estabelecer os instrumentos
para garantir a gestão democrática, a gestão
orçamentária participativa e a participação da população
para gestão de áreas metropolitanas.
Quanto aos instrumentos a serem utilizados para
garantir a gestão democrática da cidade, o art. 43
elenca:
O primeiro instrumento previsto refere-se ao
estabelecimento de órgãos colegiados (“conselhos”)
de política urbana nas diferentes esferas federativas.
Entende-se por órgãos colegiados que os órgãos de
política urbana devem ter componentes escolhidos
pela Administração e membros escolhidos pela
sociedade civil (FRANCISCO, 2003), criando os
“conselhos de desenvolvimento urbano”, que, pela
própria lógica do Estatuto, encontram sua maior
efetividade no contexto municipal. A composição
desses conselhos é de grande importância para sua
efetividade: é necessário que haja um balanceamento
tanto entre representantes do Poder Público e
sociedade civil, quanto entre a própria sociedade civil.
Quanto à representação do Poder Público, explica
Bucci (2003, p.329): “é preciso que o Poder Público
seja adequadamente representado; nem demais –o
que transformaria o conselho em mero espaço de
legitimação e referendo das decisões previamente
tomadas pelo Poder Executivo–, nem de menos –o
que faria dos representantes da Prefeitura no conselho
meros “mensageiros” aos escalões superiores,
sem poder de negociar soluções e criar alternativas
construtivas dentro do conselho”.
No que tange à representação da sociedade civil, esta
pode ser ainda mais complexa, visto que não há uma
única opinião que represente a coletividade; muito
pelo contrário, esta varia grandemente de acordo
com os diferentes grupos de interesse, que podem
ser, por exemplo, representantes de associações de
bairros, de movimentos de moradia, ONGs, entidades
ambientalistas, entidades profissionais de arquitetos/
as e engenheiros/as e até mesmo incorporadores
imobiliários e construtores, isto é, integrantes dos
setores empresariais ligados à produção do espaço
urbano.
(i) órgãos colegiados de política urbana, nos níveis
nacional, estadual e municipal; (ii) debates, audiências
e consultas públicas; (iii) conferências sobre assuntos
de interesse urbano, nos níveis nacional, estadual e
municipal; e (iv) iniciativa popular de projeto de lei e
de planos, programas e projetos de desenvolvimento
urbano.
31ASPECTOS JURÍDICOS DA PARTICIPAÇÃO DA JUVENTUDE NO DESENVOLVIMENTO URBANO BRASILEIRO
Esse delicado balanceamento entre grupos de
interesse é fundamental para que não “haja super-
representação de setor algum –o que sufocaria o
poder dos demais– nem sub-representação –o que
enfraqueceria a representatividade do conselho”
(BUCCI, 2003, p.329). Sob o aspecto jurídico, os
conselhos devem ser estabelecidos por lei que defina
sua composição, duração dos mandatos, forma de
indicação ou eleição dos participantes, suas atribuições
e definição sobre terem poderes consultivos ou
deliberativos.
Os segundos instrumentos estabelecidos para
a gestão democrática da cidade são os debates,
audiências e consultas públicas, a serem realizados no
processo de elaboração, acompanhamento e controle
da política urbana. Estes são instrumentos que vêm
ganhando importância no Direito Brasileiro, ao passo
em que se instaura a mentalidade de políticas públicas
como processos (que possuem ação e reação) (BUCCI,
2003). Como visto anteriormente, são previstos
constitucionalmente e utilizados para coleta de opinião
pública em assuntos específicos, especialmente
aqueles relacionados aos direitos coletivos. Já as
conferências sobre assuntos de interesse urbano, nos
níveis nacional, estadual e municipal, que também
integram o rol de instrumentos da gestão democrática
da cidade, são importantes ferramentas para atualizar
a população acerca de ações do governo e para
conscientizá-los sobre temas específicos.
Não desconsiderando os diversos instrumentos
propostos nestes incisos, a grande inovação reside
no inciso IV. Inspirado na disposição constitucional
que garante à sociedade poder apresentar projetos
de lei, o Estatuto da Cidade incluiu a possibilidade da
iniciativa popular de planos, programas e projetos de
desenvolvimento urbano. Desta maneira, conforme
Francisco (2003), nota-se a intenção de fazer com
que a participação da população não seja meramente
passiva, de concordância ou não com o que estiver
sendo apresentado pela municipalidade, mas sim
proativa, com a apresentação de soluções alternativas
ao proposto pela administração; e também, não
apenas pontual, mas sim um processo mais amplo, de
verdadeiros projetos urbanos.
Em relação ao planejamento municipal em geral, o
artigo 44 introduziu a gestão orçamentária participativa,
que inclui “a realização de debates, audiências e
consultas públicas sobre as propostas do plano
32
plurianual, da lei de diretrizes orçamentárias e do
orçamento anual, como condição obrigatória para sua
aprovação pela Câmara Municipal”. Isto significa que,
ao invés da Administração Pública decidir por si as
prioridades –e, consequentemente, os valores a serem
investidos– entre as diversas questões municipais
(saúde, educação, etc.), “estas decisões passam a ser
fruto de um compartilhamento entre a Administração
e a sociedade civil, que, assim, é chamada a se
manifestar e a escolher o que entende [ser] prioritário
e necessário através de reuniões e debates que levem
em consideração não só as regiões do município como
também as políticas que têm de ser conduzidas por
este” (FRANCISCO, 2003, p.269).
Por fim, o Estatuto da Cidade entende o fenômeno
urbano para além do espaço físico formal da cidade-
municipalidade e inclui as regiões metropolitanas,
as quais já são uma considerável parte da realidade
brasileira, definindo que estas igualmente devem
incluir a participação em sua gestão: “os organismos
gestores das regiões metropolitanas e aglomerações
urbanas incluirão obrigatória e significativa participação
da população e de associações representativas dos
vários segmentos da comunidade, de modo a garantir
o controle direto de suas atividades e o pleno exercício
da cidadania” (art. 45). Explica Francisco (2003, p. 273)
que “este dispositivo do Estatuto obriga aos Estados
Federados, a quem incumbe legislar a respeito das
regiões metropolitanas e aglomerações urbanas, que
os organismos gestores tenham participação direta da
população nas deliberações e no acompanhamento
de suas determinações, ou seja, que também deverá
haver a participação da população na elaboração dos
planos urbanísticos metropolitanos ou regionais, bem
assim no seu acompanhamento”.
Por meio de tais estratégias, é possível perceber que,
nos moldes em que a gestão democrática da cidade
foi proposta, há uma clara evolução para garantir que
a participação do/a munícipe seja permanente nos
processos de desenvolvimento urbano (FRANCISCO
apud CENEVIVA, 2003). Se por um lado estas
definições implicam em uma importante ferramenta
para a gestão urbana sustentável e democrática,
“como um processo resultante de práticas de
cidadania voltadas para eliminar as desigualdades
sociais e os obstáculos para efetivação do direito à
cidade” (SAULE JUNIOR, 2002, p.89), por outro, é
importante ter em mente que a simples abertura de
canais para a participação não garante a qualidade
participativa.
33ASPECTOS JURÍDICOS DA PARTICIPAÇÃO DA JUVENTUDE NO DESENVOLVIMENTO URBANO BRASILEIRO
É preciso que a sociedade civil se conscientize acerca
da participação popular na política e se aproprie de tais
espaços, pressionando os governos a reconhecerem
sua importância e de fato considerarem o que foi
proposto por tais meios.
Estatuto da Juventude
Em 2010, em um ciclo iniciado em 1990 com o
Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/90),
e afirmado com o Estatuto do Idoso em 2003 (Lei nº
10.741/03), o Brasil progride novamente na agenda
político-jurídica intergeracional ao explicitamente incluir
a juventude em sua Constituição Federal por meio da
Emenda Constitucional nº 65/2010.
Tal emenda prevê que tanto o Governo Federal quanto
o Estadual poderão legislar sobre a proteção à infância
e à juventude (artigo 24, XV), e, em seu artigo 227,
que “é dever da família, da sociedade e do Estado
assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem,
com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à
alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização,
à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à
convivência familiar e comunitária, além de colocá-los
a salvo de toda forma de negligência, discriminação,
exploração, violência, crueldade e opressão”.
A emenda definiu ainda que a lei deveria estabelecer o
Estatuto da Juventude, destinado a regular os direitos
dos/as jovens, e o plano nacional de juventude, com
duração de 10 anos, para articular as várias esferas do
poder público para a execução de políticas públicas de
juventude (art. 227, §8º, I e II).
34
Três anos depois, em 05 de agosto de 2013, foi
promulgada a Lei nº 12.852, denominada Estatuto da
Juventude, que busca salientar o papel estratégico
da juventude no desenvolvimento do País. A Lei
procura não apenas que os diversos entes federados
desenvolvam políticas orientadas à juventude,
como também que a própria juventude se integre à
formulação de políticas públicas, salientando-a inclusive
como um grupo de direito, representado por pessoas
com idade entre 15 (quinze) e 29 (vinte e nove) anos de
idade (art. 1º, §1º).
Neste sentido, a Seção I do Estatuto da Juventude
definiu como seus princípios, extensíveis também às
políticas públicas de juventude (art. 2º):
É possível notar, portanto, a vertente de inclusão
política da juventude que tem o Estatuto. O princípio II,
que prevê “a valorização e promoção da participação
social e política, de forma direta e por meio de suas
representações”, é um nítido indicador deste objetivo,
que se apresenta também em outras partes do texto:
na necessidade de participação do/a jovem na vida em
sociedade (que é, em última análise, um Estado de
Direito e político), sua participação no desenvolvimento
do país (onde participar da formulação de políticas é
fundamental para o desenvolvimento) e na valorização
do diálogo e convívio intergeracional. Estes princípios
encontram respaldo igualmente nas diretrizes para o
desenvolvimento de políticas públicas de juventude
(art. 3º) pela definição do desenvolvimento da
intersetorialidade das políticas estruturais, programas
e ações, do incentivo à ampla participação juvenil
em sua formulação, implementação e avaliação e na
ampliação de alternativas de inserção social do jovem e
sua participação ativa nos espaços decisórios (art. 3º, I,
II e III). Tais diretrizes incluem também outros aspectos
importantes, ao definirem que as políticas públicas
de juventude devem garantir meios e equipamentos
públicos que promovam a mobilidade territorial (art. 3º,
V) e promover o território como espaço de integração
(art. 3º, VI). Deste modo, o Estatuto da Juventude
introduz as questões urbanas como interesses
dos/as jovens, trazendo uma inovadora vinculação
intertemática, a qual é ampliada no Capítulo II da Lei,
que trata dos denominados “direitos do jovem”.
(i) a promoção da autonomia e emancipação dos jovens
(entendida como a trajetória de inclusão, liberdade e par-
ticipação do jovem na vida em sociedade); (ii) a valori-
zação e promoção da participação social e política, de
forma direta e por meio de suas representações; (iii) a
promoção da criatividade e da participação no desen-
volvimento do País; (iv) o reconhecimento do jovem
como sujeito de direitos universais, geracionais e singu-
lares; (v) a promoção do bem-estar, da experimentação
e do desenvolvimento integral do jovem; (vi) o respeito
à identidade e à diversidade individual e coletiva da ju-
ventude; (vii) a promoção da vida segura, da cultura da
paz, da solidariedade e da não discriminação; e (viii) a
valorização do diálogo e convívio do jovem com as de-
mais gerações.
35ASPECTOS JURÍDICOS DA PARTICIPAÇÃO DA JUVENTUDE NO DESENVOLVIMENTO URBANO BRASILEIRO
O direito à participação social e política e
as estratégias de inclusão da juventude
Na lógica proposta pelo Estatuto da Juventude, os
denominados “direitos do jovem” tratam de uma
amplitude de temas, como: educação, trabalho, saúde,
igualdade, cultura, esporte, comunicação e liberdade
de expressão, segurança pública e acesso à justiça.
Interpretados na totalidade do sistema jurídico –visto
que todos e todas são iguais perante a lei–, não há
propriamente a criação de novos direitos. Porém,
de certa forma, é possível dizer que ao oferecer
uma compilação de temas que foram considerados
prioritários à juventude brasileira neste início de século
XXI, o Estatuto apresenta uma nova e afirmativa
abordagem que aproxima a juventude brasileira destes
importantes aspectos da vida em sociedade.
Neste rol de direitos trazidos pelo Estatuto da
Juventude, foi elencado o “Direito à Cidadania, à
Participação Social e Política e à Representação
Juvenil”, que pode ser entendido como o carro-chefe
para a consolidação de todos os outros direitos.
Este se constitui, nos termos do artigo 4º, como o
direito do jovem “à participação social e política e na
formulação, execução e avaliação das políticas públicas
de juventude”.
No Estatuto da Juventude, a participação da juventude
é entendida em quatro vertentes principais:
1.	 A inclusão do/a jovem nos espaços públicos e
comunitários a partir da sua concepção como
pessoa ativa, livre, responsável e digna de ocupar
uma posição central nos processos políticos e
sociais;
2.	 O envolvimento ativo dos/as jovens em ações de
políticas públicas que tenham por objetivo o próprio
benefício, o de suas comunidades, cidades e
regiões e o do País;
3.	 A participação individual e coletiva do/a jovem em
ações que contemplem a defesa dos direitos da
juventude ou de temas afetos aos/às jovens; e,
4.	 A efetiva inclusão dos/as jovens nos espaços
públicos de decisão com direito a voz e voto.
Nestas definições é perceptível o interesse público
em reforçar a participação cidadã dos/as jovens, que
passam a ser entendidos/as como atores centrais de
processos políticos e sociais, devendo ser formalmente
ouvidos/as e respeitado/as. Neste sentido, estes
processos se referem não apenas às políticas públicas
de juventude, mas de temas que afetam aos/às jovens,
enquanto indivíduos e membros da coletividade, nas
diversas esferas administrativas governamentais.
São, portanto, medidas que buscam a participação
multidimensional da juventude nos espaços formais de
participação.
