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ISSN 1518-1324




                                                                   SérieAnis
Número 54, fevereiro de 2008




                               Bioética     Ética    Feminismo         Gênero      Direitos Humanos   Justiça   Desenvolvimento Social




                                             BIOÉTICA E SEXUALIDADE:                         não-maleficência – a dita bioética principialista
                                   O DESAFIO PARA A SUPERAÇÃO DE PRÁTICAS                    gradativamente      abre    espaço    para      a
                                     CORRECIONAIS NA ATENÇÃO À SAÚDE DE                      consideração     de    condições   sociais     de
                                             TRAVESTIS E TRANSEXUAIS                         desigualdade que exporiam diferentes grupos à
                                                                                             não efetivação desses princípios. A bioética
                                                                                             crítica acolhe a consideração das desigualdades
                                                                    TATIANA LIONÇO 1         sociais e da vulnerabilidade de grupos não-
                                                                                             hegemônicos como fundamentais para que
                                                                                             padrões morais não comprometam os princípios
                                                                                             éticos e direitos universais (Diniz e Guilhem,
                                                                                             2002).
                               ABSTRACT                                                                A aproximação da bioética ao campo
                                                                                             dos direitos humanos se fundamenta no
                               Correction processes and mechanism of medical
                                                                                             reconhecimento de processos sociais de
                               power characterize the assistance on health for
                                                                                             exclusão    e   vulnerabilidade     de    grupos
                               transvestites and transexuals people. The
                                                                                             específicos. A Declaração Universal sobre
                               psiquiatric perspective on sexual matters has
                                                                                             Bioética e Direitos Humanos, proposta pela
                               been determinant on stablishing norms in the
                                                                                             UNESCO em 2005, desempenhou importante
                               field of health assistance. Considering sexuality
                                                                                             papel na consolidação dessa perspectiva social
                               by the bioethic perspective is a strategy for
                                                                                             e crítica no campo da Bioética. Diante do
                               democratize biotecnocientifics advances and for
                                                                                             reconhecimento da relatividade dos padrões
                               surpassing the atual corrective intervencions on
                                                                                             morais seja por diferenças culturais, étnicas,
                               the attention for these groups.
                                                                                             sociais,   econômicas,    dentre     outras,   a
                               KEY   WORDS:      transexuality;    transvestism;             Declaração Universal dos Direitos Humanos das
                               transexuality; colective health; bioethics.                   Nações Unidas, bem como as discussões
                                                                                             subseqüentes ocorridas nas convenções e
                                                                                             conferências, são instrumentos internacionais
                                                                                             que podem ser considerados consensuais e,
                               RESUMO                                                        portanto, referenciais privilegiados para guiar
                               Mecanismos de poder e de normatização                         decisões éticas sobre os complexos conflitos
                               atravessam a assistência à saúde de pessoas                   morais que permeiam o cotidiano da atenção às
                               travestis e transexuais. A psiquiatrização da                 pessoas em diferentes condições.
                               sexualidade vem sendo o discurso imperativo                             Embora se possa afirmar que a
                               na definição de regulamentações específicas no                sexualidade tenha sido reconhecida como um
                               campo da atenção à saúde relativamente ao                     direito   humano,     ao   ser   pautada    nas
                               exercício da sexualidade. A consideração                      Conferências das Nações Unidas de Cairo
                               bioética da sexualidade é fundamental para                    (1994)    e   Pequim     (1995),   sua   tímida
                               garantir direitos sociais a grupos que não se                 consideração esteve restrita à necessidade do
                               enquadram no padrão binário e heterossexual                   enfrentamento da violência contra a mulher e
                               vigente,     democratizando     os    avanços                 de questões relativas à saúde sexual e
                               biotecnocientíficos e resgatando travestis e                  reprodutiva na perspectiva do planejamento
                               transexuais do quadro de desassistência ou da                 familiar, excluindo do debate outros atores
                               submissão a medidas correcionais no campo da                  sociais que têm seus direitos humanos violados
                               atenção à saúde.                                              em função da sexualidade, tais como gays,
                               PALAVRAS-CHAVE:  transexualidade; travestismo;                lésbicas, bissexuais, travestis e transexuais
                               transexualismo; saúde coletiva; bioética.                     (GLBT) e profissionais do sexo (Correa, 2006).

                                                                                                       Vale destacar algumas iniciativas no
                                                                                             âmbito    internacional   que  evidenciam     a
                                                         ___                                 necessidade, no entanto, de avançar na
                                                                                             discussão sobre direitos sexuais como direitos
                                                                                             humanos. A Conferência Internacional de
                                                                                             Direitos Humanos de GLBT, ocorrida no Canadá
                                         A bioética atualmente representa
                                                                                             em 2006, teve como resultado formal a
                               importante ferramenta ético-política para o
                                                                                             proposição    da    Declaração  de     Montreal,
                               questionamento de processos normatizadores
                                                                                             sinalizando a necessidade de respeitar as
                               que perpassam a atenção à saúde. Permite
                                                                                             relações sexuais consentidas entre adultos do
                               considerar criticamente práticas de assistência
                                                                                             mesmo sexo, reconhecendo a existência de
                               (ou mesmo a desassistência) sustentadas em
                                                                                             processos discriminatórios e de violência nos
                               preceitos   morais     que    comprometem     a
                                                                                             âmbitos privado e do Estado, e demandando
                               universalidade do direito à saúde.
                                                                                             liberdade    de    expressão,   articulação   e
                                         O campo da bioética é interdisciplinar              associação de GLBT em defesa de seus direitos.
                               e pode ser genericamente compreendido como
                                                                                                       Em 2007, especialistas de diversos
                               o da aplicação da ética a conflitos morais que
                                                                                             países se reuniram na Indonésia para a
                               atravessam a atenção e a pesquisa em saúde.
                                                                                             discussão e recomendação dos Princípios de
                               Inicialmente fundamentada em princípios
                                                                                             Yogyakarta (2007), que buscam reafirmar a
                               universais – justiça, autonomia, beneficência e
                                                                                             universalidade dos direitos humanos e o direito




                                                                                                                                             1
                               SérieAnis 54, Brasília, LetrasLivres, 1-6, fevereiro, 2008
                                                                                                                                Versão PDF
ISSN 1518-1324




                                                                   SérieAnis
Número 54, fevereiro de 2008




                               Bioética     Ética    Feminismo         Gênero      Direitos Humanos   Justiça   Desenvolvimento Social




