Ensaio escrito originalmente em 2013 sobre o texto “A Fundação e os fundamentos das novas cidades”, de Marshall Berman, sobre a construção das cidades e sua estruturação social desde o modelo ateniense até o pariesiense.
PROVA - ESTUDO CONTEMPORÂNEO E TRANSVERSAL: COMUNICAÇÃO ASSERTIVA E INTERPESS...
Ensaio sobre as cidades antigas e a formação do espaço público
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UNIVERSIDADE DE SOROCABA
PRÓ-REITORIA ACADÊMICA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO
EM COMUNICAÇÃO E CULTURA
Ensaio sobre A Fundação e os Fundamentos das novas
Cidades (Marshall Berman)
Ensaio escrito originalmente em 2013 sobre o texto “A Fundação e os fundamentos das
novas cidades”, de Marshall Berman, sobre a construção das cidades e sua estruturação
social desde o modelo ateniense até o pariesiense.
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O espaço público é a representação de uma cultura que,
independentemente do nível, exprime os valores do seu povo. Na Atenas
do século VI a.C., a cidade fervilhava com seus mercados e artistas que
buscavam um espaço para resolver os problemas dos seus cotidianos
sempre interagindo uns com os outros.
É no espaço público que também acontece a manifestação
religiosa. A influência histórica destas instituições e a permissão do
povo, que é adepto delas, faz com que edifícios sejam construídos para
reverenciar seus deuses. Estas construções, em um primeiro momento,
são feitas longe da concentração popular e servia como um
demonstrativo de sua pujança. O Partenon, por exemplo, foi construído
na acrópole (na parte alta) de Atenas e podia ser visto a milhas de
distância pelos barcos que chegavam à costa.
Tão importante quanto a religiosidade eram os mercados. As
pessoas tinham que ir diariamente a estes locais para comprarem
alimentos já que não havia métodos eficazes de estocagem de alimentos.
Portanto, é nos mercados que esta confluência de ideias e anseios
acontece. Não havia distinção social porém sempre houve pessoas que
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queriam se comunicar, sobretudo, sobre os problemas sociais que
identificavam em suas rotinas como cidadãos.
Porém, na Grécia, o homem comum não exprimia sua opinião, seja
por tolhimento ou por falta de oportunidade para tal. É também no
século VI a.C. que a sociedade faz força para ser ouvida pelos
representantes da aristocracia, e a partir disso difundem-se as
Assembleias públicas. Nelas, destacavam-se os bons oradores, os que
chamavam a atenção e eram requisitados para falarem em público. Se há
pessoas influentes para falar sobre posições políticas, há também
pessoas influentes nas religiões para transmitir suas convicções. As
assembleias são o princípio da homilética, principalmente a cristã.
A diferença entre o judeu e o cristão neste caso é que judeus são
mais que uma religião: são praticamente uma etnia, uma análise de
Shayne D. Cohen. Por isso, não há o conceito de arrebanhar fiéis; quem é
judeu é judeu e quem não é não é, por mais separatista que isso possa
parecer. A homilética cristã, por outro lado, tem a função de convencer
mais pessoas para que se unam a esta vertente religiosa. Talvez pelo fato
de, em seu início, ser uma religião marginal, mas sempre com o espírito
de ser libertadora — seja lá do que ela liberta.
A influência cristã também está no imaginário grego com a
apresentação de um vocabulário que expressa sentimentos diversos —
mais notadamente o da solidão. Esta palavra inexistia no contexto
ateniense por ser algo estranho: gregos não se sentem — ou se sentiam —
sós exatamente por causa da sociedade altamente produtiva e ativa
onde viviam. Foi a retórica cristã que difundiu este conceito com suas
passagens bíblicas e seus exemplos de como estar só é doloroso. Jesus,
pregado na cruz, interpela Deus: “Pai, Pai, por que me abandonastes?”.
Antes disso, solidão fazia pouco ou nenhum sentido.
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Por outro lado, o conceito de aplacar a solidão comunicando-se
(também visto com Vilém Flusser) está presente na solidão cristã. No
entanto, por mais recluso que um sacerdote cristão esteja em seu
mosteiro, ainda há a companhia de Deus e, portanto, não é uma solidão
absoluta. As cidades, portanto, contêm pessoas dos mais variados tipos e
com propósitos distintos ou em comum. Apesar da mudança das
sociedades, alguns comportamentos se mantiveram inalterados. Desde
sempre existiram artistas, políticos, matemáticos e até mesmo bêbados
cruzando caminhos e contribuindo para o dinamismo do espaço público.
Sócrates era uma figura que andava pela cidade e se misturava aos
mais diversos níveis encontrados nela. Ele era participante ativo de
assembleias e de outros discursos populares, inquirindo e sendo
inquirido por muitas pessoas sobre problemas políticos e filosóficos.
Não à toa, funda sua Escola de Filosofia para canalizar seus pensamentos
de uma maneira prática e produtiva. O que salta aos olhos, entretanto, é
como a reputação de Sócrates é muito parecida com as descrições
atribuídas a Jesus Cristo. Ambos são pessoas simples e que viviam entre
outras pessoas de qualquer distinção social, por vezes constrangendo os
mais abastados com suas falas e atitudes.
A separação da cidade por zonas de influência cria a separação
social. É a transformação de bairros ricos e bairros pobres, de pessoas
ricas e pessoas pobres, de guetos que podem se confrontar
ideologicamente. Por outro lado, a divisão em zonas — que também pode
ser chamada de bairros — faz com que cidadãos passem a ter uma
escolha sobre onde querem morar baseado nas suas necessidades, no
custo que implicará em suas vidas e sob qual influência sua família pode
ser submetida. Obviamente é impossível controlar todos estes fatores
com sucesso, mas torna-se uma alternativa para a decisão sobre que tipo
de vida uma pessoa, bem como sua família, quer ter.
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A rua é o canal por onde passam os mais diversos interesses. E é o
que traz mais vida à cidade, o que faz as pessoas se deslocarem por
maiores distâncias e promove encontros. A rua acaba por fazer parte do
imaginário popular e da poesia tornando-se uma referência para o que a
cidade tem de mais cativante. Ao mesmo tempo, a separação da cidade
cria guetos onde pessoas “diferentes” se estranham, o que cria um
grande preconceito. Só que este preconceito é sempre gerado de cima
para baixo, ou seja, do rico para o pobre, algo que inexiste em um
sistema socialista.
Em face deste problema, a administração começa a repensar a
estruturação da sua cidade para afastar (lê-se proteger) o rico do pobre.
Mas sem este contato, há brutalidade por não se reconhecerem iguais — o
que difere é o status social, mas até onde isso é importante quando
vivemos em sociedade?