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A Ameaça Otomana à Europa (séculos XV - XVII)1
Ana Berenguer, Ana Carvalho & André Nunes2

Numa altura em que se debate a entrada controversa da Turquia para a União
Europeia, parece-nos relevante analisar um período da sua história com grande
relevância, nomeadamente entre o século XV e século XVII. Nesta época a Europa tentava
ainda definir-se territorialmente, assistindo a transformações consideráveis a nível
político, social e religioso. Foi precisamente nessa altura que encontrou um poder rival à
sua altura, que a fez tremer mas, no entanto, vencer. Essa força, esse furacão em constante
desenvolvimento, foi o Império Otomano - um dos maiores e mais duradouros impérios da
história do Mundo e, também, a primeira força muçulmana a fazer tremer os alicerces da,
instável, Europa.
Todavia, apesar do facto de que mais de um terço do seu território estava dentro
do Continente Europeu, o Império Otomano tem sido persistentemente considerado como
um lugar à parte, dividido do Ocidente por diferenças de cultura e religião. A perceção que
os ocidentais têm do seu militarismo, da sua barbárie e tirania levou a que diversos
historiadores e académicos a medir o mundo otomano contra o padrão ocidental.
É objetivo deste trabalho expor algumas considerações e marcos importantes que
poderão conferir uma visão diferente dos otomanos.

“Now shall thou feel the force of Turkish arms
Which lately made all Europe quake for fear."3
- Christopher Marlowe
Os primeiros povos turcos, que deram origem ao futuro Império Otomano, estavam
sitiados na Anatólia. Eram conhecidos como beyliks4 e formavam vários principados que
eram atacados por mongóis vindos de Leste e sofriam com a influência cristã bizantina.
Após afirmarem a sua soberania aos bizantinos, estes principados uniram-se, destacandose, dentre todos o de Sögüt, onde nasceu Osman I (1259-1326), primeiro governador
otomano que pôs fim à época de instabilidade e iniciou a formação da Dinastia Osmanli.

Trabalho de investigação desenvolvido na Unidade Curricular de Estudos Europeus (2º Ano), durante o 1º
semestre do ano letivo 2013-14.
2 Estudantes do curso de Comunicação, Cultura e Organizações, da Universidade da Madeira.
3 “Agora deveis sentir a força das armas turcas, que recentemente fizeram toda Europa tremer de medo.”
1
2
Com a retirada dos mongóis, teve início o primeiro ataque ao Império Bizantino na Batalha
de Bafeu, em 1302. Em 1308, Osman controlava já o oeste da Anatólia.
Em meados do século XIV a Península Balcânica estava em constante tumulto. O
Império Sérvio estava a desintegrar-se e o Império Bizantino, que outrora conseguira
conter as consequências de tumultos nas regiões circundantes, estava agora demasiado
fraca para combater. Foi nesta maré de conflitos que os turcomanos começavam a avançar
a passos largos em direção ao Ocidente, travando numerosas batalhas e chegando ao
território dos Balcãs. Orhan aproveitou-se da guerra civil em Bizâncio entre Ionais V
Paleólogo e o Rei Kantacuzenos pela disputa do trono e aliou-se, primeiro ao último e,
depois, secretamente, ao outro, recebendo territórios das duas partes. Sem oposição, as
tropas encaminharam-se para a região bizantina, conquistaram Karesi e reclamaram o
território como otomano. Foi uma estratégia brilhante, permitindo aos Otomanos ampliar
o seu território ao longo do Mar da Mármara, incluindo os Dardanelos, pondo pé em
território europeu.
A apoteose da expansão aconteceu em pouco mais de cem anos, em 1453, por
Mohammed, o Conquistador. Os Otomanos conquistaram Bizâncio e tornaram-na na
capital de um território que se estendia desde à atual Jugoslávia até ao leste da Ásia
Menor. Tomaram posse do Mar Negro e das principais rotas comerciais do Mediterrâneo,
bloquearam as rotas europeias entre Ocidente e Oriente, dificultando navegações,
encerrando a Idade Média. E é aqui que reside a primeira perspetiva distorcida dos
europeus em relação aos otomanos.
Para a maioria dos europeus, a perda de Constantinopla para as mãos turcas
significou uma derrota sem precedentes da Cristandade que nunca seria restaurada. Além
disso, a conquista de Constantinopla, uma cidade admirada pelos humanistas como sendo
uma relíquia de textos antigos, foi lamentada como um golpe devastador para a cultura
grega clássica. Obras de Homero e Platão foram tidas como mortas com esta conquista.5
Apesar das atuais relações amigáveis entre a Turquia e o Ocidente é evidente uma
certa desconfiança e, por vezes, uma certa intolerância que, a nosso ver, poderá ter
fundamento no passado da cristandade europeia, no medo impresso na sua mente durante
o período em que os Turcos se foram aproximando do "coração da Europa", alastrando-se
pelas regiões dos Balcãs. Eram até vistos como o "terror" do Mundo6. Este sentimento

5

Contudo, com a conquista de Constantinopla e com a fuga de académicos, a Europa Ocidental
reconquistou o interesse pela cultura grega. Estes novos indivíduos trouxeram obras de Platão, Cícero e
Quintiliano; semearam o gosto pela arquitetura e pela escultura grega - Era a Europa do Renascimento.
6
Estas opiniões variavam de país para país. Em algumas povoações nos Balcãs eram bem vistos porque
traziam a libertação dos senhores europeus, ao passo que em Itália (Ancona) já eram repudiados.
3
aumentou aquando das conquistas da Síria, do Egipto e do Norte de África, desafiando os
Espanhóis e nós, Portugueses.
Após vários reinados de tenebrosos Sultões, os Otomanos eram, por volta de 1520,
os líderes do mundo muçulmano, colocando uma nuvem negra acima da cabeça da Europa
Ocidental quando esta constatou que avançavam, sem hesitar, para as portas da Europa Viena, que cercaram pela primeira vez em 1529 e, depois, uma última em 1683.
Mas, este medo começou muito antes das primeiras investidas a Viena, cremos nós,
remontando ao reinado de Orhan I por volta de 1326 e a Murad I, seu sucessor em 1381.
Foi nesta época que, após conquistar as grandes cidades de Bursa e Niceia, os Otomanos
registaram um comportamento diferente daquele registado no Ocidente europeu.
Distintamente dos outros poderes conquistadores da altura, os otomanos garantiam
liberdade ou melhor, tolerância, religiosa, nomeadamente à religião cristã, e todas as
pessoas eram, de certo modo, livres.7 Não o faziam por motivos filosóficos mas por
motivos de Estado - era mais fácil subjugar do que tentar converter, fazendo com que
administrar territórios conquistados se tornasse mais fácil, reduzindo a resistência e a
oportunidade de revolta.
Durante o século XVI, por alturas da Reforma e Contra-Reforma, a situação
estendeu-se. A Europa estava completamente desunida religiosamente, persistiam
oposições irreconciliáveis e apareciam vastas minorias religiosas, sendo os Judeus a
minoria que mais sofreu. Perseguidos na Península Ibérica fugiram para o Norte de África,
Países Baixos e, claramente, para a alçada dos otomanos, onde os seguidores de Alá eram
mais tolerantes que os cristãos.
Em quase trezentos anos, a diversidade religiosa era mais aceite no Império
Otomano do que em toda a cristandade. Mesmo não havendo um sentimento de igualdade
- pagavam mais impostos do que os muçulmanos, contudo menos do que pagavam aos
governadores cristãos, não podiam usar verde-islão, tinham um limite de altura para
construções religiosas - eram todos súbditos do sultão. Esta política seria a base do futuro
sucesso do Império Otomano e a estratégia que mais abalou a mentalidade europeia.
Mesmo que na Europa cristã houvesse a possibilidade de se tornar um "cristão-novo"8,
isso não bastava, porque Judeus e outros eram sempre admitidos como inferiores e
sofriam violentamente. A identificação da Europa com a Cristandade estava cada vez mais
difícil, caminhando a passos largos para o fim.
Mas, a invasão dos Otomanos não passou das portas de Viena. Não chegaram nem
perto da França nem da Alemanha. O Imperador Carlos V, em 1529, aquando do primeiro
7
8

