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RODRIGO FERNANDES MENEGATTI
O PRINCÍPIO RESPONSABILIDADE COMO FUNDAMENTO ÉTICO PARA A
PRESERVAÇÃO DA VIDA SEGUNDO HANS JONAS
MONOGRAFIA
FAPAS
Santa Maria, RS, BRASIL
2011
O PRINCÍPIO RESPONSABILIDADE COMO FUNDAMENTO ÉTICO PARA A
PRESERVAÇÃO DA VIDA SEGUNDO HANS JONAS
por
RODRIGO FERNANDES MENEGATTI
Monografia apresentada ao curso de Graduação da
Faculdade Palotina (RS), como requisito Parcial
para a obtenção do grau de LICENCIADO
em Filosofia.
Santa Maria, RS, Brasil
2011
FACULDADE PALOTINA
CURSO DE FILOSOFIA
A COMISSÃO EXAMINADORA, ABAIXO
ASSINADA, APROVA A MONOGRAFIA
O PRINCÍPIO RESPONSABILIDADE COMO FUNDAMENTO ÉTICO PARA A
PRESERVAÇÃO DA VIDA SEGUNDO HANS JONAS
ELABORADA POR
RODRIGO FENANDES MENEGATTI
COMO REQUISITO PARCIAL PARA A
OBTENÇÃO DO GRAU DE
LICENCIADO EM FILOSOFIA
COMISSÃO EXAMINADORA:
______________________________________________________________
Prof. Dr. Marcos Alexandre Alves – orientador (FAPAS/UNIFRA)
_______________________________________________________________
Prof. Dtdo. André Roberto Cremonezi – (FAPAS)
_______________________________________________________________
Prof. Ms. – (FAPAS/UNIFRA)
_________________________________________________________________
Prof. Dr. Valdemar Antônio Munaro – (FAPAS/UNIFRA - SUPLENTE)
Santa Maria, RS, ? de novembro de 2010.
SUMÁRIO
AGRADECIMENTOS............................................................................................... v
RESUMO ................................................................................................................... vi
ABSTRACT..............................................................................................................vii
1. INTRODUÇÃO...................................................................................................... 1
2. VIDA, OBRA E INFLUÊNCIA DE HANS JONAS ........................................... 4
2.1 O problema do dualismo e a resolução segundo Jonas ...................... 4
2.2 As influências de Heidegger no pensamento de Jonas...................... 14
2.2.1 Influências da análise existencial de Heidegger ................................. 15
2.2.2 Influências da critica a técnica............................................................ 18
3. A CRÍTICA A TÉCNICA E AO ANTROPOCENTRISMO........................... 21
3.1 O novo espaço de poder da ação humana.......................................... 22
3.2 As insuficiências éticas tradicionais ................................................... 29
3.2.1 Antigos e novos imperativos éticos .................................................... 31
3.3 A técnica moderna como objeto da ética .......................................... 35
4. O PRINCÍPIO RESPONSABILIDADE COMO FUNDAMENTO ÉTICO
PARA A PRESERVAÇÃO DA VIDA NO PLANETA ........................................ 41
4.1 A heurística do temor na ética da responsabilidade......................... 41
4.2 Fim e valor na ética da responsabilidade........................................... 46
4.3 Bem, dever e ser na ética da responsabilidade.................................. 56
4.4 Estereótipos de responsabilidade: jurídico, político e paterno........ 61
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS .............................................................................. 66
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS................................................................... 69
v
AGRADECIMENTOS
Ao final dessa etapa de minha formação acadêmica nasce o sentimento de
gratidão a tantas pessoas que formam inspiração, motivação, apoio e principalmente
por possibilitarem os meus estudos. Primeiramente agradeço imensamente a meus
pais, Ailton Antunes de Macedo e Almira Lima de Carvalho Macedo. Sou grato a
eles por todo apoio, humano e financeiro, e principalmente por serem exemplos
vivos de dedicação, perseverança e solidariedade. Agradeço a meus irmãos Wyllian
Carvalho de Macedo e Weslley Carvalho de Macedo por todo companheirismo e
fraternidade. A eles dedico especialmente esse trabalho.
Agradeço à Província Nossa Senhora Conquistadora, que através do Colégio
Maximo Palotino me possibilitou os estudos acadêmicos e todos os recursos
necessários para que eu fizesse um ótimo curso de Filosofia. Agradeço a todos os
formadores do Colégio Máximo em especial ao Padre Mércio Cauduro e ao Padre
Paulo Höring Filho. Agradeço também ao Padre Clésio Facco, meu primeiro
formador e grande amigo.
