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Introdução
       No Brasil, é importante perceber que são poucos os estudos sobre a
masculinidade, como ela é construída individualmente, suas características primordiais,
e onde elas se manifestam no dia a dia.
       Pensando numa frase de Maciel Jr. (2006), “Muito além do sexo, os homens não
nascem homens, tornam-se homens” (p. 9) é importante relembrar que a mesma coisa
que Simone de Beauvoir afirma para as mulheres, vale também para os homens: a
masculinidade mantém-se em constante movimento e isso não apenas diferencia uma
mulher de um homem, mas um homem de outro. Além disso, não é a característica
física que miraculosamente dá ao homem biológico, ou ao homem transexual (por mais
que as bases biológicas da transexualidade estejam sendo ainda confirmadas) sua
masculinidade: ela é construída, muito além do que o biológico apresenta ou
potencializa.
       É relevante também ressaltar que a masculinidade hegemônica perpassa as
masculinidades subordinadas: cada indivíduo constrói-se a partir de uma história de
vida durante o desenrolar de seu ciclo vital, dos acontecimentos sócio-econômicos e
históricos e da cultura inserida em determinado espaço geográfico.
       Segundo Connelll (apud Maciel Jr.,2006)
                          “masculinidade hegemônica pode ser definida como a
                  configuração de uma prática de gênero que incorpora a resposta
                  aceita ao problema de legitimidade do patriarcado, que garante
                  (ou que se ocupa em garantir) a posição dominante dos homens e
                  a subordinação das mulheres” (p. 55)
       Portanto, a masculinidade hegemônica refere-se a uma dinâmica cultural pela
qual um grupo exige e sustenta uma posição de poder na vida social. Ela constrói-se na
relação com outras masculinidades e feminilidades, submetendo-as e dissimulando-as.
Há masculinidades dominantes, ou seja, consideradas hierarquicamente superiores, e
outras cúmplices, subordinadas ou marginalizadas, que são transformadas em duvidosas
e desprezíveis.
       A masculinidade hegemônica refere-se ao homem “normal, verdadeiro”, viril na
aparência e nas atitudes, não efeminado, ativo e dominante. Segundo Connell (1995) as
outras masculinidades todas, como a gay e a transexual, por exemplo, são
masculinidades subordinadas.

                                                                                     1
De acordo com Maciel Jr. (2006) a “masculinidade hegemônica é um modelo
dificilmente alcançado por todos os homens, embora tenha ascendência sobre os demais
modelos” (p.60). Oliveira (2004) afirma que a masculinidade
                         “(...) destacou-se como valor básico sobre o qual a
               sociedade burguesa construiu sua auto-imagem. Os “desviantes”
               forneciam o modelo às avessas, “contratipo” que figurava a
               antinorma, o antiparadigma do homem burguês.”(p.78)
       Esta pesquisa se propõe a investigar como a masculinidade é construída por
homens transexuais, homo e heterossexuais, para que se possa refletir sobre como a
masculinidade hegemônica permeia os ideais e o imaginário social. A compreensão das
articulações e negociações entre a masculinidade hegemônica e as subordinadas ao
longo da história dos participantes permitirão uma reflexão sobre as comunalidades e
diferenças entre eles.
       Podemos evidenciar que a relação entre masculinidade e homoafetividade muitas
vezes é deixada em detrimento da não-relação entre sexualidade e gênero, que muitas
vezes é abordada na literatura queer, como é o caso de Sullivan (2003) ou Jagose(1996).
Porém é algo que devemos nos deter de modo a comprovar ou modificar tais
afirmações, de modo a entender melhor como esta relação (se é que ela existe) ocorre.
       A partir de pesquisas anteriores (Carvalho, Lopes e Ghetler, 2008; Bento, 2006)
verificou-se também que o tema da transexualidade é muito pouco abordado pela
Psicologia. Faltam principalmente conhecimentos acerca dos homens transexuais
(pessoas com o sexo feminino e gênero masculino), que são menos evidenciáveis
devido à dificuldade da cirurgia de transgenitalização (pelo risco que ela traz de um
processo de necrose do neo-falo, e pelo preço). De acordo com Saadeh (2004) eles
também são minoria se comparados às mulheres transexuais (pessoas com o sexo
biológico masculino e gênero feminino), numa proporção que varia mundialmente de
1:1 a 1:4.
        Para entendermos do que se trata o trabalho, é preciso explicar alguns conceitos
chave que irão nortear a pesquisa.
       A transexualidade de acordo com Bento (2008) é a


                           “Dimensão identitária localizada no gênero, e se
               caracteriza pelos conflitos potenciais com as normas de gênero à
               medida    que   as   pessoas   que   a   vivem   reivindicam   o

                                                                                        2
reconhecimento social e legal do gênero diferente ao informado
               pelo     sexo,     independentemente     da    cirurgia    de
               transegenitalização” (p. 144).



       Ou seja, é um fenômeno que se origina da dissonância entre o sexo biológico e a
identidade de gênero de um indivíduo situado em determinada sociedade em um dado
momento histórico e situação geográfica. Por esta razão diferencia-se do travesti, que de
acordo com Kulick (2008), as travestis “consideram sinal de psicose o caso de homens
que pretendem ser mulheres” (p.102), ou seja, por mais que mudem sua aparência para
uma que denuncia traços das normas de gênero oposto ao sexo, não sentem-se em
discrepância com seu sexo biológico. Também se diferenciam dos homossexuais, pois,
como Rubin (1989) afirma, sexualidade e gênero são âmbitos completamente diferentes
e se a escolha de um indivíduo é homoerótica não significa necessariamente que suas
características de gênero irão se alterar. Essas confusões entre travestis, gays e
transexuais sempre foram muito comuns, pois como cita Bento (2006) apenas nas
décadas de 60 e 70 eles foram diferenciados pela Ciência e muitas dúvidas e preconceito
ainda se mantêm.
       O fenômeno da transexualidade é bastante incomum na sociedade ocidental, e
considerado pela medicina como expressão de gênero não pertencente à normalidade.
Por isso pode ser encontrado inclusive no DSM-IV pelo termo de transtorno de
identidade de gênero e transexualismo, no CID-10. É importante perceber que há
intersecções entre a Psicologia e a Medicina na busca de compreensão do fenômeno
transexual. Grande parte dos psicólogos referem-se ainda ao fenômeno com o termo
transexualismo, e chamam os indivíduos com esta característica de transexuais
masculinos, quando o sexo biológico é masculino e vice-versa, dando maior ênfase ao
corpo biológico e não ao gênero.
       No entanto, se formos observar o fenômeno transexual com as/os próprias/os
transexuais e alguns psicólogos com quem se entrou em contato, percebe-se que não
necessariamente os próprios transexuais vão se auto-denominar desta forma. Aliás,
preferem ser chamados pelo gênero que assumem, minimizando a importância do
próprio corpo. Foi por este motivo que neste trabalho foi utilizada a denominação
homem transexual, para respeitar os colaboradores da pesquisa e percebê-los como
realmente são ou como querem se tornar.

                                                                                       3
É também importante salientar que, como Bento (2008) afirma, não
necessariamente estes indivíduos vão ter desconforto com seu próprio corpo; existem
transexuais que preferem não fazer a cirurgia de re-designação sexual como podemos
perceber de P. (Carvalho, Lopes e Ghetler, 2008), uma mulher transexual com a qual
entrou-se em contato para pesquisas anteriores, que afirma que, por não ser mais tão
jovem, e pelo fato de que é algo muito íntimo com que não deixa ninguém ter contato,
não mudaria em seu corpo. Porém o nome é algo extremamente importante para ela,
pois só dessa forma ela pode exercer sua profissão. Sendo que obteve muitos feitos com
a identidade masculina, dos quais é muito orgulhosa, na arquitetura, só pode recobrá-los
após sua alteração de nome.
         Outro caso é de E., que logo ao falar com seu psicólogo, no começo da transição,
avisou-o de que não faria a cirurgia, pois não sentia isso como necessidade e não
percebia sua genitália como parte integrante de um gênero específico ou não. Oito anos
depois, é uma mulher em aparência que vive com seu marido e filhos (filhos seus com
outra esposa) e continua sem ter feito a cirurgia. Considera-se mulher como qualquer
outra.
         Preferiu-se, portanto, utilizar a denominação de Bento (2008) de transexualidade
por ser mais generalista e, assim, não descartarmos sujeitos que fogem às regras
diagnósticas, mesmo que a característica fundamental da transexualidade, a
incongruência de sexo e gênero e o possível sofrimento a respeito das normas sociais
associadas ao sexo biológico também se encontre nos manuais diagnósticos.
         É crucial pensar na homoafetividade aqui como sendo apenas o fato de alguém
de um gênero específico sentir-se atraído emocionalmente por alguém do mesmo gênero
que o seu, visto que existem variações sobre o que a homoafetividade significa
enquanto sexualidade, gênero, e o efetuar deste desejo ou não. Desta forma, nas
entrevistas, foi respeitado o critério dos entrevistados, de modo a perceber da forma
mais concreta o que isto significa para eles.
         É importante também diferenciar sexo e gênero, pois em grande parte da história,
acreditou-se que os dois necessariamente andavam de mãos dadas e isso não é completamente
verdadeiro.

         O sexo de um indivíduo é atribuído pelas bases biológicas cientificamente formuladas.
Isso implica atualmente nos caracteres sexuais presentes, sendo eles primários (gônadas, órgãos
sexuais tais como pênis, útero e caracteres genéticos) e secundários (protusão de mamas,
                                                                                             4
localização de depósitos de gordura, localização de pêlos, densidade óssea, diferença de
quantidade de hormônios sexuais tais como progesterona, testosterona, estrógeno, entre outros).

        Já gênero é uma denominação criada nos entremeios dos movimentos feministas para
designar, de acordo com de Barbieri (1990) “el sexo socialmente construído” e

                             “En otras palabras: los sistemas de género/sexo son los
                   conjuntos de prácticas, símbolos, representaciones, normas y
                   valores sociales que las sociedades elaboran a partir de la
                   diferencia sexual anátomo-fisiológica y que dan sentido a la
                   satisfacción de los impulsos sexuales, a la reproducción de las
                   especie humana y en general al relacionamiento entre las
                              1
                   personas”. (p.100)

        Com essa frase, entende-se que gênero é o sexo socialmente construído: refere-se a
relações de poder (homem-homem; mulher-mulher; homem-mulher) que se inscrevem num
determinado momento histórico e espaço geográfico. Articula-se com outras desigualdades
como as raciais, étnicas, geracionais, de nível sócio-econômico, etc, como se refere Connelll
(2000) ao dizer que essa bimodalidade é construída socialmente, mantendo-se apenas pelas
relações de poder, que são veiculadas por práticas e discursos nem sempre coincidentes.

Beauvoir (apud Bento, 2006) completa:

                            “em verdade, basta passear de olhos abertos para
                   comprovar que a humanidade se reparte em duas categorias de
                   indivíduos, cujas roupas, rostos, corpos, sorrisos, atitudes,
                   interesses, ocupações são manifestadamente diferentes”(p. 71)

      De acordo com Scott (1986), o gênero é uma forma primária de dar significado às relações
de poder. Só se dá na relação, ou seja, não há a feminilidade sem a masculinidade, além de que
não há subordinado sem o subordinador, e vice-versa. É de forma dinâmica que se dão as
relações de gênero e subseqüentemente os papéis de gênero.

        Rubin (1989), afirma que sexualidade e gênero são âmbitos separados, ou seja, a
sexualidade é um âmbito completamente diferente e deve ser analisada independente da
categoria de gênero. Isso contribui muito para entendermos, por exemplo, o caso de um



1
 “Em outras palavras: os sistemas de gênero/sexo são os conjuntos de práticas, símbolos, representações,
normas e valores sociais que as sociedades elaboram a partir da diferença sexual anatomo-fisiológica e
que dão sentido à satisfação dos impulsos sexuais, à reprodução da espécie humana e em geral para o
relacionamento entres as pessoas”
                                                                                                      5
transexual que possui uma escolha homo-afetiva ( ou seja, deseja pessoas com o mesmo gênero
identitário que o seu).

        Mais recentemente surge Judith Butler (1993) que afirma veementemente que a
construção de gênero na ótica feminista acompanhou o sexo biológico para fazer uma leitura
crítica da situação da opressão feminina, e isso na verdade foi inclusive moldado numa
construção já autorizada socialmente, e tão imperceptível quanto a própria linguagem. Como
comenta em seu livro “Bodies that Matter: on the discursive limits of ‘sex’ “:

                          “It seemed to many, I think, that in order for feminism to
                   proceed as a critical practice, it must ground itself in the sexed
                   specificity of the female body. Even as the category of sex is always
                   reinscribed as gender, that sex must still be presumed as the
                   irreducible point of departure for the various cultural constructions it
                   has come to bear. And this presumption of the material irreducibility
                   of sex has seemed to ground and to authorize feminist epistemologies
                   and ethics, as well as gendered analyses of various kinds. In an effort
                   to displace the terms of this debate how and why “materiality” has
                   become a sign of irreducibility, that is, how is it that materiality of
                   sex is understood as that which only bears cultural constructions and,
                   therefore, cannot be a construction?” (1993, p. 28)2




        E assim, pode-se perceber que gênero, assim como todos os constructos subjetivos, é
formulado socialmente. Na transexualidade isso é importantíssimo, pois o gênero não
acompanha o corpo e a vivência transexual é então possível e não patológica, pois não se funda
no corpo     e sim na experiência descrita por Bento (2008) como                “experiência identitária
caracterizada pelo conflito com as normas de gênero”(p. 15). Mas então o que seriam estas
normas de gênero, que delimitam possibilidades de ser e estar não apenas de transexuais, mas de
qualquer ser humano?

        À feminilidade foram atribuídas tradicionalmente características como a sensibilidade e
a emoção aflorada, a fragilidade (“em uma mulher não se bate nem com uma rosa”), a falta ou
déficit de uma razão lógica, uma beleza construída através de valores que mudam com a “moda”
(hoje, é ter cabelos compridos, repicados, soltos e lisos; na Idade Média era tê-los sempre presos


2“
   Parece para muitos, eu acho, que para o feminismo continuar sendo uma prática crítica, ele precisou se
firmar na especificidade sexuada do corpo feminino. Mesmo a categoria de sexo sempre ter sido inscrita
como gênero, aquele sexo ainda precisa ser o ponto irredutível de partida de várias construções culturais
com as quais teve de lidar. E essa presunção da irredutibilidade material do sexo parece ter dado chão e
autorizado as epistemologias e éticas feministas, assim como análises de gênero de vários tipos. Em um
esforço para retirar os termos deste debate de como e por que a “materialidade” chegou a ser um sinal de
irredutibilidade, isso é, como a materialidade do sexo é entendida como aquela que só se dá com
construções culturais e, portanto não pode ser uma construção?”
                                                                                                       6
em coque ou debaixo de panos e chapéus, e de preferência, com cachos; hoje é importante o
valor da magreza e da proeminência de seios e glúteos; nas sociedades feudais era importante a
opulência, para significar riqueza). Segundo Bandeira (1999)

                                 “ser mulher, ter um corpo de mulher em nossa
                        sociedade significa responder a uma série de apelos que o
                        ideário da cultura estabeleceu – ter um corpo dócil,
                        desejante, harmonioso, uma sexualidade sadia, e, ao mesmo
                        tempo,   estar   inserida   num   sistema   pautado   pela
                        subordinação, submetido às práticas sexuais normativas
                        (procriação)” (p. 191).

       A Psicanálise, como outras abordagens em Psicologia, pode ser considerada como
exemplo de difusor deste valor, como indicam a resolução bem sucedida do complexo de Édipo
e da fase genital da mulher. Freud deu à mulher permissão ao orgasmo, embora apenas ao
vaginal.

           Segundo Hime(2004),

                                  “As diferenças de gênero têm raízes históricas em
                        formas e estruturas de relacionamento segundo as quais os
                        homens têm maior status que as mulheres. No passado elas
                        dependiam dos homens para definir suas identidades e
                        organizar sua vida e era esperado que fossem subservientes
                        e atentas a eles. Os homens eram considerados a autoridade
                        legítima na casa e era esperado que mantivessem sua
                        posição, que dessem proteção a seus dependentes e
                        evitassem a vulnerabilidade emocional. Embora os ideais de
                        relacionamento tenham mudado, muitos estereótipos de
                        gênero persistem. Influenciam nosso comportamento,
                        principalmente quando ficam invisíveis”(p. 11).

           Assim como maior status, eles devem também ter maior controle emocional, já que a
expressividade seria característica das mulheres: tornar-se homem implica, ainda nos dias de
hoje, em diferenciar-se das mulheres e dos gays. “Homem não chora” é um ditado popular que
revela a imagem de homem presente no imaginário social: o dono da razão, da frieza e da
dureza, capaz de controle e domínio.

           Além disso, seu corpo também é regulamentado. Devem ser brutos, resistentes e
esculpidos para qualquer combate que tiverem, seja nas grandes empresas, com ternos,

                                                                                            7
gravata e ombros largos, ou com músculos para a batalha física de uma guerra, contra
oponentes que não lhes darão trégua. A masculinidade então é percebida como oposta e
complementar à feminilidade: o masculino é viril, contém a força, dá grande valor à
penetração, é demonstrativo (no sentido que só existe ao demonstrar-se em relações), se
utiliza sempre da razão, acredita num poder centralizado (falo), situa-se no mundo
público, preza a individualidade, a produção, a atividade e a agressividade. São estes
valores que, de acordo com Maciel Jr (2006) vão servir como modelos do que os
homens devem ser e como devem se relacionar, sejam eles homens transexuais ou
homens biológicos: o gênero revela-se nas práticas e nos discursos, e manifesta-se por
exemplo na relação do indivíduo consigo, com pessoas do mesmo ou do outro sexo,
com os filhos, com a família, com a sociedade e suas normas, regras e valores, na
vivência da sexualidade, etc.
        A partir desta rápida contextualização que buscou oferecer uma compreensão ainda que
sintética do âmbito no qual está inserido o problema de pesquisa, apresenta-se a seguir o
objetivo e a justificativa.



Objetivo:
        O objetivo deste estudo é compreender como são construídas e expressas as
masculinidades de homens homo, hetero e transexuais, utilizando-se o conceito de
gênero. Este permite uma forma plural de pensar, o que será valioso para que se possa
refletir sobre as articulações entre a masculinidade hegemônica e as subordinadas.
        Será dada atenção às intersecções entre o aspecto biológico, o pessoal e o social
na construção da subjetividade, priorizando-se um olhar atento à complexidade do tema
abordado.


Justificativa
        Pretende-se com esse trabalho não apenas contribuir para ampliar o
conhecimento relativo às relações de gênero e à sexualidade, mas também gerar
informações que possam embasar intervenções psicológicas que visem a promoção de
saúde, a prevenção de dificuldades pessoais e relacionais e a psicoterapia.
        Os homens transexuais muitas vezes não têm acesso a informações acerca de sua
condição e das complexidades que a envolvem, vivenciando dor e sofrimento numa


                                                                                          8
sociedade a que não sentem pertencer e que não os aceita nem como homens, nem como
mulheres.
       Grande parte das pesquisas realizadas com homens diz respeito à área médica e
muitas vezes não revelam sensibilidade às suas questões psíquicas. Esta pesquisa
pretende dar voz aos participantes homo, hetero e transexuais, possibilitando maior
compreensão sobre as intersecções entre sexo e gênero nas diferentes formas de
expressão da masculinidade.
      Sendo o psicólogo um agente ideológico, esta é uma oportunidade para que a
aluna-pesquisadora reflita sobre a atuação psicológica nos vários âmbitos (clínica,
pesquisa, institucional, hospitalar, educação, etc) a fim de desenvolver a atenção e um
olhar crítico à interferência dos valores e ideologias no “fazer Ciência”. Dessa maneira
poderá contribuir para dar visibilidade às desigualdades de gênero, concorrendo para
transformações no âmbito da subjetividade, assim como no social mais amplo.
       Desta forma, nos deteremos no primeiro capítulo no histórico sobre a
masculinidade, de modo a entender como ela se moldou ao longo dos anos para se
tornar hoje o que vemos em nosso cotidiano. Neste capítulo foi feito uma revisão
bibliográfica sobre a masculinidade em vários contextos históricos e alguns culturais,
como a Idade Média na cultura japonesa e árabe, também formadoras da visão atual da
masculinidade brasileira.
       No segundo capítulo, iremos trabalhar com as relações em que a masculinidade
se mostra, de modo a destrinchá-la enquanto característica relacional. São relações
como o homem e sua sexualidade ou seu trabalho os refúgios da masculinidade
individual e coletiva ao mesmo tempo, e pretende-se neste capítulo explorar esta
característica masculina de modo sintético na bibliografia disponível.
       O terceiro capítulo trará à luz o método com o qual esta pesquisa foi produzida,
explicitando como foram as entrevistas, a forma de análise escolhida e o quanto esta
pesquisa se preocupa com a ética e a não-maleficência às pessoas envolvidas na
pesquisa.
       O quarto capítulo traça uma análise individual de oito dos vinte e três
entrevistados da pesquisa, delineando os resultados desta em relação à bibliografia.
       No capítulo da discussão, juntamos dados de todas as entrevistas para então
tentarmos perceber como tem se desenvolvido a masculinidade atual, observando tanto
a literatura quanto a realidade apresentada pelos entrevistados.
                                                                                       9
Finalmente, no sexto capítulo, trazemos as conclusões percebidas durante a
pesquisa, e desta forma a encerramos, tentando então perceber de que forma esta
pesquisa pode auxiliar na captação de uma masculinidade atual e brasileira.