Ao passo que na Europa esta tolerância só foi obtida aquando da Revolução Francesa de 1789.
Referimo-nos a Portugal neste caso.
4
cerco de Viena, não mostrava grande resistência em defender a cidade e mesmo assim os
Turcos sofreram uma grande derrota. Se analisarmos, com atenção, as ameaças que a
Europa sofreu ao longo dos séculos, verificamos que os Árabes, mesmo não sendo um
império como os Otomanos, tinham mesmo a hipótese de controlar a Europa conseguiram chegar até Espanha. Isto recorda-nos Maquiavel, quando afirma que sempre
que uma ameaça de Oriente se aproxima da Europa, esta, mesmo que com um exército
pequeno, consegue detê-la
Em segundo lugar, a ideia de que os turcomanos eram bárbaros, brutais e sem
cultura. O que não passa de uma mera acusação, até porque os turcos contemporâneos são
herdeiros de uma cultura rica dos Otomanos que, por sua vez, impulsionaram grandes
formas artísticas. E quando nos referimos à arte temos em mente as artes plásticas como
as miniaturas; a literatura, nomeadamente a escrita histórica que, embora pequena, é vista
com qualidade épica; Certamente conheciam clássicos literários Persas e Árabes, como o
Ocidente conhecia os dos Gregos e Romanos.
Mas também demonstraram admiração pela cultura ocidental, embora que de
forma reduzida. Mohammed, o Conquistador é, muito provavelmente, o melhor exemplo tinha conhecimentos de grego e possuía uma biblioteca repleta de literatura grega, bem
como um interesse por antiguidades de mesma origem. Quando conquistou
Constantinopla em 1453 salvaguardou manuscritos, edifícios e relíquias. A partir disto
podemos, com confiança, afirmar que o ataque turco a Constantinopla foi muito menos
destrutivo que a Quarta Cruzada de 1204. E não nos esqueçamos que os Turcos
conquistaram Constantinopla, ao passo que os Cruzados atacaram a única cidade
detentora da cristandade romana por mera fúria.
Evidentemente que os Turcos, ao estarem a conquistar, usavam violência, tinham
um exército. Mas, os Romanos também o tinham e usavam a mesma violência e hoje, de
grosso modo, não são vistos como bárbaros aos olhos da civilização ocidental. Porque
razão seriam os Otomanos, superiores em barbárie em relação aos Romanos, se fizeram
exatamente o mesmo que os últimos? A resposta pode ser simples: porque o Oriente vinha
contra o Ocidente, enquanto que os Romanos defendiam-no. Ou pode ser mais complexa:
porque se tratava do Oriente, o lado do globo que há muitos séculos incomodava a Europa
e por ser considerado uma civilização inferior.
Mas, mesmo que subtilmente, os Ocidentais nutriam uma certa admiração ou,
arrisquemos, inveja dos Otomanos. Solimão, o Magnífico, no século XVI, para além de
suscitar o temor dos europeus ao cercar Viena pela primeira vez, suscitou também a sua
inveja. Alguns historiadores alegam que, na sua juventude, Solimão nutria admiração pelos
feitos de Alexandre, o Grande, sendo assim influenciado pela sua visão de construir um
5
Império que alcançasse os dois lados opostos do Mundo - Oriente e Ocidente - o que,
certamente, o levou às subsequentes campanhas na Ásia e na Europa.
Mas Solimão não ficou conhecido apenas por ser "magnífico" no campo de batalha.
Alcançou grande notoriedade na área da cultura, impulsionando grandes artistas
literários, plásticos, bem como arquitetos e escultores. Ordenou erigir mesquitas
maravilhosamente decoradas, palácios que fizeram inveja ao Renascimento europeu, ou
que provavelmente estiveram na mente renascentista.
Não obstante, Solimão também se destacou nos seus feitos administrativos. Era um
grande legislador, um soberano severo e um exponente judicial magnânimo. Foi admirado
tanto pelo seu povo como pelo povo ocidental. Os Otomanos serviram como modelo de
qualidades que os europeus desejavam possuir. Políticos europeus rigorosos como Bodin e
Maquiavel admiravam a corruptibilidade, disciplina e obediência militar e administrativa
otomana como uma forma de ordenar a Europa.
Maquiavel (1469-1527) em Il Principe compara turcos e europeus franceses,
afirmando que o governador pode optar por um poder absoluto ou por um poder mais
distribuído. Tendo isto, observa que sendo um território asiático administrado por um
poder absoluto, dificilmente o invasor desse território sairá vitorioso, enquanto que na
Europa, a situação se complica.
Bodin tem a mesma linha de pensamento ao afirmar que a soberania é um poder
que não pode ser finito, tendo como únicas limitações a lei divina e a lei natural. A
soberania era apenas definida por essas leis e por nada mais. Esta ideologia vai ao
encontro da de Solimão, o Magnífico.
Evidentemente, o Sultão não praticava a democracia. O Sultão era o guardião da
dádiva de Deus da Santa Lei do Islão, ao qual estava sujeito. Vemos aqui ideias de Bodin,
como constatamos supra. Esta Lei Santa permaneceu na base da estrutura social e política
do Império e a sua soberania era aceite e respeitada pelo povo, como sendo inevitável.
Uma outra razão do porquê que o "Turco" era visto como uma ameaça foi que as
potências europeias, especialmente a França e a Alemanha estavam bem conscientes de
que a expansão turcomana serviria apenas para uma finalidade: estabelecimento da
hegemonia de Habsburgo na Europa, que aproveitaria a investida para capturar mais
territórios. Isto era claramente um entrave para a hegemonia das duas outras potências.
Contudo, e maioritariamente por razões geográficas, Carlos V foi quem "sofreu"
mais de todos os governadores europeus, sendo o Rei mais católico de Espanha (15161556) e do Sacro Império Romano (1519-1558). Os Otomanos estavam empenhados numa
"guerra santa" contra a Cristandade e o Império Habsburgo contava com o Imperador para
lhes fazer frente. Em 1521 Solimão, o Magnífico marchou contra a Hungria e conquistou
6
Belgrado. No ano seguinte capturou Rodes dirigindo-se para Malta. Estas conquistas
fizeram com que Solimão fosse visto como um poderoso adversário. O Sultão esteve com o
seu exército em treze campanhas militares, ameaçou Habsburgo duas vezes (1529 e 1532)
e conquistou a Hungria.
Carlos V confinou os seus esforços apenas ao avanço turco no Norte de África, no
qual foi incrivelmente mal sucedido, perdendo na Tunísia e em diversos outros territórios.
Para além disso os príncipes alemães exploraram a ameaça otomana, forçando os
Habsburgos a fazer concessões políticas e religiosas e Francisco I foi quem primeiro os
incentivou a atacar os Habsburgos, dando-lhes livre acesso aos portos de Marselha e
Toulon para reduzir o poder de Carlos V. Podemos com isto dizer que a expansão do
Império Otomano para Ocidente originou a desunião política e religiosa da Europa no
século XVI.
Mas não foi apenas no "coração da Europa" que os Otomanos intervieram.
Espanha, Portugal e Veneza também estremeceram, se bem que de outra forma.
Espanha viu as suas rotas comerciais entre a Sicília, Sardenha e Tunísia serem
ameaçadas e com a renovação das embarcações turcas, perdeu a sua oportunidade no
Egipto. Túnis e Argel foram perdidas, bem como outros territórios no Norte de África.
Espanha estava numa gravíssima crise: os contactos com Milão, Nápoles e Sicília estavam
condicionados e, no continente, as cidades de Málaga, Cádis e Gibraltar estavam sendo
atacadas por corsários. Foi Filipe II de Espanha, I de Portugal, quem deu uma resposta aos
muçulmanos (1560) quando ocuparam a ilha de Djerba, mas tudo fracassou. Em 1570 é
severamente atacada tal como a ilha do Chipre. Tudo voltou ao normal aquando do
reinado de Selim, um reinado desastroso.
Portugal,

