O documento discute a implementação de uma educação para as relações étnico-raciais na Educação Infantil. A autora descreve suas experiências de enfrentar o preconceito por ter descoberto ter ancestralidade negra e como isso a motivou a valorizar a cultura e história afro-brasileira. Ela também analisa a discriminação sofrida pelas funcionárias negras na escola e propõe atividades pedagógicas que promovam o respeito à diversidade e a herança africana entre as crianças.
Relações Étnico-Raciais, educação e descolonização dos currículos
Portifólio pronto
1. ESPECIALIZAÇÃO EM EDUCAÇÃO NO ENSINO FUNDAMENTAL - COLÉGIO
DE APLICAÇÃO JOÃO XXIII/ UFJF
FUNDAMENTOS POLÍTICO-PEDAGÓGICOS PARA A IMPLEMENTAÇÃO DE
UMA EDUCAÇÃO PARA AS RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS.
PROFESSORA: CAROLINA DOS SANTOS BEZERRA PEREZ
PÓS-GRADUANDA: JORDANA DE MOURA
MINHA HISTÓRIA
Escrever um portifólio cujo principal assunto gira em torno das relações étnico-raciais
sem mostrar o lugar do qual eu falo/escrevo, seria uma hipocrisia.
Sou Jordana de Moura, tenho 23 anos e trabalho como professora da Educação
Infantil.
Cresci tendo que responder em trabalhos da escola (desde as séries iniciais) qual era a
minha cor e, como de costume ou como fui ensinada por familiares e professores, me
declarava branca.
Quando completei 15 anos, me deparei com uma grande surpresa: a menina que se
sentia e se declarava como branca por ser filha de pai e mãe brancos, na verdade tinha como
pai biológico, um homem negro.
Como foi difícil entender e aceitar que eu, uma menina loira e dos olhos verdes, na
verdade também era negra. Para falar a verdade, mais negra do que branca, porque olhando do
ponto de vista da genética, o gene dominante em relação à cor da minha pele adveio do meu
pai e não da minha mãe.
Sofri muito com o preconceito de pessoas próximas, mas o meu maior sofrimento foi
com o meu próprio preconceito. Afinal é difícil viver em uma sociedade que há séculos fez
questão de APAGAR o negro da história, de menosprezá-lo, de diminuí-lo frente ao branco.
Foi somente quando me tornei aluna da Faculdade de Educação da UFJF que comecei
a ter contato com discursos que, ao invés de aprofundarem minha crise, me ajudaram a
compreender a importância do negro para a sociedade, me fazendo entender que na verdade
eu não era culpada por me sentir preconceituosa, mas seria culpada por não buscar uma
alternativa de valorizar minha cultura, minha história, minha vida.
Tive aulas com professores como Marina (História da Educação) e como o Julvan
(Antropologia da Educação), dois negros que em suas falas traziam um enorme orgulho de
sua cor, da cultura afro-brasileira e que e contribuíram sobremaneira para que todas as pessoas
2. de minha turma pudessem ter a chance de conhecer a beleza de nosso povo e do colorido de
nosso país.
Falar que eu estou isenta de preconceitos seria mentira, mas hoje posso falar que luto
todos os dias para ter visões e concepções críticas, que valorizem não só o negro, mas todos
os grupos minoritários que sofrem com algum tipo de exclusão, segregação, discriminação e
prenconceito.
É com essa visão crítica que neste trabalho acadêmico busco trazer contribuições para
a implementação de uma educação para as relações étnico-raciais, seja na Educação Infantil
como em qualquer outra modalidade de ensino.
MEU TRABALHO: funcionárias
Na escola onde sou professora, as funcionárias negras ocupam os cargos de menores
reconhecimentos social e financeiro, são faxineiras, porteiras, cozinheiras, além disso, não
terminaram nem os estudos das sérias iniciais do Ensino Fundamental. É uma sinalização
cruel da discriminação social que sofrem as mulheres negras em nossa sociedade.
[...] podemos perceber que a herança do nosso passado escravocrata fez com
que se cristalizasse no imaginário brasileiro e no ideário pedagógico a idéia
de que alguns homens haviam nascido para as atividades intelectuais, para o
estudo, a filosofia e as artes, estes iriam ocupar os postos de decisão e poder
dentro da sociedade, enquanto outros, de raças inferiores, só serviam para o
trabalho manual e braçal, sendo o estudo e a instrução algo incompatível
com a sua genética. (PEREZ, sem ano, p. 19)
A relação dos alunos com essas funcionárias, ou entre funcionárias brancas e
funcionárias pretas é muito respeitosa, carinhosa. Mas existe uma forma de preconceito
velada, na medida em que são dados apelidos “carinhosos” para essas funcionárias, como por
exemplo: C____ do banho, L____ da cozinha, M____ da limpeza, dentre outros. As crianças
são tão acostumadas a ouvirem os nomes seguidos pelos apelidos que quando se referem às
trabalhadoras, sempre chamam-nas seguidas por seus apelidos, o que para elas é algo
“normal” e que hoje em dia, para mim, não é.