                               à não discriminação por orientação sexual e                   desejo heterossexual um dispositivo de
                               identidade de gênero. Apesar de não serem                     reprodução da ordem social que espelha o
                               ainda temas consolidados nas pautas das                       dispositivo da reprodução da espécie.
                               Nações Unidas, a orientação sexual não
                               heterossexual e as identidades de gênero não                            Rios (2007) propõe alargar a noção
                               condizentes com o sexo biológico vêm sendo                    de homofobia para travestis e transexuais,
                               reconhecidas como fatores de vulnerabilidade à                além de fazer referência a homossexuais,
                               violação dos direitos sociais e humanos,                      evidenciando o prejuízo social decorrente não
                               demandando reflexão sobre os processos                        apenas     da   não    adequação     ao   padrão
                               homofóbicos e de violência e discriminação                    heterossexual, mas também ao binarismo
                               contra GLBT.                                                  sexista que inferioriza o gênero feminino e que
                                                                                             naturaliza a concepção dicotômica e ao mesmo
                                          Também merece destaque a iniciativa                tempo complementar da relação entre os
                               da UNAIDS (2006) na apresentação do Guia de                   sexos.       Nessa      perspectiva,     homens
                               Ações Estratégicas para Prevenir e Combater a                 homossexuais      afeminados,    transexuais   e
                               Discriminação    por   Orientação   Sexual   e                travestis estariam sujeitos ao estigma sexista,
                               Identidade de Gênero – Direitos Humanos,                      replicando    as    desigualdades    de   gênero
                               Saúde e HIV –, em que se recomenda o repúdio                  características da sociedade patriarcal.
                               a iniciativas de programas e ações que visem
                               tratar e/ou curar a orientação sexual e a                               A homofobia, nesse sentido ampliado,
                               identidade de gênero de qualquer pessoa.                      teria como efeito a materialização, no plano
                                                                                             concreto das relações sociais, de prejuízos
                                          Rios (2006) evidencia que no                       originados no preconceito, gerando a violação
                               contexto latino-americano a situação dos                      de direitos contra indivíduos e grupos
                               direitos sociais de travestis e transexuais                   estigmatizados e discriminados em relação à
                               carecem de regulamentações fundamentadas                      norma moral para a conduta sexual (Borrillo,
                               nos      direitos     humanos,    prevalecendo                2000; Rios, 2007).
                               abordagens       biomédicas,   no   caso    de
                               transexuais, e da noção de criminalidade e da                            Para Gonzáles e Licona (2006), o
                               necessidade de repressão relativa às práticas                 discurso homofóbico se reproduz também na
                               sociais de travestis.                                         área da saúde, campo em que o direito à
                                                                                             autonomia deveria ser respeitado e no qual não
                                         Nesse artigo busca-se sensibilizar                  seria aceitável tomar as normas estabelecidas
                               para    a   necessidade     de    refletir  sobre             pela maioria como parâmetros éticos. Montoya
                               mecanismos de poder e de normatização que                     (2002) também chama a atenção para o
                               atravessam a assistência à saúde de pessoas                   estabelecimento social de prescrições morais no
                               travestis e transexuais. A consideração da                    campo da sexualidade humana, demandando
                               sexualidade como dimensão da experiência                      reflexão sobre os processos de domesticação e
                               humana sujeita a padrões morais rígidos é                     normatização operados no campo da saúde por
                               fundamental para garantir direitos sociais a                  meio da patologização e reparação das
                               grupos que não se enquadram no padrão                         experiências sexuais. Para Montoya (2002) as
                               binário e heterossexual vigente. É necessário                 terapias reparativas ou correcionais, que
                               frisar que a psiquiatrização da sexualidade vem               tomam como objeto a sexualidade suposta
                               sendo o discurso imperativo na definição de                   como patológica, se sustentam na visão da
                               regulamentações específicas no campo da                       psiquiatria como protetora da normalidade
                               atenção à saúde relativamente ao exercício da                 social e sexual, que justificariam correções
                               sexualidade. A patologização e inferiorização                 seja na conformação dos corpos (no caso de
                               das práticas e vivências relativas à sexualidade,             hermafroditismo), seja na dimensão do desvio
                               no entanto, tem comprometido o acesso e a                     de conduta, do que seria considerado imoral.
                               qualidade da atenção dispensada a pessoas que
                               não se enquadram na lógica relacional                                   A retirada do termo homossexualismo
                               heterossexual,    ou     que    expressam     sua             da Classificação Estatística Internacional de
                               subjetividade em apresentações sociais da                     Doenças e Problemas Relacionados à Saúde da
                               masculinidade       e/ou     feminilidade     em              Organização Mundial da Saúde (CID/ OMS), na
                               discordância com o sexo biológico de                          década de 80, teve como efeito, no Brasil, o
                               nascimento.                                                   estabelecimento de normas de conduta por
                                                                                             parte de profissionais da saúde. O Conselho
                                                                                             Federal de Psicologia, por meio da Resolução
                                                                                             N° 01/1999 estabelece normas de atuação para
                               Homofobia, psiquiatrização                e    práticas       os psicólogos diante das homossexualidades,
                               correcionais                                                  vetando quaisquer práticas reparadoras ou
                                                                                             curativas, sob a justificativa de não ser
                                         A homofobia se fundamenta na
                               crença da superioridade e legitimidade da                     patológica a condição homossexual. Já o
                               heterossexualidade sobre as demais formas de                  Conselho Federal de Serviço Social apresentou
                               relação sexual e expressão do afeto. Para                     a Resolução N° 469/2006, também vetando a
                               Borrillo (2000) o sexismo e a homofobia                       assistentes sociais atitudes preconceituosas e
                                                                                             discriminatórias por orientação sexual no
                               emergem como conseqüência do regime binário
                               da sexualidade, sendo a suposição da                          exercício    profissional.   Essas     medidas
                               naturalização da diferença dos gêneros e do                   reguladoras são conquistas importantes para a
                                                                                             garantia do direito à saúde de homossexuais,




                                                                                                                                            2
                               SérieAnis 54, Brasília, LetrasLivres, 1-6, fevereiro, 2008
                                                                                                                               Versão PDF
ISSN 1518-1324




                                                                   SérieAnis
Número 54, fevereiro de 2008




                               Bioética     Ética    Feminismo         Gênero      Direitos Humanos   Justiça   Desenvolvimento Social




