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FACULDADE DE LETRAS
UNIVERSIDADE DO PORTO

Relatório Final de Estágio
– Mestrado em História e Património –
Ramo de especialização em Mediação Patrimonial
O CONVENTO DA MADRE DE DEUS DE SÁ EM AVEIRO
– DOS OBJECTOS ÀS DEVOÇÕES –
UM ESPÓLIO DO MUSEU DE AVEIRO

Hugo Cálão Rocha

Orientador pela FLUP:
Prof. Dr.ª Inês Amorim
Orientador pela instituição de estágio, Museu de Aveiro:
Dr.ª Madalena Formigal Cardoso da Costa

Porto 2009
O Convento da Madre de Deus de Sá em Aveiro |
Hugo Cálão

Agradecimentos
Em primeiro lugar agradecemos todo o apoio dos orientadores científicos, pela
cooperação incansável que nos permitiu delinear e compreender os caminhos a
percorrer, o visualizar dos horizontes a alcançar e suas limitações.
À Dr.ª Ana Margarida Ferreira, directora do Museu de Aveiro, por proporcionar o
acolhimento deste estágio na instituição que dirige e a oportunidade de conviver e
usufruir do ambiente enriquecedor de toda a equipa de conservadores e técnicos do
Museu de Aveiro que se mostrou igualmente disponível para nos esclarecer qualquer
dúvida relacionada com o espólio e dessa forma contribuir para a nossa formação.
À Dr.ª Madalena Formigal Cardoso da Costa, nossa orientadora na instituição de
estágio, conservadora do Museu de Aveiro, e que tem desenvolvido investigação no
reconhecimento do património museológico, a quem dirigimos o nosso profundo
agradecimento pela amizade e a disponibilidade de aceitar este nosso propósito como
seu, e nos assistir em todas as etapas do nosso processo.
À Professora Doutora Inês Amorim, na qualidade de orientadora pela Faculdade de
Letras do nosso Mestrado, crítica exigente nos nossos primeiros passos neste domínio
das ciências históricas, estamos imensamente gratos pela clareza na resposta às dúvidas
e angústias relativas ao nosso propósito e perspicuidade dos sábios conselhos de
experiência feita. Estendemos este agradecimento a todos os Professores que marcaram
a nossa caminhada curricular, regulando positivamente as “peças” que usamos neste
produto final.
Os nossos agradecimentos sinceros aos priores das paróquias de São Salvador de
Ílhavo, Sr. Pe. Fausto Araújo, da Vera Cruz de Aveiro, Sr. Pe. Manuel Joaquim Rocha,
de São Miguel de Fermelã, Sr. Pe. Júlio Franquelin e de São Jacinto, Sr. Pe. Abílio
Araújo, pela disponibilidade e acolhimento deste projecto, que, com a motivação
transmitida, nos encorajaram a um aprofundamento no estudo e preservação dos
espólios paroquiais.
Por último, dedicamos este espaço àqueles que deram a sua contribuição para a
concretização deste trabalho, o que nos arrebatou muitas das horas destes dois últimos
anos, em especial, o meu agradecimento à minha família, esposa e filhos.

1
O Convento da Madre de Deus de Sá em Aveiro |
Hugo Cálão

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O Convento da Madre de Deus de Sá em Aveiro |
Hugo Cálão

Resumo
_________________________
O relatório de conclusão de Mestrado em História e Património aqui apresentado tem
como principais objectivos a identificação dos bens patrimoniais do demolido,
Convento da Madre de Deus de Sá de Aveiro e a definição de estratégias para a sua
divulgação.
Concentrando-se grande parte do espólio do demolido Convento de Sá no actual
Museu de Aveiro, aprofundámos, durante dezasseis semanas de estágio curricular nesta
instituição, a investigação iniciada no decurso do primeiro ano curricular de mestrado.
Nesta perspectiva, o nosso trabalho procurou, ainda que de forma limitada pelas
dificuldades inerentes ao propósito e à nossa modesta experiência, reunir um corpus de
inventário do espólio do convento e levantar informações sobre a complexa rede de
produção, veneração, circulação, consumo, e posterior institucionalização dos objectos
de culto e das imagens sacras do convento que hoje compõem as colecções do Museu de
Aveiro e as colecções afectas ao culto em Paróquias da Diocese de Aveiro.
Durante o período de estágio foi-nos possível entrar em contacto directo com a
realidade de um Museu Nacional. Enquanto estagiário tive a oportunidade de
acompanhar práticas e assimilar atitudes de museologia e conservação.

Nota Prévia
A transcrição de todos os excertos de documentos inseridos no texto foi actualizada,
seguindo as seguintes regras: supressão de maiúsculas e letra repetida, desdobrar de
abreviaturas e correcção para ortografia actual.

3
O Convento da Madre de Deus de Sá em Aveiro |
Hugo Cálão

Lista de abreviaturas
ADA

-Arquivo do Distrito de Aveiro, (boletim)

ADAVR

-Arquivo Distrital de Aveiro

AHMA

-Arquivo Histórico Municipal de Aveiro

alt

-altura

ANTT

-Arquivo Nacional da Torre do Tombo

APSMF

-Arquivo da Paróquia de São Miguel de Fermelã

APVCA

-Arquivo da Paróquia da Vera Cruz de Aveiro

AUC

-Arquivo da Universidade de Coimbra

bibl.

-Bibliografia

BMA

-Biblioteca do Museu de Aveiro

cat.

-catálogo

cm

-centímetro

comp

-comprimento

cx.

-caixa

diam

-diâmetro

doc.

-documento

ed.

-edição

Exp.

-exposição

f.

-folha

ff.

-folhas

Fig.

-Figura

IGP

-Instituto Geográfico Português

inv.

-inventário

liv.

-livro

M.A.

-Museu de Aveiro

nº

-número

p.

-página

pp.

-páginas

prov.

-proveniente

PSSI

-Paróquia de São Salvador de Ílhavo

PVCA

-Paróquia da Vera Cruz de Aveiro

v.

-verso

vol.

-volume

4
O Convento da Madre de Deus de Sá em Aveiro |
Hugo Cálão

Estrutura do Relatório
Introdução

PARTE I

Capítulo 1 – A Instituição de acolhimento e a planificação do estágio

Capítulo 2 – O contexto produtivo de um espólio
2.1 O não lugar – Um Convento demolido
2.2 Metodologia de pesquisa – à procura de sentidos
2.3 Descrição e abordagem sobre os objectos identificados nas Paróquias da
Diocese de Aveiro: Vera Cruz de Aveiro, São Salvador de Ílhavo, São Miguel de
Fermelã, São Jacinto, Trofa do Vouga e São Pedro de Nariz
2.4 Descrição e abordagem sobre os objectos identificados no Museu de Aveiro
2.5 Base de dados

Capítulo 3 – A proposta de uma exposição
3.1 Da pertinência de uma exposição
3.2 Em torno de um oratório – um percurso narrativo
3.2 A concepção de uma exposição temporária no Museu de Aveiro: estratégias

CONCLUSÕES

FONTES E BIBLIOGRAFIA
Fontes manuscritas
Bibliografia

ANEXOS
ÍNDICE

5
O Convento da Madre de Deus de Sá em Aveiro |
Hugo Cálão

Introdução
O presente relatório, de conclusão de Mestrado em História e Património procura
evidenciar um percurso teórico e prático de identificação dos bens patrimoniais do
demolido, Convento da Madre de Deus de Sá, de Aveiro.
Este processo decorre de experiências de trabalho anteriores, nos arquivos
paroquiais, mas justificou-se, pelo facto da instituição de acolhimento do estágio
curricular concentrar grande parte do espólio do demolido Convento de Sá no actual
Museu de Aveiro.
O nosso trabalho inseria-se nos próprios interesses da instituição de acolhimento,
numa altura de reinstalação após profundas obras nas suas infra-estruturas. Somada à
nossa modesta experiência anterior pareceu desejável reunir um corpus de inventário do
espólio do convento e levantar informações sobre a complexa rede de produção,
veneração, circulação, consumo, e posterior institucionalização dos objectos de culto e
das imagens sacras do convento que, hoje compõem as colecções do Museu de Aveiro e
as colecções afectas ao culto de paróquias da Diocese de Aveiro.
Assim, se durante o período de estágio nos foi possível entrar em contacto directo
com a realidade de um Museu Nacional1 e a oportunidade em acompanhar práticas e
assimilar atitudes de museologia e conservação, também se tornou exigência do
Mestrado em História e Património progredir na investigação contextualizadora de
materiais que esperavam o seu reconhecimento. Ficou claramente estabelecido que o
estágio deveria culminar num produto novo, um contributo para o avanço em
investigação do património histórico, algo que se transformasse numa mais-valia para o
Museu e para a História.
Para um entendimento do propósito que apresentámos, em termos de percurso
trilhado e das opções efectuadas, entre vários caminhos possíveis, impõe-se uma breve
explicação sobre o motivo que levou à efectivação do mesmo. A ideia de realizarmos
um trabalho de investigação dedicado ao estudo dos objectos provenientes do Convento
de Sá remonta já há alguns anos, despontando no trabalho de levantamento de
inventário do móvel artístico da Paróquia de São Salvador de Ílhavo e da Paróquia da
Vera Cruz de Aveiro. Foi nesse contexto que teve lugar o primeiro contacto com os

1

Por Museu Nacional aqui, entende-se tratar de um Museu da tutela da Administração Central,

dependente do IMC – Instituto dos Museus e da Conservação, I.P.

6
O Convento da Madre de Deus de Sá em Aveiro |
Hugo Cálão

objectos e consequentemente com o campo de estudo abordado, a problemática da
extinção das ordens religiosas2 e o subsequente trajecto e destino dos seus bens móveis.
Esta primeira experiência deu entretanto lugar à curiosidade e vontade de querer
compreender este processo aplicado às estruturas monásticas aveirenses. Trata-se de um
fenómeno de reduzida produção científica regional, inexistente quase para os conventos
da ordem franciscana.3 A relativa escassez informativa4 apontou-nos uma direcção de
investigação dada a pertinência de realização de um estudo mais aprofundado desta
vertente. E, deste modo, procuraremos contribuir para o conhecimento científico de um
património fortemente marcado por trabalhos de identificação de carácter especulativo.
Cremos, assim, mesmo que modestamente, concorrer com uma pequena “peça” para um
melhor entendimento do estudo da Arte Religiosa na Região Centro e na Cidade de
Aveiro e ajudarmos na concretização da sua fruição.
O trabalho é constituído por dois capítulos iniciais, onde especificamos a
metodologia de abordagem que presidiu ao nosso estudo. O primeiro trata do trabalho
efectuado na instituição de estágio e o segundo a pesquisa científica realizada.
Subdividimos o segundo capítulo em quatro pontos. No primeiro ponto fazemos uma
análise da metodologia seguida e do universo informativo utilizado, e identificamos as
principais contribuições para o estudo quanto ao conhecimento do património imóvel e
2

Sobre esta problemática destacamos como referências comparadas as abordagens gerais de: ALMEIDA,

Fortunato de, História da Igreja em Portugal, 1967-1971 e PEREIRA, Fernando Jasmim, “Destruição
dos patrimónios eclesiais: O caso das Ordens Religiosas, in separata de Dicionário da História da Igreja
em Portugal, 1983.
3

Para as sete estruturas conventuais de Aveiro destacamos os estudos para: os conventos dominicanos,

SANTOS, Pe. Domingos Maurício Gomes dos, O Mosteiro de Jesus de Aveiro, 1963 e FERREIRA,
António José Leandro Costa, Poder, prestígio e imagem no antigo Convento de São Domingos de Aveiro,
2004; para os conventos carmelitas, CHISTO, José António Rebocho, O Convento de Nossa Senhora do
Carmo de Aveiro – Subsídio para a sua História, 1996 e BELINQUETE, José Martins, As Carmelitas em
Aveiro, Ontem e Hoje, 1996. Acentuamos a lacuna existente para os conventos franciscanos de Aveiro,
Convento da Madre de Deus de Sá, Convento de Santo António e Recolhimento de São Bernardino.
4

Destacamos os contributos que salientaram o caso do Convento da Madre de Deus de Sá para a

compreensão ulterior deste processo para a Região Centro nos estudos de: RAMOS, A. de Jesus, “A lenta
extinção das religiosas de clausura”, in O bispo de Coimbra D. Manuel Correia de Bastos Pina, 1996 e
COSTA, Madalena Cardoso da, “ A extinção das Ordens Religiosas em Portugal”, in, O Museu da Sé de
Coimbra, 2000, explicando a actuação do Bispo-Conde no processo consequente de transferência de
espólio, ordenando em anexo cronológico toda a legislação referente a este período (1832-1912).

7
O Convento da Madre de Deus de Sá em Aveiro |
Hugo Cálão

móvel do Convento da Madre de Deus de Sá, de Aveiro. Nele se problematizam os
antecedentes e consequências da extinção Ordens religiosas femininas em Portugal
durante o século XIX marcado pelos ideais liberais, e subsequente dispersão dos
pecúlios à sua guarda, elaborando-se um sumário estado da questão sobre esta
problemática relativo ao Convento de Sá de Aveiro, completado com a informação
contida no Anexo A (Cronologia para o Convento da Madre de Deus de Sá em Aveiro).
Nos dois pontos seguintes apresentamos uma síntese e abordagem dos resultados
obtidos para a validação dos objectos nas instituições estudadas, o primeiro relativo às
Paróquias e o segundo relativo à instituição de estágio, Museu de Aveiro, síntese que
poderemos completar detalhadamente, objecto a objecto, com recurso ao Anexo C
(Base de dados: Inventário do convento da Madre de Deus de Sá), onde agrupámos
estes resultados. No quarto ponto são explicados os critérios utilizados e justificadas as
nossas opções metodológicas de recolha e tratamento de dados para a base de dados
referida.
Dedicamos o terceiro capítulo a uma proposta, mesmo que virtual, de utilização dos
objectos identificados na primeira parte, dando-lhes legibilidade. Ou seja, reconstituídas
as vidas de cada peça teria todo o sentido colocá-las nos lugares que lhes davam
funcionalidade e representação. Um oratório, desmantelado, é sem dúvida, por si só,
uma referência de um passado. Mas se acrescentarmos as peças que o recheavam, tão
dispersas que se perderam os rastos, então ganha autenticidade e valor acrescido.
Por último, apresentamos as conclusões deste relatório e identificamos as principais
contribuições do nosso estudo, quer em termos de conhecimento teórico quer em termos
práticos. Apontamos ainda as principais limitações do nosso propósito e apresentamos
algumas pistas para investigação futura nesta área.
Finalizamos com a inclusão de listagem do universo informativo utilizado neste
relatório, fontes manuscritas e bibliografia, e juntamos três anexos, um primeiro de
cronologia (Anexo A), um segundo de listagem de documentação transcrita ou
digitalizada, ao qual apensamos um índice sumário, (Anexo B) e um terceiro
apresentando o conteúdo total do instrumento de recolha de dados, que se acrescenta,
ainda, num formato digital (Anexo C).

8
O Convento da Madre de Deus de Sá em Aveiro |
Hugo Cálão

Capítulo 1 – A Instituição de acolhimento e a planificação do estágio

1.1. A instituição
O estágio por nós realizado no Museu de Aveiro5 desenvolveu-se no âmbito do
mestrado em História e Património e diz respeito ao desenvolvimento natural de um
primeiro ano curricular
O Museu de Aveiro tem o seu próprio percurso que justifica a nossa estadia.
Instalado no Convento de Jesus, de freiras dominicanas de Aveiro, em 1911,
incorporando o edifício arquitectónico conventual, a Igreja de Jesus, a capela de Santo
Agostinho, o coro baixo, as capelas do claustro, capelas interiores e o coro alto, bem
como o seu espólio artístico. Este último, fundo primitivo, foi enriquecido com bens
provenientes de outros conventos de Aveiro, designadamente do Convento da Madre de
Deus de Sá, do Convento do Carmo, do Convento de São João Evangelista, do
Recolhimento de São Bernardino, bem como, das Igrejas Paroquiais de Aveiro e do
Paço Episcopal de Aveiro. A ele se juntaram, posteriormente, fundos de conventos
extintos de Lisboa, entre os quais, do Convento das Trinas, do Convento das Salésias,
do Convento de São Vicente de Fora, do Convento de Santa Joana de Lisboa, e de
Coimbra, designadamente do Colégio das Urselinas.6
Justifica-se, assim, que, actualmente, a colecção do Museu de Aveiro compreenda,
maioritariamente, bens patrimoniais de cariz religioso.
Se o que se pretendia era destrinçar quais os objectos do Convento da Madre de Deus
de Sá, importava fazer o ponto de situação do conhecimento de como estes objectos
foram incorporados na colecção do Museu, e se haveria fundamentação documental que
nos permitisse provar a sua proveniência.

5

Protocolo celebrado entre a Faculdade de Letras da Universidade do Porto e o Museu de Aveiro de

estágio em ambiente de trabalho, espaço de aproximação científica (enquadramentos de produção de
informação) com a prática profissional (aplicação rigorosa da crítica da informação), para cumprimento
dos requisitos necessários à obtenção do grau de Mestre em História e Património, ramo de Mediação
Patrimonial realizado sob a orientação científica da Professora Doutora Inês Amorim da Faculdade de
Letras da Universidade do Porto e orientação da D. Madalena Formigal, conservadora do Museu de
Aveiro.
6

GOMES, João Augusto Marques, História do Museu Regional de Aveiro, Aveiro, 1921, pp. 26,37 e 47-

48.

9
O Convento da Madre de Deus de Sá em Aveiro |
Hugo Cálão

Socorridos dos inventários de bens do espólio do Convento da Madre de Deus de
Sá7, pedidos pelo Ministério dos Negócios Eclesiásticos: o de 1856, com verificação de
1859 e o de 1883, com respectiva e última verificação em 1885, efectuámos uma
revisão dos mesmos, notando os objectos que havíamos anteriormente reconhecido
como provenientes do Convento da Madre de Deus nos espólios da Paróquia de São
Salvador de Ílhavo e da Paróquia da Vera Cruz de Aveiro, e interligando as informações
recolhidas com a síntese por nós realizada sobre a memória descritiva do património
artístico do Convento de Sá, escrita em 1905, por Rangel de Quadros.8
Seguidamente, iniciámos a pesquisa no Arquivo do Museu, recorrendo aos
inventários de 1922 e de 1942, da colecção do museu, elaborados pelos seus exdirectores, pesquisa que estendemos, ainda, ao inventário de fichas manuscritas e ao
inventário online na base de dados Matriznet9.
Pretendíamos agrupar os objectos identificados como provenientes da Madre de
Deus de Sá, individualizando-os e contextualizando os processos de transferência desde
o local de origem às suas actuais localizações. Concretizámos o resultado desta pesquisa
numa base de dados. Esta não significa apenas uma revisão de inventários nem é um
mero somatório de fichas de leitura ou de resumos dos anteriores. Pelo contrário,
pretende demonstrar um trabalho de organização da informação teórica e empírica
recolhida e evidenciar que foi aplicada e aperfeiçoada no decurso do estágio,
acrescentando fontes documentais e/ou informações recolhidas.

1.2. As valências da instituição de acolhimento
Sendo um estágio profissionalizante, que se supunha de integração e interacção com
as diversas valências da instituição, foi, desde logo, elaborado um plano de
aprendizagem nos vários domínios da salvaguarda e divulgação do património.
Sublinhamos que o Museu de Aveiro, durante o período de estágio, se encontrava em
7

ANTT, MF-DGFP/E/002/00002, Inventário de extinção do Convento da Madre de Deus de Sá de

Aveiro, 1859-1933.
8

AHMA, QUADROS, José Reinaldo Rangel de, Mosteiro da Madre de Deus, in Aveiro – Apontamentos

Históricos, vol. 5.
9

Corresponde ao interface internet do Inventário de colecções dos museus e palácios nacionais (Matriz –

Inventário e Gestão de Colecções Museológicas) que disponibiliza online algumas fichas de inventário.
Ver www.matriznet.ipmuseus.pt/ .

10
O Convento da Madre de Deus de Sá em Aveiro |
Hugo Cálão

fase final de obras de ampliação e de requalificação, tendo alterado os percursos
expositivos e disposição da área de reservas, ampliado o laboratório de restauro e,
actualizando também, os dispositivos de informação ao público.
Deste modo, auxiliámos, no que nos foi solicitado, o instalar na “nova” casa,
acompanhando algumas reuniões de trabalho relativas à disposição de peças da colecção
no renovado percurso e auxiliando na colocação de dispositivos de informação (placas
informativas), prática que apreendemos numa melhor atitude perante as necessidades
especiais dos visitantes e melhor fruição dos objectos museológicos.
Acompanhámos, igualmente, as visitas aos percursos expositivos no dia 12 de Maio,
dia de Santa Joana Princesa, no dia 16 e 18 do mesmo mês, respectivamente na Noite
dos Museus e no Dia Internacional dos Museus, bem como efectuámos tarefas de
vigilância e de serviço de recepção e atendimento ao público.
Nas visitas acompanhadas que efectuámos, à renovada exposição permanente e ao
percurso monumental, foi-nos permitido não só contextualizar os objectos por períodos
cronológico-artísticos, apreendendo desta forma o contexto histórico do Convento
domínico de Jesus, como também repensar a leitura dos mesmos para os diversificados
interesses dos visitantes que, obviamente, são o pulsar da instituição.
Depois deste trabalho de “gabinete”, onde identificámos os objectos que supúnhamos
pertencer ao Convento de Sá, dedicámos grande parte do tempo restante em trabalho de
“campo” onde realizámos um reconhecimento presencial dos objectos que careciam de
informação descritiva ou dimensões, e actualizámos, tanto quanto nos foi possível, o
levantamento fotográfico dos mesmos. Fazemos notar que nem todos os objectos se nos
mostraram acessíveis a este propósito, visto a maior parte dos retábulos identificados se
encontrarem desmontados nas reservas do Museu. Constatámos que, alguns dos
objectos, visto terem recentemente transitado dos antigos espaços de reserva para os
actuais, apresentavam problemas de conservação e limpeza não se mostrando capazes
de fácil manuseamento e levantamento fotográfico.
Desta forma, tivemos igualmente a possibilidade de realizar trabalho de laboratório,
em conservação preventiva, num brasão da Ordem franciscana (ver figura 4)10 que
identificámos como proveniente do fecho do arco-cruzeiro da igreja do Convento da
Madre de Deus de Sá, ao qual efectuámos limpeza mecânica e fixação do douramento e

10

Ver Anexo C, registo 58.

11
O Convento da Madre de Deus de Sá em Aveiro |
Hugo Cálão

da policromia em destaque, a fim de nos ser possível concretizar o posterior
levantamento fotográfico.
Durante as dezasseis semanas de estágio reservámos todas as segundas-feiras para
pesquisa no Arquivo da Universidade de Coimbra onde se localiza o fundo documental
produzido pelo Convento da Madre de Deus de Sá.

Capítulo 2 – O contexto produtivo de um espólio
Um enquadramento da instituição conventual torna-se obrigatório, dado que o
património móvel em estudo é a memória residual de um espaço imóvel, situado no
tempo e no espaço.

2.1. O não lugar – um Convento demolido
O Mosteiro da Madre de Deus de Sá, estrutura conventual existente durante duzentos
e quarenta anos em Aveiro (de 1644, data da fundação, até 1885, data sua extinção),
pertencia à Ordem Terceira de São Francisco, integrado na Província da Soledade,
estando sujeito ao respectivo Provincial. Foi a quinta casa religiosa a ser erecta em
Aveiro11, sendo vulgarmente conhecida como Convento de Sá, devido à localização no
sítio ou bairro denominado de Sá, que outrora formava uma povoação completamente
separada de Aveiro, um enclave que pertencia, na jurisdição civil, ao Concelho de
Ílhavo, entre a Freguesia da Vera Cruz de Aveiro e a Freguesia de Santo André de
Esgueira.
Um dos dois casos de casa conventual totalmente demolida no seu edificado em
Aveiro12, o que aconteceu também com três das quatro igrejas matrizes de Aveiro, a

11

Até então haviam-se fundado dois conventos dominicanos (da Misericórdia em 1423, masculino, e o de

Jesus em 1462, feminino) e o de Santo António de Frades Menores da Ordem Terceira de São Francisco
da mesma Província da Soledade (1524). Depois vieram os Carmelitas calçados, masculino, de Nossa
Senhora do Carmo (1613). Em 1644 o Convento de Sá. Dois ainda se lhe seguiram, o Convento feminino
das Carmelitas Descalças de São João Evangelista (1658) e o Recolhimento feminino de São Bernardino
de religiosas franciscanas terceiras capuchas (1680), totalizando sete casas conventuais. Ver AMORIM,
Inês, Património e crédito: Misericórdia e Carmelitas de Aveiro (séculos XVII e XVIII), 2006, p. 701.
12

A outra totalmente demolida no seu edificado e Igreja foi o Recolhimento feminino de São Bernardino

de Aveiro, de religiosas franciscanas terceiras capuchas que, por alvará de 9 de Outubro de 1835, foi

12
O Convento da Madre de Deus de Sá em Aveiro |
Hugo Cálão

Matriz de São Miguel, a Matriz da Vera Cruz e a Matriz do Espírito Santo13. O
Convento de Sá foi desaparecendo da memória colectiva da urbe aveirense, não se
compreendendo, na actualidade, a importância que a sua ocupação outrora teve. No
local onde estava implantado foi construído um quartel de infantaria, inaugurado em
1888, hoje ocupado pela Guarda Nacional Republicana de Aveiro.

Fig. 1- Planta da cidade de Aveiro, século XVIII (finais); Museu de Aveiro 27/HM, Anónimo espanhol,
aguarela sobre papel. - Localização do Mosteiro da Madre de Deus de Sá.