evidentemente,

desenvolveram uma rota

também

foi

atacado.

Mercadores

portugueses

alternativa para o Extremo Oriente e para as ilhas das

especiarias à procura de ouro, evitando o domínio turco no Mediterrâneo, o que concedeu
a Portugal o primeiro lugar nas navegações no início do século XVI. Mas esta técnica era
um pouco limitada. Os Turcos chegaram ao Mar Vermelho por volta de 1500 e ao Oceano
Índico em meados do século, mantendo controlo da Rota da Pimenta no Extremo Oriente.
Contudo, Portugal estava à altura do desafio. As embarcações lusas de design eficiente
combateram as galeras turcas que tinham menos experiência em águas oceânicas, mas
mesmo assim a luta foi morosa. Portugal tinha recursos muito escassos e a competição
com Espanha nas rotas comerciais aumentava, o que fez com que Portugal, no final do
século XVI e princípios do século XVII fosse vulnerável, não devido a incursões otomanas,
mas pelas investidas de mercadores e colonos Ingleses e Franceses.
7
A principal beneficiária durante os períodos mais conturbados foi Veneza, que
pagara, em 1479, um tributo a Alepo e a Alexandria para ter acesso às rotas do Médio
Oriente por terra e, mesmo sob o domínio otomano, permaneceu a maior potência
marítima no Mediterrâneo Oriental, competindo com o sucesso português.
O perigo propriamente dito à Europa acabaria no final do século XVII, mais
precisamente a 12 de Setembro de 1683 aquando da Batalha de Viena, uma das batalhas
mais importantes do século. O seu resultado originou um profundo efeito no futuro do
Oriente, senão em toda a Europa. Foi travada entre turcos (cerca de 15000 soldados)
contra as forças Polacas, Alemães e Austríacas (cerca de 30 000 soldados). Guiadas pelo
Grand Vizir Kara Mustafa, as tropas turcas não foram muito bem guiadas, resultando numa
derrota suprema. As forças opositoras, por sua vez, eram comandadas por João Sobieski,
Rei na Polónia, um indivíduo inteligente e corajoso.
Desde Março do mesmo ano que os Turcos preparavam um ataque mordaz à
capital de Habsburgo. Em Junho conseguem penetrar na Áustria, obrigando o Rei Leopoldo
a fugir. No mês seguinte os Turcos chegam aos portões de Viena, cercando-a. Mas, contudo,
não tinham artilharia suficiente. Os defensores da cidade viram também as suas munições
e comida a escassearem o que permitiu que os Turcos conseguissem abalar algumas
fortificações.
Nesse mesmo ano Sobieski assinou uma aliança cristã com o Imperador Leopoldo.
Nela ficou acordado que uma região sairia em defesa da outra caso surgisse um ataque
otomano em Cracóvia ou em Viena. Aquando do ataque turco, Sobieski marchou com as
suas tropas até Viena para "continuar a Guerra Santa, e com a ajuda de Deus, devolver a
liberdade à cercada Viena, libertando assim a Cristandade". Quando lá chegou juntou-se
aos Austríacos e aos Alemães que unidos se aproveitaram da fraqueza dos Turcos e
atacaram sem cessar, surpreendendo Kara Mustafa e fazendo com que o seu exército
fugisse.
Esta vitória libertou a Europa das garras dos Otomanos e assegurou a Cristandade
como religião principal de toda a Europa. João Sobieski foi visto não só como o salvador de
Viena mas também como o salvador de toda a Europa contra os turcomanos.
A 26 de Janeiro de 1699, em Karlowitz foi assinado o Tratado homónimo que
encerrou a Guerra Austro-Otomana (1683-1697). Nele os Otomanos foram obrigados a
ceder maior parte da Hungria, a Transilvânia e a Eslavónia à Áustria; a Podólia à Polónia; a
maior parte da Dalmácia e da Moreia foi entregue a Veneza.
Este tratado assinalou o declínio otomano na Europa Oriental e fez com que o
Império Austríaco se tornasse na potência dominante no sudeste da Europa - mais uma
vez a Europa é unida apenas por consequência de uma ameaça exterior.
8