                               apesar da evidência de que o preconceito                      pessoa do sexo oposto, e está enquadrado
                               compromete a qualidade da assistência à                       como parafilia, termo contemporâneo para a
                               saúde, tal como evidenciado nas pesquisas com                 perversão, junto a outras práticas e expressões
                               amostras da população GLBT nas Paradas do                     da sexualidade associadas ao desvio de
                               Orgulho GLBT (Facchini, França e Venturi,                     conduta, como, por exemplo, a pedofilia e o
                               2007; Carrara et al, 2006; Carrara e Ramos,                   exibicionismo.
                               2005). As normas são, contudo, senão
                               soluções, ao menos instrumentos de coerção                               O que chama à atenção é o fato da
                               para abusos da incidência de valores morais                   descrição do transexualismo incluir, como
                               homofóbicos na atenção.                                       critério diagnóstico, o desejo pela intervenção
                                                                                             médica oferecida como solução para o dito
                                         Apesar   dessa    relativa  proteção                transtorno, o que permite afirmar que o próprio
                               normativa concedida a gays, lésbicas e                        saber médico é determinante na caracterização
                               bissexuais por meio das resoluções dos                        do tipo de quadro patológico, ou, dito em
                               conselhos de psicologia e serviço social, a                   outros termos, a própria medicina estaria
                               condição subjetiva de transexuais e travestis é               promovendo um certo ordenamento subjetivo.
                               considerada patológica, constando atualmente                  A oferta médica praticamente cria o modo como
                               nos compêndios nosográficos médicos.                          o sofrimento e a demanda de ajuda destes
                                                                                             indivíduos é enunciada na contemporaneidade e
                                           Para Russo (2004), a medicina                     que, curiosamente, passa a determinar a
                               psiquiátrica posterior à década de 80 vem                     ‘identidade’ do transexual, sendo um critério
                               contribuindo      enormemente        para     a               diagnóstico.
                               caracterização        psicopatológica      das
                               manifestações da sexualidade. Para a autora, o                          Por outro lado, ambas as definições
                               lançamento da terceira versão do Manual de                    de travestismo não contemplam o que estudos
                               Diagnóstico e Estatística de Distúrbios Mentais               etnográficos vem acumulando como descrição
                               da Associação Psiquiátrica Americana (DSM                     do modo de vida das travestis brasileiras, que
                               III/APA),     em   1980,   elevou    de   modo                buscam alterações permanentes nos caracteres
                               significativo      os       transtornos/desvios               sexuais secundários e vivem permanentemente
                               relacionados à sexualidade e ao gênero, apesar                o papel feminino, apesar de não sentirem
                               da retirada do termo homossexualismo nessa                    necessidade     de     corrigir   a   genitália
                               edição do manual.                                             cirurgicamente.    Ser   travesti   é  investir
                                                                                             permanentemente na construção de um corpo a
                                         Para    Arán    (2006),    a    norma               ser reconhecido pelo outro como um corpo
                               heterossexual e reprodutiva no campo da                       feminino. Diferentemente das transexuais, no
                               sexualidade fundamentou a psiquiatrização do                  entanto, as travestis não afirmam uma
                               prazer dito perverso. A homossexualidade teria                identidade feminina estrita, mas ostentam a
                               ocupado, desde meados do século XIX, o centro                 androginia (Oliveira, 1994; Benedetti, 2005;
                               organizador do discurso sobre o desvio sexual,                Pelúcio, 2005; Silva, 2007).
                               sendo a categoria de transexualismo uma
                               derivação mais recente da compreensão dos                                Pode-se afirmar que transexuais e
                               processos     psicopatológicos    relativos   à               travestis são sujeitos que se constituem
                               experiência da sexualidade. Podemos estender                  identitariamente como indivíduos pertencentes
                               este raciocínio também para as nosologias de                  a um gênero que não corresponde linearmente
                               travestismo (bivalente e fetichista) que                      ao sexo de nascimento, sendo a diferença
                               atualmente também constam nos manuais                         fundamental o fato de as travestis sustentarem
                               diagnósticos.                                                 uma ambigüidade ou duplicidade sexual na
                                                                                             própria constituição identitária.
                                           A CID 10 (OMS) faz referência a
                               ‘transtornos de identidade sexual’, que inclui o                         Os     avanços      nas    tecnologias
                               transexualismo como um desejo persistente de                  biomédicas permitem atualmente a alteração
                               viver e ser reconhecido como um membro do                     dos caracteres sexuais secundários mediante
                               sexo oposto, implicando um desconforto em                     hormonioterapias.       Da     mesma      forma,
                               relação ao sexo anatômico e busca de                          procedimentos de alteração plástica e funcional
                               tratamentos hormonais e cirúrgicos, visando a                 na genitália, inicialmente aplicados a casos de
                               adequaçao do corpo tanto quanto possível ao                   ambigüidade ou lesão grave no órgão genital,
                               sexo preferido. Dentro dessa mesma categoria                  são no momento estendidos a pessoas que não
                               consta o travestismo bivalente, que implica no                apresentam       disfunções     orgânicas    que
                               uso de vestimentas do sexo oposto durante                     justificassem essas medidas reparadoras, desde
                               uma parte da existência, de modo a satisfazer a               a inclusão da psicopatologia transexualismo nos
                               experiência temporária de pertencer ao sexo                   compêndios nosográficos, e desde a consensual
                               oposto, mas sem desejo de alteração sexual                    compreensão do caráter terapêutico ou de
                               mais permanente ou de uma transformação                       beneficiencia       do      procedimento       de
                               cirúrgica.    O   travestismo  também       está              transgenitalização nesses casos.
                               contemplado dentre a categoria de parafilias,
                               na CID 10, sob a denominação travestismo                                Este é o ponto central da reflexão
                               fetichista.    Nessa   segunda     vertente    o              aqui   apresentada:    apesar   de   viverem
                               travestismo é descrito como o hábito de vestir                experiências bastante próximas no sentido de
                               roupas do sexo oposto com o objetivo de obter                 buscar a transformação corporal permanente e
                               excitação sexual e de criar a aparência de                    o desenvolvimento de caracteres sexuais que




                                                                                                                                             3
                               SérieAnis 54, Brasília, LetrasLivres, 1-6, fevereiro, 2008
                                                                                                                                Versão PDF
ISSN 1518-1324




                                                                   SérieAnis
Número 54, fevereiro de 2008




                               Bioética     Ética    Feminismo         Gênero      Direitos Humanos    Justiça   Desenvolvimento Social




                               endossassem a identidade de gênero, travestis                            As   condições     estipuladas     pelas
                               e transexuais encontram no diagnóstico                        resoluções do Conselho Federal de Medicina
                               diferencial um grande divisor de águas. O                     para o acesso à cirurgia de transgenitaliação,
                               Conselho Federal de Medicina dispõe de uma                    bem como à hormonioterapia, são vagas:
                               regulamentação     sobre    os    procedimentos               diagnóstico de transexualismo, maioridade legal
                               médicos de alteração dos caracteres sexuais                   e acompanhamento de ao menos 2 anos por
                               para casos de transexualismo, restando as                     equipe     multiprofissional.    Bento      (2006)
                               travestis excluídas da atenção e relegadas à                  esclarece que no processo de avaliação de
                               auto-medicação, ou mesmo à ação das                           candidatos    transexuais     às    cirurgias    de
                               bombadeiras – travestis que injetam silicone                  transgenitalização se operam mecanismos de
                               industrial para a modelagem dos corpos das                    poder e de normatização das condutas. O
                               travestis (Benedetti, 2005; Pelúcio, 2005).                   dispositivo da transexualidade firmaria rígidas
                                                                                             normas de conduta a esses indivíduos,
                                          A hipótese aqui sustentada é a de                  destinados    a provar       serem     verdadeiros
                               que a regulamentação da aplicabilidade da                     transexuais, correspondendo caricatamente aos
                               cirurgia de     transgenitalização e demais                   estereótipos de gênero vigentes, bem como
                               procedimentos sobre gônadas e caracteres                      adequando-se à norma heterossexual.
                               sexuais secundários (através da Resolução
                               1.482/1997 do Conselho Federal de Medicina,
                               posteriormente     revogada    pela    Resolução
                               1.652/2002 do mesmo órgão) é restrita a casos                 Considerações finais
                               de transexualismo porque se compreende,                                 No caso de transexuais e travestis, o
                               mediante a reparação cirúrgica, que uma certa                 poder médico impõe restrições normativas e
                               ‘normalidade’ poderia ser restituída. Já as                   interdições para o acesso aos procedimentos
                               travestis não demandam essa correção,                         que incidem sobre transformações corporais de
                               reafirmando a insuficiência da lógica binária em
                                                                                             caracteres sexuais, intermediando de forma
                               dar conta das experiências subjetivas de                      reguladora o acesso aos bens e avanços
                               posicionamento diante da diferença sexual para                biotecnológicos.
                               esse grupo social, e, portanto, excluídas do
                               acesso à atenção e dos recursos biomédicos                              Como afirma Ventura (2007), o poder
                               existentes em seus processos de transformação                 médico não apenas regula o acesso aos
                               corporais.                                                    recursos de saúde disponíveis para a superação
                                                                                             do desconforto em relação ao próprio corpo e
                                         Do ponto de vista médico, a                         do desejo de transformação dos caracteres
                               afirmação do sentimento de pertencimento a                    sexuais. O poder médico impede o acesso a
                               um determinado gênero – masculino ou                          esses recursos. Está impedido o acesso a esses
                               feminino – em desacordo com a atribuição do
                                                                                             recursos biomédicos àqueles indivíduos que não
                               sexo estabelecida pela estética anatômica no                  aderem integralmente à proposta terapêutica
                               momento do nascimento, encontra, como                         regulamentada. O que está sendo impedido não
                               medida terapêutica, a re-adequaçao cirúrgica                  é apenas o acesso a um procedimento cirúrgico
                               da genitália para corresponder à identidade de
                                                                                             ou de redução de danos pelo uso de hormônios.
                               gênero, compreendida como estruturante e não                  Está sendo negado o acesso às condições
                               passível   de     alteração    por   tratamentos              necessárias para a livre expressão da
                               psíquicos. A cirurgia seria, portanto, a correção             personalidade e da vivência da cidadania.
                               ou o tratamento para o transtorno identitário
                               apresentado na situação patológica ou anormal.                           A Constituição de 1988, enquanto
                                                                                             conquista legal da sociedade brasileira, deve
                                          Apesar do consenso médico sobre a                  nortear os processos reflexivos e decisórios
                               possibilidade de beneficência da cirurgia de                  sobre questões morais que perpassam a
                               transgenitalização para transexuais, o processo               atenção à saúde das pessoas. A saúde é
                               correcional e normativo operado pelo campo da                 assegurada constitucionalmente como direito
                               medicina merece ser questionado. Ventura
                                                                                             universal e social, o que significa que não
                               (2007) chama a atenção para os problemas                      discrimina as pessoas por quaisquer motivos e
                               éticos relacionados ao uso da biotecnociência                 é reconhecida como determinada por fatores
                               como instrumento de poder político, que                       sociais, para além do viés médico-biológico.
                               articula de maneira paradoxal a ampliação de
                               ofertas na assistência ao exercício do controle e                       As discussões envolvendo gestores,
                               de restrições à liberdade pessoal.                            pesquisadores e sociedade civil, durante o
                                                                                             Seminário Nacional Saúde da População GLBT
                                        Para Ventura (2007) o processo                       na Construção do SUS, realizado em Brasília
                               regulador que condiciona o acesso de                          em 2007, evidenciaram a necessidade de
                               transexuais à assistência fere o princípio da
                                                                                             democratizar a atenção médica, sobretudo
                               autonomia, sendo insuficiente a vontade livre e               referente   às    terapias    hormonais,    para
                               o   consentimento    esclarecido    da    pessoa              transexuais    e     travestis.   Trata-se    de
                               transexual para ter acesso ao procedimento, o                 democratizar     recursos     biomédicos    sem
                               que diferiria da maioria das intervenções                     discriminação,    reconhecendo     os    agravos
                               médicas disponíveis. Não basta decidir pelo
                                                                                             decorrentes da prática social corrente entre
                               procedimento: há de se provar adequar às                      esses grupos do uso indiscriminado de
                               condições exigidas para sua viabilização.                     medicações e da sujeição às aplicações de