Para tanto, o artigo 5º prevê que a interlocução
da juventude com o poder público se realizará por
intermédio de associações, redes, movimentos
e organizações juvenis –isto é, o/a jovem que se
reconhece como parte da coletividade e busca
representar os interesses do coletivo; é necessário o
engajamento.
Como meio de viabilizar esta interlocução, foram
previstos a definição de órgão governamental
específico para a gestão das políticas públicas de
juventude e o incentivo à criação de conselhos de
juventude em todos os entes da Federação.
36
Sobre o tema, o Estatuto da Juventude destaca a
criação de Conselhos de Juventude –a exemplo do
sucesso deste formato em diferentes áreas dos
direitos sociais, como saúde, meio ambiente e
desenvolvimento urbano–, que são definidos nos
artigos 45 a 47. Sucintamente, prevê que os conselhos
de juventude são órgãos permanentes e autônomos,
não jurisdicionais, encarregados de tratar das políticas
públicas de juventude e da garantia do exercício dos
direitos dos/as jovens.
Elenca ainda nove objetivos para os conselhos,
definindo sua atuação: (i) auxiliar na elaboração de
políticas públicas de juventude que promovam o amplo
exercício dos direitos dos jovens estabelecidos nesta
Lei; (ii) utilizar instrumentos de forma a buscar que
o Estado garanta aos jovens o exercício dos seus
direitos; (iii) colaborar com os órgãos da administração
no planejamento e na implementação das políticas
de juventude; (iv) estudar, analisar, elaborar, discutir e
propor a celebração de instrumentos de cooperação,
visando à elaboração de programas, projetos e ações
voltados para a juventude; (v) promover a realização
de estudos relativos à juventude, objetivando
subsidiar o planejamento das políticas públicas de
juventude; (vii) estudar, analisar, elaborar, discutir e
propor políticas públicas que permitam e garantam a
integração e a participação do jovem nos processos
social, econômico, político e cultural no respectivo
ente federado; (viii) propor a criação de formas de
participação da juventude nos órgãos da administração
pública; (ix) promover e participar de seminários,
cursos, congressos e eventos correlatos para o
debate de temas relativos à juventude; desenvolver
outras atividades relacionadas às políticas públicas de
juventude.
Além disso, ficou incumbido a cada ente da federação
definir sobre a organização, funcionamento e
composição dos conselhos de juventude, que deve
observar critério paritário entre representantes do
poder público e da sociedade civil.
Os conselhos de juventude possuem, portanto,
uma estrutura que os dota de uma ampla gama de
atuação, e, seguindo a proposta da gestão democrática
da cidade, apresentam conduta proativa e podem
propor meios de avançar a participação da juventude
nos direitos que são elencados no Estatuto, de
acordo com a realidade e as atividades de cada nível
governamental.
37ASPECTOS JURÍDICOS DA PARTICIPAÇÃO DA JUVENTUDE NO DESENVOLVIMENTO URBANO BRASILEIRO
O direito à cidade, um direito da juventude
Canalizando a atuação social e política dos/as jovens
no âmbito do Estatuto da Juventude, estão os já
mencionados “direitos do jovem”.
Como apontado anteriormente, estes tratam de uma
ampla gama de assuntos, que agora ganham novas
leituras, e, ente eles, está o Direito à Cidade. O Direito
à Cidade se manifesta no Estatuto da Juventude, de
forma mais direta, em duas seções: a Seção IX –Do
Direito ao Território e à Mobilidade (artigos 31 a 33), e
a Seção X –Do Direito à Sustentabilidade e ao Meio
Ambiente (artigos 34 a 36).
Embora o direito à cidade englobe uma diversidade
de direitos que se manifestam no espaço urbano, o
território –onde se “ocupa”– e a sustentabilidade –
que compõe no Estatuto da Cidade o direito à cidade
[sustentável]– são aspectos inegavelmente primordiais
do desenvolvimento urbano.
O Estatuto da Juventude apresenta primeiramente
o “direito ao território e à mobilidade” (art. 31) que
se desdobra na promoção de políticas públicas de
moradia, circulação e equipamentos públicos (isto é,
escolas, creches, hospitais, etc.) tanto no campo como
na cidade, apresentando maior ênfase na questão da
mobilidade, a partir do enfoque na possibilidade do/a
jovem fazer uso dos sistemas públicos de transporte
–ou seja, por vias financeiras, redução de tarifas, com
vistas a redução de desigualdade no acesso a estes
serviços– e não propriamente a reformulação de
tais sistemas, o que vem sendo tão questionado na
atualidade.
É válido notar que, se por um lado as reivindicações
quanto à possibilidade de moradia digna nas cidades
brasileiras são históricas –mas não necessariamente
diretamente identificadas à causa da juventude–, por
outro, a reivindicação por uma melhor mobilidade pela
juventude é um fenômeno mais recente, trazendo
uma interessante simbiose da visão da juventude
contemporânea.
38
No que tange ao “direito à sustentabilidade e ao
meio ambiente”, o Estatuto reproduz o constante
na Constituição Federal, enfatizando que “o jovem
tem direito à sustentabilidade e ao meio ambiente
ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do
povo, essencial à sadia qualidade de vida, e o dever de
defendê-lo e preservá-lo para a presente e as futuras
gerações” (art. 34). Aborda também a necessária
educação ambiental (art. 35) e enfatiza diferentes
parâmetros para elaboração, execução e avaliação
de políticas públicas que incorporem a dimensão
ambiental (art. 36), apontando para um vital avanço da
compreensão do meio ambiente, em um sentido de
aproximar o ser humano da temática.
Neste sentido, o poder público deverá considerar:
o estímulo e o fortalecimento de organizações,
movimentos, redes e outros coletivos de juventude
que atuem no âmbito das questões ambientais e em
prol do desenvolvimento sustentável; o incentivo à
participação da juventude na elaboração das políticas
públicas de meio ambiente; a criação de programas de
educação ambiental destinados a jovens; e o incentivo
à participação de jovens em projetos de geração
de trabalho e renda que visem ao desenvolvimento
sustentável nos âmbitos rural e urbano.
É possível identificar, assim, uma sincronia entre os
principais elementos de direito à cidade propostas pelo
Estatuto da Juventude e o conceito de direito à cidade
sustentável trazido pelo Estatuto da Cidade: o direito
à terra urbana, à moradia, ao saneamento ambiental,
à infraestrutura urbana, ao transporte e aos serviços
públicos, ao trabalho e ao lazer, para as presentes e
futuras gerações.
Incluindo a juventude no
desenvolvimento urbano. Sinergias entre
o Estatuto da Cidade e o Estatuto da
Juventude
Por todo o apresentado, é evidente que o Estatuto da
Cidade e o Estatuto da Juventude, com respaldo no
previsto constitucionalmente, possuem sinergias.
Estas são inegáveis quando se considera seus
pilares essenciais: gestão democrática da cidade –a
participação social na tomada de decisões– e o direito à
cidade sustentável –direito ao território e à mobilidade,
e o direito à sustentabilidade e meio ambiente.
Se por um lado o Estatuto da Juventude é explícito na
inclusão das questões de cunho urbano, o Estatuto
da Cidade, anterior, não é tão claro sobre a juventude.
Então, onde residiriam, de fato, os direitos da
juventude urbana?
Pelo que o Estatuto da Cidade propõe, a gestão urbana
deve ser responsável por uma contínua inclusão da
população, de forma genérica, sem a apresentação
de grupos especiais de interesse, para debater e
decidir sobre o espaço onde desejam habitar de
forma sustentável. E é exatamente neste ponto
onde reside a juventude: a sustentabilidade nasceu
da compreensão da responsabilidade intergeracional,
em garantir os recursos naturais para as presentes e
futuras gerações.
Dessa maneira, quando se fala em governança,
na atualidade, é inadmissível excluir a sociedade
dos processos de tomada de decisão relacionados
a assuntos fundamentais. No que se refere ao
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Juventude e Território: um olhar jovem sobre governança da cidade

  • 1. I
  • 2. II Juventude e Território: Um olhar jovem sobre governança da cidade. © United Nations Human Settlements Programme (UN-HABITAT), 2015. Nota As designações empregadas e a apresentação do material dessa publicação não implicam, de forma alguma, a expressão de qualquer opinião por parte do secretariado das Nações Unidas em relação à situação legal de qualquer país, território, cidade ou área, ou de suas autoridades, ou à delimitação de suas fronteiras ou limites, ou em relação a seu sistema econômico ou grau de desenvolvimento. As análises, conclusões e recomendações dessa publicação não refletem necessariamente as visões da ONU-Habitat. United Nations Human Settlements Programme (UN-HABITAT) P.O. Box 30030, Nairobi 00100, Kenya Tel: +254 20 762 3120 Fax: +254 20 762 3477 www.unhabitat.org Agradecimentos Fotos da capa: © Escola de Notícias, Ricardo Lisboa Photography. Ilustrações e fotos texto: © Freepik.com e fotos divulgação. Autores: Alice Junqueira, João Felipe Scarpelini, Talita Montiel, Safira de La Sala. Contribuíram com os estudos de caso: Bruno Santos, Caique Andrade, Cesar Augusto Quental, Diego da Cunha, Emi Tanaka, Flavio Calado, Henrique Parra, João Amorim, Julia Paiva, Lais Lisandra, Marina Amorin, Pamela de Assis, Patrícia Guisordi, Pedro Alcântara, Rangel Mohedano, Raul Torres, Regina Meirelles, Ricardo Mello, Escola de Notícias, Ideia em Pixel, Cidade Democrática, Amigos da Praça Éder Sader, Rede de Moradores da Vila Madalena, Instituto Elos e GVT. Contribuíram com informações: Governo Municipal da Cidade de São Paulo – Gabinete do Prefeito, Secretaria de Relações Internacionais e Federativas, Secretaria de Direitos Humanos e Cidadania, Secretaria de Relações governamentais, Secretaria de Desenvolvimento Urbano, Secretaria de Cultura, Secretaria do Verde e do Meio Ambiente, Secretaria de Comunicação; Escola de Governo; GT Democracia Participativa Rede Nossa São Paulo; Assessoria técnica da CDHU; Associação dos trabalhadores sem terra da zona oeste e noroeste de São Paulo; Minha Sampa e Movimento Parque Augusta. Contribuíram com o questionário online: Núcleo de Estudos e Pesquisas em Gestão, Políticas e Tecnologias da Informação - NGPTI/UFG , Mob Consult e Luiz Bouabci. Site (http://www.youthandland.org): Kenichi Haramoto e Willian Martinelli. Concepção visual: Alice Junqueira Design gráfico: Tabitha Obara.
