1. DECLARAÇÃO DO IV ENCONTRO NORDESTE DAS
ORGANIZAÇÕES ANARQUISTAS ESPECIFISTAS
De 14 a 16 de novembro realizamos o IV Encontro Nordeste das Organizações Anarquistas
Especifistas. Desta vez também contamos com a presença do Coletivo Anarquista Ademir Fernando
(CAAF) da Bahia e da região Norte, o Núcleo Anarquista Resistência Cabana (NARC). O Encontro foi
marcado pela comemoração dos 5 anos de existência da Organização Resistência Libertária (ORL),
bem como evidenciou a confluência das análises realizadas pelas 6 organizações políticas presentes
acerca do período recente das lutas sociais no Brasil e seus apontamentos futuros.
Vale ressaltar nossa imensa alegria e avanço politico de ter presente a companheirada do norte
do país, que reassume seu posto na luta – porque já vem de uma geração anterior do anarquismo
especifista. Retoma os trabalhos em um rico encontro de gerações fraternalmente associadas pelo
sincero e combativo espirito anarquista fundado em princípios caros a nossa tradição, como são o
apoio mútuo, a solidariedade e independência de classes, a ação direta, a autogestão, entre tantos outros
que nos nutrem para continuar na luta pelo socialismo libertário.
Nosso internacionalismo, entretanto, não nos faz deixar de refletirmos sobre o solo em que
pisamos. Salvando as devidas diferenças históricas, as regiões Norte e Nordeste guardam inúmeras
semelhanças desde a origem da invasão brasileira, onde, deveria ser explorado ao máximo ambas as
regiões, sem necessidade de contrapartida. Hoje ainda temos que lidar com uma estrutura arcaica que
mantém altos índices de analfabetismo e sucateamento escolar, jovens vítimas de armas de fogo,
insuficiência e precariedade no acesso à saúde pública, desnutrição e “comercialização da seca” em
pleno século XXI, traços estes marcantes de uma herança coronelista e provinciana. Estas e outras
questões ampliam a necessidade de pensarmos para além do teto, sem tirarmos os pés do chão. As
imagens vendidas pelos grandes empresários e governantes destas regiões contrastam com a realidade
da classe oprimida que sobrevive com suor no rosto e sede de luta. Nesse cenário, nossa estratégia
especifista vem avançando, pois pensamos o todo sem deixarmos de considerar os sotaques e
particularidades distintas, que se unem na luta anticapitalista pela construção de um Povo Forte e pelo
Socialismo Libertário.
Este rico encontro regional e geracional nos possibilitou melhor compreender que “junho não
começou em junho”: as jornadas de lutas populares já vêm de longa data! Não cremos nas palavras tão
difundidas de que o gigante acordou, porque a periferia nunca dormiu: ela precisa estar sempre muito
alerta para continuar resistindo aos terrorismos do estado, diuturnamente! Afirmar que o povo acordou
seria a negação das inumeráveis batalhas cotidianas e históricas presentes no Brasil (e em todo o
mundo, porque internacionalista!), de norte a sul. São as lutas indígenas, quilombolas, das mulheres, dxs
obreirxs, dxs desempregadxs, dxs sem teto, sem terra, entre outrxs oprimidxs que se confundem, se
encontram, sofrem e resistem a toda sorte de serem as periferias dos poderes centralizadores.
Mesmo assim, a tendência majoritária da opinião pública fabricada consiste no esquecimento de
nossa ancestral luta contra a dominação. Exemplo recente desta combatividade invisibilizada são os
setores (porque alguns estão fragilizados) dos povos originários no norte do país em enfrentamento às
forças do capital que só estabelecem relações predatórias, levando-os, no limite, ao suicídio coletivo. As
demonstrações desta autodestruição são muitas e cada vez mais crescentes, ancoradas, por exemplo, em
uma lógica neodesenvolvimentista que casa com as identidades de países emergentes aspirando “sentar
à mesa” das chamadas superpotências, retroalimentando os ciclos de dominação global. O BRICS
(Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) é uma expressão destes agrupamentos de interesses de
capitais transnacionais na sua busca por força a fim de fazer frente aos estados mais fortes até então.