                                                                                                                                               4
                               SérieAnis 54, Brasília, LetrasLivres, 1-6, fevereiro, 2008
                                                                                                                                  Versão PDF
ISSN 1518-1324




                                                                   SérieAnis
Número 54, fevereiro de 2008




                               Bioética     Ética    Feminismo         Gênero      Direitos Humanos   Justiça   Desenvolvimento Social




                               silicone liquido industrial para modelagem dos
                               corpos.
                                                                                             CONSELHO      FEDERAL     DE     PSICOLOGIA.
                                          Essas     deveriam   ser    questões               Resolução Nº 01/1999. Estabelece normas
                               remetidas aos comitês de ética, e não questões                de atuação para os psicólogos em relação à
                               de polícia, como afirmam os que associam                      questão    da     Orientação     Sexual.     In
                               essas expressões subjetivas ao desvio moral de                http://www.crpsp.org.br/a_orien/legislacao/fr_
                               conduta. São questões de saúde pública, que                   cfp_001-99.htm (acessado em junho de 2007).
                               implicam a reconsideração crítica dos valores
                               morais comprometedores do acesso aos                          CONSELHO FEDERAL DE SERVIÇO SOCIAL.
                               serviços e à atenção em saúde. Trata-se, no                   Resolução Nº 489/2006. Estabelece normas
                               entanto, de uma tarefa que exigiria um longo                  vedando     condutas      discriminatórias    ou
                               caminho      reflexivo,   bem  como      grande               preconceituosas, por orientação e expressão
                               disponibilidade para lidar com essa população.                sexual por pessoas do mesmo sexo, no
                               Requer reconhecer que transexuais e travestis                 exercício profissional do assistente social,
                               vivenciam situações de extrema vulnerabilidade                regulamentando princípio inscrito no Código de
                               social, e que os agravos decorrentes das                      Ética                               Profissional.
                               precárias soluções encontradas para lidar com o               http://www.rits.org.br/rets/download/campanh
                               sofrimento decorrente do estranhamento em                     as110707.pdf. (acessado em junho de 2007).
                               relação a seus corpos biológicos ou de                        CORRÊA, S. Cruzando a Linha Vermelha:
                               nascimento dizem respeito, fundamentalmente,
                                                                                             questões não resolvidas no debate sobre
                               à omissão ou restrição da ajuda médica                        direitos sexuais, Horizontes Antropológicos,
                               atualmente         possível    em        termos               ano 12, nº. 26, Porto Alegre: UFRGS, 2006, p.
                               biotecnocientíficos.                                          101-121.

                                                                                             DINIZ, D. e GUILHEM, D. O que é bioética.
                               Referências Bibliográficas                                    São Paulo: Editora Brasiliense, 2002.

                               ARÁN, M. A transexualidade e a gramática                      FACCHINI, R., FRANCA, I. L. E VENTURI, G.
                               normativa do sistema sexo-gênero. Ágora –                     Sexualidade, cidadania e homofobia –
                               Estudos em Teoria Psicanalítica, Rio de                       Pesquisa da 10 Parada do Orgulho GLBT de
                               Janeiro: vol. 99 n. 01. Junho de 2006.                        São Paulo – 2006. São Paulo: APOGLBT,
                                                                                             2007.
                               BENEDETTI, M. R. Toda feita – o corpo e o
                               gênero das travestis. Rio de Janeiro:                         GONZÁLEZ, M. De La L. S. y LICONA, N.E.A.
                               Garamond, 2005.                                               Normalización    Del   discurso   homofóbico:
                                                                                             aspectos bioéticos. Acta Bioethica, vol. 12, n.
                               BENTO, B. A reinvenção do corpo –                             02. pp. 211-217, 2006.
                               sexualidade e gênero na experiência
                               transexual, Rio de Janeiro: Garamond, 2006.                   MONTOYA, G.J.M. Aproximación bioética a las
                                                                                             terapias reparativas. Tratamiento para el
                               BORRILLO, D. L’ Homophobie. Paris: Presses                    cambio de la orientación homosexual. Acta
                               Universitaires de France, 2000.                               Bioethica, vol. 12, n. 02, pp. 199-210, 2006.

                               CARRARA, S. e RAMOS, S. Política, direitos,                   OLIVEIRA, N. M. de. Damas de Paus – o jogo
                               violência e homossexualidade – Pesquisa                       aberto dos travestis no espelho da mulher,
                               da 9 Parada do Orgulho GLBT – Rio 2004.                       Salvador: Centro Editorial e Didático, 1994.
                               Rio de Janeiro: CEPESC, 2005.
                                                                                             ORGANIZACAO       MUNDIAL      DA    SAUDE.
                               CARRARA, S., RAMOS, S., SIMOES, J.A. e                        Classificação Estatística Internacional de
                               FACCHINI, R. Política, direitos, violência e                  Doenças e Problemas Relacionados à
                               homossexualidade – Pesquisa da 9 Parada                       Saúde – Décima Revisão – CID 10. acessado in
                               do Orgulho GLBT – São Paulo 2005. Rio de                      http://www.datasus.gov.br/cid10/webhelp/cid1
                               Janeiro: CEPESC, 2006.                                        0.htm em (12 de janeiro de 2008).

                               CONSELHO      FEDERAL       DE     MEDICINA.                  PELÚCIO, L. Toda Quebrada na Plástica –
                               Resolução    1482/97,     dispoe    sobre    o                Corporalidade e construção do gênero entre
                               procedimento de transgenitalizacao e demais                   travestis paulistas, in Campos – Revista de
                               intervençoes sobre gônadas e caracteres                       Antropologia Social, Vol. 6, nº 1 e 2, 2005
                               sexuais           secundários.              In                http://calvados.c3sl.ufpr.br/ojs2/index.php/ca
                               http://www.portalmedico.org.br/resolucoes/cfm                 mpos/issue/view/424 (acessado em 03 de julho
                               /1997/1482_1997.htm (acessado em junho de                     de 2007)
                               2007).
                                                                                             PRINCÍPIOS DE YOGYAKARTA. Princípios
                               CONSELHO      FEDERAL       DE     MEDICINA.                  sobre     a    aplicação    da      legislação
                               Resolução 1.652/2002, dispoe sobre a                          internacional de direitos humanos em
                               cirurgia de transgenitalizaçao e revoga a                     relação à orientação sexual e identidade
                               Resoluçao    1.482/1997.      Consulta     em                 de                 gênero.                  In
                               http://www.portalmedico.org.br/resolucoes/cfm                 http://www.clam.org.br/pdf/principios_de_yogy
                               /2002/1652_2002.htm (acessado em junho de                     akarta.pdf. 2007 (acessado em setembro de
                               2007).                                                        2007).