Durante as rodinhas, sempre enfatizo para as crianças a importância de tratarem as
pessoas com respeito, por isso, meus alunos são estimulados a chamarem as funcionárias por
seus nomes e não por seus apelidos, estes para mim se revelam como pseudo-apelidos, na
medida em que menosprezam o trabalho importante que cada funcionária exerce na escola.
3. MEU TRABALHO: alunos e suas famílias
Na escola, tenho apenas um aluno cujos pais se declaram negros. Este fato é mais uma
sinalização da exclusão sofrida pelo negro em nossa sociedade.
O colégio em que trabalho pertence à rede particular de ensino, o que pode ser um
fator que contribui para a falta de alunos negros na escola. Uma vez que, como exemplificado
no caso das funcionárias, os negros ocupam os trabalhos mais desvalorizados e mal
remunerados em nosso país.
Neste aspecto, destaco a relevância da implementação de uma educação para as
relações étnico-raciais,
demonstrar que a desigualdade social somada à desigualdade racial aumenta
muito mais as dificuldades vivenciadas pela população negra, que se vê
obrigada a lidar com uma dupla discriminação. Manter o foco na questão
étnico-racial e ao mesmo tempo discutir todas as formas de preconceitos.
Ilustrar que a trajetória de jovens brancos pobres costuma ser diferenciada da
de jovens negros pobres (como exemplo, temos o extermínio da juventude
negra nas periferias de várias cidades brasileiras, demonstrando que a
violência tem foco dirigido de forma diferenciada à população negra).
(PEREZ, sem ano, p. 36)
O relacionamento dos alunos com esse aluno negro é, do meu ponto de vista, isento de
qualquer tipo de preconceito e/ou discriminação, acredito inclusive que seja devido a idade
que eles possuem, entre 2 e 3 anos. Digo pela idade, pois defendo que os alunos nessa faixa
etária têm muito mais facilidade em aceitar e respeitar o outro em sua totalidade,
independente da cor, altura, gênero, poder aquisitivo, etc.
Para que essa relação entre meus alunos continue sendo estabelecida, reconheço a
necessidade de priorizar
ações que visem à superação do racismo, do preconceito e da discriminação
no espaço escolar, de forma a minimizar e reverter o quadro de invisibilidade
no qual se encontram os conhecimentos sobre a história e a cultura afro-brasileira,
africana e indígena nos currículos escolares, bem como os dados
relativos à exclusão, evasão, repetência e fracasso escolar de grande parcela
da população negra brasileira. (PEREZ, sem ano, p. 10)
Neste sentido, busco realizar atividades com meus alunos que estejam condizentes
com a proposição acima, de modo a contribuir para uma educação para as relações étnico-raciais.
4. MEU TRABALHO: atividades pedagógicas
Destaco abaixo, algumas propostas pedagógicas para serem trabalhadas com crianças
da Educação Infantil e que julgo estarem de acordo com as Leis 10.639/03 e 11.645/08:
· Meu cabelo é lindo assim:
Li para os meus alunos do Maternal III o livro “As tranças de Bintou”, conversei na
rodinha sobre os diferentes tipos, cores, estilos de cabelos que cada aluno possuía, falei sobre
a importância de gostarmos do nosso cabelo e do nosso corpo, como esses são.
Em seguida, propus aos alunos que transformássemos a nossa sala em um salão de
cabelereiro, e fizéssemos os penteados da história de Bintou (birotes e/ou tranças) ou outros
que gostássemos.
Os meninos logo falaram que não poderiam fazer penteados, pois seus cabelos eram
curtos. Sugeri, então que eles fossem os cabelereiros, assim como eu. Um dos meninos então
me disse: “Jordana mexer com cabelo é coisa de menina”, eu logo respondi que ser
cabelereiro é tarefa de pessoas que admirem cuidar com carinho do cabelo das pessoas,
portanto, não importa se tais profissionais são homens ou mulheres, mas sim se gostam do
que fazem.
Após esse diálogo, todas as crianças se envolveram na tarefa. Fizemos coquinhos
como os de Bintou, tranças, tererês, enfeitamos o cabelo com presilhas coloridas e as crianças
amaram.
Assim, acredito que esta atividade está condizente com o proposto por PEREZ (sem
ano , p. 36), a saber:
fortalecimento da construção positiva de identidade, buscando a valorização
da autoestima, através de uma permanente valorização das marcas e
características étnicas afro-brasileiras (cabelos, cor de pele, características
físicas: formato do nariz, olhos e bocas etc.).