  • 3. III
  • 5. VCONTEÚDO SUMÁRIO EXTECUTIVO.............................................................................................................................................................................................VII CONCEITOS GERAIS: O QUE ENTENDEMOS POR ACESSO À TERRA, TERRITÓRIO, BOA GOVERNANÇA E PARTICIPAÇÃO?................................01 Acesso à terra................................................................................................................................................................................................................................01 Boa governança..............................................................................................................................................................................................................................03 EM QUE CONDIÇÕES A JUVENTUDE VIVE E ACESSA À TERRA NA CIDADE DE SÃO PAULO?...............................................................................07 O acesso à terra na cidade de São Paulo......................................................................................................................................................................................10 ASPECTOS JURÍDICOS DA PARTICIPAÇÃO DA JUVENTUDE NO DESENVOLVIMENTO URBANO BRASILEIRO......................................................21 Aspectos Constitucionais: formas de participação popular na democracia brasileira.................................................................................................................21 A Política Nacional de Desenvolvimento Urbano e a Participação Popular.................................................................................................................................25 O Direito à Cidade .........................................................................................................................................................................................................................26 Gestão democrática da cidade......................................................................................................................................................................................................29 Estatuto da Juventude...................................................................................................................................................................................................................33 O direito à participação social e política e as estratégias de inclusão da juventude..................................................................................................................35 O direito à cidade, um direito da juventude..................................................................................................................................................................................37 Incluindo a juventude no desenvolvimento urbano. Sinergias entre o Estatuto da Cidade e o Estatuto da Juventude..............................................................38 Participação da juventude na governança da terra na Cidade de São Paulo...............................................................................................................................39 Considerações sobre a participação formal na cidade de São Paulo...........................................................................................................................................45 Participação informal.....................................................................................................................................................................................................................46 Participação pela ação ..................................................................................................................................................................................................................51 ESTUDOS DE CASO................................................................................................................................................................................................75 Depoimentos de jovens que participaram da aplicação da metodologia.....................................................................................................................................81 CONCLUSÃO............................................................................................................................................................................................................85 1 Quão amigáveis à juventude são os processos / mecanismos de participação estabelecidos para melhorar a governança da cidade?...............................85 2 Quais são as barreiras e oportunidades para promoção da participação dos/as jovens na governança da terra no contexto urbano?..................................87 3 Que ferramentas podem fortalecer o engajamento dos/as jovens em processos de tomada de decisão na cidade de São Paulo? ......................................89 Reflexões finais..............................................................................................................................................................................................................................90 NOTAS.......................................................................................................................................................................................................................91 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.........................................................................................................................................................................94 CONTEÚDO
  • 7. VIISUMÁRIO EXTECUTIVO SUMÁRIO EXTECUTIVO Essa publicação tem o intuito de compartilhar os resultados do projeto Juventude e Território – um olhar jovem sobre governança da cidade. O projeto nasceu como um dos resultados da parceria entre o Global Land Tool Network (GLTN), cujo objetivo é contribuir para a diminuição da pobreza por meio da reforma agrária, da melhoria da gestão da terra e da garantia do direito a ocupação e propriedade para todos e todas, e a ONU-Habitat, agência da Organização das Nações Unidas (ONU) responsável por promover a discussão e o avanço de questões relacionadas à moradia e ao desenvolvimento urbano sustentável. Nos últimos anos, ambas organizações desenvolveram projetos e materiais de referências para a compreensão do acesso à terra sob as perspectivas de gênero e comunidades de base. Estas experiências deram origem a uma terceira linha de pesquisa focada na juventude, uma outra lacuna identificada a partir de dois importantes fatores do contexto atual: o grande número da população jovem mundial e a urbanização acelerada. Cerca de um quarto (24,7%) da população mundial tem entre 15 e 29 anos (U.S. Census Bureau, 2014), a maior quantidade de jovens que já existiu1 . Para 2030, a previsão é de que 60% da população urbana terá menos de 18 anos, a maioria deles vivendo em favelas e assentamentos informais (ONU-Habitat, 2013). No entanto, pouco se fala de juventude quando se fala em acesso à terra e, ainda menos, quando se trata do acesso à terra no contexto urbano. Qual a relação da juventude com a terra na cidade? Como a juventude tem acesso à terra? Como as políticas públicas municipais a incorporam? Os/as jovens se preocupam mais com o espaço público do que com moradia e propriedade? Essas são algumas das perguntas sobre as quais o GLTN e a ONU-Habitat vêm refletindo e os temas sobre os quais tem buscado desenvolver conteúdo referencial, com o intuito de fornecer subsídios para a criação de uma política global, construída a partir de experiências locais articuladas por jovens. Dessa maneira, promoveram projetos de pesquisa em cinco países: Brasil, Iêmen, Nepal, Quênia e Zimbábue, sendo São Paulo a cidade escolhida para o projeto piloto no Brasil. Todos esses países fazem parte das regiões que atualmente têm mais jovens em suas populações. É estimado que 85%
  • 8. VIII da juventude global (15 a 24 anos) vive em países em desenvolvimento (ONU-Habitat, 2011). Além disso, as cidades desses países são responsáveis por 90% do crescimento da população urbana mundial (ONU- Habitat, 2013). Cada projeto abordou um aspecto da relação juventude-terra, e o enfoque de São Paulo foi a participação da juventude na governança da terra. Esse tema foi escolhido, pois o GLTN e a ONU-Habitat entendem que  a melhoria da governança da terra é fundamental para o alcance de uma série de resultados de desenvolvimento e para a não marginalização de segmentos populacionais (ONU-Habitat, 2013). Entendem também que, dada a diferença de percepção de adultos e jovens sobre o acesso e o direito à terra, as vozes da juventudes precisam ser ouvidas. Apesar da juventude estar nas agendas políticas e sociais –ser considerada como ator essencial para o futuro das nações e estar no centro dos recentes acontecimentos de mobilizações e protestos ao redor do mundo todo–, os/as jovens ainda não são suficientemente envolvidos/ as e/ou legitimados/as nos processos de governança. Assim, as estratégias utilizadas para a realização do projeto foram: • Compreensão dos principais conceitos relacionados ao tema pesquisado, a partir de referências acadêmicas e de organismos governamentais e multilaterais; • Análise jurídica das leis vigentes relacionadas à temática para entender o quão responsivas elas são à juventude, o que se pretende com elas e quais são as lacunas para sua implementação (Constituição Federal, Estatuto da Cidade e Estatuto da Juventude); • Análise contextual com base em indicadores oficiais; • Conversas informais com representantes do poder público e movimentos sociais para compreensão dos espaços e formas de participação existentes; • Questionário online para ampliação de referência sobre a visão da juventude acerca da temática e suas formas de participação; • Estudos de casos junto a jovens da periferia e do centro da cidade para levantamento de percepções e práticas sobre o acesso à terra e o participação da juventude na governança da terra na cidade;
  • 9. IXSUMÁRIO EXTECUTIVO • Data Mining para mapeamento de mecanismos e formas de participação da juventude em processos de governança e soluções para cidades. Sabemos que este é somente um pequeno retrato da realidade que traz consigo limitações, no entanto, esse retrato apresenta importantes informações e ideias sobre formas de atuação político-sociais. Esperamos que este processo se estenda e ajude a incentivar a participação da juventude na governança da cidade de São Paulo. Neste caminho, poderemos juntos/as fortalecer as formas de participação e metodologias de intervenção existentes e encontrar novas. Acreditamos no poder colaborativo das pessoas e setores para encontrarmos soluções mais efetivas. Aumentar a percepção de que vivemos em rede é premissa deste trabalho, assim como valorizar essa maneira de atuação e organização –a partir da construção coletiva, por meio do encontro entre pessoas na cidade e com a utilização das várias possibilidades da internet.
  • 10. CONCEITOS GERAIS: O QUE ENTENDEMOS POR ACESSO À TERRA, TERRITÓRIO, BOA GOVERNANÇA E PARTICIPAÇÃO?
  • 11. 01CONCEITOS GERAIS: O QUE ENTENDEMOS POR ACESSO À TERRA, TERRITÓRIO, BOA GOVERNANÇA E PARTICIPAÇÃO? CONCEITOS GERAIS: O QUE ENTENDEMOS POR ACESSO À TERRA, TERRITÓRIO, BOA GOVERNANÇA E PARTICIPAÇÃO? Para se refletir sobre juventude e governança da cidade é importante entender alguns conceitos que dão base a esses termos e que são associados a sua prática. São eles: acesso à terra, território, boa governança e participação. Acesso à terra Tradicionalmente o acesso à terra é ligado ao acesso ao “solo”, “chão”, ou ao fato de se ter uma propriedade. Porém, uma nova visão, mundialmente difundida pelo GLTN e pela ONU-Habitat, tem sido cada vez mais adotada. Essa visão consiste em pensar o acesso e o direito à terra integralmente. Ou seja, acesso à terra não é somente o acesso à terra “em si”, mas também a seus recursos e infraestrutura, tais como habitação, alimentação, transporte, lazer e economia. Consiste, igualmente, em entender que quando falamos em terra, falamos tanto de áreas rurais quanto das áreas urbanas e, por isso, dos grandes desafios que estamos vivendo: mudanças climáticas, desastres naturais, urbanização acelerada, segurança alimentar, fontes de energia, pobreza, oportunidades de trabalho, governança, entre outros. Todos esses desafios estão fortemente ligados à questão territorial e demandam soluções para problemas como insegurança do direito a ocupação e propriedade, uso não sustentável da terra, expansão urbana desigual, baixa capacidade institucional para resolução de conflitos etc. Dessa maneira, as razões de falta de acesso à terra são complexas e advêm de um conjunto de situações, não apenas de questões de regularização da terra ou de custo de posse. Entre elas, quando se trata do ambiente urbano, estão o preconceito geracional – uma das principais dificuldades que afetam a juventude –, as desigualdades de gênero, as desigualdades raciais, os padrões de urbanização e distribuição geográfica, as relações de poder, entre outras. TERRA E DIREITOS HUMANOS Já parou pra pensar que para termos nossos direitos efetivados precisamos necessariamente termos acesso à terra? Abaixo alguns exemplos. Direitos econômicos: terra para subsistência, geração de ativos econômicos, geração de renda, local de trabalho, acesso à serviços, capacitações etc. Direitos sociais: terra para abrigo e vida familiar, recreação, educação, espaços públicos, parques, saúde etc. Direitos culturais: terra para eventos comunitários, práticas religiosas e de culturas tradicionais, entretenimento, eventos culturais e artísticos etc. Direitos civis e políticos: terra disponibilizada para projetos de juventude, para informação, para mídia, para consultas públicas etc.
  • 12. 02 Território Para abordar o acesso à terra a partir do referencial das cidades, é preciso que o tratemos junto ao conceito de território. Isso porque por “território” se entende o lugar onde determinado Estado exerce sua soberania; o espaço de terra onde a Constituição e as leis daquele Estado são aplicáveis.2 Ou seja, “é o espaço ao qual se circunscreve validade como ordem jurídica estatal” (DALLARI, 2013, p. 87). É neste espaço –no território– que as cidades organizam os equipamentos, bens e serviços públicos que são oferecidos para a população. É também neste espaço que se desenvolvem as relações sociais, tanto entre indivíduos quanto entre organizações públicas e privadas. Por isso, duas dimensões são atribuídas ao território: sua materialidade e os sentimentos que ele provoca (HAESBAERT, 2004). Apesar da primeira dimensão ser a mais amplamente difundida, entendemos que é preciso dar especial relevância à segunda, pois é no processo de apropriação do espaço –o direito de criarmos cidades que satisfaçam às nossas necessidades diretamente– que muitos entendem estar o direito à cidade.3 Trata-se da criação de laços afetivos e significados para com o espaço e do cuidado com o coletivo. É sob essa perspectiva também que se dá a definição de terra / território para os indígenas, pois, “para os índios, a terra é um bem coletivo, destinado a produzir a satisfação das necessidades de todos os membros da sociedade. Todos têm o direito de utilizar os recursos do meio ambiente, por meio da caça, pesca coleta e agricultura. Embora o produto do trabalho possa ser individual, as obrigações existentes entre os indivíduos asseguram a todos o usufruto dos recursos” (MUSEU DO ÍNDIO, 2014). Youth and Land Responsiveness Criteria Em seu esforço para promover a inclusão das demandas da juventude no setor da terra, o GLTN e a ONU-Habitat desenvolveram uma ferramenta chamada Youth and Land Responsiveness Criteria – YLRC (Critérios de Responsividade à Terra e Juventude). O YLRC mais do que voltado à terra, é voltado para as pessoas. Trata-se de uma ferramenta para fazer com que a juventude e outras partes interessadas no setor da terra dialoguem. Seu objetivo é avaliar programas e políticas objetivamente para garantir que as questões da juventude e da terra são abordadas de forma equitativa, a fim de alcançar a segurança de ocupação e posse para todos e todas. Essas questões incluem a definição do papel da juventude no setor de terra, seu conhecimento sobre o tema, sua participação na governança e seu acesso à terra. A ferramenta pode ser usada para avaliar outras ferramentas já existentes e identificar onde e como elas podem ser mais sensíveis às necessidades e preocupações da juventude para terra. Os diferentes critérios desta ferramenta foram estabelecidos seguindo as várias reuniões consultivas realizadas pelo GLTN e pela ONU-Habitat com jovens, parceiros, profissionais e especialistas. Os critérios reconhecem o fato de que os/as jovens podem assumir responsabilidades de adultos mesmo quando são menores de idade, que vivem uma fase de transição com realidades complexas e , principalmente, que a terra não é um tema exclusivo da idade adulta..
  • 13. 03CONCEITOS GERAIS: O QUE ENTENDEMOS POR ACESSO À TERRA, TERRITÓRIO, BOA GOVERNANÇA E PARTICIPAÇÃO? Dessa maneira, nossa proposta é enxergarmos o território da cidade como um bem coletivo, onde a diversidade das pessoas, relações e expressões precisam ser valorizadas e os direitos de todos e todas garantidos. Com essa compreensão, passamos a nos apropriar mais do território, a reivindicar mais nossos direitos e a participar mais da governança da cidade. Boa governança Governança é um conceito que assumiu distintos significados ao longo do tempo. Segundo especialistas em administração e desenvolvimento regional, “Recorrendo às diferentes concepções sobre governança, com base em autores referenciais, algumas expressões são recorrentes. Sem a preocupação de hierarquização, destacam-se definições que fazem referência à: (1) uma nova forma de governar e de formulação de políticas públicas, como um processo de tomada de decisão relativamente horizontal, que inclui uma pluralidade de atores público, semi-público e privado, diferente do antigo modelo hierárquico, não mais sustentado na dominação nem na violência legítima, senão na negociação e cooperação com base em certos princípios submetidos ao consenso; (2) um processo complexo de tomada de decisão que antecipa e ultrapassa o governo, como um novo modelo de regulação coletiva, baseado na interação em rede de atores públicos, associativos, mercantis e comunitários; (3) um conjunto complexo de instituições e atores, públicos e não públicos, que agem num processo interativo (STOKER, 1998).” (CANÇADO; TAVARES; DALLABRIDA, 2013, p. 328) No Brasil, o Programa Cidades Sustentáveis define governança como um processo que “engloba a forma como o território se organiza politicamente e a participação da sociedade civil.” (PROGRAMA CIDADES SUSTENTÁVEIS, 2013). Quando se trata de governança da terra, o GLTN articula-se com tais concepções e a coloca como um conceito que “diz respeito às regras, processos e estruturas por meio das quais as decisões sobre o acesso e uso da terra são tomadas, a maneira pela qual as decisões são implementadas e executadas, e a maneira com que interesses conflitantes na terra são geridos.” (ONU-Habitat, 2010, p.14, tradução dos autores). Assim, a governança da terra inclui não apenas governo e instituições previstas na Lei, mas também instituições e estruturas consuetudinárias4 e agentes informais, sejam eles comunitários, religiosos, ou outros, de acordo com o local. Inclui toda a prática formal e informal que rege o acesso à terra e as relações de poder. A estrutura de poder de uma sociedade é, entre outras coisas, refletida na governança da terra. Ao mesmo tempo, a governança pode expressar a distribuição de poder na sociedade.