2.2. Metodologia de pesquisa – à procura de sentidos
O trabalho proposto – o agrupamento dos objectos devocionais pertencentes ao
extinto e demolido Convento da Madre de Deus de Sá, existente entre 1644 e 1885 em
Aveiro – tinha como objectivo dar resposta a um conjunto de questões, algumas destas
já trabalhadas no decurso da investigação14 e outras que se pretendiam consolidar no
programa de estágio no Museu de Aveiro. Para um melhor entendimento, restringimos
essas questões a três quadros conceptuais principais:

entregue pelo Governo Civil à Câmara Municipal de Aveiro para administração dos bens, tendo sido
incorporado na Direcção dos Próprios Nacionais. A Igreja foi demolida após de 1959.
13

CÁLÃO, Hugo, Património Religioso da Cidade de Aveiro – de Vila a Cidade – Fontes paroquiais e

seu património artístico, in História de Aveiro – Sínteses e Perspectivas, 2009, ed. Câmara Municipal de
Aveiro, p. 309.
14

Trabalho de avaliação apresentado à disciplina deste mestrado de Identificação e Classificação de

Património, à disciplina de Metodologia do Trabalho Cientifico com o tema “A Memória de José Rangel
de Quadros do Mosteiro da Madre de Deus de Sá em Aveiro - Enquadramento e crítica de Fonte de
Informação” e à disciplina de Gestão e Preservação do Património com o tema “Mosteiro da Madre de
Deus de Sá em Aveiro - reagrupamento e identificação do seu espólio patrimonial artístico”.

13
O Convento da Madre de Deus de Sá em Aveiro |
Hugo Cálão

I – Qual a dimensão (número) e representatividade (qualidade/funcionalidade) do
espólio artístico do Convento da Madre de Deus de Sá em Aveiro, na talha, na
escultura, na pintura, na ourivesaria, na paramentaria, no espólio documental e, ou
noutros.
II – De que forma se desenrolou o processo de extinção e demolição do conjunto
monástico do Convento da Madre de Deus de Sá:
- o que conduziu à disseminação do espólio deste Convento e à subsequente
transferência do mesmo para outras entidades.
- e qual o ordenamento legal que o marcou de uma forma mais vincada.
III – Como se realizou o processo de transferência dos objectos e dos inventários do
espólio artístico, do Convento de Sá para as das instituições que os acolheram, e como
procedermos à validação da autenticidade dos referidos objectos.
Em jeito de justificação ou sustentação da relevância das interrogações avançadas,
importa desde logo tecer algumas considerações, de carácter metodológico, que nos
ajudaram a orientar o processo de definição e elaboração deste relatório de trabalho.
Neste sentido, importa desde já esclarecer o percurso metodológico desenvolvido
perante cada uma das interrogações apontadas:
- as questões I e III remetem-nos para o estudo de questões relativas à colecção de
objectos que subsistiram do Convento da Madre de Deus e sua identificação;
- a questão I interroga sobre o conhecimento do espólio artístico. Procurámos
responder a esta questão com recurso a um trabalho de síntese de crítica de fonte, por
nós efectuado, sobre a descrição e Memória Histórica do Convento da Madre de Deus
de Sá realizado por Rangel de Quadros15. A esta questão aditámos a leitura dos

15

Trabalho de avaliação apresentado à disciplina deste mestrado de Metodologia do Trabalho Cientifico

com o tema “A Memória de José Rangel de Quadros do Mosteiro da Madre de Deus de Sá em Aveiro Enquadramento e crítica de Fonte de Informação”, usando a fonte, AHMA, QUADROS, José Reinaldo
Rangel de, “Mosteiro da Madre de Deus”, in Aveiro – Apontamentos Históricos, vol. 5, 1905.

14
O Convento da Madre de Deus de Sá em Aveiro |
Hugo Cálão

inventários móveis16 realizados ao espólio no Convento, bem como, o conhecimento
sobre os contratos de talha17.
- a questão II procura induzir a constituição de um quadro conceptual explicativo do
comportamento sociopolítico e cultural predominante, à época, no contexto da extinção
das Ordens religiosas e da incorporação dos seus bens na fazenda nacional. Trata do
processo de destruição dos complexos monásticos da zona do Bispado Coimbra-Aveiro,
e da tentativa de estabelecimento de nexos de relação entre as partes envolvidas, mais
concretamente: da actuação do bispo-conde de Coimbra, D. Manuel Correia de Bastos
Pina na prudência das acções diplomáticas e no acautelar e minimizar deste processo da
actuação do Governo Civil de Aveiro e da Câmara Municipal de Aveiro e, ainda, da
actuação do Ministério dos Negócios Eclesiásticos e da Justiça do Reino. Questiona,
deste modo, as tensas relações entre o Estado e a Igreja e as reacções do poder político e
do poder eclesiástico à extinção do Convento da Madre de Deus de Sá de Aveiro.
Procuraremos sumariar, cronologicamente, esta questão fazendo uma leitura da
legislação eclesiástico-civil para este período18, de 1834 a 1885, adaptada ao nosso
estudo de caso.
- a questão III) encontra-se estreitamente relacionada com questões de índole
museológicas, em ordem a uma avaliação do grau de influência dos factores relativos à
consciência nacional no processo de preservação e conservação dos espólios artísticos
religiosos distritais no final do séc. XIX e começo do século XX. Primeiro com a
musealização dos tesouros eclesiásticos de Coimbra e de Viseu, depois com a criação de
Museu regionais como o de Aveiro, e o de Évora (consciência fortificada após a
exposição nacional de 188219, acção que se repercutiria em muitas capitais de distrito
alguns anos mais tarde, designadamente em Aveiro, com a Exposição Distrital de
16

ANTT, MF-DGFP/E/002/00002, Inventário de extinção do Convento da Madre de Deus de Sá de

Aveiro, 1859-1933. Inventários do Convento da Madre de Deus de 1856/59 e de 1883/85.
17

ADAVR, NOT/CNAVR2, Escritura de contrato e obrigação de bens que fazem a Madre Abb.ª e mais

religiosas do Convento da Madre de Deus de Sá extra-muros desta Vila ao Pintor Thomé Coelho
Ferreira da Cidade do Porto, Livro de Notariado de Manuel Matos Girão, liv. 22, pp. 137-139 e
Escritura de contrato e obrigação que fazem António Marques da Fonseca morador nesta Vila com
Pedro Monteiro Ferreira pintor morador na cidade do Porto, 16 de Agosto de 1688, Livro de Notariado
de Manuel Matos Girão, liv.22, pp. 38-39 v.
18

REBELLO, João M. Pacheco Teixeira, Colecção completa de legislação eclesiástico-civil, 1896.

19

Catálogo online de Exposição de Arte Ornamental Portuguesa e Hespanhola, realizada em Lisboa, in

http://purl.pr/763.

15
O Convento da Madre de Deus de Sá em Aveiro |
Hugo Cálão

“Relíquias de Arte” de 1882 e a Exposição de Arte Religiosa em 1895, realizadas no
extinto Convento de Jesus). Procuraremos responder a esta questão elaborando uma
síntese, devidamente fundamentada, do trânsito dos objectos afectos à Paróquia da Vera
Cruz de Aveiro para a Comissão encarregada de organizar um Museu em Aveiro,
auferindo deste modo a sua efectiva protecção, pelo que faremos uma leitura da
documentação20 das duas partes, de 1885 a 1912, mediadas pelo Ministério das
Finanças, à qual aditaremos revisão dos objectos provenientes do Convento de Sá
presentes na Exposição de 189521 referida.

2.2.1. O conhecimento acerca do Convento da Madre de Deus de Sá em Aveiro
Após a análise dos diversos textos encontrados que se referiam ao Convento de Sá
em Aveiro, verificámos que todos eles bebiam das mesmas fontes informativas e as
utilizavam nas obras que levaram a edição, alguns localizando-as, outros não, com
maior ou menor rigor literário. São estas fontes: a descrição das Casas Conventuais na
Freguesia da Vera Cruz de Aveiro e seus fundadores na Corografia do Padre Carvalho
da Costa22, produzida em 1706/08; a descrição relativa ao Convento de Sá na
Informação Paroquial da Freguesia da Vera Cruz de Aveiro, redigida em 1721 pelo
Vigário Manuel Coelho de Oliveira e transcrita e impressa por Rocha Madahíl23; e a
obra de memória e síntese de José Reinaldo Rangel de Quadros Oudinot, na sua

20

MF-DGFP/E/002/00002, Inventário de extinção do Convento da Madre de Deus de Sá de Aveiro,

1859-1933. Correspondência entre o ministério das finanças e Comissão encarregada de organizar o
Museu de Aveiro
21

GOMES, João Augusto Marques, “Notas e additamentos”, in Catálogo da Exposição de Arte Religiosa

no Colégio de Stª Joana Princesa a favor dos Pobres, Aveiro, ed. Minerva Central, 1895.
22

COSTA, António Carvalho da, Corografia portuguesa, e descripçam topografia do famoso reyno de

Portugal, [1706/1708], 2a ed. 1869, Braga, vol. 2., pp. 67-73. O Pe. Carvalho da Costa serviu-se das
informações contidas na Memória sobre a vila de Aveiro, escrita em 1687 por Cristóvão de Pinho
Queimado. Nesta Memória, o Convento da Madre de Deus de Sá é referido sucintamente como sendo da
Ordem Terceira de São Francisco sem qualquer informação adicional. Ver NEVES, Francisco Ferreira,
Memória sobre Aveiro de Pinho Queimado, in ADA, vol. 3, nº10, Aveiro, 1937, p. 95.
23

MADAHÍL, António Gomes da Rocha, Informações Paroquiais do Distrito de Aveiro de 1721, in

ADA, vol. 2, nº 6, Aveiro, 1936, pp. 151-160.

16
O Convento da Madre de Deus de Sá em Aveiro |
Hugo Cálão

colectânea Aveiro – Apontamentos Históricos24. Este autor recorre também à referida
descrição do Pe. Carvalho da Costa, como se verá.
A. A Memória de José Rangel de Quadros do Mosteiro da Madre de Deus de Sá –
Contexto de produção e organização da informação.
Rangel de Quadros nasceu em Aveiro, na casa conhecida por “Casa dos Rangeis do
Carmo”, no dia 19 de Março de 1842 e faleceu a 22 de Julho de 191825, dados que nos
permitem situá-lo como espectador dos acontecimentos que levaram à extinção do
Mosteiro da Madre de Deus, da imagem do mesmo antes da sua demolição e alguns dos
acontecimentos após, até à data em que registou este seu trabalho, escrito em 1905.26
(doravante referir-nos-emos a Rangel de Quadros por R.Q.)
Ao longo dos últimos anos da sua vida anos foi escrevendo Apontamentos Históricos
sobre Aveiro na imprensa local, recortes de jornais e alguns manuscritos que foram
fotocopiados e agrupados, e que são o único exemplar que a Biblioteca Municipal de
Aveiro (AHMA) detém para consulta. Parte destas fontes têm vindo a ser publicadas
pelo esforço de alguns historiadores locais, com a publicação em 1984 de Aveiro,
origens, brasão e antigas freguesias27 e também pela autarquia aveirense, que em 2000
deu à estampa a compilação Aveirenses Notáveis28. Contudo ainda se encontram à
espera de solução idêntica os intitulados Aveiro – Apontamentos Históricos, colectânea
que descreve os restos da muralha, os conventos e mosteiros e ainda de outros templos

24

AMHA, QUADROS, José Reinaldo Rangel de, Apontamentos Históricos, 8 volumes, (colecção de

recortes de jornal policopiados). O modo como nos é apresentada esta obra levanta-nos uma questão
principal, a saber: de quando datam os recortes de jornal. No caso do capítulo que se refere ao Mosteiro
da Madre de Deus de Sá, este problema é solucionado, referindo o autor a data de 1905 como a
actualidade. Ao longo deste trabalho referir-nos-emos a Rangel de Quadros como: R.Q, p.
25

CHRISTO, António e GASPAR, João Gonçalves, Calendário Histórico de Aveiro, Aveiro, ed. CMA,

1986, pp. 134 e 299. Ver ainda GASPAR, João Gonçalves, Aveiro na História, 1997, p. 297.
26

R.Q., pp. 194 e 198

27

QUADROS, José Reinaldo Rangel de, Aveiro. Origens, brasão e antigas freguesias. Edição póstuma

com revisão de Neves, Amaro. Aveiro. Paisagem Editora. 1984.
28

QUADROS, José Reinaldo Rangel de, Aveirenses notáveis. Apontamentos históricos. Edição póstuma

com revisão de GASPAR, João. Aveiro. Câmara Municipal de Aveiro. 2000.

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O Convento da Madre de Deus de Sá em Aveiro |
Hugo Cálão

seculares, as igrejas e edifícios de destaque, e ainda onde produz sínteses da história das
instituições da cidade de Aveiro.29
A Memória descritiva de Rangel de Quadros sobre o Mosteiro da Madre de Deus de
Sá, encontra-se no quinto volume destes referidos apontamentos, denominado Mosteiros
e Conventos de Aveiro, no seu quinto capítulo. Está organizada em quinze
subcapítulos30 e acrescida no final de mais dois subcapítulos complementares31,
redigidos em data posterior.
Rangel de Quadros inicia o texto dedicando este seu trabalho ao Sr. Francisco
Manuel Couceiro da Costa por razões bem justificadas. Com efeito, é de salientar que a
penúltima abadessa do Convento de Sá foi D. Inocência Ludovina do Céu32, oriunda de
Ílhavo e tia do Dr. Francisco Manuel Couceiro da Costa, administrador do Concelho de
Ílhavo, tendo falecido com 98 anos de idade, em 11 de Setembro de 188033. Este facto
explica, de certa forma, a forte ligação entre o Convento de Sá e Ílhavo, bem como a sua
“continuação” em Ílhavo no convento de religiosas franciscanas, com instrução de
educandas, fundado junto da Igreja de Nossa Senhora do Pranto34.
Não existindo um índice por assunto das dezassete etapas da construção do discurso
de Rangel de Quadros, foi imperativo sintetizar essa informação descrevendo-a no
quadro seguinte:
29

No decurso do nosso projecto de mestrado, o Município de Aveiro, em 10 de Julho de 2009, publicou

um primeiro volume de Aveiro – Apontamentos Históricos de Rangel de Quadros, no âmbito das
comemorações dos 250 anos decorridos de elevação de Aveiro a cidade, volume que apenas inclui os três
primeiros volumes dos seus escritos não incluindo o quinto volume de que tratamos aqui.
30

R.Q., pp. 156-206.

31

R.Q., pp. 324-331 e 332-336.

32

R.Q., pp. 204-205.

33

GOMES, João Augusto Marques, Memórias de Aveiro, Aveiro, Tip. Comercial, 1875, p. 104.

34

GASPAR, João Gonçalves, A Diocese de Aveiro: Subsídios para a sua História. Aveiro. Edição da

Cura Diocesana de Aveiro, 1964, pp. 207-208, sobre isto aponta como fonte, o Arquivo da Cúria
Diocesana de Aveiro, Livro de Registo de Ofícios do Dr. Manuel Baptista da Cunha, 1875-1877, liv. 2, f.
40-41v. Sobre o Convento de Ílhavo ver: SOUSA, Fernando de, “Um Instituto religioso na república: as
Franciscanas Missionárias de Nossa Senhora (1910-1926), in Revista da Faculdade de Letras: História,
09, 1992, pp. 295-318. Informa-se a p. 300, que em Ílhavo foi fundada a primeira casa em Portugal destas
religiosas, funcionando em 1910 como Colégio de Nossa Senhora das Sete Dores, com internato e
externato, no qual era prestada educação gratuita às raparigas, especialmente, às filhas dos pescadores e
que dispunha ainda um infantário para crianças com menos de três anos de idade. Ver Igualmente Anexo
A (1876-04-24).

18
O Convento da Madre de Deus de Sá em Aveiro |
Hugo Cálão

Quadro I – Descrição da estrutura da Memória do Convento de Sá de Rangel de Quadros35
Cap. 5.1

A origem do Convento de Sá – enquadramento histórico.

p. 156-157

Cap. 5.2

Instituidores do Convento (D. Maria Ferreira, viúva de Manuel Barreto
Sarniche) e a vinda de religiosas terceiras do Convento de Nossa Senhora
do Loreto em Almeida para Aveiro (fundação).

p. 157-159

Cap. 5.3

Descrição genérica da estrutura edificada do Convento, sua organização e
economia.

p. 159-161

Cap. 5.4

Descrição da Igreja do Convento, da capela-mor e seu retábulo.

p. 161-164

Cap. 5.5

Descrição da Nave da Igreja e dos retábulos colaterais e laterais.

p. 164-167

Cap. 5.6

Descrição da Sacristia da Igreja.

p. 167-169

Cap. 5.7

Descrição da Casa da Roda.

p. 170-174

Cap. 5.8

Descrição da Sala da Rodeira.

p. 174-178

Cap. 5.9

Descrição dos Coros: alto e baixo.

p. 178-181

Cap. 5.10

Descrição genérica de privilégios, contratos, propriedade e sua gestão
(dívidas e negociações).

p. 181-185

Cap. 5.11

Descrição de práticas devocionais, actos solenes, mesteres (o ensino, a
botica, a doçaria), e factos vividos no Convento.

p. 185-189

Cap. 5.12

Descrição do projecto de extinção do Convento.

p. 189-191

Cap. 5.13

Descrição da extinção e demolição do Convento e sua adaptação para
Quartel Militar.
Descrição da dispersão do espólio artístico do Convento de Sá e
deslocação da última Abadessa para Fermelã.

p. 191-197

Cap. 5.15

Descrição das religiosas que professaram e faleceram no Convento,
recolhidas de famílias ilustres.

p. 201-206

Cap. 5a

Descrição e estudo da genealogia dos instituidores do Convento (Barreto
Sarniche), o morgadio, a sua propriedade e outras propriedades do
Convento ainda não referidas.

p. 324-331

Cap. 5b

Descrição aprofundada do processo de endividamento do Convento aos
herdeiros das famílias Freire, Themudo e Veras.

p. 332-336

Cap. 5.14

p. 197-201

B. Fontes de informação citadas na Memória de Rangel de Quadros
Grande lacuna em todos os escritos produzidos por Rangel de Quadros é a de
raramente identificar, com precisão, as fontes documentais e orais em que se apoiou.
Contudo, de entre os escritos produzidos pela historiografia aveirense de finais do séc.
XIX e inícios do séc. XX, que sofrem igualmente deste defeito, Rangel de Quadros
supera, em termos visuais nas descrições que faz e regista melhor, o enquadramento

35

AHMA, QUADROS, José Reinaldo Rangel de, Aveiro – Apontamentos Históricos, vol. 5, Cap. 5.

19
O Convento da Madre de Deus de Sá em Aveiro |
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histórico do que era o Convento de Sá de Aveiro relativamente a que Marques Gomes36,
outro dos aveirógrafos desta época37. Na data da sucinta descrição feita por Marques
Gomes, em 1875, ainda residiam religiosas no Convento38, sendo o edificado demolido
só em 1885. Daí a nossa opção na escolha de crítica de Rangel de Quadros e não outra.
De entre as fontes citadas por Rangel de Quadros para a elaboração desta memória,
como já referimos, encontra-se a descrição realizada em 1708 pelo Pe. Carvalho da
Costa na sua Corografia39, quando descreve na Comarca de Esgueira, os Conventos que
tem a Vila de Aveiro e seus fundadores. Sobre o Convento de Sá, indica o seguinte, que
reduziremos ao fragmento, notando o que é referido por Rangel de Quadros e o que este
não refere: “O Convento da Madre de Deus, que pelo sítio se apelida de Sá é de
religiosas Terceiras da ordem de S. Francisco, o segundo e o melhor dos que no reino40
há daquele hábito. São sujeitas à Província de seus religiosos, dos quais lhe assistem
três ao espiritual e temporal.41Fundou-se em o sítio que lhe deu Filipe Serniche42 no
ano de 1644, por vinte e quatro religiosas que com as devidas licenças vieram do
Convento de Almeida43, retirando-se aos estrondos e perigos da guerra. Hoje são
setenta e cinco professas, com grande número de criadas. Tem fermosa Igreja com o
melhor retábulo que há na vila.” 44
36

GOMES, João Augusto Marques, Memórias de Aveiro. Aveiro, Tip. Comercial, 1875, p. 103-104. João

Augusto Marques Gomes foi o primeiro director do Museu de Aveiro.
37

GASPAR, João Gonçalves, Aveiro na História, ed. Câmara Municipal de Aveiro, 1997, p. 298.

38

GOMES, João Augusto Marques, 1875, p. 104. Refere que em 1875, das 70 religiosas que aqui haviam,

só existem apenas duas, que são a Sr.ª D. Inocência Ludovina do Céu e D. Anna Benedicta de S. Miguel.
39

AHMA, QUADROS, José Reinaldo Rangel de, Mosteiro da Madre de Deus...o.c., p. 176 Nestas linhas

R.Q. refere a sua consulta da seguinte forma: “A Chorografia do Padre António Carvalho da Costa diz,
que este mosteiro havia sido fundado numas casas que para isso dera Filipe Serniche em 1644. O mesmo
repete o Padre Luís Cardoso no seu Dicionário Geográfico.”
40

AHMA, QUADROS, José Reinaldo Rangel de, Mosteiro da Madre de Deus... op.c., p. 159, refere

“Segundo dizem alguns escritores, o convento de Sá era o segundo na preeminência e o melhor, que da
Ordem terceira havia no Reino”.
41

R.Q. não refere esta informação.

42

AHMA, QUADROS, José Reinaldo Rangel de, Mosteiro da Madre de Deus... op.c., p.324. A respeito

do vínculo de morgadio instituído em Sá em 1599 por Aníbal Serniche, fidalgo da casa Real, prior da
Igreja de Cedofeita na qual instituiu Capela e Colegiada, R.Q, refere ter consultado um Tombo escrito
pelo escrivão João Carvalho em 1694 referente a este vínculo, tombo este que não localizámos.
43

R.Q., p. 156.

44

COSTA, António Carvalho da, Corografia portuguesa, e descripçam...op.c., vol. 2., 1708, p. 71.

20
O Convento da Madre de Deus de Sá em Aveiro |
Hugo Cálão

Esta será também a descrição usada na Informação Paroquial de 172145, da freguesia
da Vera Cruz de Aveiro, que recolheu o Rev. Pe. Manuel Coelho da Silva por se
encontrar o vigário paroquial Frei Manuel Coelho de Oliveira doente de cama,
acrescendo que a Igreja, “consta de uma Capela Maior por Invocação a Madre de
Deus, erigida, que foi no ano de 1671, como consta de letreiro que tem sobre o
frontispício da porta principal”, e que havia “no mesmo Mosteiro uma relíquia de
Santa Justina mártir, outra de Santo Victal e outra de Santo Hipólito mártir”46, tendo
todas estas três relíquias a sua autenticação de Roma.
Como aponta Rocha Madahíl47, o Pe. Carvalho da Costa terá requerido também
informações ao pároco local, e, neste caso, ao da Freguesia da Vera Cruz, que, muito
embora o Convento se encontrasse inserido no termo do Concelho de Ílhavo, domínio
da ilustre casa dos Almadas48, responderia a informações sobre o mesmo.
Rangel de Quadros refere, também, o mesmo que havia informado o Pe. Carvalho da
Costa em relação à qualidade do retábulo da capela-mor, tendo-o consultado em fontes
posteriores. Assim, pelos escritos do Pe. Luís Cardoso49, baseados estes nas memórias
paroquiais, R.Q. diz-nos que “todo esse conjunto era dourado e estava em perfeita
conservação. António Patrício, no seu Dicionário Geográfico, diz que esse retábulo era
o melhor que havia nesta cidade. Este escritor não fez mais do que copiar o que em
1747 havia publicado o Pe. Luís Cardoso, que também disse o mesmo talvez por efeito
45

MADAHÍL, António Gomes da Rocha, “Informações Paroquiais do Distrito de Aveiro de 1721”, in

ADA, vol. 2, nº 6. Aveiro, 1936, p. 158.
46

Embora de origem desconhecida, apontamos no Museu Machado de Castro de Coimbra, um busto

relicário de Santa Justina Mártir (7584; E541) e no Museu Marítimo de Ílhavo um busto relicário de
Santo mártir não identificado.
47

MADAHÍL, António Gomes da Rocha, Ílhavo no século XVIII – As Informações Paroquiais de 1721 e

1758. Figueira da Foz, 1937, p. 6. Na p.43, descrevendo a informação de 1758 da freguesia de Ílhavo, o
Pe. João Martins dos Santos, no ponto 10º do questionário elaborado pelo Pe. Luís Cardoso (Se tem
conventos, e de que religiosos, ou religiosas e quem são os seus padroeiros?), responde dizendo-nos que:
”Nam tem no termo maiz conventos que o de Sá em que já fallamos, e delle dará mais exacta noticia o
Reverendo Parrocho da Freguezia da Vera Cruz de Aveyro aonde fica.”
48

R.Q., p. 157.