                                                                                                                                             5
                               SérieAnis 54, Brasília, LetrasLivres, 1-6, fevereiro, 2008
                                                                                                                                Versão PDF
ISSN 1518-1324




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Número 54, fevereiro de 2008




                               Bioética     Ética    Feminismo         Gênero      Direitos Humanos     Justiça      Desenvolvimento Social




                               RIOS, R. R. Direitos sexuais de Gays,
                               Lésbicas e Transgêneros no contexto
                               latino-americano,                         In
                               http://www.clam.org.br/pdf/rogerport.pdf,
                               2005 (acessado em janeiro de 2007).

                               RIOS, R. R. O conceito de homofobia na
                               perspectiva dos direitos humanos e no contexto
                               dos estudos sobre preconceito e discriminação,
                               in RIOS (org.) Em defesa dos direitos
                               sexuais. Porto Alegre: Editora Livraria do
                               Advogado, 2007.

                               RUSSO, J. A. Do desvio ao transtorno: a
                               medicalização da sexualidade na nosografia
                               psiquiátrica contemporânea, in Piscitelli, A.;
                               Gregori, M. F. E Carrara, S. (orgs.).
                               Sexualidade e Saberes: convenções e
                               fronteiras. Rio de Janeiro: Garamond, 2004.

                               SILVA, H. Travestis – entre o espelho e a
                               rua, Rio de Janeiro: Rocco, 2007.

                               UNAIDS,    GCTH,     CICT/SIDA.    Derechos
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                               http://www.onusida.org.co/Derechos%20huma
                               nos%20salud%20y%20VIH.pdf (acessado em
                               dezembro de 2007).

                               VENTURA, M. Transexualismo e respeito à
                               autonomia: um estudo bioético dos aspectos                    Bibliotecária Responsável:
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                               Saúde Pública Sérgio Arouca, 2007.
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Bioetica e sexualidade o desafio para a superacao de praticas correcionais da atencao a saude de travestis e transexuais lionco - 2008