Há várias ações de sustentação em âmbito local e regional deste panorama atual do capitalismo
globalizado. O Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) é só uma pequena parte em escala
nacional do que na América do Sul esta sendo chamado de Iniciativa para Integração da Infraestrutura
Regional da América do Sul (IIRSA). Esta iniciativa pode ser considerada uma nova Aliança para o
2. Livre Comercio das Américas (ALCA), porém muito mais astuciosa e eficiente, uma vez que figura
como se fosse um processo livre do sul da América em seu próprio benefício, utilizando-se, inclusive,
do discurso da integração regional com referências a notáveis figuras que se firmaram neste imaginário
como mártires da luta contra o colonialismo e pela independência.
Estão sendo construídas rotas diversas para a facilitação do fluxo de matérias-primas em nosso
subserviente capitalismo extrativista e importador de produtos. Os megaeventos entram nesta cadeia
produtiva econômica colaborando politicamente para que se gere uma série de pressões sociais no
espaço urbano, materializando as políticas de higienização social e gentrificação das cidades. Quem se
localiza na periferia do poder é jogado ainda mais para escanteio, empurradxs cada vez mais para as
margens territoriais deste mundo hegemonizado pela injustiça!
Nos campos e nas cidades, as forças predatórias do capital se expandem. A UHE Belo Monte
(na bacia do rio Xingu, município de Altamira no Pará) é um caso emblemático dentro desta nossa
leitura, porque é expressão destes megaempreendimentos alimentados pelo neodesenvolvimentismo
que ignora o respeito à natureza e aos modos de vida dos povos indígenas, ribeirinhos, caboclos e
camponeses em geral.
Já as manifestações iniciadas em junho de 2013, bastante midiatizadas, deram maior visibilidade
a diversas questões e contradições sociais existentes, bem como inúmeras bandeiras de luta. Em meio à
Copa das Confederações da FIFA no “país do futebol”, adveio uma ebulição social inesperada que
levou às ruas multidões de pessoas, rompendo com um período de refluxo de grandes movimentações
no meio urbano. Contudo, a maré de levantes deve ser analisada com profundidade em relação ao seu
conteúdo político no sentido de não ficamos a mercê dos movimentos transitórios. Devemos aprender
mais e melhor a desenvolver as forças sociais na perspectiva de pôr fim aos sistemas de dominação.
O modelo de manifestação vendido pela “opinião pública” consistiu na ampla marcha cívica, na
participação passiva, na passeata pela liberdade abstrata, em detrimento das pautas sociais vivas, embora
em muitas cidades o estopim tenham se dado a partir de problemas específicos, como o Passe Livre e a
Copa do Mundo. Restou evidenciado o discurso pacifista do “não vandalismo”, a tímida presença de
movimentos sociais e organizações sindicais de base, o recrudescimento da repressão policial, midiática
e judicial, regado por um forte nacionalismo febril que pairou no ar. Precisamos de mais agudeza na
análise e dureza na atuação para revirar o jogo! Diante da ampla repressão e toda sorte de perseguições
sofridas pelo povo lutador, foi inevitável também o desgaste da imagem do Estado e dos Governos,
tanto no cenário local quanto internacional, em um momento em que o Brasil se lança em forte
campanha no panorama exterior como um grande país em vias de desenvolvimento, sediando diversos
eventos mundiais, a exemplo das Copas e da Olimpíada.