49

CARDOSO, Pe. Luís, Dicionário Geográfico de Portugal, Lisboa, Regia Offic. Silviana, 1747, vol. I,

p. 679. O Pe. Luís Cardoso refere que o Mosteiro da Madre de Deus de Sá, efectivamente poderia
considerar-se da freguesia da Vera Cruz de Aveiro, sobretudo por fundar-se a capela-mor com sacrário
no lugar já dentro dos limites da Vila de Aveiro para o qual havia dado a sua quinta Sebastião Pacheco
Varela. Ver http://de.bnportudal.ptHG254-3/

21
O Convento da Madre de Deus de Sá em Aveiro |
Hugo Cálão

de algumas informações que nesta parte foram de certo exageradas. No entanto, não
podia negar-se merecimento a todo esse conjunto, bem como aos retábulos laterais que
ficavam perto do arco cruzeiro.” 50
Continuando a descrição, o Pe. Carvalho da Costa informa que o Convento “não tem
até agora padroeiro, nem consideráveis esmolas, e assim gastando em obras os dotes
das noviças, se sustentam tantas freiras só com setecentos mil réis; que não é milagre
da Virgem da Madre de Deus sua protectora, a cuja imagem se atribuem outros muitos.
Assistem-lhe as religiosas no coro com incessante frequência, e nas festas com suaves
músicas.” Prossegue na descrição das virtudes de algumas professas e termina a
descrição passando ao Convento de Carmelitas descalças.
A Informação Paroquial de 30 de Abril de 175851, à qual respondeu o Prior da Matriz
de São Miguel de Aveiro, não acresce nesta informação. Refere, igualmente, que o
Convento à data não tinha padroado.
Rangel de Quadros indica também ter usado como fonte informativa os livros do
arquivo do Convento de Sá, dizendo que no ano de 1770, “... foi feito o Arquivo do
Convento pelo Padre Pregador Frei Francisco de Nossa Senhora das Mercês e Silva
sendo Abadessa D. Josefa da Estrela Rosa de Vasconcelos. O mesmo religioso que era
Procurador do convento escreveu nesse ano e por indicação daquela Abadessa uma
pequena memória intitulada “Arquivo compendioso, ou colecção prompta de Noticias,
do quanto tem ao presente este Convento da Madre de Deus de Sá, extraídas pela
maior parte do seu cartório, tudo ordenado em forma de Tombo com clareza e
individualização possível.52 Essa memória e até certo ponto, muito me auxiliou para a
que estou estes escrevendo a respeito d’esta casa religiosa. O autor não dá como facto
positivo, que as freiras, do Convento de Almeida, tivessem vindo para Aveiro a convite
de D. Brites de Lara. Aponta-o, apenas como tradicional. É porém, muito de supor que
elas se houvessem hospedado no Palácio da mesma senhora, pois não consta que outra
pessoa aqui lhes desse hospedagem.” 53

50

R.Q., p. 163.

51

ANTT, Memórias Paroquiais, vol.5, nº 44, p. 805.

52

AUC, III / 1D / 14 / 2 / 29, Arquivo Compendioso ou Colecção de Noticias, do Convento da Madre de

Deus de Sá de Aveiro, 1770. (Ver folha de rosto in, Anexo B, doc. 4)
53

R.Q., pp. 158-159.

22
O Convento da Madre de Deus de Sá em Aveiro |
Hugo Cálão

C. Fontes que citaram a Memória de Rangel de Quadros como validação
informativa.
São variados os autores que tendo que falar sobre o Convento de Sá, assim como de
outras casas conventuais, se debruçaram nos escritos de Rangel de Quadros. Entre estes
distinguimos pela relevância na sua extensa e profícua investigação, no que respeita a
localização e citação de fontes documentais sobre a religiosidade aveirense, a
publicação de 1964 de Monsenhor João Gonçalves Gaspar, A Diocese de Aveiro –
Subsídios para a sua História, síntese histórica na longa duração no activo deste
prelado aveirense. João Gaspar informa sobre o Convento de Sá54, citando como fonte a
Memória de Rangel de Quadros e a descrição de Marques Gomes55, referindo que as
religiosas “...chegaram a 22 de Junho de 1644, prevenidas das necessárias licenças.
Hospedaram-se no palácio de D. Brites de Lara Meneses, onde estiveram, enquanto
não construíram o novo Convento em terreno que lhes fora doado por D. Maria
Ferreira, viúva de Manuel Barreto Sarniche, fidalgo da casa real” e que “entraram
solenemente no mosteiro a 2 de Agosto do mesmo ano”. Por lapso, provavelmente
confundindo-o com o Convento de religiosos Carmelitas de Aveiro, refere que “...D.
Brites, em testamento de 25 de Agosto de 1646, legava-lhes tudo o que possuía.”
Confrontando-se com a descrição de R.Q, este informa que “...no mesmo dia e em
companhia das mesmas religiosas entrou para este convento D. Maria Ferreira e aí
acabou os seus dias deixando-lhe todos os seus bens como consta do seu testamento
aprovado em 25 de Agosto de 1646 por Manuel Soeiro, tabelião de Notas, da Vila de
Ílhavo.” 56
Recorre também a Rangel de Quadros para informar sobre o processo de extinção do
Convento57, quando pela reforma militar de 1884, foi destinado instalar no Convento o
Corpo de Cavalaria nº10 destacado para Aveiro, e que para isso se demoliu toda a
estrutura edificada do Convento de Sá.
Cita também a este respeito o Conselheiro Cunha e Sousa, que nos diz ter sido “...um
erro edificar o quartel de Sá sobre as ruínas do Convento, que prometia duração para

54

GASPAR, João, 1964, p. 145.

55

GOMES, J. Marques, 1875, p. 104.

56

R.Q., p. 157.

57

GASPAR, João, 1964, pp. 245-246.

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séculos; com a simples reparação dos estragos nele produzidos por um incêndio em
1882, ficava um edifício muito aproveitável para qualquer fim de pública utilidade”58.
Num esforço de recensear as informações usadas na memória de Rangel de
Quadros usando a fonte primária, localizando-a igualmente tal como este autor no fundo
documental que sobreviveu do Convento de Sá, existente na actualidade no Arquivo da
Universidade de Coimbra59, surge-nos o exemplo único de Inês Amorim, 200660, que,
no seu estudo sobre crédito e endividamento de duas instituições em Aveiro, a
Misericórdia e o Convento de Carmelitas descalças de São João Evangelista, nos refere
que as freiras deste Convento teriam vindo do Convento de Nossa Senhora do Loretto
de Almeida, fugidas à guerra, e acolhidas na habitação de D. Brites mas acabando por
aceitar a doação que lhes fizera uma outra viúva, Maria Ferreira, viúva de Manuel
Barreto Sarniche, fidalgo da Casa Real.
D. Ao que responde a Memória de Rangel de Quadros e o que fica por responder
Centrando agora a atenção sobre o percurso de investigação a que nos propusemos, e
que visa o reagrupamento e identificação do espólio patrimonial artístico que resta hoje
do Convento de Sá (o móvel, visto o imóvel ter sido demolido em 1889), a parte mais
importante em informações a este respeito na memória de Rangel de Quadros encontrase na descrição da Igreja e sacristia do Convento, correspondente aos capítulos 5.4, 5.5 e
5.6, na descrição do coro alto e coro baixo, no capítulo 5.9 e no capítulo dedicado à
descrição da dispersão do espólio artístico do Convento e a deslocação da última
Abadessa para Fermelã, no capítulo 5.14.
Rangel de Quadros prima por localizar grande parte do espólio artístico na sua função
cultual de origem, embora não refira a proveniência ou meio de aquisição dos mesmos,
autoria ou contratação de empreitadas. Curiosamente, descreve, quando fala da sacristia
da Igreja que “... entre os objectos de maior valor material e artístico podiam notar-se

58

NEVES, Francisco Ferreira, “Memória de Aveiro do Conselheiro José Ferreira Cunha e Sousa”, in

ADA, vol. 6, Aveiro, 1940, p. 270.
59

AUC, III/1D/14/2/29, Arquivo Compendioso ou Colecção de Noticias, do Convento da Madre de Deus

de Sá de Aveiro, 1770, f. 5.
60

AMORIM, Inês, Património e crédito: Misericórdia e Carmelitas de Aveiro (séculos XVII e XVIII),

2006, p. 703.

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uma boa custódia, alta, elegante, de prata dourada e com bonitas pedras de variadas
cores e colocadas com muito bom gosto [...] e uma caixa das hóstias, a que se chama
cancela. No tampo e formando círculo tem este letreiro: SOV DO CONVENTO DA
MADRE DE DEOS DE SÁ 1703.” 61
Esta sua forma cuidada de descrever com pormenor as características destes objectos
permite-nos hoje, sem dúvida, identificá-los.
Diz-nos também que “... as imagens, alfaias e outros objectos tiveram diversos
destinos. Á Junta de Paróquia da Freguesia da Vera Cruz foram entregues os seguintes
objectos: as imagens da Senhora da Conceição, Senhora da Boa-Morte, Senhor Morto,
[...] e que tudo se conserva e já tem servido no templo, que actualmente (1905) serve de
paroquial da Vera Cruz; o retábulo do altar-mor que se destina para a projectada
Igreja do mesmo nome. [...] A custódia foi entregue á Confraria do Senhor Jesus do
Bendito, erecta na mesma freguesia, e a imagem do Senhor dos Passos foi dada para a
freguesia de Lamas do Vouga, no Concelho de Águeda, para onde foi conduzida com
bem pouco respeito. A imagem de São Francisco, que estava sobre a portaria da
entrada do edifício foi colocada sobre a porta principal do templo que pertence à
Ordem Terceira da mesma evocação. Outros objectos tiveram diversos destinos e não
poucos desapareceram como quase sempre acontece quando é extinta qualquer
associação desta natureza.” 62
Responde, desta forma, ao nosso propósito e aponta alguns dos destinos do espólio
do Convento após a sua extinção. Não responde, porém, como se processou essa
entrega, ou quais as circunstâncias que a determinaram, o que adiante se explicará,
consultando a documentação existente no Arquivo da Junta de Paróquia da Vera Cruz
de Aveiro (APVCA) e o referido processo de desamortização do Convento, existente
em documentação no Arquivo Histórico do Ministério das Finanças (ANTT-AHMF),
fontes a que Rangel de Quadros não terá tido acesso.
Seguindo também uma das pistas apontadas por Rangel de Quadros, quando refere
que “no dia 27 de Março desse ano de 1885 e em carros puxados por bois, saiu de
Aveiro (deixando o Convento) a Abadessa, em companhia das duas recolhidas, que
assinaram a despedida de que dei cópia e com algumas das antigas educandas e três
criadas da extinta comunidade. Recolhidas em Fermelã, na sua nova habitação,

61

R.Q., pp. 168-169.

62

R.Q., pp. 197-198.

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acomodaram a Capela uma das salas do edifício”, suspeitámos que de entre os objectos
artísticos, que Rangel de Quadros refere como tendo diversos destinos, alguns teriam
sido levados para Fermelã pelas referidas religiosas. Pesquisando a documentação do
Arquivo da Junta de Paróquia de São Miguel de Fermelã (APSMF), assim o
constatámos e adiante descreveremos.
Sendo lacunar, ao não descrever detalhadamente a totalidade dos objectos do grande
espólio conventual, o que também não seria a sua intenção, e, ainda, visto ter escrito
esta memória passadas duas décadas dos acontecimentos, Rangel de Quadros não
explica como, na Paróquia de São Salvador de Ílhavo, aparecem algumas peças do
referido espólio do Convento, nem tão pouco faz menção dos inventários realizados ao
espólio, o último, curiosamente, efectuado no mesmo dia de retirada da Abadessa.
Contudo, a exposição que Rangel de Quadros faz dos destinos dos objectos do
demolido Convento é inigualável em termos informativos a outra qualquer fonte, pelo
que se apresentou como a melhor hipótese de resposta e ponto de partida da nossa
investigação.
Comparando a descrição do Mosteiro da Madre de Deus de Sá com outros seus
apontamentos sobre as Casas Conventuais de Aveiro, verificámos que Rangel de
Quadros descreve com muito menos exactidão os oratórios, a imaginária e a pintura,
neste convento, do que nos Conventos de Jesus e de São João Evangelista, conventos
que perduravam ao tempo da produção dos seus diversos artigos publicados, entre 1899
e 1907, nos jornais periódicos Campeão das Províncias e O Distrito.
Concluímos que, provavelmente, Rangel de Quadros não terá visitado as capelas
existentes no claustro do convento de Sá, visto não lhes fazer menção, e apenas
mencionar os oratórios dos espaços comuns da comunidade segundo as suas principais
invocações (Nossa Senhora do Carmo, São Sebastião, São Francisco, São José, São
João Baptista e São Domingos), descrevendo-os no andar nobre como “diversos altares,
todos simples, mas decentes e muito bem tratados.”63. O próprio Rangel de Quadros
refere não poder alongar-se em algumas matérias respeitantes ao convento de Sá de
Aveiro por não lhe ter sido permitido consultar documentação, que sabia existir nas
repartições públicas.64

63

R.Q., p. 206.

64

R.Q., p. 206.

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2.2.2. A Igreja do Convento de Sá e os contratos da talha da capela-mor

Fig. 2 - Vista hipotética do edificado do Convento da Madre de Deus de Sá, tendo como imagem base,
postal ilustrado do quartel de cavalaria construído em 1889 na mesma localização. (croqui do autor)

Como dito foi anteriormente, a Igreja do convento iniciou a sua construção em data
anterior a 1671, tendo as religiosas alcançado um subsídio de 4$000 reis, em Outubro
de 1667, para o iniciar das obras.65
Em petição datada de 20 Junho de 1679, as religiosas do Convento de Sá pedem ao
Rei a sua intercessão para finalizarem a construção da Igreja:66

“Diz a Madre Abadessa e mais religiosas do Mosteiro da Madre de Deus de Sá
extramuros da Vila de Aveiro, comarca de Esgueira de religiosas da 3ª Ordem
do seráfico São Francisco que elas por ordem Vossa Alteza vieram da Vila de
Almeida no tempo e principio das Guerras de Castela em razão da hostilidade
dos inimigos recolher-se à dita Vila onde não acharam padroeiro nem Convento
e Igreja e se recolheram em suas casas em que fizeram clausura e a foram
acrescentando a custas dos dotes das entrantes sem que lhe fica-se coisa de

65

ANTT, RGM/21/364513, Registo Geral de Mercês, Ordens, liv.6, f.437. Nesta data é concedido por

alvará um subsídio de 4$000 rs para se fabricar a Igreja do Convento da Madre de Deus de Sá.
66

AUC, III / 1D / 14 / 2, Convento da Madre de Deus de Sá, cx.7. (Cartas de arrematação e sentença)

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consideração para empregarem em rendas para seu sustento, razão porque
passam muitas necessidades e não tem conseguido acabar as ditas obras nem a
Igreja que principiaram e tem ainda por forrar e porque V. Alteza em
semelhantes casos costuma com piedade acudir à pobreza dos religiosos,
mandando-lhe dar esmola pelos depósitos de bens de raiz dos Concelhos das
Comarcas onde eles assistem como fez aos de Santo António da mesma Vila
para as suas obras pelo Concelho de Estarreja que dista duas léguas de Aveiro,
no qual ainda ficaram mais de seis mil cruzados de depósito
Pede a V. Alteza lhe conceda provisão para que do dito depósito se lhe de uma
esmola conveniente para acabarem a dita Igreja e mais obras.”

A 22 de Julho de 1679, El-rei D. Pedro II, na altura ainda príncipe regente do Reino,
em resposta a esta petição pede ao Provedor da Comarca de Esgueira informações para
melhor esclarecimento do conteúdo e qual seria o seu parecer nesta matéria, ao qual
informou em 2 de Agosto:67

“Informando-me sobre a petição junta da Madre Abadessa do Mosteiro da
Madre de Deus desta Vila de Aveiro, achei que estas religiosas se mudaram da
Vila de Almeida em o ano de 1644 para esta Vila, por ordem de V. Alteza, por
causa das necessidades que padeciam no tempo das guerras, como se vê da
cópia junta; e que a custa dos dotes das religiosas principiaram algumas obras
que tem ainda por acabar; da igreja que fizeram a têm por forrar ainda, por
não poderem mais; e ainda a dita obra custará coisa de 200$000 reis; não sou
de parecer que V. Alteza os mande dar sem primeiro serem ouvidos os oficiais
da Comarca e povo da Vila de Estarreja, como foram quando V. Alteza foi
servido mandar dar aos religiosos de Santo António desta Vila de Aveiro,
150$000 reis do mesmo depósito [...]”.

Assim sendo foi pedido o parecer ao povo e Câmara de Estarreja que anuiu ao pedido
de esmola da seguinte forma:

67

AUC, III / 1D / 14 / 2, Convento da Madre de Deus de Sá, cx.7. (Cartas de arrematação e sentença). O

sublinhado é nosso.

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“Aos doze dias de Janeiro de mil seiscentos e oitenta e dois anos nesta Vila de
Estarreja e paço do concelho dela, Inácio Tavares, Vereador mais velho e Juiz
pelas ordenações neste dito Concelho do presente ano, por Sua Alteza que Deus
guarde; e bem assim o licenciado Mateus Afonso e outro assim vereador neste
dito Concelho no presente ano e Manuel Mateus procurador neste Concelho
com alguns dos homens da governação e povo ali sendo apresentada a petição e
procuração junta foi proposto perante todos a petição das ditas Madres para
dizerem o que lhes parecia sobre a esmola que as suplicantes pediam a este
Concelho; logo ali se respondeu uniformemente que sua Alteza que Deus guarde
tem concedido provisões a esta Câmara para se fazerem as obras da ponte e
calçada de Antuã deste Concelho para cujo efeito se pretende que sua Alteza
que deus guarde mande aplicar os depósitos e sobejos que há neste Concelho
por serem os moradores pobres e a obra de custo e necessidade, por ser na
estrada pública e real sobre o que já houveram alguns mestres e apontamentos
clausus; resta como última informação para sua Alteza deferir como esperam e
outra provisão para se fazer a casa do carcereiro deste Concelho para guarda
dos presos e findas esta obras, pelos depósitos se houverem sobejos, então
conforme a eles se fará a esmola; e este foi voto uniforme que todos deram, de
que fiz este termo que eles oficiais assinaram como homens de governação e
povo que presentes estavam; eu Manuel Fernandes da Maya, escrivão da
Câmara o escrevi.”

A Igreja, descreve-nos Rangel de Quadros, não tinha particularidade arquitectónica
relevante, tendo rasgadas duas janelas com
quarenta e oito vidros, cada uma no seu corpo
principal, às quais faziam simetria, na parede do
lado norte, duas janelas fingidas. As paredes
interiores

estavam

revestidas

a

azulejos,

decorados por florões uniformes, e cada um
deles limitado por quatro semicírculos voltados Fig. 3 - Padrão de azulejos (M.A. 158a/E)
para o exterior.68 (ver figura 3) O arco cruzeiro era de pedra lisa, lavrada em almofada na
grossura e frente, rematado por pedra de fecho rectangular, onde se viam os emblemas
68

R.Q., 162.

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da Ordem franciscana. (ver figura 4) A capela-mor não era de
grande dimensão, e a escadaria do supedâneo estava um
pouco afastada do arco-cruzeiro, tendo rasgada uma alta
janela de cinquenta grandes vidros.
O retábulo-mor era dourado, formado por três arcos
sobrepostos e cobertos de folhagens, aves debicando uvas e
anjos dispostos em simetria, com sacrário embutido na parte
inferior, com a imagem de Nossa Senhora da Conceição um
pouco acima, dentro de nicho ladeado de colunas de estilo
dórico. O trono, elevando-se por detrás do sacrário, tinha
degraus entalhados de variado feitio. Abaixo do último
degrau estavam as imagens de São Francisco de Assis, do Fig. 4 – Brasão da Ordem
lado do Evangelho, e a de São Domingos, do lado da

Franciscana (M.A. 105/M)

Epístola. Por entre as duas grandes colunas espiraladas, de cada um dos lados,
assentavam em apoios mísulados as imagens de São Pedro, do lado do evangelho, e de
São Paulo, do lado da epístola. Embora não tenhamos referência ao contrato do trabalho
de entalhamento, Pinho Brandão69 localiza a escritura de contrato e obrigação, onde
Pedro Monteiro Ferreira, pintor, dourador, da cidade do Porto, se compromete, em
1688, ao douramento e pintura do retábulo, sacrário e tribuna da Capela-mor da Igreja
do Convento da Madre de Deus de Sá, desta forma: 70
“Escritura de contrato e obrigação que fazem António Marques da Fonseca
morador nesta Vila com Pedro Monteiro Ferreira pintor morador na cidade do
Porto; Saibam quantos este público instrumento de contrato e obrigações de uns
apontamentos que se fazem sobre a forma e maneira de como se há-de dourar e
estofar o retábulo e sacrário e tribuna da Capela-mor das Religiosas do Convento
de Sá da Madre de Deus extra-muros desta Vila de Aveiro virem que no ano de
nascimento de nosso Senhor Jesus Cristo de mil seiscentos e oitenta e oito anos
aos dezasseis dias do mês de Agosto do dito ano nesta nobre e notável Vila de
Aveiro e nas casas das moradas de António Marques da Fonseca morador nesta
69

BRANDÃO, D. Domingos de Pinho, Diocese do Porto – Subsídios para o seu estudo I; Obra de talha

dourada, ensamblagem e pintura, pp. 655-659 e 691-693.
70

ADAVR, NOT/CNAVR2, Escritura de contrato e obrigação que fazem António Marques da Fonseca

morador nesta Vila com Pedro Monteiro Ferreira pintor morador na cidade do Porto Livro de Notariado
de Manuel Matos Girão, liv.22, pp. 38-39 v.

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Vila de Aveiro aonde eu tabelião fui e ele aí também presente de uma parte e da
outra o Pedro Monteiro Ferreira pintor morador na Cidade do Porto pessoas
conhecidas de mim tabelião que dou fé serem os mesmos aqui nomeados e logo
pelo dito Pedro Monteiro Ferreira foi dito perante mim tabelião e das
testemunhas ao diante nomeadas e no fim desta assinadas que ele estava
contratado e consertado com António Marques da Fonseca e se obrigava como
com efeito logo se obrigou por este público a dourar e estofar o retábulo e
sacrário e tribuna da Capela-mor das Religiosas do Mosteiro de Sá extra-muros
desta Vila de Aveiro na forma de uns apontamentos e declarações que aí me
apresentou o dito António Marques da
Fonseca assinados pelo dito Pedro
Monteiro Ferreira os quais li em
presença

dos

sobreditos

e

das

testemunhas e continham o seguinte
– apontamentos da forma que se há-de
dourar e estofar o retábulo e sacrário
e

tribuna

da

Capela-mor

das

Religiosas do Mosteiro de Sá desta
Vila de Aveiro – primeiramente será
esta obra dourada de ouro subido será
o banco desta obra todo dourado do
dito ouro subido e brunido tudo o que
se vir e serão estofadas as dianteiras
dos pedestais, os meios relevos, os
quais se farão no estofo de brocado e
de china aonde pedirem as roupas dos Fig. 5 – Sacrário do retábulo-mor (M.A. 8/M)
santos e nas ourelas das roupas se meterão algumas pedras com betume e os
campos destes quatro painéis serão estofados e nas arquitecturas se farão seus
ripes com todo primor da arte que puder ser e nas ilhargas destes pedestais será
só estofado pássaros frutos e asas dos serafins; as colunas desta obra serão todas
douradas o que se vir do dito ouro brunido e subido e lho se estofarão os pássaros
que nelas estão, e os frisos que ficam por cima destas colunas serão todos
dourados e só se lhe verá de estofo alguns serafins que neles estão; a serena desta
obra será toda dourada o que se vir do dito ouro brunido e levará só de estofo as

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asas dos serafins e se lhes meterá alguns rubins aonde melhor couberem, como
também levaram em toda a mais obra aonde ela o pedir; o sacrário será todo
dourado do dito ouro brunido e subido e as imagens que estão nele serão
estofadas de brocado com suas pedras pelas
ourelas e a Senhora será estofada da mesma
forma e os cabelos serão dourados e por cima
se lhe dará uma cor e os pássaros e frutos que
vão neste sacrário serão estofados como
também a peanha que fica no cimo e o Cristo
será estofada a capa dele e por detrás da
Senhora será dourado e estofado de brocado
tudo o que se vir e o painel que fica por detrás
do sacrário será estofado o que se vir de
brocado e aonde ficam os santos São
Francisco e São Domingos os quais santos
serão

estofados

com

suas

alcachofras

levantadas de pique; o sacrário será dentro
Fig. 6- São João Evangelista / painel do
retábulo-mor (M.A. 95/M)

dourado tudo de ouro brunido e subido e a
porta do sacrário será a imagem como acima

se declara e será dourada pela banda de dentro; os degraus da tribuna serão
todos dourados de ouro brunido e os serafins estofados e a peanha será toda
dourada e os anjos encarnados e as asas estofadas e o resplendor será todo
dourado de ouro brunido e os serafins que ficam no meio dele; os pedestais de
pedra que ficam debaixo do retábulo será dourados os florões que tem no meio de
ouro mate e também se dourará os ornatos que leva a sua vaza e este ouro será
profilado de preto ou do melhor que puder ser; abaixo destes apontamentos fez o
dito Pedro Monteiro Ferreira a uma declaração por sua letra do teor seguinte;
Na forma destes apontamentos acima e atrás inclusos concedo se faça se faça
escritura que assinarei declarando-se nela que me há-de dar tanto do meu
trabalho e tintas e aparelhos como a obra levar de ouro pagando-me o milheiro
dela a 7$000 reis e assim que quantos milheiros de ouro levar tantos 7$000 se me
há-de dar e demais se me hão-de dar as pedrarias ou pagar o custo delas as que
levarem as imagens da obra e ao fazer ou estofar delas declararão as que hão-de
levar pedras e no mais não duvido e por assim ser assino Pedro Monteiro

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Ferreira; declaro que a imagem de Nossa Senhora que está no meio do sacrário
que as pedras que ela levar serão por minha conta e custo delas e eu Pedro
Monteiro Ferreira torneia a assinar... ”

Por estes apontamentos se reconstitui o retábulo da capela-mor. A descrição de
Rangel de Quadros completa-nos estas informações referindo que a mesa de altar era
rectangular e estava um pouco separada, muito semelhante ao retábulo da Igreja do
Convento de Santo António de Aveiro71. Refere também que o tecto da capela-mor era
entabuleirado e dividido em três secções angulares com caixotões pintados de branco
separados por frisos dourados e pintados de azul com remates de união de pinhas
floreadas e douradas. Passado um ano da pintura do retábulo, em 1689, Tomé Coelho
Ferreira, pintor, dourador, do Porto, compromete-se ao douramento e pintura do tecto da
Capela-mor da Igreja do Convento da Madre de Deus de Sá, extra-muros, de Aveiro72:

“Escritura de contrato e obrigação de bens que fazem a Madre Abb.ª e mais
religiosas do Convento da Madre de Deus de Sá extra-muros desta Vila ao Pintor
Tomé Coelho Ferreira da Cidade do Porto; Saibam quantos este público
instrumento de contrato e obrigação de bens virem que no ano de nosso Senhor
Jesus Cristo de mil seiscentos e oitenta e nove anos aos catorze dias do mês de
Novembro do dito ano nesta nobre e notável Vila de Aveiro e nas casas das
moradas de mim tabelião aí apareceram presentes de uma parte o reverendo
Padre Frei Manuel Baptista Religioso da Ordem de São Francisco e procurador
da Madre abadessa e mais Religiosas do mosteiro de Sá da Madre de Deus extramuros desta Vila e da outra Tomé Coelho Ferreira pintor morador na cidade do
Porto pessoas reconhecidas de mim tabelião que dou fé serem os mesmos aqui

71

Crê-mos que R.Q. se referia ao retábulo principal da Igreja da Ordem Terceira de São Francisco de

Aveiro, retábulo com centro em alto-relevo de São Francisco estigmado, de tipologia idêntica ao retábulomor de Sá. A Igreja do Convento de Santo António de Aveiro está geminada com a Igreja da Ordem
Terceira de São Francisco desde 1879. V. AHMA, QUADROS, José Reinaldo Rangel de, O Convento de
Santo António, in Aveiro - Apontamentos Históricos, vol. 5, p. 74.
72

ADAVR, NOT/CNAVR2, Escritura de contrato e obrigação de bens que fazem a Madre Abb.ª e mais

religiosas do Convento da Madre de Deus de Sá extra-muros desta Vila ao Pintor Thomé Coelho
Ferreira da Cidade do Porto, Livro de Notariado de Manuel Matos Girão, liv. 22, pp. 137-139. Ver
BRANDÃO, D. Domingos de Pinho – Diocese do Porto – Subsídios para o seu estudo...o.c., pp. 691-693.

