A inacreditável resposta de uma professora de história a um aluno gago que queria participar de suas aulas: “Não fale durante minhas aulas, sua gagueira é perturbadora”. Ele não se calou.
Para mais informações: http://gagueira.wordpress.com
Aluno com gagueira é alvo da intolerância de professora universitária
1. Matt Rainey for The New York Times
Matt Rainey for The New York Times
INTOLERÂNCIA
INTOLERÂNCIA
Philip Garber Jr., aluno da faculdade
Philip Garber Jr., aluno da faculdade
do Condado de Morris, em New
do Condado de Morris, em New
Jersey (EUA). “Não fale durante
Jersey (EUA). “Não fale durante
minhas aulas, sua gagueira éé
minhas aulas, sua gagueira
perturbadora”, disse a ele uma
perturbadora”, disse a ele uma
professora de história.
professora de história.
“NÃO FALE”
que a gagueira não é. Cerca de 5% das
pessoas passam por uma fase de gaguei-
ra em algum momento da infância – e em
aproximadamente 1% a gagueira se tor-
na crônica, de acordo com dados do Na-
tional Institutes of Health (NIH).
Aluno com bom desempenho acadêmico A experiência que Philip teve na fa-
culdade traz à tona uma queixa constan-
é alvo da intolerância de professora te entre os gagos – a de que a sociedade
não reconhece a condição como uma
universitária. Motivo: ele tem gagueira. deficiência – e toca em um antigo dilema
pedagógico e social: o equilíbrio entre as
necessidades do indivíduo e o bem-estar
Por RICHARD PÉREZ-PEÑA. Publicado em 10 de outubro de 2011 na versão online do jornal The New York Times.
de um grupo.
"Assim como fazemos com todos os
alunos recém-chegados à faculdade, to-
R
andolph, New Jersey (EUA) – a professora de história, uma adjunta mamos medidas para resolver as recla-
Na faculdade do Condado de chamada Elizabeth Snyder, enviou um mações de Philip, de modo que ele possa
Morris, enquanto assistia a email pedindo a ele para fazer perguntas continuar com êxito a sua formação",
uma aula sobre a descoberta e somente antes ou depois da aula, "para disse Kathleen Brunet Eagan, diretora do
exploração do Novo Mundo, não prejudicar o tempo dos outros alu- departamento de comunicação da facul-
Philip Garber Jr. levantou a mão no intui- nos". dade. Ela não quis dizer se a Sra. Snyder,
to de perguntar por que os exploradores Em relação às questões que costuma que se recusou a discutir o caso, recebeu
chineses do século 15, cujas expedições dirigir à turma durante as aulas, a Sra. algum tipo de punição ou reprimenda,
chegaram a atingir a África, não alcança- Snyder sugeriu: "Acredito que seria me- mas observou que a faculdade "se esfor-
ram também a América do Norte. Ele lhor para todos se você mantivesse uma ça para educar seus professores e fun-
manteve sua mão erguida durante boa folha de papel em sua mesa e escrevesse cionários em relação à melhor forma de
parte dos 75 minutos de duração da au- as respostas" [em vez de respondê-las tratar os alunos."
la, mas a professora não o chamou. Ela já oralmente]. Mais tarde, comenta Philip, A Sra. Snyder ensina história na fa-
havia dito antes a ele para não falar du- ela falou para ele: "Sua gagueira é per- culdade há 10 anos, e vários alunos atu-
rante suas aulas. turbadora". ais e antigos do campus disseram em
Philip, um adolescente precoce e Sem se abater, Philip relatou a situa- entrevista que tinham opiniões positivas
confiante de 16 anos de idade, está fa- ção a um dos pró-reitores da faculdade, sobre ela. Ela foi uma das primeiras es-
zendo dois cursos universitários neste que sugeriu então que ele fosse transfe- tudantes quando a faculdade abriu em
semestre e tem muito a dizer, mas ele rido para a sala de outro professor, onde 1968, fez mestrado na Montclair State
também tem uma gagueira muito severa, finalmente pôde ficar livre outra vez University, e ensinou a disciplina de es-
que dificulta sua fala e torna praticamen- para fazer e responder perguntas duran- tudos sociais em escolas do ensino mé-
te impossível para ele dizer as coisas de te as aulas. dio por mais de 30 anos.
forma rápida. Depois das duas primeiras Ao mesmo tempo em que o caso de Para Philip, que passou a maior par-
aulas, em que ele participou ativamente, Philip parece incomum, pode-se dizer te da vida sendo educado em casa ou
GAGUEIRA.WORDPRESS.COM | 10 DE OUTUBRO, 2011 | A1
2. frequentando a escola pública do bairro, possa embarcar, muitas vezes
a atitude da professora foi uma surpresa são as mesmas que demons-
e uma decepção. "Eu nunca tinha expe- tram impaciência com quem
rimentado essa forma tão ostensiva de tem gagueira e está se esfor-
discriminação", disse ele. "Ter que lidar çando para falar claramente.
com isso logo numa sala de aula de fa- Antigamente, a gagueira
culdade foi muito chocante." era vista como um problema
psicológico, mas o consenso
científico atual é que sua ori-
Eu nunca tinha ex- gem tem bases genéticas e
perimentado essa forma neurofisiológicas, embora os
fatores emocionais possam
tão ostensiva de discri- torná-la pior1. No ano passa- Na imagem acima, Philip Garber aparece ao lado de outros adolescentes
do, um estudo do NIH identi- da companhia de teatro Our Time em uma reportagem especial sobre
minação. Ter que lidar ficou os primeiros genes liga-
gagueira feita pela rede CBS.
com isso logo numa sala dos à gagueira.