                                                                              10
Capítulo I - Histórico
       Se pensarmos em uma perspectiva histórica e dialética, os homens tiveram
várias maneiras de expressar sua masculinidade durante a história da humanidade, e isso
retroage nos ideais formados para este grupo populacional hoje em dia. De acordo com
Oliveira (2004) é importante pensarmos dessa forma, pois cada época possuiu um ideal
para a masculinidade que permanece em resquícios no ideal seguinte, como uma marca
d’água em um novo desenho. Este autor explica que este valor social, que é chamado de
masculinidade, só pode ocorrer devido a complexas elaborações culturais, e também
não pode ser visto apenas como um recorte, pois isso simplificaria todo um processo
extenso que é o destrinchar de um valor social.
       Iremos, para tanto, desvendar os valores sociais de momentos históricos
específicos, desde a Idade Antiga, passando pela Grécia e Roma, até chegarmos a
características das masculinidades contemporâneas, de forma a contextualizar cada ideal
de masculinidade vigente e perceber no que as masculinidades atuais se pautam.
       É importante afirmar que a história, até há muito pouco tempo atrás, era escrita
por homens e para homens, pois como afirma Beauvoir (1949), eles estiveram “no
poder” por muito tempo, no controle do conhecimento e do mundo público, assim como
das vias escritas e faladas das eras passadas.
       Como afirma Guggenbühl (1997)
                     “Se nos voltarmos para a história, descobriremos dúzias de
            exemplos da grandiosidade masculina, de homens que trouxeram
            lágrimas e sofrimento a milhares ou pior, mataram milhares. Napoleão
            Bonaparte mandou incontáveis soldados aos portões de Moscou, onde
            congelaram até a morte pelas suas fantasias imperialistas. Foi este
            mesmo Napoleão que disse de si mesmo ‘Meu nome viverá tanto
            quanto o nome de Deus’. Hernán Cortez (1485-1547), comandando
            quatro mil soldados, destruiu o totêmico império Asteca de uma vez
            por todas para a glória do rei espanhol Charles. Com seus sonhos de
            banhos de ouro, ele entregou à morte esta cultura antiga. (...)
                     A grandiosidade masculina nos faz lembrar de homens que
            impuseram suas vontades ao mundo, que colocaram a todos suas
            ambições por poder, e que perseveraram na imutabilidade de suas
            próprias idéias.(...) A grandiosidade masculina é onerosa”(p. 104).
       E realmente é difícil ao ler nos livros de História conhecer o outro lado; e os
outros seres humanos que estavam na terra também naqueles períodos sublinhados

                                                                                    11
como importantes à história da humanidade? Até chamar a humanidade de “os homens”
nos faz esquecer que somos extremamente preconceituosos quanto às outras formas de
humanidade, como as mulheres, travestis, transexuais, etc.
       A partir disso, Welzer-Lang (2004) comenta que o androcentrismo, ou seja,
centrar o homem como o mais importante em detrimento de outras formas de gênero, é
algo mal notado na sociedade, mas deve ser considerado quando pesquisamos gênero de
forma a sermos menos parciais. Para que possamos desconstruir e analisar o masculino
é imprescindível que não excluamos as mulheres dos estudos, dando atenção especial às
relações em que estas também se situam.
       Scott (1990) afirma que ao pensarmos em uma história permeada pelos
excluídos além dos hegemônicos, até o modo como a escrevemos deve ser diferente,
pois o valor dado a certas características que antes eram deixadas de lado como a
subjetividade e o mundo privado, a sexualidade e os relacionamentos amorosos, os
diferentes modos de vida e as pluralidades de vínculos deverão vir à tona, além do poder
e do mundo público, além das guerras feitas por homens sedentos de riquezas. Deve
haver a preocupação de se estudar não apenas as mulheres (no início do feminismo,
estudava-se apenas as mulheres, e os excluídos em geral), mas toda a gama de seres
humanos, como a autora reforça abaixo:
                     “Só podemos escrever a história desse processo se
           reconhecermos que “homem” e “mulher” são ao mesmo tempo
           categorias vazias e transbordantes; vazias porque elas não têm
           nenhum significado definitivo e transcendente; transbordantes porque,
           mesmo quando parecem fixadas, elas contêm ainda dentro delas
           definições alternativas negadas ou reprimidas”(p. 9)
        Em grande parte da história não se fala além da heteronormatividade. Um
homossexual no poder, imagine... Só em conto de fadas queer (aludindo aos estudos
queer, que comentaremos mais adiante), ou polêmicas da papa/papisa Giliberta (mito ou
não, é preciso comentar). Tentaremos aqui então sermos os mais imparciais possíveis,
de forma a relembrar como a masculinidade foi se moldando através das épocas e como
a história ocorreu para todos os envolvidos.


       I.1. Grécia
       Na Grécia Antiga, durante seu apogeu entre os séculos VII e III a.C., situa-se o
momento pioneiro da valorização da razão e da força física. Algumas cidades gregas
                                                                                     12
foram cruciais para entendermos a masculinidade neste momento histórico. Atenas, por
exemplo, com a política, teatros e comunas tinha a fervilhar o pensar, o ser culto, o
conhecimento. É importante salientar que estes homens não tinham como valor
primordial a heteronormatividade, de forma que quem não fosse homossexual3 ou no
mínimo tivesse relações com homens, era mal visto pela sociedade. Era inclusive o
único modo de Paidéia (educação) o relacionamento entre um homem mais velho,
erestes (o amante) com um jovem de 12 a 18 anos, o eromano (o amado), já que a
mulher não ensinava, e o pai, o qual devia estar incumbido desta tarefa, não o fazia por
estar envolvido com a vida social. O eromano deveria ser sempre passivo, aquele que
receberia o conhecimento e presentes do erestes, além deste papel em relações sexuais,
segundo Corino (2006). Além disso, o autor afirma que estes eromanos, logo que
chegassem a uma certa idade, deveriam se desligar de seus erestes, apenas mantendo
uma relação de amizade com os mesmos, para então desposar uma mulher e ter filhos.
        Outros valores incorporados nessa época eram a busca pela liberdade (afinal os
escravos mal humanos eram) a valorização do corpo (a deficiência física era vista como
defeito, problema, incapacidade). É importante ressaltar que nessa época é bem forte a
diferenciação entre homens e mulheres, com características excludentes umas das
outras. Ora, quem era homem não haveria de ser mulher nunca, certo? Isso por que a
mulher na época era vista como ser inferior ao homem, incapaz do amor e da amizade, e
deficiente por não ter o órgão genital masculino, além de incapaz mental e fisicamente,
servindo apenas para a procriação e o cuidado dos filhos até os 6 anos de idade.
        O cuidado dos filhos pelas mães até esta idade também era realizado em Esparta,
grande valorizadora da força física, da guerra, competitividade e da imposição de poder.
Esparta era controlada por mulheres, pois os homens se mantinham guerreando durante
grande parte dos seus 35 anos de vida. A homossexualidade também era comum durante
a guerra (era a homossexualidade viril, como citada também bem mais tarde no
Hagakure, manual japonês dos samurais, do qual falaremos posteriormente), mas a
família como a percebemos hoje (mãe, pai, filhos) era também comum, de modo a
revelar uma relação entre homens e mulheres menos restrita à reprodução; entretanto,




3
 Quando se fala em homossexualidade em outras épocas que não a moderna, se quer dizer ter
preferência por relacionamentos amorosos ou sexuais de pessoas do mesmo gênero, mas a conotação e
os significados de nossa época não podem ser generalizados àquela época de que se fala.
                                                                                              13
não deixava de ser excludente, pois elas não tinham a possibilidade de ir para a guerra, e
também carregavam aproximadamente o mesmo estereótipo das atenienses.


        I.2. Roma
        Roma teve como característica primordial suas conquistas bélicas, veiculando
marcadamente um ideal de masculinidade parecido com o dos espartanos. Com a
diferença que, pelo fato de que a política em Roma se baseava no Panis et Circensis4, os
gladiadores e os ideais em relação à sociedade e o entretenimento muito puderam
influenciar o atual ideal de masculinidade hegemônica.
        Para isso, é preciso entender o Gládio. Os gladiadores eram ex-escravos que
eram colocados para lutar entre si, com animais, em bigas, etc, onde o mais forte, aquele
que matava todos os outros, permaneceria lutando. A desistência era então algo
desonroso, pior que a morte, pois seria como desistir da própria vida, acima da luta.
Estes casos eram julgados pela platéia, que a tudo assistia nas arenas, e o César, que
tinha o poder de definir se aquele que estava lá iria morrer ou viver. Já o gladiador que
se encontrava em posição superior, podendo matar seu oponente, se quisesse por
misericórdia não fazê-lo sair-se-ia bem, pois de qualquer forma, a honra era sua, e não
tomar a vida significaria ter alguém grato para sempre.
        Também são da Roma antiga os primeiros relatos de pessoas que se travestiam
e/ou ocupavam funções sociais de pessoas do sexo oposto. Segundo Saadeh(2004) Filo,
um filósofo judeu, é o primeiro a relatar a existência destes no século I d.C.,
comentando que alguns homens passavam a se vestir como mulheres, eliminavam suas
características secundárias masculinas e podiam extirpar os testículos e até mesmo o
pênis, de modo a viver como mulheres. Saadeh também comenta sobre Manilus e
Juvenal a respeito dos poemas que estes autores faziam a respeito do ódio que tinham
quando um destes que trocavam as funções sociais de um gênero para outro eram
colocados no sexo de nascença. Segundo este autor, vários imperadores romanos
travestiam-se e isso era algo considerado comum na época.
        No final do império romano, impérios bárbaros invadiram as cidades, e isso foi
muito importante, pois grande parte destes era composto por povos nórdicos, que


4
 Um sistema no qual a população das grandes cidades era inativa devido à grande quantidade de
pessoas que era absorvida pelo império romano através das guerras e era preciso entretê-los (Circensis)
assim como fornecer comida (Panis) para que não houvesse revoltas.
                                                                                                     14
valorizavam as mulheres muito mais que o império romano. Estas mulheres guerreavam
junto com os homens, tinham papéis sociais significativos e eram muito mais bem
quistas que as mulheres romanas. As culturas nórdicas em grande parte valorizavam a
mulher pelo fato de que esta poderia gerar vida e portanto, estava muito mais ligada à
terra e às divindades que os homens, e isso influenciou em parte a idade média, como
no significado da caça às bruxas, e na dicotomia Eva-Maria da qual se falará mais
tarde.


         I.3. Idade Média
         O medievalismo, ou idade média, foi marcada veementemente pela formação de
hierarquias entre as masculinidades, assim como um aumento na imposição de poder.
Várias características consideradas fundamentais para a masculinidade moderna foram
cunhadas nessa época, e portanto nos prolongaremos mais neste momento histórico.
          Os feudos funcionavam de acordo com a fé cristã, o que significava que a
mulher teria a função reprodutora, deveria ser dócil e recatada, uma esposa fiel, e de
acordo com sua casta, deveria mais ou menos favores (inclusive sexuais) ao dono do
feudo. Ao homem, então, era atribuída a função política, como guerreiro ou nobre da
corte (obviamente dependendo de sua classe social), a de chefe da casa em uma
hierarquia que privilegia mais os homens do que qualquer mulher( mesmo a esposa),
pregavam ou lutavam pelo clero, portanto sendo ousados para conquistar o que lhes era
devido.
         Quanto às relações amorosas, é também dentro do medievalismo que surge o
amor cortês, diferente daquele referenciado à Deus (o amor cristão); o amor torna-se
singularizado, e a Dama substitui Deus. O homem entoava hinos de amor à sua amada,
intocável e incrivelmente bela, enquanto estava em combate, o que traz o caráter de
servidão para com o outro, desde que este fosse puro, sem sexo, idealizado. É
importante perceber nesse momento a transformação da mulher, também dicotômica: há
“aquela que é pura” e também “aquela é devassa”, como é comentado através da
dicotomia Eva-Maria em Carvalho, Lopes e Ghetler (2008): esse padrão vai se
manifestar no modo como o homem irá se relacionar com as mesmas. “Se ela é pura,
será uma boa esposa e terá filhos saudáveis”, “se ela for uma devassa, me divertirei
bastante com ela, mas não passará disso”.


                                                                                   15
Diferente do que ocorria na Grécia Antiga, a homossexualidade era vista como
qualquer desvio da heteronormatividade, como bruxaria, o mal personificado e atuado, e
portanto, não era um ideal a se seguir. Porém, nas guerras, o companheirismo e a
amizade tornaram-se valores estimados pois, não podendo voltar para casa, os amigos
guerreiros eram os únicos confidentes. Aliás, o cavaleiro medieval cristão, segundo
Zamboni(2005), era um exemplo de conduta masculina a ser observado, pois a retidão e
fé inabalável eram imprescindíveis para os valores morais da época. Então, ao detentor
da força e da ousadia, nada mais sensato do que incumbir-lhe tal fardo, o de
desempenhar o papel de exemplo. Mesmo as dores da batalha eram vistas como
positivas, pois se agüentasse (sem reclamar) a dor e o sofrimento, teria um lugar ao céu.
       Um curioso detalhe histórico descrito por Saadeh(2004) é que no século IX, um
papa (há controvérsias, pois a Igreja nega), João VIII, teria sido na realidade do sexo
feminino, e teria morrido dando à luz, coisa que até hoje não se tem certeza pela
omissão destas informações. Seu nome de batismo era Giliberta, e teria sido papa por
dois anos, sete meses e quatro dias.
       Uma característica também muito útil para nossa reflexão aqui são os duelos.
Neste aspecto do medievalismo que acaba inclusive invadindo o renascimento e até a
                                            emergência da futura classe burguesa da
                                            Revolução Industrial, a honra era prezada de
                                            tal forma, que algo que a sujasse seria tão
                                            vil que teria de resultar em morte; do
                                            desonrado ou daquele que desonrou. A
                                            coragem, o “sangue frio”, o poder nele
                                            implicado, a dignidade eram postos à prova
                                            em um duelo. O próprio “por à prova” se
                                            tornou instituído, assim como o precisar
                                            provar às pessoas ao seu redor que sua
                                            honra não está manchada. Além disso,
                                            marcas deixadas no corpo por um duelo
                                            como cicatrizes, amputações, etc. eram
                                            vistas quase como troféus, simbolizando
 Figura 1 – Armadura Infantil no Musée de
 l’Armée, Paris, França                     dignidade e eram como um atestado de que
                                            este homem era destemido, não tinha fugido
                                                                                       16
ao combate.
       Como também pode se perceber nas armaduras (foto) utilizadas na época, o
corpo devia ter certas características específicas, como os ombros largos, nariz
comprido, peitoral definido e uma postura altiva, inspirando literalmente ares de
nobreza; também podemos evidenciar que o exemplo a ser seguido é o homem que tudo
agüenta, que não deixa transparecer nada, nem deixa que nada o atinja. Parece começar
daí o hino de todos os pais aos filhos: “homem não chora!”.




       I.4. O Hagakure: Livro de prescrições para os Samurais; um olhar sobre o
Oriente
       Este livreto escrito por Yamamoto Tsunemoto em 1710 representa desde o
século XI até o XIX, a época dos samurais no Japão. Escolheu-se este país para
contribuir à nossa revisão pois ele traz à tona o homem da Idade Média oriental, visto
que o Japão disseminou sua cultura ao oriente, desde a Rainha Himiko, quando no
Século III D.C. fazia contatos com a China, até hoje em dia em períodos globalizados, o
quanto a cultura revela e nos afeta com os Mangás, a comida típica, até o modo de ser e
estar no mundo. Por estarmos interessados neste estudo sobre o modo como os homens
expressaram sua masculinidade, e como os guerreiros samurais são o expoente dessa
sociedade na era feudal, é importante comentar alguns trechos de suas prescrições para
entendermos qual era este ideal (afinal, o Hagakure foi escrito por um homem, para
homens).
       O Hagakure explicita em vários momentos como os homens devem se portar,
andar, falar, expressar sua sexualidade, como sua honra era mantida, como era
destituída, os rituais de sepukku e harakiri (suicídios rituais diferentes no caso de uma
honra irrestituível), etc. Alguns destes dados são:
                              “Todos nós desejamos viver. E na maioria das
                     vezes, construímos nossa lógica de acordo com o que
                     gostamos. Mas não atingir nosso objetivo e continuar a
                     viver é covardia” (p. 28)
       Podemos perceber que aqui, a vida de nada vale se o homem não se doa a sua
tarefa, é prático e objetivo. A subjetividade portanto não é importante.

                                                                                      17
“É de mau gosto bocejar na frente dos outros.
                     Esfregar a mão na testa pode impedir um bocejo repentino.
                     (...) O mesmo ocorre com o espirro, que ridiculariza a
                     pessoa...” (p. 34)
       Aqui vemos a valorização que se dá às boas maneiras, da educação e discrição.
                              “Existe uma maneira de um samurai criar seu
                     filho. Desde sua infância ele deve ser encorajado à bravura,
                     e deve-se evitar assustá-lo ou provocá-lo com trivialidades.
                     Se uma criança for afetada pela covardia, isso permanecerá
                     como uma cicatriz para toda a vida. (...) Uma mãe ama sua
                     criança incondicionalmente, e será parcial a ela quando o
                     pai repreendê-la. Se a mãe se tornar uma aliada para a
                     criança, existirá a discórdia entre a criança e o pai. Devido à
                     superficialidade de sua mente, uma mulher vê a criança
                     como seu ponto de apoio na velhice” ( p. 56)
       Aqui vê-se o valor da bravura e da imparcialidade masculina, em detrimento da
mente feminina, considerada superficial.
       Em outras passagens fala-se a respeito da homossexualidade, que deve ser
discreta, porém é permitida desde que os dois estejam dentro do relacionamento afetivo,
e estejam dispostos a passar a vida juntos.
       A morte é um valor cultuado, desde que seja honrosa. Dessa forma, ela é ainda
melhor que a vida, pois a vida sem a honra é algo do que se envergonhar, e pelo qual é
insuportável passar. As pessoas cometem erros, mas eles não devem ser desvios de sua
própria índole, muito menos se deve abandonar ensinamentos de um mestre. O mestre é
tão importante quanto a própria vida destes indivíduos, pelo qual se deve viver e morrer.
O valor da hierarquia então é salientado em vários momentos do livro, demonstrando
alto grau de importância desta característica na expressão da masculinidade.
       É importante ressaltarmos que este é apenas um recorte da expressão da
masculinidade do Japão observada em um livro importante até hoje na cultura japonesa,
e não um estudo detalhado a respeito do tema, no qual não nos deteremos mais por ser
apenas mais uma das facetas observadas neste trabalho.


       I.5. O Jardim Perfumado do Xeque Nefzaui: manual erótico; A
masculinidade sob a ótica Árabe



                                                                                       18
Como é sabido, a cultura árabe muito influenciou e influencia a cultura nacional,
devido à ocupação árabe de Portugal durante a Idade Média, o que incluiu nos valores
sociais da mesma várias informações, saberes e modos de ser e estar representados e
repetidos até a presente data não apenas neste país, mas também em outras ex-colônias.
O manual estudado, assim como o Hagakure, é um manual escrito de homens para
homens de modo a ensinar a estes como se comportar e não ser daqueles que “merecem
censura”.
       O Jardim perfumado foi escrito pelo Xeque Omar Ibn Muhammad Nefzaui no
século XVI e tem como intuito auxiliar homens a se portar em sua sexualidade, e como
lidar com as mulheres. É importante mais uma vez ressaltar que este é apenas um
recorte da cultura árabe, e portanto, não uma análise detalhada sobre a mesma, pois é de
nosso interesse perceber tal cultura, e não nos aprofundarmos nela por ser apenas mais
uma das facetas do trabalho.
       Logo no primeiro capítulo, o Xeque faz uma análise dos homens dignos de
louvor: seu pênis deve ser “avantajado e de comprimento amplo”(p. 29), pois a mulher
só se apaixonaria pelo homem através do coito. Seu corpo deve conter as seguintes
características: “tórax largo e a parte posterior do corpo bem fornida, bem como saber
controlar sua emissão e ter ereções prontamente.”(p. 29) ; deve usar odores perfumados
para atrair e inebriar a mulher. Deve ser belo aos olhos delas e ter proporções coerentes
em seu corpo. Sinceridade e verdade são valores presentes também neste homem ideal,
além de generosidade, coragem e modéstia.
       Ele deve, sempre que puder, seduzir mulheres belas e “dignas de louvor”, ou
seja, aquelas que tem curvas arredondadas, cabelos e íris bem negros, rosto oval, lábios
e língua bem vermelhos, entre outras características. Mulheres valorizadas só falam ou
riem em poucos momentos, não deixam a casa, não têm amigas, não são falsas, não têm
segredos, e só são devotas a um marido, ao passo de que o homem pode ter quantas
mulheres conseguir, mesmo que elas sejam comprometidas com outro homem.
       O homem digno de desprezo é aquele
                            “deformado, que tenha aspecto grosseiro, e cujo
                    membro seja curto, fino e flácido, é desprezível aos olhos
                    das mulheres.” (p. 83)
                            “Desprezível também é o homem que é falso no
                    que diz, não cumpre o que promete, que mente sempre que


                                                                                      19
fala, e que esconde da mulher tudo o que faz, exceto os
                    adultérios que comete.” (p.84)
       Percebe-se também ao longo do texto um enorme desprezo por mulheres que
sejam independentes ou que possuam sentimentos externalizados. Em compensação, o
homem tem maior liberdade para ser quem é, e deve procurar mulheres que estejam em
conformidade com seus traços de personalidade. As mulheres são em essência más e
traiçoeiras, características tais que devem ser percebidas e domadas pelos homens.
       Este livro traz uma visão, aos nossos olhos contemporâneos, machista e
preconceituosa a respeito das mulheres, porém muito nos faz pensar a respeito do ideal
de masculinidade atual: o homem hoje também deve ser viril, conquistador e não deve
confiar nas mulheres. As mulheres devem ser bonitas, porém não muito mais do que
isso; também são vistas como perigosas (dicotomia Eva-Maria presente em nossa
cultura), e devem ser tratadas com cautela. Devem sempre ser conquistadas, enquanto
que o homem deve ter atributos físicos e morais para atrair as mulheres.