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nomeados. E logo pelo dito Reverendo Padre Frei Manuel Baptista em seu nome e
como procurador da Madre Abadessa e mais Religiosas discretas do dito
convento em nome de todas na forma de sua procuração bastante que para isso
tinha e poder lhe davam disse perante mim tabelião e testemunhas ao diante
nomeadas que ele como procurador do dito convento pelos poderes que lhe
tinham concedido estava contratado e consertado com Tomé Coelho Ferreira
pintor morador na cidade do Porto para haver de dourar e pintar o tecto da
Capela-mor da Igreja do dito Convento de Sá das religiosas da Madre de Deus na
forma dos apontamentos seguintes – primeiramente que serão os rompões do
tecto dourados e os florões que ficam no meio dos painéis serão também dourados
e uma tábua que fica por cima da serelha do retábulo seria também dourada a
qual taparia um vão que fica entre o forro e a serelha e os lisos que ficam entre os
rompantes e florões serão pintados de como a obra pedir e contrafeito nos ditos
lisos umas sedas ou florões o arco será contrafeito de jaspe a óleo de boas cores e
da fronteira do dito arco a que fica defronte do coro que tem duas faixinhas de
quase dois dedos as quais hão-de ser douradas e toda esta obra em preço de
cento e cinquenta mil réis secos e somente lhe promete dar em nome do dito
convento a Abadessa e Religiosas dele enquanto assistir na dita obra casa em que
o dito Tomé Coelho Ferreira assista e cama enquanto a dita obra se não acabar e
se lhe dará mais os andaimes por conta do dito Convento para ela e sendo
começada a dita obra logo se darão ao dito Tomé Coelho Ferreira sessenta mil
réis em dinheiro de contado para ajuda de seus ingredientes e os noventa mil réis
se lhe irão dando pelo discurso de três anos e não lhos dando no dito tempo lhe
pagarão as Religiosas do dito Convento os juros deles à razão de seis e quatro
por cento em cada um ano porém passado o dito termo se o dito Tomé Ferreira
pedir o dito dinheiro lhe será entregue com declaração que ele dito Tomé Coelho
Ferreira começará na dita obra pela Páscoa de flores que embora vem de
seiscentos e noventa a qual dará acabada dentro em cinco ou seis meses seguintes
o mais tardar e faltando o dito Tomé Coelho Ferreira a esta obrigação por algum
impedimento ou doença poderá ele dito procurador e Religiosas meter na dita
obra pessoa que a possa acabar a qual se pagará por conta do dito Tomé Coelho
Ferreira aquilo que directamente merecer o que será descontado no dito compito
de cento e cinquenta mil réis que é o preço que nesta escritura se promete e pelo
dito Tomé Coelho Ferreira foi dito que ele aceitava o dito contrato e se obrigava

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a cumpri-lo tudo na forma atrás declarada com todas as sua cláusulas
apontamentos condições e declarações e a tudo obrigava sua pessoa e bens
móveis de raiz havidos e por haver e pelo dito Reverendo Padre procurador foi
dito que ele se obrigava em nome do dito Convento a tudo cumprir e guardar
obrigando mais as rendas e juros do dito Convento ao pagamento desta escritura
e se desaforavam do Juiz de seu foro a que o dito procurador nomeado dito
Convento como o dito Tomé Coelho Ferreira e se obrigavam a responder perante
o Juiz de Fora desta Vila de Aveiro…”

Fig. 7 – Reconstituição hipotética do retábulo-mor do Convento da Madre de Deus de Sá.
(fontes: M.A. 8/M; 28/M; 30/M; 31/M; 32/M; 29a/M; 30a/M; 31a/M; 32a/M; 92/M; 93/M; 94/M; 95/M;
3/B; 4/B; 142/B; croqui do autor)

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2.2.3. Os inventários artísticos de 1856/1859 e de 1883/1885
Desde a sua fundação, em 1644, e até se iniciar a construção da Igreja, em 1671, as
religiosas franciscanas, instaladas em Aveiro, haveriam já algum espólio artístico de
raiz ou alguns objectos destinados ao culto, muito provavelmente trazidos do seu
Convento de Nossa Senhora do Loreto de Almeida73 para Aveiro.
De facto, por carta anterior à vinda das religiosas para Aveiro, El-Rei D. João IV em
30 de Maio de 164474, escreve a Frei Manuel Botelho, Provincial da Ordem,
concedendo-lhe licença para que estas se pudessem mudar do Convento de Nossa
Senhora do Loreto de Almeida para o Mosteiro novo de Aveiro, ficando porém, as ditas
religiosas obrigadas a satisfazer os encargos do Mosteiro velho, e dispondo a casa de
Almeida para hospital dos soldados por continuação da guerra nesta Praça de Armas.
Informa igualmente que, para esta mudança, deveria pedir ajuda e assistência a D.
Álvaro Abranches da Câmara, governador das Armas da Província da Beira e ao
corregedor da Comarca de Pinhel, possivelmente no auxílio do transporte do espólio
que trariam do velho convento. Apenas temos menção que nesta viagem “...para sua
consolação e sua guia trouxeram consigo de Almeida, uma perfeita imagem de Nossa
Senhora de vestir...”.75
Referente a este espólio primitivo do convento, em documento de 24 de Setembro de
1649, localizámos uma listagem de objectos em prata pertencentes às religiosas de Sá,
itens que haviam sido entregues na altura, com objectivo de custear as demandas que os
oficiais da Confraria de Santa Maria de Sá tinham contra o legatário do morgadio de Sá,
Filipe Barreto Serniche. Este morgadio incluía várias propriedades, entre elas as que
viriam a servir para construção do edificado da Igreja e outras que ajudariam a
sustentação económica das religiosas. Por este motivo não seria favorável para o
Convento de Sá perder esta demanda, tendo a seu favor o legado e disposições

73

SOUSA, Bernardo Vasconcelos e, PINA, Isabel Castro, ANDRADE, Maria Filomena, SANTOS,

Maria Leonor Silva, Ordens Religiosas em Portugal: das Origens a Trento. Guia Histórico. Ed. Livros
Horizonte, Lisboa, 2005, p.361. Desconhece-se a data de fundação do Convento de Nossa Senhora do
Loreto de Almeida (distrito da Guarda, concelho de Almeida), embora se saiba que já existia em 1556 e
que foi fundado pela comunidade do Convento de Nossa Senhora do Souto da Nave (distrito da Guarda,
concelho do Sabugal, freguesia da Nave), já existente em 1477.
74

AUC, III / 1D / 14 / 2, Convento da Madre de Deus de Sá, cx.7. (Cartas de arrematação e sentença)

75

AUC, III/1D/14/2/29, Arquivo Compendioso ou Colecção... op.c., 1770, fl.5v.

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testamentárias que, em 1646, D. Maria Ferreira, havia acordado, após a sua entrada no
Convento em 1644, não permitindo que fosse construído um hospital novo para a
Confraria de Santa Maria de Sá, como pretendido por seu marido Manuel Barreto
Serniche, e legando ao Convento de Sá tudo o que possuía para sua edificação. Diz este
documento o seguinte:

“Saibam quantos este instrumento de contrato de obrigação deste dia para todo o
sempre virem em como no ano de nascimento de nosso Senhor Jesus Cristo de mil
seiscentos e quarenta e nove anos em os vinte e cinco dias do mês de Agosto do
dito ano em este lugar de Sá termo da Vila de Ílhavo e no mosteiro da Madre de
Deus no palratório, lugar acostumado para se fazerem semelhantes actos e campa
tangida onde estavam presentes a Abadessa Brites de São Paulo e Maria da
Graça discreta e Maria de Almeida discreta e Maria de Noronha discreta e Ana
da Trindade discreta ali por elas todas juntas em nome das mais religiosas do dito
Convento foi dito perante mim tabelião e das testemunhas ao diante nomeadas
que elas estavam contratadas com o Juiz e escrivão da Confraria de Santa Maria
de Sá, Manuel André de Figueiredo76 e Tomé Dias e mais confrades da dita
Confraria, como mais largamente consta de uma escritura feita a notas do
tabelião, que esta fez e logo por elas foi dito que a sentença contra Filipe Barreto
na causa do morgado cujo direito eles ditos oficiais renunciaram a elas religiosas
e elas se obrigavam pelos gastos que eles tem feito de sua fazenda nas ditas
demandas que importam mais de quatrocentos mil reis lhes darão dois lugares
para duas freiras no dito Convento dando-lhe mais duzentos e cinquenta mil reis
somente que vem a ser por cada uma cento e vinte e cinco as quais elas religiosas
se obrigam a tomar e a lançar o hábito da dita religião, tendo as partes e
requisitos que se requerem, as quais eles ditos Tomé Dias e Manuel André
nomearão e para as haverem de tomar e aceitar e não o cumprindo assim se
obrigam a pagar os ditos quatrocentos mil réis dos rendimentos do dito morgado;
e assim se obrigam elas religiosas a defenderem todas as causas e demandas que
eles ditos oficiais trazem com o dito Filipe Barreto e todas suas dependências e os

76

AHMA, QUADROS, José Reinaldo Rangel de, Aveiro – Apontamentos Históricos, vol. 4, p. 42. O

capitão Manuel André de Figueiredo, que quem adiante se fará menção, foi em 1665 vereador da Câmara
de Aveiro.

37
O Convento da Madre de Deus de Sá em Aveiro |
Hugo Cálão

tirarão a paz e a salvo para o que lhe dão por fiador Sebastião Pacheco Varela
morador em Aveiro que sendo presente disse que se obrigava a pagar todas as
custas em que forem condenados os ditos oficiais com as perdas e danos, e elas
religiosas se obrigaram a defender e aos ditos oficiais de todas as demandas e
dependências tocantes ao dito morgado, à sua custa e despesa delas; e sendo caso
que façam elas religiosas algum conserto com Filipe Barreto no tocante a este
contrato sempre ficarão obrigadas ao cumprimento dele na forma assinada e
sendo caso que elas haviam algum descrito de sua santidade para haverem os
frutos do dito morgado para seu património ou de sua majestade para sua
sustentação pendendo a causa entre elas e o dito Filipe Barreto antes que alguns
dos ditos descritos tenha efeito, serão obrigadas a lhe darem um fiador chão e
abonado que como principal pagador se obrigue a pagar os ditos rendimentos e
que vencendo a causa elas religiosas ao dito Filipe Barreto serão obrigadas a
fazer tudo o que a instituição de Aníbal Sernigue e mais instituidores do dito
morgado em sua instituição ordenam [...].” 77

Deste modo, como forma de salvaguarda do pagamento que as religiosas haviam
acordado com a Confraria de pescadores de Santa Maria de Sá de Aveiro, tomámos
conhecimento dos penhores entregues da seguinte forma:

“Recebi da Madre Abadessa e mais religiosas de São Francisco cito no lugar de
Sá os penhores seguintes abaixo nomeados os quais fico em meu poder para deles
se pagar as custas, perdas e danos que por parte da confraria nos forem pedidas
em razão das demandas que se seguem com Filipe Barreto Serniche e sendo-me
pedidas algumas custas, ou perdas ao danos não as podendo pagar as ditas
freiras, poderá dispor dos ditos penhores, empenhá-los, vendê-los ou alheá-los os
quais as ditas freiras foram contentes de os pôr em minha mão, por sua
consciência em razão do morgado e demandas de que pretendem haver em nome
da confraria o dito convento; e vendo-lhe necessários os ditos penhores não me
poderão obrigar a dar-lhos por me depositarem em minha mão ou não haver
deles até se acabar as ditas causas; e estarão em meu poder e de como recebi:
Cruz de prata, lampadário de prata, dois castiçais de prata, campainha de prata,
77

AUC, III / 1D / 14 / 2, Convento da Madre de Deus de Sá, cx.4.

38
O Convento da Madre de Deus de Sá em Aveiro |
Hugo Cálão

púcaro de prata com sua salva, os quais ficam em meu poder na conformidade
atrás e me assinei hoje vinte e quatro de Setembro de mil seiscentos e quarenta e
nove, Manuel André de Figueiredo.”78

Apontamos esta listagem como um primeiro arrolamento de peças em prata que
existiriam no Convento.
Contudo, não temos conhecimento se a Confraria de Santa Maria de Sá teria ficado
na posse daqueles ou se teriam sido entregues após a demanda com Filipe Barreto
Serniche terminar, ou, ainda, se teriam sido vendidos para pagamento das despesas. Seja
como for, nenhum destes objectos foi identificado por nós, não estando igualmente
descritos nos inventários realizados após o Convento ter sido suprimido, dos quais
faremos análise.

Fig. 8- Panorama do lugar de Sá visto da cúpula da Igreja do Senhor Jesus das Barrocas em 1880. A-O
edificado do Convento da Madre de Deus de Sá; B – Igreja da Confraria de Santa Maria de Sá, hoje de
Nossa Senhora da Alegria. (fonte: Catálogo, Aveiro Antigo, 1985, p.60)

Após o decreto de 30 de Maio de 183479, determinou-se a imediata extinção de todos
os conventos, mosteiros, colégios, hospícios, e quaisquer outras casas de Ordens
religiosas regulares em Portugal, e a incorporação dos seus bens na Fazenda Nacional, à
excepção dos vasos sagrados e paramentos que seriam entregues aos Ordinários das

78
79

AUC, III / 1D / 14 / 2, Convento da Madre de Deus de Sá, cx.4. O sublinhado é nosso.
REBELLO, João M. Pacheco Teixeira, Colecção completa de legislação eclesiástico-civil, 1º vol.

(1833 a 1859) ed. 1896, pp. 47-55.

39
O Convento da Madre de Deus de Sá em Aveiro |
Hugo Cálão

dioceses. Executou-se, com prontidão, para os conventos masculinos e previa-se a longo
prazo, o fim, também, dos conventos femininos das Ordens regulares.
Por decreto do Ministério e Secretaria de Estado dos Negócios da Fazenda de 31 de
Maio de 186280, regulou-se a execução da lei de extinção de 4 de Abril de 186181,
aplicada a todos os conventos femininos em Portugal, que dispunha a sua execução por
óbito da última religiosa professa, sendo incorporados os seus bens nos próprios da
Fazenda Nacional. Regulava igualmente a execução de extinção para outras condições
de excepção: caso fosse ordenado decreto de extinção, embora estando viva a única
religiosa; caso as religiosas residentes não constituíssem canónica e civilmente o
número legal para satisfazer os fins da instituição; caso o factor idade conduzisse à
incapacidade de administrar as rendas; ou caso a religiosa optasse por ser transferida
para um outro convento, ou fosse habitar na residência de familiares.
Anteriormente, uma portaria de 20 de Julho de 185782 mandou elaborar cinco mapas
com a indicação do número de religiosas e dos empregados de ambos os sexos ao seu
serviço, indicação de despesas com o sustento das religiosas, das dívidas activas e
passivas, com o serviço de culto, declaração dos encargos com que esses bens
estivessem onerados, entre outros. A mesma portaria mandava também elaborar
cadernos assinados pela religiosa responsável, por pessoa autorizada pelo prelado, pelo
empregado da Fazenda, e por louvados. Incluiriam a descrição do convento e edifícios
anexos, e o seu estado interior, e ainda, das propriedades e emprazamentos: sua situação
(se livres de foro ou de pensão), qualidade e natureza (se por doação real ou particular),
rendimento (valor), nomes dos enfiteutas, importância dos foros e datas dos títulos
geridos; dos títulos de crédito público e escrituras de empréstimos feitas com fundos do
convento; das alfaias e mais objectos preciosos destinados, ou não, ao serviço do culto
pertencentes à comunidade: móveis artísticos, manuscritos e livros impressos.

80

REBELLO, João M. Pacheco Teixeira, Colecção completa de legislação eclesiástico-civil, 2º vol.

(1860 a 1896) ed.1896, pp. 38-38. A portaria de 31 de Março de 1862 prevê os termos de arrematação de
bens das corporações religiosas do reino e ilhas.
81

REBELLO, João, Colecção completa de legislação... op.c., 2º vol. (1860 a 1896), pp. 12-15. A portaria

de 4 de Abril de 1861 manda proceder à desamortização dos bens e direitos prediais pertencentes às
igrejas e corporações religiosas.
82

AUC, III / 1D / 14 / 2, Convento da Madre de Deus de Sá, cx. 9. É pedido por circular do Ministério

dos Negócios Eclesiásticos do reino que se fizesse inventário do Convento da Madre de Deus de Sá.

40
O Convento da Madre de Deus de Sá em Aveiro |
Hugo Cálão

Fig. 9- Pormenor da Planta da Cidade de Aveiro, 1780-81 (fonte: IGP, nº390), assinalando a vermelho as
Igrejas e Conventos sitos na Freguesia da Vera Cruz de Aveiro. (no canto inferior direito planta
esquemática do Convento da Madre de Deus de Sá)83

Já, em 25 de Outubro de 1839, se havia respondido a este propósito no inventário dos
bens e rendimentos de diferentes espécies84, possuídos pelo convento das religiosas de
Sá, feito em aditamento ao Mapa exigido pela circular expedida pela Secretaria dos
Negócios Eclesiásticos de 25 de Abril de 1839. Foram respondidos a três dos artigos do
mapa a que se refere a circular: o primeiro sobre o número de religiosas e educandas, o
segundo relativo à localidade, capacidade e estado do edifício e o terceiro referente ao
rendimento do ano decorrido de 1838/39. Ao primeiro artigo respondeu-se que eram
onze as religiosas à época, estando uma ausente por Breve Pontífico, e que habitavam o
convento quinze educandas, algumas que haviam entrado por Avisos Régios, outras de
maioridade que entraram por sua livre vontade e outras de menoridade, enviadas por
seus parentes para serem educadas nas prendas próprias do sexo feminino,
particularmente em bordado e música. Ao segundo, que o Convento da Madre de Deus
de Sá podia considerar-se o melhor de Aveiro pela sua localidade e capacidade, visto
83

Ver mapa completo em, ROSSA, Walter, “A relevância da cartografia para a construção da história de

urbes como Aveiro”, in revista Sal: Boletim Municipal de Cultura, Câmara Municipal de Aveiro, 2007, p.
4. O mesmo autor, equivocado, refere-se ao Convento de Sá como convento das Clarissas, p. 7. O
vermelho e azul é nosso.
84

AUC, III / 1D / 14 / 2, Convento da Madre de Deus de Sá, cx. 3.

41
O Convento da Madre de Deus de Sá em Aveiro |
Hugo Cálão

estar situado no ponto mais elevado, arejado e sadio da cidade. Tinha, para além das
celas ocupadas pelas religiosas, educandas e criadas, mais trinta celas, que, por
desabitadas necessitavam de alguns reparos. Todo o resto do edifício e oficinas estavam
em bom estado de conservação. Ao terceiro respondeu-se que o seu rendimento para o
ano de 1838/39 totalizava 746$000 reis, e aditou-se, em mais oito artigos, a
especificidade do mesmo: no primeiro, da natureza dos rendimentos; no segundo, dos
fundos em dinheiro; no terceiro, das escrituras dos foros a dinheiro e géneros; no quarto,
dos seus encargos e ónus; no quinto, das dívidas activas; no sexto, das dívidas passivas
e sua natureza, época e fundamento; no sétimo, dos subsídios que recebia o convento; e,
no oitavo, um orçamento da despesa anual.85
No artigo sexto, que pedia uma fundamentação das dívidas contraídas pelo convento,
é referido que grande parte destas dívidas haviam sido contraídas desde 1750, época em
que o convento ficou reduzido a grande pobreza, tanto por perda do Morgado de
Sarniche, que constituía o seu principal património, como pela má administração do
triénio de 1750 e 1753, devido à tentativa de sustentar as religiosas fazendo as mesmas
despesas que se praticavam no anterior estado de prosperidade. Por isso, as religiosas
haviam recorrido a vários empréstimos, sem contudo ter meios com que os satisfazer.
Aplicaram, para os gastos do convento, os dotes das religiosas que iam professando,
dinheiro que deveriam ter convertido em fundo, e, tendo esgotado todos estes recursos,
ficaram reduzidas a não ter que comer. Cremos que concorreu para o acréscimo da
dívida, no triénio de 1750/53, contraída por escrituras de dinheiro a juro totalizando
12.293$330 reis, a dispendiosa obra no coro alto, tendo-se gasto e pago ao organeiro
galego Juan Fontanes de Maqueira, só pelo órgão de tubos construído em 1753,
750$000 reis.86
No sétimo artigo, que pedia informação sobre os subsídios recebidos pelo convento,
deu-se informação de que este nunca havia recebido algum subsídio, a não ser umas
ordinárias esmolas, que a Casa Real mandava pagar pela Casa da Índia e Mina por
alvará de Março de 178887 e por alvará de 13 de Julho de 164388, a saber: doze arráteis
85

Sobre estes ver em Anexo quadro de síntese. (Ver Anexo B, doc. 1)

86

AUC, III / 1D / 14 / 2, Convento da Madre de Deus de Sá, cx. 4. Certidão da conclusão da obra do

órgão de tubos realizada pelo mestre organeiro Juan Fontanes de Maqueira, que no dia 29 de Maio de
1754 recebeu o ajuste do Pe. Frei Joaquim de Santana, confessor do Convento. (Ver Anexo B, doc.3)
87

Este alvará está registado em diferente data, da que foi apontada pela Abadessa; Ver ANTT,

RGM/06/118947, Livro de Registo Geral de Mercês de D. Maria I, liv. 27, f. 72; Alvará de D. Maria I

42
O Convento da Madre de Deus de Sá em Aveiro |
Hugo Cálão

de pimenta, seis de cravo, dez de canela, quatro de gengibre, cinco de malagueta, seis de
incenso, uma arroba de cera e outra de açúcar. Infelizmente, o inventário de bens de
1839 não adita, nem responde, a dados sobre o espólio artístico do Convento de Sá.
A. O inventário de 1856/185989

“Convento das Religiosas de Sá
Serve este caderno, que contém duas folhas que vão rubricadas pelo Comissário
da inventariação dos Conventos, para a descrição e avaliação das alfaias e mais
objectos preciosos destinados ou não ao serviço do culto e pertencentes à
Comunidade existentes em 31 de Dezembro de 1856:
Uma Custódia de prata dourada, com o varão de ferro, madeira
e vidros (valor aproximado)
3 Cálices de prata com as competentes colheres e patenas
Galhetas e caixa de hóstias de prata
1 Resplendor, 7 diademas, uma bandeira e 1 bordão de S. José,
tudo de prata (desapareceram, há um só resplendor)
5 Resplendores pequenos e 2 engastes da cruz, tudo de prata
1 diadema, 3 resplendores grandes de prata
1 vaso sagrado de prata (valor aproximado)
uma lâmpada de metal amarelo
3 ditas pequenas
7 ditas mais ordinárias
Duas caldeirinhas de metal amarelo
6 castiçais de metal pequenos
Duas navetas de metal
2 turíbulos de metal
Uma campainha de metal pequena
6 castiçais de estanho grandes
Uma capa de asperges de tela de ouro branca
1 pano do púlpito do mesmo
1 frontal do mesmo (estragado)
Uma casula, duas dalmáticas com suas estolas, uma bolsa de
corporais e véus do cálice e de ombros da mesma tela
Uma sanefa do sacrário

134$000
57$600
15$200
39$300
2$400
25$600
14$400
1$000
1$500
2$800
$600
$720
$720
$800
$100
2$400
16$800
16$800
9$600
16$800
1$920

concedendo esmola em especiaria ao Convento da Madre de Deus de Sá em Aveiro, 28 de Dezembro de
1791.
88

Não localizámos este alvará, e estranhamos a data em que está mencionado, visto que, em 1643 o

Convento de Sá ainda não havia sido fundado.
89

ANTT, MF-DGFP/E/002/00002, Inventário de extinção do Convento da Madre de Deus de Sá de

Aveiro, cx. 1853, capilha 4, Processo 37096, liv. 1.