Manifesto meu agradecimento especial aos meus professores na FAPAS. Ao
professor Alceu Cavalheiri, figura importante no meu despertar filosófico. Ao
professor André Cremonezi que em suas aulas de teoria do conhecimento me
despertou para os estudos fenomenológicos. Ao professor Valdemar Munaro que
com sua postura crítica e coerente me ajudou a repensar muitas coisas. Ao professor
Ricardo Antônio Rodrigues pelo trabalho em conjunto como orientador desse
trabalho e de outras pesquisas. Em suma, agradeço a todos os excelentes professores
que pude encontrar nesses anos de estudos filosóficos.
Agradeço também aos meus colegas e amigos que estiveram comigo nessa
caminhada. Aos que estiveram presentes na sala de aula, no Colégio Máximo, e a
todos os que mesmo distantes fizeram parte desse percurso.
Em suma, muito abrigado a todos!
vi
RESUMO
O PRINCÍPIO RESPONSABILIDADE COM FUNDAMENTO ÉTICO PARA
A PRESERVAÇÃO DA VIDA SEGUNDO HANS JONAS.
Autor: Rodrigo Fernandes Menegatti
Orientador: Prof. Dr. Marcos Alexandre Alves
O presente texto monográfico tem o objetivo de analisar o princípio responsabilidade
de Hans Jonas. Para tal, não foi possível penetra com profundidade em seu
pensamento sem antes conhecer a sua trajetória de vida bem como as influências
sofreu. Sendo Judeu, sua vida foi profundamente marcada pelo nazismo. Como aluno
de Heidegger, absorveu as estruturas existências e a crítica à técnica. A partir disso,
foi preciso compreender a suas críticas às premissas da técnica moderna,
principalmente ao antropocentrismo. O ponto central foi à constatação que as éticas
tradicionais já não eram suficientes graças à potencialização da ação humana pelos
desenvolvimentos científicos e tecnológicos modernos. Com isso, um novo objeto
acresce na ordem da responsabilidade humana, isto é, a biosfera toda do planeta.
Jonas críticas os velhos imperativos éticos e propõe novos imperativos para a
civilização tecnológica. Na busca por fundamentos, retornou aos pré-modernos para
lançar através da ontologia novas bases éticas. Teorizou nova ética e ajudou a
preconizar as contemporâneas ecologia e bioética. Assim, fez emergir o princípio
responsabilidade como fundamento primeiro da ética da responsabilidade. Através
das projeções catastróficas com a Heurística do temor e com os conceitos de Fim,
Valor, Bem, Dever e Ser. Por fim, dois estereótipos da nova ética surgiram, a saber, a
responsabilidade paterna e a responsabilidade política.
FACULDADE PALOTINA
CUSO DE GRADUAÇÃO EM FILOSOFIA
Monografia de Graduação em Filosofia
Santa Maria, RS, 26 de novembro de 2011
vii
ABSTRACT
ESSAY ABOUT THE FOUNDATIONS OF THE PHENOMENOLOGY OF
HUSSERL'S CARTESIAN MEDITATIONS.
Author: Rodrigo Fernandes Menegatti
Prof. Dr. Marcos Alexandre Alves
FACULDADE PALOTINA - FAPAS
PHILOSOPHY COURSE
MONOGRAPHY FOR PHILOSOPHY GRADUATION
Santa Maria, RS, November 26th
, 2011
1. INTRODUÇÃO
Este texto monográfico tem como objetivo estudar os fundamentos basilares
da teoria ética de Hans Jonas. Para Jonas, o princípio responsabilidade constitui a
base de sustentação de uma nova ética desenvolvida para a contemporânea
civilização tecnológica. Na sua essência, está presente a tentativa de estabelecer uma
nova ética correspondente aos novos desafios impostos principalmente pela ciência e
técnica moderna.
A proposta jonasiana justifica-se pela sua fundamental importância para a
filosofia contemporânea, com especial destaque a ética comprometida com a vida em
geral e humana. Além do mais, as suas contribuições oferecem base teórica para
fomentar as discussões de problemas da nossa época. A partir desta base, é possível
pensar sobre a ecologia, os avanços da genética, o uso de agentes sintéticos, uso das
novas tecnologias, questões bioéticas e biomédicas. Estes são alguns assuntos de
pano de fundo que suas contribuições legaram à filosofia.