       I.6. Idade Moderna
       No Iluminismo, fim da “era das trevas”, temos como valor primordial o
conhecimento. À ciência ficam a cargo as prescrições, os corpos, os pensamentos, etc. A
burguesia vitoriana também modifica muito os pensamentos a respeito da sexualidade,
colocando-a em grilhões muito mais rígidos do que antes do século XVII. Segundo
Foucault(1988), antes deste período
                             “ainda vigorava uma certa franqueza. As práticas
                    não procuravam o segredo; as palavras eram ditas sem
                    reticência excessiva e, as coisas, sem demasiado disfarce;
                    tinha-se como o ilícito, uma tolerante familiaridade. Eram
                    frouxos os códigos da grosseria, da obscenidade, da
                    decência, se comparados os do século XIX. Gestos diretos,
                    discursos sem vergonha, transgressões visíveis, anatomias
                    mostradas e facilmente misturadas (...); os corpos
                    “pavoneavam.””(p. 9)
       O mesmo autor comenta que existem várias razões para tal mudança; uma
possibilidade seria a incompatibilidade do uso da energia para os prazeres e para o
trabalho, agora muito necessária devido à Revolução Industrial. Outra possibilidade,
agora muito mais relevante, seria o uso deste artifício de repressão para um enorme
poder sobre o que o ser humano pode ou não fazer.
                                                                                     20
“Se o sexo é reprimido, isto é, fadado à proibição,
                     à inexistência e ao mutismo, o simples fato de falar dele e
                     de sua repressão possui como que um ar de transgressão
                     deliberada. Quem emprega essa linguagem coloca-se, até
                     certo ponto, fora do alcance do poder; desordena a lei;
                     antecipa, por menos que seja, a liberdade futura. Daí esta
                     solenidade com que se fala, hoje em dia, do sexo” (p. 12)
       Bento(2006) também afirma que é nesta época que é criado o bissexismo, ou
seja, ao invés da mulher ser vista como um homem defeituoso, como em muitas culturas
se acreditava, ela então é vista como diferente, outro sexo. Como Beauvoir(1949)
afirmou, um segundo sexo, necessariamente inferior (primeiramente afirmado pela
Igreja, depois então pela Ciência).
       Beauvoir comenta que como haveria um sentimento de “medo” do que a mulher
pode significar, é mais fácil classificá-la de fêmea, coisa que seria um insulto ao
homem, pois isto o encerraria ao seu sexo. A ciência, de acordo com a autora seria um
instrumento de controle, mais um artifício para a dominação das mulheres, o homem
“projetando na mulher todas as fêmeas de uma vez. Ele a faz uma única fêmea.” (p. 35).
Isso seria uma redução da mulher ao animal, não dando a ela chance de demonstrar suas
próprias características enquanto mulher humana, senhora de seus próprios rumos,
como deveria ser, segundo a autora. Beauvoir, como outras feministas que a seguiriam,
modificaram o modo da humanidade pensar a respeito da mulher e do homem; porém, e
quanto ao meio do caminho, a/o transexual, o/a travesti, o/a homossexual e todos os
outros meios de caminho?
       É no século XIX que os primeiros textos médicos a respeito de sexualidade e
gênero (na época, essa diferenciação não existia) começam a surgir com maior ênfase
em um conhecimento que se afastasse da moral vitoriana de acordo com Saadeh(2004).
Este autor também afirma que o livro Psychopathia Sexualis, publicado em 1886 por
Richard Von Krafft-Ebing é o primeiro livro a classificar a sexualidade do modo como
conhecemos hoje.
       Foucault(1988) vai afirmar que a nosologia, a classificação da sexualidade vai
ajudar no controle da mesma, reduzindo as pessoas que tinham estas características a
apenas estas mesmas, de modo a catalogar, porém não analisar ou perceber suas
vivências. De qualquer modo, o conhecimento produzido por Krafft-Ebing e por muitos
outros que o seguiram ajudou de forma crucial a pensarmos a respeito destas várias

                                                                                   21
características, antes levadas ao esquecimento ou à fogueira devido à Idade Média, e
que agora são vistas com maior naturalidade e percebidas como potencialidades
humanas, não como desvios segundo vários autores que estudam gênero. Alguns autores
que pensam desta forma são Bento(2006), Bruns(2004), Dorais(1988), Connell(2005),
entre outros.
       A burguesia traz valores como firmeza, repressão de sentimentos, e na literatura
isso se expressa no período do realismo e do naturalismo. Um exemplo disto é o
personagem Albino do livro “O Cortiço” de Aloísio de Azevedo. Esta obra marca na
literatura a entrada do cientificismo e do Darwinismo Social, trazendo à tona uma visão
de homem marcada pela imutabilidade de caráter associada à classe social a que este
pertencia. Ora, se sou de uma classe social menos privilegiada, necessariamente meu
caráter também terá menos virtudes. Este personagem, assim como outros, na sociedade
da época, era visto como fora da normalidade. O trecho que se segue deste livro faz a
primeira apresentação de Albino, um homem afeminado que gostava de travestir-se de
mulher no carnaval.
                              “Fechava a fila das primeiras lavadeiras, o Albino,
                      um sujeito afeminado e fraco, cor de espargo cozido e com
                      um cabelinho castanho, deslavado e pobre, que lhe caía,
                      numa só linha, até ao pescocinho mole e fino. Era lavadeiro
                      e vivia sempre entre as mulheres, com quem já estava tão
                      familiarizado que elas o tratavam como a uma pessoa do
                      mesmo sexo; em presença dele falavam de coisas que não
                      exporiam na presença de outro homem; faziam-no até
                      confidente dos seus amores e de suas infidelidades, com
                      uma franqueza que não o revoltava, nem comovia. (...) não
                      arredava os pezinhos do cortiço, a não ser nos dias de
                      carnaval, em que ia, vestido de dançarina, passear à tarde
                      pelas ruas e à noite dançar nos bailes dos teatros. Tinha
                      verdadeira paixão por este divertimento; ajuntava dinheiro
                      durante o ano para gastar todo com a mascarada. E ninguém
                      o encontrava, domingo ou de dia de semana, lavando ou
                      descansando, que não estivesse com a sua calça branca
                      engomada, a sua camisa limpa, um lenço ao pescoço, e,
                      amarrado à cinta, um avental que lhe caía sobre as pernas
                      como uma saia.” (p. 40)



                                                                                    22
Obviamente, de acordo com José de Alencar, ele haveria de viver no cortiço
devido às suas características. O mundo só haveria de vê-lo no carnaval, onde tudo é
permitido, desde que motivo de chacota. Albino era um homem afeminado, e com
pretexto de que isto era biológico, imutável, haveria de ter também características
morais condizentes. Isso acompanhou o homem atual no sentido em que qualquer que
seja sua “falha” quanto à masculinidade ideal, ele necessariamente será subordinado,
visto como imoral, doente, (até o DSM-IV em parte, onde a homossexualidade é
retirada dos manuais diagnósticos, porém não as vivencias da travestilidade ou a
transexualidade, consideradas como os indivíduos mais comprometidos sexualmente do
espectro citado desde o livro de Ebbing em 1886) ou marginal.
       O exemplo de José de Alencar em “O Cortiço” traz também imagens sobre a
masculinidade ideal a ser seguida pela burguesia letrada da época: o homem deve ser
culto, buscar ser algo melhor na vida, obter posses sempre que possível, ter um corpo e
comportamento másculo, ocupar profissões          ditas masculinas, ser branco e
heterossexual. E isso é apenas um espelhamento brasileiro da cultura vigente da época,
que trazia a ciência em primeiro plano, como nos dias de hoje, dando suporte e
justificativas às representações de feminilidade e masculinidade. Quem deve construir
este conhecimento científico? O homem. Quem deve passá-lo adiante através da
cultura? A mulher.
       A fêmea humana tem grandes obrigações desde o começo do século XX até a
presente data: reproduzir o conhecimento. É a ela que é dado o papel de educadora das
crianças, cuidadora, portadora das emoções e do 6o sentido... Uma sensibilidade que só
ela pode ter. E ao homem, seu oposto: produzir conhecimento. Ser forte, cheio de razão,
nunca chorar (ao menos não ser visto chorando). Até os anos 50 do século XX, o
homem era alocado no espaço público, a mulher, no privado. O homem, o self-made-
man. A mulher, a rainha do lar. Cada um com seu papel. E quem não tem papel, na
sociedade não está. Minorias homossexuais, transexuais e travestis eram resumidos aos
livros de patologias e às ruas sujas e estreitas do esquecimento. O binarismo do gênero
invalida completamente outras possibilidades de ser e estar no mundo que não sejam
essas duas, homem e mulher. Ser homem, identificar-me com o masculino e gostar de
mulheres. Ser mulher, identificar-me com o feminino e gostar de um homem. E os
entremeios?


                                                                                    23
Além dos estudos psicopatológicos, surgiram nos anos 80 e 90 os estudos
Queer5. Estes foram empreendidos por autores como Judith Butler, Lauren Berlant,
Michael Warner, e tinham como objetivo primordial desatar as categorias gênero, sexo e
sexualidade, com o interesse de observá-las de forma separada, desfazendo o ideal da
heteronormatividade6 que guiava os estudos psicopatológicos. Inicialmente, a teoria
Queer se ocupou de comportamentos homoafetivos, porém logo se fez presente no
campo das transgeneridades, do cross-dressing, dos trânsitos de gênero, de sexo e de
sexualidade, pondo à prova até os termos “homem”e “mulher”. Os estudos queer
revolucionaram o modo de olhar para como se forma a identidade de alguém nos
âmbitos citados acima, e influenciaram áreas do conhecimento diversas, como as
ciências psi, as ciências sociais, a história, o direito, e várias outras, mudando o foco das
desigualdades entre os gêneros, como fazia o feminismo, para as vivências de pessoas.


        I.7. Atualmente: A Masculinidade em Questão
        Na época atual vigora a Pós Modernidade7. Não chegamos aos carros voadores,
mas alcançamos uma sociedade em que os veículos motorizados são utilizados até para
ir à esquina. O consumo desenfreado é característica marcante nas relações e aqueles
que não possuem meios de comprar o que querem quando querem, são jogados à
margem. Tudo pode ser consumido, desde máquinas de lavar até os “Identikits” como
cita Oliveira(2004):
                                 “Se há problemas, ótimo, nós temos a solução! O
                        mercado não tarda a oferecer seus préstimos. Quereis
                        identidade? Oferecemos várias possibilidades em cores,
                        diferentes tamanhos e para todos os bolsos. Identikits são
                        oferecidos “sob medida”, atendendo a todas as diferentes
                        individualidades, isto é, “personalizados”. Você pode ser
                        uma mulher moderna, liberada, desembaraçada, ou então

5
  Queer pode ter vários sentidos na língua inglesa, entre eles, alegria e homossexualidade. Muitas vezes,
esta palavra é empregada no sentido pejorativo, mas o intuito dos Queer Studies é exatamente utilizar o
termo e tornar seu sentido como algo positivo, a ser admirado.
6
   Heteronormatividade significa segundo Maciel Jr.(2006), Heteronormatividade se refere a uma
ideologia que promove uma perspectiva convencional das relações de gênero e da heterossexualidade, e
uma visão tradicionalista da família, como a maneira correta das pessoas viverem.
7
  A pós modernidade, ou “modernidade líquida” segundo Bauman(1991), é o período logo após a queda
do Muro de Berlim em 1991 que tem como principais características a ambivalência de valores sociais, a
sociedade individualista, capitalista, onde não há tempo suficiente para o estabelecimento de novos
valores pois estes “se dissolvem”, como afirma o autor, tão rápido quanto foram criados. Segundo Rossi
(s/d), “na cultura pós-moderna, tudo é muita coisa, sempre é muito tempo; nada deve durar demais e cada
indivíduo é, por si só, autosuficiente, um conjunto já bem saturado de dilemas e insatisfações”(p. 5)
                                                                                                      24
uma dona-de-casa responsável, ponderada, amável, ou
                    ainda uma jovem romântica, antenada, sensível, e isso só
                    para começar. Para os homens, temos o identikit magnata
                    impiedoso, autoconfiante, empreendedor; ou o jovem
                    intelectual, estudioso, doutorando, talentoso; ou ainda o pai
                    responsável, educado, charmoso, mas ao invés de ser o pai
                    responsável, temos o solteiro bom partido, atlético, sexy,
                    macho de físico exuberante. Se não gostar de nenhum
                    desses, pode-se fazer uma bricolage self-service, onde o
                    cliente escolhe duas características de cada um e ele próprio
                    compõe seu identikit.”(p. 133)
       A cultura tornou-se tão representada pelos meios de consumo que ela não só
ajuda a vender mais, mas modifica em alguns anos a bagagem cultural de cada um. Não
apenas as culturas são múltiplas, mas também fluidas, mutantes, o que traz ao homem
contemporâneo angústia e falta de identidade fixa, que lhe dê segurança.
       O mercado de trabalho é composto por homens e mulheres, ambos grandes
usuários da tecnologia e julgados por sua performance e competência, mas as mulheres
ainda ganham menos que os homens, são tratadas como potenciais mães (como afirma
Beauvoir(1949), encerradas em seu sexo biológico), e passíveis de “mudanças
hormonais”, a TPM, sempre que reivindicam algo melhor, ou brigam por algum motivo,
seja sobre o controle remoto da TV, seja por melhores condições de vida. E claro, quem
não cabe na definição homem ou mulher de forma bem dicotômica, não é nem
considerado como parte da sociedade (isso afinal não mudou, transgêneros em geral
continuam marginalizados e encerrados à escória da humanidade e aos livros de
degenerações mentais e físicas).
       Outra característica crucial de nossa sociedade é o individualismo: é difícil o
envolvimento amoroso ou afetuoso com algo ou alguém. E por não nos apegarmos,
participamos de uma sociedade onde os valores são supérfluos, as relações superficiais,
e o amor, algo que desperta medo, por mais que este seja ainda celebrado como ideal. O
feminismo trouxe vários efeitos importantes para revermos as questões relativas à
desigualdade de gênero, a sexualidade, comportamentos masculinos e femininos. Mas a
mudança é individual e ainda não reverteu para uma sociedade mais igualitária ou justa
para todos. Os direitos são usufruídos individualmente e os deveres são cobrados dessa
forma também, então, nossa sociedade continua favorecendo uns e desfavorecendo
outros de acordo com os critérios que poucos dela decidem.
                                                                                    25
Bauman(2007) comenta que nossa sociedade passou de estado “sólido” ao
“líquido”, ou seja,
                      “uma condição em que as organizações sociais
             (estruturas   que   limitam   as   escolhas    individuais,
             instituições que asseguram a repetição de rotinas,
             padrões de comportamento aceitável) não podem mais
             manter sua forma por muito tempo (nem se espera que o
             façam), pois se decompõem e se dissolvem mais rápido
             que o tempo que leva para moldá-las e, uma vez
             reorganizadas, para que se estabeleçam.” (p. 7)
       Em alguns anos na história do ser humano houve tantas mudanças que mal
conseguimos nos adaptar psicologicamente a todas estas novas demandas, as quais
continuam muitas vezes permeadas pelos padrões antigos de modo imperceptível,
presentes em como nos comportamos, e como refletimos sobre o mundo.
       A masculinidade então é percebida também nos dias de hoje como oposta e
complementar à feminilidade: o masculino é viril, contém a força, dá grande valor à
penetração e à intrusão, é demonstrativo (no sentido que só existe ao demonstrar-se em
relações), se utiliza sempre da razão, acredita num poder centralizado (falo), situa-se no
mundo público, possui iniciativa, preza a individualidade, a produção, a atividade e a
agressividade. São estes valores que, de acordo com Maciel Jr. (2006) vão servir como
modelos do que os homens devem ser e como devem se relacionar, sejam eles homens
transexuais ou homens biológicos: o Gênero revela-se nas práticas e nos discursos, e
manifesta-se por exemplo na relação do indivíduo consigo, com pessoas do mesmo ou
do outro sexo, com os filhos, com a família, com a sociedade e suas normas, regras e
valores, na vivência da sexualidade, etc. O homem deve mostrar ao espelho e ao mundo
que é homem. Mas de que isso vale atualmente?
       Pode-se dizer por meio de Dorais(1988) que o homem cavou para si mesmo sua
cova; isso porque espera de si e dos outros o ideal de masculinidade, enquanto só
encontra masculinidades subordinadas, inclusive a sua própria: o homem não deve
chorar, mas sente e tem vontade quando passa por uma situação impactante em sua
vida; o homem tem que ser viril, mas não consegue ser potente o tempo inteiro em
qualquer fase de sua vida. Ele deve ser o provedor, mas como se não consegue emprego,
e sua mulher sim, ou se ganha menos que sua mulher? E nas relações amorosas, o
                                                                                       26
homem não pode se envolver? Tantos questionamentos devem deixar os homens
confusos... (nota da pesquisadora) A mulher não é mais o sexo complicado, frágil; e
agora, quem poderá salvar o “homem desamparado”? Como afirma o mesmo autor:
                            “Esta confusão e esta insegurança decorrem das
                    transformações sociais e culturais que, em menos de trinta
                    anos, produziram uma reviravolta nas principais fontes da
                    identidade masculina. O trabalho, o poder, a família, e
                    mesmo a aparência física e a sexualidade do homem se
                    modificaram. Essas mudanças não apenas exigiram
                    adaptações por parte dos homens, mas mudaram a própria
                    noção de masculinidade” (p. 18)
       Outros pesquisadores como Maciel Jr.(2006) também percebem estas mudanças.
Estudos diversos citados em sua tese de doutorado remontam um panorama
completamente novo sobre os homens, principalmente por que antes de pesquisarem
sobre a feminilidade e o gênero, nada haviam falado sobre a “nova masculinidade”, e
como os homens se relacionam com ela. Quais as diferenças agora entre homens e
mulheres? Um pedestal tão avidamente construído pelos homens agora bate de encontro
com o das mulheres, se choca e se mistura em pedras ambíguas, não se sabe mais de
quem é o pedestal, ou se ele ainda existe apesar dos escombros.
       Oliveira(2004) também ressalta a masculinidade atual como muito influenciada
por uma tentativa de desconstrução de valores antigos, inclusive a própria
masculinidade, o que resulta em um declínio nas classes médias e altas quanto ao
domínio exercido. Isso por que existe uma luta às hierarquias no período da pós-
modernidade (aliás, o termo pós-modernidade vem das artes, um período de
desconstrução do ideal do período perfeito na arte, para colocar as tendências lado a
lado, apenas diferentes), uma busca pelo consumo (reprodução) ao invés da
criação(produção), uma descentralização de poderes.
       Nesse estudo, espera-se compreender como se processam estas transições no
âmbito pessoal e relacional tão cheias de expoentes e influências. Será a masculinidade
atual a mesma do passado, com uma roupagem mais “bonitinha” (mandando e
desmandando com um terno Armani® e as unhas pintadas com base)? Ou as angústias e
conflitos tomaram este papel e transformaram os homens para sempre? Buscamos
compreender como se revelam as possibilidades de construção e expressão das
masculinidades por meio de categorias de análise relacionais, ou seja, como discutimos

                                                                                    27
que a masculinidade é demonstrativa e é sempre negociada por meio da relação do
homem com outros objetos, inclusive ele mesmo, é importante observarmos como ela se
expressa em cada campo relacional (como ele se relaciona consigo mesmo, com
homens, mulheres, filhos, no trabalho, entre outros).