43
O Convento da Madre de Deus de Sá em Aveiro: Hugo Cálão  mestrado História e Património, 2009
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O Convento da Madre de Deus de Sá em Aveiro: Hugo Cálão mestrado História e Património, 2009

  • 1. (a) (b) FACULDADE DE LETRAS UNIVERSIDADE DO PORTO Relatório Final de Estágio – Mestrado em História e Património – Ramo de especialização em Mediação Patrimonial O CONVENTO DA MADRE DE DEUS DE SÁ EM AVEIRO – DOS OBJECTOS ÀS DEVOÇÕES – UM ESPÓLIO DO MUSEU DE AVEIRO Hugo Cálão Rocha Orientador pela FLUP: Prof. Dr.ª Inês Amorim Orientador pela instituição de estágio, Museu de Aveiro: Dr.ª Madalena Formigal Cardoso da Costa Porto 2009
  • 2. O Convento da Madre de Deus de Sá em Aveiro | Hugo Cálão Agradecimentos Em primeiro lugar agradecemos todo o apoio dos orientadores científicos, pela cooperação incansável que nos permitiu delinear e compreender os caminhos a percorrer, o visualizar dos horizontes a alcançar e suas limitações. À Dr.ª Ana Margarida Ferreira, directora do Museu de Aveiro, por proporcionar o acolhimento deste estágio na instituição que dirige e a oportunidade de conviver e usufruir do ambiente enriquecedor de toda a equipa de conservadores e técnicos do Museu de Aveiro que se mostrou igualmente disponível para nos esclarecer qualquer dúvida relacionada com o espólio e dessa forma contribuir para a nossa formação. À Dr.ª Madalena Formigal Cardoso da Costa, nossa orientadora na instituição de estágio, conservadora do Museu de Aveiro, e que tem desenvolvido investigação no reconhecimento do património museológico, a quem dirigimos o nosso profundo agradecimento pela amizade e a disponibilidade de aceitar este nosso propósito como seu, e nos assistir em todas as etapas do nosso processo. À Professora Doutora Inês Amorim, na qualidade de orientadora pela Faculdade de Letras do nosso Mestrado, crítica exigente nos nossos primeiros passos neste domínio das ciências históricas, estamos imensamente gratos pela clareza na resposta às dúvidas e angústias relativas ao nosso propósito e perspicuidade dos sábios conselhos de experiência feita. Estendemos este agradecimento a todos os Professores que marcaram a nossa caminhada curricular, regulando positivamente as “peças” que usamos neste produto final. Os nossos agradecimentos sinceros aos priores das paróquias de São Salvador de Ílhavo, Sr. Pe. Fausto Araújo, da Vera Cruz de Aveiro, Sr. Pe. Manuel Joaquim Rocha, de São Miguel de Fermelã, Sr. Pe. Júlio Franquelin e de São Jacinto, Sr. Pe. Abílio Araújo, pela disponibilidade e acolhimento deste projecto, que, com a motivação transmitida, nos encorajaram a um aprofundamento no estudo e preservação dos espólios paroquiais. Por último, dedicamos este espaço àqueles que deram a sua contribuição para a concretização deste trabalho, o que nos arrebatou muitas das horas destes dois últimos anos, em especial, o meu agradecimento à minha família, esposa e filhos. 1
  • 3. O Convento da Madre de Deus de Sá em Aveiro | Hugo Cálão 2
  • 4. O Convento da Madre de Deus de Sá em Aveiro | Hugo Cálão Resumo _________________________ O relatório de conclusão de Mestrado em História e Património aqui apresentado tem como principais objectivos a identificação dos bens patrimoniais do demolido, Convento da Madre de Deus de Sá de Aveiro e a definição de estratégias para a sua divulgação. Concentrando-se grande parte do espólio do demolido Convento de Sá no actual Museu de Aveiro, aprofundámos, durante dezasseis semanas de estágio curricular nesta instituição, a investigação iniciada no decurso do primeiro ano curricular de mestrado. Nesta perspectiva, o nosso trabalho procurou, ainda que de forma limitada pelas dificuldades inerentes ao propósito e à nossa modesta experiência, reunir um corpus de inventário do espólio do convento e levantar informações sobre a complexa rede de produção, veneração, circulação, consumo, e posterior institucionalização dos objectos de culto e das imagens sacras do convento que hoje compõem as colecções do Museu de Aveiro e as colecções afectas ao culto em Paróquias da Diocese de Aveiro. Durante o período de estágio foi-nos possível entrar em contacto directo com a realidade de um Museu Nacional. Enquanto estagiário tive a oportunidade de acompanhar práticas e assimilar atitudes de museologia e conservação. Nota Prévia A transcrição de todos os excertos de documentos inseridos no texto foi actualizada, seguindo as seguintes regras: supressão de maiúsculas e letra repetida, desdobrar de abreviaturas e correcção para ortografia actual. 3
  • 5. O Convento da Madre de Deus de Sá em Aveiro | Hugo Cálão Lista de abreviaturas ADA -Arquivo do Distrito de Aveiro, (boletim) ADAVR -Arquivo Distrital de Aveiro AHMA -Arquivo Histórico Municipal de Aveiro alt -altura ANTT -Arquivo Nacional da Torre do Tombo APSMF -Arquivo da Paróquia de São Miguel de Fermelã APVCA -Arquivo da Paróquia da Vera Cruz de Aveiro AUC -Arquivo da Universidade de Coimbra bibl. -Bibliografia BMA -Biblioteca do Museu de Aveiro cat. -catálogo cm -centímetro comp -comprimento cx. -caixa diam -diâmetro doc. -documento ed. -edição Exp. -exposição f. -folha ff. -folhas Fig. -Figura IGP -Instituto Geográfico Português inv. -inventário liv. -livro M.A. -Museu de Aveiro nº -número p. -página pp. -páginas prov. -proveniente PSSI -Paróquia de São Salvador de Ílhavo PVCA -Paróquia da Vera Cruz de Aveiro v. -verso vol. -volume 4
  • 6. O Convento da Madre de Deus de Sá em Aveiro | Hugo Cálão Estrutura do Relatório Introdução PARTE I Capítulo 1 – A Instituição de acolhimento e a planificação do estágio Capítulo 2 – O contexto produtivo de um espólio 2.1 O não lugar – Um Convento demolido 2.2 Metodologia de pesquisa – à procura de sentidos 2.3 Descrição e abordagem sobre os objectos identificados nas Paróquias da Diocese de Aveiro: Vera Cruz de Aveiro, São Salvador de Ílhavo, São Miguel de Fermelã, São Jacinto, Trofa do Vouga e São Pedro de Nariz 2.4 Descrição e abordagem sobre os objectos identificados no Museu de Aveiro 2.5 Base de dados Capítulo 3 – A proposta de uma exposição 3.1 Da pertinência de uma exposição 3.2 Em torno de um oratório – um percurso narrativo 3.2 A concepção de uma exposição temporária no Museu de Aveiro: estratégias CONCLUSÕES FONTES E BIBLIOGRAFIA Fontes manuscritas Bibliografia ANEXOS ÍNDICE 5
  • 7. O Convento da Madre de Deus de Sá em Aveiro | Hugo Cálão Introdução O presente relatório, de conclusão de Mestrado em História e Património procura evidenciar um percurso teórico e prático de identificação dos bens patrimoniais do demolido, Convento da Madre de Deus de Sá, de Aveiro. Este processo decorre de experiências de trabalho anteriores, nos arquivos paroquiais, mas justificou-se, pelo facto da instituição de acolhimento do estágio curricular concentrar grande parte do espólio do demolido Convento de Sá no actual Museu de Aveiro. O nosso trabalho inseria-se nos próprios interesses da instituição de acolhimento, numa altura de reinstalação após profundas obras nas suas infra-estruturas. Somada à nossa modesta experiência anterior pareceu desejável reunir um corpus de inventário do espólio do convento e levantar informações sobre a complexa rede de produção, veneração, circulação, consumo, e posterior institucionalização dos objectos de culto e das imagens sacras do convento que, hoje compõem as colecções do Museu de Aveiro e as colecções afectas ao culto de paróquias da Diocese de Aveiro. Assim, se durante o período de estágio nos foi possível entrar em contacto directo com a realidade de um Museu Nacional1 e a oportunidade em acompanhar práticas e assimilar atitudes de museologia e conservação, também se tornou exigência do Mestrado em História e Património progredir na investigação contextualizadora de materiais que esperavam o seu reconhecimento. Ficou claramente estabelecido que o estágio deveria culminar num produto novo, um contributo para o avanço em investigação do património histórico, algo que se transformasse numa mais-valia para o Museu e para a História. Para um entendimento do propósito que apresentámos, em termos de percurso trilhado e das opções efectuadas, entre vários caminhos possíveis, impõe-se uma breve explicação sobre o motivo que levou à efectivação do mesmo. A ideia de realizarmos um trabalho de investigação dedicado ao estudo dos objectos provenientes do Convento de Sá remonta já há alguns anos, despontando no trabalho de levantamento de inventário do móvel artístico da Paróquia de São Salvador de Ílhavo e da Paróquia da Vera Cruz de Aveiro. Foi nesse contexto que teve lugar o primeiro contacto com os 1 Por Museu Nacional aqui, entende-se tratar de um Museu da tutela da Administração Central, dependente do IMC – Instituto dos Museus e da Conservação, I.P. 6
  • 8. O Convento da Madre de Deus de Sá em Aveiro | Hugo Cálão objectos e consequentemente com o campo de estudo abordado, a problemática da extinção das ordens religiosas2 e o subsequente trajecto e destino dos seus bens móveis. Esta primeira experiência deu entretanto lugar à curiosidade e vontade de querer compreender este processo aplicado às estruturas monásticas aveirenses. Trata-se de um fenómeno de reduzida produção científica regional, inexistente quase para os conventos da ordem franciscana.3 A relativa escassez informativa4 apontou-nos uma direcção de investigação dada a pertinência de realização de um estudo mais aprofundado desta vertente. E, deste modo, procuraremos contribuir para o conhecimento científico de um património fortemente marcado por trabalhos de identificação de carácter especulativo. Cremos, assim, mesmo que modestamente, concorrer com uma pequena “peça” para um melhor entendimento do estudo da Arte Religiosa na Região Centro e na Cidade de Aveiro e ajudarmos na concretização da sua fruição. O trabalho é constituído por dois capítulos iniciais, onde especificamos a metodologia de abordagem que presidiu ao nosso estudo. O primeiro trata do trabalho efectuado na instituição de estágio e o segundo a pesquisa científica realizada. Subdividimos o segundo capítulo em quatro pontos. No primeiro ponto fazemos uma análise da metodologia seguida e do universo informativo utilizado, e identificamos as principais contribuições para o estudo quanto ao conhecimento do património imóvel e 2 Sobre esta problemática destacamos como referências comparadas as abordagens gerais de: ALMEIDA, Fortunato de, História da Igreja em Portugal, 1967-1971 e PEREIRA, Fernando Jasmim, “Destruição dos patrimónios eclesiais: O caso das Ordens Religiosas, in separata de Dicionário da História da Igreja em Portugal, 1983. 3 Para as sete estruturas conventuais de Aveiro destacamos os estudos para: os conventos dominicanos, SANTOS, Pe. Domingos Maurício Gomes dos, O Mosteiro de Jesus de Aveiro, 1963 e FERREIRA, António José Leandro Costa, Poder, prestígio e imagem no antigo Convento de São Domingos de Aveiro, 2004; para os conventos carmelitas, CHISTO, José António Rebocho, O Convento de Nossa Senhora do Carmo de Aveiro – Subsídio para a sua História, 1996 e BELINQUETE, José Martins, As Carmelitas em Aveiro, Ontem e Hoje, 1996. Acentuamos a lacuna existente para os conventos franciscanos de Aveiro, Convento da Madre de Deus de Sá, Convento de Santo António e Recolhimento de São Bernardino. 4 Destacamos os contributos que salientaram o caso do Convento da Madre de Deus de Sá para a compreensão ulterior deste processo para a Região Centro nos estudos de: RAMOS, A. de Jesus, “A lenta extinção das religiosas de clausura”, in O bispo de Coimbra D. Manuel Correia de Bastos Pina, 1996 e COSTA, Madalena Cardoso da, “ A extinção das Ordens Religiosas em Portugal”, in, O Museu da Sé de Coimbra, 2000, explicando a actuação do Bispo-Conde no processo consequente de transferência de espólio, ordenando em anexo cronológico toda a legislação referente a este período (1832-1912). 7
  • 9. O Convento da Madre de Deus de Sá em Aveiro | Hugo Cálão móvel do Convento da Madre de Deus de Sá, de Aveiro. Nele se problematizam os antecedentes e consequências da extinção Ordens religiosas femininas em Portugal durante o século XIX marcado pelos ideais liberais, e subsequente dispersão dos pecúlios à sua guarda, elaborando-se um sumário estado da questão sobre esta problemática relativo ao Convento de Sá de Aveiro, completado com a informação contida no Anexo A (Cronologia para o Convento da Madre de Deus de Sá em Aveiro). Nos dois pontos seguintes apresentamos uma síntese e abordagem dos resultados obtidos para a validação dos objectos nas instituições estudadas, o primeiro relativo às Paróquias e o segundo relativo à instituição de estágio, Museu de Aveiro, síntese que poderemos completar detalhadamente, objecto a objecto, com recurso ao Anexo C (Base de dados: Inventário do convento da Madre de Deus de Sá), onde agrupámos estes resultados. No quarto ponto são explicados os critérios utilizados e justificadas as nossas opções metodológicas de recolha e tratamento de dados para a base de dados referida. Dedicamos o terceiro capítulo a uma proposta, mesmo que virtual, de utilização dos objectos identificados na primeira parte, dando-lhes legibilidade. Ou seja, reconstituídas as vidas de cada peça teria todo o sentido colocá-las nos lugares que lhes davam funcionalidade e representação. Um oratório, desmantelado, é sem dúvida, por si só, uma referência de um passado. Mas se acrescentarmos as peças que o recheavam, tão dispersas que se perderam os rastos, então ganha autenticidade e valor acrescido. Por último, apresentamos as conclusões deste relatório e identificamos as principais contribuições do nosso estudo, quer em termos de conhecimento teórico quer em termos práticos. Apontamos ainda as principais limitações do nosso propósito e apresentamos algumas pistas para investigação futura nesta área. Finalizamos com a inclusão de listagem do universo informativo utilizado neste relatório, fontes manuscritas e bibliografia, e juntamos três anexos, um primeiro de cronologia (Anexo A), um segundo de listagem de documentação transcrita ou digitalizada, ao qual apensamos um índice sumário, (Anexo B) e um terceiro apresentando o conteúdo total do instrumento de recolha de dados, que se acrescenta, ainda, num formato digital (Anexo C). 8
  • 10. O Convento da Madre de Deus de Sá em Aveiro | Hugo Cálão Capítulo 1 – A Instituição de acolhimento e a planificação do estágio 1.1. A instituição O estágio por nós realizado no Museu de Aveiro5 desenvolveu-se no âmbito do mestrado em História e Património e diz respeito ao desenvolvimento natural de um primeiro ano curricular O Museu de Aveiro tem o seu próprio percurso que justifica a nossa estadia. Instalado no Convento de Jesus, de freiras dominicanas de Aveiro, em 1911, incorporando o edifício arquitectónico conventual, a Igreja de Jesus, a capela de Santo Agostinho, o coro baixo, as capelas do claustro, capelas interiores e o coro alto, bem como o seu espólio artístico. Este último, fundo primitivo, foi enriquecido com bens provenientes de outros conventos de Aveiro, designadamente do Convento da Madre de Deus de Sá, do Convento do Carmo, do Convento de São João Evangelista, do Recolhimento de São Bernardino, bem como, das Igrejas Paroquiais de Aveiro e do Paço Episcopal de Aveiro. A ele se juntaram, posteriormente, fundos de conventos extintos de Lisboa, entre os quais, do Convento das Trinas, do Convento das Salésias, do Convento de São Vicente de Fora, do Convento de Santa Joana de Lisboa, e de Coimbra, designadamente do Colégio das Urselinas.6 Justifica-se, assim, que, actualmente, a colecção do Museu de Aveiro compreenda, maioritariamente, bens patrimoniais de cariz religioso. Se o que se pretendia era destrinçar quais os objectos do Convento da Madre de Deus de Sá, importava fazer o ponto de situação do conhecimento de como estes objectos foram incorporados na colecção do Museu, e se haveria fundamentação documental que nos permitisse provar a sua proveniência. 5 Protocolo celebrado entre a Faculdade de Letras da Universidade do Porto e o Museu de Aveiro de estágio em ambiente de trabalho, espaço de aproximação científica (enquadramentos de produção de informação) com a prática profissional (aplicação rigorosa da crítica da informação), para cumprimento dos requisitos necessários à obtenção do grau de Mestre em História e Património, ramo de Mediação Patrimonial realizado sob a orientação científica da Professora Doutora Inês Amorim da Faculdade de Letras da Universidade do Porto e orientação da D. Madalena Formigal, conservadora do Museu de Aveiro. 6 GOMES, João Augusto Marques, História do Museu Regional de Aveiro, Aveiro, 1921, pp. 26,37 e 47- 48. 9
  • 11. O Convento da Madre de Deus de Sá em Aveiro | Hugo Cálão Socorridos dos inventários de bens do espólio do Convento da Madre de Deus de Sá7, pedidos pelo Ministério dos Negócios Eclesiásticos: o de 1856, com verificação de 1859 e o de 1883, com respectiva e última verificação em 1885, efectuámos uma revisão dos mesmos, notando os objectos que havíamos anteriormente reconhecido como provenientes do Convento da Madre de Deus nos espólios da Paróquia de São Salvador de Ílhavo e da Paróquia da Vera Cruz de Aveiro, e interligando as informações recolhidas com a síntese por nós realizada sobre a memória descritiva do património artístico do Convento de Sá, escrita em 1905, por Rangel de Quadros.8 Seguidamente, iniciámos a pesquisa no Arquivo do Museu, recorrendo aos inventários de 1922 e de 1942, da colecção do museu, elaborados pelos seus exdirectores, pesquisa que estendemos, ainda, ao inventário de fichas manuscritas e ao inventário online na base de dados Matriznet9. Pretendíamos agrupar os objectos identificados como provenientes da Madre de Deus de Sá, individualizando-os e contextualizando os processos de transferência desde o local de origem às suas actuais localizações. Concretizámos o resultado desta pesquisa numa base de dados. Esta não significa apenas uma revisão de inventários nem é um mero somatório de fichas de leitura ou de resumos dos anteriores. Pelo contrário, pretende demonstrar um trabalho de organização da informação teórica e empírica recolhida e evidenciar que foi aplicada e aperfeiçoada no decurso do estágio, acrescentando fontes documentais e/ou informações recolhidas. 1.2. As valências da instituição de acolhimento Sendo um estágio profissionalizante, que se supunha de integração e interacção com as diversas valências da instituição, foi, desde logo, elaborado um plano de aprendizagem nos vários domínios da salvaguarda e divulgação do património. Sublinhamos que o Museu de Aveiro, durante o período de estágio, se encontrava em 7 ANTT, MF-DGFP/E/002/00002, Inventário de extinção do Convento da Madre de Deus de Sá de Aveiro, 1859-1933. 8 AHMA, QUADROS, José Reinaldo Rangel de, Mosteiro da Madre de Deus, in Aveiro – Apontamentos Históricos, vol. 5. 9 Corresponde ao interface internet do Inventário de colecções dos museus e palácios nacionais (Matriz – Inventário e Gestão de Colecções Museológicas) que disponibiliza online algumas fichas de inventário. Ver www.matriznet.ipmuseus.pt/ . 10
  • 12. O Convento da Madre de Deus de Sá em Aveiro | Hugo Cálão fase final de obras de ampliação e de requalificação, tendo alterado os percursos expositivos e disposição da área de reservas, ampliado o laboratório de restauro e, actualizando também, os dispositivos de informação ao público. Deste modo, auxiliámos, no que nos foi solicitado, o instalar na “nova” casa, acompanhando algumas reuniões de trabalho relativas à disposição de peças da colecção no renovado percurso e auxiliando na colocação de dispositivos de informação (placas informativas), prática que apreendemos numa melhor atitude perante as necessidades especiais dos visitantes e melhor fruição dos objectos museológicos. Acompanhámos, igualmente, as visitas aos percursos expositivos no dia 12 de Maio, dia de Santa Joana Princesa, no dia 16 e 18 do mesmo mês, respectivamente na Noite dos Museus e no Dia Internacional dos Museus, bem como efectuámos tarefas de vigilância e de serviço de recepção e atendimento ao público. Nas visitas acompanhadas que efectuámos, à renovada exposição permanente e ao percurso monumental, foi-nos permitido não só contextualizar os objectos por períodos cronológico-artísticos, apreendendo desta forma o contexto histórico do Convento domínico de Jesus, como também repensar a leitura dos mesmos para os diversificados interesses dos visitantes que, obviamente, são o pulsar da instituição. Depois deste trabalho de “gabinete”, onde identificámos os objectos que supúnhamos pertencer ao Convento de Sá, dedicámos grande parte do tempo restante em trabalho de “campo” onde realizámos um reconhecimento presencial dos objectos que careciam de informação descritiva ou dimensões, e actualizámos, tanto quanto nos foi possível, o levantamento fotográfico dos mesmos. Fazemos notar que nem todos os objectos se nos mostraram acessíveis a este propósito, visto a maior parte dos retábulos identificados se encontrarem desmontados nas reservas do Museu. Constatámos que, alguns dos objectos, visto terem recentemente transitado dos antigos espaços de reserva para os actuais, apresentavam problemas de conservação e limpeza não se mostrando capazes de fácil manuseamento e levantamento fotográfico. Desta forma, tivemos igualmente a possibilidade de realizar trabalho de laboratório, em conservação preventiva, num brasão da Ordem franciscana (ver figura 4)10 que identificámos como proveniente do fecho do arco-cruzeiro da igreja do Convento da Madre de Deus de Sá, ao qual efectuámos limpeza mecânica e fixação do douramento e 10 Ver Anexo C, registo 58. 11
  • 13. O Convento da Madre de Deus de Sá em Aveiro | Hugo Cálão da policromia em destaque, a fim de nos ser possível concretizar o posterior levantamento fotográfico. Durante as dezasseis semanas de estágio reservámos todas as segundas-feiras para pesquisa no Arquivo da Universidade de Coimbra onde se localiza o fundo documental produzido pelo Convento da Madre de Deus de Sá. Capítulo 2 – O contexto produtivo de um espólio Um enquadramento da instituição conventual torna-se obrigatório, dado que o património móvel em estudo é a memória residual de um espaço imóvel, situado no tempo e no espaço. 2.1. O não lugar – um Convento demolido O Mosteiro da Madre de Deus de Sá, estrutura conventual existente durante duzentos e quarenta anos em Aveiro (de 1644, data da fundação, até 1885, data sua extinção), pertencia à Ordem Terceira de São Francisco, integrado na Província da Soledade, estando sujeito ao respectivo Provincial. Foi a quinta casa religiosa a ser erecta em Aveiro11, sendo vulgarmente conhecida como Convento de Sá, devido à localização no sítio ou bairro denominado de Sá, que outrora formava uma povoação completamente separada de Aveiro, um enclave que pertencia, na jurisdição civil, ao Concelho de Ílhavo, entre a Freguesia da Vera Cruz de Aveiro e a Freguesia de Santo André de Esgueira. Um dos dois casos de casa conventual totalmente demolida no seu edificado em Aveiro12, o que aconteceu também com três das quatro igrejas matrizes de Aveiro, a 11 Até então haviam-se fundado dois conventos dominicanos (da Misericórdia em 1423, masculino, e o de Jesus em 1462, feminino) e o de Santo António de Frades Menores da Ordem Terceira de São Francisco da mesma Província da Soledade (1524). Depois vieram os Carmelitas calçados, masculino, de Nossa Senhora do Carmo (1613). Em 1644 o Convento de Sá. Dois ainda se lhe seguiram, o Convento feminino das Carmelitas Descalças de São João Evangelista (1658) e o Recolhimento feminino de São Bernardino de religiosas franciscanas terceiras capuchas (1680), totalizando sete casas conventuais. Ver AMORIM, Inês, Património e crédito: Misericórdia e Carmelitas de Aveiro (séculos XVII e XVIII), 2006, p. 701. 12 A outra totalmente demolida no seu edificado e Igreja foi o Recolhimento feminino de São Bernardino de Aveiro, de religiosas franciscanas terceiras capuchas que, por alvará de 9 de Outubro de 1835, foi 12