  • 14. 04 Quem se beneficia com o quadro jurídico, institucional e político atual relacionado à terra? Como esse quadro interage com autoridades formais e sistemas informais? Quais são as estruturas de incentivo para uso da terra? Quais são as restrições? Quem tem qual influência em como as decisões sobre o uso da terra são tomadas? Como são aplicadas as decisões? Que recursos existem para o gerenciamento de demandas? (ONU-Habitat, 2010). É em razão de reflexões como essas que torna-se importante pensar como se dá uma “boa governança”, já que existem muitas maneiras de se constituir relações políticas, sociais e de poder. Na visão da ONU, a boa governança, no âmbito dos governos, “promove a igualdade, a participação, o pluralismo, a transparência, a responsabilidade e o Estado de Direito de forma efetiva, eficiente e duradoura.” (KI-MOON, 2009). Especialmente em relação à terra, a ONU-Habitat destaca que quando a governança da terra é eficaz, o acesso equitativo à terra e a segurança de posse e ocupação podem contribuir para a melhoria das condições sociais, econômicas e ambientais. Ela pode garantir que os benefícios advindos da terra e dos recursos naturais sejam geridos com responsabilidade e distribuídos de forma equitativa. A administração da terra pode ser simplificada e tornada mais acessível e eficiente (ONU-Habitat, 2010). Por outro lado, uma governança fraca/deficiente, seja na administração formal da terra ou nos acordos de posse consuetudinários, afeta especialmente a população pobre e as comunidades de base, podendo deixá-las marginalizadas. Muitas vezes, seus direitos à terra não são protegidos e, em muitas cidades, vivem sob o medo constante de despejos, hoje comumente
  • 15. 05CONCEITOS GERAIS: O QUE ENTENDEMOS POR ACESSO À TERRA, TERRITÓRIO, BOA GOVERNANÇA E PARTICIPAÇÃO? justificados pelo “desenvolvimento”. Assim, a governança fraca/deficiente também pode significar que a terra não é utilizada adequadamente para criar riqueza para o benefício de toda a sociedade ou país (ONU-Habitat, 2010). Participação Apesar das definições de boa governança diferirem em alguns aspectos, a maioria traz um elemento em comum: a participação como eixo estruturante da boa governança. Participação é um conceito que varia e depende de contextos históricos, sociais e políticos. Derivações como participação comunitária, participação popular, participação política, participação social, participação cidadã etc., evoluíram em uma rede complexa de “formas de participação”. Por isso, hoje, vão desde a conquista e a concretização de direitos, e a efetivação dos poderes conferidos à população, até a ação e promoção de consciência social dos cidadãos e cidadãs. Assim, a participação faz parte dos campos social (incluindo o cultural e o econômico), político e jurídico, e varia em pelo menos três perspectivas: 1) na maneira como se organiza; 2) na maneira como está relacionada com o Estado e 3) na maneira como a legislação exige do governo a sua implementação ou não (AVRITZER, 2008). Consideramos neste projeto, portanto, a palavra participação em seu amplo significado: influência sobre políticas públicas; ação comunitária; ativismo ou associativismo; movimentos e manifestações; exercício e definição de direitos; controle social; (re)construção da democracia, e assim por diante. Isso porque, se não considerarmos o conjunto, veremos com limitação o processo participativo. Por isso, foram observados processos que dividimos em duas categorias: participação formal (prevista em lei e/ou promovida pelo governo) e participação informal (não realizada ou promovida pelo governo). Nesse sentido, para nós, boa governança da terra no contexto urbano é um processo de desenvolvimento acessível, participativo, transparente e mensurável, que atende às necessidades e desejos da sociedade civil – incluindo os dos/as jovens.
  • 16. 06 EM QUE CONDIÇÕES A JUVENTUDE VIVE E ACESSA À TERRA NA CIDADE DE SÃO PAULO?
  • 17. 07EM QUE CONDIÇÕES A JUVENTUDE VIVE E ACESSA À TERRA NA CIDADE DE SÃO PAULO? São Paulo é uma das cidades onde a sociedade civil mais se organizou após o início da redemocratização do Brasil e onde começaram importantes movimentos sociais nacionais, como o movimento nacional pela reforma urbana (AVRITZER, 2008). No entanto, a população paulistana, ainda hoje, sofre com grande desigualdade social e territorial. A cidade abriga 11.244.369 pessoas, das quais 25,83% são jovens, em uma área de 1.521 km² –99,1% urbana e 0,9% rural (IBGE, 2010). Um enorme espaço com um índice de desenvolvimento humano municipal (IDHM) considerado “muito alto” –0,805– (PNUD, 2013) e o maior PIB do país (IBGE, 2015), indicadores que mascaram contextos bastante problemáticos. A situação das periferias é muito diferente do cenário traçado pelos dados econômicos e sociais médios desses indicadores; são regiões de alta vulnerabilidade social. Esse cenário é ainda mais preocupante quando observamos, conforme mostra o mapa ao lado5 , que os/as jovens estão concentrados/as justamente nessas regiões. EM QUE CONDIÇÕES A JUVENTUDE VIVE E ACESSA À TERRA NA CIDADE DE SÃO PAULO? PARTICIPAÇÃO DE JOVENS DE 15 A 19 ANOS NA POPULAÇÃO TOTAL Fonte: Mapa da Vulnerabilidade Social do Município de São Paulo, 2000
  • 18. 08 MAPA DA VULNERABILIDADE SOCIAL SETORES CENSITÁRIOS DO MUNICÍPIO DE SÃO PAULO, 2004 Fonte: CEM-CEBRAP, 2004 As periferias paulistanas são regiões que convivem com diversos tipos de falta de acesso. Por exemplo, quando se tratam de equipamentos culturais e esportivos, há 236 equipamentos públicos culturais nos 96 distritos da cidade, sendo que em 24 desses (muitos situados em periferias) não há nenhum equipamento, enquanto 6 outros (todos centrais) concentram 83 equipamentos –28 em apenas um único distrito. No caso dos equipamentos esportivos, a desigualdade aumenta. São 56 distritos sem nenhum equipamento e um único concentrando 31 dos 459 disponíveis para uso público. A questão da mobilidade também é um problema. Dados mostram que o tempo médio gasto em deslocamentos diários na cidade é de duas horas e, naturalmente, quem demora mais, vive na periferia (REDE NOSSA SÃO PAULO, 2013). Ou seja, em São Paulo, os/as jovens são uma parte importante da população de áreas que enfrentam grande vulnerabilidade social. Isso é revelado também por uma pesquisa do Centro de Estudos da Metrópole (CEM-CEBRAP) da Universidade de São Paulo em parceria com a Secretaria de Assistência Social de São Paulo (SAS-PMSP). Esse estudo divide a população em alguns grupos, construídos em função de sua precariedade socioeconômica e do percentual de famílias jovens (ciclo de vida familiar). O mapa abaixo mostra a variação desse índice no espaço e a juventude como parte dos grupos mais vulneráveis.
  • 19. 09EM QUE CONDIÇÕES A JUVENTUDE VIVE E ACESSA À TERRA NA CIDADE DE SÃO PAULO? “O verdadeiro desafio, aquele que deveria ser enfrentado antes de mais nada, é o de reverter a lógica perversa da nossa urbanização, que relega invariavelmente e impiedosamente os mais pobres para o mais longe possível, no ato mesmo em que o espaço urbano se produz. (...) Passados doze anos da aprovação do Estatuto da Cidade, nem São Paulo nem nenhum município brasileiro o aplicou de forma sistêmica, integrada e completa.” João Sette Whitaker Ferreira, 46 anos, arquiteto, urbanista, economista, professor e membro do Conselho da Cidade6 Especificamente em relação à questão habitacional, a cidade tem 10,8% de seu domicílios (386.188) em favelas e vive um contexto de especulação imobiliária e déficit habitacional (Secretaria Municipal de Habitação, 2011). A valorização imobiliária em São Paulo foi de 197,4% entre janeiro de 2008 e janeiro de 2014 para compra e de 95,9%, no mesmo período para aluguel (Índice Fipe/Zap, 2014). Enquanto isso, entre janeiro de 2008 a dezembro de 2013 a inflação medida pelo IPCA foi de 38,9% (Índice Fipe/Zap, 2014), o que mostra o quão maior é a valorização dos imóveis em relação à inflação. Por consequência, tais dados se refletem no nível de satisfação da população com a cidade. O IRBEM (Indicadores de Referência de Bem-Estar no Município) revela insatisfação em relação à estética da cidade, desigualdade social, realidade da juventude, valores sociais, habitação e transparência e participação. Estética da cidade – média 5,0 Aparência da cidade; Aparência de seu bairro; Conservação dos monumentos históricos; Conservação dos espaços públicos. Desigualdade social – media 3,8 Igualdade no acesso à educação; Igualdade no acesso à oportunidade de trabalho e emprego; Igualdade no acesso ao serviço de saúde; Igualdade no acesso à moradia; Igualdade no acesso à justiça; Distribuição de renda. Juventude – média 4,8 Acesso ao ensino técnico profissionalizante e universitário; Oportunidade do primeiro emprego aos/às jovens; O grau de acesso a informações para os/as jovens na prevenção ao uso de drogas; Programas de prevenção da gravidez na adolescência; O quanto as escolas são atrativas para os/as jovens; Espaços culturais e centros de juventude nos bairros; Tratamento dos policiais aos/às jovens. Valores sociais – média 4,5 Solidariedade: espírito de grupo e respeito ao outro e à vida entre as pessoas na cidade; Cultura de paz e recusa à violência entre as pessoas na cidade; Cidadania: participação da população na vida da cidade, exercendo direitos e deveres; Responsabilidades compartilhadas, consciência do coletivo entre as pessoas na cidade; Comportamento ético: conduta humana honesta e benéfica entre as pessoas na cidade. Abaixo o detalhamento das categorias pesquisadas e suas respectivas valorações médias, determinadas a partir de uma escala de 0 a 10 (IRBEM, 2013).
  • 20. 10 Habitação – média 4,5 Qualidade de sua moradia; Oferta e qualidade da coleta de esgoto em sua casa; Quantidade de estações de metrô em seu bairro; Políticas que permitem a aquisição da casa própria; Políticas de reurbanização das favelas; Oferta de planos habitacionais para todas as faixas salariais; Soluções criadas para moradias em áreas de risco. Transparência e participação – média 3,5 Obrigatoriedade do voto; Espaços de participação política; Seu grau de conhecimento dos meios de comunicação populares; Acesso a informações úteis por telefone e internet; O acesso as informações no portal da Prefeitura na internet; Forma de participação na escolha dos subprefeitos; Participação popular em conselhos das subprefeituras; Acompanhamento das ações dos políticos eleitos; Transparência dos gastos e investimentos públicos; Punição à corrupção; Honestidade dos governantes. O acesso à terra na cidade de São Paulo De acordo com as conversas realizadas para o projeto junto a representantes do poder público, movimentos sociais e jovens de São Paulo, quando se fala em acesso à terra, a percepção mais recorrente é associá- lo ao acesso à terra rural ou, quando se trata do ambiente urbano, à moradia e propriedade. A segunda percepção, também fortemente presente, é o acesso à terra como acesso ao espaço público e, somente quando se avança a discussão, como o direito à cidade. Com isso, pode-se perceber que a visão integral para o acesso à terra falada anteriormente ainda não é a que prevalece. Todas as percepções mencionadas, moradia e propriedade, espaço público e direito à cidade, estão ligadas ao próprio processo de urbanização da cidade. Representantes de movimentos sociais colocam que a questão da moradia é central, pois ela afeta outros serviços como educação, trabalho e aquisição de bens de consumo. Sem moradia “há falta de endereço” para acessar outros serviços. Colocam ainda que a aquisição da moradia constitui um valor simbólico de dignidade e, na mente de muitas famílias sem moradia, “pré-requisito” para outros direitos. Do lado do governo, o tema também é bastante presente em termos de políticas e desafios. A questão habitacional é centralizada na Secretaria Municipal de Habitação (SMH) porém, por entenderem a importância da agenda e a demanda existente por parte da população, outras secretarias se articulam e “Tem muito estranhamento da gestão pública municipal em torno desse tema. Acesso à terra é muito vinculado à luta agrária.” William Nozaki, 32 anos, coordenador de promoção do direito à cidade, Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania
  • 21. 11EM QUE CONDIÇÕES A JUVENTUDE VIVE E ACESSA À TERRA NA CIDADE DE SÃO PAULO? “Quem não tem casa acha que não tem mais nenhum outro direito. A moradia é ‘poder’.” Jô, coordenadora do programa Minha Casa Minha Vida da Associação dos trabalhadores sem terra da zona oeste e noroeste de São Paulo. “Para o Movimento de População de Rua, dignidade é a ‘chave da casa na mão’. Mesmo que não consigam lidar com tudo o que implica ter uma moradia, o imaginário é que a casa é ‘seu lugar no mundo’.” Andréa Maria Ferreira, 44 anos, coordenadora adjunta da Coordenação de Políticas para a População em Situação de Rua da Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania. incorporam políticas habitacionais para contribuírem com o alcance de objetivos específicos, como, por exemplo, o empoderamento de mulheres e a igualdade racial. No entanto, a SMH ressalta que a já mencionada alta demanda por terra é o grande desafio para a implementação de políticas públicas habitacionais. Para a aquisição de terras para projetos de habitação, existe não só a disputa com o setor privado, mas também a necessidade de articulação com os interesses de outras secretarias, que demandam terra para seus próprios serviços. Além disso, muitas das terras analisadas são descartadas por problemas de matrícula, contaminação, entre outros problemas, e diversas outras, já ocupadas, precisam de regularização. A Secretaria Municipal de Desenvolvimento Urbano (SMDU) acrescenta, ainda, mais alguns fatores que compõe o desafio: o alto custo de desapropriação, dificuldades operacionais com a estrutura burocrática da prefeitura, a necessidade de mão de obra técnica para avaliação nem sempre disponível e a incerteza em relação ao processo, pois não é possível prever o custo final da propriedade/imóvel, cujo valor é contestado pelo proprietário e aferido via determinação judicial. Já a fala dos movimentos de moradia, ressalta principalmente a especulação imobiliária como um dos principais problemas para o acesso à terra em São Paulo. Por causa da intensa valorização dos terrenos e dos imóveis, muitas famílias acabam vendendo suas casas e indo cada vez mais para a periferia da cidade. Outras, não conseguem comprar ou manter suas casas nos bairros em que vivem ou que desejam viver. Colocam, ainda, que isso impacta inclusive políticas públicas já existentes.