                                                                                28
Capítulo II - Em que campos a Masculinidade se expressa?


        Estamos nos referindo nessa pesquisa a gênero, ao gênero masculino.
        Pedrosa(2009), ao discutir gênero, trabalha com a vertente comportamental
quando diz que são comportamentos reforçados através do convívio social que geram a
identidade de gênero. Então gênero referir-se-ia a vários comportamentos que,
reforçados pela sociedade, dão origem aos papéis de gênero, feminino e masculino, que
se modificam através do tempo de acordo com os comportamentos reforçados ou
eliminados.
         Hime(2004) também nos ajuda a entender o gênero quando afirma que “o
gênero revela como as diferenças sociais se estruturam a partir das diferenças entre os
sexos e como se atribui significado às relações de poder”(p. 7) observando assim como
Maciel(2006), Welzer-Lang(2004), Connell(2005) entre outros, que as relações sociais
são primordiais para a identidade de gênero, e que elas ditam muitas vezes como
devemos interagir com homens, com mulheres e com ambos.
        Barbieri (1990) afirma que o sexo socialmente construído, ou gênero é

                              “En otras palabras: los sistemas de género/sexo son
                    los conjuntos de prácticas, símbolos, representaciones, normas
                    y valores sociales que las sociedades elaboran a partir de la
                    diferencia sexual anátomo-fisiológica y que dan sentido a la
                    satisfacción de los impulsos sexuales, a la reproducción de las
                    especie humana y en general al relacionamiento entre las
                               8
                    personas” (p.100)

        Esta autora é importante, pois localiza a origem do gênero no corpo, como
Beauvoir(1949), e faz do gênero algo que se vincula às características corporais. As
mulheres, por causa da possibilidade de gravidez, do corpo propenso a armazenar
gordura em locais específicos, das mamas, etc, deve ter características femininas como
o cuidado, a passividade, e portando serão oprimidas pelos homens, que tem os
músculos mais desenvolvidos, possuem um pênis de modo a penetrar, e portanto
oprimirão, serão ativos e se utilizarão da força e do poder que seu corpo lhes gera. É

1
 “Em outras palavras: os sistemas de gênero/sexo são os conjuntos de práticas, símbolos, representações,
normas e valores sociais que as sociedades elaboram a partir da diferença sexual anatomo-fisiológica e
que dão sentido à satisfação dos impulsos sexuais, à reprodução da espécie humana e em geral ao
relacionamento entre as pessoas”
                                                                                                     29
desse olhar unido às descobertas científicas que abstraímos que o conceito de sexo é
construído através das características corporais sexuais primárias (pênis, testículos e
útero, ovários) assim como secundárias (pêlos corporais, localização de gordura,
aumento ou não de mamas, desenvolvimento muscular, etc).
       Essa visão é reproduzida em vários textos feministas e em textos científicos
também; até hoje, e essa é uma das teorias mais aceitas quanto ao início do conceito de
gênero: o corpo. Segundo a definição de Barbieri (1991), todas as sociedades, para
sobreviver, precisam de mulheres em idade fértil. Como só elas são capazes de gerar
vida em seus corpos, as sociedades lhes atribuem um poder. Este fato leva à necessidade
de controlá-las sem, no entanto, destruí-las. Este controle se dá por meio da capacidade
reprodutiva, da capacidade erótica e de sua força de trabalho. Assim, há uma
transformação do pênis em falo, exato símbolo de poder, e um valor é colocado na
virgindade, na infidelidade feminina, valorada de maneira muito diferente da masculina,
considerada algo sem importância. Embora o corpo feminino e masculino possam dar e
ter prazer, apenas o feminino é considerado objeto sexual. E finalmente, a capacidade de
trabalho feminina poderia dar às mulheres a autonomia necessária ao questionamento
das relações de dominação-submissão. Para esta autora, a partir das diferenças
biológicas constroem-se as desigualdades entre homens e mulheres.
       Para outros autores, como Kimmel, Connell, Maciel Jr. e Butler, o ponto de
partida é o social, arena onde se articulam as relações de gênero que veiculam o poder,
sustentado pela criação de heranças biológicas, usadas para justificar as desigualdades.
Mas como pessoas então podem ter gêneros e sexos diferentes?
       É a partir desta questão que Bento(2006) expõe um outro universo, seguindo
autoras como Butler(1999) que questiona os entremeios do gênero: existem pessoas que
não são homens nem mulheres? Onde elas se localizam no espectro binário de gênero
construído pela nossa sociedade? Como podemos compreendê-los/as? Esta autora então
desconstrói o gênero para então entender o que se passa para que sejamos masculinos ou
femininos. Ela afirma por fim que, diferentemente de Barbieri(1991) e grande parte das
feministas, o corpo não é a matriz do gênero e sim, valores sociais e constructos da fala
e da cultura que são a matriz de como vemos o corpo, e dessa forma, construímos nossa
visão do gênero e do corpo. Isso significa que o corpo que conhecemos é permeado de
valores, e são eles que nos fazem afirmar que um corpo é masculino ou feminino e que
também se deve agir de modo feminino ou masculino. Por ser um constructo idealizado
                                                                                      30
pelo ser humano, o corpo e suas normas hegemônicas se modificam ao longo do tempo
e do espaço e desta forma podem se modificar em relação ao momento histórico-social e
o lócus geográfico. Essas normas, ou leis, como afirma a autora, se materializam no
decorrer de um processo, nunca de uma vez só, apenas no nascimento ou através de um
ritual.
          Mas também não é possível enxergarmos o corpo pelo corpo, sem as normas de
gênero, pois elas se constituem como um ideal hegemônico, e é muito difícil nos
desviarmos deste valor que nos é ensinado e que atuamos desde bebês. Bento(2006)
afirma que
                      “Quando o médico diz ‘é um menino/uma menina’ produz-se
              uma invocação performativa e, nesse momento, instala-se um
              conjunto de expectativas e suposições em torno deste corpo. É em
              torno dessas suposições e expectativas que se estruturam as
              performances de gênero. As suposições tentam antecipar o que seria o
              mais natural, o mais apropriado para o corpo que se tem”(p. 88)
          Também não é possível pensar que o corpo não influi no gênero, que ele é
completamente passivo em relação às normas sociais, e que estas não têm uma base no
mundo físico. Mas a cultura se constrói como o corpo se constrói, e existe uma dialética
entre as construções sociais sobre o corpo e o gênero, de forma que a materialidade do
corpo também é capaz de produzir, além de reproduzir, como foi pensado por Beauvoir.
Butler(1993) nos traz estas indagações e dessa forma é possível pensar no/a transexual,
n@9 travesti, nos drag kings e drag queens como o faremos neste trabalho.
          Os estudos de gênero são deste século e muito se referiram às mulheres, aos
homossexuais, aos desviantes em geral e suas angústias, suas disfunções dentro de uma
sociedade que se baseia em uma heteronormatividade, onde o macho é divinizado pelas
suas características inatingíveis. Por que então, agora, falar deste macho? Será que ele
também não tem funcionado dentro da lógica criada por ele e para ele?
          É importante também contextualizar os estudos sobre a masculinidade para que
entendamos em que ponto estamos na pesquisa. O feminismo foi precursor nos estudos
sobre gênero e até se escrevia sobre as “hombridades” de forma escassa antes das

9
  O arroba, quando substitui a vogal de uma palavra que contenha como característica o gênero, tem como
significado um gênero não conhecido, ou diferente do masculino ou feminino. Entre @s travestis, isso é
muito comum, pois é falta de respeito na maioria do tempo chama-l@s de homens, e nem tod@s se
reconhecem como mulheres, ou se percebem dessa forma. Por essa razão, a linguagem utilizada pel@s
mesm@s é essa, e aqui será reproduzido em respeito ao como el@s querem ser denominad@s, segundo
conversas informais com estas pessoas durante os anos de 2008 a 2010.
                                                                                                    31
feministas de acordo com Maciel Jr.(2006), mas até Nicole-Claude Mathieu, em 1971, o
estudo das mesmas se resumia às mulheres; os desviantes eram o problema a ser
“dissecado” como afirma Welzer-Lang(2004). Mathieu foi a primeira pesquisadora de
que se tem notícia a propor que estudemos os homens tanto quanto as mulheres, pois
sendo ambos formadores de um sistema relacional, o estudo de uma categoria de gênero
fica incompleto se deixarmos de estudar a outra.
       Como Cecchetto(2004) comenta, não é possível falarmos que o tema da
masculinidade foi completamente esquecido antes deste século, mas é importante frisar
que apenas um tipo de masculinidade não deixou de aparecer: o modelo hegemônico de
cada época.
       Porém a masculinidade como um todo ficou às escuras por tempo demasiado
após Mathieu. Isso não quer dizer que não houve sociólogos, psicólogos, historiadores e
médicos olhando para questões do masculino, porém este foram raros em comparação
com o florescimento dos estudos de gênero. Podemos citar algumas revistas como
Types- Paroles d’hommes e Contraception Masculine- Paternité, e autores renomados
na década de 70 como Lefaucheur e Falconnet(1975), e no começo da década de 80,
Emmanuel Reynaud e Guido de Ridder, além de Michel Foucault, Philippe Ariès, Jean
Genet e Michaël Pollack entre alguns outros.
       Como foi dito por Maciel Jr.(2006),
                           “Na segunda metade da década de 80, iniciaram-se
                     estudos e pesquisas centradas no tema-questão dos homens
                     e da masculinidade, tendo como característica principal a
                     rejeição ao modelo tradicional vigente que interpretava a
                     experiência masculina como a norma”(p. 10)
       Então, o homem não mais é um ser já prescrito, moldado como sendo agressivo,
competitivo, caçador, dominador, entre tantas outras características que ele pode
apresentar. Ele pode ser isso, mas pode também não ser. E foram estes estudos na
década de 80 que começaram a perceber o homem e a masculinidade como
possibilidades diferentes e até excludentes em alguns casos, como podemos ver nos
ideais das mulheres e homens transexuais. São poucos os estudos sobre a masculinidade
se comparados aos outros estudos de gênero, mas eles formam um panorama geral a
respeito de quem são estas pessoas, mostrando as várias possibilidades do “ser” e do
“tornar-se” homem.


                                                                                    32
Quando estudamos gênero, é imprescindível notar como as relações de poder se
inscrevem entre as possibilidades de gênero, seja dos homens para com as mulheres,
seja entre homens e entre mulheres, ou qualquer outra possibilidade. Como os estudos
de gênero e mais tarde os men’s studies foram baseados com razão nessa desigualdade,
porque ela existia, era perceptível e continua sendo através dos olhos de Maciel
Jr.(2006), Welzer-Lang(2001, 2004), Hime(2004), Monteiro(1997) entre vários outros
autores, observar apenas as diferenças seria deixar de olhar uma das mais importantes:
quem construiu a história até há pouco foram homens, e eles detém todo este know-how,
em detrimento das outras formas de gênero, que andaram à margem dos livros e da
História humana, deixando suas marcas em leves pinceladas através de olhares
masculinos.
       Uma característica da expressão da masculinidade é que diferentemente das
mulheres, os homens precisam provar o tempo inteiro que são masculinos, que cultivam
estes ideais e valores, seja para si, seja para outras pessoas. Se o homem fraqueja em
demonstrar que é masculino, é como se esta característica se esvanecesse para fora de si.
Ele reforça isso para seus colegas de sexo e também para as mulheres, dizendo o que
devem ou não fazer. Suas prescrições também são para si, para lembrar em toda e
qualquer situação de que é um homem, de que é forte, detém o poder, é racional, etc.
       Weininger, no começo do século XX, foi um dos primeiros a afirmar que estas
constantes demonstrações de masculinidade se deviam ao fato de um hermafroditismo
original que faz com que o homem, diferentemente da mulher, tenha que diferenciar-se
da mesma, se não seu “outro lado” transpareceria. Apesar de como via as mulheres,
Weininger, segundo Cecarelli(1998), influenciou toda uma geração sobre a indefinição
de gênero inata dos seres humanos, e sobre o fato da masculinidade não ser algo detido
pelos homens, mas sim algo desejado e necessariamente inatingível enquanto ideal.
Connelll(2005) então formula a possibilidade de várias masculinidades, todas passíveis
de transformação ao longo do ciclo da vida, da sociedade em questão, da cultura, e ,
principalmente, de como este homem se relaciona.
       Por essa razão, é impossível perceber a masculinidade e como ela se expressa se
não está em relação, se não se expressa a algo ou alguém. Algumas categorias de análise
relacionais a seguir podem ser exemplificadas como portadoras das relações em que se
inscreve a masculinidade, as quais estudaremos com mais afinco por meio das
entrevistas.
                                                                                       33
II.1. O homem consigo mesmo
     O homem demonstra a si que é homem. Quando olha no espelho, vê
características que o fazem sentir-se masculino, de forma diferente das mulheres, como
afirma Beauvoir(1949) quando explana que a mulher foi presa em seu corpo de forma a
ser subordinada à razão masculina, em detrimento das sensações e sentimentos
considerados ponto forte feminino. Connell (1995) comenta que ao olharem para seus
corpos, os homens esperam transpirar, inerentemente, sua masculinidade, que é algo de
que não têm controle e que os liga ou desliga de certos comportamentos (liga-os à
violência, e desliga-os do cuidado com crianças, como exemplos). O corpo masculino
pode ser observado de duas formas: por meio da ciência biologicista, onde o sexo
produz as diferenças de gênero (o homem tem um pênis e deve ser ativo, como
possibilidade desse pensamento) ou o simbolismo impresso no corpo por sua sociedade
vigente (o homem é visto como o provedor, por exemplo, ativo, produtivo).
Butler(1993) com sua teoria de gênero nos aprofunda na compreensão do homem de
modo a percebê-lo como atravessado pelas regras sociais, pelos valores de uma
sociedade.
     Quando veste uma roupa, quando senta, quando fala, revela a si mesmo
características consideradas masculinas, e se mune consciente e inconscientemente
destas em seus pensamentos e de como foi-se percebendo enquanto homem ao longo de
seu ciclo vital;   É dessa forma que um homem transexual sabe que é do gênero
masculino, por exemplo, pois sua identidade de gênero demonstra a si estas
características, relaciona-se com a maneira que ele se percebe, e não ao seu sexo
biológico. Vamos entender então como se forma essa identidade de gênero, no geral.
     Helen Bee (2000), grande psicóloga desenvolvimental, afirma que para que um
ser humano tenha em sua identidade o gênero e o papel sexual, é preciso que ele possua
a constância de objetos, que ele perceba que ele é diferente do mundo e que permaneça
no espaço e no tempo. Através desse processo, o bebê começa a ter um senso de eu.
Mas não apenas isso; ele precisa dar qualidades a si mesmo, compreender-se como
objeto no mundo, dar-se um gênero, um tamanho, um nome, além de outras qualidades.
Essa segunda fase do desenvolvimento do Self começa com o bebê de aproximadamente
21 meses e vai se moldando daí em diante, através da interação com o mundo do
indivíduo.
                                                                                     34
Quanto ao desenvolvimento de gênero, este possui três fases primordiais: a
identidade de gênero, ou seja, o reconhecimento de homens e mulheres, inclusive a si
mesmo (que acontece entre 9 meses e 1 ano), a estabilidade de gênero que constitui
uma certa constância do sexo durante a vida (ocorrendo por volta dos 4 anos) e enfim, a
constância de gênero, onde a criança geralmente reconhece que alguém não muda de
gênero ao usar roupas diferentes, que ocorre durante o 5º e 6º ano de vida.
      Quanto ao papel sexual, ou às performances de gênero, começam a ocorrer dos 18
aos 24 meses de idade, quando os bebês começam a preferir brinquedos “femininos” ou
“masculinos”. Ela ainda ressalta que meninos normalmente têm estereótipos de papel
sexual mais rígidos e tradicionais que as mulheres, levando à hipótese de que as
características masculinas de gênero são mais valorizadas e reforçadas em nossa
sociedade, e por isso, as características consideradas femininas em nossa sociedade não
são alvo de desejo destes meninos, mas sim para as meninas, que flexibilizam mais seus
estereótipos de gênero para que estas características também caibam em sua definição
dos gêneros (existirão homens que gostam de se vestir de meninas também, usar o nome
feminino, ou até se tornarem mulheres, o que nos faz pensar que nem todos querem ser
pessoas com características masculinas, mas esta incógnita será resolvida em trabalhos
futuros.).
      Essa autora também comenta sobre crianças de sexo cruzado, citando John Money
ao falar que o gênero de criação da criança nutrirá sua identidade de gênero. Mas
também afirma que caso haja um desequilíbrio hormonal na mãe durante a gestação,
isto pode gerar meninas com características mais masculinas ou meninos com
características mais femininas. Até hoje, não firmou-se nenhum diagnóstico conclusivo
a respeito do aparecimento de pessoas transexuais e, até este segundo momento,
sabemos muito pouco como isso acontece. Mas nem pistas biológicas, nem pistas
sociais podem nos dar algo conclusivo sobre o tema. Mesmo assim, existem várias
teorias que poderão embasar nossa reflexão com as quais analisaremos os homens, e a
principal neste trabalho será citada a seguir.
      Quando falamos de identidade de gênero, precisa-se fazer uma ressalva: não
podemos considerar sexo como sinônimo de gênero; nem gênero como sexualidade.
Quando alguém considera-se homem fisicamente, não necessariamente se considerará
masculino, nem muito menos terá uma sexualidade pré-determinada. Temos
homossexuais, travestis, transexuais, crossdressers, drag-kings e drag-queens (entre as
                                                                                    35
variedades de trânsitos de gênero, sexualidade e sexo) para provar que nestes três
campos, nada é a priori, e as combinações originam um leque sem fim de possibilidades
de ser e estar no mundo. Os autores principais desta vertente teórica são Butler(1993),
Scott(1990), Derrida(apud Bento,2006). É importante que se considere como aquele ser
humano se constrói enquanto ser social que trará sua auto-imagem, como ele se vê e
como se sente sobre isso, ou seja, como sua auto-estima se constrói e reconstrói ao
longo do seu ciclo vital.
      Este ponto é fundamental para compreendermos a masculinidade, pois apesar de
nos situarmos em uma sociedade com concepções rígidas acerca do masculino, homens
transexuais e homens homossexuais são tão homens quanto homens biológicos e
homens heterossexuais e talvez esse seja o ponto de convergência mais gritante: “Eu
sou homem, ué...”
      Ademais, assim como Beauvoir afirma que mulheres não nascem mulheres,
tornam-se mulheres, os homens negociam suas masculinidades a vida inteira, e se
tornam homens a cada momento em que vivem desta forma. Quando crianças, quando
idosos, quando adultos, os homens atuam diferentemente suas masculinidades e
exercem seus papéis de forma diferente durante suas vidas, com o que concordam
Welzer-Lang (2001; 2004) e Maciel Jr. (2006). O primeiro comenta sobre as relações
entre homens que chama de “a casa dos homens”:
                          “Nessa casa dos homens, a cada idade da vida, a cada
                  etapa de construção do masculino, em suma está relacionada
                  uma peça, um quarto, um café ou um estádio. Ou seja, um
                  lugar     onde   a   homossociabilidade   pode   ser   vivida   e
                  experimentada em grupos de pares. Nesses grupos, os mais
                  velhos, aqueles que já foram iniciados por outros, mostram,
                  corrigem e modelizam os que buscam o acesso à virilidade.
                  Uma vez que se abandona a primeira peça, cada homem se
                  torna ao mesmo tempo iniciado e iniciador.” (p. 3)
      E a cada etapa do masculino, assim como qualquer pessoa, ele ressignifica as
épocas passadas e vê de modo diferente que tipo de homem quer ser no futuro.
Pensando que existem vários tipos de homens em etapas diferentes e modos diferentes
de exercer sua masculinidade, como estes reagem quando estão com outros homens?