  • 14. O Convento da Madre de Deus de Sá em Aveiro | Hugo Cálão Matriz de São Miguel, a Matriz da Vera Cruz e a Matriz do Espírito Santo13. O Convento de Sá foi desaparecendo da memória colectiva da urbe aveirense, não se compreendendo, na actualidade, a importância que a sua ocupação outrora teve. No local onde estava implantado foi construído um quartel de infantaria, inaugurado em 1888, hoje ocupado pela Guarda Nacional Republicana de Aveiro. Fig. 1- Planta da cidade de Aveiro, século XVIII (finais); Museu de Aveiro 27/HM, Anónimo espanhol, aguarela sobre papel. - Localização do Mosteiro da Madre de Deus de Sá. 2.2. Metodologia de pesquisa – à procura de sentidos O trabalho proposto – o agrupamento dos objectos devocionais pertencentes ao extinto e demolido Convento da Madre de Deus de Sá, existente entre 1644 e 1885 em Aveiro – tinha como objectivo dar resposta a um conjunto de questões, algumas destas já trabalhadas no decurso da investigação14 e outras que se pretendiam consolidar no programa de estágio no Museu de Aveiro. Para um melhor entendimento, restringimos essas questões a três quadros conceptuais principais: entregue pelo Governo Civil à Câmara Municipal de Aveiro para administração dos bens, tendo sido incorporado na Direcção dos Próprios Nacionais. A Igreja foi demolida após de 1959. 13 CÁLÃO, Hugo, Património Religioso da Cidade de Aveiro – de Vila a Cidade – Fontes paroquiais e seu património artístico, in História de Aveiro – Sínteses e Perspectivas, 2009, ed. Câmara Municipal de Aveiro, p. 309. 14 Trabalho de avaliação apresentado à disciplina deste mestrado de Identificação e Classificação de Património, à disciplina de Metodologia do Trabalho Cientifico com o tema “A Memória de José Rangel de Quadros do Mosteiro da Madre de Deus de Sá em Aveiro - Enquadramento e crítica de Fonte de Informação” e à disciplina de Gestão e Preservação do Património com o tema “Mosteiro da Madre de Deus de Sá em Aveiro - reagrupamento e identificação do seu espólio patrimonial artístico”. 13
  • 15. O Convento da Madre de Deus de Sá em Aveiro | Hugo Cálão I – Qual a dimensão (número) e representatividade (qualidade/funcionalidade) do espólio artístico do Convento da Madre de Deus de Sá em Aveiro, na talha, na escultura, na pintura, na ourivesaria, na paramentaria, no espólio documental e, ou noutros. II – De que forma se desenrolou o processo de extinção e demolição do conjunto monástico do Convento da Madre de Deus de Sá: - o que conduziu à disseminação do espólio deste Convento e à subsequente transferência do mesmo para outras entidades. - e qual o ordenamento legal que o marcou de uma forma mais vincada. III – Como se realizou o processo de transferência dos objectos e dos inventários do espólio artístico, do Convento de Sá para as das instituições que os acolheram, e como procedermos à validação da autenticidade dos referidos objectos. Em jeito de justificação ou sustentação da relevância das interrogações avançadas, importa desde logo tecer algumas considerações, de carácter metodológico, que nos ajudaram a orientar o processo de definição e elaboração deste relatório de trabalho. Neste sentido, importa desde já esclarecer o percurso metodológico desenvolvido perante cada uma das interrogações apontadas: - as questões I e III remetem-nos para o estudo de questões relativas à colecção de objectos que subsistiram do Convento da Madre de Deus e sua identificação; - a questão I interroga sobre o conhecimento do espólio artístico. Procurámos responder a esta questão com recurso a um trabalho de síntese de crítica de fonte, por nós efectuado, sobre a descrição e Memória Histórica do Convento da Madre de Deus de Sá realizado por Rangel de Quadros15. A esta questão aditámos a leitura dos 15 Trabalho de avaliação apresentado à disciplina deste mestrado de Metodologia do Trabalho Cientifico com o tema “A Memória de José Rangel de Quadros do Mosteiro da Madre de Deus de Sá em Aveiro Enquadramento e crítica de Fonte de Informação”, usando a fonte, AHMA, QUADROS, José Reinaldo Rangel de, “Mosteiro da Madre de Deus”, in Aveiro – Apontamentos Históricos, vol. 5, 1905. 14
  • 16. O Convento da Madre de Deus de Sá em Aveiro | Hugo Cálão inventários móveis16 realizados ao espólio no Convento, bem como, o conhecimento sobre os contratos de talha17. - a questão II procura induzir a constituição de um quadro conceptual explicativo do comportamento sociopolítico e cultural predominante, à época, no contexto da extinção das Ordens religiosas e da incorporação dos seus bens na fazenda nacional. Trata do processo de destruição dos complexos monásticos da zona do Bispado Coimbra-Aveiro, e da tentativa de estabelecimento de nexos de relação entre as partes envolvidas, mais concretamente: da actuação do bispo-conde de Coimbra, D. Manuel Correia de Bastos Pina na prudência das acções diplomáticas e no acautelar e minimizar deste processo da actuação do Governo Civil de Aveiro e da Câmara Municipal de Aveiro e, ainda, da actuação do Ministério dos Negócios Eclesiásticos e da Justiça do Reino. Questiona, deste modo, as tensas relações entre o Estado e a Igreja e as reacções do poder político e do poder eclesiástico à extinção do Convento da Madre de Deus de Sá de Aveiro. Procuraremos sumariar, cronologicamente, esta questão fazendo uma leitura da legislação eclesiástico-civil para este período18, de 1834 a 1885, adaptada ao nosso estudo de caso. - a questão III) encontra-se estreitamente relacionada com questões de índole museológicas, em ordem a uma avaliação do grau de influência dos factores relativos à consciência nacional no processo de preservação e conservação dos espólios artísticos religiosos distritais no final do séc. XIX e começo do século XX. Primeiro com a musealização dos tesouros eclesiásticos de Coimbra e de Viseu, depois com a criação de Museu regionais como o de Aveiro, e o de Évora (consciência fortificada após a exposição nacional de 188219, acção que se repercutiria em muitas capitais de distrito alguns anos mais tarde, designadamente em Aveiro, com a Exposição Distrital de 16 ANTT, MF-DGFP/E/002/00002, Inventário de extinção do Convento da Madre de Deus de Sá de Aveiro, 1859-1933. Inventários do Convento da Madre de Deus de 1856/59 e de 1883/85. 17 ADAVR, NOT/CNAVR2, Escritura de contrato e obrigação de bens que fazem a Madre Abb.ª e mais religiosas do Convento da Madre de Deus de Sá extra-muros desta Vila ao Pintor Thomé Coelho Ferreira da Cidade do Porto, Livro de Notariado de Manuel Matos Girão, liv. 22, pp. 137-139 e Escritura de contrato e obrigação que fazem António Marques da Fonseca morador nesta Vila com Pedro Monteiro Ferreira pintor morador na cidade do Porto, 16 de Agosto de 1688, Livro de Notariado de Manuel Matos Girão, liv.22, pp. 38-39 v. 18 REBELLO, João M. Pacheco Teixeira, Colecção completa de legislação eclesiástico-civil, 1896. 19 Catálogo online de Exposição de Arte Ornamental Portuguesa e Hespanhola, realizada em Lisboa, in http://purl.pr/763. 15
  • 17. O Convento da Madre de Deus de Sá em Aveiro | Hugo Cálão “Relíquias de Arte” de 1882 e a Exposição de Arte Religiosa em 1895, realizadas no extinto Convento de Jesus). Procuraremos responder a esta questão elaborando uma síntese, devidamente fundamentada, do trânsito dos objectos afectos à Paróquia da Vera Cruz de Aveiro para a Comissão encarregada de organizar um Museu em Aveiro, auferindo deste modo a sua efectiva protecção, pelo que faremos uma leitura da documentação20 das duas partes, de 1885 a 1912, mediadas pelo Ministério das Finanças, à qual aditaremos revisão dos objectos provenientes do Convento de Sá presentes na Exposição de 189521 referida. 2.2.1. O conhecimento acerca do Convento da Madre de Deus de Sá em Aveiro Após a análise dos diversos textos encontrados que se referiam ao Convento de Sá em Aveiro, verificámos que todos eles bebiam das mesmas fontes informativas e as utilizavam nas obras que levaram a edição, alguns localizando-as, outros não, com maior ou menor rigor literário. São estas fontes: a descrição das Casas Conventuais na Freguesia da Vera Cruz de Aveiro e seus fundadores na Corografia do Padre Carvalho da Costa22, produzida em 1706/08; a descrição relativa ao Convento de Sá na Informação Paroquial da Freguesia da Vera Cruz de Aveiro, redigida em 1721 pelo Vigário Manuel Coelho de Oliveira e transcrita e impressa por Rocha Madahíl23; e a obra de memória e síntese de José Reinaldo Rangel de Quadros Oudinot, na sua 20 MF-DGFP/E/002/00002, Inventário de extinção do Convento da Madre de Deus de Sá de Aveiro, 1859-1933. Correspondência entre o ministério das finanças e Comissão encarregada de organizar o Museu de Aveiro 21 GOMES, João Augusto Marques, “Notas e additamentos”, in Catálogo da Exposição de Arte Religiosa no Colégio de Stª Joana Princesa a favor dos Pobres, Aveiro, ed. Minerva Central, 1895. 22 COSTA, António Carvalho da, Corografia portuguesa, e descripçam topografia do famoso reyno de Portugal, [1706/1708], 2a ed. 1869, Braga, vol. 2., pp. 67-73. O Pe. Carvalho da Costa serviu-se das informações contidas na Memória sobre a vila de Aveiro, escrita em 1687 por Cristóvão de Pinho Queimado. Nesta Memória, o Convento da Madre de Deus de Sá é referido sucintamente como sendo da Ordem Terceira de São Francisco sem qualquer informação adicional. Ver NEVES, Francisco Ferreira, Memória sobre Aveiro de Pinho Queimado, in ADA, vol. 3, nº10, Aveiro, 1937, p. 95. 23 MADAHÍL, António Gomes da Rocha, Informações Paroquiais do Distrito de Aveiro de 1721, in ADA, vol. 2, nº 6, Aveiro, 1936, pp. 151-160. 16
  • 18. O Convento da Madre de Deus de Sá em Aveiro | Hugo Cálão colectânea Aveiro – Apontamentos Históricos24. Este autor recorre também à referida descrição do Pe. Carvalho da Costa, como se verá. A. A Memória de José Rangel de Quadros do Mosteiro da Madre de Deus de Sá – Contexto de produção e organização da informação. Rangel de Quadros nasceu em Aveiro, na casa conhecida por “Casa dos Rangeis do Carmo”, no dia 19 de Março de 1842 e faleceu a 22 de Julho de 191825, dados que nos permitem situá-lo como espectador dos acontecimentos que levaram à extinção do Mosteiro da Madre de Deus, da imagem do mesmo antes da sua demolição e alguns dos acontecimentos após, até à data em que registou este seu trabalho, escrito em 1905.26 (doravante referir-nos-emos a Rangel de Quadros por R.Q.) Ao longo dos últimos anos da sua vida anos foi escrevendo Apontamentos Históricos sobre Aveiro na imprensa local, recortes de jornais e alguns manuscritos que foram fotocopiados e agrupados, e que são o único exemplar que a Biblioteca Municipal de Aveiro (AHMA) detém para consulta. Parte destas fontes têm vindo a ser publicadas pelo esforço de alguns historiadores locais, com a publicação em 1984 de Aveiro, origens, brasão e antigas freguesias27 e também pela autarquia aveirense, que em 2000 deu à estampa a compilação Aveirenses Notáveis28. Contudo ainda se encontram à espera de solução idêntica os intitulados Aveiro – Apontamentos Históricos, colectânea que descreve os restos da muralha, os conventos e mosteiros e ainda de outros templos 24 AMHA, QUADROS, José Reinaldo Rangel de, Apontamentos Históricos, 8 volumes, (colecção de recortes de jornal policopiados). O modo como nos é apresentada esta obra levanta-nos uma questão principal, a saber: de quando datam os recortes de jornal. No caso do capítulo que se refere ao Mosteiro da Madre de Deus de Sá, este problema é solucionado, referindo o autor a data de 1905 como a actualidade. Ao longo deste trabalho referir-nos-emos a Rangel de Quadros como: R.Q, p. 25 CHRISTO, António e GASPAR, João Gonçalves, Calendário Histórico de Aveiro, Aveiro, ed. CMA, 1986, pp. 134 e 299. Ver ainda GASPAR, João Gonçalves, Aveiro na História, 1997, p. 297. 26 R.Q., pp. 194 e 198 27 QUADROS, José Reinaldo Rangel de, Aveiro. Origens, brasão e antigas freguesias. Edição póstuma com revisão de Neves, Amaro. Aveiro. Paisagem Editora. 1984. 28 QUADROS, José Reinaldo Rangel de, Aveirenses notáveis. Apontamentos históricos. Edição póstuma com revisão de GASPAR, João. Aveiro. Câmara Municipal de Aveiro. 2000. 17
  • 19. O Convento da Madre de Deus de Sá em Aveiro | Hugo Cálão seculares, as igrejas e edifícios de destaque, e ainda onde produz sínteses da história das instituições da cidade de Aveiro.29 A Memória descritiva de Rangel de Quadros sobre o Mosteiro da Madre de Deus de Sá, encontra-se no quinto volume destes referidos apontamentos, denominado Mosteiros e Conventos de Aveiro, no seu quinto capítulo. Está organizada em quinze subcapítulos30 e acrescida no final de mais dois subcapítulos complementares31, redigidos em data posterior. Rangel de Quadros inicia o texto dedicando este seu trabalho ao Sr. Francisco Manuel Couceiro da Costa por razões bem justificadas. Com efeito, é de salientar que a penúltima abadessa do Convento de Sá foi D. Inocência Ludovina do Céu32, oriunda de Ílhavo e tia do Dr. Francisco Manuel Couceiro da Costa, administrador do Concelho de Ílhavo, tendo falecido com 98 anos de idade, em 11 de Setembro de 188033. Este facto explica, de certa forma, a forte ligação entre o Convento de Sá e Ílhavo, bem como a sua “continuação” em Ílhavo no convento de religiosas franciscanas, com instrução de educandas, fundado junto da Igreja de Nossa Senhora do Pranto34. Não existindo um índice por assunto das dezassete etapas da construção do discurso de Rangel de Quadros, foi imperativo sintetizar essa informação descrevendo-a no quadro seguinte: 29 No decurso do nosso projecto de mestrado, o Município de Aveiro, em 10 de Julho de 2009, publicou um primeiro volume de Aveiro – Apontamentos Históricos de Rangel de Quadros, no âmbito das comemorações dos 250 anos decorridos de elevação de Aveiro a cidade, volume que apenas inclui os três primeiros volumes dos seus escritos não incluindo o quinto volume de que tratamos aqui. 30 R.Q., pp. 156-206. 31 R.Q., pp. 324-331 e 332-336. 32 R.Q., pp. 204-205. 33 GOMES, João Augusto Marques, Memórias de Aveiro, Aveiro, Tip. Comercial, 1875, p. 104. 34 GASPAR, João Gonçalves, A Diocese de Aveiro: Subsídios para a sua História. Aveiro. Edição da Cura Diocesana de Aveiro, 1964, pp. 207-208, sobre isto aponta como fonte, o Arquivo da Cúria Diocesana de Aveiro, Livro de Registo de Ofícios do Dr. Manuel Baptista da Cunha, 1875-1877, liv. 2, f. 40-41v. Sobre o Convento de Ílhavo ver: SOUSA, Fernando de, “Um Instituto religioso na república: as Franciscanas Missionárias de Nossa Senhora (1910-1926), in Revista da Faculdade de Letras: História, 09, 1992, pp. 295-318. Informa-se a p. 300, que em Ílhavo foi fundada a primeira casa em Portugal destas religiosas, funcionando em 1910 como Colégio de Nossa Senhora das Sete Dores, com internato e externato, no qual era prestada educação gratuita às raparigas, especialmente, às filhas dos pescadores e que dispunha ainda um infantário para crianças com menos de três anos de idade. Ver Igualmente Anexo A (1876-04-24). 18
  • 20. O Convento da Madre de Deus de Sá em Aveiro | Hugo Cálão Quadro I – Descrição da estrutura da Memória do Convento de Sá de Rangel de Quadros35 Cap. 5.1 A origem do Convento de Sá – enquadramento histórico. p. 156-157 Cap. 5.2 Instituidores do Convento (D. Maria Ferreira, viúva de Manuel Barreto Sarniche) e a vinda de religiosas terceiras do Convento de Nossa Senhora do Loreto em Almeida para Aveiro (fundação). p. 157-159 Cap. 5.3 Descrição genérica da estrutura edificada do Convento, sua organização e economia. p. 159-161 Cap. 5.4 Descrição da Igreja do Convento, da capela-mor e seu retábulo. p. 161-164 Cap. 5.5 Descrição da Nave da Igreja e dos retábulos colaterais e laterais. p. 164-167 Cap. 5.6 Descrição da Sacristia da Igreja. p. 167-169 Cap. 5.7 Descrição da Casa da Roda. p. 170-174 Cap. 5.8 Descrição da Sala da Rodeira. p. 174-178 Cap. 5.9 Descrição dos Coros: alto e baixo. p. 178-181 Cap. 5.10 Descrição genérica de privilégios, contratos, propriedade e sua gestão (dívidas e negociações). p. 181-185 Cap. 5.11 Descrição de práticas devocionais, actos solenes, mesteres (o ensino, a botica, a doçaria), e factos vividos no Convento. p. 185-189 Cap. 5.12 Descrição do projecto de extinção do Convento. p. 189-191 Cap. 5.13 Descrição da extinção e demolição do Convento e sua adaptação para Quartel Militar. Descrição da dispersão do espólio artístico do Convento de Sá e deslocação da última Abadessa para Fermelã. p. 191-197 Cap. 5.15 Descrição das religiosas que professaram e faleceram no Convento, recolhidas de famílias ilustres. p. 201-206 Cap. 5a Descrição e estudo da genealogia dos instituidores do Convento (Barreto Sarniche), o morgadio, a sua propriedade e outras propriedades do Convento ainda não referidas. p. 324-331 Cap. 5b Descrição aprofundada do processo de endividamento do Convento aos herdeiros das famílias Freire, Themudo e Veras. p. 332-336 Cap. 5.14 p. 197-201 B. Fontes de informação citadas na Memória de Rangel de Quadros Grande lacuna em todos os escritos produzidos por Rangel de Quadros é a de raramente identificar, com precisão, as fontes documentais e orais em que se apoiou. Contudo, de entre os escritos produzidos pela historiografia aveirense de finais do séc. XIX e inícios do séc. XX, que sofrem igualmente deste defeito, Rangel de Quadros supera, em termos visuais nas descrições que faz e regista melhor, o enquadramento 35 AHMA, QUADROS, José Reinaldo Rangel de, Aveiro – Apontamentos Históricos, vol. 5, Cap. 5. 19
  • 21. O Convento da Madre de Deus de Sá em Aveiro | Hugo Cálão histórico do que era o Convento de Sá de Aveiro relativamente a que Marques Gomes36, outro dos aveirógrafos desta época37. Na data da sucinta descrição feita por Marques Gomes, em 1875, ainda residiam religiosas no Convento38, sendo o edificado demolido só em 1885. Daí a nossa opção na escolha de crítica de Rangel de Quadros e não outra. De entre as fontes citadas por Rangel de Quadros para a elaboração desta memória, como já referimos, encontra-se a descrição realizada em 1708 pelo Pe. Carvalho da Costa na sua Corografia39, quando descreve na Comarca de Esgueira, os Conventos que tem a Vila de Aveiro e seus fundadores. Sobre o Convento de Sá, indica o seguinte, que reduziremos ao fragmento, notando o que é referido por Rangel de Quadros e o que este não refere: “O Convento da Madre de Deus, que pelo sítio se apelida de Sá é de religiosas Terceiras da ordem de S. Francisco, o segundo e o melhor dos que no reino40 há daquele hábito. São sujeitas à Província de seus religiosos, dos quais lhe assistem três ao espiritual e temporal.41Fundou-se em o sítio que lhe deu Filipe Serniche42 no ano de 1644, por vinte e quatro religiosas que com as devidas licenças vieram do Convento de Almeida43, retirando-se aos estrondos e perigos da guerra. Hoje são setenta e cinco professas, com grande número de criadas. Tem fermosa Igreja com o melhor retábulo que há na vila.” 44 36 GOMES, João Augusto Marques, Memórias de Aveiro. Aveiro, Tip. Comercial, 1875, p. 103-104. João Augusto Marques Gomes foi o primeiro director do Museu de Aveiro. 37 GASPAR, João Gonçalves, Aveiro na História, ed. Câmara Municipal de Aveiro, 1997, p. 298. 38 GOMES, João Augusto Marques, 1875, p. 104. Refere que em 1875, das 70 religiosas que aqui haviam, só existem apenas duas, que são a Sr.ª D. Inocência Ludovina do Céu e D. Anna Benedicta de S. Miguel. 39 AHMA, QUADROS, José Reinaldo Rangel de, Mosteiro da Madre de Deus...o.c., p. 176 Nestas linhas R.Q. refere a sua consulta da seguinte forma: “A Chorografia do Padre António Carvalho da Costa diz, que este mosteiro havia sido fundado numas casas que para isso dera Filipe Serniche em 1644. O mesmo repete o Padre Luís Cardoso no seu Dicionário Geográfico.” 40 AHMA, QUADROS, José Reinaldo Rangel de, Mosteiro da Madre de Deus... op.c., p. 159, refere “Segundo dizem alguns escritores, o convento de Sá era o segundo na preeminência e o melhor, que da Ordem terceira havia no Reino”. 41 R.Q. não refere esta informação. 42 AHMA, QUADROS, José Reinaldo Rangel de, Mosteiro da Madre de Deus... op.c., p.324. A respeito do vínculo de morgadio instituído em Sá em 1599 por Aníbal Serniche, fidalgo da casa Real, prior da Igreja de Cedofeita na qual instituiu Capela e Colegiada, R.Q, refere ter consultado um Tombo escrito pelo escrivão João Carvalho em 1694 referente a este vínculo, tombo este que não localizámos. 43 R.Q., p. 156. 44 COSTA, António Carvalho da, Corografia portuguesa, e descripçam...op.c., vol. 2., 1708, p. 71. 20
  • 22. O Convento da Madre de Deus de Sá em Aveiro | Hugo Cálão Esta será também a descrição usada na Informação Paroquial de 172145, da freguesia da Vera Cruz de Aveiro, que recolheu o Rev. Pe. Manuel Coelho da Silva por se encontrar o vigário paroquial Frei Manuel Coelho de Oliveira doente de cama, acrescendo que a Igreja, “consta de uma Capela Maior por Invocação a Madre de Deus, erigida, que foi no ano de 1671, como consta de letreiro que tem sobre o frontispício da porta principal”, e que havia “no mesmo Mosteiro uma relíquia de Santa Justina mártir, outra de Santo Victal e outra de Santo Hipólito mártir”46, tendo todas estas três relíquias a sua autenticação de Roma. Como aponta Rocha Madahíl47, o Pe. Carvalho da Costa terá requerido também informações ao pároco local, e, neste caso, ao da Freguesia da Vera Cruz, que, muito embora o Convento se encontrasse inserido no termo do Concelho de Ílhavo, domínio da ilustre casa dos Almadas48, responderia a informações sobre o mesmo. Rangel de Quadros refere, também, o mesmo que havia informado o Pe. Carvalho da Costa em relação à qualidade do retábulo da capela-mor, tendo-o consultado em fontes posteriores. Assim, pelos escritos do Pe. Luís Cardoso49, baseados estes nas memórias paroquiais, R.Q. diz-nos que “todo esse conjunto era dourado e estava em perfeita conservação. António Patrício, no seu Dicionário Geográfico, diz que esse retábulo era o melhor que havia nesta cidade. Este escritor não fez mais do que copiar o que em 1747 havia publicado o Pe. Luís Cardoso, que também disse o mesmo talvez por efeito 45 MADAHÍL, António Gomes da Rocha, “Informações Paroquiais do Distrito de Aveiro de 1721”, in ADA, vol. 2, nº 6. Aveiro, 1936, p. 158. 46 Embora de origem desconhecida, apontamos no Museu Machado de Castro de Coimbra, um busto relicário de Santa Justina Mártir (7584; E541) e no Museu Marítimo de Ílhavo um busto relicário de Santo mártir não identificado. 47 MADAHÍL, António Gomes da Rocha, Ílhavo no século XVIII – As Informações Paroquiais de 1721 e 1758. Figueira da Foz, 1937, p. 6. Na p.43, descrevendo a informação de 1758 da freguesia de Ílhavo, o Pe. João Martins dos Santos, no ponto 10º do questionário elaborado pelo Pe. Luís Cardoso (Se tem conventos, e de que religiosos, ou religiosas e quem são os seus padroeiros?), responde dizendo-nos que: ”Nam tem no termo maiz conventos que o de Sá em que já fallamos, e delle dará mais exacta noticia o Reverendo Parrocho da Freguezia da Vera Cruz de Aveyro aonde fica.” 48 R.Q., p. 157. 49 CARDOSO, Pe. Luís, Dicionário Geográfico de Portugal, Lisboa, Regia Offic. Silviana, 1747, vol. I, p. 679. O Pe. Luís Cardoso refere que o Mosteiro da Madre de Deus de Sá, efectivamente poderia considerar-se da freguesia da Vera Cruz de Aveiro, sobretudo por fundar-se a capela-mor com sacrário no lugar já dentro dos limites da Vila de Aveiro para o qual havia dado a sua quinta Sebastião Pacheco Varela. Ver http://de.bnportudal.ptHG254-3/ 21