Considerações Finais
Antes de mais, temos que nos concentrar na definição de "Europa". A Europa, e
seguindo a linha de pensamento de George Steiner, por exemplo, e dos Gregos em geral,
sempre foi uma ideia. A "ideia de Europa" tem se refletido numa consciência de valores
comuns que surgiram, principalmente, pela perceção do "outro". Afinal, para que nos
consigamos definir como distintos e separados, com características próprias, recorremos à
comparação do "outro". Só assim compreendemos aquilo que somos e o que não somos.
Esta análise, consciente ou inconsciente, foi realizada pelos europeus da Idade
Moderna. A Idade Moderna - este trabalho compreende, maioritariamente, o período entre
1453 e 1699 - tem sido uma das Idades da História mais significativa para a História do
Mundo. Foi um período instável uma vez que foi marcado por transformações contínuas:
politicamente, como resultado da crise feudal, que tinha começado no final da Idade
Média. Economicamente, foi um período de expansão económica com explorações
geográficas. Emergiram novos mercados para a economia europeia com exploração de
novos territórios, nomeadamente a América e a África; antigos mercados tornaram-se
mais eficientes com a introdução das rotas comerciais. Por outro lado, social e
culturalmente foi considerado um período de desordem. Começando com o humanismo
renascentista em que o "indivíduo" acabou por ser o fator com mais significância na vida
social. A Reforma, por sua vez, trouxe uma nova divisão que se tornou permanente dentro
do Cristianismo.
Considerando o mapa político da Europa no início do período Moderno, podemos
observar que, entre as várias potências políticas, dois grandes impérios desempenharam
um grande papel no destino do Continente. Na Europa Ocidental e Central a Espanha, os
Países Baixos, a Alemanha, a Áustria e a República Checa foram unidas pelo Império
Habsburgo, que se transformou num dos impérios mais significativos na história da
Europa.
Na parte oriental do continente emergia o Império Otomano. Da mesma forma que
o Império Habsburgo , foi estabelecido numa pequena área fronteiriça nos finais do século
XIII. Contudo, no espaço de dois séculos expandiu-se o Danúbio até ao leste da Anatólia. Ao
contrário dos Habsburgos que adquiriram a maioria das suas posses através de herança e
casamento, os Otomanos alargaram o seu Império através de conquistas.
Carlos V queria reestabelecer o enorme império de Carlos Magno na Idade
Moderna e acumular os poderes europeus para acabar com as divisões religiosas
emergentes após a Revolução de Lutero. Foi neste ambiente frágil que surgiu o Império
Otomano, que foi empurrando as suas fronteiras para a Europa Central.
9
O choque Otomano-Habsburgo contribuiu politica e economicamente para o
surgimento da Europa que temos hoje. Sem o avanço Otomano na Europa Central e sem as
relações diplomáticas e económicas com os Estados europeus, a Europa contemporânea
teria uma aparência completamente diferente. Por outras palavras, fizemos esta análise
porque todos nós partilhamos de uma tradição cultural desta Europa e porque os
otomanos, sendo mais próximos dos Estados europeus ocidentais, tiveram um profundo
impacto sobre a formação da identidade tanto europeia, como turca. Esta proximidade
estruturou uma identidade complexa nestas duas regiões que ora se fascinam, ora se
repulsam. Não obstante, encontramo-nos ainda numa altura em que vemos o Ocidente e a
Ásia não como conceções geográficas diferentes mas antes culturalmente diferentes, em
modos de sentir, agir e pensar o Mundo.
Oriente e Ocidente sempre estiveram separados por todas as razões ao longo da
história. Desde as diferenças irreconciliáveis entre Gregos e Persas até aos nossos dias, a
fusão do Ocidente com o Oriente mostra-se impossível. Talvez Alexandre, o Grande tenha
sido a maior força a se pensar capaz de operar tal fusão. Mas nem as Guerras Medo-Persas,
nem as conquitas de Alexandre foram bem sucedidas.
O que nos faz pensar que uma Europa que, hoje, ainda nem tem uma identidade
nem um espírito europeu comum poderá aceitar uma Turquia ainda dividida, com
quezílias que os Ocidentais consideram antiquadas, com uma mescla de religiões e com o
passado sangrento? E, se pensarmos em que consiste realmente uma nação, – porque a
Europa, mais que um continente, é (deveria ser) uma nação, – chegamos à conclusão de
que é a harmonia convivente entre pessoas, culturas, com um passado comum. Seja ele
sangrento ou não.
Claramente que o passado histórico, geografia e comportamento político atual não
aprovam a entrada próxima da Turquia para a União Europeia. O peso geográfico e
demográfico do país pode resultar num desequilíbrio.9 É necessário que se aguarde algum
tempo antes de reavaliar a possível entrada da Turquia na Europa, que é possível. Até
porque a Europa deve abrir-se a novos horizontes do Mundo, não já para dominar mas
para ajudar. É esse o fundamento da Europa - unir e ajudar.

9

2

A Turquia tem aproximadamente 776 000 km e 74 milhões de habitantes.
10
Referências
KITSIKIS, Dimitri – Império Otomano. Porto: Rés Formalpress editora, 1996
QUATAERT, Donald – O Império Otomano, das Origens ao século XX. Edições 70, 2008 (PDF,
via Scribd.com)
GOFFMAN, Daniel – The Ottoman Empire and Early Modern Europe. Cambridge: Cambridge
University Press, 2002 (PDF, via Cambridge Univ. Data)
TOYNBEE, Arnold J. – The Murderous Tyranny of the Turks. London: Hodder & Stoughton,
1917.
PIRES, Maria Laura Bettencourt - Estudos Europeus I. Lisboa: Universidade Aberta, 2001
LE GOFF, Jacques - A Europa Explicada aos Jovens, a Europa Explicada a Todos. Lisboa:
Gradiva, 2007.
LYBYER, Albert Howe - The Government of the Ottoman Empire In The Time Of Suleiman,
The Magnificent. London: Oxford University Press, 1913.
COLES, Paul - Os Turcos na Europa. Lisboa: Verbo 1995
VRYONIS, Spero - Bizâncio e Europa. Lisboa: Verbo 1967
11

Anexo 1
A)







Império Otomano na Europa
Constantinopla
Bósnia
Moldávia
Montenegro
Sérvia
Trácia
Roménia (Este)
Chipre
Império Otomano na Ásia
Anatólia
Síria
Palestina
Asir
Império Otomano em África
Egipto

B)Mapas e Ilustrações

Ilustração 1 - Império Otomano, cerca de 1580

Creta
Macedónia
Bulgária
Herzegovina

Hejaz
Iémen

Albânia
Ilhas gregas

Mesopotâmia
12

Ilustração 2 - Avanço Otomano na Europa e na Ásia Menor, COMPLETO, Cambridge University.
13

Ilustração 3 - Império Otomano, completo.

