O documento discute o complexo de vira-lata do brasileiro, que se refere à inferioridade que o brasileiro se coloca em relação a outros povos. Isso é reforçado pela falta de reconhecimento científico do Brasil e pela incapacidade de se tornar um país desenvolvido, apesar de suas riquezas naturais. Além disso, o Brasil nunca teve uma verdadeira revolução social que colocasse o povo como protagonista e promovesse mudanças estruturais.
SOCIAL REVOLUTIONS, THEIR TRIGGERS FACTORS AND CURRENT BRAZIL
O complexo de vira-lata do brasileiro na história e política
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O COMPLEXO DE VIRA-LATA DO BRASILEIRO NO FUTEBOL E NA LUTA
POLÍTICA
Fernando Alcoforado*
Complexo de vira-lata é uma expressão criada pelo dramaturgo Nelson Rodrigues
quando se referiu ao trauma sofrido pelo povo brasileiro com a derrota da Seleção
Brasileira para o Uruguai na partida final da Copa do Mundo de 1950 no Maracanã e
que só teria se recuperado do choque em 1958, quando ganhou a Copa do Mundo pela
primeira vez na Suécia.
Para Nelson Rodrigues, o complexo de vira-lata não se limitava somente ao campo
futebolístico. Segundo ele, o complexo de vira-lata é a inferioridade em que o brasileiro
se coloca, voluntariamente, em face do resto do mundo. Ainda segundo Nelson
Rodrigues, o brasileiro seria um narciso às avessas não encontrando pretextos pessoais
ou históricos para a autoestima.
A ideia de que o povo brasileiro é inferior a outros povos não é nova. No século XIX,
nas décadas de 1920 e 1930, várias correntes de pensamento digladiavam-se quanto à
origem desta suposta inferioridade. Alguns pensadores, como Nina Rodrigues, Oliveira
Viana e até mesmo Monteiro Lobato, proclamavam que a miscigenação do povo
brasileiro era a raiz de todos os males e que a "raça branca" era superior às demais.
Outros, como Roquette-Pinto, afirmavam que a inferioridade era um problema de
ignorância do povo brasileiro, não de miscigenação.
O complexo de inferioridade é reforçado pelo fato de o Brasil jamais ter tido sua
produção científica reconhecida através de um prêmio Nobel, enquanto outros
países latino-americanos já conquistaram 19, como é o caso da Argentina, Colômbia e
Venezuela. O complexo de inferioridade do brasileiro é reforçado ainda mais pelo fato
de vivermos em um país que é detentor de imensas riquezas naturais e não termos tido a
capacidade de alcançar a condição de país desenvolvido se ombreando com as grandes
nações do planeta. Os sucessivos escândalos de corrupção nos quais o governo
brasileiro e a classe política vivenciaram nas últimas décadas e continuam envolvidos
fazem com que haja um descrédito em nossa capacidade de transformar o Brasil em um
país sério.
Este complexo de inferioridade do brasileiro é reforçado também pela flagrante
incapacidade do povo brasileiro de assumir protagonismo ao longo da história do País.
Pode-se afirmar que, no Brasil, nunca houve, de fato, uma revolução social. A própria
Independência do Brasil não resultou da luta do povo brasileiro, mas sim da vontade do
Imperador D. Pedro I. A Independência do Brasil diferiu da experiência dos demais
países da América Latina porque não apresentou as características de um típico processo
revolucionário nacional-libertador.
O nativismo revolucionário, sob a influência dos ideais do liberalismo e das grandes
revoluções de fins do século XVIII cedeu terreno no Brasil à lógica do conservar-
mudando que prevalece até hoje, cabendo à iniciativa de D. Pedro I, príncipe herdeiro
da Casa Real portuguesa, e não ao povo brasileiro o ato político que culminou com a
Independência. A Independência do Brasil foi, portanto, uma "revolução sem
revolução" porque não houve mudanças na base econômica e nas superestruturas
política e jurídica da nação. O Estado que nasce da Independência do Brasil mantém o
execrável latifúndio e intensifica a não menos execrável escravidão fazendo desta o
suporte da restauração que realiza quanto às estruturas econômicas herdadas da Colônia.
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Apesar das inúmeras revoltas populares registradas ao longo da história do Brasil, uma
verdadeira revolução política, econômica e social capaz de realizar mudanças estruturais
profundas e promover o desenvolvimento em benefício da população brasileira nunca
aconteceu efetivamente no País. Todas as tentativas revolucionárias realizadas no Brasil
foram abortadas com dura repressão pelos detentores do poder. É sabido que, no
mundo, os países que avançaram politicamente são aqueles cujos povos foram
protagonistas, através de revoluções sociais, das mudanças realizadas nos planos
econômico e social.