  • 23. O Convento da Madre de Deus de Sá em Aveiro | Hugo Cálão de algumas informações que nesta parte foram de certo exageradas. No entanto, não podia negar-se merecimento a todo esse conjunto, bem como aos retábulos laterais que ficavam perto do arco cruzeiro.” 50 Continuando a descrição, o Pe. Carvalho da Costa informa que o Convento “não tem até agora padroeiro, nem consideráveis esmolas, e assim gastando em obras os dotes das noviças, se sustentam tantas freiras só com setecentos mil réis; que não é milagre da Virgem da Madre de Deus sua protectora, a cuja imagem se atribuem outros muitos. Assistem-lhe as religiosas no coro com incessante frequência, e nas festas com suaves músicas.” Prossegue na descrição das virtudes de algumas professas e termina a descrição passando ao Convento de Carmelitas descalças. A Informação Paroquial de 30 de Abril de 175851, à qual respondeu o Prior da Matriz de São Miguel de Aveiro, não acresce nesta informação. Refere, igualmente, que o Convento à data não tinha padroado. Rangel de Quadros indica também ter usado como fonte informativa os livros do arquivo do Convento de Sá, dizendo que no ano de 1770, “... foi feito o Arquivo do Convento pelo Padre Pregador Frei Francisco de Nossa Senhora das Mercês e Silva sendo Abadessa D. Josefa da Estrela Rosa de Vasconcelos. O mesmo religioso que era Procurador do convento escreveu nesse ano e por indicação daquela Abadessa uma pequena memória intitulada “Arquivo compendioso, ou colecção prompta de Noticias, do quanto tem ao presente este Convento da Madre de Deus de Sá, extraídas pela maior parte do seu cartório, tudo ordenado em forma de Tombo com clareza e individualização possível.52 Essa memória e até certo ponto, muito me auxiliou para a que estou estes escrevendo a respeito d’esta casa religiosa. O autor não dá como facto positivo, que as freiras, do Convento de Almeida, tivessem vindo para Aveiro a convite de D. Brites de Lara. Aponta-o, apenas como tradicional. É porém, muito de supor que elas se houvessem hospedado no Palácio da mesma senhora, pois não consta que outra pessoa aqui lhes desse hospedagem.” 53 50 R.Q., p. 163. 51 ANTT, Memórias Paroquiais, vol.5, nº 44, p. 805. 52 AUC, III / 1D / 14 / 2 / 29, Arquivo Compendioso ou Colecção de Noticias, do Convento da Madre de Deus de Sá de Aveiro, 1770. (Ver folha de rosto in, Anexo B, doc. 4) 53 R.Q., pp. 158-159. 22
  • 24. O Convento da Madre de Deus de Sá em Aveiro | Hugo Cálão C. Fontes que citaram a Memória de Rangel de Quadros como validação informativa. São variados os autores que tendo que falar sobre o Convento de Sá, assim como de outras casas conventuais, se debruçaram nos escritos de Rangel de Quadros. Entre estes distinguimos pela relevância na sua extensa e profícua investigação, no que respeita a localização e citação de fontes documentais sobre a religiosidade aveirense, a publicação de 1964 de Monsenhor João Gonçalves Gaspar, A Diocese de Aveiro – Subsídios para a sua História, síntese histórica na longa duração no activo deste prelado aveirense. João Gaspar informa sobre o Convento de Sá54, citando como fonte a Memória de Rangel de Quadros e a descrição de Marques Gomes55, referindo que as religiosas “...chegaram a 22 de Junho de 1644, prevenidas das necessárias licenças. Hospedaram-se no palácio de D. Brites de Lara Meneses, onde estiveram, enquanto não construíram o novo Convento em terreno que lhes fora doado por D. Maria Ferreira, viúva de Manuel Barreto Sarniche, fidalgo da casa real” e que “entraram solenemente no mosteiro a 2 de Agosto do mesmo ano”. Por lapso, provavelmente confundindo-o com o Convento de religiosos Carmelitas de Aveiro, refere que “...D. Brites, em testamento de 25 de Agosto de 1646, legava-lhes tudo o que possuía.” Confrontando-se com a descrição de R.Q, este informa que “...no mesmo dia e em companhia das mesmas religiosas entrou para este convento D. Maria Ferreira e aí acabou os seus dias deixando-lhe todos os seus bens como consta do seu testamento aprovado em 25 de Agosto de 1646 por Manuel Soeiro, tabelião de Notas, da Vila de Ílhavo.” 56 Recorre também a Rangel de Quadros para informar sobre o processo de extinção do Convento57, quando pela reforma militar de 1884, foi destinado instalar no Convento o Corpo de Cavalaria nº10 destacado para Aveiro, e que para isso se demoliu toda a estrutura edificada do Convento de Sá. Cita também a este respeito o Conselheiro Cunha e Sousa, que nos diz ter sido “...um erro edificar o quartel de Sá sobre as ruínas do Convento, que prometia duração para 54 GASPAR, João, 1964, p. 145. 55 GOMES, J. Marques, 1875, p. 104. 56 R.Q., p. 157. 57 GASPAR, João, 1964, pp. 245-246. 23
  • 25. O Convento da Madre de Deus de Sá em Aveiro | Hugo Cálão séculos; com a simples reparação dos estragos nele produzidos por um incêndio em 1882, ficava um edifício muito aproveitável para qualquer fim de pública utilidade”58. Num esforço de recensear as informações usadas na memória de Rangel de Quadros usando a fonte primária, localizando-a igualmente tal como este autor no fundo documental que sobreviveu do Convento de Sá, existente na actualidade no Arquivo da Universidade de Coimbra59, surge-nos o exemplo único de Inês Amorim, 200660, que, no seu estudo sobre crédito e endividamento de duas instituições em Aveiro, a Misericórdia e o Convento de Carmelitas descalças de São João Evangelista, nos refere que as freiras deste Convento teriam vindo do Convento de Nossa Senhora do Loretto de Almeida, fugidas à guerra, e acolhidas na habitação de D. Brites mas acabando por aceitar a doação que lhes fizera uma outra viúva, Maria Ferreira, viúva de Manuel Barreto Sarniche, fidalgo da Casa Real. D. Ao que responde a Memória de Rangel de Quadros e o que fica por responder Centrando agora a atenção sobre o percurso de investigação a que nos propusemos, e que visa o reagrupamento e identificação do espólio patrimonial artístico que resta hoje do Convento de Sá (o móvel, visto o imóvel ter sido demolido em 1889), a parte mais importante em informações a este respeito na memória de Rangel de Quadros encontrase na descrição da Igreja e sacristia do Convento, correspondente aos capítulos 5.4, 5.5 e 5.6, na descrição do coro alto e coro baixo, no capítulo 5.9 e no capítulo dedicado à descrição da dispersão do espólio artístico do Convento e a deslocação da última Abadessa para Fermelã, no capítulo 5.14. Rangel de Quadros prima por localizar grande parte do espólio artístico na sua função cultual de origem, embora não refira a proveniência ou meio de aquisição dos mesmos, autoria ou contratação de empreitadas. Curiosamente, descreve, quando fala da sacristia da Igreja que “... entre os objectos de maior valor material e artístico podiam notar-se 58 NEVES, Francisco Ferreira, “Memória de Aveiro do Conselheiro José Ferreira Cunha e Sousa”, in ADA, vol. 6, Aveiro, 1940, p. 270. 59 AUC, III/1D/14/2/29, Arquivo Compendioso ou Colecção de Noticias, do Convento da Madre de Deus de Sá de Aveiro, 1770, f. 5. 60 AMORIM, Inês, Património e crédito: Misericórdia e Carmelitas de Aveiro (séculos XVII e XVIII), 2006, p. 703. 24
  • 26. O Convento da Madre de Deus de Sá em Aveiro | Hugo Cálão uma boa custódia, alta, elegante, de prata dourada e com bonitas pedras de variadas cores e colocadas com muito bom gosto [...] e uma caixa das hóstias, a que se chama cancela. No tampo e formando círculo tem este letreiro: SOV DO CONVENTO DA MADRE DE DEOS DE SÁ 1703.” 61 Esta sua forma cuidada de descrever com pormenor as características destes objectos permite-nos hoje, sem dúvida, identificá-los. Diz-nos também que “... as imagens, alfaias e outros objectos tiveram diversos destinos. Á Junta de Paróquia da Freguesia da Vera Cruz foram entregues os seguintes objectos: as imagens da Senhora da Conceição, Senhora da Boa-Morte, Senhor Morto, [...] e que tudo se conserva e já tem servido no templo, que actualmente (1905) serve de paroquial da Vera Cruz; o retábulo do altar-mor que se destina para a projectada Igreja do mesmo nome. [...] A custódia foi entregue á Confraria do Senhor Jesus do Bendito, erecta na mesma freguesia, e a imagem do Senhor dos Passos foi dada para a freguesia de Lamas do Vouga, no Concelho de Águeda, para onde foi conduzida com bem pouco respeito. A imagem de São Francisco, que estava sobre a portaria da entrada do edifício foi colocada sobre a porta principal do templo que pertence à Ordem Terceira da mesma evocação. Outros objectos tiveram diversos destinos e não poucos desapareceram como quase sempre acontece quando é extinta qualquer associação desta natureza.” 62 Responde, desta forma, ao nosso propósito e aponta alguns dos destinos do espólio do Convento após a sua extinção. Não responde, porém, como se processou essa entrega, ou quais as circunstâncias que a determinaram, o que adiante se explicará, consultando a documentação existente no Arquivo da Junta de Paróquia da Vera Cruz de Aveiro (APVCA) e o referido processo de desamortização do Convento, existente em documentação no Arquivo Histórico do Ministério das Finanças (ANTT-AHMF), fontes a que Rangel de Quadros não terá tido acesso. Seguindo também uma das pistas apontadas por Rangel de Quadros, quando refere que “no dia 27 de Março desse ano de 1885 e em carros puxados por bois, saiu de Aveiro (deixando o Convento) a Abadessa, em companhia das duas recolhidas, que assinaram a despedida de que dei cópia e com algumas das antigas educandas e três criadas da extinta comunidade. Recolhidas em Fermelã, na sua nova habitação, 61 R.Q., pp. 168-169. 62 R.Q., pp. 197-198. 25
  • 27. O Convento da Madre de Deus de Sá em Aveiro | Hugo Cálão acomodaram a Capela uma das salas do edifício”, suspeitámos que de entre os objectos artísticos, que Rangel de Quadros refere como tendo diversos destinos, alguns teriam sido levados para Fermelã pelas referidas religiosas. Pesquisando a documentação do Arquivo da Junta de Paróquia de São Miguel de Fermelã (APSMF), assim o constatámos e adiante descreveremos. Sendo lacunar, ao não descrever detalhadamente a totalidade dos objectos do grande espólio conventual, o que também não seria a sua intenção, e, ainda, visto ter escrito esta memória passadas duas décadas dos acontecimentos, Rangel de Quadros não explica como, na Paróquia de São Salvador de Ílhavo, aparecem algumas peças do referido espólio do Convento, nem tão pouco faz menção dos inventários realizados ao espólio, o último, curiosamente, efectuado no mesmo dia de retirada da Abadessa. Contudo, a exposição que Rangel de Quadros faz dos destinos dos objectos do demolido Convento é inigualável em termos informativos a outra qualquer fonte, pelo que se apresentou como a melhor hipótese de resposta e ponto de partida da nossa investigação. Comparando a descrição do Mosteiro da Madre de Deus de Sá com outros seus apontamentos sobre as Casas Conventuais de Aveiro, verificámos que Rangel de Quadros descreve com muito menos exactidão os oratórios, a imaginária e a pintura, neste convento, do que nos Conventos de Jesus e de São João Evangelista, conventos que perduravam ao tempo da produção dos seus diversos artigos publicados, entre 1899 e 1907, nos jornais periódicos Campeão das Províncias e O Distrito. Concluímos que, provavelmente, Rangel de Quadros não terá visitado as capelas existentes no claustro do convento de Sá, visto não lhes fazer menção, e apenas mencionar os oratórios dos espaços comuns da comunidade segundo as suas principais invocações (Nossa Senhora do Carmo, São Sebastião, São Francisco, São José, São João Baptista e São Domingos), descrevendo-os no andar nobre como “diversos altares, todos simples, mas decentes e muito bem tratados.”63. O próprio Rangel de Quadros refere não poder alongar-se em algumas matérias respeitantes ao convento de Sá de Aveiro por não lhe ter sido permitido consultar documentação, que sabia existir nas repartições públicas.64 63 R.Q., p. 206. 64 R.Q., p. 206. 26
  • 28. O Convento da Madre de Deus de Sá em Aveiro | Hugo Cálão 2.2.2. A Igreja do Convento de Sá e os contratos da talha da capela-mor Fig. 2 - Vista hipotética do edificado do Convento da Madre de Deus de Sá, tendo como imagem base, postal ilustrado do quartel de cavalaria construído em 1889 na mesma localização. (croqui do autor) Como dito foi anteriormente, a Igreja do convento iniciou a sua construção em data anterior a 1671, tendo as religiosas alcançado um subsídio de 4$000 reis, em Outubro de 1667, para o iniciar das obras.65 Em petição datada de 20 Junho de 1679, as religiosas do Convento de Sá pedem ao Rei a sua intercessão para finalizarem a construção da Igreja:66 “Diz a Madre Abadessa e mais religiosas do Mosteiro da Madre de Deus de Sá extramuros da Vila de Aveiro, comarca de Esgueira de religiosas da 3ª Ordem do seráfico São Francisco que elas por ordem Vossa Alteza vieram da Vila de Almeida no tempo e principio das Guerras de Castela em razão da hostilidade dos inimigos recolher-se à dita Vila onde não acharam padroeiro nem Convento e Igreja e se recolheram em suas casas em que fizeram clausura e a foram acrescentando a custas dos dotes das entrantes sem que lhe fica-se coisa de 65 ANTT, RGM/21/364513, Registo Geral de Mercês, Ordens, liv.6, f.437. Nesta data é concedido por alvará um subsídio de 4$000 rs para se fabricar a Igreja do Convento da Madre de Deus de Sá. 66 AUC, III / 1D / 14 / 2, Convento da Madre de Deus de Sá, cx.7. (Cartas de arrematação e sentença) 27
  • 29. O Convento da Madre de Deus de Sá em Aveiro | Hugo Cálão consideração para empregarem em rendas para seu sustento, razão porque passam muitas necessidades e não tem conseguido acabar as ditas obras nem a Igreja que principiaram e tem ainda por forrar e porque V. Alteza em semelhantes casos costuma com piedade acudir à pobreza dos religiosos, mandando-lhe dar esmola pelos depósitos de bens de raiz dos Concelhos das Comarcas onde eles assistem como fez aos de Santo António da mesma Vila para as suas obras pelo Concelho de Estarreja que dista duas léguas de Aveiro, no qual ainda ficaram mais de seis mil cruzados de depósito Pede a V. Alteza lhe conceda provisão para que do dito depósito se lhe de uma esmola conveniente para acabarem a dita Igreja e mais obras.” A 22 de Julho de 1679, El-rei D. Pedro II, na altura ainda príncipe regente do Reino, em resposta a esta petição pede ao Provedor da Comarca de Esgueira informações para melhor esclarecimento do conteúdo e qual seria o seu parecer nesta matéria, ao qual informou em 2 de Agosto:67 “Informando-me sobre a petição junta da Madre Abadessa do Mosteiro da Madre de Deus desta Vila de Aveiro, achei que estas religiosas se mudaram da Vila de Almeida em o ano de 1644 para esta Vila, por ordem de V. Alteza, por causa das necessidades que padeciam no tempo das guerras, como se vê da cópia junta; e que a custa dos dotes das religiosas principiaram algumas obras que tem ainda por acabar; da igreja que fizeram a têm por forrar ainda, por não poderem mais; e ainda a dita obra custará coisa de 200$000 reis; não sou de parecer que V. Alteza os mande dar sem primeiro serem ouvidos os oficiais da Comarca e povo da Vila de Estarreja, como foram quando V. Alteza foi servido mandar dar aos religiosos de Santo António desta Vila de Aveiro, 150$000 reis do mesmo depósito [...]”. Assim sendo foi pedido o parecer ao povo e Câmara de Estarreja que anuiu ao pedido de esmola da seguinte forma: 67 AUC, III / 1D / 14 / 2, Convento da Madre de Deus de Sá, cx.7. (Cartas de arrematação e sentença). O sublinhado é nosso. 28
  • 30. O Convento da Madre de Deus de Sá em Aveiro | Hugo Cálão “Aos doze dias de Janeiro de mil seiscentos e oitenta e dois anos nesta Vila de Estarreja e paço do concelho dela, Inácio Tavares, Vereador mais velho e Juiz pelas ordenações neste dito Concelho do presente ano, por Sua Alteza que Deus guarde; e bem assim o licenciado Mateus Afonso e outro assim vereador neste dito Concelho no presente ano e Manuel Mateus procurador neste Concelho com alguns dos homens da governação e povo ali sendo apresentada a petição e procuração junta foi proposto perante todos a petição das ditas Madres para dizerem o que lhes parecia sobre a esmola que as suplicantes pediam a este Concelho; logo ali se respondeu uniformemente que sua Alteza que Deus guarde tem concedido provisões a esta Câmara para se fazerem as obras da ponte e calçada de Antuã deste Concelho para cujo efeito se pretende que sua Alteza que deus guarde mande aplicar os depósitos e sobejos que há neste Concelho por serem os moradores pobres e a obra de custo e necessidade, por ser na estrada pública e real sobre o que já houveram alguns mestres e apontamentos clausus; resta como última informação para sua Alteza deferir como esperam e outra provisão para se fazer a casa do carcereiro deste Concelho para guarda dos presos e findas esta obras, pelos depósitos se houverem sobejos, então conforme a eles se fará a esmola; e este foi voto uniforme que todos deram, de que fiz este termo que eles oficiais assinaram como homens de governação e povo que presentes estavam; eu Manuel Fernandes da Maya, escrivão da Câmara o escrevi.” A Igreja, descreve-nos Rangel de Quadros, não tinha particularidade arquitectónica relevante, tendo rasgadas duas janelas com quarenta e oito vidros, cada uma no seu corpo principal, às quais faziam simetria, na parede do lado norte, duas janelas fingidas. As paredes interiores estavam revestidas a azulejos, decorados por florões uniformes, e cada um deles limitado por quatro semicírculos voltados Fig. 3 - Padrão de azulejos (M.A. 158a/E) para o exterior.68 (ver figura 3) O arco cruzeiro era de pedra lisa, lavrada em almofada na grossura e frente, rematado por pedra de fecho rectangular, onde se viam os emblemas 68 R.Q., 162. 29
  • 31. O Convento da Madre de Deus de Sá em Aveiro | Hugo Cálão da Ordem franciscana. (ver figura 4) A capela-mor não era de grande dimensão, e a escadaria do supedâneo estava um pouco afastada do arco-cruzeiro, tendo rasgada uma alta janela de cinquenta grandes vidros. O retábulo-mor era dourado, formado por três arcos sobrepostos e cobertos de folhagens, aves debicando uvas e anjos dispostos em simetria, com sacrário embutido na parte inferior, com a imagem de Nossa Senhora da Conceição um pouco acima, dentro de nicho ladeado de colunas de estilo dórico. O trono, elevando-se por detrás do sacrário, tinha degraus entalhados de variado feitio. Abaixo do último degrau estavam as imagens de São Francisco de Assis, do Fig. 4 – Brasão da Ordem lado do Evangelho, e a de São Domingos, do lado da Franciscana (M.A. 105/M) Epístola. Por entre as duas grandes colunas espiraladas, de cada um dos lados, assentavam em apoios mísulados as imagens de São Pedro, do lado do evangelho, e de São Paulo, do lado da epístola. Embora não tenhamos referência ao contrato do trabalho de entalhamento, Pinho Brandão69 localiza a escritura de contrato e obrigação, onde Pedro Monteiro Ferreira, pintor, dourador, da cidade do Porto, se compromete, em 1688, ao douramento e pintura do retábulo, sacrário e tribuna da Capela-mor da Igreja do Convento da Madre de Deus de Sá, desta forma: 70 “Escritura de contrato e obrigação que fazem António Marques da Fonseca morador nesta Vila com Pedro Monteiro Ferreira pintor morador na cidade do Porto; Saibam quantos este público instrumento de contrato e obrigações de uns apontamentos que se fazem sobre a forma e maneira de como se há-de dourar e estofar o retábulo e sacrário e tribuna da Capela-mor das Religiosas do Convento de Sá da Madre de Deus extra-muros desta Vila de Aveiro virem que no ano de nascimento de nosso Senhor Jesus Cristo de mil seiscentos e oitenta e oito anos aos dezasseis dias do mês de Agosto do dito ano nesta nobre e notável Vila de Aveiro e nas casas das moradas de António Marques da Fonseca morador nesta 69 BRANDÃO, D. Domingos de Pinho, Diocese do Porto – Subsídios para o seu estudo I; Obra de talha dourada, ensamblagem e pintura, pp. 655-659 e 691-693. 70 ADAVR, NOT/CNAVR2, Escritura de contrato e obrigação que fazem António Marques da Fonseca morador nesta Vila com Pedro Monteiro Ferreira pintor morador na cidade do Porto Livro de Notariado de Manuel Matos Girão, liv.22, pp. 38-39 v. 30
  • 32. O Convento da Madre de Deus de Sá em Aveiro | Hugo Cálão Vila de Aveiro aonde eu tabelião fui e ele aí também presente de uma parte e da outra o Pedro Monteiro Ferreira pintor morador na Cidade do Porto pessoas conhecidas de mim tabelião que dou fé serem os mesmos aqui nomeados e logo pelo dito Pedro Monteiro Ferreira foi dito perante mim tabelião e das testemunhas ao diante nomeadas e no fim desta assinadas que ele estava contratado e consertado com António Marques da Fonseca e se obrigava como com efeito logo se obrigou por este público a dourar e estofar o retábulo e sacrário e tribuna da Capela-mor das Religiosas do Mosteiro de Sá extra-muros desta Vila de Aveiro na forma de uns apontamentos e declarações que aí me apresentou o dito António Marques da Fonseca assinados pelo dito Pedro Monteiro Ferreira os quais li em presença dos sobreditos e das testemunhas e continham o seguinte – apontamentos da forma que se há-de dourar e estofar o retábulo e sacrário e tribuna da Capela-mor das Religiosas do Mosteiro de Sá desta Vila de Aveiro – primeiramente será esta obra dourada de ouro subido será o banco desta obra todo dourado do dito ouro subido e brunido tudo o que se vir e serão estofadas as dianteiras dos pedestais, os meios relevos, os quais se farão no estofo de brocado e de china aonde pedirem as roupas dos Fig. 5 – Sacrário do retábulo-mor (M.A. 8/M) santos e nas ourelas das roupas se meterão algumas pedras com betume e os campos destes quatro painéis serão estofados e nas arquitecturas se farão seus ripes com todo primor da arte que puder ser e nas ilhargas destes pedestais será só estofado pássaros frutos e asas dos serafins; as colunas desta obra serão todas douradas o que se vir do dito ouro brunido e subido e lho se estofarão os pássaros que nelas estão, e os frisos que ficam por cima destas colunas serão todos dourados e só se lhe verá de estofo alguns serafins que neles estão; a serena desta obra será toda dourada o que se vir do dito ouro brunido e levará só de estofo as 31
  • 33. O Convento da Madre de Deus de Sá em Aveiro | Hugo Cálão asas dos serafins e se lhes meterá alguns rubins aonde melhor couberem, como também levaram em toda a mais obra aonde ela o pedir; o sacrário será todo dourado do dito ouro brunido e subido e as imagens que estão nele serão estofadas de brocado com suas pedras pelas ourelas e a Senhora será estofada da mesma forma e os cabelos serão dourados e por cima se lhe dará uma cor e os pássaros e frutos que vão neste sacrário serão estofados como também a peanha que fica no cimo e o Cristo será estofada a capa dele e por detrás da Senhora será dourado e estofado de brocado tudo o que se vir e o painel que fica por detrás do sacrário será estofado o que se vir de brocado e aonde ficam os santos São Francisco e São Domingos os quais santos serão estofados com suas alcachofras levantadas de pique; o sacrário será dentro Fig. 6- São João Evangelista / painel do retábulo-mor (M.A. 95/M) dourado tudo de ouro brunido e subido e a porta do sacrário será a imagem como acima se declara e será dourada pela banda de dentro; os degraus da tribuna serão todos dourados de ouro brunido e os serafins estofados e a peanha será toda dourada e os anjos encarnados e as asas estofadas e o resplendor será todo dourado de ouro brunido e os serafins que ficam no meio dele; os pedestais de pedra que ficam debaixo do retábulo será dourados os florões que tem no meio de ouro mate e também se dourará os ornatos que leva a sua vaza e este ouro será profilado de preto ou do melhor que puder ser; abaixo destes apontamentos fez o dito Pedro Monteiro Ferreira a uma declaração por sua letra do teor seguinte; Na forma destes apontamentos acima e atrás inclusos concedo se faça se faça escritura que assinarei declarando-se nela que me há-de dar tanto do meu trabalho e tintas e aparelhos como a obra levar de ouro pagando-me o milheiro dela a 7$000 reis e assim que quantos milheiros de ouro levar tantos 7$000 se me há-de dar e demais se me hão-de dar as pedrarias ou pagar o custo delas as que levarem as imagens da obra e ao fazer ou estofar delas declararão as que hão-de levar pedras e no mais não duvido e por assim ser assino Pedro Monteiro 32