Ilustração 4 - Chegada dos Turcos a Constantinopla, 1453.
14

4

Ilustração 5 - Primeiro cerco de Viena, 1529.

Ilustração 6 - Sobieski enviando a mensagem de vitória para o Papa, após a Batalha de Viena em 1683.
15

Ilustração 7 - Mapa do Cerco de Viena de 1683

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A ameaça otomana à europa

  • 1. 1 A Ameaça Otomana à Europa (séculos XV - XVII)1 Ana Berenguer, Ana Carvalho & André Nunes2 Numa altura em que se debate a entrada controversa da Turquia para a União Europeia, parece-nos relevante analisar um período da sua história com grande relevância, nomeadamente entre o século XV e século XVII. Nesta época a Europa tentava ainda definir-se territorialmente, assistindo a transformações consideráveis a nível político, social e religioso. Foi precisamente nessa altura que encontrou um poder rival à sua altura, que a fez tremer mas, no entanto, vencer. Essa força, esse furacão em constante desenvolvimento, foi o Império Otomano - um dos maiores e mais duradouros impérios da história do Mundo e, também, a primeira força muçulmana a fazer tremer os alicerces da, instável, Europa. Todavia, apesar do facto de que mais de um terço do seu território estava dentro do Continente Europeu, o Império Otomano tem sido persistentemente considerado como um lugar à parte, dividido do Ocidente por diferenças de cultura e religião. A perceção que os ocidentais têm do seu militarismo, da sua barbárie e tirania levou a que diversos historiadores e académicos a medir o mundo otomano contra o padrão ocidental. É objetivo deste trabalho expor algumas considerações e marcos importantes que poderão conferir uma visão diferente dos otomanos. “Now shall thou feel the force of Turkish arms Which lately made all Europe quake for fear."3 - Christopher Marlowe Os primeiros povos turcos, que deram origem ao futuro Império Otomano, estavam sitiados na Anatólia. Eram conhecidos como beyliks4 e formavam vários principados que eram atacados por mongóis vindos de Leste e sofriam com a influência cristã bizantina. Após afirmarem a sua soberania aos bizantinos, estes principados uniram-se, destacandose, dentre todos o de Sögüt, onde nasceu Osman I (1259-1326), primeiro governador otomano que pôs fim à época de instabilidade e iniciou a formação da Dinastia Osmanli. Trabalho de investigação desenvolvido na Unidade Curricular de Estudos Europeus (2º Ano), durante o 1º semestre do ano letivo 2013-14. 2 Estudantes do curso de Comunicação, Cultura e Organizações, da Universidade da Madeira. 3 “Agora deveis sentir a força das armas turcas, que recentemente fizeram toda Europa tremer de medo.” 1
  • 2. 2 Com a retirada dos mongóis, teve início o primeiro ataque ao Império Bizantino na Batalha de Bafeu, em 1302. Em 1308, Osman controlava já o oeste da Anatólia. Em meados do século XIV a Península Balcânica estava em constante tumulto. O Império Sérvio estava a desintegrar-se e o Império Bizantino, que outrora conseguira conter as consequências de tumultos nas regiões circundantes, estava agora demasiado fraca para combater. Foi nesta maré de conflitos que os turcomanos começavam a avançar a passos largos em direção ao Ocidente, travando numerosas batalhas e chegando ao território dos Balcãs. Orhan aproveitou-se da guerra civil em Bizâncio entre Ionais V Paleólogo e o Rei Kantacuzenos pela disputa do trono e aliou-se, primeiro ao último e, depois, secretamente, ao outro, recebendo territórios das duas partes. Sem oposição, as tropas encaminharam-se para a região bizantina, conquistaram Karesi e reclamaram o território como otomano. Foi uma estratégia brilhante, permitindo aos Otomanos ampliar o seu território ao longo do Mar da Mármara, incluindo os Dardanelos, pondo pé em território europeu. A apoteose da expansão aconteceu em pouco mais de cem anos, em 1453, por Mohammed, o Conquistador. Os Otomanos conquistaram Bizâncio e tornaram-na na capital de um território que se estendia desde à atual Jugoslávia até ao leste da Ásia Menor. Tomaram posse do Mar Negro e das principais rotas comerciais do Mediterrâneo, bloquearam as rotas europeias entre Ocidente e Oriente, dificultando navegações, encerrando a Idade Média. E é aqui que reside a primeira perspetiva distorcida dos europeus em relação aos otomanos. Para a maioria dos europeus, a perda de Constantinopla para as mãos turcas significou uma derrota sem precedentes da Cristandade que nunca seria restaurada. Além disso, a conquista de Constantinopla, uma cidade admirada pelos humanistas como sendo uma relíquia de textos antigos, foi lamentada como um golpe devastador para a cultura grega clássica. Obras de Homero e Platão foram tidas como mortas com esta conquista.5 Apesar das atuais relações amigáveis entre a Turquia e o Ocidente é evidente uma certa desconfiança e, por vezes, uma certa intolerância que, a nosso ver, poderá ter fundamento no passado da cristandade europeia, no medo impresso na sua mente durante o período em que os Turcos se foram aproximando do "coração da Europa", alastrando-se pelas regiões dos Balcãs. Eram até vistos como o "terror" do Mundo6. Este sentimento 5 Contudo, com a conquista de Constantinopla e com a fuga de académicos, a Europa Ocidental reconquistou o interesse pela cultura grega. Estes novos indivíduos trouxeram obras de Platão, Cícero e Quintiliano; semearam o gosto pela arquitetura e pela escultura grega - Era a Europa do Renascimento. 6 Estas opiniões variavam de país para país. Em algumas povoações nos Balcãs eram bem vistos porque traziam a libertação dos senhores europeus, ao passo que em Itália (Ancona) já eram repudiados.
