1. Intervenção no PAOD
Deputado UMBERTO PACHECO
“ Uma Europa de tolerância e liberdade ”
Exmº Senhor Presidente da Assembleia da República
Senhoras e Senhores Deputados
Comemoramos este ano os cinquenta anos do Tratado de Roma. Não parece ser
exagerado considerar que a União Europeia constitui hoje a maior e politicamente
mais bem sucedida união e comunhão de estados dos tempos modernos.
O projecto político europeu corresponde a velhas aspirações de paz, liberdade,
democracia, solidariedade, justiça, respeito pelos direitos humanos e desenvolvimento.
A ainda curta história da União Europeia é a história de um êxito indesmentível, que
veio proporcionar níveis sem precedentes de paz, de prosperidade e estabilidade e
constituir, para os seus cidadãos, um autêntico “amortecedor” face à mudança
externa. Os princípios e valores da UE não mudaram – liberdade, democracia, estado
de direito, tolerância, solidariedade e desenvolvimento através da cooperação pacífica,
e são tão válidos hoje como quando o Tratado de Roma foi assinado. O mesmo
acontece com o papel central da riqueza cultural e de diversidade na identidade da
Europa.
A Europa fez-se de pequenos passos convictos e de líderes que inspiraram milhões de
europeus a construir o mais notável espaço de paz e concórdia do século XX.
A Europa fala hoje mais de euros, de taxas de juro, de deficits, de PIB’s e fala menos
de valores, de cultura, de conhecimento, de identidade, das pessoas, dos europeus.
A Europa de hoje precisa, antes de mais, de olhar para as pessoas que estão por
detrás das estatísticas dos números do desemprego, para a sua inteligência e
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2. capacidade de iniciativa. Apostar no cérebro dos europeus é reafirmar as bases
fundadoras da União Europeia e fazer renascer o espírito europeu.
No verão de 2006 o presidente da república polaca defendeu a restauração da pena
de morte, abolida desde 1989, com a queda do regime comunista. “Deu uma enorme
vantagem aos criminosos. A vantagem da vida sobre a morte”, disse-o ele em
entrevista à rádio estatal polaca. Não contente, o chefe do estado polaco alegou que
não só o seu país devia recuperar a pena capital, como deveria a EU fazê-lo
igualmente.
Em Outubro, depois de ter preparado a mais restritiva legislação anti-aborto da Europa
(estendendo a proibição a casos de violação), o número dois do governo polaco exigiu
que a União adoptasse políticas semelhantes.
Em Novembro, o primeiro-ministro anunciou que ia boicotar as negociações para a
renovação do tratado comercial entre a EU e a Rússia, principal fornecedora de gás
natural ao velho continente. Felizmente veio a recuar em tal propósito.
Em Fevereiro, um deputado polaco usou o logótipo do PE para difundir um panfleto
anti-semita, onde se dizia: “os judeus preferem viver noutras comunidades”.
Em Março, o governo concedeu um prazo de dois meses a 700.000 dos cidadãos
polacos (jornalistas, professores, funcionários públicos) para que confessassem,
“voluntariamente”, se haviam colaborado com a polícia secreta comunista, nos tempos
do domínio da URSS. Com base nos ficheiros sinistros da polícia política da era
comunista, mais de meio milhão de pessoas, a que não escapam membros da
hierarquia eclesiástica da igreja, serão obrigados a demonstrar que não colaboraram
com o antigo regime. Confessando, obviamente, perderão os seus empregos. O que
significa, obviamente, quatro coisas: delação generalizada, perseguições ideológicas,
vinganças pessoais e uma penosa homologação de procedimentos.
Depois das purgas anticomunistas dos últimos meses, nas próximas semanas o
governo deverá aprovar uma lei que estabelece o despedimento de todos os
professores que “promovam atitudes homossexuais”. Franco Fratinni já avisou que a
UE “actuará com toda a segurança” se se comprovar que “os professores podem
perder o seu trabalho devido à sua orientação sexual”, norma que violaria uma
directiva de 2000 contra a discriminação laboral. “É chocante que um governo
europeu moderno sequer considere uma medida tão draconiana – a promoção
do ódio aos gay é a antítese das regras antidiscriminação que regem a Europa”,
disse Katahalijne Buitweg, dos Verdes da Holanda. Todos estamos, seguramente, de
acordo.
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3. “A Europa foi durante séculos uma ideia, uma esperança de paz e de entendimento.
A esperança tornou-se realidade. A unificação europeia trouxe-nos paz e bem-estar.
Criou um sentimento de comunhão e venceu divergências”.. “Na União Europeia,
tornamos realidade os nossos ideais comuns: no cerne está, para nós, a pessoa
humana. A sua dignidade é inviolável. Os seus direitos são inalienáveis. Homens e
mulheres são iguais em direitos. Aspiramos à paz e à liberdade, à democracia e ao
primado do Direito, ao respeito mútuo e à responsabilidade, ao bem-estar e à
segurança, à tolerância e à partilha, à justiça e à solidariedade ”. “O racismo e a
xenofobia jamais poderão voltar a ter uma oportunidade” (in Declaração de Berlim)
Quem pensar que os valores e as democracias na Europa se protegem e salvam, pondo
em causa o “Projecto e ideais da EU”, amordaçando os fascistas e os comunistas,
discriminando os “diferentes”, talvez esteja profundamente enganado. Se é verdade que
“não há machado que corte a raiz ao pensamento”, como diria o poeta, também não é
menos verdade que isso vale igualmente para as boas e más ideias. Não é dos fascistas e
comunistas e das suas ideias ultrapassadas que devemos ter medo O medo a ter é da
pessoa que habita cada um de nós. Essa sim, é perigosa se não tiver convicções firmes,
coragem para as afirmar e defender, valores morais e um código ético para se guiar.
As dificuldades com que a União Europeia se defronta, não se resolvem renegando os
ideais que a trouxeram até aos nossos dias, mas alterando o rumo político que a tem
norteado. Essa é a tarefa de cada cidadão europeu, de cada um de nós, e é para essa
tarefa que todos somos convocados.
Senhor Presidente, Senhoras e Senhores Deputados !
Termino, recordando o poeta:
Primeiro levaram os negros
Mas não me importei com isso
Eu não era negro
Em seguida levaram alguns operários
Mas não me importei com isso
Eu também não era operário
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4. Depois prenderam os miseráveis
Mas não me importei com isso
Porque eu não sou miserável
Depois agarraram uns desempregados
Mas como tenho meu emprego
Também não me importei
Agora estão-me levando
Mas já é tarde.
Como eu não me importei com ninguém
Ninguém se importa comigo
(Bertold Brecht - 1898-1956)
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