Jonas faz parte do grupo de filósofos cuja trajetória pessoal de vida esteve
profundamente ligada a sua filosofia, tornando impossível qualquer tentativa de
compreensão isolada do seu pensamento. Sendo judeu e vivendo na Alemanha
durante a segunda guerra mundial sofreu na pele a perseguição e os boicotes. Além
disso, sua trajetória intelectual foi profundamente marcada pelos estudos histórico-
crítico sobre a gnose do cristianismo antigo, pela filosofia de Heidegger e pelos
estudos biológicos através da filosofia da biologia.
Entretanto, a fase que o lançou no cenário filosófico mundial em meados do
século XX foi justamente a fase ética. Os seus estudos iniciais partiram da religião,
depois através do contato com os fenômenos biológicos na América da Norte foram
dirigidos aos estudos da filosofia da biologia, por fim, como consequência das suas
vivencias e estudos, partiu para a teorização da ética da responsabilidade.
A ética da responsabilidade surge por uma necessidade. Jonas empreende
uma investigação minuciosa na tradição do pensamento ocidental com intuito de
investigar a trajetória do poder de ação da atividade humana. Descobre que na
modernidade, com o advento das ciências positivas e o desenvolvimento desenfreado
9
da tecnologia, ouve uma grande potencialização da ação humana. Na verdade,
uniram-se os ideais prometeano, galileano e baconiano com a engenhosidade técnica.
Dessa união entre o desenvolvimento teórico e a capacidade de transformação, o
poder de ação humano extrapolou todos os limites naturais.
Na antiguidade, por mais insistentes que poderiam ser as intervenções
humanas, a natureza mantinha-se inalterada. Mas, agora com a nova capacidade de
ação unida aos efeitos cumulativos, pode estar em perigo toda à vida no planeta. Se
antes as preocupações permaneciam dentro das esferas das ações humanas próximas.
Agora é preciso levar em conta o extrahumano e o futuro das gerações precedentes.
Constatado que o mau uso desse poder pode levar toda a vida no planeta para a zona
de perigo.
Diante desse quadro, Jonas propõe uma revisão nas éticas tradicionais. Se a
ética é responsável pelas ações humanas e se as ações foram alteradas, será que a
ética não devia acompanhar estas mudanças. As éticas tradicionais demonstram ser
insuficientes para corresponder aos apelos contemporâneos. Diante desse quadro,
Jonas propõe novos imperativos éticos que servem de antídoto contra o niilismo
moderno que não somente esteve batendo a porta, como entrou e se alojou.
Imperativos que não possuem contradições, diferentes dos velhos imperativos das
religiões e principalmente dos imperativos kantianos. Em suas constituições, os
novos imperativos possuem caráter universal, extrahumano, coletivo e a longo prazo.
Nesse ínterim, Jonas se reporta aos pré-modernos com intuito de retirar da
metafísica a fundamentação da nova ética. Nas suas constituições, a ética da
responsabilidade adquire caráter ontológico. Contudo, não bastam às boas intenções,
os pressupostos do ser como bom, belo, uno, indivisível, é preciso ir além das boas
intenções. Para tal, Jonas propõe o primeiro passo fundamental de sua teoria ética, a
heurística do temor. A heurística do temor adquire caráter pedagógico, pois trabalha
com a capacidade humana projetiva. Através da real contemplação de catástrofes
futuras, criam-se sentimentos para com o dever de conservação. O temor é o único
capaz de despertar os seres humanos dos ideais utópicos e mover a vontade para
ações e medidas de respeito à vida futura.
Nesse sentido, a ética jonasiana é uma ética do futuro quer responder, de
forma especial, as possibilidades de destruição física e essencial da vida sobre a terra.
10
Com esse intuito, fez-se necessário compreender a sua fundamentação. Jonas
trabalha com os conceitos de Fim, Valor, Bem, Dever e Ser. Desses conceitos, retira
o princípio responsabilidade como fundamento último para a preservação da vida.
Por fim, o presente texto monográfico quer descrever, a nível introdutório, os
elementos fundamentais do princípio responsabilidade. Para isso, foi preciso
percorrer a sua trajetória de vida, bem como, as influências que teve ao logo da sua
trajetória acadêmica. Posteriormente a necessidade de tratar da crítica realizada a
técnica moderna e a ética tradicional. Finalizado, já no campo metafísico, com os
componentes básicos do princípio responsabilidade e seus estereótipos.