  • 1. ISSN 1518-1324 SérieAnis Número 54, fevereiro de 2008 Bioética Ética Feminismo Gênero Direitos Humanos Justiça Desenvolvimento Social BIOÉTICA E SEXUALIDADE: não-maleficência – a dita bioética principialista O DESAFIO PARA A SUPERAÇÃO DE PRÁTICAS gradativamente abre espaço para a CORRECIONAIS NA ATENÇÃO À SAÚDE DE consideração de condições sociais de TRAVESTIS E TRANSEXUAIS desigualdade que exporiam diferentes grupos à não efetivação desses princípios. A bioética crítica acolhe a consideração das desigualdades TATIANA LIONÇO 1 sociais e da vulnerabilidade de grupos não- hegemônicos como fundamentais para que padrões morais não comprometam os princípios éticos e direitos universais (Diniz e Guilhem, 2002). ABSTRACT A aproximação da bioética ao campo dos direitos humanos se fundamenta no Correction processes and mechanism of medical reconhecimento de processos sociais de power characterize the assistance on health for exclusão e vulnerabilidade de grupos transvestites and transexuals people. The específicos. A Declaração Universal sobre psiquiatric perspective on sexual matters has Bioética e Direitos Humanos, proposta pela been determinant on stablishing norms in the UNESCO em 2005, desempenhou importante field of health assistance. Considering sexuality papel na consolidação dessa perspectiva social by the bioethic perspective is a strategy for e crítica no campo da Bioética. Diante do democratize biotecnocientifics advances and for reconhecimento da relatividade dos padrões surpassing the atual corrective intervencions on morais seja por diferenças culturais, étnicas, the attention for these groups. sociais, econômicas, dentre outras, a KEY WORDS: transexuality; transvestism; Declaração Universal dos Direitos Humanos das transexuality; colective health; bioethics. Nações Unidas, bem como as discussões subseqüentes ocorridas nas convenções e conferências, são instrumentos internacionais que podem ser considerados consensuais e, RESUMO portanto, referenciais privilegiados para guiar Mecanismos de poder e de normatização decisões éticas sobre os complexos conflitos atravessam a assistência à saúde de pessoas morais que permeiam o cotidiano da atenção às travestis e transexuais. A psiquiatrização da pessoas em diferentes condições. sexualidade vem sendo o discurso imperativo Embora se possa afirmar que a na definição de regulamentações específicas no sexualidade tenha sido reconhecida como um campo da atenção à saúde relativamente ao direito humano, ao ser pautada nas exercício da sexualidade. A consideração Conferências das Nações Unidas de Cairo bioética da sexualidade é fundamental para (1994) e Pequim (1995), sua tímida garantir direitos sociais a grupos que não se consideração esteve restrita à necessidade do enquadram no padrão binário e heterossexual enfrentamento da violência contra a mulher e vigente, democratizando os avanços de questões relativas à saúde sexual e biotecnocientíficos e resgatando travestis e reprodutiva na perspectiva do planejamento transexuais do quadro de desassistência ou da familiar, excluindo do debate outros atores submissão a medidas correcionais no campo da sociais que têm seus direitos humanos violados atenção à saúde. em função da sexualidade, tais como gays, PALAVRAS-CHAVE: transexualidade; travestismo; lésbicas, bissexuais, travestis e transexuais transexualismo; saúde coletiva; bioética. (GLBT) e profissionais do sexo (Correa, 2006). Vale destacar algumas iniciativas no âmbito internacional que evidenciam a ___ necessidade, no entanto, de avançar na discussão sobre direitos sexuais como direitos humanos. A Conferência Internacional de Direitos Humanos de GLBT, ocorrida no Canadá A bioética atualmente representa em 2006, teve como resultado formal a importante ferramenta ético-política para o proposição da Declaração de Montreal, questionamento de processos normatizadores sinalizando a necessidade de respeitar as que perpassam a atenção à saúde. Permite relações sexuais consentidas entre adultos do considerar criticamente práticas de assistência mesmo sexo, reconhecendo a existência de (ou mesmo a desassistência) sustentadas em processos discriminatórios e de violência nos preceitos morais que comprometem a âmbitos privado e do Estado, e demandando universalidade do direito à saúde. liberdade de expressão, articulação e O campo da bioética é interdisciplinar associação de GLBT em defesa de seus direitos. e pode ser genericamente compreendido como Em 2007, especialistas de diversos o da aplicação da ética a conflitos morais que países se reuniram na Indonésia para a atravessam a atenção e a pesquisa em saúde. discussão e recomendação dos Princípios de Inicialmente fundamentada em princípios Yogyakarta (2007), que buscam reafirmar a universais – justiça, autonomia, beneficência e universalidade dos direitos humanos e o direito 1 SérieAnis 54, Brasília, LetrasLivres, 1-6, fevereiro, 2008 Versão PDF
  • 2. ISSN 1518-1324 SérieAnis Número 54, fevereiro de 2008 Bioética Ética Feminismo Gênero Direitos Humanos Justiça Desenvolvimento Social à não discriminação por orientação sexual e desejo heterossexual um dispositivo de identidade de gênero. Apesar de não serem reprodução da ordem social que espelha o ainda temas consolidados nas pautas das dispositivo da reprodução da espécie. Nações Unidas, a orientação sexual não heterossexual e as identidades de gênero não Rios (2007) propõe alargar a noção condizentes com o sexo biológico vêm sendo de homofobia para travestis e transexuais, reconhecidas como fatores de vulnerabilidade à além de fazer referência a homossexuais, violação dos direitos sociais e humanos, evidenciando o prejuízo social decorrente não demandando reflexão sobre os processos apenas da não adequação ao padrão homofóbicos e de violência e discriminação heterossexual, mas também ao binarismo contra GLBT. sexista que inferioriza o gênero feminino e que naturaliza a concepção dicotômica e ao mesmo Também merece destaque a iniciativa tempo complementar da relação entre os da UNAIDS (2006) na apresentação do Guia de sexos. Nessa perspectiva, homens Ações Estratégicas para Prevenir e Combater a homossexuais afeminados, transexuais e Discriminação por Orientação Sexual e travestis estariam sujeitos ao estigma sexista, Identidade de Gênero – Direitos Humanos, replicando as desigualdades de gênero Saúde e HIV –, em que se recomenda o repúdio características da sociedade patriarcal. a iniciativas de programas e ações que visem tratar e/ou curar a orientação sexual e a A homofobia, nesse sentido ampliado, identidade de gênero de qualquer pessoa. teria como efeito a materialização, no plano concreto das relações sociais, de prejuízos Rios (2006) evidencia que no originados no preconceito, gerando a violação contexto latino-americano a situação dos de direitos contra indivíduos e grupos direitos sociais de travestis e transexuais estigmatizados e discriminados em relação à carecem de regulamentações fundamentadas norma moral para a conduta sexual (Borrillo, nos direitos humanos, prevalecendo 2000; Rios, 2007). abordagens biomédicas, no caso de transexuais, e da noção de criminalidade e da Para Gonzáles e Licona (2006), o necessidade de repressão relativa às práticas discurso homofóbico se reproduz também na sociais de travestis. área da saúde, campo em que o direito à autonomia deveria ser respeitado e no qual não Nesse artigo busca-se sensibilizar seria aceitável tomar as normas estabelecidas para a necessidade de refletir sobre pela maioria como parâmetros éticos. Montoya mecanismos de poder e de normatização que (2002) também chama a atenção para o atravessam a assistência à saúde de pessoas estabelecimento social de prescrições morais no travestis e transexuais. A consideração da campo da sexualidade humana, demandando sexualidade como dimensão da experiência reflexão sobre os processos de domesticação e humana sujeita a padrões morais rígidos é normatização operados no campo da saúde por fundamental para garantir direitos sociais a meio da patologização e reparação das grupos que não se enquadram no padrão experiências sexuais. Para Montoya (2002) as binário e heterossexual vigente. É necessário terapias reparativas ou correcionais, que frisar que a psiquiatrização da sexualidade vem tomam como objeto a sexualidade suposta sendo o discurso imperativo na definição de como patológica, se sustentam na visão da regulamentações específicas no campo da psiquiatria como protetora da normalidade atenção à saúde relativamente ao exercício da social e sexual, que justificariam correções sexualidade. A patologização e inferiorização seja na conformação dos corpos (no caso de das práticas e vivências relativas à sexualidade, hermafroditismo), seja na dimensão do desvio no entanto, tem comprometido o acesso e a de conduta, do que seria considerado imoral. qualidade da atenção dispensada a pessoas que não se enquadram na lógica relacional A retirada do termo homossexualismo heterossexual, ou que expressam sua da Classificação Estatística Internacional de subjetividade em apresentações sociais da Doenças e Problemas Relacionados à Saúde da masculinidade e/ou feminilidade em Organização Mundial da Saúde (CID/ OMS), na discordância com o sexo biológico de década de 80, teve como efeito, no Brasil, o nascimento. estabelecimento de normas de conduta por parte de profissionais da saúde. O Conselho Federal de Psicologia, por meio da Resolução N° 01/1999 estabelece normas de atuação para Homofobia, psiquiatrização e práticas os psicólogos diante das homossexualidades, correcionais vetando quaisquer práticas reparadoras ou curativas, sob a justificativa de não ser A homofobia se fundamenta na crença da superioridade e legitimidade da patológica a condição homossexual. Já o heterossexualidade sobre as demais formas de Conselho Federal de Serviço Social apresentou relação sexual e expressão do afeto. Para a Resolução N° 469/2006, também vetando a Borrillo (2000) o sexismo e a homofobia assistentes sociais atitudes preconceituosas e discriminatórias por orientação sexual no emergem como conseqüência do regime binário da sexualidade, sendo a suposição da exercício profissional. Essas medidas naturalização da diferença dos gêneros e do reguladoras são conquistas importantes para a garantia do direito à saúde de homossexuais, 2 SérieAnis 54, Brasília, LetrasLivres, 1-6, fevereiro, 2008 Versão PDF