de aula de faculdade foi O histórico da gagueira de Philip é
muito comum: havia antecedente na fa- Algumas pessoas
muito chocante.” mília (um tio gaguejava), o problema que gaguejam desistem
começou por volta dos 3 anos e ele pas-
sou anos fazendo tratamentos fonoau- completamente de falar
Jim McClure, membro do conselho diológicos, alguns dos quais fizeram mais por causa desse tipo de
da Associação Nacional de Gagueira e mal do que bem. No tratamento mais
porta-voz da entidade, afirmou que a recente de Philip, ele adquiriu um pouco abuso. As pessoas não
experiência de Philip é pouco comum – mais de confiança e aprendeu algumas pensam na gagueira co-
porque a grande maioria das pessoas técnicas para melhorar sua fluência. Po-
que têm gagueira evita falar em sala de rém, depois de tantos anos consecutivos mo uma deficiência legí-
aula. "Geralmente, os professores ou as de tratamento, ele decidiu no último in- tima, mas elas precisam
ignoram, ou tem que persuadi-las a fa- verno que era hora de dar um tempo,
lar", disse McClure. "O fato de esse estu- pelo menos por agora. aprender.”
dante demonstrar vontade de participar "Eu até entendo que às vezes pode
é um sinal muito saudável." ser difícil ouvir uma pessoa que gagueja,
Kasey Errico, que foi professor de mas querer calá-la não é uma resposta está tendo uma convulsão", disse ele. Fo-
Philip na sétima e oitava séries – quando aceitável", disse a mãe de Philip, Marin tógrafo amador ávido, Philip espera fa-
ele estudava na Escola Pública Ridge and Martin, uma enfermeira. "Se formos pen- zer carreira na área, mas se preocupa
Valley em Blairstown (New Jersey) –, ob- sar assim", ela diz, "haveria um sem nú- porque "mesmo que ninguém espere que
serva que em qualquer turma há sempre mero de situações sociais em que ele um fotógrafo fale muito, em qualquer
alguns estudantes que fazem mais per- estaria proibido de falar". profissão é preciso falar".
guntas que outros e que monopolizam o Depois de tantos anos fazendo tra-
tempo de aula. "Eu me pergunto o que tamento fonoaudiológico, Philip até con-
esta professora faria com esses alunos, Antigamente, a ga- segue forçar sua fala a assumir um pa-
os que não gaguejam", diz Errico. "Se ela gueira era vista como um drão dele uma concentração tão intensa,
exige
razoavelmente fluente, mas isso
dissesse a eles a mesma coisa que disse a
Philip, então eu poderia entender." problema psicológico, que fica difícil falar e manter uma linha
Dois alunos da turma da professora
Snyder, que falaram sob a condição de
mas o consenso científico de raciocínio ao mesmoestá se ocupando
No momento, ele
tempo.
permanecerem no anonimato – para evi- atual é que sua origem com aulas de história e redação na facul-
tar eventuais retaliações por parte da tem bases genéticas e dade, estudando outras disciplinas em
professora –, disseram que Philip de fato casa e viajando para Manhattan uma vez
demorava mais tempo do que os outros neurofisiológicas.” por semana para trabalhar com drama-
alunos, mas nada tão inaceitável assim, e turgia na companhia Our Time, um grupo
que suas contribuições eram sempre pro- de teatro constituído exclusivamente por
veitosas. Eles disseram não saber ao certo Conversar com Philip requer certo pessoas que gaguejam (v. figura).
o que tinha acontecido entre ele e a Sra. grau de paciência – ainda mais porque Em relação à Sra. Snyder, Philip dis-
Snyder, mas testemunharam o dia em que ele é notavelmente desinibido, e tende a se que até poderia ter tentado entender
Philip levantou a mão durante boa parte falar em parágrafos completos, como é as motivações por trás do pedido da pro-
da aula e foi ignorado pela professora. possível ver nos vídeos que ele grava em fessora, mas para isso ela deveria ter
"Como você agiria com um garoto seu canal no YouTube. Para o ouvinte, a usado uma forma mais gentil de pedir.
que tem um forte sotaque e tem que repe- recompensa é poder apreciar seu senso "Tenho muita sorte de nunca ter sido
tir tudo?", perguntou o pai de Philip, tam- crítico afiado e sua sagacidade irônica. provocado ou intimidado quando mais
bém chamado Philip, editor de dois jor- Ele tem se esforçado para suprimir jovem, porque algumas pessoas que ga-
nais de pequeno porte. "Eu não acho que uma característica comum em sua ga- guejam desistem completamente de falar
seria correto dizer ao garoto que ele não gueira – contorcer o corpo ou parte dele por causa desse tipo de abuso", disse
pode falar." Os defensores das pessoas na tentativa de expulsar uma palavra. Philip. "As pessoas não pensam na ga-
que gaguejam usam uma comparação "Descobri que é difícil fazer as pessoas gueira como uma deficiência legítima,
didática para ilustrar o tamanho da in- escutarem você quando acham que você mas elas precisam aprender."
compreensão social em relação à gaguei-
ra: em geral, as pessoas que aceitam cal- 1[N.T.] A mesma afirmação é válida para o mal de
Traduzido por Hugo Silva, em out. de 2011, para a campanha do
Dia Internacional de Atenção à Gagueira (bit.ly/diag-2011). O ar-
mamente um atraso na viagem de ônibus Parkinson, a disfonia espasmódica e outros distúr- tigo original, em inglês, pode ser encontrado online através do
para que um passageiro com deficiência bios que prejudicam a fluência motora da fala. seguinte endereço encurtado: tinyurl.com/diag2011-artigo01
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