                                                                                      36
II.2. O homem com outros homens


         A pergunta feita no subtítulo acima traz ainda mais dúvidas: como o indivíduo
percebe outros do seu próprio gênero, objetivamente e subjetivamente? Onde e o que
eles conversam em cada ambiente que freqüentam? Como estas relações se transformam
ao longo do tempo? Como é uma amizade entre homens? Como um homem deve agir
quando deve dar um exemplo a um outro homem mais novo? E quando a relação se
inverte? Do que eles tanto contam vantagem? E as competições intermináveis entre
colegas de trabalho, nos esportes, etc.? Como é a relação amorosa homossexual?
Podemos ver que este tópico “dá pano
para a manga” e muitas destas questões
vão ser respondidas de forma simples
demais     para as      reflexões     que elas
oferecem. Mas vamos tentar aqui passar
por todas estas e quem sabe, ainda outras
que surjam pelo caminho...
      Os homens têm algumas relações
com outros homens autorizadas pela
sociedade vigente e outras que não, mas
nem por isso deixam de fazê-lo. Os
homens podem ser pais, filhos, colegas de
trabalho, amigos, competidores, inimigos,
conhecidos, namorados, amantes. E como
afirma      Connell     (2005),      essas   Figura 2 – Homer Simpson, um personagem da televisão
relações podem se dividir em quatro          com seu filho, Bart Simpson; a relação entre
                                             masculinidades é bem presente nesta série de televisão,
grandes       blocos:       hegemonia,       principalmente quanto à relação pai e filho, mas também a
subordinação,         cumplicidade      e    respeito do homem e como ele atua com outros homens.

marginalização, cada qual com suas características principais:
  •   A hegemonia ocorre quando uma forma de masculinidade é exaltada em
      detrimento de outras formas de masculinidades e formas de gênero, e é o tipo de
      relação mais comum e bem aceita na história da humanidade; depende da
      correspondência desta com ideais culturais e poder institucional. Tem como ponto
      chave a autoridade e às vezes a violência pode lhe dar suporte. A hegemonia
                                                                                                 37
masculina pode muito bem ser erodida por outras formas de gênero e, portanto, se
      altera. Um exemplo de masculinidade hegemônica através dos tempos é o homem
      branco heterossexual machista.
  •   A subordinação existe em razão da hegemonia, e tem vários efeitos sociais, como
      a baixa auto-estima destas pessoas, a violência e humilhação verbal e física para
      manter os subordinados em seu lugar, a discriminação de forma negativa de suas
      características, apesar de haver outras que se encaixariam no perfil hegemônico
      (como a discriminação econômica). Podemos citar como exemplo histórico de
      masculinidade considerada subordinada os homossexuais, os homens negros, os
      homens transexuais, homens com deficiências físicas e mentais, entre muitos e
      muitos outros (veja bem, se um tipo de masculinidade é hegemônica, neste
      momento, todas as outras são subordinadas).
  •   A cumplicidade é a relação em que não se exerce poder sobre outras pessoas,
      existe um mútuo acordo entre as partes e não se pensa muito sobre o modelo
      hegemônico de masculinidade, mesmo que ele exista e influa nessa relação
      também. É onde o respeito e a amizade podem estar, como na relação entre pai e
      filho, e exige profundidade.
  •   A marginalização é a relação em que mesmo que os grupos subordinados possam
      trazer características boas, eles não serão inclusos na masculinidade hegemônica.
      Exige a autorização do grupo a ser marginalizado.
      Então, através dessas relações, cada um dos tipos de vínculo que estes homens
formam pode ser diferente. Um homem pode namorar outro homem e mantê-lo
subordinado a ele, ou pode ser cúmplice e viver um relacionamento entre iguais.
      Outro autores como Williams(1985), falando sobre a amizade entre homens,
comenta que as relações de poder permeiam muito estas amizades, e que têm muito
mais a ver com possuir um grupo que o apóie caso se sinta ameaçado do que dividir
confidências ou se sentir bem quando seus amigos estão lá. Demonstrar intimidade seria
então algo a se fazer a uma mulher e de preferência na cama, nunca com um colega
homem. Williams também comenta que dependendo do quão feminino ou masculino
um homem for, isto varia, pois os nos padrões femininos de amizade incluem-se a
intimidade e a liberdade de expressar sentimentos.
      Já Migliaccio(2009) e Kimmel(2000) percebem que os modos como vemos a
intimidade estão extremamente ligados à intimidade feminina, sendo esta a única forma
                                                                                    38
Masculinidades - Mariana Ghetler
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Masculinidades - Mariana Ghetler