  • 3. ISSN 1518-1324 SérieAnis Número 54, fevereiro de 2008 Bioética Ética Feminismo Gênero Direitos Humanos Justiça Desenvolvimento Social apesar da evidência de que o preconceito pessoa do sexo oposto, e está enquadrado compromete a qualidade da assistência à como parafilia, termo contemporâneo para a saúde, tal como evidenciado nas pesquisas com perversão, junto a outras práticas e expressões amostras da população GLBT nas Paradas do da sexualidade associadas ao desvio de Orgulho GLBT (Facchini, França e Venturi, conduta, como, por exemplo, a pedofilia e o 2007; Carrara et al, 2006; Carrara e Ramos, exibicionismo. 2005). As normas são, contudo, senão soluções, ao menos instrumentos de coerção O que chama à atenção é o fato da para abusos da incidência de valores morais descrição do transexualismo incluir, como homofóbicos na atenção. critério diagnóstico, o desejo pela intervenção médica oferecida como solução para o dito Apesar dessa relativa proteção transtorno, o que permite afirmar que o próprio normativa concedida a gays, lésbicas e saber médico é determinante na caracterização bissexuais por meio das resoluções dos do tipo de quadro patológico, ou, dito em conselhos de psicologia e serviço social, a outros termos, a própria medicina estaria condição subjetiva de transexuais e travestis é promovendo um certo ordenamento subjetivo. considerada patológica, constando atualmente A oferta médica praticamente cria o modo como nos compêndios nosográficos médicos. o sofrimento e a demanda de ajuda destes indivíduos é enunciada na contemporaneidade e Para Russo (2004), a medicina que, curiosamente, passa a determinar a psiquiátrica posterior à década de 80 vem ‘identidade’ do transexual, sendo um critério contribuindo enormemente para a diagnóstico. caracterização psicopatológica das manifestações da sexualidade. Para a autora, o Por outro lado, ambas as definições lançamento da terceira versão do Manual de de travestismo não contemplam o que estudos Diagnóstico e Estatística de Distúrbios Mentais etnográficos vem acumulando como descrição da Associação Psiquiátrica Americana (DSM do modo de vida das travestis brasileiras, que III/APA), em 1980, elevou de modo buscam alterações permanentes nos caracteres significativo os transtornos/desvios sexuais secundários e vivem permanentemente relacionados à sexualidade e ao gênero, apesar o papel feminino, apesar de não sentirem da retirada do termo homossexualismo nessa necessidade de corrigir a genitália edição do manual. cirurgicamente. Ser travesti é investir permanentemente na construção de um corpo a Para Arán (2006), a norma ser reconhecido pelo outro como um corpo heterossexual e reprodutiva no campo da feminino. Diferentemente das transexuais, no sexualidade fundamentou a psiquiatrização do entanto, as travestis não afirmam uma prazer dito perverso. A homossexualidade teria identidade feminina estrita, mas ostentam a ocupado, desde meados do século XIX, o centro androginia (Oliveira, 1994; Benedetti, 2005; organizador do discurso sobre o desvio sexual, Pelúcio, 2005; Silva, 2007). sendo a categoria de transexualismo uma derivação mais recente da compreensão dos Pode-se afirmar que transexuais e processos psicopatológicos relativos à travestis são sujeitos que se constituem experiência da sexualidade. Podemos estender identitariamente como indivíduos pertencentes este raciocínio também para as nosologias de a um gênero que não corresponde linearmente travestismo (bivalente e fetichista) que ao sexo de nascimento, sendo a diferença atualmente também constam nos manuais fundamental o fato de as travestis sustentarem diagnósticos. uma ambigüidade ou duplicidade sexual na própria constituição identitária. A CID 10 (OMS) faz referência a ‘transtornos de identidade sexual’, que inclui o Os avanços nas tecnologias transexualismo como um desejo persistente de biomédicas permitem atualmente a alteração viver e ser reconhecido como um membro do dos caracteres sexuais secundários mediante sexo oposto, implicando um desconforto em hormonioterapias. Da mesma forma, relação ao sexo anatômico e busca de procedimentos de alteração plástica e funcional tratamentos hormonais e cirúrgicos, visando a na genitália, inicialmente aplicados a casos de adequaçao do corpo tanto quanto possível ao ambigüidade ou lesão grave no órgão genital, sexo preferido. Dentro dessa mesma categoria são no momento estendidos a pessoas que não consta o travestismo bivalente, que implica no apresentam disfunções orgânicas que uso de vestimentas do sexo oposto durante justificassem essas medidas reparadoras, desde uma parte da existência, de modo a satisfazer a a inclusão da psicopatologia transexualismo nos experiência temporária de pertencer ao sexo compêndios nosográficos, e desde a consensual oposto, mas sem desejo de alteração sexual compreensão do caráter terapêutico ou de mais permanente ou de uma transformação beneficiencia do procedimento de cirúrgica. O travestismo também está transgenitalização nesses casos. contemplado dentre a categoria de parafilias, na CID 10, sob a denominação travestismo Este é o ponto central da reflexão fetichista. Nessa segunda vertente o aqui apresentada: apesar de viverem travestismo é descrito como o hábito de vestir experiências bastante próximas no sentido de roupas do sexo oposto com o objetivo de obter buscar a transformação corporal permanente e excitação sexual e de criar a aparência de o desenvolvimento de caracteres sexuais que 3 SérieAnis 54, Brasília, LetrasLivres, 1-6, fevereiro, 2008 Versão PDF
  • 4. ISSN 1518-1324 SérieAnis Número 54, fevereiro de 2008 Bioética Ética Feminismo Gênero Direitos Humanos Justiça Desenvolvimento Social endossassem a identidade de gênero, travestis As condições estipuladas pelas e transexuais encontram no diagnóstico resoluções do Conselho Federal de Medicina diferencial um grande divisor de águas. O para o acesso à cirurgia de transgenitaliação, Conselho Federal de Medicina dispõe de uma bem como à hormonioterapia, são vagas: regulamentação sobre os procedimentos diagnóstico de transexualismo, maioridade legal médicos de alteração dos caracteres sexuais e acompanhamento de ao menos 2 anos por para casos de transexualismo, restando as equipe multiprofissional. Bento (2006) travestis excluídas da atenção e relegadas à esclarece que no processo de avaliação de auto-medicação, ou mesmo à ação das candidatos transexuais às cirurgias de bombadeiras – travestis que injetam silicone transgenitalização se operam mecanismos de industrial para a modelagem dos corpos das poder e de normatização das condutas. O travestis (Benedetti, 2005; Pelúcio, 2005). dispositivo da transexualidade firmaria rígidas normas de conduta a esses indivíduos, A hipótese aqui sustentada é a de destinados a provar serem verdadeiros que a regulamentação da aplicabilidade da transexuais, correspondendo caricatamente aos cirurgia de transgenitalização e demais estereótipos de gênero vigentes, bem como procedimentos sobre gônadas e caracteres adequando-se à norma heterossexual. sexuais secundários (através da Resolução 1.482/1997 do Conselho Federal de Medicina, posteriormente revogada pela Resolução 1.652/2002 do mesmo órgão) é restrita a casos Considerações finais de transexualismo porque se compreende, No caso de transexuais e travestis, o mediante a reparação cirúrgica, que uma certa poder médico impõe restrições normativas e ‘normalidade’ poderia ser restituída. Já as interdições para o acesso aos procedimentos travestis não demandam essa correção, que incidem sobre transformações corporais de reafirmando a insuficiência da lógica binária em caracteres sexuais, intermediando de forma dar conta das experiências subjetivas de reguladora o acesso aos bens e avanços posicionamento diante da diferença sexual para biotecnológicos. esse grupo social, e, portanto, excluídas do acesso à atenção e dos recursos biomédicos Como afirma Ventura (2007), o poder existentes em seus processos de transformação médico não apenas regula o acesso aos corporais. recursos de saúde disponíveis para a superação do desconforto em relação ao próprio corpo e Do ponto de vista médico, a do desejo de transformação dos caracteres afirmação do sentimento de pertencimento a sexuais. O poder médico impede o acesso a um determinado gênero – masculino ou esses recursos. Está impedido o acesso a esses feminino – em desacordo com a atribuição do recursos biomédicos àqueles indivíduos que não sexo estabelecida pela estética anatômica no aderem integralmente à proposta terapêutica momento do nascimento, encontra, como regulamentada. O que está sendo impedido não medida terapêutica, a re-adequaçao cirúrgica é apenas o acesso a um procedimento cirúrgico da genitália