11
2. VIDA E OBRA DE HANS JONAS
Hans Jonas ganhou notoriedade no cenário filosófico a partir do lançamento
de seu livro O princípio Responsabilidade: ensaio de uma ética para a civilização
tecnológica. Para o autor de um texto sobre a gnose na antiguidade, até então
desconhecido, seu livro apesar de ser acadêmico tornou-se um fenômeno de vendas.
Cumpre destacar que Jonas foi um dos um dos autores mais estudados no período
pós-guerra na Alemanha1
, cujo teor filosófico contribuiu muito com a ética
contemporânea.
Filho de imigrantes Judeus nasceu em Mönchengladbach, na Alemanha, dia
dez de maio de 1903. Suas raízes familiares lhe proporcionaram o contato com a
religião judaica a qual manteve estritas relações. Na juventude, um vínculo forte com
a questão da religião chagando a aderir ao sionismo2
. Sua trajetória intelectual
iniciou com estudos de filosofia e teologia em Friburgo, Berlim e Heidelberg.
No ano de 1921 decidiu estudar em Freiburg atraído pela fama de Husserl. Lá
conhece Martin Heidegger e passa a frequentar os seminários por ele oferecidos. De
imediato, Jonas passou admirar a filosofia do jovem professor Heidegger. Ele
absorve muito da sua filosofia, apesar disso, em uma “declaração ao periódico
L’Unita, Jonas revela sua inquietação, descrevendo-o como ‘um grande pensador,
mas pessoalmente um miserável’”(Zancanaro, 1999, p. 21). Manifestando, desta
forma, o repudio por conta da posição política aderida por Heidegger3
. Na mesma
época, conheceu e estabeleceu amizade com Günther Anders.
1
Hoje as contribuições de Jonas na ética estão sendo muito estudadas. Vale ressaltar que a revista
Dissertatio dedicou uma edição inteira somente sobre o tema do princípio responsabilidade de Jonas.
Isso graças ao apoio do Prof. Robinson dos Santos, no seu artigo O problema da técnica e a crítica à
tradição na ética de Hans Jonas, ele expõe alguns a importantes contribuições de Jonas para se pensar
a ética na atualidade. Movimento nacionalista judaico iniciado no séc. XIX, com vista ao
restabelecimento, na Palestina, dum Estado judaico, e que se fez vitorioso em 1948.
2
Segundo o dicionário Aurélio sionismo significa: “Movimento nacionalista judaico iniciado no séc.
XIX, com vista ao restabelecimento, na Palestina, dum Estado judaico, e que se fez vitorioso em
1948”.
3
“A crítica à técnica e à ciência moderna levou Heidegger a uma tomada de posição politica,
ocupando o posto de reitor da Universidade de Freiburg (1933-1934) e aderindo ao partido nazista.”
(Livro sobre Heidegger, p. 82)
12
Apesar do contato direto com grandes filósofos, Jonas dirigiu seus estudos
iniciais a temas voltados a religião, no mesmo ano de 1921 decidiu ir para Berlim e
matriculou-se simultaneamente na Universidade Friedrich-Wilhelms de Berlim e na
Escola Superior de Ciências do Judaísmo. Leo Strauss, Gershom Scholem, Martin
Buber, Franz Rosenzweig foram alguns pensadores com quem conviveu nesta época
e que, conforme ele mesmo atesta, tiveram influência sobre sua posição relativa ao
tema da religião.
Nos anos 1923/24 Jonas retornou a Freiburg e retoma os seminários de
Husserl, na mesma época conheceu Max Horkheimer e teve breve contato com
Rudolf Carnap. Em 1924, atraído por Heidegger mudou-se para Marburg. Foi
marcante nesta época a grande amizade e convívio que estabeleceu com Hannah
Arendt e com Hans-Georg Gadamer. Jonas permaneceu em Marburg até 1928,
quando concluiu seus estudos. Para obtenção do doutorado elaborou tese que teve
como orientadores o filósofo Heidegger e o teólogo Rudolf Bultmann sobre o
conceito de gnose da antiguidade tardia posteriormente publicada4
.
Em 1933, com a ascensão do partido nazista ao poder, Jonas se vê obrigado a
deixar sua pátria pelos boicotes e perseguições que sofreu. Assim, mudou-se para a
Inglaterra e no ano seguinte para Israel em Jerusalém onde permanece de 1935 a
1949. Entre os anos de 1940-1945, engajou-se como soldado da armada judia do
exercito britânico combatendo, como soldado da artilharia, no Mediterrâneo, na Itália
e na ocupação da Alemanha. Com isso, cumpre a sua promessa de somente voltar ao
seu país de origem se fosse como integrante de um exército vitorioso5
.