  • 22. 12 “Por que a terra pode ser privada se o ar e a água não são? Não temos esse questionamento.” Maurício Piragino, 50 anos, coordenador do Grupo de Trabalho de democracia participativa da Rede Nossa São Paulo e diretor da Escola de Governo São Paulo “Quando terras são desapropriadas para construir hospitais, escolas etc. ninguém contesta, quando é pra habitação a pressão é enorme. A moradia encontra muita resistência porque não é vista como um direito.” Miriam Hermogenes, 40 anos, coordenadora de relação com movimentos sociais, Secretaria Municipal de Relações Governamentais “Há uma cultura muito ruim de que habitação é somente moradia, principalmente apartamento, enquanto a habitação precisa da moradia e do resto da cidade, calçada, luz, esgoto, área de lazer etc.” Adele Lamm, 38 anos, assessora técnica da CDHU O Minha Casa Minha Vida, principal programa habitacional do governo federal brasileiro, por vezes não consegue ser implementado na cidade de São Paulo justamente por causa do custo da terra, pois os preços dos terrenos tornam proibitivos a construção das unidades habitacionais de acordo com teto de preço estabelecido pelo programa.
  • 23. 13EM QUE CONDIÇÕES A JUVENTUDE VIVE E ACESSA À TERRA NA CIDADE DE SÃO PAULO? “O acesso a terra é tão difícil que é quase o sonho de uma vida e não de uma faixa etária. Hoje em dia é preciso dinheiro para conseguir moradia.” Gustavo Vidigal, 40 anos, chefe de Gabinete da Secretaria Municipal de Relações Internacionais e Federativas “É praticamente impossível uma pessoa solteira conseguir entrar em um programa de habitação social. Começamos a luta pela inclusão de “solteiros” no programa Minha Casa Minha Vida, inicialmente pela vulnerabilidade do segmento LGBT, o que acabou se tornando um benefício para jovens, mas isso tá longe de ser o suficiente.” Jô, coordenadora do programa Minha Casa Minha Vida da Associação dos trabalhadores sem terra da zona oeste e noroeste de São Paulo “Segurança habitacional não é necessariamente ter propriedade, mas no Brasil eles estão vinculados. Locação social, aluguel subsidiado, há outras soluções nas quais é possível pensar.” Tomás Wissembach, 33 anos, coordenador da Secretaria Municipal de Desenvolvimento Urbano Diante disso, dois caminhos são apontados como diretrizes essenciais para melhorar o quadro habitacional da cidade: 1. aumentar infraestrutura e oferta de empregos nas periferias; 2. aumentar a densidade demográfica do centro expandido, ou seja, nos locais onde já há infraestrutura. E, com isso, buscar o equilíbrio de ocupação e a contenção da desmedida valorização das áreas. Por fim, os movimentos de moradia destacam uma outra dificuldade para a criação e implementação de políticas habitacionais, que é o fato da habitação não ser totalmente entendida como um direito pela sociedade. A habitação, atualmente, é entendida como bem de consumo; “Eu financio, eu compro”. Como essa é a ideia corrente e como a maioria das pessoas espera acessar suas moradias, tais políticas encontram muitas barreiras, confrontando-se com opiniões de que políticas de outros serviços como saúde e educação são prioritárias. Em relação à juventude, ambos governo e movimentos de moradia colocam que moradia é majoritariamente uma questão de “adulto”, dos “pais”, percepção também afirmada pelo recente relatório da ONU- Habitat, What Land Means to Youth [O que a terra significa para a juventude] (ONU-Habitat, 2014).
  • 24. 14 Alguns fatores podem ser atribuídos a isso. Apesar da decisão sobre a moradia - aquisição, aluguel ou imóvel familiar - ser uma decisão individual, muitas vezes ela é feita em consulta com a família ou, em alguns casos, até mesmo com a comunidade. Além disso, esta escolha muda ao longo do tempo, dependendo de fatores como emprego, casamento ou coabitação, crianças, entre outros (ONU-Habitat, 2014). Por sua fase de vida, a maior parte dos/as jovens não tem condições financeiras para comprar uma propriedade, porém o acesso a uma propriedade não se dá apenas baseado na condição financeira. Fatores sociais também influenciam a disponibilidade e possibilidade de moradia para jovens, como, por exemplo, a influência do preconceito, seja ele geracional, racial, de gênero, entre outros. Fianças de aluguel para jovens muitas vezes são mais altas do que para adultos. Proprietários dão preferência para pessoas mais velhas e/ou com filhos, associando a juventude a desordem, falta de confiança e assim por diante (ONU-Habitat, 2014). Ao mesmo tempo, é difícil o acesso à crédito para jovens e não há foco na juventude nas políticas habitacionais. A SMH, por exemplo, se posiciona a partir do objetivo de atender toda a demanda municipal, porém, possui uma lista de grupos prioritários os quais são: famílias, mulheres chefe de família, idosos, pessoas com deficiência e população em situação de rua. Outro fator importante política habitacional no Brasil é pensada sob o ponto de vista de renda e não de faixa etária, enquanto a juventude é um dos públicos com mais dificuldade de acesso à moradia, como mostram os dados anteriormente apresentados. Para a coordenadora de Estudos Setoriais Urbanos do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), Maria Piedade Morais, “é preciso diversificar a política habitacional do país que sempre esteve calcada na aquisição da casa própria. No fundo as pessoas não precisam comprar uma casa. Se você é um jovem, por exemplo, e não sabe onde vai trabalhar no futuro, não precisa, necessariamente, comprar uma casa, tem é que ter onde morar.7 ” (MORAES, 2008)
  • 25. 15EM QUE CONDIÇÕES A JUVENTUDE VIVE E ACESSA À TERRA NA CIDADE DE SÃO PAULO? De acordo com o IPEA, os fatores que levam os/as jovens a morar ou não na casa dos pais e/ou mães são: Entre os dependentes • Local de residência: residir em uma região metropolitana ou município de grande porte aumenta a probabilidade de dependência – reflexo de um mercado habitacional mais caro; • Tipo de moradia: o/a jovem tende a permanecer mais tempo morando com os pais quando seus pais moram em domicílios próprios regulares; • Educação: quanto mais elevada a educação do/a jovem, maior a probabilidade de ele/a continuar como dependente. Entre os independentes • Situação social: os/as jovens cadados/as e com emprego apresentam maior probabilidade de formar um novo domicílio. • Gênero: as mulheres são mais propensas a saírem da casa dos pais, muitas vezes visando constituir um possível relacionamento. • Aluguel: os aluguéis formais são a principal escolha dos/as jovens independentes. • Idade: à medida que envelhecem, os/as jovens são mais propensos à independência. No entanto, a partir de certa idade ocorre justamente o oposto – possivelmente uma situação de “conformismo”, de falta de alternativas ou de assistência dos/as jovens aos pais idosos. (IPEA, 2012)8 Tais perspectivas vêm demonstrar que a percepção de que moradia não é um tema sobre o qual o/a jovem pensa é incorreta. A diferença de foco se dá em razão de sua fase de vida, a qual faz com que a juventude se volte a outras prioridades, como estudo, trabalho e lazer. E é o lazer, vinculado ao espaço público, que surge quando se amplia a discussão sobre o acesso à terra e juventude. O acesso ao espaço público aparece pelo significado sociocultural que os/as jovens têm com a terra. A relação da juventude com a terra está ligada com sua busca por identidade, comunidade e expressão cultural. (ONU-Habitat, 2014). Nesse sentido, ocupar o espaço público é compreendido como essencial para a formação da identidade e expressão da juventude.
  • 26. 16 Tanto governo municipal quanto movimentos da sociedade civil entendem que hoje há um esvaziamento do sentido “público” da convivência e a expansão da cultura do medo e que, por isso, é preciso trabalhar a reabertura e a ressignificação do espaço público, bem como a recuperação do sentimento de pertencimento à cidade. Isso se dá principalmente, pela insuficiência e desigualdade de espaços e equipamentos públicos, crescente expansão de espaços privados de convivência - shoppings, condomínios fechados etc. – burocratização das formas de acesso ao espaço público existentes e violência. No caso dos espaços privados há ainda um agravante: o preconceito e a discriminação. O/A jovem da periferia frequentemente se depara com “fronteiras” implicitamente estabelecidas em locais que, em razão do crescimento econômico, cada vez menos têm “exclusividade” de ocupação pelas classes com maior poder aquisitivo –como shoppings, aeroportos etc. Por outro lado, segundo Marco Antônio Silva, assessor da Secretaria Municipal de Promoção da Igualdade Racial, com o crescimentos da cidade, a deficiência do sistema de transporte público e o preconceito, os/as jovens da periferia começaram a buscar novas maneiras de se divertir, o que fez com que eles/ as criassem uma relação mais direta com os locais onde vivem. Com isso, nasceram movimentos como o “100% Jardim Irene”, “Guaianazes na veia”, “Love Cidade Tiradentes” e outros. Em relação à violência, segundo o coordenador municipal de juventude, Gabriel Medina, a restrição se agrava pelas diversas formas de controle, repressão e criminalização da juventude, período da vida muito controlado, observado e tutelado. O controle exacerbado, e muitas vezes militarizado, baseado na percepção “jovem problema” coloca limites para o acesso dos/as jovens aos espaços públicos, à sua participação e à sua cidadania. No âmbito das políticas públicas, a atual gestão municipal declara colocar o acesso ao espaço público como uma de suas temáticas centrais e diz basear- se, principalmente, na requalificação dos espaços da periferia e na promoção do direito à cidade. “Shopping não é pra preto e pobre. Quando o jovem corre atrás de outros espaços para lazer etc., pois na periferia há grande limitações, ele se depara com essa realidade em que a sociedade coloca benefícios pra uma parcela pequena da população, percebendo que de fato ele não tem possibilidade de transitar em diversos espaços.” Marco Antônio Silva, 41 anos, assessor da  Secretaria Municipal de Promoção da Igualdade Racial “A gente tem falta de lazer na periferia. No meio desses rolezinhos eu ouvi um monte de depoimentos de pessoas da favela, postando no Facebook: só porque vai com determinada roupa no shopping ou porque está em muita gente, o segurança não deixa entrar. Teve protesto outro dia num shopping por causa disso. Eles não deixam entrar por causa da roupa, aparência, cor da pele, mas se vão 20 pessoas arrumadinhas num shopping eles não vão barrar.” Jovem participante do Estudo de Caso Campo Limpo
  • 27. 17EM QUE CONDIÇÕES A JUVENTUDE VIVE E ACESSA À TERRA NA CIDADE DE SÃO PAULO? Finalmente, o direito, e consequentemente o acesso, à cidade, é a abordagem que vem crescendo dentro do atual governo e nos movimentos da sociedade civil. Em razão disso, no ano de 2013, foi criada a coordenadoria de direito à cidade dentro da Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania. O intuito da coordenadoria é dar respostas territoriais a questões específicas. Por isso, busca-se a dimensão territorial das diversas áreas – juventude, trabalho, drogas, migrantes, etc. Vale ressaltar, que a coordenadoria nasceu a partir do processo de construção da política de juventude municipal, estruturada em torno de três elementos: prevenção à mortalidade da juventude negra, qualificação do trabalho e educação e conexão da cultura e dos modos de uso da cidade. Foi a partir da reflexão sobre a articulação desses elementos que se deu a percepção de que para o alcance dos objetivos desejados, era preciso pensar a cidade como um todo. “O jovem tem que ter o direito de se manifestar. Muitas vezes estamos fazendo arte e não é pichação na cidade. E os policiais já chegam com repressão, sem diálogo, com violência”. Depoimento coletado no evento Diálogos SP sobre ocupação do espaço público. “Entendemos terra como território e nossa intenção é instalar o software humano no hardware urbano.” William Nozaki, 32 anos, coordenador de promoção do direito à cidade, Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania Exemplos de políticas de acesso à cidade que tem grande impacto na juventude • Plano Juventude Viva • Programa de Valorização de Iniciativas Culturais – VAI • Wifi nas praças • Rede de ônibus 24 horas e Parque Ibirapuera 24 horas
  • 28. 18 Acesso à terra e migração Um tema pouco falado quando se trata de desenvolvimento urbano é migração. No entanto, a base da migração está justamente no acesso à terra. “Quanto maior for a concentração de terra, maior a migração dessa região. A terra e a produtividade da terra, a capacidade de desenvolver riqueza, cultura, soberania alimentar etc. está na base. O sonho do migrante, porém, não é abordado em São Paulo. Tudo se concentra mais no problema da moradia e nas questões trabalhistas, não entra na discussão o território. Além disso, é possível dizer que em nenhum momento o/a migrante passa por um questionamento se ele e cidadão/ã ou não. E esse é um assunto que envolve diretamente a etapa da juventude. No mundo a maioria dos/as migrantes é força de trabalho, então, mais de 70% tem entre 17 e 32 anos”. Paulo Illes, 39 anos, coordenador de políticas para migrantes, Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania Por parte da sociedade civil também é possível notar também a ampliação da percepção do direito à cidade. Além do Movimento Nacional de Reforma Urbana (MNRU) e do Fórum Nacional da Reforma Urbana (FNRU), principais movimentos da temática, cada vez mais movimentos com pautas específicas justificam e articulam suas demandas colocando-as como parte da promoção do acesso à cidade. É a partir de todas essas percepções, sobre como tratar o acesso à terra e ao território, que abre-se o caminho para a discussão sobre participação.
  • 29. 19EM QUE CONDIÇÕES A JUVENTUDE VIVE E ACESSA À TERRA NA CIDADE DE SÃO PAULO?