O Brasil foi o último país do mundo a acabar com a escravidão no século XIX cuja
abolição resultou da concessão realizada pelos detentores do poder e não da luta dos
escravos. A reforma agrária ainda está por se realizar porque a malfadada estrutura
agrária baseada no latifúndio continua existindo no Brasil, modernizada na atualidade
com o agronegócio, e o processo de industrialização foi introduzido tardiamente no
Brasil, 200 anos após a Revolução Industrial na Inglaterra. Isto tudo reflete o atraso
econômico e político do Brasil em relação aos países mais desenvolvidos. As crises
econômicas enfrentadas pelo Brasil ao longo de sua história não foram capazes de gerar
crises políticas que levassem o povo brasileiro à revolução social e colocassem em
xeque o sistema econômico e os detentores do poder visando a promoção de seu
desenvolvimento econômico e social.
Os mais importantes eventos históricos do Brasil encontraram uma resposta que ficou
configurada na intenção explícita de manter fora do âmbito das decisões, as classes e
camadas sociais “de baixo” com a “conciliação pelo alto” como ocorreu com a
Independência e a Abolição da Escravidão ou a concretização de golpes de estado,
quando a “conciliação pelo alto” se tornou impossível como ocorreu na Proclamação da
República, na Revolução de 1930 e na implantação da ditadura militar em 1964. Pode-
se afirmar que as transformações ocorridas na história do Brasil não resultaram de
autênticas revoluções, de movimentos provenientes de baixo para cima, envolvendo o
conjunto da população, mas se encaminharam sempre através de uma conciliação entre
os representantes dos grupos opositores economicamente dominantes ou a realização de
golpes de estado quando a conciliação não era possível.
Muito dificilmente, a crítica situação política, econômica e social em que se encontra o
Brasil no momento atual encontrará no protagonismo do povo brasileiro uma solução
que impeça a repetição da “conciliação pelo alto” ou a emergência de um golpe de
estado na impossibilidade da conciliação entre os detentores do poder econômico e
político do Brasil. O frágil protagonismo do povo brasileiro resulta, de um lado, da
ausência de partidos políticos e de lideranças confiáveis com propostas capazes de
galvanizar a grande maioria da população e, de outro, da alienação política em que se
acha possuída a maioria da população cuja maior demonstração é sua presença maciça
na farra do Carnaval mesmo com o País moribundo, em situação pré-falimentar. Diante
da incapacidade do povo brasileiro de impor um rumo para o Brasil no momento atual,
tudo leva a crer que o desfecho da crise atual terminará com a “conciliação pelo alto”
com a manutenção dos atuais detentores do poder se a situação econômica não se
deteriorar ou a realização de um golpe de estado se a situação econômica se agravar
tornando-a insustentável.
* Fernando Alcoforado, 76, membro da Academia Baiana de Educação, engenheiro e doutor em
Planejamento Territorial e Desenvolvimento Regional pela Universidade de Barcelona, professor
universitário e consultor nas áreas de planejamento estratégico, planejamento empresarial, planejamento
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regional e planejamento de sistemas energéticos, é autor dos livros Globalização (Editora Nobel, São
Paulo, 1997), De Collor a FHC- O Brasil e a Nova (Des)ordem Mundial (Editora Nobel, São Paulo,
1998), Um Projeto para o Brasil (Editora Nobel, São Paulo, 2000), Os condicionantes do
desenvolvimento do Estado da Bahia (Tese de doutorado. Universidade de Barcelona,
http://www.tesisenred.net/handle/10803/1944, 2003), Globalização e Desenvolvimento (Editora Nobel,
São Paulo, 2006), Bahia- Desenvolvimento do Século XVI ao Século XX e Objetivos Estratégicos na Era
Contemporânea (EGBA, Salvador, 2008), The Necessary Conditions of the Economic and Social
Development- The Case of the State of Bahia (VDM Verlag Dr. Müller Aktiengesellschaft & Co. KG,
Saarbrücken, Germany, 2010), Aquecimento Global e Catástrofe Planetária (P&A Gráfica e Editora,
Salvador, 2010), Amazônia Sustentável- Para o progresso do Brasil e combate ao aquecimento global
(Viena- Editora e Gráfica, Santa Cruz do Rio Pardo, São Paulo, 2011), Os Fatores Condicionantes do
Desenvolvimento Econômico e Social (Editora CRV, Curitiba, 2012) e Energia no Mundo e no Brasil-
Energia e Mudança Climática Catastrófica no Século XXI (Editora CRV, Curitiba, 2015).