Imediatamente após a queda de Hitler, retornou a sua cidade de origem para ver sua
mãe, mas toma conhecimento de que ela tinha sido manda para a câmara de gás em
Auschwitz. Este episódio contribuiu para que ele não quisesse permanecer mais na
Alemanha.
Retorna a Jerusalém e adere ativamente ao sionismo tomando parte na Guerra
árabe-israelense de 1948. Já em 1949, transferiu-se para o Canadá, onde foi professor
visitante nas universidades de Ottawa e Montreal (1949-1955). Depois foi para Nova
4
Este trabalho de Jonas foi sobre a gnose no cristianismo antigo que posteriormente tornou-se livro e
foi publicado em 1934.
5
Em seu livro Memórias escreve Jonas: “Eu fiz um juramento sagrado, uma promessa: não regressarei
jamais, a não ser como soldado de um exército invasor”. (2005, p. 142).
13
York e assumiu o cargo de professor titular da New School of Social Research
(1955-1976) e por fim professor visitante na Columbia University, Princeton
University, University of Chicago e em Munich (1982-1983) 6
.
Apesar de modesta, possui uma rica produção intelectual. As principais obras
de Jonas são: O princípio vida: fundamentos para uma biologia filosófica (1966); O
Princípio Responsabilidade: ensaio de uma ética para a civilização tecnológica
(1979); Ética, Medicina e Técnica (1994). Além destas obras, existem centenas de
ensaios, conferências e artigos publicados. Ele recebeu diversas condecorações,
prêmios e títulos honoris causa. Contudo, foi na Alemanha que o seu pensamento
ganhou a merecida atenção7
. Em cinco de fevereiro de 1993 ele faleceu com 89 anos
em sua casa, em Nova York.
Para finalizar, é preciso dizer que três são os momentos da vida intelectual
Jonas. Na apresentação do livro Princípio Responsabilidade há uma alusão a cada
um deles. No primeiro, sob a influência de Heidegger e Bultmann, debruçou-se sobre
o tema da gnose no cristianismo primitivo. O segundo foi o grande momento de sua
vida intelectual, pois tentou reconduzir novamente a vida a uma posição privilegiada,
distante dos extremos do idealismo e do limitado materialismo. Por fim, a terceira
grande fase intelectual de Jonas, na busca por fundamentos éticos, trabalhou na
formulação do princípio responsabilidade. (2006, p. 21)
2.1 O problema do dualismo e a resolução segundo Jonas
Para compreender o pensamento jonasiano e a sua teoria ética é importante
conhecer as principais influências que foi tendo ao longo do sua formação
intelectual. Tendo presente as fases de seu pensamento, não é possível compreender
a ética sem antes passar pelos seus estudos históricos da gnose e os estudos acerca
dos fenômenos biológicos. Uma abordagem que contribui para perceber os aspectos
mais importantes destas duas fases é o dualismo. O problema do dualismo moderno
6
Mais detalhes podem ser encontrados na tese de doutorado do professor Zancanaro O conceito de
responsabilidade em Hans Jonas e no livro de Jonas Memórias.
7
Fonsêca ajuda a caracterizar melhor o destaque que o livro de Jonas teve ao dizer: “o princípio
Responsabilidade, obteve uma procura de 200.000 exemplares, uma cifra absurda para um livro de
filosofia na Alemanha.” (2007, p. 165).
14
torna-se chave de leitura de seu progressivo pensamento que desembocou na ética.
Por fim, não é possível compreender Jonas sem a influência do pensamento
heideggeriano, com destaque as categorias existências e a questão da técnica
moderna.
A questão do dualismo é um tema recorrente na obra de Jonas, principalmente
nas fases anteriores à elaboração ética. Ele merece destaque, pois é concebido “como
um problema central na reflexão filosófica Jonasiana” (Fonseca, 2010, p. 57). Nesta
esteira, Jonas apresenta uma possível superação solução do dualismo radical gnóstico
e cartesiano.
Igualmente, é necessário saber por que o dualismo é tão importante ao ponto
de ser considerado um dos problemas centrais das reflexões de Jonas? Por que ele é
um problema que precisa ser solucionado? Jonas preocupou-se muito com a questão
do dualismo, de forma especial, para pensar a dignidade do homem agindo no
interior do mundo onde ele se encontra.