  • 30. 20 ASPECTOS JURÍDICOS DA PARTICIPAÇÃO DA JUVENTUDE NO DESENVOLVIMENTO URBANO BRASILEIRO
  • 31. 21ASPECTOS JURÍDICOS DA PARTICIPAÇÃO DA JUVENTUDE NO DESENVOLVIMENTO URBANO BRASILEIRO Para avançar o debate acerca da participação da juventude na governança da terra é necessário que se atente às possibilidades jurídicas propostas pelo sistema normativo brasileiro, uma vez que vivemos em um Estado de Direito onde normas são um dos elementos estruturadores das relações humanas. Neste sentido, analisou-se essas possibilidades a partir de três Leis principais. Primeiro, a Constituição Federal, Lei Máxima do País, com foco nos aspectos de participação popular e de desenvolvimento urbano. Em segundo lugar, o Estatuto da Cidade, com ênfase nas regulações referentes à Gestão Democrática da Cidade, que legitima a participação popular para criação do espaço urbano e, por fim, o recentemente estabelecido Estatuto da Juventude, com uma leitura dos mecanismos de participação propostos e das referências às questões majoritariamente de cunho urbano. Desta maneira, fez-se uma aproximação entre os aspectos jurídicos da participação popular, especialmente de jovens, e a governança urbana, objetivando encontrar sinergias e potencialidades. Aspectos Constitucionais: formas de participação popular na democracia brasileira Depois de um período ditatorial de vinte anos, em 1988 foi promulgada no Brasil uma nova Constituição Federal (CF). Estabelecendo que o Brasil é uma República Federativa constituída em um Estado Democrático de Direito, já no preâmbulo é possível notar a inspiração dos legisladores quando se expressaram no sentido de que a presente Constituição visa “assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias”. Tal inspiração resultou em um extenso texto constitucional, abrangendo não só princípios, mas verdadeiras regras para uma ampla gama de assuntos, inclusive de cunho econômico, social e ambiental. Estas características transformaram a Constituição ASPECTOS JURÍDICOS DA PARTICIPAÇÃO DA JUVENTUDE NO DESENVOLVIMENTO URBANO BRASILEIRO
  • 32. 22 Brasileira em uma lei objeto de interesse e pesquisa ao redor do mundo. Já em seu artigo 1º, parágrafo único, a chamada “Constituição Cidadã” definiu que “todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”. Foi assim estabelecido um modelo de democracia participativa, que é amplo e integra múltiplos mecanismos de participação para garantir o Estado Democrático. Esse modelo de democracia participativa inclui outros dois modelos de democracia, isto é, a “democracia representativa” (ou “democracia indireta”), que possibilita a eleição de representantes políticos que agem como procuradores da população, a eles cabendo a tomada de decisões e formulação de políticas; e a “democracia semidireta”, que além dos mecanismos da democracia representativa inclui instrumentos como o referendo, o plebiscito, a iniciativa popular e a ação popular. A democracia participativa, por sua vez, como hoje se entende, além de combinar os modelos indireto e semidireto, busca cada vez mais aproximar o cidadão do processo de elaboração e fiscalização de leis e políticas, tendo como principal manifestação os debates, audiências e consultas públicas. Dessa maneira, as características principais dos mecanismos de participação previstos constitucionalmente são: A eleição de representantes políticos se trata, conforme mencionado, da expressão principal da democracia indireta e se vincula diretamente à cidadania, entendida como a faculdade do/a cidadão/ã de gozar de seus direitos políticos, que são o conjunto de direitos que regulam a forma de intervenção popular no governo. É a manifestação principal da soberania popular, que nos termos do artigo 14 da Constituição Federal, “será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos/as e, nos termos da lei, mediante plebiscito, referendo e iniciativa popular”. No caso da eleição de representantes, o direito político em questão é exatamente o direito de sufrágio, que consiste na capacidade de eleger e ser eleito. É, portanto, um direito que envolve a capacidade eleitoral ativa (alistabilidade), ou seja, o direito de votar, e a capacidade eleitoral passiva (elegibilidade), que é o direito de ser votado. Eleição de representantes políticos
  • 33. 23ASPECTOS JURÍDICOS DA PARTICIPAÇÃO DA JUVENTUDE NO DESENVOLVIMENTO URBANO BRASILEIRO A eleição de representantes se dá seguindo a estrutura federativa do Estado Brasileiro, ou seja, em nível Municipal, Estadual e Federal (União), e nos âmbitos do Poder Legislativo e do Poder Executivo. Isto significa que os cargos elegíveis são: Legislativo Executivo Município Vereador Prefeito Vice-Prefeito Estado Deputado Estadual Governador Vice-Governador União Deputado Federal Senador Presidente Vice-Presidente Por fim, tanto para a alistabilidade quanto para a elegibilidade há requisitos mínimos a serem cumpridos, incluindo idades mínimas. Direito de votar O direito de votar é ao mesmo tempo um dever. Conforme o artigo 14, §1°, I, o voto é obrigatório aos brasileiros maiores de 18 anos (correspondendo à maioridade civil), enquanto que para os brasileiros maiores de 16 anos e menores de 18 anos, para os maiores de 70 anos e para os analfabetos, o voto é facultativo (art. 14, §1º, II). Direito de ser votado As condições de elegibilidade do cidadão brasileiro estão elencadas no art. 14, §3º: ter nacionalidade brasileira; estar em pleno exercício dos direitos políticos; alistamento eleitoral; domicílio eleitoral na circunscrição; filiação partidária; e idade mínima variável de acordo com o cargo concorrido. São elas: • 35 anos: Presidente/a e Vice-Presidente da República; Senador. • 30 anos: Governador/a e Vice-Governador do Estado e do Distrito Federal. • 21 anos: Prefeito/a e Vice-Prefeito Municipal; Deputado Federal, Deputado Estadual e Distrital. • 18 anos: Vereador/a. O plebiscito é uma consulta ao povo sobre determinado tema e, dependendo da resposta da coletividade, será adotada ou não alguma medida legislativa ou administrativa. É o método que foi utilizado em 1993 (por determinação constitucional) Plebiscito
  • 34. 24 Referendo popular Iniciativa popular Debates, audiências e consultas públicas para definir se no período pós-ditatorial o regime político adotado seria a Monarquia ou a República, e consequentemente o Parlamentarismo ou o Presidencialismo. Como sabemos, venceram a República e o Presidencialismo. Diferentemente do plebiscito, que é uma consulta prévia, o referendo popular, como o nome indica, é uma consulta pública para referendar, ratificando ou não, uma norma já aprovada; ou seja, é posterior ao ato. Foi o instrumento utilizado para o Estatuto do Desarmamento. A iniciativa popular está prevista no art. 61, §2º, e trata da possibilidade que o povo tem de encaminhar um projeto de lei ordinária ou complementar para ser apreciado pelo poder Legislativo. No caso de lei de cunho federal, o projeto de lei pode ser apresentado à Câmara dos Deputados após ter sido subscrito por, no mínimo, um por cento do eleitorado nacional e distribuído por pelo menos cinco Estados, com não menos de três décimos por cento dos eleitores de cada um deles. Também podem ser propostos projetos de lei em âmbito municipal, conforme o artigo 29, XIII. Neste caso, os projetos devem ser de interesse específico do Município, da cidade ou de bairros, e devem ser subscritos por pelo menos cinco por cento do eleitorado municipal. A ação popular está prevista no artigo 5º, LXXIII, e regulamentada pela Lei nº 4.717/65. A ação popular é uma ação processual em defesa da coletividade que pode ser proposta no Poder Judiciário por qualquer cidadão/ã que esteja em dia com seus direitos políticos. Serve para anular o ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural. Os debates, audiências e consultas públicas são os meios previstos constitucionalmente que mais se aproximam da visão de democracia participativa que hoje se procura. Tais instrumentos servem para incluir a população diretamente na tomada de decisão, instruindo e ouvindo suas opiniões sobre casos concretos. A partir do apresentado, percebe-se que um aspecto fundamental da democracia é se caracterizar como um processo, uma constante construção envolvendo diferentes aspirações, desejos e reivindicações. Assim, é natural que a democracia participativa busque diferentes métodos para garantir a participação da população, em nível individual e também conforme grupos de interesse nas diversas políticas –que, nesta ocasião, se traduz pela busca da participação de jovens no desenvolvimento urbano. Ação popular
  • 35. 25ASPECTOS JURÍDICOS DA PARTICIPAÇÃO DA JUVENTUDE NO DESENVOLVIMENTO URBANO BRASILEIRO ESTATUTO DA CIDADE A Política Nacional de Desenvolvimento Urbano e a Participação Popular A Política Nacional de Desenvolvimento Urbano se baseia em duas leis principais: a Constituição Federal e o Estatuto da Cidade. A seguir, serão apresentados seus aspectos fundamentais visando à compreensão introdutória do tema e considerando principalmente a participação popular enquanto dimensão da governança urbana. Bases da Política de Desenvolvimento Urbano: a Constituição Federal e o Estatuto da Cidade Como destacado anteriormente, a Constituição Federal de 1988 é bastante abrangente, tocando em diversos pontos que refletiam as necessidades e ambições públicas em um período pós-ditatorial. Nesse sentido, foi proposta, por iniciativa popular (SAULE, 2007), a inclusão das cidades em seu texto, o que resultou em um capítulo dedicado à Política Urbana, nos artigos 182 e 183. Assim, esta foi a primeira Constituição brasileira a incluir diretrizes de tal cunho “e talvez seja a única do mundo a tratar diretamente [desta]” (PINTO, 2010, p. 117). Essa previsão constitucional reflete as preocupações com os problemas urbanos (habitação, transporte e saneamento) que ganharam importância a partir da década de 1940, quando os núcleos urbanos passaram a ter um crescimento progressivamente alto no Brasil, visto que, inicialmente, “a questão do crescimento urbano não era vista como problemática, e sim um salutar reflexo do desenvolvimento do país9 ” (JORGE, 2009, p. 749). Tão intensa foi a urbanização do Brasil que, já nos anos 2000, cerca de 80% da população vivia em cidades. No âmbito constitucional, o artigo 182 define que as políticas de desenvolvimento urbano devem ser elaboradas pelos municípios e têm por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes. Conforme o previsto na Constituição, a política de desenvolvimento urbano pendula entre dois elementos essenciais: a propriedade e o plano diretor, em escalas micro e macro, respectivamente. Assim, o plano diretor ficou estabelecido como o principal instrumento para a política urbana brasileira, sendo obrigatório para cidades com mais de 20 mil habitantes. Vale dizer, que os planos diretores são instrumentos que visam garantir os interesses da coletividade por meio, prioritariamente, da ordenação do espaço físico-territorial da cidade. Na outra ponta do desenvolvimento urbano, na escala micro, encontra- se o direito fundamental à propriedade, definido no artigo 5º caput, e inciso XXII, da Constituição
  • 36. 26 Federal, que tratam das garantias e direitos individuais. Sobre ele, cabem duas observações. A primeira é que o direito fundamental à propriedade significa que é possível aos cidadãos e cidadãs ser proprietários/as; isto é, a propriedade é protegida como bem particular: é possível adquirir e administrá-la livremente, e é essa possibilidade que a Constituição protege como fundamental. Já a segunda ressalva refere-se à extensão de tal direito. Historicamente a propriedade foi associada à exploração individual de determinado espaço. Em sua origem latina, dizia-se que o proprietário de um terreno era proprietário dele “até o céu e até o inferno”, e dele se utilizava como preferisse. Imperava a vontade do indivíduo. Com o crescente desenvolvimento das cidades, o coletivo passou a ganhar mais destaque e, da mesma forma, a compreensão de que os atos individuais de decisão sobre a propriedade são, em certos limites (de construção e uso, por exemplo), corresponsáveis pelo bem de todos/as10 . A esses limites dados ao exercício do direito de propriedade tendo em vista o interesse coletivo, dá-se o nome de função social. É a função social da propriedade, prevista tanto no artigo 5º, XXIII, quanto no artigo 182, que faz a harmonização entre o interesse público e privado na política de desenvolvimento urbano brasileiro. Tanto é assim que, objetivamente, o artigo 182, §2º, prevê que “a propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor”. Para regular o previsto pela Constituição Federal, no ano de 2001 foi aprovada a Lei nº 10.257, denominada de “Estatuto da Cidade”,11 que institui em nível federal a política de desenvolvimento urbano. O Estatuto da Cidade estipula em seu artigo 2º que a política urbana tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e da propriedade urbana, e estabelece objetivos, diretrizes e instrumentos12 a serem aplicados em nível municipal. No entanto, mais do que uma lei, o Estatuto da Cidade é, nos termos de Maricato (2010), uma conquista social cujo desenrolar se estendeu durante décadas. Sua história é, portanto, exemplo de como setores de diversos extratos sociais (movimentos populares, entidades profissionais, sindicais e acadêmicas, pesquisadores, ONGs, parlamentares e prefeitos progressistas) podem persistir muitos anos na defesa de uma ideia e alcançá-la, mesmo num contexto adverso. Ela trata de reunir, por meio de um enfoque holístico, em um mesmo texto, diversos aspectos relativos ao governo democrático da cidade, à justiça urbana e ao equilíbrio ambiental. Ela traz à tona a questão urbana e a insere na agenda política nacional num país, até pouco tempo, marcado pela cultura rural. Desta maneira, é possível dizer que o Estatuto da Cidade busca a efetivação do “Direito à Cidade”, noção política e cultural que vem ganhando espaço nas discussões nacionais e internacionais sobre os desafios de um mundo urbano, e em organismos internacionais como a ONU-HABITAT. O Direito à Cidade O Direito à Cidade é um conceito recente, que se especialmente tornou conhecido pelo discurso do geógrafo David Harvey, e que internacionalmente vem sendo construído por meio de diferentes fontes, das quais se destacam quatro documentos principais:
  • 37. 27ASPECTOS JURÍDICOS DA PARTICIPAÇÃO DA JUVENTUDE NO DESENVOLVIMENTO URBANO BRASILEIRO i. Tratado “Por Cidades,Vilas e Povoados, Justos, Democráticos e Sustentáveis”, elaborado durante a Conferência da Sociedade Civil sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, da Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento – ECO-92, no Rio de Janeiro, em 1992; ii. Agenda Habitat, elaborada na Conferência Global sobre os Assentamentos Humanos nas Nações Unidas – Habitat II, em Istambul, em 1996; iii. Carta Europeia dos Direitos Humanos nas Cidades, elaborada pelo Fórum de Autoridades Locais, em Saint Dennis, em 2000; e, iv. Carta Mundial do Direito à Cidade, processo iniciado pelo Fórum Social Mundial em 2004. Em tais documentos é possível identificar etapas conceituais que servem de base ao Direito à Cidade que, vale ressaltar, encontra-se em formação e transformação. Primeiramente, na ECO-92, o direito à cidade se manifesta como o direito à cidadania, isto é, o direito dos/as cidadãos/ãs participarem na condução de seus destinos. Na Agenda Habitat II, firmada em 1996, o destaque foi o estabelecimento do “direito à moradia” como direito humano internacional, hoje já bastante aceito pela comunidade jurídica internacional. Na terceira etapa, isto é, na Carta Europeia de 2000, afirmou-se um rol de direitos humanos individuais que devem ser assegurados aos habitantes de cidades. Com tais subsídios, e valendo-se de outras experiências, como a sistematização do direito urbanístico nacional brasileiro, o Fórum Social Mundial articulou a elaboração da Carta Mundial de Direito à Cidade, na qual o Direito à Cidade é definido como “o usufruto equitativo das cidades dentro dos princípios de sustentabilidade, democracia, equidade e justiça social”. Neste sentido, o Direito à Cidade busca se posicionar como um direito emergente na esfera dos direitos humanos coletivos (p. ex., o Direito ao Meio Ambiente) e, assim, estimular a adoção deste conceito pelos países, visando à construção de cidades mais justas, humanas, democráticas e sustentáveis. Para tanto, propõe oito princípios fundamentais: Em síntese, o que o Direito à Cidade propõe é, considerando o destaque internacional das cidades e o positivo impacto da esfera internacional no desenvolvimento de políticas nacionais e locais, principalmente nos países em desenvolvimento, propiciar uma mudança de perspectiva para o planejamento e gestão urbana contemporânea, com foco nas pessoas –principalmente as pessoas mais vulneradas.13 Gestão democrática da cidade; função social da cidade; função social da propriedade; exercício pleno da cidadania; igualdade e não discriminação; proteção especial de grupos e pessoas vulneráveis; compromisso social do setor privado; e impulso à economia solidária e a políticas progressivas.