Na dinâmica das lutas, ficamos mais convencidxs de que a nossa forma de lutar sempre será
colocada à prova, porque o processo histórico julga implacavelmente a legitimidade de nossa presença,
ombro a ombro com a classe. O rechaço aos partidos políticos é um exemplo disso: é fruto da falta de
referência que estas mesmas organizações construíram. Nós anarquistas não podemos ser
responsabilizadxs por isto. Este entendimento exige a indispensável e profunda autocrítica. Todavia,
fomos atacadxs por várias forças autoritárias, de direita e de esquerda, em suas incapacidades de sequer
dar respostas e se fazerem funcionais no processo. Não entramos nestas querelas. O que precisamos é
que nossa análise possa alertar para compreensão dos diferentes papéis e as táticas possíveis de luta,
bem como apontar alianças sociais e ferramentas que ampliem as forças pela construção do Poder
Popular. Faz-se necessário muita humildade, coesão, coragem e disposição para aprender na luta. Assim
a classe faz tremer o poder dominador!
Neste sentido, ressaltamos a importância de sempre pensar/atuar com vistas ao curto, médio e
longo prazo. Aqui situa-se o debate acerca da tática Black Bloc, que equivocadamente tem sido entendida
como um grupo, movimento, etc. Trata-se de uma ferramenta de luta, que possui limitações, mas que
deve estar a serviço da resistência popular frente às forças de repressão do Estado acionadas quando
rompemos o controle mental e nos fazemos multidões nas ruas. Não esqueçamos que os aparelhos
policial-militares de manutenção da ordem vigente fundam-se na astuta lógica do monopólio da
violência “legítima” pelo estado em “defesa da sociedade”, mas que atuam contra esta mesma.
3. O ano 2014 mostra-se com fortes indicações de que terá conjuntura mais radicalizada, uma vez
que ocorrerá a Copa do Mundo, será ano de eleições, haverá encontro do BRICS em Fortaleza a fim de
criar seu banco, dentre outros fatores. Para este cenário, devemos tentar nos antecipar afim de garantir
meios de reverter ganhos das lutas imediatas em conquistas políticas para a perspectiva do Poder
Popular.
Devemos estar atentxs às outras formas de atuação e organização, porém não esquecendo as
nossas experiências históricas, para não cairmos no erro de sempre começarmos do zero, tentando
“reinventar a roda”. Não podemos nos furtar em dizer: o que aparece como novidade agora (ação
direta, autogestão, federalismo, etc.) é herança histórica de nossxs companheirxs que deram suas vidas
na luta por um mundo sem dominação e por isto tiveram abafadas suas vozes, invisibilizadxs sua
história. E hoje vêm à tona estas imagens, em um período de grande desgaste desta falsa democracia,
que nada mais é do que a atualização histórica da organização da violência dominadora.
Que nos preparemos mais e melhor para 2014, pois será um ano repleto de situações comuns a
este contexto que apresentamos! Os mecanismos de controle e repressão estão sendo bastante
calibrados para que o povo não perturbe o fluxo dos negócios neoliberais. A legislação antiterror
também se faz simbólica neste sentido, pois consiste em mais um passo na criminalização das lutas
sociais. Nossa força de luta deve ser maior para dar lições necessárias às elites! Precisamos de mais
organização para fazer vencer e pôr-nos em movimento por um mundo sem dominação!
Não podemos recuar!
Fortalecer a resistência popular para realizar um bom combate!
Avante as/os que lutam!
Lutar, Criar, Poder Popular!
Vida longa ao anarquismo desde o Norte/Nordeste!
Assinam esta declaração:
Coletivo Anarquista Ademir Fernando (CAAF) – Bahia
Coletivo Anarquista Núcleo Negro (CANN) – Pernambuco
Coletivo Anarquista Zumbi dos Palmares (CAZP) – Alagoas
Coletivo Libertário Delmirense (COLIDE) – Alagoas
Organização Resistência Libertária (ORL) – Ceará
Núcleo Anarquista Resistência Cabana (NARC) – Pará
Reunidas em Fortaleza, Ceará, nos dias 14, 15 e 16 de novembro de 2013.
http://www.resistencialibertaria.org/index.php?option=com_content&view=article&id=112:d
eclaracao-do-iv-encontro-nordeste-das-organizacoes-anarquistasespecifistas&catid=89:documentos-regionais