· Eu sou assim:
Em outro dia, trabalhei com as crianças a imagem que estas têm de si. Com o uso da
massinha de modelar, elas deveriam fazer um auto-retrato.
Fiquei muito feliz com o resultado, todas elas participaram ativamente da brincadeira e
o mais interessante, foram fieis às suas características físicas.
5. Meu aluno negro, inclusive, modelou seu cabelo encaracolado e, quando o perguntei
como havia feito seu cabelo, ele me respondeu: “fiz uma cobrinha e enrolei”, achei
simplesmente incrível. Aliás, ele usou a massinha preta para fazer todo o corpo do seu
boneco. Ao final da aula, fotografei todos os auto-retratos com seus respectivos autores e,
embora eu não possa expô-los aqui, devido a critérios como direito de imagem, posso afirmar
que ficaram simplesmente lindos e cópias fieis das características de cada aluno.
· Produzindo Panôs
Através das fotos dos auto-retratos, iremos agora produzir Panôs, um artesanato
africano feito de tecidos que resgatam a arte de contar histórias através de imagens.
Cada criança levará para a escola, um pedaço de tecido que tenha algum significado
para a sua família. As crianças enfeitarão o tecido, pintando-o, e colarão a foto. Ao final, irei
costurar os tecidos, de modo que se tornem uma colcha. Tal colcha será exposta na sala de
aula como forma de valorizar a identidade de cada criança e a história coletiva dos alunos na
escola.
É importante ressaltar que para contextualizar o Panô enquanto artesanato de matriz
africana, lerei para as crianças o livro “Bruna e a galinha d’Angola”, dialogando em rodinha o
que foi abordado na história.
Tal atividade está de acordo com a proposição de Perez (sem ano, p. 36), no que se
refere à “valorização das expressões artísticas, culturais e tecnológicas de matriz africana”.
· Que delícia
Após realizar o trabalho com Panôs, irei ler para as crianças, um livro que conheci
durante as aulas da professora Carolina no curso de Especialização em Educação no Ensino
Fundamental, denominado “Ossain, o Protetor das Folhas”, da coletânea ILÊ IFÉ, de Vanda
Machado e Carlos Petrovich.
Após a leitura do livro, conversarei com as crianças sobre a importância das folhas e
das plantas.
Ao final, irei propor que cada aluno leve para a escola alguma erva da flora brasileira
da qual possamos fazer um chá. Levarei as crianças para o refeitório e faremos um dia de
culinária, produziremos chás e dialogaremos sobre a importância de cada um deles para a
nossa saúde.
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A escola deve contribuir para a formação cidadã do aluno em sua totalidade, para isso
é preciso que tal instituição possibilite a desconstrução de preconceitos e estereótipos
advindos da influência eurocêntrica em nossa sociedade.
[...] para que não impeçam mais as nossas crianças, jovens e adultos de
verem e perceberem a riqueza e a dignidade dessas comunidades que há
séculos vêm sobrevivendo com a sua força e a sua cultura, presenteando-nos
com a sua sabedoria, a sua ciência que se reflete, dentre outros aspectos, na
sua prática simbólico-educativa, na sua corporeidade, nas diferentes formas
de resistência que os garantiram e ainda garantem a sobrevivência física,
simbólica e cultural. (PEREZ, sem ano, p. 37)
Caminhar em uma perspectiva de mudança começa por oportunizarmos aos nossos
alunos momentos para que eles ouçam as histórias dos negros e dos índios, não só através da
literatura, mas também ouvindo as pessoas que conhecem e vivem tal história. Dessa forma,
estaremos valorizando o universo social, cultural e simbólico de um povo, bem como a sua
memória.
Neste sentido, o papel do professor é o de promover espaços de diálogo acerca das
relações étnicos raciais, propiciando aos alunos momentos de encantamento e de valorização
de nossa história, tendo no negro e no índio a imagem da dignidade do povo brasileiro.
7. REFERÊNCIAS
ALMEIDA, G. Bruna e a Galina D’Angola. Editora Pallas, 2004.
BRASIL. Lei 10.639. Janeiro de 2003. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2003/l10.639.htm. Acesso em: 25/08/14.
BRASIL. Lei 11.645. Março de 2008. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2008/lei/l11645.htm. Acesso em:
25/08/14.
DIOUF. S, A. As tranças de Bintou. Tradução: Chales Cosac. Editora Cosac Nayfi, 2004.
PEREZ, Carolina dos Santos Bezerra (orgs.). ERER: Educação para as relações étnico-raciais.
Módulo 5, Universidade Federal de Juiz de Fora.
MACHADO, V; PETROVICH, C. Ossain, o Protetor das Folhas. Coletânea Ilê Ifé,
2004.