  • 3. 3 aumentou aquando das conquistas da Síria, do Egipto e do Norte de África, desafiando os Espanhóis e nós, Portugueses. Após vários reinados de tenebrosos Sultões, os Otomanos eram, por volta de 1520, os líderes do mundo muçulmano, colocando uma nuvem negra acima da cabeça da Europa Ocidental quando esta constatou que avançavam, sem hesitar, para as portas da Europa Viena, que cercaram pela primeira vez em 1529 e, depois, uma última em 1683. Mas, este medo começou muito antes das primeiras investidas a Viena, cremos nós, remontando ao reinado de Orhan I por volta de 1326 e a Murad I, seu sucessor em 1381. Foi nesta época que, após conquistar as grandes cidades de Bursa e Niceia, os Otomanos registaram um comportamento diferente daquele registado no Ocidente europeu. Distintamente dos outros poderes conquistadores da altura, os otomanos garantiam liberdade ou melhor, tolerância, religiosa, nomeadamente à religião cristã, e todas as pessoas eram, de certo modo, livres.7 Não o faziam por motivos filosóficos mas por motivos de Estado - era mais fácil subjugar do que tentar converter, fazendo com que administrar territórios conquistados se tornasse mais fácil, reduzindo a resistência e a oportunidade de revolta. Durante o século XVI, por alturas da Reforma e Contra-Reforma, a situação estendeu-se. A Europa estava completamente desunida religiosamente, persistiam oposições irreconciliáveis e apareciam vastas minorias religiosas, sendo os Judeus a minoria que mais sofreu. Perseguidos na Península Ibérica fugiram para o Norte de África, Países Baixos e, claramente, para a alçada dos otomanos, onde os seguidores de Alá eram mais tolerantes que os cristãos. Em quase trezentos anos, a diversidade religiosa era mais aceite no Império Otomano do que em toda a cristandade. Mesmo não havendo um sentimento de igualdade - pagavam mais impostos do que os muçulmanos, contudo menos do que pagavam aos governadores cristãos, não podiam usar verde-islão, tinham um limite de altura para construções religiosas - eram todos súbditos do sultão. Esta política seria a base do futuro sucesso do Império Otomano e a estratégia que mais abalou a mentalidade europeia. Mesmo que na Europa cristã houvesse a possibilidade de se tornar um "cristão-novo"8, isso não bastava, porque Judeus e outros eram sempre admitidos como inferiores e sofriam violentamente. A identificação da Europa com a Cristandade estava cada vez mais difícil, caminhando a passos largos para o fim. Mas, a invasão dos Otomanos não passou das portas de Viena. Não chegaram nem perto da França nem da Alemanha. O Imperador Carlos V, em 1529, aquando do primeiro 7 8 Ao passo que na Europa esta tolerância só foi obtida aquando da Revolução Francesa de 1789. Referimo-nos a Portugal neste caso.
  • 4. 4 cerco de Viena, não mostrava grande resistência em defender a cidade e mesmo assim os Turcos sofreram uma grande derrota. Se analisarmos, com atenção, as ameaças que a Europa sofreu ao longo dos séculos, verificamos que os Árabes, mesmo não sendo um império como os Otomanos, tinham mesmo a hipótese de controlar a Europa conseguiram chegar até Espanha. Isto recorda-nos Maquiavel, quando afirma que sempre que uma ameaça de Oriente se aproxima da Europa, esta, mesmo que com um exército pequeno, consegue detê-la Em segundo lugar, a ideia de que os turcomanos eram bárbaros, brutais e sem cultura. O que não passa de uma mera acusação, até porque os turcos contemporâneos são herdeiros de uma cultura rica dos Otomanos que, por sua vez, impulsionaram grandes formas artísticas. E quando nos referimos à arte temos em mente as artes plásticas como as miniaturas; a literatura, nomeadamente a escrita histórica que, embora pequena, é vista com qualidade épica; Certamente conheciam clássicos literários Persas e Árabes, como o Ocidente conhecia os dos Gregos e Romanos. Mas também demonstraram admiração pela cultura ocidental, embora que de forma reduzida. Mohammed, o Conquistador é, muito provavelmente, o melhor exemplo tinha conhecimentos de grego e possuía uma biblioteca repleta de literatura grega, bem como um interesse por antiguidades de mesma origem. Quando conquistou Constantinopla em 1453 salvaguardou manuscritos, edifícios e relíquias. A partir disto podemos, com confiança, afirmar que o ataque turco a Constantinopla foi muito menos destrutivo que a Quarta Cruzada de 1204. E não nos esqueçamos que os Turcos conquistaram Constantinopla, ao passo que os Cruzados atacaram a única cidade detentora da cristandade romana por mera fúria. Evidentemente que os Turcos, ao estarem a conquistar, usavam violência, tinham um exército. Mas, os Romanos também o tinham e usavam a mesma violência e hoje, de grosso modo, não são vistos como bárbaros aos olhos da civilização ocidental. Porque razão seriam os Otomanos, superiores em barbárie em relação aos Romanos, se fizeram exatamente o mesmo que os últimos? A resposta pode ser simples: porque o Oriente vinha contra o Ocidente, enquanto que os Romanos defendiam-no. Ou pode ser mais complexa: porque se tratava do Oriente, o lado do globo que há muitos séculos incomodava a Europa e por ser considerado uma civilização inferior. Mas, mesmo que subtilmente, os Ocidentais nutriam uma certa admiração ou, arrisquemos, inveja dos Otomanos. Solimão, o Magnífico, no século XVI, para além de suscitar o temor dos europeus ao cercar Viena pela primeira vez, suscitou também a sua inveja. Alguns historiadores alegam que, na sua juventude, Solimão nutria admiração pelos feitos de Alexandre, o Grande, sendo assim influenciado pela sua visão de construir um
  • 5. 5 Império que alcançasse os dois lados opostos do Mundo - Oriente e Ocidente - o que, certamente, o levou às subsequentes campanhas na Ásia e na Europa. Mas Solimão não ficou conhecido apenas por ser "magnífico" no campo de batalha. Alcançou grande notoriedade na área da cultura, impulsionando grandes artistas literários, plásticos, bem como arquitetos e escultores. Ordenou erigir mesquitas maravilhosamente decoradas, palácios que fizeram inveja ao Renascimento europeu, ou que provavelmente estiveram na mente renascentista. Não obstante, Solimão também se destacou nos seus feitos administrativos. Era um grande legislador, um soberano severo e um exponente judicial magnânimo. Foi admirado tanto pelo seu povo como pelo povo ocidental. Os Otomanos serviram como modelo de qualidades que os europeus desejavam possuir. Políticos europeus rigorosos como Bodin e Maquiavel admiravam a corruptibilidade, disciplina e obediência militar e administrativa otomana como uma forma de ordenar a Europa. Maquiavel (1469-1527) em Il Principe compara turcos e europeus franceses, afirmando que o governador pode optar por um poder absoluto ou por um poder mais distribuído. Tendo isto, observa que sendo um território asiático administrado por um poder absoluto, dificilmente o invasor desse território sairá vitorioso, enquanto que na Europa, a situação se complica. Bodin tem a mesma linha de pensamento ao afirmar que a soberania é um poder que não pode ser finito, tendo como únicas limitações a lei divina e a lei natural. A soberania era apenas definida por essas leis e por nada mais. Esta ideologia vai ao encontro da de Solimão, o Magnífico. Evidentemente, o Sultão não praticava a democracia. O Sultão era o guardião da dádiva de Deus da Santa Lei do Islão, ao qual estava sujeito. Vemos aqui ideias de Bodin, como constatamos supra. Esta Lei Santa permaneceu na base da estrutura social e política do Império e a sua soberania era aceite e respeitada pelo povo, como sendo inevitável. Uma outra razão do porquê que o "Turco" era visto como uma ameaça foi que as potências europeias, especialmente a França e a Alemanha estavam bem conscientes de que a expansão turcomana serviria apenas para uma finalidade: estabelecimento da hegemonia de Habsburgo na Europa, que aproveitaria a investida para capturar mais territórios. Isto era claramente um entrave para a hegemonia das duas outras potências. Contudo, e maioritariamente por razões geográficas, Carlos V foi quem "sofreu" mais de todos os governadores europeus, sendo o Rei mais católico de Espanha (15161556) e do Sacro Império Romano (1519-1558). Os Otomanos estavam empenhados numa "guerra santa" contra a Cristandade e o Império Habsburgo contava com o Imperador para lhes fazer frente. Em 1521 Solimão, o Magnífico marchou contra a Hungria e conquistou