  • 38. 28 Além dessa abordagem conceitual, a questão do direito à cidade aparece explicitamente entre as diretrizes gerais14 , que têm a função de nortear a aplicação dos instrumentos urbanísticos previstos em lei. Destas, duas merecem destaque: a garantia do direito a cidades sustentáveis (art. 2º, I) e a gestão democrática da cidade (art. 2º, II). Dispõe o artigo 2º, I, que a garantia do direito a cidades sustentáveis deve ser entendida como o direito à terra urbana, à moradia, ao saneamento ambiental, à infraestrutura urbana, ao transporte, aos serviços públicos, ao trabalho e ao lazer –para as presentes e futuras gerações. Embora ainda não haja consenso sobre os parâmetros técnicos precisos da cidade sustentável (RUANO, 2007; SOUZA, 2010), a legislação brasileira apresenta este novo direito com o respaldo de outras garantias já estabelecidas –moradia, saneamento–, reafirmando-as e fomentando as discussões sobre como se pensar a cidade que queremos. Adicionalmente, o direito à cidade sustentável –isto é, um “passo além do ‘direito à cidade’”– como o próprio nome indica, busca mais expressamente a inclusão da dimensão ambiental (e social, e econômica) na política urbana e produção da cidade. Se por um lado a cidade foi durante muito tempo entendida como uma estrutura à parte do “meio ambiente natural” –era o “ambiente construído”–, por outro, a Constituição Federal, em seu artigo 225, afirma claramente que a população tem direito a um meio ambiente ecologicamente equilibrado, com o objetivo assegurar a qualidade de vida de todos e todas “todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”. Dessa maneira, não há o que se questionar sobre a necessidade de que tais critérios ambientais sejam aplicados aos locais onde a maioria da população vive: as cidades. E é isto que busca incluir o Estatuto da Cidade. Além disto, a regulação constitucional, quanto ao meio ambiente, define que a responsabilidade de sua proteção cabe tanto ao Poder Público (legislativo, executivo e judiciário) quanto à coletividade. Ao inserir a coletividade nesta missão, tem-se o que Nalini (2010) sugere como “reabilitação da democracia dos antigos”, isto é, “estimular a democracia da participação” em uma verdadeira “tarefa de cidadania ambiental”, que, note-se, em consonância com as disposições internacionais sobre o desenvolvimento sustentável, ressalta a responsabilidade intergeracional –também presente no Estatuto da Cidade. Por isso, conforme Osorio e Menegassi (2002), é igualmente importante considerar que “a sustentabilidade de uma cidade também é definida pela qualidade de sua governança, [pois] somente um processo de governança urbana transparente e responsável poderá assegurar o desenvolvimento sustentável das cidades com justiça social e preservação ambiental”. Neste sentido, ao passo em que a diferentes grupos sociais cabem diferentes custos ambientais, o processo de democratização da gestão das cidades deve reconhecer as particularidades das relações da cidadania com seus territórios (OSORIO; MENEGASSI, 2002), o que implica na compreensão de sua dinâmica
  • 39. 29ASPECTOS JURÍDICOS DA PARTICIPAÇÃO DA JUVENTUDE NO DESENVOLVIMENTO URBANO BRASILEIRO territorial: a análise do território a partir da dinâmica social, que considera a dinâmica das coisas fixas e das que se movimentam (FIORILLO, 2008). E, conforme Fiorillo (2008), são justamente as coisas que se movimentam que dão valor às coisas fixas –é o caso do dinheiro e das pessoas com as relações sociais que se estabelecem. Pode-se dizer, então, que a democracia da participação é inerente à sustentabilidade e às determinações constitucionais quanto ao ambiente, e também à gestão urbana. Tanto é que, além da Constituição Federal no artigo 29, XII, transformar o direito à participação em um requisito constitucional para a instituição e fiscalização da implementação do plano diretor, tanto no executivo quanto no legislativo, o artigo 2º, II, do Estatuto da Cidade reafirma esse direito definindo a “gestão democrática por meio da participação da população e de associações representativas dos vários segmentos da comunidade na formulação, execução e acompanhamento de planos, programas e projetos de desenvolvimento urbano”. Assim, este princípio –a Gestão Democrática da Cidade–, chama a população a fazer parte diretamente da gestão urbana, tanto individualmente quanto coletivamente (por meio de associações de bairro, meio ambiente, moradores sem-teto etc.), participando de projetos e programas relacionados à cidade. Mais do que isso, manifesta concretamente a democracia da participação proposta pela Constituição Federal, sendo sua compreensão vital para se avançar na participação popular. Gestão democrática da cidade Sabendo que a participação da população na gestão pública é um elemento essencial da democracia brasileira que a Constituição Federal delineia, e da importância que as áreas urbanas têm na atualidade para o alcance do desenvolvimento pessoal, comunitário e político, o Estatuto da Cidade, além de prever a participação popular como diretriz da política urbana, também dedica todo um capítulo ao tema, que, embora curto, encontra-se “cheio de significado” (NALINI, 2010). Ao romper com a visão administrativa de disciplinar a cidade a partir de regramentos impostos tão somente pelo Poder Público (FIORILLO, 2008), a noção de gestão democrática propõe a ideia de um novo pacto territorial em que a cidade se transforme efetivamente em um espaço de convivência e pleno desenvolvimento para todos/as seus/suas habitantes (BUCCI, 2003). Com isso, a participação popular passa de “princípio” a “instrumento” da política urbana.
  • 40. 30 Neste sentido, o capítulo IV –Da Gestão Democrática da Cidade– nos seus artigos 43 a 45, explicita como se dará a participação da população diretamente na governança urbana, ao estabelecer os instrumentos para garantir a gestão democrática, a gestão orçamentária participativa e a participação da população para gestão de áreas metropolitanas. Quanto aos instrumentos a serem utilizados para garantir a gestão democrática da cidade, o art. 43 elenca: O primeiro instrumento previsto refere-se ao estabelecimento de órgãos colegiados (“conselhos”) de política urbana nas diferentes esferas federativas. Entende-se por órgãos colegiados que os órgãos de política urbana devem ter componentes escolhidos pela Administração e membros escolhidos pela sociedade civil (FRANCISCO, 2003), criando os “conselhos de desenvolvimento urbano”, que, pela própria lógica do Estatuto, encontram sua maior efetividade no contexto municipal. A composição desses conselhos é de grande importância para sua efetividade: é necessário que haja um balanceamento tanto entre representantes do Poder Público e sociedade civil, quanto entre a própria sociedade civil. Quanto à representação do Poder Público, explica Bucci (2003, p.329): “é preciso que o Poder Público seja adequadamente representado; nem demais –o que transformaria o conselho em mero espaço de legitimação e referendo das decisões previamente tomadas pelo Poder Executivo–, nem de menos –o que faria dos representantes da Prefeitura no conselho meros “mensageiros” aos escalões superiores, sem poder de negociar soluções e criar alternativas construtivas dentro do conselho”. No que tange à representação da sociedade civil, esta pode ser ainda mais complexa, visto que não há uma única opinião que represente a coletividade; muito pelo contrário, esta varia grandemente de acordo com os diferentes grupos de interesse, que podem ser, por exemplo, representantes de associações de bairros, de movimentos de moradia, ONGs, entidades ambientalistas, entidades profissionais de arquitetos/ as e engenheiros/as e até mesmo incorporadores imobiliários e construtores, isto é, integrantes dos setores empresariais ligados à produção do espaço urbano. (i) órgãos colegiados de política urbana, nos níveis nacional, estadual e municipal; (ii) debates, audiências e consultas públicas; (iii) conferências sobre assuntos de interesse urbano, nos níveis nacional, estadual e municipal; e (iv) iniciativa popular de projeto de lei e de planos, programas e projetos de desenvolvimento urbano.
  • 41. 31ASPECTOS JURÍDICOS DA PARTICIPAÇÃO DA JUVENTUDE NO DESENVOLVIMENTO URBANO BRASILEIRO Esse delicado balanceamento entre grupos de interesse é fundamental para que não “haja super- representação de setor algum –o que sufocaria o poder dos demais– nem sub-representação –o que enfraqueceria a representatividade do conselho” (BUCCI, 2003, p.329). Sob o aspecto jurídico, os conselhos devem ser estabelecidos por lei que defina sua composição, duração dos mandatos, forma de indicação ou eleição dos participantes, suas atribuições e definição sobre terem poderes consultivos ou deliberativos. Os segundos instrumentos estabelecidos para a gestão democrática da cidade são os debates, audiências e consultas públicas, a serem realizados no processo de elaboração, acompanhamento e controle da política urbana. Estes são instrumentos que vêm ganhando importância no Direito Brasileiro, ao passo em que se instaura a mentalidade de políticas públicas como processos (que possuem ação e reação) (BUCCI, 2003). Como visto anteriormente, são previstos constitucionalmente e utilizados para coleta de opinião pública em assuntos específicos, especialmente aqueles relacionados aos direitos coletivos. Já as conferências sobre assuntos de interesse urbano, nos níveis nacional, estadual e municipal, que também integram o rol de instrumentos da gestão democrática da cidade, são importantes ferramentas para atualizar a população acerca de ações do governo e para conscientizá-los sobre temas específicos. Não desconsiderando os diversos instrumentos propostos nestes incisos, a grande inovação reside no inciso IV. Inspirado na disposição constitucional que garante à sociedade poder apresentar projetos de lei, o Estatuto da Cidade incluiu a possibilidade da iniciativa popular de planos, programas e projetos de desenvolvimento urbano. Desta maneira, conforme Francisco (2003), nota-se a intenção de fazer com que a participação da população não seja meramente passiva, de concordância ou não com o que estiver sendo apresentado pela municipalidade, mas sim proativa, com a apresentação de soluções alternativas ao proposto pela administração; e também, não apenas pontual, mas sim um processo mais amplo, de verdadeiros projetos urbanos. Em relação ao planejamento municipal em geral, o artigo 44 introduziu a gestão orçamentária participativa, que inclui “a realização de debates, audiências e consultas públicas sobre as propostas do plano
  • 42. 32 plurianual, da lei de diretrizes orçamentárias e do orçamento anual, como condição obrigatória para sua aprovação pela Câmara Municipal”. Isto significa que, ao invés da Administração Pública decidir por si as prioridades –e, consequentemente, os valores a serem investidos– entre as diversas questões municipais (saúde, educação, etc.), “estas decisões passam a ser fruto de um compartilhamento entre a Administração e a sociedade civil, que, assim, é chamada a se manifestar e a escolher o que entende [ser] prioritário e necessário através de reuniões e debates que levem em consideração não só as regiões do município como também as políticas que têm de ser conduzidas por este” (FRANCISCO, 2003, p.269). Por fim, o Estatuto da Cidade entende o fenômeno urbano para além do espaço físico formal da cidade- municipalidade e inclui as regiões metropolitanas, as quais já são uma considerável parte da realidade brasileira, definindo que estas igualmente devem incluir a participação em sua gestão: “os organismos gestores das regiões metropolitanas e aglomerações urbanas incluirão obrigatória e significativa participação da população e de associações representativas dos vários segmentos da comunidade, de modo a garantir o controle direto de suas atividades e o pleno exercício da cidadania” (art. 45). Explica Francisco (2003, p. 273) que “este dispositivo do Estatuto obriga aos Estados Federados, a quem incumbe legislar a respeito das regiões metropolitanas e aglomerações urbanas, que os organismos gestores tenham participação direta da população nas deliberações e no acompanhamento de suas determinações, ou seja, que também deverá haver a participação da população na elaboração dos planos urbanísticos metropolitanos ou regionais, bem assim no seu acompanhamento”. Por meio de tais estratégias, é possível perceber que, nos moldes em que a gestão democrática da cidade foi proposta, há uma clara evolução para garantir que a participação do/a munícipe seja permanente nos processos de desenvolvimento urbano (FRANCISCO apud CENEVIVA, 2003). Se por um lado estas definições implicam em uma importante ferramenta para a gestão urbana sustentável e democrática, “como um processo resultante de práticas de cidadania voltadas para eliminar as desigualdades sociais e os obstáculos para efetivação do direito à cidade” (SAULE JUNIOR, 2002, p.89), por outro, é importante ter em mente que a simples abertura de canais para a participação não garante a qualidade participativa.