  • 1. Introdução No Brasil, é importante perceber que são poucos os estudos sobre a masculinidade, como ela é construída individualmente, suas características primordiais, e onde elas se manifestam no dia a dia. Pensando numa frase de Maciel Jr. (2006), “Muito além do sexo, os homens não nascem homens, tornam-se homens” (p. 9) é importante relembrar que a mesma coisa que Simone de Beauvoir afirma para as mulheres, vale também para os homens: a masculinidade mantém-se em constante movimento e isso não apenas diferencia uma mulher de um homem, mas um homem de outro. Além disso, não é a característica física que miraculosamente dá ao homem biológico, ou ao homem transexual (por mais que as bases biológicas da transexualidade estejam sendo ainda confirmadas) sua masculinidade: ela é construída, muito além do que o biológico apresenta ou potencializa. É relevante também ressaltar que a masculinidade hegemônica perpassa as masculinidades subordinadas: cada indivíduo constrói-se a partir de uma história de vida durante o desenrolar de seu ciclo vital, dos acontecimentos sócio-econômicos e históricos e da cultura inserida em determinado espaço geográfico. Segundo Connelll (apud Maciel Jr.,2006) “masculinidade hegemônica pode ser definida como a configuração de uma prática de gênero que incorpora a resposta aceita ao problema de legitimidade do patriarcado, que garante (ou que se ocupa em garantir) a posição dominante dos homens e a subordinação das mulheres” (p. 55) Portanto, a masculinidade hegemônica refere-se a uma dinâmica cultural pela qual um grupo exige e sustenta uma posição de poder na vida social. Ela constrói-se na relação com outras masculinidades e feminilidades, submetendo-as e dissimulando-as. Há masculinidades dominantes, ou seja, consideradas hierarquicamente superiores, e outras cúmplices, subordinadas ou marginalizadas, que são transformadas em duvidosas e desprezíveis. A masculinidade hegemônica refere-se ao homem “normal, verdadeiro”, viril na aparência e nas atitudes, não efeminado, ativo e dominante. Segundo Connell (1995) as outras masculinidades todas, como a gay e a transexual, por exemplo, são masculinidades subordinadas. 1
  • 2. De acordo com Maciel Jr. (2006) a “masculinidade hegemônica é um modelo dificilmente alcançado por todos os homens, embora tenha ascendência sobre os demais modelos” (p.60). Oliveira (2004) afirma que a masculinidade “(...) destacou-se como valor básico sobre o qual a sociedade burguesa construiu sua auto-imagem. Os “desviantes” forneciam o modelo às avessas, “contratipo” que figurava a antinorma, o antiparadigma do homem burguês.”(p.78) Esta pesquisa se propõe a investigar como a masculinidade é construída por homens transexuais, homo e heterossexuais, para que se possa refletir sobre como a masculinidade hegemônica permeia os ideais e o imaginário social. A compreensão das articulações e negociações entre a masculinidade hegemônica e as subordinadas ao longo da história dos participantes permitirão uma reflexão sobre as comunalidades e diferenças entre eles. Podemos evidenciar que a relação entre masculinidade e homoafetividade muitas vezes é deixada em detrimento da não-relação entre sexualidade e gênero, que muitas vezes é abordada na literatura queer, como é o caso de Sullivan (2003) ou Jagose(1996). Porém é algo que devemos nos deter de modo a comprovar ou modificar tais afirmações, de modo a entender melhor como esta relação (se é que ela existe) ocorre. A partir de pesquisas anteriores (Carvalho, Lopes e Ghetler, 2008; Bento, 2006) verificou-se também que o tema da transexualidade é muito pouco abordado pela Psicologia. Faltam principalmente conhecimentos acerca dos homens transexuais (pessoas com o sexo feminino e gênero masculino), que são menos evidenciáveis devido à dificuldade da cirurgia de transgenitalização (pelo risco que ela traz de um processo de necrose do neo-falo, e pelo preço). De acordo com Saadeh (2004) eles também são minoria se comparados às mulheres transexuais (pessoas com o sexo biológico masculino e gênero feminino), numa proporção que varia mundialmente de 1:1 a 1:4. Para entendermos do que se trata o trabalho, é preciso explicar alguns conceitos chave que irão nortear a pesquisa. A transexualidade de acordo com Bento (2008) é a “Dimensão identitária localizada no gênero, e se caracteriza pelos conflitos potenciais com as normas de gênero à medida que as pessoas que a vivem reivindicam o 2
  • 3. reconhecimento social e legal do gênero diferente ao informado pelo sexo, independentemente da cirurgia de transegenitalização” (p. 144). Ou seja, é um fenômeno que se origina da dissonância entre o sexo biológico e a identidade de gênero de um indivíduo situado em determinada sociedade em um dado momento histórico e situação geográfica. Por esta razão diferencia-se do travesti, que de acordo com Kulick (2008), as travestis “consideram sinal de psicose o caso de homens que pretendem ser mulheres” (p.102), ou seja, por mais que mudem sua aparência para uma que denuncia traços das normas de gênero oposto ao sexo, não sentem-se em discrepância com seu sexo biológico. Também se diferenciam dos homossexuais, pois, como Rubin (1989) afirma, sexualidade e gênero são âmbitos completamente diferentes e se a escolha de um indivíduo é homoerótica não significa necessariamente que suas características de gênero irão se alterar. Essas confusões entre travestis, gays e transexuais sempre foram muito comuns, pois como cita Bento (2006) apenas nas décadas de 60 e 70 eles foram diferenciados pela Ciência e muitas dúvidas e preconceito ainda se mantêm. O fenômeno da transexualidade é bastante incomum na sociedade ocidental, e considerado pela medicina como expressão de gênero não pertencente à normalidade. Por isso pode ser encontrado inclusive no DSM-IV pelo termo de transtorno de identidade de gênero e transexualismo, no CID-10. É importante perceber que há intersecções entre a Psicologia e a Medicina na busca de compreensão do fenômeno transexual. Grande parte dos psicólogos referem-se ainda ao fenômeno com o termo transexualismo, e chamam os indivíduos com esta característica de transexuais masculinos, quando o sexo biológico é masculino e vice-versa, dando maior ênfase ao corpo biológico e não ao gênero. No entanto, se formos observar o fenômeno transexual com as/os próprias/os transexuais e alguns psicólogos com quem se entrou em contato, percebe-se que não necessariamente os próprios transexuais vão se auto-denominar desta forma. Aliás, preferem ser chamados pelo gênero que assumem, minimizando a importância do próprio corpo. Foi por este motivo que neste trabalho foi utilizada a denominação homem transexual, para respeitar os colaboradores da pesquisa e percebê-los como realmente são ou como querem se tornar. 3
  • 4. É também importante salientar que, como Bento (2008) afirma, não necessariamente estes indivíduos vão ter desconforto com seu próprio corpo; existem transexuais que preferem não fazer a cirurgia de re-designação sexual como podemos perceber de P. (Carvalho, Lopes e Ghetler, 2008), uma mulher transexual com a qual entrou-se em contato para pesquisas anteriores, que afirma que, por não ser mais tão jovem, e pelo fato de que é algo muito íntimo com que não deixa ninguém ter contato, não mudaria em seu corpo. Porém o nome é algo extremamente importante para ela, pois só dessa forma ela pode exercer sua profissão. Sendo que obteve muitos feitos com a identidade masculina, dos quais é muito orgulhosa, na arquitetura, só pode recobrá-los após sua alteração de nome. Outro caso é de E., que logo ao falar com seu psicólogo, no começo da transição, avisou-o de que não faria a cirurgia, pois não sentia isso como necessidade e não percebia sua genitália como parte integrante de um gênero específico ou não. Oito anos depois, é uma mulher em aparência que vive com seu marido e filhos (filhos seus com outra esposa) e continua sem ter feito a cirurgia. Considera-se mulher como qualquer outra. Preferiu-se, portanto, utilizar a denominação de Bento (2008) de transexualidade por ser mais generalista e, assim, não descartarmos sujeitos que fogem às regras diagnósticas, mesmo que a característica fundamental da transexualidade, a incongruência de sexo e gênero e o possível sofrimento a respeito das normas sociais associadas ao sexo biológico também se encontre nos manuais diagnósticos. É crucial pensar na homoafetividade aqui como sendo apenas o fato de alguém de um gênero específico sentir-se atraído emocionalmente por alguém do mesmo gênero que o seu, visto que existem variações sobre o que a homoafetividade significa enquanto sexualidade, gênero, e o efetuar deste desejo ou não. Desta forma, nas entrevistas, foi respeitado o critério dos entrevistados, de modo a perceber da forma mais concreta o que isto significa para eles. É importante também diferenciar sexo e gênero, pois em grande parte da história, acreditou-se que os dois necessariamente andavam de mãos dadas e isso não é completamente verdadeiro. O sexo de um indivíduo é atribuído pelas bases biológicas cientificamente formuladas. Isso implica atualmente nos caracteres sexuais presentes, sendo eles primários (gônadas, órgãos sexuais tais como pênis, útero e caracteres genéticos) e secundários (protusão de mamas, 4
  • 5. localização de depósitos de gordura, localização de pêlos, densidade óssea, diferença de quantidade de hormônios sexuais tais como progesterona, testosterona, estrógeno, entre outros). Já gênero é uma denominação criada nos entremeios dos movimentos feministas para designar, de acordo com de Barbieri (1990) “el sexo socialmente construído” e “En otras palabras: los sistemas de género/sexo son los conjuntos de prácticas, símbolos, representaciones, normas y valores sociales que las sociedades elaboran a partir de la diferencia sexual anátomo-fisiológica y que dan sentido a la satisfacción de los impulsos sexuales, a la reproducción de las especie humana y en general al relacionamiento entre las 1 personas”. (p.100) Com essa frase, entende-se que gênero é o sexo socialmente construído: refere-se a relações de poder (homem-homem; mulher-mulher; homem-mulher) que se inscrevem num determinado momento histórico e espaço geográfico. Articula-se com outras desigualdades como as raciais, étnicas, geracionais, de nível sócio-econômico, etc, como se refere Connelll (2000) ao dizer que essa bimodalidade é construída socialmente, mantendo-se apenas pelas relações de poder, que são veiculadas por práticas e discursos nem sempre coincidentes. Beauvoir (apud Bento, 2006) completa: “em verdade, basta passear de olhos abertos para comprovar que a humanidade se reparte em duas categorias de indivíduos, cujas roupas, rostos, corpos, sorrisos, atitudes, interesses, ocupações são manifestadamente diferentes”(p. 71) De acordo com Scott (1986), o gênero é uma forma primária de dar significado às relações de poder. Só se dá na relação, ou seja, não há a feminilidade sem a masculinidade, além de que não há subordinado sem o subordinador, e vice-versa. É de forma dinâmica que se dão as relações de gênero e subseqüentemente os papéis de gênero. Rubin (1989), afirma que sexualidade e gênero são âmbitos separados, ou seja, a sexualidade é um âmbito completamente diferente e deve ser analisada independente da categoria de gênero. Isso contribui muito para entendermos, por exemplo, o caso de um 1 “Em outras palavras: os sistemas de gênero/sexo são os conjuntos de práticas, símbolos, representações, normas e valores sociais que as sociedades elaboram a partir da diferença sexual anatomo-fisiológica e que dão sentido à satisfação dos impulsos sexuais, à reprodução da espécie humana e em geral para o relacionamento entres as pessoas” 5
  • 6. transexual que possui uma escolha homo-afetiva ( ou seja, deseja pessoas com o mesmo gênero identitário que o seu). Mais recentemente surge Judith Butler (1993) que afirma veementemente que a construção de gênero na ótica feminista acompanhou o sexo biológico para fazer uma leitura crítica da situação da opressão feminina, e isso na verdade foi inclusive moldado numa construção já autorizada socialmente, e tão imperceptível quanto a própria linguagem. Como comenta em seu livro “Bodies that Matter: on the discursive limits of ‘sex’ “: “It seemed to many, I think, that in order for feminism to proceed as a critical practice, it must ground itself in the sexed specificity of the female body. Even as the category of sex is always reinscribed as gender, that sex must still be presumed as the irreducible point of departure for the various cultural constructions it has come to bear. And this presumption of the material irreducibility of sex has seemed to ground and to authorize feminist epistemologies and ethics, as well as gendered analyses of various kinds. In an effort to displace the terms of this debate how and why “materiality” has become a sign of irreducibility, that is, how is it that materiality of sex is understood as that which only bears cultural constructions and, therefore, cannot be a construction?” (1993, p. 28)2 E assim, pode-se perceber que gênero, assim como todos os constructos subjetivos, é formulado socialmente. Na transexualidade isso é importantíssimo, pois o gênero não acompanha o corpo e a vivência transexual é então possível e não patológica, pois não se funda no corpo e sim na experiência descrita por Bento (2008) como “experiência identitária caracterizada pelo conflito com as normas de gênero”(p. 15). Mas então o que seriam estas normas de gênero, que delimitam possibilidades de ser e estar não apenas de transexuais, mas de qualquer ser humano? À feminilidade foram atribuídas tradicionalmente características como a sensibilidade e a emoção aflorada, a fragilidade (“em uma mulher não se bate nem com uma rosa”), a falta ou déficit de uma razão lógica, uma beleza construída através de valores que mudam com a “moda” (hoje, é ter cabelos compridos, repicados, soltos e lisos; na Idade Média era tê-los sempre presos 2“ Parece para muitos, eu acho, que para o feminismo continuar sendo uma prática crítica, ele precisou se firmar na especificidade sexuada do corpo feminino. Mesmo a categoria de sexo sempre ter sido inscrita como gênero, aquele sexo ainda precisa ser o ponto irredutível de partida de várias construções culturais com as quais teve de lidar. E essa presunção da irredutibilidade material do sexo parece ter dado chão e autorizado as epistemologias e éticas feministas, assim como análises de gênero de vários tipos. Em um esforço para retirar os termos deste debate de como e por que a “materialidade” chegou a ser um sinal de irredutibilidade, isso é, como a materialidade do sexo é entendida como aquela que só se dá com construções culturais e, portanto não pode ser uma construção?” 6
  • 7. em coque ou debaixo de panos e chapéus, e de preferência, com cachos; hoje é importante o valor da magreza e da proeminência de seios e glúteos; nas sociedades feudais era importante a opulência, para significar riqueza). Segundo Bandeira (1999) “ser mulher, ter um corpo de mulher em nossa sociedade significa responder a uma série de apelos que o ideário da cultura estabeleceu – ter um corpo dócil, desejante, harmonioso, uma sexualidade sadia, e, ao mesmo tempo, estar inserida num sistema pautado pela subordinação, submetido às práticas sexuais normativas (procriação)” (p. 191). A Psicanálise, como outras abordagens em Psicologia, pode ser considerada como exemplo de difusor deste valor, como indicam a resolução bem sucedida do complexo de Édipo e da fase genital da mulher. Freud deu à mulher permissão ao orgasmo, embora apenas ao vaginal. Segundo Hime(2004), “As diferenças de gênero têm raízes históricas em formas e estruturas de relacionamento segundo as quais os homens têm maior status que as mulheres. No passado elas dependiam dos homens para definir suas identidades e organizar sua vida e era esperado que fossem subservientes e atentas a eles. Os homens eram considerados a autoridade legítima na casa e era esperado que mantivessem sua posição, que dessem proteção a seus dependentes e evitassem a vulnerabilidade emocional. Embora os ideais de relacionamento tenham mudado, muitos estereótipos de gênero persistem. Influenciam nosso comportamento, principalmente quando ficam invisíveis”(p. 11). Assim como maior status, eles devem também ter maior controle emocional, já que a expressividade seria característica das mulheres: tornar-se homem implica, ainda nos dias de hoje, em diferenciar-se das mulheres e dos gays. “Homem não chora” é um ditado popular que revela a imagem de homem presente no imaginário social: o dono da razão, da frieza e da dureza, capaz de controle e domínio. Além disso, seu corpo também é regulamentado. Devem ser brutos, resistentes e esculpidos para qualquer combate que tiverem, seja nas grandes empresas, com ternos, 7
  • 8. gravata e ombros largos, ou com músculos para a batalha física de uma guerra, contra oponentes que não lhes darão trégua. A masculinidade então é percebida como oposta e complementar à feminilidade: o masculino é viril, contém a força, dá grande valor à penetração, é demonstrativo (no sentido que só existe ao demonstrar-se em relações), se utiliza sempre da razão, acredita num poder centralizado (falo), situa-se no mundo público, preza a individualidade, a produção, a atividade e a agressividade. São estes valores que, de acordo com Maciel Jr (2006) vão servir como modelos do que os homens devem ser e como devem se relacionar, sejam eles homens transexuais ou homens biológicos: o gênero revela-se nas práticas e nos discursos, e manifesta-se por exemplo na relação do indivíduo consigo, com pessoas do mesmo ou do outro sexo, com os filhos, com a família, com a sociedade e suas normas, regras e valores, na vivência da sexualidade, etc. A partir desta rápida contextualização que buscou oferecer uma compreensão ainda que sintética do âmbito no qual está inserido o problema de pesquisa, apresenta-se a seguir o objetivo e a justificativa. Objetivo: O objetivo deste estudo é compreender como são construídas e expressas as masculinidades de homens homo, hetero e transexuais, utilizando-se o conceito de gênero. Este permite uma forma plural de pensar, o que será valioso para que se possa refletir sobre as articulações entre a masculinidade hegemônica e as subordinadas. Será dada atenção às intersecções entre o aspecto biológico, o pessoal e o social na construção da subjetividade, priorizando-se um olhar atento à complexidade do tema abordado. Justificativa Pretende-se com esse trabalho não apenas contribuir para ampliar o conhecimento relativo às relações de gênero e à sexualidade, mas também gerar informações que possam embasar intervenções psicológicas que visem a promoção de saúde, a prevenção de dificuldades pessoais e relacionais e a psicoterapia. Os homens transexuais muitas vezes não têm acesso a informações acerca de sua condição e das complexidades que a envolvem, vivenciando dor e sofrimento numa 8
  • 9. sociedade a que não sentem pertencer e que não os aceita nem como homens, nem como mulheres. Grande parte das pesquisas realizadas com homens diz respeito à área médica e muitas vezes não revelam sensibilidade às suas questões psíquicas. Esta pesquisa pretende dar voz aos participantes homo, hetero e transexuais, possibilitando maior compreensão sobre as intersecções entre sexo e gênero nas diferentes formas de expressão da masculinidade. Sendo o psicólogo um agente ideológico, esta é uma oportunidade para que a aluna-pesquisadora reflita sobre a atuação psicológica nos vários âmbitos (clínica, pesquisa, institucional, hospitalar, educação, etc) a fim de desenvolver a atenção e um olhar crítico à interferência dos valores e ideologias no “fazer Ciência”. Dessa maneira poderá contribuir para dar visibilidade às desigualdades de gênero, concorrendo para transformações no âmbito da subjetividade, assim como no social mais amplo. Desta forma, nos deteremos no primeiro capítulo no histórico sobre a masculinidade, de modo a entender como ela se moldou ao longo dos anos para se tornar hoje o que vemos em nosso cotidiano. Neste capítulo foi feito uma revisão bibliográfica sobre a masculinidade em vários contextos históricos e alguns culturais, como a Idade Média na cultura japonesa e árabe, também formadoras da visão atual da masculinidade brasileira. No segundo capítulo, iremos trabalhar com as relações em que a masculinidade se mostra, de modo a destrinchá-la enquanto característica relacional. São relações como o homem e sua sexualidade ou seu trabalho os refúgios da masculinidade individual e coletiva ao mesmo tempo, e pretende-se neste capítulo explorar esta característica masculina de modo sintético na bibliografia disponível. O terceiro capítulo trará à luz o método com o qual esta pesquisa foi produzida, explicitando como foram as entrevistas, a forma de análise escolhida e o quanto esta pesquisa se preocupa com a ética e a não-maleficência às pessoas envolvidas na pesquisa. O quarto capítulo traça uma análise individual de oito dos vinte e três entrevistados da pesquisa, delineando os resultados desta em relação à bibliografia. No capítulo da discussão, juntamos dados de todas as entrevistas para então tentarmos perceber como tem se desenvolvido a masculinidade atual, observando tanto a literatura quanto a realidade apresentada pelos entrevistados. 9
  • 10. Finalmente, no sexto capítulo, trazemos as conclusões percebidas durante a pesquisa, e desta forma a encerramos, tentando então perceber de que forma esta pesquisa pode auxiliar na captação de uma masculinidade atual e brasileira. 10
  • 11. Capítulo I - Histórico Se pensarmos em uma perspectiva histórica e dialética, os homens tiveram várias maneiras de expressar sua masculinidade durante a história da humanidade, e isso retroage nos ideais formados para este grupo populacional hoje em dia. De acordo com Oliveira (2004) é importante pensarmos dessa forma, pois cada época possuiu um ideal para a masculinidade que permanece em resquícios no ideal seguinte, como uma marca d’água em um novo desenho. Este autor explica que este valor social, que é chamado de masculinidade, só pode ocorrer devido a complexas elaborações culturais, e também não pode ser visto apenas como um recorte, pois isso simplificaria todo um processo extenso que é o destrinchar de um valor social. Iremos, para tanto, desvendar os valores sociais de momentos históricos específicos, desde a Idade Antiga, passando pela Grécia e Roma, até chegarmos a características das masculinidades contemporâneas, de forma a contextualizar cada ideal de masculinidade vigente e perceber no que as masculinidades atuais se pautam. É importante afirmar que a história, até há muito pouco tempo atrás, era escrita por homens e para homens, pois como afirma Beauvoir (1949), eles estiveram “no poder” por muito tempo, no controle do conhecimento e do mundo público, assim como das vias escritas e faladas das eras passadas. Como afirma Guggenbühl (1997) “Se nos voltarmos para a história, descobriremos dúzias de exemplos da grandiosidade masculina, de homens que trouxeram lágrimas e sofrimento a milhares ou pior, mataram milhares. Napoleão Bonaparte mandou incontáveis soldados aos portões de Moscou, onde congelaram até a morte pelas suas fantasias imperialistas. Foi este mesmo Napoleão que disse de si mesmo ‘Meu nome viverá tanto quanto o nome de Deus’. Hernán Cortez (1485-1547), comandando quatro mil soldados, destruiu o totêmico império Asteca de uma vez por todas para a glória do rei espanhol Charles. Com seus sonhos de banhos de ouro, ele entregou à morte esta cultura antiga. (...) A grandiosidade masculina nos faz lembrar de homens que impuseram suas vontades ao mundo, que colocaram a todos suas ambições por poder, e que perseveraram na imutabilidade de suas próprias idéias.(...) A grandiosidade masculina é onerosa”(p. 104). E realmente é difícil ao ler nos livros de História conhecer o outro lado; e os outros seres humanos que estavam na terra também naqueles períodos sublinhados 11
  • 12. como importantes à história da humanidade? Até chamar a humanidade de “os homens” nos faz esquecer que somos extremamente preconceituosos quanto às outras formas de humanidade, como as mulheres, travestis, transexuais, etc. A partir disso, Welzer-Lang (2004) comenta que o androcentrismo, ou seja, centrar o homem como o mais importante em detrimento de outras formas de gênero, é algo mal notado na sociedade, mas deve ser considerado quando pesquisamos gênero de forma a sermos menos parciais. Para que possamos desconstruir e analisar o masculino é imprescindível que não excluamos as mulheres dos estudos, dando atenção especial às relações em que estas também se situam. Scott (1990) afirma que ao pensarmos em uma história permeada pelos excluídos além dos hegemônicos, até o modo como a escrevemos deve ser diferente, pois o valor dado a certas características que antes eram deixadas de lado como a subjetividade e o mundo privado, a sexualidade e os relacionamentos amorosos, os diferentes modos de vida e as pluralidades de vínculos deverão vir à tona, além do poder e do mundo público, além das guerras feitas por homens sedentos de riquezas. Deve haver a preocupação de se estudar não apenas as mulheres (no início do feminismo, estudava-se apenas as mulheres, e os excluídos em geral), mas toda a gama de seres humanos, como a autora reforça abaixo: “Só podemos escrever a história desse processo se reconhecermos que “homem” e “mulher” são ao mesmo tempo categorias vazias e transbordantes; vazias porque elas não têm nenhum significado definitivo e transcendente; transbordantes porque, mesmo quando parecem fixadas, elas contêm ainda dentro delas definições alternativas negadas ou reprimidas”(p. 9) Em grande parte da história não se fala além da heteronormatividade. Um homossexual no poder, imagine... Só em conto de fadas queer (aludindo aos estudos queer, que comentaremos mais adiante), ou polêmicas da papa/papisa Giliberta (mito ou não, é preciso comentar). Tentaremos aqui então sermos os mais imparciais possíveis, de forma a relembrar como a masculinidade foi se moldando através das épocas e como a história ocorreu para todos os envolvidos. I.1. Grécia Na Grécia Antiga, durante seu apogeu entre os séculos VII e III a.C., situa-se o momento pioneiro da valorização da razão e da força física. Algumas cidades gregas 12
  • 13. foram cruciais para entendermos a masculinidade neste momento histórico. Atenas, por exemplo, com a política, teatros e comunas tinha a fervilhar o pensar, o ser culto, o conhecimento. É importante salientar que estes homens não tinham como valor primordial a heteronormatividade, de forma que quem não fosse homossexual3 ou no mínimo tivesse relações com homens, era mal visto pela sociedade. Era inclusive o único modo de Paidéia (educação) o relacionamento entre um homem mais velho, erestes (o amante) com um jovem de 12 a 18 anos, o eromano (o amado), já que a mulher não ensinava, e o pai, o qual devia estar incumbido desta tarefa, não o fazia por estar envolvido com a vida social. O eromano deveria ser sempre passivo, aquele que receberia o conhecimento e presentes do erestes, além deste papel em relações sexuais, segundo Corino (2006). Além disso, o autor afirma que estes eromanos, logo que chegassem a uma certa idade, deveriam se desligar de seus erestes, apenas mantendo uma relação de amizade com os mesmos, para então desposar uma mulher e ter filhos. Outros valores incorporados nessa época eram a busca pela liberdade (afinal os escravos mal humanos eram) a valorização do corpo (a deficiência física era vista como defeito, problema, incapacidade). É importante ressaltar que nessa época é bem forte a diferenciação entre homens e mulheres, com características excludentes umas das outras. Ora, quem era homem não haveria de ser mulher nunca, certo? Isso por que a mulher na época era vista como ser inferior ao homem, incapaz do amor e da amizade, e deficiente por não ter o órgão genital masculino, além de incapaz mental e fisicamente, servindo apenas para a procriação e o cuidado dos filhos até os 6 anos de idade. O cuidado dos filhos pelas mães até esta idade também era realizado em Esparta, grande valorizadora da força física, da guerra, competitividade e da imposição de poder. Esparta era controlada por mulheres, pois os homens se mantinham guerreando durante grande parte dos seus 35 anos de vida. A homossexualidade também era comum durante a guerra (era a homossexualidade viril, como citada também bem mais tarde no Hagakure, manual japonês dos samurais, do qual falaremos posteriormente), mas a família como a percebemos hoje (mãe, pai, filhos) era também comum, de modo a revelar uma relação entre homens e mulheres menos restrita à reprodução; entretanto, 3 Quando se fala em homossexualidade em outras épocas que não a moderna, se quer dizer ter preferência por relacionamentos amorosos ou sexuais de pessoas do mesmo gênero, mas a conotação e os significados de nossa época não podem ser generalizados àquela época de que se fala. 13