  • 6. 6 Belgrado. No ano seguinte capturou Rodes dirigindo-se para Malta. Estas conquistas fizeram com que Solimão fosse visto como um poderoso adversário. O Sultão esteve com o seu exército em treze campanhas militares, ameaçou Habsburgo duas vezes (1529 e 1532) e conquistou a Hungria. Carlos V confinou os seus esforços apenas ao avanço turco no Norte de África, no qual foi incrivelmente mal sucedido, perdendo na Tunísia e em diversos outros territórios. Para além disso os príncipes alemães exploraram a ameaça otomana, forçando os Habsburgos a fazer concessões políticas e religiosas e Francisco I foi quem primeiro os incentivou a atacar os Habsburgos, dando-lhes livre acesso aos portos de Marselha e Toulon para reduzir o poder de Carlos V. Podemos com isto dizer que a expansão do Império Otomano para Ocidente originou a desunião política e religiosa da Europa no século XVI. Mas não foi apenas no "coração da Europa" que os Otomanos intervieram. Espanha, Portugal e Veneza também estremeceram, se bem que de outra forma. Espanha viu as suas rotas comerciais entre a Sicília, Sardenha e Tunísia serem ameaçadas e com a renovação das embarcações turcas, perdeu a sua oportunidade no Egipto. Túnis e Argel foram perdidas, bem como outros territórios no Norte de África. Espanha estava numa gravíssima crise: os contactos com Milão, Nápoles e Sicília estavam condicionados e, no continente, as cidades de Málaga, Cádis e Gibraltar estavam sendo atacadas por corsários. Foi Filipe II de Espanha, I de Portugal, quem deu uma resposta aos muçulmanos (1560) quando ocuparam a ilha de Djerba, mas tudo fracassou. Em 1570 é severamente atacada tal como a ilha do Chipre. Tudo voltou ao normal aquando do reinado de Selim, um reinado desastroso. Portugal, evidentemente, desenvolveram uma rota também foi atacado. Mercadores portugueses alternativa para o Extremo Oriente e para as ilhas das especiarias à procura de ouro, evitando o domínio turco no Mediterrâneo, o que concedeu a Portugal o primeiro lugar nas navegações no início do século XVI. Mas esta técnica era um pouco limitada. Os Turcos chegaram ao Mar Vermelho por volta de 1500 e ao Oceano Índico em meados do século, mantendo controlo da Rota da Pimenta no Extremo Oriente. Contudo, Portugal estava à altura do desafio. As embarcações lusas de design eficiente combateram as galeras turcas que tinham menos experiência em águas oceânicas, mas mesmo assim a luta foi morosa. Portugal tinha recursos muito escassos e a competição com Espanha nas rotas comerciais aumentava, o que fez com que Portugal, no final do século XVI e princípios do século XVII fosse vulnerável, não devido a incursões otomanas, mas pelas investidas de mercadores e colonos Ingleses e Franceses.
  • 7. 7 A principal beneficiária durante os períodos mais conturbados foi Veneza, que pagara, em 1479, um tributo a Alepo e a Alexandria para ter acesso às rotas do Médio Oriente por terra e, mesmo sob o domínio otomano, permaneceu a maior potência marítima no Mediterrâneo Oriental, competindo com o sucesso português. O perigo propriamente dito à Europa acabaria no final do século XVII, mais precisamente a 12 de Setembro de 1683 aquando da Batalha de Viena, uma das batalhas mais importantes do século. O seu resultado originou um profundo efeito no futuro do Oriente, senão em toda a Europa. Foi travada entre turcos (cerca de 15000 soldados) contra as forças Polacas, Alemães e Austríacas (cerca de 30 000 soldados). Guiadas pelo Grand Vizir Kara Mustafa, as tropas turcas não foram muito bem guiadas, resultando numa derrota suprema. As forças opositoras, por sua vez, eram comandadas por João Sobieski, Rei na Polónia, um indivíduo inteligente e corajoso. Desde Março do mesmo ano que os Turcos preparavam um ataque mordaz à capital de Habsburgo. Em Junho conseguem penetrar na Áustria, obrigando o Rei Leopoldo a fugir. No mês seguinte os Turcos chegam aos portões de Viena, cercando-a. Mas, contudo, não tinham artilharia suficiente. Os defensores da cidade viram também as suas munições e comida a escassearem o que permitiu que os Turcos conseguissem abalar algumas fortificações. Nesse mesmo ano Sobieski assinou uma aliança cristã com o Imperador Leopoldo. Nela ficou acordado que uma região sairia em defesa da outra caso surgisse um ataque otomano em Cracóvia ou em Viena. Aquando do ataque turco, Sobieski marchou com as suas tropas até Viena para "continuar a Guerra Santa, e com a ajuda de Deus, devolver a liberdade à cercada Viena, libertando assim a Cristandade". Quando lá chegou juntou-se aos Austríacos e aos Alemães que unidos se aproveitaram da fraqueza dos Turcos e atacaram sem cessar, surpreendendo Kara Mustafa e fazendo com que o seu exército fugisse. Esta vitória libertou a Europa das garras dos Otomanos e assegurou a Cristandade como religião principal de toda a Europa. João Sobieski foi visto não só como o salvador de Viena mas também como o salvador de toda a Europa contra os turcomanos. A 26 de Janeiro de 1699, em Karlowitz foi assinado o Tratado homónimo que encerrou a Guerra Austro-Otomana (1683-1697). Nele os Otomanos foram obrigados a ceder maior parte da Hungria, a Transilvânia e a Eslavónia à Áustria; a Podólia à Polónia; a maior parte da Dalmácia e da Moreia foi entregue a Veneza. Este tratado assinalou o declínio otomano na Europa Oriental e fez com que o Império Austríaco se tornasse na potência dominante no sudeste da Europa - mais uma vez a Europa é unida apenas por consequência de uma ameaça exterior.