Desde os seus mais tenros escritos é possível perceber os esforços para a
resolução do dualismo. Ele aparece tanto na sua tese sobre a gnose8
, quanto na sua
obra O Princípio Vida. O dualismo de início ganha importância para Jonas pelo seu
papel histórico. Segundo Jonas, “sua importância para o nosso contexto consiste em
que ao longo de toda sua carreira, [...] ele trabalhou para retirar da esfera física os
conteúdos espirituais, e por fim, [...] deixou atrás de si um mundo privado de todos
8
“O termo ‘gnose’ quer dizer, literalmente ‘conhecimento’. Mas, tecnicamente, tornou-se indicador
daquela forma particular de conhecimento místico própria de algumas correntes religioso-filosóficos.
[...] A gnose que nos interessa aqui é a que se vincula ao cristianismo. [...] O objetivo específico do
conhecimento gnóstico é Deus e as coisas últimas relativas à salvação do homem”. (Reale, p. 34)
Além destes elementos, “a gnose diz respeito aos seguintes pontos: 1) quem éramos e o que
nos tornamos; 2) onde estávamos e onde fomos lançados; 3) aonde desejamos ir e de onde fomos
resgatados; 4) o que é o nascimento e o que é o renascimento. [...] Na experiência do gnóstico, a
tristeza, e a angústia emergem como dados fundamentais, porque revelam um impacto negativo e a
consequente tomada de consciência de uma cisão radical entre bem e mal. [...] Se o homem sofre o
mal, isso significa que ele pertence ao bem. Portanto, o homem provém de outro mundo e a ele deve
retornar. [...] O gnóstico deve tomar consciência de se e, conhecendo-se a si mesmo através de si
mesmo poderá então retornar á pátria originária. [...] Este mundo, que é mal, não foi feito por Deus,
mas sim por um demiurgo mal.” ( Reale, p. 35).
Principalmente esta ultima parte exposta sobre a doutrina gnóstica sobre a via negativa para
afirmação do bem foi assimilada por Jonas. Posteriormente irá propor como movente do sentimento
de responsabilidade, em termos jonasiano heurística do temor.
15
estes atributos.” (2004, p. 22). O dualismo tornou-se uma das via de compreensão do
niilismo moderno9
e do ceticismo moral.
Na primeira ordem, dentro das investigações de Jonas, encontra-se o
dualismo gnóstico. Sobre ele, Jonas escreve que “a descoberta do “eu” [...] culminou
com a concepção cristã e gnóstica de uma interioridade no ser humano totalmente
alheia ao mundo”. (2004, p. 22). Isso porque, no contexto gnóstico, o mundo é
desprezado em face do eu interior. Além disso, este dualismo constitui “uma ruptura
absoluta, uma torção ou uma perversão da cadeia do ser que atinge as raízes mesmas
da vida humana no mundo.” (Jonas apud Fonseca, 2010, p. 58).
Eventualmente, Jonas não se preocupou com a solução imediata do dualismo
em si, sim com as suas consequências. A consequência mais temida por Jonas é o
niilismo que torna os valores relativos e as ações vãs. Referindo-se a posição de
Jonas, Fonseca afirma que “na base de sua crítica ao dualismo gnóstico encontra-se,
por um lado, as críticas ao niilismo e, por outro, ao ceticismo moral, como a sua pior
consequência10
”. (2010, p. 58).
Nestas alturas, é possível perceber o germe da separação que houve entre vida
interior humana com as coisas da natureza. À medida que o dualismo avançava, foi
se acentuando a separação, ao ponto de os elementos separados deixarem de ter
qualquer coisa em comum. Com essa separação entre alma e mundo, quem saiu
perdendo foi o mundo, pois “enquanto, a alma, que se voltava para si própria, atraía
para si todo o significado e toda a dignidade metafisica, e se concentrava no seu ser
mais íntimo, o mundo era despido de todas estas exigências” (Jonas, 2004, p. 24).
Assim sendo, o dualismo gnóstico fortaleceu ainda mais a ideia de separação.
Depois dele, existem duas realidades a alma e o mundo. Entretanto, Jonas assevera
que “o mundo inteiro é sema, túmulo da alma ou do espírito, daquela estranha
inclusão no que de resto não tem relação alguma com a vida” (2004, p. 24). Esse é
um dos traços fortes da gnose, o desprezo pelo mundo. Neste tipo de dualismo, os
9
Em Jonas é possível perceber mais duas vias que contribui para o niilismo moderno: o dualismo
entre homem e natureza e a questão da técnica e da potencialização do sujeito moderno que
posteriormente será desenvolvida.