  • 34. O Convento da Madre de Deus de Sá em Aveiro | Hugo Cálão Ferreira; declaro que a imagem de Nossa Senhora que está no meio do sacrário que as pedras que ela levar serão por minha conta e custo delas e eu Pedro Monteiro Ferreira torneia a assinar... ” Por estes apontamentos se reconstitui o retábulo da capela-mor. A descrição de Rangel de Quadros completa-nos estas informações referindo que a mesa de altar era rectangular e estava um pouco separada, muito semelhante ao retábulo da Igreja do Convento de Santo António de Aveiro71. Refere também que o tecto da capela-mor era entabuleirado e dividido em três secções angulares com caixotões pintados de branco separados por frisos dourados e pintados de azul com remates de união de pinhas floreadas e douradas. Passado um ano da pintura do retábulo, em 1689, Tomé Coelho Ferreira, pintor, dourador, do Porto, compromete-se ao douramento e pintura do tecto da Capela-mor da Igreja do Convento da Madre de Deus de Sá, extra-muros, de Aveiro72: “Escritura de contrato e obrigação de bens que fazem a Madre Abb.ª e mais religiosas do Convento da Madre de Deus de Sá extra-muros desta Vila ao Pintor Tomé Coelho Ferreira da Cidade do Porto; Saibam quantos este público instrumento de contrato e obrigação de bens virem que no ano de nosso Senhor Jesus Cristo de mil seiscentos e oitenta e nove anos aos catorze dias do mês de Novembro do dito ano nesta nobre e notável Vila de Aveiro e nas casas das moradas de mim tabelião aí apareceram presentes de uma parte o reverendo Padre Frei Manuel Baptista Religioso da Ordem de São Francisco e procurador da Madre abadessa e mais Religiosas do mosteiro de Sá da Madre de Deus extramuros desta Vila e da outra Tomé Coelho Ferreira pintor morador na cidade do Porto pessoas reconhecidas de mim tabelião que dou fé serem os mesmos aqui 71 Crê-mos que R.Q. se referia ao retábulo principal da Igreja da Ordem Terceira de São Francisco de Aveiro, retábulo com centro em alto-relevo de São Francisco estigmado, de tipologia idêntica ao retábulomor de Sá. A Igreja do Convento de Santo António de Aveiro está geminada com a Igreja da Ordem Terceira de São Francisco desde 1879. V. AHMA, QUADROS, José Reinaldo Rangel de, O Convento de Santo António, in Aveiro - Apontamentos Históricos, vol. 5, p. 74. 72 ADAVR, NOT/CNAVR2, Escritura de contrato e obrigação de bens que fazem a Madre Abb.ª e mais religiosas do Convento da Madre de Deus de Sá extra-muros desta Vila ao Pintor Thomé Coelho Ferreira da Cidade do Porto, Livro de Notariado de Manuel Matos Girão, liv. 22, pp. 137-139. Ver BRANDÃO, D. Domingos de Pinho – Diocese do Porto – Subsídios para o seu estudo...o.c., pp. 691-693. 33
  • 35. O Convento da Madre de Deus de Sá em Aveiro | Hugo Cálão nomeados. E logo pelo dito Reverendo Padre Frei Manuel Baptista em seu nome e como procurador da Madre Abadessa e mais Religiosas discretas do dito convento em nome de todas na forma de sua procuração bastante que para isso tinha e poder lhe davam disse perante mim tabelião e testemunhas ao diante nomeadas que ele como procurador do dito convento pelos poderes que lhe tinham concedido estava contratado e consertado com Tomé Coelho Ferreira pintor morador na cidade do Porto para haver de dourar e pintar o tecto da Capela-mor da Igreja do dito Convento de Sá das religiosas da Madre de Deus na forma dos apontamentos seguintes – primeiramente que serão os rompões do tecto dourados e os florões que ficam no meio dos painéis serão também dourados e uma tábua que fica por cima da serelha do retábulo seria também dourada a qual taparia um vão que fica entre o forro e a serelha e os lisos que ficam entre os rompantes e florões serão pintados de como a obra pedir e contrafeito nos ditos lisos umas sedas ou florões o arco será contrafeito de jaspe a óleo de boas cores e da fronteira do dito arco a que fica defronte do coro que tem duas faixinhas de quase dois dedos as quais hão-de ser douradas e toda esta obra em preço de cento e cinquenta mil réis secos e somente lhe promete dar em nome do dito convento a Abadessa e Religiosas dele enquanto assistir na dita obra casa em que o dito Tomé Coelho Ferreira assista e cama enquanto a dita obra se não acabar e se lhe dará mais os andaimes por conta do dito Convento para ela e sendo começada a dita obra logo se darão ao dito Tomé Coelho Ferreira sessenta mil réis em dinheiro de contado para ajuda de seus ingredientes e os noventa mil réis se lhe irão dando pelo discurso de três anos e não lhos dando no dito tempo lhe pagarão as Religiosas do dito Convento os juros deles à razão de seis e quatro por cento em cada um ano porém passado o dito termo se o dito Tomé Ferreira pedir o dito dinheiro lhe será entregue com declaração que ele dito Tomé Coelho Ferreira começará na dita obra pela Páscoa de flores que embora vem de seiscentos e noventa a qual dará acabada dentro em cinco ou seis meses seguintes o mais tardar e faltando o dito Tomé Coelho Ferreira a esta obrigação por algum impedimento ou doença poderá ele dito procurador e Religiosas meter na dita obra pessoa que a possa acabar a qual se pagará por conta do dito Tomé Coelho Ferreira aquilo que directamente merecer o que será descontado no dito compito de cento e cinquenta mil réis que é o preço que nesta escritura se promete e pelo dito Tomé Coelho Ferreira foi dito que ele aceitava o dito contrato e se obrigava 34
  • 36. O Convento da Madre de Deus de Sá em Aveiro | Hugo Cálão a cumpri-lo tudo na forma atrás declarada com todas as sua cláusulas apontamentos condições e declarações e a tudo obrigava sua pessoa e bens móveis de raiz havidos e por haver e pelo dito Reverendo Padre procurador foi dito que ele se obrigava em nome do dito Convento a tudo cumprir e guardar obrigando mais as rendas e juros do dito Convento ao pagamento desta escritura e se desaforavam do Juiz de seu foro a que o dito procurador nomeado dito Convento como o dito Tomé Coelho Ferreira e se obrigavam a responder perante o Juiz de Fora desta Vila de Aveiro…” Fig. 7 – Reconstituição hipotética do retábulo-mor do Convento da Madre de Deus de Sá. (fontes: M.A. 8/M; 28/M; 30/M; 31/M; 32/M; 29a/M; 30a/M; 31a/M; 32a/M; 92/M; 93/M; 94/M; 95/M; 3/B; 4/B; 142/B; croqui do autor) 35
  • 37. O Convento da Madre de Deus de Sá em Aveiro | Hugo Cálão 2.2.3. Os inventários artísticos de 1856/1859 e de 1883/1885 Desde a sua fundação, em 1644, e até se iniciar a construção da Igreja, em 1671, as religiosas franciscanas, instaladas em Aveiro, haveriam já algum espólio artístico de raiz ou alguns objectos destinados ao culto, muito provavelmente trazidos do seu Convento de Nossa Senhora do Loreto de Almeida73 para Aveiro. De facto, por carta anterior à vinda das religiosas para Aveiro, El-Rei D. João IV em 30 de Maio de 164474, escreve a Frei Manuel Botelho, Provincial da Ordem, concedendo-lhe licença para que estas se pudessem mudar do Convento de Nossa Senhora do Loreto de Almeida para o Mosteiro novo de Aveiro, ficando porém, as ditas religiosas obrigadas a satisfazer os encargos do Mosteiro velho, e dispondo a casa de Almeida para hospital dos soldados por continuação da guerra nesta Praça de Armas. Informa igualmente que, para esta mudança, deveria pedir ajuda e assistência a D. Álvaro Abranches da Câmara, governador das Armas da Província da Beira e ao corregedor da Comarca de Pinhel, possivelmente no auxílio do transporte do espólio que trariam do velho convento. Apenas temos menção que nesta viagem “...para sua consolação e sua guia trouxeram consigo de Almeida, uma perfeita imagem de Nossa Senhora de vestir...”.75 Referente a este espólio primitivo do convento, em documento de 24 de Setembro de 1649, localizámos uma listagem de objectos em prata pertencentes às religiosas de Sá, itens que haviam sido entregues na altura, com objectivo de custear as demandas que os oficiais da Confraria de Santa Maria de Sá tinham contra o legatário do morgadio de Sá, Filipe Barreto Serniche. Este morgadio incluía várias propriedades, entre elas as que viriam a servir para construção do edificado da Igreja e outras que ajudariam a sustentação económica das religiosas. Por este motivo não seria favorável para o Convento de Sá perder esta demanda, tendo a seu favor o legado e disposições 73 SOUSA, Bernardo Vasconcelos e, PINA, Isabel Castro, ANDRADE, Maria Filomena, SANTOS, Maria Leonor Silva, Ordens Religiosas em Portugal: das Origens a Trento. Guia Histórico. Ed. Livros Horizonte, Lisboa, 2005, p.361. Desconhece-se a data de fundação do Convento de Nossa Senhora do Loreto de Almeida (distrito da Guarda, concelho de Almeida), embora se saiba que já existia em 1556 e que foi fundado pela comunidade do Convento de Nossa Senhora do Souto da Nave (distrito da Guarda, concelho do Sabugal, freguesia da Nave), já existente em 1477. 74 AUC, III / 1D / 14 / 2, Convento da Madre de Deus de Sá, cx.7. (Cartas de arrematação e sentença) 75 AUC, III/1D/14/2/29, Arquivo Compendioso ou Colecção... op.c., 1770, fl.5v. 36
  • 38. O Convento da Madre de Deus de Sá em Aveiro | Hugo Cálão testamentárias que, em 1646, D. Maria Ferreira, havia acordado, após a sua entrada no Convento em 1644, não permitindo que fosse construído um hospital novo para a Confraria de Santa Maria de Sá, como pretendido por seu marido Manuel Barreto Serniche, e legando ao Convento de Sá tudo o que possuía para sua edificação. Diz este documento o seguinte: “Saibam quantos este instrumento de contrato de obrigação deste dia para todo o sempre virem em como no ano de nascimento de nosso Senhor Jesus Cristo de mil seiscentos e quarenta e nove anos em os vinte e cinco dias do mês de Agosto do dito ano em este lugar de Sá termo da Vila de Ílhavo e no mosteiro da Madre de Deus no palratório, lugar acostumado para se fazerem semelhantes actos e campa tangida onde estavam presentes a Abadessa Brites de São Paulo e Maria da Graça discreta e Maria de Almeida discreta e Maria de Noronha discreta e Ana da Trindade discreta ali por elas todas juntas em nome das mais religiosas do dito Convento foi dito perante mim tabelião e das testemunhas ao diante nomeadas que elas estavam contratadas com o Juiz e escrivão da Confraria de Santa Maria de Sá, Manuel André de Figueiredo76 e Tomé Dias e mais confrades da dita Confraria, como mais largamente consta de uma escritura feita a notas do tabelião, que esta fez e logo por elas foi dito que a sentença contra Filipe Barreto na causa do morgado cujo direito eles ditos oficiais renunciaram a elas religiosas e elas se obrigavam pelos gastos que eles tem feito de sua fazenda nas ditas demandas que importam mais de quatrocentos mil reis lhes darão dois lugares para duas freiras no dito Convento dando-lhe mais duzentos e cinquenta mil reis somente que vem a ser por cada uma cento e vinte e cinco as quais elas religiosas se obrigam a tomar e a lançar o hábito da dita religião, tendo as partes e requisitos que se requerem, as quais eles ditos Tomé Dias e Manuel André nomearão e para as haverem de tomar e aceitar e não o cumprindo assim se obrigam a pagar os ditos quatrocentos mil réis dos rendimentos do dito morgado; e assim se obrigam elas religiosas a defenderem todas as causas e demandas que eles ditos oficiais trazem com o dito Filipe Barreto e todas suas dependências e os 76 AHMA, QUADROS, José Reinaldo Rangel de, Aveiro – Apontamentos Históricos, vol. 4, p. 42. O capitão Manuel André de Figueiredo, que quem adiante se fará menção, foi em 1665 vereador da Câmara de Aveiro. 37
  • 39. O Convento da Madre de Deus de Sá em Aveiro | Hugo Cálão tirarão a paz e a salvo para o que lhe dão por fiador Sebastião Pacheco Varela morador em Aveiro que sendo presente disse que se obrigava a pagar todas as custas em que forem condenados os ditos oficiais com as perdas e danos, e elas religiosas se obrigaram a defender e aos ditos oficiais de todas as demandas e dependências tocantes ao dito morgado, à sua custa e despesa delas; e sendo caso que façam elas religiosas algum conserto com Filipe Barreto no tocante a este contrato sempre ficarão obrigadas ao cumprimento dele na forma assinada e sendo caso que elas haviam algum descrito de sua santidade para haverem os frutos do dito morgado para seu património ou de sua majestade para sua sustentação pendendo a causa entre elas e o dito Filipe Barreto antes que alguns dos ditos descritos tenha efeito, serão obrigadas a lhe darem um fiador chão e abonado que como principal pagador se obrigue a pagar os ditos rendimentos e que vencendo a causa elas religiosas ao dito Filipe Barreto serão obrigadas a fazer tudo o que a instituição de Aníbal Sernigue e mais instituidores do dito morgado em sua instituição ordenam [...].” 77 Deste modo, como forma de salvaguarda do pagamento que as religiosas haviam acordado com a Confraria de pescadores de Santa Maria de Sá de Aveiro, tomámos conhecimento dos penhores entregues da seguinte forma: “Recebi da Madre Abadessa e mais religiosas de São Francisco cito no lugar de Sá os penhores seguintes abaixo nomeados os quais fico em meu poder para deles se pagar as custas, perdas e danos que por parte da confraria nos forem pedidas em razão das demandas que se seguem com Filipe Barreto Serniche e sendo-me pedidas algumas custas, ou perdas ao danos não as podendo pagar as ditas freiras, poderá dispor dos ditos penhores, empenhá-los, vendê-los ou alheá-los os quais as ditas freiras foram contentes de os pôr em minha mão, por sua consciência em razão do morgado e demandas de que pretendem haver em nome da confraria o dito convento; e vendo-lhe necessários os ditos penhores não me poderão obrigar a dar-lhos por me depositarem em minha mão ou não haver deles até se acabar as ditas causas; e estarão em meu poder e de como recebi: Cruz de prata, lampadário de prata, dois castiçais de prata, campainha de prata, 77 AUC, III / 1D / 14 / 2, Convento da Madre de Deus de Sá, cx.4. 38
  • 40. O Convento da Madre de Deus de Sá em Aveiro | Hugo Cálão púcaro de prata com sua salva, os quais ficam em meu poder na conformidade atrás e me assinei hoje vinte e quatro de Setembro de mil seiscentos e quarenta e nove, Manuel André de Figueiredo.”78 Apontamos esta listagem como um primeiro arrolamento de peças em prata que existiriam no Convento. Contudo, não temos conhecimento se a Confraria de Santa Maria de Sá teria ficado na posse daqueles ou se teriam sido entregues após a demanda com Filipe Barreto Serniche terminar, ou, ainda, se teriam sido vendidos para pagamento das despesas. Seja como for, nenhum destes objectos foi identificado por nós, não estando igualmente descritos nos inventários realizados após o Convento ter sido suprimido, dos quais faremos análise. Fig. 8- Panorama do lugar de Sá visto da cúpula da Igreja do Senhor Jesus das Barrocas em 1880. A-O edificado do Convento da Madre de Deus de Sá; B – Igreja da Confraria de Santa Maria de Sá, hoje de Nossa Senhora da Alegria. (fonte: Catálogo, Aveiro Antigo, 1985, p.60) Após o decreto de 30 de Maio de 183479, determinou-se a imediata extinção de todos os conventos, mosteiros, colégios, hospícios, e quaisquer outras casas de Ordens religiosas regulares em Portugal, e a incorporação dos seus bens na Fazenda Nacional, à excepção dos vasos sagrados e paramentos que seriam entregues aos Ordinários das 78 79 AUC, III / 1D / 14 / 2, Convento da Madre de Deus de Sá, cx.4. O sublinhado é nosso. REBELLO, João M. Pacheco Teixeira, Colecção completa de legislação eclesiástico-civil, 1º vol. (1833 a 1859) ed. 1896, pp. 47-55. 39
  • 41. O Convento da Madre de Deus de Sá em Aveiro | Hugo Cálão dioceses. Executou-se, com prontidão, para os conventos masculinos e previa-se a longo prazo, o fim, também, dos conventos femininos das Ordens regulares. Por decreto do Ministério e Secretaria de Estado dos Negócios da Fazenda de 31 de Maio de 186280, regulou-se a execução da lei de extinção de 4 de Abril de 186181, aplicada a todos os conventos femininos em Portugal, que dispunha a sua execução por óbito da última religiosa professa, sendo incorporados os seus bens nos próprios da Fazenda Nacional. Regulava igualmente a execução de extinção para outras condições de excepção: caso fosse ordenado decreto de extinção, embora estando viva a única religiosa; caso as religiosas residentes não constituíssem canónica e civilmente o número legal para satisfazer os fins da instituição; caso o factor idade conduzisse à incapacidade de administrar as rendas; ou caso a religiosa optasse por ser transferida para um outro convento, ou fosse habitar na residência de familiares. Anteriormente, uma portaria de 20 de Julho de 185782 mandou elaborar cinco mapas com a indicação do número de religiosas e dos empregados de ambos os sexos ao seu serviço, indicação de despesas com o sustento das religiosas, das dívidas activas e passivas, com o serviço de culto, declaração dos encargos com que esses bens estivessem onerados, entre outros. A mesma portaria mandava também elaborar cadernos assinados pela religiosa responsável, por pessoa autorizada pelo prelado, pelo empregado da Fazenda, e por louvados. Incluiriam a descrição do convento e edifícios anexos, e o seu estado interior, e ainda, das propriedades e emprazamentos: sua situação (se livres de foro ou de pensão), qualidade e natureza (se por doação real ou particular), rendimento (valor), nomes dos enfiteutas, importância dos foros e datas dos títulos geridos; dos títulos de crédito público e escrituras de empréstimos feitas com fundos do convento; das alfaias e mais objectos preciosos destinados, ou não, ao serviço do culto pertencentes à comunidade: móveis artísticos, manuscritos e livros impressos. 80 REBELLO, João M. Pacheco Teixeira, Colecção completa de legislação eclesiástico-civil, 2º vol. (1860 a 1896) ed.1896, pp. 38-38. A portaria de 31 de Março de 1862 prevê os termos de arrematação de bens das corporações religiosas do reino e ilhas. 81 REBELLO, João, Colecção completa de legislação... op.c., 2º vol. (1860 a 1896), pp. 12-15. A portaria de 4 de Abril de 1861 manda proceder à desamortização dos bens e direitos prediais pertencentes às igrejas e corporações religiosas. 82 AUC, III / 1D / 14 / 2, Convento da Madre de Deus de Sá, cx. 9. É pedido por circular do Ministério dos Negócios Eclesiásticos do reino que se fizesse inventário do Convento da Madre de Deus de Sá. 40
  • 42. O Convento da Madre de Deus de Sá em Aveiro | Hugo Cálão Fig. 9- Pormenor da Planta da Cidade de Aveiro, 1780-81 (fonte: IGP, nº390), assinalando a vermelho as Igrejas e Conventos sitos na Freguesia da Vera Cruz de Aveiro. (no canto inferior direito planta esquemática do Convento da Madre de Deus de Sá)83 Já, em 25 de Outubro de 1839, se havia respondido a este propósito no inventário dos bens e rendimentos de diferentes espécies84, possuídos pelo convento das religiosas de Sá, feito em aditamento ao Mapa exigido pela circular expedida pela Secretaria dos Negócios Eclesiásticos de 25 de Abril de 1839. Foram respondidos a três dos artigos do mapa a que se refere a circular: o primeiro sobre o número de religiosas e educandas, o segundo relativo à localidade, capacidade e estado do edifício e o terceiro referente ao rendimento do ano decorrido de 1838/39. Ao primeiro artigo respondeu-se que eram onze as religiosas à época, estando uma ausente por Breve Pontífico, e que habitavam o convento quinze educandas, algumas que haviam entrado por Avisos Régios, outras de maioridade que entraram por sua livre vontade e outras de menoridade, enviadas por seus parentes para serem educadas nas prendas próprias do sexo feminino, particularmente em bordado e música. Ao segundo, que o Convento da Madre de Deus de Sá podia considerar-se o melhor de Aveiro pela sua localidade e capacidade, visto 83 Ver mapa completo em, ROSSA, Walter, “A relevância da cartografia para a construção da história de urbes como Aveiro”, in revista Sal: Boletim Municipal de Cultura, Câmara Municipal de Aveiro, 2007, p. 4. O mesmo autor, equivocado, refere-se ao Convento de Sá como convento das Clarissas, p. 7. O vermelho e azul é nosso. 84 AUC, III / 1D / 14 / 2, Convento da Madre de Deus de Sá, cx. 3. 41
  • 43. O Convento da Madre de Deus de Sá em Aveiro | Hugo Cálão estar situado no ponto mais elevado, arejado e sadio da cidade. Tinha, para além das celas ocupadas pelas religiosas, educandas e criadas, mais trinta celas, que, por desabitadas necessitavam de alguns reparos. Todo o resto do edifício e oficinas estavam em bom estado de conservação. Ao terceiro respondeu-se que o seu rendimento para o ano de 1838/39 totalizava 746$000 reis, e aditou-se, em mais oito artigos, a especificidade do mesmo: no primeiro, da natureza dos rendimentos; no segundo, dos fundos em dinheiro; no terceiro, das escrituras dos foros a dinheiro e géneros; no quarto, dos seus encargos e ónus; no quinto, das dívidas activas; no sexto, das dívidas passivas e sua natureza, época e fundamento; no sétimo, dos subsídios que recebia o convento; e, no oitavo, um orçamento da despesa anual.85 No artigo sexto, que pedia uma fundamentação das dívidas contraídas pelo convento, é referido que grande parte destas dívidas haviam sido contraídas desde 1750, época em que o convento ficou reduzido a grande pobreza, tanto por perda do Morgado de Sarniche, que constituía o seu principal património, como pela má administração do triénio de 1750 e 1753, devido à tentativa de sustentar as religiosas fazendo as mesmas despesas que se praticavam no anterior estado de prosperidade. Por isso, as religiosas haviam recorrido a vários empréstimos, sem contudo ter meios com que os satisfazer. Aplicaram, para os gastos do convento, os dotes das religiosas que iam professando, dinheiro que deveriam ter convertido em fundo, e, tendo esgotado todos estes recursos, ficaram reduzidas a não ter que comer. Cremos que concorreu para o acréscimo da dívida, no triénio de 1750/53, contraída por escrituras de dinheiro a juro totalizando 12.293$330 reis, a dispendiosa obra no coro alto, tendo-se gasto e pago ao organeiro galego Juan Fontanes de Maqueira, só pelo órgão de tubos construído em 1753, 750$000 reis.86 No sétimo artigo, que pedia informação sobre os subsídios recebidos pelo convento, deu-se informação de que este nunca havia recebido algum subsídio, a não ser umas ordinárias esmolas, que a Casa Real mandava pagar pela Casa da Índia e Mina por alvará de Março de 178887 e por alvará de 13 de Julho de 164388, a saber: doze arráteis 85 Sobre estes ver em Anexo quadro de síntese. (Ver Anexo B, doc. 1) 86 AUC, III / 1D / 14 / 2, Convento da Madre de Deus de Sá, cx. 4. Certidão da conclusão da obra do órgão de tubos realizada pelo mestre organeiro Juan Fontanes de Maqueira, que no dia 29 de Maio de 1754 recebeu o ajuste do Pe. Frei Joaquim de Santana, confessor do Convento. (Ver Anexo B, doc.3) 87 Este alvará está registado em diferente data, da que foi apontada pela Abadessa; Ver ANTT, RGM/06/118947, Livro de Registo Geral de Mercês de D. Maria I, liv. 27, f. 72; Alvará de D. Maria I 42
  • 44. O Convento da Madre de Deus de Sá em Aveiro | Hugo Cálão de pimenta, seis de cravo, dez de canela, quatro de gengibre, cinco de malagueta, seis de incenso, uma arroba de cera e outra de açúcar. Infelizmente, o inventário de bens de 1839 não adita, nem responde, a dados sobre o espólio artístico do Convento de Sá. A. O inventário de 1856/185989 “Convento das Religiosas de Sá Serve este caderno, que contém duas folhas que vão rubricadas pelo Comissário da inventariação dos Conventos, para a descrição e avaliação das alfaias e mais objectos preciosos destinados ou não ao serviço do culto e pertencentes à Comunidade existentes em 31 de Dezembro de 1856: Uma Custódia de prata dourada, com o varão de ferro, madeira e vidros (valor aproximado) 3 Cálices de prata com as competentes colheres e patenas Galhetas e caixa de hóstias de prata 1 Resplendor, 7 diademas, uma bandeira e 1 bordão de S. José, tudo de prata (desapareceram, há um só resplendor) 5 Resplendores pequenos e 2 engastes da cruz, tudo de prata 1 diadema, 3 resplendores grandes de prata 1 vaso sagrado de prata (valor aproximado) uma lâmpada de metal amarelo 3 ditas pequenas 7 ditas mais ordinárias Duas caldeirinhas de metal amarelo 6 castiçais de metal pequenos Duas navetas de metal 2 turíbulos de metal Uma campainha de metal pequena 6 castiçais de estanho grandes Uma capa de asperges de tela de ouro branca 1 pano do púlpito do mesmo 1 frontal do mesmo (estragado) Uma casula, duas dalmáticas com suas estolas, uma bolsa de corporais e véus do cálice e de ombros da mesma tela Uma sanefa do sacrário 134$000 57$600 15$200 39$300 2$400 25$600 14$400 1$000 1$500 2$800 $600 $720 $720 $800 $100 2$400 16$800 16$800 9$600 16$800 1$920 concedendo esmola em especiaria ao Convento da Madre de Deus de Sá em Aveiro, 28 de Dezembro de 1791. 88 Não localizámos este alvará, e estranhamos a data em que está mencionado, visto que, em 1643 o Convento de Sá ainda não havia sido fundado. 89 ANTT, MF-DGFP/E/002/00002, Inventário de extinção do Convento da Madre de Deus de Sá de Aveiro, cx. 1853, capilha 4, Processo 37096, liv. 1. 43