  • 8. 8 Considerações Finais Antes de mais, temos que nos concentrar na definição de "Europa". A Europa, e seguindo a linha de pensamento de George Steiner, por exemplo, e dos Gregos em geral, sempre foi uma ideia. A "ideia de Europa" tem se refletido numa consciência de valores comuns que surgiram, principalmente, pela perceção do "outro". Afinal, para que nos consigamos definir como distintos e separados, com características próprias, recorremos à comparação do "outro". Só assim compreendemos aquilo que somos e o que não somos. Esta análise, consciente ou inconsciente, foi realizada pelos europeus da Idade Moderna. A Idade Moderna - este trabalho compreende, maioritariamente, o período entre 1453 e 1699 - tem sido uma das Idades da História mais significativa para a História do Mundo. Foi um período instável uma vez que foi marcado por transformações contínuas: politicamente, como resultado da crise feudal, que tinha começado no final da Idade Média. Economicamente, foi um período de expansão económica com explorações geográficas. Emergiram novos mercados para a economia europeia com exploração de novos territórios, nomeadamente a América e a África; antigos mercados tornaram-se mais eficientes com a introdução das rotas comerciais. Por outro lado, social e culturalmente foi considerado um período de desordem. Começando com o humanismo renascentista em que o "indivíduo" acabou por ser o fator com mais significância na vida social. A Reforma, por sua vez, trouxe uma nova divisão que se tornou permanente dentro do Cristianismo. Considerando o mapa político da Europa no início do período Moderno, podemos observar que, entre as várias potências políticas, dois grandes impérios desempenharam um grande papel no destino do Continente. Na Europa Ocidental e Central a Espanha, os Países Baixos, a Alemanha, a Áustria e a República Checa foram unidas pelo Império Habsburgo, que se transformou num dos impérios mais significativos na história da Europa. Na parte oriental do continente emergia o Império Otomano. Da mesma forma que o Império Habsburgo , foi estabelecido numa pequena área fronteiriça nos finais do século XIII. Contudo, no espaço de dois séculos expandiu-se o Danúbio até ao leste da Anatólia. Ao contrário dos Habsburgos que adquiriram a maioria das suas posses através de herança e casamento, os Otomanos alargaram o seu Império através de conquistas. Carlos V queria reestabelecer o enorme império de Carlos Magno na Idade Moderna e acumular os poderes europeus para acabar com as divisões religiosas emergentes após a Revolução de Lutero. Foi neste ambiente frágil que surgiu o Império Otomano, que foi empurrando as suas fronteiras para a Europa Central.
  • 9. 9 O choque Otomano-Habsburgo contribuiu politica e economicamente para o surgimento da Europa que temos hoje. Sem o avanço Otomano na Europa Central e sem as relações diplomáticas e económicas com os Estados europeus, a Europa contemporânea teria uma aparência completamente diferente. Por outras palavras, fizemos esta análise porque todos nós partilhamos de uma tradição cultural desta Europa e porque os otomanos, sendo mais próximos dos Estados europeus ocidentais, tiveram um profundo impacto sobre a formação da identidade tanto europeia, como turca. Esta proximidade estruturou uma identidade complexa nestas duas regiões que ora se fascinam, ora se repulsam. Não obstante, encontramo-nos ainda numa altura em que vemos o Ocidente e a Ásia não como conceções geográficas diferentes mas antes culturalmente diferentes, em modos de sentir, agir e pensar o Mundo. Oriente e Ocidente sempre estiveram separados por todas as razões ao longo da história. Desde as diferenças irreconciliáveis entre Gregos e Persas até aos nossos dias, a fusão do Ocidente com o Oriente mostra-se impossível. Talvez Alexandre, o Grande tenha sido a maior força a se pensar capaz de operar tal fusão. Mas nem as Guerras Medo-Persas, nem as conquitas de Alexandre foram bem sucedidas. O que nos faz pensar que uma Europa que, hoje, ainda nem tem uma identidade nem um espírito europeu comum poderá aceitar uma Turquia ainda dividida, com quezílias que os Ocidentais consideram antiquadas, com uma mescla de religiões e com o passado sangrento? E, se pensarmos em que consiste realmente uma nação, – porque a Europa, mais que um continente, é (deveria ser) uma nação, – chegamos à conclusão de que é a harmonia convivente entre pessoas, culturas, com um passado comum. Seja ele sangrento ou não. Claramente que o passado histórico, geografia e comportamento político atual não aprovam a entrada próxima da Turquia para a União Europeia. O peso geográfico e demográfico do país pode resultar num desequilíbrio.9 É necessário que se aguarde algum tempo antes de reavaliar a possível entrada da Turquia na Europa, que é possível. Até porque a Europa deve abrir-se a novos horizontes do Mundo, não já para dominar mas para ajudar. É esse o fundamento da Europa - unir e ajudar. 9 2 A Turquia tem aproximadamente 776 000 km e 74 milhões de habitantes.
  • 10. 10 Referências KITSIKIS, Dimitri – Império Otomano. Porto: Rés Formalpress editora, 1996 QUATAERT, Donald – O Império Otomano, das Origens ao século XX. Edições 70, 2008 (PDF, via Scribd.com) GOFFMAN, Daniel – The Ottoman Empire and Early Modern Europe. Cambridge: Cambridge University Press, 2002 (PDF, via Cambridge Univ. Data) TOYNBEE, Arnold J. – The Murderous Tyranny of the Turks. London: Hodder & Stoughton, 1917. PIRES, Maria Laura Bettencourt - Estudos Europeus I. Lisboa: Universidade Aberta, 2001 LE GOFF, Jacques - A Europa Explicada aos Jovens, a Europa Explicada a Todos. Lisboa: Gradiva, 2007. LYBYER, Albert Howe - The Government of the Ottoman Empire In The Time Of Suleiman, The Magnificent. London: Oxford University Press, 1913. COLES, Paul - Os Turcos na Europa. Lisboa: Verbo 1995 VRYONIS, Spero - Bizâncio e Europa. Lisboa: Verbo 1967
  • 11. 11 Anexo 1 A)    Império Otomano na Europa Constantinopla Bósnia Moldávia Montenegro Sérvia Trácia Roménia (Este) Chipre Império Otomano na Ásia Anatólia Síria Palestina Asir Império Otomano em África Egipto B)Mapas e Ilustrações Ilustração 1 - Império Otomano, cerca de 1580 Creta Macedónia Bulgária Herzegovina Hejaz Iémen Albânia Ilhas gregas Mesopotâmia
  • 12. 12 Ilustração 2 - Avanço Otomano na Europa e na Ásia Menor, COMPLETO, Cambridge University.
  • 13. 13 Ilustração 3 - Império Otomano, completo. Ilustração 4 - Chegada dos Turcos a Constantinopla, 1453.
  • 14. 14 4 Ilustração 5 - Primeiro cerco de Viena, 1529. Ilustração 6 - Sobieski enviando a mensagem de vitória para o Papa, após a Batalha de Viena em 1683.
  • 15. 15 Ilustração 7 - Mapa do Cerco de Viena de 1683