10
Além desta questão do dualismo, Jonas foi profundamente influenciado pela posição gnóstica
negativa, da angústia e tristeza, como pressuposto para tomada de consciência da cisão entre bem e
mal. Neste particular, em estudos posteriores Jonas reelaborou esta via negativa, formulando um dos
traços fortes de seu pensamento o método da heurística do temor.
16
polos se encontravam como oposições correlatas ou interdependentes, não havia
anulação de um pelo outro.
Além do dualismo gnóstico, Jonas trata do dualismo moderno, sujeito/objeto
espirito/natureza. Segundo Jonas, o segundo termo desse dualismo, “goza de uma
realidade independente e, finalmente interior” (2004, p. 24). Na antiguidade não era
concebida a separação entre espírito e matéria. Já na modernidade isso passou a ser
comum. O precursor desse tipo de dualismo foi René Descartes com a separação
radical entre res cogitans e res extensa.
A posição sustentada por Descartes e sua explicação da res cogitans e res
extensa são insuficientes para Jonas. Fonseca explica a posição de Jonas onde
“embora admita que a tese cartesiana seja teoricamente consistente; ao se reduzir de
um lado à natureza objetivante e de outro ao espírito subjetivante, tal formulação não
permite a emergência do organismo vivo.” (2010, p. 60). Essa redução denunciada
por Jonas empobreceu ainda mais a compreensão da vida em geral e da vida humana.
Com intuito, Jonas tenta superar estas duas visões dualistas através dos
fenômenos biológicos com a noção de organismo. Na visão de Zancanaro, “Jonas
percebe no organismo, na sua fusão insolúvel de interioridade e exterioridade a
contraprova decisiva da divisão dualista e também a chave para reintegrar uma
ontologia e uma teoria do ser nessa realidade fracionada.” (1998, p. 28).
Contudo, o que esta em jogo nesta investigação de Jonas é a liberdade. Para
Jonas, a liberdade está prefigurada nas mais remotas formas de vida. Assim, enfatiza
que já “o metabolismo, a camada básica de toda existência orgânica, permite que a
liberdade seja reconhecida – ou que ele é efetivamente a primeira forma da
liberdade” (2004, p. 13).
Com isso, é possível perceber este lampejo de liberdade presente no
metabolismo considerado como a mais remota forma de vida. A liberdade assim
entendida é nada mais do que este princípio estranho aos astros, aos planetas e aos
átomos. Jonas não se preocupa com a origem do ser, apenas trabalha com a noção de
ser ai. Aliás, segundo Jonas, “o conceito de liberdade pode efetivamente servir-nos
de fio de Ariadne para a interpretação do que nós chamamos de ‘vida’” (2004, p. 13).
Existe um caminho ascendente cuja liberdade está presente, se assemelha a
teoria darwinista, apesar de Jonas não estar de acordo com ela. O caminho
17
ascendente proposto por Jonas não é constituído tão somente de êxitos. Dado que
para ele, “o privilégio da liberdade carrega em seus ombros o fardo da necessidade, e
significa existência em risco” (2004, p. 14). Percebe-se que no constante embate
existente entre a liberdade e necessidade, ser e não ser acontece a dinâmica
ascendente, das mais remotas formas de vida a mais complexa, o ser humano. Ou
seja, a vida torna-se dinâmica e pode ascender quando se encontra em embate com a
sua antítese, a mesma dinâmica acontece com os polos dualistas em pauta.
Segundo Jonas, a vida se manifesta nestas polaridades básicas que por sua vez
determinam a existência. Polos como ser e não ser, eu e mundo, forma e matéria,
liberdade e necessidade. Neste sentido, “viver é essencialmente estar relacionado
com algo; e relação, com tal, implica ‘transcendência’” (2004, p. 15). O homem
transcende o mundo em que vive, ou melhor, a própria existência no mundo é
chamada transcendência.
Das polaridades mencionadas, a mais fundamental é a do ser com o não ser.
Por que constitui a existência como uma luta pela sobrevivência do ser que por fim
será vencido pelo não ser (morte). Jonas explicita a ousadia da existência, pois “cheia
de medo da morte, põe em foco a ousadia original da liberdade que a substância
assumiu ao torna-se orgânica” (2004, p. 16). Assim, a preocupação recai sobre o
organismo tanto do ponto de vista objetivo das realidades do mundo, como do ponto
de vista das reflexões interiores do homem.
Para Fonseca o objetivo das investigações de Jonas sobre o dualismo consiste
em “alcançar uma compreensão integral dessas duas dimensões, eliminando a
separação entre o homem e as demais formas de vida” (2010, p. 61).