  • 14. não deixava de ser excludente, pois elas não tinham a possibilidade de ir para a guerra, e também carregavam aproximadamente o mesmo estereótipo das atenienses. I.2. Roma Roma teve como característica primordial suas conquistas bélicas, veiculando marcadamente um ideal de masculinidade parecido com o dos espartanos. Com a diferença que, pelo fato de que a política em Roma se baseava no Panis et Circensis4, os gladiadores e os ideais em relação à sociedade e o entretenimento muito puderam influenciar o atual ideal de masculinidade hegemônica. Para isso, é preciso entender o Gládio. Os gladiadores eram ex-escravos que eram colocados para lutar entre si, com animais, em bigas, etc, onde o mais forte, aquele que matava todos os outros, permaneceria lutando. A desistência era então algo desonroso, pior que a morte, pois seria como desistir da própria vida, acima da luta. Estes casos eram julgados pela platéia, que a tudo assistia nas arenas, e o César, que tinha o poder de definir se aquele que estava lá iria morrer ou viver. Já o gladiador que se encontrava em posição superior, podendo matar seu oponente, se quisesse por misericórdia não fazê-lo sair-se-ia bem, pois de qualquer forma, a honra era sua, e não tomar a vida significaria ter alguém grato para sempre. Também são da Roma antiga os primeiros relatos de pessoas que se travestiam e/ou ocupavam funções sociais de pessoas do sexo oposto. Segundo Saadeh(2004) Filo, um filósofo judeu, é o primeiro a relatar a existência destes no século I d.C., comentando que alguns homens passavam a se vestir como mulheres, eliminavam suas características secundárias masculinas e podiam extirpar os testículos e até mesmo o pênis, de modo a viver como mulheres. Saadeh também comenta sobre Manilus e Juvenal a respeito dos poemas que estes autores faziam a respeito do ódio que tinham quando um destes que trocavam as funções sociais de um gênero para outro eram colocados no sexo de nascença. Segundo este autor, vários imperadores romanos travestiam-se e isso era algo considerado comum na época. No final do império romano, impérios bárbaros invadiram as cidades, e isso foi muito importante, pois grande parte destes era composto por povos nórdicos, que 4 Um sistema no qual a população das grandes cidades era inativa devido à grande quantidade de pessoas que era absorvida pelo império romano através das guerras e era preciso entretê-los (Circensis) assim como fornecer comida (Panis) para que não houvesse revoltas. 14
  • 15. valorizavam as mulheres muito mais que o império romano. Estas mulheres guerreavam junto com os homens, tinham papéis sociais significativos e eram muito mais bem quistas que as mulheres romanas. As culturas nórdicas em grande parte valorizavam a mulher pelo fato de que esta poderia gerar vida e portanto, estava muito mais ligada à terra e às divindades que os homens, e isso influenciou em parte a idade média, como no significado da caça às bruxas, e na dicotomia Eva-Maria da qual se falará mais tarde. I.3. Idade Média O medievalismo, ou idade média, foi marcada veementemente pela formação de hierarquias entre as masculinidades, assim como um aumento na imposição de poder. Várias características consideradas fundamentais para a masculinidade moderna foram cunhadas nessa época, e portanto nos prolongaremos mais neste momento histórico. Os feudos funcionavam de acordo com a fé cristã, o que significava que a mulher teria a função reprodutora, deveria ser dócil e recatada, uma esposa fiel, e de acordo com sua casta, deveria mais ou menos favores (inclusive sexuais) ao dono do feudo. Ao homem, então, era atribuída a função política, como guerreiro ou nobre da corte (obviamente dependendo de sua classe social), a de chefe da casa em uma hierarquia que privilegia mais os homens do que qualquer mulher( mesmo a esposa), pregavam ou lutavam pelo clero, portanto sendo ousados para conquistar o que lhes era devido. Quanto às relações amorosas, é também dentro do medievalismo que surge o amor cortês, diferente daquele referenciado à Deus (o amor cristão); o amor torna-se singularizado, e a Dama substitui Deus. O homem entoava hinos de amor à sua amada, intocável e incrivelmente bela, enquanto estava em combate, o que traz o caráter de servidão para com o outro, desde que este fosse puro, sem sexo, idealizado. É importante perceber nesse momento a transformação da mulher, também dicotômica: há “aquela que é pura” e também “aquela é devassa”, como é comentado através da dicotomia Eva-Maria em Carvalho, Lopes e Ghetler (2008): esse padrão vai se manifestar no modo como o homem irá se relacionar com as mesmas. “Se ela é pura, será uma boa esposa e terá filhos saudáveis”, “se ela for uma devassa, me divertirei bastante com ela, mas não passará disso”. 15
  • 16. Diferente do que ocorria na Grécia Antiga, a homossexualidade era vista como qualquer desvio da heteronormatividade, como bruxaria, o mal personificado e atuado, e portanto, não era um ideal a se seguir. Porém, nas guerras, o companheirismo e a amizade tornaram-se valores estimados pois, não podendo voltar para casa, os amigos guerreiros eram os únicos confidentes. Aliás, o cavaleiro medieval cristão, segundo Zamboni(2005), era um exemplo de conduta masculina a ser observado, pois a retidão e fé inabalável eram imprescindíveis para os valores morais da época. Então, ao detentor da força e da ousadia, nada mais sensato do que incumbir-lhe tal fardo, o de desempenhar o papel de exemplo. Mesmo as dores da batalha eram vistas como positivas, pois se agüentasse (sem reclamar) a dor e o sofrimento, teria um lugar ao céu. Um curioso detalhe histórico descrito por Saadeh(2004) é que no século IX, um papa (há controvérsias, pois a Igreja nega), João VIII, teria sido na realidade do sexo feminino, e teria morrido dando à luz, coisa que até hoje não se tem certeza pela omissão destas informações. Seu nome de batismo era Giliberta, e teria sido papa por dois anos, sete meses e quatro dias. Uma característica também muito útil para nossa reflexão aqui são os duelos. Neste aspecto do medievalismo que acaba inclusive invadindo o renascimento e até a emergência da futura classe burguesa da Revolução Industrial, a honra era prezada de tal forma, que algo que a sujasse seria tão vil que teria de resultar em morte; do desonrado ou daquele que desonrou. A coragem, o “sangue frio”, o poder nele implicado, a dignidade eram postos à prova em um duelo. O próprio “por à prova” se tornou instituído, assim como o precisar provar às pessoas ao seu redor que sua honra não está manchada. Além disso, marcas deixadas no corpo por um duelo como cicatrizes, amputações, etc. eram vistas quase como troféus, simbolizando Figura 1 – Armadura Infantil no Musée de l’Armée, Paris, França dignidade e eram como um atestado de que este homem era destemido, não tinha fugido 16
  • 17. ao combate. Como também pode se perceber nas armaduras (foto) utilizadas na época, o corpo devia ter certas características específicas, como os ombros largos, nariz comprido, peitoral definido e uma postura altiva, inspirando literalmente ares de nobreza; também podemos evidenciar que o exemplo a ser seguido é o homem que tudo agüenta, que não deixa transparecer nada, nem deixa que nada o atinja. Parece começar daí o hino de todos os pais aos filhos: “homem não chora!”. I.4. O Hagakure: Livro de prescrições para os Samurais; um olhar sobre o Oriente Este livreto escrito por Yamamoto Tsunemoto em 1710 representa desde o século XI até o XIX, a época dos samurais no Japão. Escolheu-se este país para contribuir à nossa revisão pois ele traz à tona o homem da Idade Média oriental, visto que o Japão disseminou sua cultura ao oriente, desde a Rainha Himiko, quando no Século III D.C. fazia contatos com a China, até hoje em dia em períodos globalizados, o quanto a cultura revela e nos afeta com os Mangás, a comida típica, até o modo de ser e estar no mundo. Por estarmos interessados neste estudo sobre o modo como os homens expressaram sua masculinidade, e como os guerreiros samurais são o expoente dessa sociedade na era feudal, é importante comentar alguns trechos de suas prescrições para entendermos qual era este ideal (afinal, o Hagakure foi escrito por um homem, para homens). O Hagakure explicita em vários momentos como os homens devem se portar, andar, falar, expressar sua sexualidade, como sua honra era mantida, como era destituída, os rituais de sepukku e harakiri (suicídios rituais diferentes no caso de uma honra irrestituível), etc. Alguns destes dados são: “Todos nós desejamos viver. E na maioria das vezes, construímos nossa lógica de acordo com o que gostamos. Mas não atingir nosso objetivo e continuar a viver é covardia” (p. 28) Podemos perceber que aqui, a vida de nada vale se o homem não se doa a sua tarefa, é prático e objetivo. A subjetividade portanto não é importante. 17
  • 18. “É de mau gosto bocejar na frente dos outros. Esfregar a mão na testa pode impedir um bocejo repentino. (...) O mesmo ocorre com o espirro, que ridiculariza a pessoa...” (p. 34) Aqui vemos a valorização que se dá às boas maneiras, da educação e discrição. “Existe uma maneira de um samurai criar seu filho. Desde sua infância ele deve ser encorajado à bravura, e deve-se evitar assustá-lo ou provocá-lo com trivialidades. Se uma criança for afetada pela covardia, isso permanecerá como uma cicatriz para toda a vida. (...) Uma mãe ama sua criança incondicionalmente, e será parcial a ela quando o pai repreendê-la. Se a mãe se tornar uma aliada para a criança, existirá a discórdia entre a criança e o pai. Devido à superficialidade de sua mente, uma mulher vê a criança como seu ponto de apoio na velhice” ( p. 56) Aqui vê-se o valor da bravura e da imparcialidade masculina, em detrimento da mente feminina, considerada superficial. Em outras passagens fala-se a respeito da homossexualidade, que deve ser discreta, porém é permitida desde que os dois estejam dentro do relacionamento afetivo, e estejam dispostos a passar a vida juntos. A morte é um valor cultuado, desde que seja honrosa. Dessa forma, ela é ainda melhor que a vida, pois a vida sem a honra é algo do que se envergonhar, e pelo qual é insuportável passar. As pessoas cometem erros, mas eles não devem ser desvios de sua própria índole, muito menos se deve abandonar ensinamentos de um mestre. O mestre é tão importante quanto a própria vida destes indivíduos, pelo qual se deve viver e morrer. O valor da hierarquia então é salientado em vários momentos do livro, demonstrando alto grau de importância desta característica na expressão da masculinidade. É importante ressaltarmos que este é apenas um recorte da expressão da masculinidade do Japão observada em um livro importante até hoje na cultura japonesa, e não um estudo detalhado a respeito do tema, no qual não nos deteremos mais por ser apenas mais uma das facetas observadas neste trabalho. I.5. O Jardim Perfumado do Xeque Nefzaui: manual erótico; A masculinidade sob a ótica Árabe 18
  • 19. Como é sabido, a cultura árabe muito influenciou e influencia a cultura nacional, devido à ocupação árabe de Portugal durante a Idade Média, o que incluiu nos valores sociais da mesma várias informações, saberes e modos de ser e estar representados e repetidos até a presente data não apenas neste país, mas também em outras ex-colônias. O manual estudado, assim como o Hagakure, é um manual escrito de homens para homens de modo a ensinar a estes como se comportar e não ser daqueles que “merecem censura”. O Jardim perfumado foi escrito pelo Xeque Omar Ibn Muhammad Nefzaui no século XVI e tem como intuito auxiliar homens a se portar em sua sexualidade, e como lidar com as mulheres. É importante mais uma vez ressaltar que este é apenas um recorte da cultura árabe, e portanto, não uma análise detalhada sobre a mesma, pois é de nosso interesse perceber tal cultura, e não nos aprofundarmos nela por ser apenas mais uma das facetas do trabalho. Logo no primeiro capítulo, o Xeque faz uma análise dos homens dignos de louvor: seu pênis deve ser “avantajado e de comprimento amplo”(p. 29), pois a mulher só se apaixonaria pelo homem através do coito. Seu corpo deve conter as seguintes características: “tórax largo e a parte posterior do corpo bem fornida, bem como saber controlar sua emissão e ter ereções prontamente.”(p. 29) ; deve usar odores perfumados para atrair e inebriar a mulher. Deve ser belo aos olhos delas e ter proporções coerentes em seu corpo. Sinceridade e verdade são valores presentes também neste homem ideal, além de generosidade, coragem e modéstia. Ele deve, sempre que puder, seduzir mulheres belas e “dignas de louvor”, ou seja, aquelas que tem curvas arredondadas, cabelos e íris bem negros, rosto oval, lábios e língua bem vermelhos, entre outras características. Mulheres valorizadas só falam ou riem em poucos momentos, não deixam a casa, não têm amigas, não são falsas, não têm segredos, e só são devotas a um marido, ao passo de que o homem pode ter quantas mulheres conseguir, mesmo que elas sejam comprometidas com outro homem. O homem digno de desprezo é aquele “deformado, que tenha aspecto grosseiro, e cujo membro seja curto, fino e flácido, é desprezível aos olhos das mulheres.” (p. 83) “Desprezível também é o homem que é falso no que diz, não cumpre o que promete, que mente sempre que 19
  • 20. fala, e que esconde da mulher tudo o que faz, exceto os adultérios que comete.” (p.84) Percebe-se também ao longo do texto um enorme desprezo por mulheres que sejam independentes ou que possuam sentimentos externalizados. Em compensação, o homem tem maior liberdade para ser quem é, e deve procurar mulheres que estejam em conformidade com seus traços de personalidade. As mulheres são em essência más e traiçoeiras, características tais que devem ser percebidas e domadas pelos homens. Este livro traz uma visão, aos nossos olhos contemporâneos, machista e preconceituosa a respeito das mulheres, porém muito nos faz pensar a respeito do ideal de masculinidade atual: o homem hoje também deve ser viril, conquistador e não deve confiar nas mulheres. As mulheres devem ser bonitas, porém não muito mais do que isso; também são vistas como perigosas (dicotomia Eva-Maria presente em nossa cultura), e devem ser tratadas com cautela. Devem sempre ser conquistadas, enquanto que o homem deve ter atributos físicos e morais para atrair as mulheres. I.6. Idade Moderna No Iluminismo, fim da “era das trevas”, temos como valor primordial o conhecimento. À ciência ficam a cargo as prescrições, os corpos, os pensamentos, etc. A burguesia vitoriana também modifica muito os pensamentos a respeito da sexualidade, colocando-a em grilhões muito mais rígidos do que antes do século XVII. Segundo Foucault(1988), antes deste período “ainda vigorava uma certa franqueza. As práticas não procuravam o segredo; as palavras eram ditas sem reticência excessiva e, as coisas, sem demasiado disfarce; tinha-se como o ilícito, uma tolerante familiaridade. Eram frouxos os códigos da grosseria, da obscenidade, da decência, se comparados os do século XIX. Gestos diretos, discursos sem vergonha, transgressões visíveis, anatomias mostradas e facilmente misturadas (...); os corpos “pavoneavam.””(p. 9) O mesmo autor comenta que existem várias razões para tal mudança; uma possibilidade seria a incompatibilidade do uso da energia para os prazeres e para o trabalho, agora muito necessária devido à Revolução Industrial. Outra possibilidade, agora muito mais relevante, seria o uso deste artifício de repressão para um enorme poder sobre o que o ser humano pode ou não fazer. 20
  • 21. “Se o sexo é reprimido, isto é, fadado à proibição, à inexistência e ao mutismo, o simples fato de falar dele e de sua repressão possui como que um ar de transgressão deliberada. Quem emprega essa linguagem coloca-se, até certo ponto, fora do alcance do poder; desordena a lei; antecipa, por menos que seja, a liberdade futura. Daí esta solenidade com que se fala, hoje em dia, do sexo” (p. 12) Bento(2006) também afirma que é nesta época que é criado o bissexismo, ou seja, ao invés da mulher ser vista como um homem defeituoso, como em muitas culturas se acreditava, ela então é vista como diferente, outro sexo. Como Beauvoir(1949) afirmou, um segundo sexo, necessariamente inferior (primeiramente afirmado pela Igreja, depois então pela Ciência). Beauvoir comenta que como haveria um sentimento de “medo” do que a mulher pode significar, é mais fácil classificá-la de fêmea, coisa que seria um insulto ao homem, pois isto o encerraria ao seu sexo. A ciência, de acordo com a autora seria um instrumento de controle, mais um artifício para a dominação das mulheres, o homem “projetando na mulher todas as fêmeas de uma vez. Ele a faz uma única fêmea.” (p. 35). Isso seria uma redução da mulher ao animal, não dando a ela chance de demonstrar suas próprias características enquanto mulher humana, senhora de seus próprios rumos, como deveria ser, segundo a autora. Beauvoir, como outras feministas que a seguiriam, modificaram o modo da humanidade pensar a respeito da mulher e do homem; porém, e quanto ao meio do caminho, a/o transexual, o/a travesti, o/a homossexual e todos os outros meios de caminho? É no século XIX que os primeiros textos médicos a respeito de sexualidade e gênero (na época, essa diferenciação não existia) começam a surgir com maior ênfase em um conhecimento que se afastasse da moral vitoriana de acordo com Saadeh(2004). Este autor também afirma que o livro Psychopathia Sexualis, publicado em 1886 por Richard Von Krafft-Ebing é o primeiro livro a classificar a sexualidade do modo como conhecemos hoje. Foucault(1988) vai afirmar que a nosologia, a classificação da sexualidade vai ajudar no controle da mesma, reduzindo as pessoas que tinham estas características a apenas estas mesmas, de modo a catalogar, porém não analisar ou perceber suas vivências. De qualquer modo, o conhecimento produzido por Krafft-Ebing e por muitos outros que o seguiram ajudou de forma crucial a pensarmos a respeito destas várias 21
  • 22. características, antes levadas ao esquecimento ou à fogueira devido à Idade Média, e que agora são vistas com maior naturalidade e percebidas como potencialidades humanas, não como desvios segundo vários autores que estudam gênero. Alguns autores que pensam desta forma são Bento(2006), Bruns(2004), Dorais(1988), Connell(2005), entre outros. A burguesia traz valores como firmeza, repressão de sentimentos, e na literatura isso se expressa no período do realismo e do naturalismo. Um exemplo disto é o personagem Albino do livro “O Cortiço” de Aloísio de Azevedo. Esta obra marca na literatura a entrada do cientificismo e do Darwinismo Social, trazendo à tona uma visão de homem marcada pela imutabilidade de caráter associada à classe social a que este pertencia. Ora, se sou de uma classe social menos privilegiada, necessariamente meu caráter também terá menos virtudes. Este personagem, assim como outros, na sociedade da época, era visto como fora da normalidade. O trecho que se segue deste livro faz a primeira apresentação de Albino, um homem afeminado que gostava de travestir-se de mulher no carnaval. “Fechava a fila das primeiras lavadeiras, o Albino, um sujeito afeminado e fraco, cor de espargo cozido e com um cabelinho castanho, deslavado e pobre, que lhe caía, numa só linha, até ao pescocinho mole e fino. Era lavadeiro e vivia sempre entre as mulheres, com quem já estava tão familiarizado que elas o tratavam como a uma pessoa do mesmo sexo; em presença dele falavam de coisas que não exporiam na presença de outro homem; faziam-no até confidente dos seus amores e de suas infidelidades, com uma franqueza que não o revoltava, nem comovia. (...) não arredava os pezinhos do cortiço, a não ser nos dias de carnaval, em que ia, vestido de dançarina, passear à tarde pelas ruas e à noite dançar nos bailes dos teatros. Tinha verdadeira paixão por este divertimento; ajuntava dinheiro durante o ano para gastar todo com a mascarada. E ninguém o encontrava, domingo ou de dia de semana, lavando ou descansando, que não estivesse com a sua calça branca engomada, a sua camisa limpa, um lenço ao pescoço, e, amarrado à cinta, um avental que lhe caía sobre as pernas como uma saia.” (p. 40) 22
  • 23. Obviamente, de acordo com José de Alencar, ele haveria de viver no cortiço devido às suas características. O mundo só haveria de vê-lo no carnaval, onde tudo é permitido, desde que motivo de chacota. Albino era um homem afeminado, e com pretexto de que isto era biológico, imutável, haveria de ter também características morais condizentes. Isso acompanhou o homem atual no sentido em que qualquer que seja sua “falha” quanto à masculinidade ideal, ele necessariamente será subordinado, visto como imoral, doente, (até o DSM-IV em parte, onde a homossexualidade é retirada dos manuais diagnósticos, porém não as vivencias da travestilidade ou a transexualidade, consideradas como os indivíduos mais comprometidos sexualmente do espectro citado desde o livro de Ebbing em 1886) ou marginal. O exemplo de José de Alencar em “O Cortiço” traz também imagens sobre a masculinidade ideal a ser seguida pela burguesia letrada da época: o homem deve ser culto, buscar ser algo melhor na vida, obter posses sempre que possível, ter um corpo e comportamento másculo, ocupar profissões ditas masculinas, ser branco e heterossexual. E isso é apenas um espelhamento brasileiro da cultura vigente da época, que trazia a ciência em primeiro plano, como nos dias de hoje, dando suporte e justificativas às representações de feminilidade e masculinidade. Quem deve construir este conhecimento científico? O homem. Quem deve passá-lo adiante através da cultura? A mulher. A fêmea humana tem grandes obrigações desde o começo do século XX até a presente data: reproduzir o conhecimento. É a ela que é dado o papel de educadora das crianças, cuidadora, portadora das emoções e do 6o sentido... Uma sensibilidade que só ela pode ter. E ao homem, seu oposto: produzir conhecimento. Ser forte, cheio de razão, nunca chorar (ao menos não ser visto chorando). Até os anos 50 do século XX, o homem era alocado no espaço público, a mulher, no privado. O homem, o self-made- man. A mulher, a rainha do lar. Cada um com seu papel. E quem não tem papel, na sociedade não está. Minorias homossexuais, transexuais e travestis eram resumidos aos livros de patologias e às ruas sujas e estreitas do esquecimento. O binarismo do gênero invalida completamente outras possibilidades de ser e estar no mundo que não sejam essas duas, homem e mulher. Ser homem, identificar-me com o masculino e gostar de mulheres. Ser mulher, identificar-me com o feminino e gostar de um homem. E os entremeios? 23
  • 24. Além dos estudos psicopatológicos, surgiram nos anos 80 e 90 os estudos Queer5. Estes foram empreendidos por autores como Judith Butler, Lauren Berlant, Michael Warner, e tinham como objetivo primordial desatar as categorias gênero, sexo e sexualidade, com o interesse de observá-las de forma separada, desfazendo o ideal da heteronormatividade6 que guiava os estudos psicopatológicos. Inicialmente, a teoria Queer se ocupou de comportamentos homoafetivos, porém logo se fez presente no campo das transgeneridades, do cross-dressing, dos trânsitos de gênero, de sexo e de sexualidade, pondo à prova até os termos “homem”e “mulher”. Os estudos queer revolucionaram o modo de olhar para como se forma a identidade de alguém nos âmbitos citados acima, e influenciaram áreas do conhecimento diversas, como as ciências psi, as ciências sociais, a história, o direito, e várias outras, mudando o foco das desigualdades entre os gêneros, como fazia o feminismo, para as vivências de pessoas. I.7. Atualmente: A Masculinidade em Questão Na época atual vigora a Pós Modernidade7. Não chegamos aos carros voadores, mas alcançamos uma sociedade em que os veículos motorizados são utilizados até para ir à esquina. O consumo desenfreado é característica marcante nas relações e aqueles que não possuem meios de comprar o que querem quando querem, são jogados à margem. Tudo pode ser consumido, desde máquinas de lavar até os “Identikits” como cita Oliveira(2004): “Se há problemas, ótimo, nós temos a solução! O mercado não tarda a oferecer seus préstimos. Quereis identidade? Oferecemos várias possibilidades em cores, diferentes tamanhos e para todos os bolsos. Identikits são oferecidos “sob medida”, atendendo a todas as diferentes individualidades, isto é, “personalizados”. Você pode ser uma mulher moderna, liberada, desembaraçada, ou então 5 Queer pode ter vários sentidos na língua inglesa, entre eles, alegria e homossexualidade. Muitas vezes, esta palavra é empregada no sentido pejorativo, mas o intuito dos Queer Studies é exatamente utilizar o termo e tornar seu sentido como algo positivo, a ser admirado. 6 Heteronormatividade significa segundo Maciel Jr.(2006), Heteronormatividade se refere a uma ideologia que promove uma perspectiva convencional das relações de gênero e da heterossexualidade, e uma visão tradicionalista da família, como a maneira correta das pessoas viverem. 7 A pós modernidade, ou “modernidade líquida” segundo Bauman(1991), é o período logo após a queda do Muro de Berlim em 1991 que tem como principais características a ambivalência de valores sociais, a sociedade individualista, capitalista, onde não há tempo suficiente para o estabelecimento de novos valores pois estes “se dissolvem”, como afirma o autor, tão rápido quanto foram criados. Segundo Rossi (s/d), “na cultura pós-moderna, tudo é muita coisa, sempre é muito tempo; nada deve durar demais e cada indivíduo é, por si só, autosuficiente, um conjunto já bem saturado de dilemas e insatisfações”(p. 5) 24
  • 25. uma dona-de-casa responsável, ponderada, amável, ou ainda uma jovem romântica, antenada, sensível, e isso só para começar. Para os homens, temos o identikit magnata impiedoso, autoconfiante, empreendedor; ou o jovem intelectual, estudioso, doutorando, talentoso; ou ainda o pai responsável, educado, charmoso, mas ao invés de ser o pai responsável, temos o solteiro bom partido, atlético, sexy, macho de físico exuberante. Se não gostar de nenhum desses, pode-se fazer uma bricolage self-service, onde o cliente escolhe duas características de cada um e ele próprio compõe seu identikit.”(p. 133) A cultura tornou-se tão representada pelos meios de consumo que ela não só ajuda a vender mais, mas modifica em alguns anos a bagagem cultural de cada um. Não apenas as culturas são múltiplas, mas também fluidas, mutantes, o que traz ao homem contemporâneo angústia e falta de identidade fixa, que lhe dê segurança. O mercado de trabalho é composto por homens e mulheres, ambos grandes usuários da tecnologia e julgados por sua performance e competência, mas as mulheres ainda ganham menos que os homens, são tratadas como potenciais mães (como afirma Beauvoir(1949), encerradas em seu sexo biológico), e passíveis de “mudanças hormonais”, a TPM, sempre que reivindicam algo melhor, ou brigam por algum motivo, seja sobre o controle remoto da TV, seja por melhores condições de vida. E claro, quem não cabe na definição homem ou mulher de forma bem dicotômica, não é nem considerado como parte da sociedade (isso afinal não mudou, transgêneros em geral continuam marginalizados e encerrados à escória da humanidade e aos livros de degenerações mentais e físicas). Outra característica crucial de nossa sociedade é o individualismo: é difícil o envolvimento amoroso ou afetuoso com algo ou alguém. E por não nos apegarmos, participamos de uma sociedade onde os valores são supérfluos, as relações superficiais, e o amor, algo que desperta medo, por mais que este seja ainda celebrado como ideal. O feminismo trouxe vários efeitos importantes para revermos as questões relativas à desigualdade de gênero, a sexualidade, comportamentos masculinos e femininos. Mas a mudança é individual e ainda não reverteu para uma sociedade mais igualitária ou justa para todos. Os direitos são usufruídos individualmente e os deveres são cobrados dessa forma também, então, nossa sociedade continua favorecendo uns e desfavorecendo outros de acordo com os critérios que poucos dela decidem. 25