  • 43. 33ASPECTOS JURÍDICOS DA PARTICIPAÇÃO DA JUVENTUDE NO DESENVOLVIMENTO URBANO BRASILEIRO É preciso que a sociedade civil se conscientize acerca da participação popular na política e se aproprie de tais espaços, pressionando os governos a reconhecerem sua importância e de fato considerarem o que foi proposto por tais meios. Estatuto da Juventude Em 2010, em um ciclo iniciado em 1990 com o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/90), e afirmado com o Estatuto do Idoso em 2003 (Lei nº 10.741/03), o Brasil progride novamente na agenda político-jurídica intergeracional ao explicitamente incluir a juventude em sua Constituição Federal por meio da Emenda Constitucional nº 65/2010. Tal emenda prevê que tanto o Governo Federal quanto o Estadual poderão legislar sobre a proteção à infância e à juventude (artigo 24, XV), e, em seu artigo 227, que “é dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”. A emenda definiu ainda que a lei deveria estabelecer o Estatuto da Juventude, destinado a regular os direitos dos/as jovens, e o plano nacional de juventude, com duração de 10 anos, para articular as várias esferas do poder público para a execução de políticas públicas de juventude (art. 227, §8º, I e II).
  • 44. 34 Três anos depois, em 05 de agosto de 2013, foi promulgada a Lei nº 12.852, denominada Estatuto da Juventude, que busca salientar o papel estratégico da juventude no desenvolvimento do País. A Lei procura não apenas que os diversos entes federados desenvolvam políticas orientadas à juventude, como também que a própria juventude se integre à formulação de políticas públicas, salientando-a inclusive como um grupo de direito, representado por pessoas com idade entre 15 (quinze) e 29 (vinte e nove) anos de idade (art. 1º, §1º). Neste sentido, a Seção I do Estatuto da Juventude definiu como seus princípios, extensíveis também às políticas públicas de juventude (art. 2º): É possível notar, portanto, a vertente de inclusão política da juventude que tem o Estatuto. O princípio II, que prevê “a valorização e promoção da participação social e política, de forma direta e por meio de suas representações”, é um nítido indicador deste objetivo, que se apresenta também em outras partes do texto: na necessidade de participação do/a jovem na vida em sociedade (que é, em última análise, um Estado de Direito e político), sua participação no desenvolvimento do país (onde participar da formulação de políticas é fundamental para o desenvolvimento) e na valorização do diálogo e convívio intergeracional. Estes princípios encontram respaldo igualmente nas diretrizes para o desenvolvimento de políticas públicas de juventude (art. 3º) pela definição do desenvolvimento da intersetorialidade das políticas estruturais, programas e ações, do incentivo à ampla participação juvenil em sua formulação, implementação e avaliação e na ampliação de alternativas de inserção social do jovem e sua participação ativa nos espaços decisórios (art. 3º, I, II e III). Tais diretrizes incluem também outros aspectos importantes, ao definirem que as políticas públicas de juventude devem garantir meios e equipamentos públicos que promovam a mobilidade territorial (art. 3º, V) e promover o território como espaço de integração (art. 3º, VI). Deste modo, o Estatuto da Juventude introduz as questões urbanas como interesses dos/as jovens, trazendo uma inovadora vinculação intertemática, a qual é ampliada no Capítulo II da Lei, que trata dos denominados “direitos do jovem”. (i) a promoção da autonomia e emancipação dos jovens (entendida como a trajetória de inclusão, liberdade e par- ticipação do jovem na vida em sociedade); (ii) a valori- zação e promoção da participação social e política, de forma direta e por meio de suas representações; (iii) a promoção da criatividade e da participação no desen- volvimento do País; (iv) o reconhecimento do jovem como sujeito de direitos universais, geracionais e singu- lares; (v) a promoção do bem-estar, da experimentação e do desenvolvimento integral do jovem; (vi) o respeito à identidade e à diversidade individual e coletiva da ju- ventude; (vii) a promoção da vida segura, da cultura da paz, da solidariedade e da não discriminação; e (viii) a valorização do diálogo e convívio do jovem com as de- mais gerações.
  • 45. 35ASPECTOS JURÍDICOS DA PARTICIPAÇÃO DA JUVENTUDE NO DESENVOLVIMENTO URBANO BRASILEIRO O direito à participação social e política e as estratégias de inclusão da juventude Na lógica proposta pelo Estatuto da Juventude, os denominados “direitos do jovem” tratam de uma amplitude de temas, como: educação, trabalho, saúde, igualdade, cultura, esporte, comunicação e liberdade de expressão, segurança pública e acesso à justiça. Interpretados na totalidade do sistema jurídico –visto que todos e todas são iguais perante a lei–, não há propriamente a criação de novos direitos. Porém, de certa forma, é possível dizer que ao oferecer uma compilação de temas que foram considerados prioritários à juventude brasileira neste início de século XXI, o Estatuto apresenta uma nova e afirmativa abordagem que aproxima a juventude brasileira destes importantes aspectos da vida em sociedade. Neste rol de direitos trazidos pelo Estatuto da Juventude, foi elencado o “Direito à Cidadania, à Participação Social e Política e à Representação Juvenil”, que pode ser entendido como o carro-chefe para a consolidação de todos os outros direitos. Este se constitui, nos termos do artigo 4º, como o direito do jovem “à participação social e política e na formulação, execução e avaliação das políticas públicas de juventude”. No Estatuto da Juventude, a participação da juventude é entendida em quatro vertentes principais: 1. A inclusão do/a jovem nos espaços públicos e comunitários a partir da sua concepção como pessoa ativa, livre, responsável e digna de ocupar uma posição central nos processos políticos e sociais; 2. O envolvimento ativo dos/as jovens em ações de políticas públicas que tenham por objetivo o próprio benefício, o de suas comunidades, cidades e regiões e o do País; 3. A participação individual e coletiva do/a jovem em ações que contemplem a defesa dos direitos da juventude ou de temas afetos aos/às jovens; e, 4. A efetiva inclusão dos/as jovens nos espaços públicos de decisão com direito a voz e voto. Nestas definições é perceptível o interesse público em reforçar a participação cidadã dos/as jovens, que passam a ser entendidos/as como atores centrais de processos políticos e sociais, devendo ser formalmente ouvidos/as e respeitado/as. Neste sentido, estes processos se referem não apenas às políticas públicas de juventude, mas de temas que afetam aos/às jovens, enquanto indivíduos e membros da coletividade, nas diversas esferas administrativas governamentais. São, portanto, medidas que buscam a participação multidimensional da juventude nos espaços formais de participação. Para tanto, o artigo 5º prevê que a interlocução da juventude com o poder público se realizará por intermédio de associações, redes, movimentos e organizações juvenis –isto é, o/a jovem que se reconhece como parte da coletividade e busca representar os interesses do coletivo; é necessário o engajamento. Como meio de viabilizar esta interlocução, foram previstos a definição de órgão governamental específico para a gestão das políticas públicas de juventude e o incentivo à criação de conselhos de juventude em todos os entes da Federação.
  • 46. 36 Sobre o tema, o Estatuto da Juventude destaca a criação de Conselhos de Juventude –a exemplo do sucesso deste formato em diferentes áreas dos direitos sociais, como saúde, meio ambiente e desenvolvimento urbano–, que são definidos nos artigos 45 a 47. Sucintamente, prevê que os conselhos de juventude são órgãos permanentes e autônomos, não jurisdicionais, encarregados de tratar das políticas públicas de juventude e da garantia do exercício dos direitos dos/as jovens. Elenca ainda nove objetivos para os conselhos, definindo sua atuação: (i) auxiliar na elaboração de políticas públicas de juventude que promovam o amplo exercício dos direitos dos jovens estabelecidos nesta Lei; (ii) utilizar instrumentos de forma a buscar que o Estado garanta aos jovens o exercício dos seus direitos; (iii) colaborar com os órgãos da administração no planejamento e na implementação das políticas de juventude; (iv) estudar, analisar, elaborar, discutir e propor a celebração de instrumentos de cooperação, visando à elaboração de programas, projetos e ações voltados para a juventude; (v) promover a realização de estudos relativos à juventude, objetivando subsidiar o planejamento das políticas públicas de juventude; (vii) estudar, analisar, elaborar, discutir e propor políticas públicas que permitam e garantam a integração e a participação do jovem nos processos social, econômico, político e cultural no respectivo ente federado; (viii) propor a criação de formas de participação da juventude nos órgãos da administração pública; (ix) promover e participar de seminários, cursos, congressos e eventos correlatos para o debate de temas relativos à juventude; desenvolver outras atividades relacionadas às políticas públicas de juventude. Além disso, ficou incumbido a cada ente da federação definir sobre a organização, funcionamento e composição dos conselhos de juventude, que deve observar critério paritário entre representantes do poder público e da sociedade civil. Os conselhos de juventude possuem, portanto, uma estrutura que os dota de uma ampla gama de atuação, e, seguindo a proposta da gestão democrática da cidade, apresentam conduta proativa e podem propor meios de avançar a participação da juventude nos direitos que são elencados no Estatuto, de acordo com a realidade e as atividades de cada nível governamental.
  • 47. 37ASPECTOS JURÍDICOS DA PARTICIPAÇÃO DA JUVENTUDE NO DESENVOLVIMENTO URBANO BRASILEIRO O direito à cidade, um direito da juventude Canalizando a atuação social e política dos/as jovens no âmbito do Estatuto da Juventude, estão os já mencionados “direitos do jovem”. Como apontado anteriormente, estes tratam de uma ampla gama de assuntos, que agora ganham novas leituras, e, ente eles, está o Direito à Cidade. O Direito à Cidade se manifesta no Estatuto da Juventude, de forma mais direta, em duas seções: a Seção IX –Do Direito ao Território e à Mobilidade (artigos 31 a 33), e a Seção X –Do Direito à Sustentabilidade e ao Meio Ambiente (artigos 34 a 36). Embora o direito à cidade englobe uma diversidade de direitos que se manifestam no espaço urbano, o território –onde se “ocupa”– e a sustentabilidade – que compõe no Estatuto da Cidade o direito à cidade [sustentável]– são aspectos inegavelmente primordiais do desenvolvimento urbano. O Estatuto da Juventude apresenta primeiramente o “direito ao território e à mobilidade” (art. 31) que se desdobra na promoção de políticas públicas de moradia, circulação e equipamentos públicos (isto é, escolas, creches, hospitais, etc.) tanto no campo como na cidade, apresentando maior ênfase na questão da mobilidade, a partir do enfoque na possibilidade do/a jovem fazer uso dos sistemas públicos de transporte –ou seja, por vias financeiras, redução de tarifas, com vistas a redução de desigualdade no acesso a estes serviços– e não propriamente a reformulação de tais sistemas, o que vem sendo tão questionado na atualidade. É válido notar que, se por um lado as reivindicações quanto à possibilidade de moradia digna nas cidades brasileiras são históricas –mas não necessariamente diretamente identificadas à causa da juventude–, por outro, a reivindicação por uma melhor mobilidade pela juventude é um fenômeno mais recente, trazendo uma interessante simbiose da visão da juventude contemporânea.
  • 48. 38 No que tange ao “direito à sustentabilidade e ao meio ambiente”, o Estatuto reproduz o constante na Constituição Federal, enfatizando que “o jovem tem direito à sustentabilidade e ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo, essencial à sadia qualidade de vida, e o dever de defendê-lo e preservá-lo para a presente e as futuras gerações” (art. 34). Aborda também a necessária educação ambiental (art. 35) e enfatiza diferentes parâmetros para elaboração, execução e avaliação de políticas públicas que incorporem a dimensão ambiental (art. 36), apontando para um vital avanço da compreensão do meio ambiente, em um sentido de aproximar o ser humano da temática. Neste sentido, o poder público deverá considerar: o estímulo e o fortalecimento de organizações, movimentos, redes e outros coletivos de juventude que atuem no âmbito das questões ambientais e em prol do desenvolvimento sustentável; o incentivo à participação da juventude na elaboração das políticas públicas de meio ambiente; a criação de programas de educação ambiental destinados a jovens; e o incentivo à participação de jovens em projetos de geração de trabalho e renda que visem ao desenvolvimento sustentável nos âmbitos rural e urbano. É possível identificar, assim, uma sincronia entre os principais elementos de direito à cidade propostas pelo Estatuto da Juventude e o conceito de direito à cidade sustentável trazido pelo Estatuto da Cidade: o direito à terra urbana, à moradia, ao saneamento ambiental, à infraestrutura urbana, ao transporte e aos serviços públicos, ao trabalho e ao lazer, para as presentes e futuras gerações. Incluindo a juventude no desenvolvimento urbano. Sinergias entre o Estatuto da Cidade e o Estatuto da Juventude Por todo o apresentado, é evidente que o Estatuto da Cidade e o Estatuto da Juventude, com respaldo no previsto constitucionalmente, possuem sinergias. Estas são inegáveis quando se considera seus pilares essenciais: gestão democrática da cidade –a participação social na tomada de decisões– e o direito à cidade sustentável –direito ao território e à mobilidade, e o direito à sustentabilidade e meio ambiente. Se por um lado o Estatuto da Juventude é explícito na inclusão das questões de cunho urbano, o Estatuto da Cidade, anterior, não é tão claro sobre a juventude. Então, onde residiriam, de fato, os direitos da juventude urbana? Pelo que o Estatuto da Cidade propõe, a gestão urbana deve ser responsável por uma contínua inclusão da população, de forma genérica, sem a apresentação de grupos especiais de interesse, para debater e decidir sobre o espaço onde desejam habitar de forma sustentável. E é exatamente neste ponto onde reside a juventude: a sustentabilidade nasceu da compreensão da responsabilidade intergeracional, em garantir os recursos naturais para as presentes e futuras gerações. Dessa maneira, quando se fala em governança, na atualidade, é inadmissível excluir a sociedade dos processos de tomada de decisão relacionados a assuntos fundamentais. No que se refere ao