para corresponder à identidade de ou de redução de danos pelo uso de hormônios. gênero, compreendida como estruturante e não Está sendo negado o acesso às condições passível de alteração por tratamentos necessárias para a livre expressão da psíquicos. A cirurgia seria, portanto, a correção personalidade e da vivência da cidadania. ou o tratamento para o transtorno identitário apresentado na situação patológica ou anormal. A Constituição de 1988, enquanto conquista legal da sociedade brasileira, deve Apesar do consenso médico sobre a nortear os processos reflexivos e decisórios possibilidade de beneficência da cirurgia de sobre questões morais que perpassam a transgenitalização para transexuais, o processo atenção à saúde das pessoas. A saúde é correcional e normativo operado pelo campo da assegurada constitucionalmente como direito medicina merece ser questionado. Ventura universal e social, o que significa que não (2007) chama a atenção para os problemas discrimina as pessoas por quaisquer motivos e éticos relacionados ao uso da biotecnociência é reconhecida como determinada por fatores como instrumento de poder político, que sociais, para além do viés médico-biológico. articula de maneira paradoxal a ampliação de ofertas na assistência ao exercício do controle e As discussões envolvendo gestores, de restrições à liberdade pessoal. pesquisadores e sociedade civil, durante o Seminário Nacional Saúde da População GLBT Para Ventura (2007) o processo na Construção do SUS, realizado em Brasília regulador que condiciona o acesso de em 2007, evidenciaram a necessidade de transexuais à assistência fere o princípio da democratizar a atenção médica, sobretudo autonomia, sendo insuficiente a vontade livre e referente às terapias hormonais, para o consentimento esclarecido da pessoa transexuais e travestis. Trata-se de transexual para ter acesso ao procedimento, o democratizar recursos biomédicos sem que diferiria da maioria das intervenções discriminação, reconhecendo os agravos médicas disponíveis. Não basta decidir pelo decorrentes da prática social corrente entre procedimento: há de se provar adequar às esses grupos do uso indiscriminado de condições exigidas para sua viabilização. medicações e da sujeição às aplicações de 4 SérieAnis 54, Brasília, LetrasLivres, 1-6, fevereiro, 2008 Versão PDF
  • 5. ISSN 1518-1324 SérieAnis Número 54, fevereiro de 2008 Bioética Ética Feminismo Gênero Direitos Humanos Justiça Desenvolvimento Social silicone liquido industrial para modelagem dos corpos. CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA. Essas deveriam ser questões Resolução Nº 01/1999. Estabelece normas remetidas aos comitês de ética, e não questões de atuação para os psicólogos em relação à de polícia, como afirmam os que associam questão da Orientação Sexual. In essas expressões subjetivas ao desvio moral de http://www.crpsp.org.br/a_orien/legislacao/fr_ conduta. São questões de saúde pública, que cfp_001-99.htm (acessado em junho de 2007). implicam a reconsideração crítica dos valores morais comprometedores do acesso aos CONSELHO FEDERAL DE SERVIÇO SOCIAL. serviços e à atenção em saúde. Trata-se, no Resolução Nº 489/2006. Estabelece normas entanto, de uma tarefa que exigiria um longo vedando condutas discriminatórias ou caminho reflexivo, bem como grande preconceituosas, por orientação e expressão disponibilidade para lidar com essa população. sexual por pessoas do mesmo sexo, no Requer reconhecer que transexuais e travestis exercício profissional do assistente social, vivenciam situações de extrema vulnerabilidade regulamentando princípio inscrito no Código de social, e que os agravos decorrentes das Ética Profissional. precárias soluções encontradas para lidar com o http://www.rits.org.br/rets/download/campanh sofrimento decorrente do estranhamento em as110707.pdf. (acessado em junho de 2007). relação a seus corpos biológicos ou de CORRÊA, S. Cruzando a Linha Vermelha: nascimento dizem respeito, fundamentalmente, questões não resolvidas no debate sobre à omissão ou restrição da ajuda médica direitos sexuais, Horizontes Antropológicos, atualmente possível em termos ano 12, nº. 26, Porto Alegre: UFRGS, 2006, p. biotecnocientíficos. 101-121. DINIZ, D. e GUILHEM, D. O que é bioética. Referências Bibliográficas São Paulo: Editora Brasiliense, 2002. ARÁN, M. A transexualidade e a gramática FACCHINI, R., FRANCA, I. L. E VENTURI, G. normativa do sistema sexo-gênero. Ágora – Sexualidade, cidadania e homofobia – Estudos em Teoria Psicanalítica, Rio de Pesquisa da 10 Parada do Orgulho GLBT de Janeiro: vol. 99 n. 01. Junho de 2006. São Paulo – 2006. São Paulo: APOGLBT, 2007. BENEDETTI, M. R. Toda feita – o corpo e o gênero das travestis. Rio de Janeiro: GONZÁLEZ, M. De La L. S. y LICONA, N.E.A. Garamond, 2005. Normalización Del discurso homofóbico: aspectos bioéticos. Acta Bioethica, vol. 12, n. BENTO, B. A reinvenção do corpo – 02. pp. 211-217, 2006. sexualidade e gênero na experiência transexual, Rio de Janeiro: Garamond, 2006. MONTOYA, G.J.M. Aproximación bioética a las terapias reparativas. Tratamiento para el BORRILLO, D. L’ Homophobie. Paris: Presses cambio de la orientación homosexual. Acta Universitaires de France, 2000. Bioethica, vol. 12, n. 02, pp. 199-210, 2006. CARRARA, S. e RAMOS, S. Política, direitos, OLIVEIRA, N. M. de. Damas de Paus – o jogo violência e homossexualidade – Pesquisa aberto dos travestis no espelho da mulher, da 9 Parada do Orgulho GLBT – Rio 2004. Salvador: Centro Editorial e Didático, 1994. Rio de Janeiro: CEPESC, 2005. ORGANIZACAO MUNDIAL DA SAUDE. CARRARA, S., RAMOS, S., SIMOES, J.A. e Classificação Estatística Internacional de FACCHINI, R. Política, direitos, violência e Doenças e Problemas Relacionados à homossexualidade – Pesquisa da 9 Parada Saúde – Décima Revisão – CID 10. acessado in do Orgulho GLBT – São Paulo 2005. Rio de http://www.datasus.gov.br/cid10/webhelp/cid1 Janeiro: CEPESC, 2006. 0.htm em (12 de janeiro de 2008). CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA. PELÚCIO, L. Toda Quebrada na Plástica – Resolução 1482/97, dispoe sobre o Corporalidade e construção do gênero entre procedimento de transgenitalizacao e demais travestis paulistas, in Campos – Revista de intervençoes sobre gônadas e caracteres Antropologia Social, Vol. 6, nº 1 e 2, 2005 sexuais secundários. In http://calvados.c3sl.ufpr.br/ojs2/index.php/ca http://www.portalmedico.org.br/resolucoes/cfm mpos/issue/view/424 (acessado em 03 de julho /1997/1482_1997.htm (acessado em junho de de 2007) 2007). PRINCÍPIOS DE YOGYAKARTA. Princípios CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA. sobre a aplicação da legislação Resolução 1.652/2002, dispoe sobre a internacional de direitos humanos em cirurgia de transgenitalizaçao e revoga a relação à orientação sexual e identidade Resoluçao 1.482/1997. Consulta em de gênero. In http://www.portalmedico.org.br/resolucoes/cfm http://www.clam.org.br/pdf/principios_de_yogy /2002/1652_2002.htm (acessado em junho de akarta.pdf. 2007 (acessado em setembro de 2007). 2007). 5 SérieAnis 54, Brasília, LetrasLivres, 1-6, fevereiro, 2008 Versão PDF
  • 6. ISSN 1518-1324 SérieAnis Número 54, fevereiro de 2008 Bioética Ética Feminismo Gênero Direitos Humanos Justiça Desenvolvimento Social RIOS, R. R. Direitos sexuais de Gays, Lésbicas e Transgêneros no contexto latino-americano, In http://www.clam.org.br/pdf/rogerport.pdf, 2005 (acessado em janeiro de 2007). RIOS, R. R. O conceito de homofobia na perspectiva dos direitos humanos e no contexto dos estudos sobre preconceito e discriminação, in RIOS (org.) Em defesa dos direitos sexuais. Porto Alegre: Editora Livraria do Advogado, 2007. RUSSO, J. A. Do desvio ao transtorno: a medicalização da sexualidade na nosografia psiquiátrica contemporânea, in Piscitelli, A.; Gregori, M. F. E Carrara, S. (orgs.). Sexualidade e Saberes: convenções e fronteiras. Rio de Janeiro: Garamond, 2004. SILVA, H. Travestis – entre o espelho e a rua, Rio de Janeiro: Rocco, 2007. UNAIDS, GCTH, CICT/SIDA. Derechos Humanos, salud y HIV - Guia de acciones estratégicas para prevenir y combatir la discriminación por orientación sexual e identidad de gênero, 2006, in http://www.onusida.org.co/Derechos%20huma nos%20salud%20y%20VIH.pdf (acessado em dezembro de 2007). VENTURA, M. Transexualismo e respeito à autonomia: um estudo bioético dos aspectos Bibliotecária Responsável: jurídicos e de saúde da “ terapia de mudança Kátia Soares Braga (CRB/DF 1522) de sexo”. Rio de Janeiro: Dissertação de Mestrado apresentada à Escola Nacional de Editora Científica: Debora Diniz Saúde Pública Sérgio Arouca, 2007. Editores Executivos: Cristiano Guedes Fabiana Paranhos 1 Tatiana Lionço é Doutora em Psicologia pela Conselho Editorial: Universidade de Brasília e pesquisadora da Anis - Instituto de Bioética, Direitos Humanos e Alessandra Barros Gênero. Dirce Guilhem Marilena Corrêa Roger Raupp Rios Sérgio Ibiapina Costa Silvia Yannoulas Tatiana Lionço Qualis Filosofia/Teologia/A Local/Capes Qualis Saúde Coletiva/C Nacional/Capes A SérieAnis é uma publicação seriada da Anis para divulgação de resultados de pesquisa sobre ética, bioética, direitos humanos, direitos reprodutivos, sexualidade, gênero, feminismo, deficiência, desigualdade, raça e justiça social. São publicados trabalhos originais, cujo objetivo é promover a discussão acadêmica. Tiragem: 50 exemplares Endereço: Editora LetrasLivres Caixa Postal 8011 CEP 70.673-970 Brasília-DF Brasil +55 61 3343 1731 serieanis@anis.org.br 6 SérieAnis 54, Brasília, LetrasLivres, 1-6, fevereiro, 2008 Versão PDF