  • 26. Bauman(2007) comenta que nossa sociedade passou de estado “sólido” ao “líquido”, ou seja, “uma condição em que as organizações sociais (estruturas que limitam as escolhas individuais, instituições que asseguram a repetição de rotinas, padrões de comportamento aceitável) não podem mais manter sua forma por muito tempo (nem se espera que o façam), pois se decompõem e se dissolvem mais rápido que o tempo que leva para moldá-las e, uma vez reorganizadas, para que se estabeleçam.” (p. 7) Em alguns anos na história do ser humano houve tantas mudanças que mal conseguimos nos adaptar psicologicamente a todas estas novas demandas, as quais continuam muitas vezes permeadas pelos padrões antigos de modo imperceptível, presentes em como nos comportamos, e como refletimos sobre o mundo. A masculinidade então é percebida também nos dias de hoje como oposta e complementar à feminilidade: o masculino é viril, contém a força, dá grande valor à penetração e à intrusão, é demonstrativo (no sentido que só existe ao demonstrar-se em relações), se utiliza sempre da razão, acredita num poder centralizado (falo), situa-se no mundo público, possui iniciativa, preza a individualidade, a produção, a atividade e a agressividade. São estes valores que, de acordo com Maciel Jr. (2006) vão servir como modelos do que os homens devem ser e como devem se relacionar, sejam eles homens transexuais ou homens biológicos: o Gênero revela-se nas práticas e nos discursos, e manifesta-se por exemplo na relação do indivíduo consigo, com pessoas do mesmo ou do outro sexo, com os filhos, com a família, com a sociedade e suas normas, regras e valores, na vivência da sexualidade, etc. O homem deve mostrar ao espelho e ao mundo que é homem. Mas de que isso vale atualmente? Pode-se dizer por meio de Dorais(1988) que o homem cavou para si mesmo sua cova; isso porque espera de si e dos outros o ideal de masculinidade, enquanto só encontra masculinidades subordinadas, inclusive a sua própria: o homem não deve chorar, mas sente e tem vontade quando passa por uma situação impactante em sua vida; o homem tem que ser viril, mas não consegue ser potente o tempo inteiro em qualquer fase de sua vida. Ele deve ser o provedor, mas como se não consegue emprego, e sua mulher sim, ou se ganha menos que sua mulher? E nas relações amorosas, o 26
  • 27. homem não pode se envolver? Tantos questionamentos devem deixar os homens confusos... (nota da pesquisadora) A mulher não é mais o sexo complicado, frágil; e agora, quem poderá salvar o “homem desamparado”? Como afirma o mesmo autor: “Esta confusão e esta insegurança decorrem das transformações sociais e culturais que, em menos de trinta anos, produziram uma reviravolta nas principais fontes da identidade masculina. O trabalho, o poder, a família, e mesmo a aparência física e a sexualidade do homem se modificaram. Essas mudanças não apenas exigiram adaptações por parte dos homens, mas mudaram a própria noção de masculinidade” (p. 18) Outros pesquisadores como Maciel Jr.(2006) também percebem estas mudanças. Estudos diversos citados em sua tese de doutorado remontam um panorama completamente novo sobre os homens, principalmente por que antes de pesquisarem sobre a feminilidade e o gênero, nada haviam falado sobre a “nova masculinidade”, e como os homens se relacionam com ela. Quais as diferenças agora entre homens e mulheres? Um pedestal tão avidamente construído pelos homens agora bate de encontro com o das mulheres, se choca e se mistura em pedras ambíguas, não se sabe mais de quem é o pedestal, ou se ele ainda existe apesar dos escombros. Oliveira(2004) também ressalta a masculinidade atual como muito influenciada por uma tentativa de desconstrução de valores antigos, inclusive a própria masculinidade, o que resulta em um declínio nas classes médias e altas quanto ao domínio exercido. Isso por que existe uma luta às hierarquias no período da pós- modernidade (aliás, o termo pós-modernidade vem das artes, um período de desconstrução do ideal do período perfeito na arte, para colocar as tendências lado a lado, apenas diferentes), uma busca pelo consumo (reprodução) ao invés da criação(produção), uma descentralização de poderes. Nesse estudo, espera-se compreender como se processam estas transições no âmbito pessoal e relacional tão cheias de expoentes e influências. Será a masculinidade atual a mesma do passado, com uma roupagem mais “bonitinha” (mandando e desmandando com um terno Armani® e as unhas pintadas com base)? Ou as angústias e conflitos tomaram este papel e transformaram os homens para sempre? Buscamos compreender como se revelam as possibilidades de construção e expressão das masculinidades por meio de categorias de análise relacionais, ou seja, como discutimos 27
  • 28. que a masculinidade é demonstrativa e é sempre negociada por meio da relação do homem com outros objetos, inclusive ele mesmo, é importante observarmos como ela se expressa em cada campo relacional (como ele se relaciona consigo mesmo, com homens, mulheres, filhos, no trabalho, entre outros). 28
  • 29. Capítulo II - Em que campos a Masculinidade se expressa? Estamos nos referindo nessa pesquisa a gênero, ao gênero masculino. Pedrosa(2009), ao discutir gênero, trabalha com a vertente comportamental quando diz que são comportamentos reforçados através do convívio social que geram a identidade de gênero. Então gênero referir-se-ia a vários comportamentos que, reforçados pela sociedade, dão origem aos papéis de gênero, feminino e masculino, que se modificam através do tempo de acordo com os comportamentos reforçados ou eliminados. Hime(2004) também nos ajuda a entender o gênero quando afirma que “o gênero revela como as diferenças sociais se estruturam a partir das diferenças entre os sexos e como se atribui significado às relações de poder”(p. 7) observando assim como Maciel(2006), Welzer-Lang(2004), Connell(2005) entre outros, que as relações sociais são primordiais para a identidade de gênero, e que elas ditam muitas vezes como devemos interagir com homens, com mulheres e com ambos. Barbieri (1990) afirma que o sexo socialmente construído, ou gênero é “En otras palabras: los sistemas de género/sexo son los conjuntos de prácticas, símbolos, representaciones, normas y valores sociales que las sociedades elaboran a partir de la diferencia sexual anátomo-fisiológica y que dan sentido a la satisfacción de los impulsos sexuales, a la reproducción de las especie humana y en general al relacionamiento entre las 8 personas” (p.100) Esta autora é importante, pois localiza a origem do gênero no corpo, como Beauvoir(1949), e faz do gênero algo que se vincula às características corporais. As mulheres, por causa da possibilidade de gravidez, do corpo propenso a armazenar gordura em locais específicos, das mamas, etc, deve ter características femininas como o cuidado, a passividade, e portando serão oprimidas pelos homens, que tem os músculos mais desenvolvidos, possuem um pênis de modo a penetrar, e portanto oprimirão, serão ativos e se utilizarão da força e do poder que seu corpo lhes gera. É 1 “Em outras palavras: os sistemas de gênero/sexo são os conjuntos de práticas, símbolos, representações, normas e valores sociais que as sociedades elaboram a partir da diferença sexual anatomo-fisiológica e que dão sentido à satisfação dos impulsos sexuais, à reprodução da espécie humana e em geral ao relacionamento entre as pessoas” 29
  • 30. desse olhar unido às descobertas científicas que abstraímos que o conceito de sexo é construído através das características corporais sexuais primárias (pênis, testículos e útero, ovários) assim como secundárias (pêlos corporais, localização de gordura, aumento ou não de mamas, desenvolvimento muscular, etc). Essa visão é reproduzida em vários textos feministas e em textos científicos também; até hoje, e essa é uma das teorias mais aceitas quanto ao início do conceito de gênero: o corpo. Segundo a definição de Barbieri (1991), todas as sociedades, para sobreviver, precisam de mulheres em idade fértil. Como só elas são capazes de gerar vida em seus corpos, as sociedades lhes atribuem um poder. Este fato leva à necessidade de controlá-las sem, no entanto, destruí-las. Este controle se dá por meio da capacidade reprodutiva, da capacidade erótica e de sua força de trabalho. Assim, há uma transformação do pênis em falo, exato símbolo de poder, e um valor é colocado na virgindade, na infidelidade feminina, valorada de maneira muito diferente da masculina, considerada algo sem importância. Embora o corpo feminino e masculino possam dar e ter prazer, apenas o feminino é considerado objeto sexual. E finalmente, a capacidade de trabalho feminina poderia dar às mulheres a autonomia necessária ao questionamento das relações de dominação-submissão. Para esta autora, a partir das diferenças biológicas constroem-se as desigualdades entre homens e mulheres. Para outros autores, como Kimmel, Connell, Maciel Jr. e Butler, o ponto de partida é o social, arena onde se articulam as relações de gênero que veiculam o poder, sustentado pela criação de heranças biológicas, usadas para justificar as desigualdades. Mas como pessoas então podem ter gêneros e sexos diferentes? É a partir desta questão que Bento(2006) expõe um outro universo, seguindo autoras como Butler(1999) que questiona os entremeios do gênero: existem pessoas que não são homens nem mulheres? Onde elas se localizam no espectro binário de gênero construído pela nossa sociedade? Como podemos compreendê-los/as? Esta autora então desconstrói o gênero para então entender o que se passa para que sejamos masculinos ou femininos. Ela afirma por fim que, diferentemente de Barbieri(1991) e grande parte das feministas, o corpo não é a matriz do gênero e sim, valores sociais e constructos da fala e da cultura que são a matriz de como vemos o corpo, e dessa forma, construímos nossa visão do gênero e do corpo. Isso significa que o corpo que conhecemos é permeado de valores, e são eles que nos fazem afirmar que um corpo é masculino ou feminino e que também se deve agir de modo feminino ou masculino. Por ser um constructo idealizado 30
  • 31. pelo ser humano, o corpo e suas normas hegemônicas se modificam ao longo do tempo e do espaço e desta forma podem se modificar em relação ao momento histórico-social e o lócus geográfico. Essas normas, ou leis, como afirma a autora, se materializam no decorrer de um processo, nunca de uma vez só, apenas no nascimento ou através de um ritual. Mas também não é possível enxergarmos o corpo pelo corpo, sem as normas de gênero, pois elas se constituem como um ideal hegemônico, e é muito difícil nos desviarmos deste valor que nos é ensinado e que atuamos desde bebês. Bento(2006) afirma que “Quando o médico diz ‘é um menino/uma menina’ produz-se uma invocação performativa e, nesse momento, instala-se um conjunto de expectativas e suposições em torno deste corpo. É em torno dessas suposições e expectativas que se estruturam as performances de gênero. As suposições tentam antecipar o que seria o mais natural, o mais apropriado para o corpo que se tem”(p. 88) Também não é possível pensar que o corpo não influi no gênero, que ele é completamente passivo em relação às normas sociais, e que estas não têm uma base no mundo físico. Mas a cultura se constrói como o corpo se constrói, e existe uma dialética entre as construções sociais sobre o corpo e o gênero, de forma que a materialidade do corpo também é capaz de produzir, além de reproduzir, como foi pensado por Beauvoir. Butler(1993) nos traz estas indagações e dessa forma é possível pensar no/a transexual, n@9 travesti, nos drag kings e drag queens como o faremos neste trabalho. Os estudos de gênero são deste século e muito se referiram às mulheres, aos homossexuais, aos desviantes em geral e suas angústias, suas disfunções dentro de uma sociedade que se baseia em uma heteronormatividade, onde o macho é divinizado pelas suas características inatingíveis. Por que então, agora, falar deste macho? Será que ele também não tem funcionado dentro da lógica criada por ele e para ele? É importante também contextualizar os estudos sobre a masculinidade para que entendamos em que ponto estamos na pesquisa. O feminismo foi precursor nos estudos sobre gênero e até se escrevia sobre as “hombridades” de forma escassa antes das 9 O arroba, quando substitui a vogal de uma palavra que contenha como característica o gênero, tem como significado um gênero não conhecido, ou diferente do masculino ou feminino. Entre @s travestis, isso é muito comum, pois é falta de respeito na maioria do tempo chama-l@s de homens, e nem tod@s se reconhecem como mulheres, ou se percebem dessa forma. Por essa razão, a linguagem utilizada pel@s mesm@s é essa, e aqui será reproduzido em respeito ao como el@s querem ser denominad@s, segundo conversas informais com estas pessoas durante os anos de 2008 a 2010. 31
  • 32. feministas de acordo com Maciel Jr.(2006), mas até Nicole-Claude Mathieu, em 1971, o estudo das mesmas se resumia às mulheres; os desviantes eram o problema a ser “dissecado” como afirma Welzer-Lang(2004). Mathieu foi a primeira pesquisadora de que se tem notícia a propor que estudemos os homens tanto quanto as mulheres, pois sendo ambos formadores de um sistema relacional, o estudo de uma categoria de gênero fica incompleto se deixarmos de estudar a outra. Como Cecchetto(2004) comenta, não é possível falarmos que o tema da masculinidade foi completamente esquecido antes deste século, mas é importante frisar que apenas um tipo de masculinidade não deixou de aparecer: o modelo hegemônico de cada época. Porém a masculinidade como um todo ficou às escuras por tempo demasiado após Mathieu. Isso não quer dizer que não houve sociólogos, psicólogos, historiadores e médicos olhando para questões do masculino, porém este foram raros em comparação com o florescimento dos estudos de gênero. Podemos citar algumas revistas como Types- Paroles d’hommes e Contraception Masculine- Paternité, e autores renomados na década de 70 como Lefaucheur e Falconnet(1975), e no começo da década de 80, Emmanuel Reynaud e Guido de Ridder, além de Michel Foucault, Philippe Ariès, Jean Genet e Michaël Pollack entre alguns outros. Como foi dito por Maciel Jr.(2006), “Na segunda metade da década de 80, iniciaram-se estudos e pesquisas centradas no tema-questão dos homens e da masculinidade, tendo como característica principal a rejeição ao modelo tradicional vigente que interpretava a experiência masculina como a norma”(p. 10) Então, o homem não mais é um ser já prescrito, moldado como sendo agressivo, competitivo, caçador, dominador, entre tantas outras características que ele pode apresentar. Ele pode ser isso, mas pode também não ser. E foram estes estudos na década de 80 que começaram a perceber o homem e a masculinidade como possibilidades diferentes e até excludentes em alguns casos, como podemos ver nos ideais das mulheres e homens transexuais. São poucos os estudos sobre a masculinidade se comparados aos outros estudos de gênero, mas eles formam um panorama geral a respeito de quem são estas pessoas, mostrando as várias possibilidades do “ser” e do “tornar-se” homem. 32
  • 33. Quando estudamos gênero, é imprescindível notar como as relações de poder se inscrevem entre as possibilidades de gênero, seja dos homens para com as mulheres, seja entre homens e entre mulheres, ou qualquer outra possibilidade. Como os estudos de gênero e mais tarde os men’s studies foram baseados com razão nessa desigualdade, porque ela existia, era perceptível e continua sendo através dos olhos de Maciel Jr.(2006), Welzer-Lang(2001, 2004), Hime(2004), Monteiro(1997) entre vários outros autores, observar apenas as diferenças seria deixar de olhar uma das mais importantes: quem construiu a história até há pouco foram homens, e eles detém todo este know-how, em detrimento das outras formas de gênero, que andaram à margem dos livros e da História humana, deixando suas marcas em leves pinceladas através de olhares masculinos. Uma característica da expressão da masculinidade é que diferentemente das mulheres, os homens precisam provar o tempo inteiro que são masculinos, que cultivam estes ideais e valores, seja para si, seja para outras pessoas. Se o homem fraqueja em demonstrar que é masculino, é como se esta característica se esvanecesse para fora de si. Ele reforça isso para seus colegas de sexo e também para as mulheres, dizendo o que devem ou não fazer. Suas prescrições também são para si, para lembrar em toda e qualquer situação de que é um homem, de que é forte, detém o poder, é racional, etc. Weininger, no começo do século XX, foi um dos primeiros a afirmar que estas constantes demonstrações de masculinidade se deviam ao fato de um hermafroditismo original que faz com que o homem, diferentemente da mulher, tenha que diferenciar-se da mesma, se não seu “outro lado” transpareceria. Apesar de como via as mulheres, Weininger, segundo Cecarelli(1998), influenciou toda uma geração sobre a indefinição de gênero inata dos seres humanos, e sobre o fato da masculinidade não ser algo detido pelos homens, mas sim algo desejado e necessariamente inatingível enquanto ideal. Connelll(2005) então formula a possibilidade de várias masculinidades, todas passíveis de transformação ao longo do ciclo da vida, da sociedade em questão, da cultura, e , principalmente, de como este homem se relaciona. Por essa razão, é impossível perceber a masculinidade e como ela se expressa se não está em relação, se não se expressa a algo ou alguém. Algumas categorias de análise relacionais a seguir podem ser exemplificadas como portadoras das relações em que se inscreve a masculinidade, as quais estudaremos com mais afinco por meio das entrevistas. 33
  • 34. II.1. O homem consigo mesmo O homem demonstra a si que é homem. Quando olha no espelho, vê características que o fazem sentir-se masculino, de forma diferente das mulheres, como afirma Beauvoir(1949) quando explana que a mulher foi presa em seu corpo de forma a ser subordinada à razão masculina, em detrimento das sensações e sentimentos considerados ponto forte feminino. Connell (1995) comenta que ao olharem para seus corpos, os homens esperam transpirar, inerentemente, sua masculinidade, que é algo de que não têm controle e que os liga ou desliga de certos comportamentos (liga-os à violência, e desliga-os do cuidado com crianças, como exemplos). O corpo masculino pode ser observado de duas formas: por meio da ciência biologicista, onde o sexo produz as diferenças de gênero (o homem tem um pênis e deve ser ativo, como possibilidade desse pensamento) ou o simbolismo impresso no corpo por sua sociedade vigente (o homem é visto como o provedor, por exemplo, ativo, produtivo). Butler(1993) com sua teoria de gênero nos aprofunda na compreensão do homem de modo a percebê-lo como atravessado pelas regras sociais, pelos valores de uma sociedade. Quando veste uma roupa, quando senta, quando fala, revela a si mesmo características consideradas masculinas, e se mune consciente e inconscientemente destas em seus pensamentos e de como foi-se percebendo enquanto homem ao longo de seu ciclo vital; É dessa forma que um homem transexual sabe que é do gênero masculino, por exemplo, pois sua identidade de gênero demonstra a si estas características, relaciona-se com a maneira que ele se percebe, e não ao seu sexo biológico. Vamos entender então como se forma essa identidade de gênero, no geral. Helen Bee (2000), grande psicóloga desenvolvimental, afirma que para que um ser humano tenha em sua identidade o gênero e o papel sexual, é preciso que ele possua a constância de objetos, que ele perceba que ele é diferente do mundo e que permaneça no espaço e no tempo. Através desse processo, o bebê começa a ter um senso de eu. Mas não apenas isso; ele precisa dar qualidades a si mesmo, compreender-se como objeto no mundo, dar-se um gênero, um tamanho, um nome, além de outras qualidades. Essa segunda fase do desenvolvimento do Self começa com o bebê de aproximadamente 21 meses e vai se moldando daí em diante, através da interação com o mundo do indivíduo. 34
  • 35. Quanto ao desenvolvimento de gênero, este possui três fases primordiais: a identidade de gênero, ou seja, o reconhecimento de homens e mulheres, inclusive a si mesmo (que acontece entre 9 meses e 1 ano), a estabilidade de gênero que constitui uma certa constância do sexo durante a vida (ocorrendo por volta dos 4 anos) e enfim, a constância de gênero, onde a criança geralmente reconhece que alguém não muda de gênero ao usar roupas diferentes, que ocorre durante o 5º e 6º ano de vida. Quanto ao papel sexual, ou às performances de gênero, começam a ocorrer dos 18 aos 24 meses de idade, quando os bebês começam a preferir brinquedos “femininos” ou “masculinos”. Ela ainda ressalta que meninos normalmente têm estereótipos de papel sexual mais rígidos e tradicionais que as mulheres, levando à hipótese de que as características masculinas de gênero são mais valorizadas e reforçadas em nossa sociedade, e por isso, as características consideradas femininas em nossa sociedade não são alvo de desejo destes meninos, mas sim para as meninas, que flexibilizam mais seus estereótipos de gênero para que estas características também caibam em sua definição dos gêneros (existirão homens que gostam de se vestir de meninas também, usar o nome feminino, ou até se tornarem mulheres, o que nos faz pensar que nem todos querem ser pessoas com características masculinas, mas esta incógnita será resolvida em trabalhos futuros.). Essa autora também comenta sobre crianças de sexo cruzado, citando John Money ao falar que o gênero de criação da criança nutrirá sua identidade de gênero. Mas também afirma que caso haja um desequilíbrio hormonal na mãe durante a gestação, isto pode gerar meninas com características mais masculinas ou meninos com características mais femininas. Até hoje, não firmou-se nenhum diagnóstico conclusivo a respeito do aparecimento de pessoas transexuais e, até este segundo momento, sabemos muito pouco como isso acontece. Mas nem pistas biológicas, nem pistas sociais podem nos dar algo conclusivo sobre o tema. Mesmo assim, existem várias teorias que poderão embasar nossa reflexão com as quais analisaremos os homens, e a principal neste trabalho será citada a seguir. Quando falamos de identidade de gênero, precisa-se fazer uma ressalva: não podemos considerar sexo como sinônimo de gênero; nem gênero como sexualidade. Quando alguém considera-se homem fisicamente, não necessariamente se considerará masculino, nem muito menos terá uma sexualidade pré-determinada. Temos homossexuais, travestis, transexuais, crossdressers, drag-kings e drag-queens (entre as 35
  • 36. variedades de trânsitos de gênero, sexualidade e sexo) para provar que nestes três campos, nada é a priori, e as combinações originam um leque sem fim de possibilidades de ser e estar no mundo. Os autores principais desta vertente teórica são Butler(1993), Scott(1990), Derrida(apud Bento,2006). É importante que se considere como aquele ser humano se constrói enquanto ser social que trará sua auto-imagem, como ele se vê e como se sente sobre isso, ou seja, como sua auto-estima se constrói e reconstrói ao longo do seu ciclo vital. Este ponto é fundamental para compreendermos a masculinidade, pois apesar de nos situarmos em uma sociedade com concepções rígidas acerca do masculino, homens transexuais e homens homossexuais são tão homens quanto homens biológicos e homens heterossexuais e talvez esse seja o ponto de convergência mais gritante: “Eu sou homem, ué...” Ademais, assim como Beauvoir afirma que mulheres não nascem mulheres, tornam-se mulheres, os homens negociam suas masculinidades a vida inteira, e se tornam homens a cada momento em que vivem desta forma. Quando crianças, quando idosos, quando adultos, os homens atuam diferentemente suas masculinidades e exercem seus papéis de forma diferente durante suas vidas, com o que concordam Welzer-Lang (2001; 2004) e Maciel Jr. (2006). O primeiro comenta sobre as relações entre homens que chama de “a casa dos homens”: “Nessa casa dos homens, a cada idade da vida, a cada etapa de construção do masculino, em suma está relacionada uma peça, um quarto, um café ou um estádio. Ou seja, um lugar onde a homossociabilidade pode ser vivida e experimentada em grupos de pares. Nesses grupos, os mais velhos, aqueles que já foram iniciados por outros, mostram, corrigem e modelizam os que buscam o acesso à virilidade. Uma vez que se abandona a primeira peça, cada homem se torna ao mesmo tempo iniciado e iniciador.” (p. 3) E a cada etapa do masculino, assim como qualquer pessoa, ele ressignifica as épocas passadas e vê de modo diferente que tipo de homem quer ser no futuro. Pensando que existem vários tipos de homens em etapas diferentes e modos diferentes de exercer sua masculinidade, como estes reagem quando estão com outros homens? 36
  • 37. II.2. O homem com outros homens A pergunta feita no subtítulo acima traz ainda mais dúvidas: como o indivíduo percebe outros do seu próprio gênero, objetivamente e subjetivamente? Onde e o que eles conversam em cada ambiente que freqüentam? Como estas relações se transformam ao longo do tempo? Como é uma amizade entre homens? Como um homem deve agir quando deve dar um exemplo a um outro homem mais novo? E quando a relação se inverte? Do que eles tanto contam vantagem? E as competições intermináveis entre colegas de trabalho, nos esportes, etc.? Como é a relação amorosa homossexual? Podemos ver que este tópico “dá pano para a manga” e muitas destas questões vão ser respondidas de forma simples demais para as reflexões que elas oferecem. Mas vamos tentar aqui passar por todas estas e quem sabe, ainda outras que surjam pelo caminho... Os homens têm algumas relações com outros homens autorizadas pela sociedade vigente e outras que não, mas nem por isso deixam de fazê-lo. Os homens podem ser pais, filhos, colegas de trabalho, amigos, competidores, inimigos, conhecidos, namorados, amantes. E como afirma Connell (2005), essas Figura 2 – Homer Simpson, um personagem da televisão relações podem se dividir em quatro com seu filho, Bart Simpson; a relação entre masculinidades é bem presente nesta série de televisão, grandes blocos: hegemonia, principalmente quanto à relação pai e filho, mas também a subordinação, cumplicidade e respeito do homem e como ele atua com outros homens. marginalização, cada qual com suas características principais: • A hegemonia ocorre quando uma forma de masculinidade é exaltada em detrimento de outras formas de masculinidades e formas de gênero, e é o tipo de relação mais comum e bem aceita na história da humanidade; depende da correspondência desta com ideais culturais e poder institucional. Tem como ponto chave a autoridade e às vezes a violência pode lhe dar suporte. A hegemonia 37
  • 38. masculina pode muito bem ser erodida por outras formas de gênero e, portanto, se altera. Um exemplo de masculinidade hegemônica através dos tempos é o homem branco heterossexual machista. • A subordinação existe em razão da hegemonia, e tem vários efeitos sociais, como a baixa auto-estima destas pessoas, a violência e humilhação verbal e física para manter os subordinados em seu lugar, a discriminação de forma negativa de suas características, apesar de haver outras que se encaixariam no perfil hegemônico (como a discriminação econômica). Podemos citar como exemplo histórico de masculinidade considerada subordinada os homossexuais, os homens negros, os homens transexuais, homens com deficiências físicas e mentais, entre muitos e muitos outros (veja bem, se um tipo de masculinidade é hegemônica, neste momento, todas as outras são subordinadas). • A cumplicidade é a relação em que não se exerce poder sobre outras pessoas, existe um mútuo acordo entre as partes e não se pensa muito sobre o modelo hegemônico de masculinidade, mesmo que ele exista e influa nessa relação também. É onde o respeito e a amizade podem estar, como na relação entre pai e filho, e exige profundidade. • A marginalização é a relação em que mesmo que os grupos subordinados possam trazer características boas, eles não serão inclusos na masculinidade hegemônica. Exige a autorização do grupo a ser marginalizado. Então, através dessas relações, cada um dos tipos de vínculo que estes homens formam pode ser diferente. Um homem pode namorar outro homem e mantê-lo subordinado a ele, ou pode ser cúmplice e viver um relacionamento entre iguais. Outro autores como Williams(1985), falando sobre a amizade entre homens, comenta que as relações de poder permeiam muito estas amizades, e que têm muito mais a ver com possuir um grupo que o apóie caso se sinta ameaçado do que dividir confidências ou se sentir bem quando seus amigos estão lá. Demonstrar intimidade seria então algo a se fazer a uma mulher e de preferência na cama, nunca com um colega homem. Williams também comenta que dependendo do quão feminino ou masculino um homem for, isto varia, pois os nos padrões femininos de amizade incluem-se a intimidade e a liberdade de expressar sentimentos. Já Migliaccio(2009) e Kimmel(2000) percebem que os modos como vemos a intimidade estão extremamente ligados à intimidade feminina, sendo esta a única forma 38