Jonas não nega a polaridade existente, antes estende até as mais remotas
fronteiras da vida, para afirmar que nas contradições como liberdade e necessidade,
eu e mundo, criatividade e imortalidade estão em germe às formas mais primitivas da
vida. Esta oscilação que acontece entre os diferentes é em si um “horizonte interno
de transcendência” (Jonas, apud Fonseca 2010, p. 62). Quer dizer, não há
contradição ou anulação de um pelo outro, mas uma relação dialética de
complementaridade.
No entanto, a liberdade em jogo está longe de ser absoluta. Ela encontra-se
em constante embate com a necessidade. A liberdade enquanto privilegio diferente
18
da matéria inanimada porta o fardo da aflição que significa existência em perigo.
Fonseca caracteriza esta liberdade de “liberdade dialética, que tem o risco
permanentemente crescente como sua outra face” (2010, p. 65). Neste embate entre a
liberdade e a necessidade, Jonas apresenta a expressão do desafio que coloca a cada
organismo, para assegurar a própria sobrevivência11
.
Deste modo, é possível extrair algumas consequências desta possível
resolução do dualismo segundo Jonas. Primeiramente, a exposição de Jonas amplia a
dignidade humana a todo ser vivo, ao fazer da liberdade uma condição inalienável de
todas as formas de vida. Assim, segundo Fonseca, “ele transpôs o abismo que
separava o homem e o mundo, restituindo ao homem sua condição de integrante do
mundo, em estreita relação com todos os demais seres vivos” (2010, p. 70).
A segunda consequência extraída contribui para o plano ético, pois poderá
estabelecer no nível ético uma dialética semelhante à dialética da liberdade.
“Corresponderia à dialética do valor e da obrigação ética se impondo à liberdade
humana” (Ibid.). A terceira consequência útil para a ética é aplicar a resolução do
dualismo apresentado, no dualismo moral que opõe o ser ao dever-ser.
Por fim, com o conceito de liberdade ampliado a todo ser vivo, em relação
dialética com a necessidade, forma-se o organismo que pode e deve realizar o
metabolismo. Neste sentido, existe uma “continuidade entre mente e organismo,
entre organismo e natureza e por isso a ética se torna parte da filosofia da natureza”.
(Jonas, 2004, p. 271).
Para finalizar, o problema do dualismo nasce em Jonas por causa das suas
consequências niilistas. De um lado, com a posição gnóstica temos o descredito da
ação humana no mundo, de outro, com o cartesianismo a separação psicofísica
resultado no problema da falta de explicação da ação do corpo no mundo. Assim,
Jonas investigando os fenômenos da vida, em consonância com a realidade,
encontrou inúmeras dualidades em relação dialética. Neste embate entre as
polaridades, os diferentes não se anulam, mas se completam continua e
simultaneamente.
11
Sobre este assunto existe um artigo publicado na revista Dissertatio intitulado A transanimalidade
do homem: uma premissa do princípio responsabilidade. O autor chega à conclusão, a luz do
pensamento de Jonas, que é no ser humano como transanimal que a liberdade alcança seu auge e,
consequentemente, nele se efetiva a demanda da responsabilidade.
19
2.2 As influências de Heidegger no pensamento de Jonas
Jonas toma contato com o professor Heidegger em meados da década de 20
quando passa a frequentar os seminários por ele oferecidos em Freiburg. A partir daí,
passa a fazer parte dos privilegiados alunos do Jovem Heidegger. Mesmo tendo
escolhido estudar tema relacionado à religião, Heidegger passou a influenciar a sua
pesquisa. Zancanaro comenta que, “a influência de Heidegger é decisiva, e seu
projeto é impensável sem seus ensinamentos” (1998, p. 22). Com esse intuito, é
imprescindível saber: quais foram as principais influencia que Heidegger exercera
sobre Jonas? O que as suas investigações suscitaram nele?
Durantes os anos que foi aluno de Heidegger, Jonas participou ativamente das
discussões que antecederam a obra Ser e Tempo. Além do mais, a base do
pensamento jonasiano foi ancorada nas suas categorias existenciais. Ele percebia no
jovem Heidegger um pensador em potencial, com capacidade peculiar de penetrar
nos textos antigos e traze-los para atualidade de forma inovadora e surpreendente.
Deste modo, duas coisas são imprescindíveis conhecer em Heidegger, a primeira diz
respeito às categorias existências, isto é, a sua análise existencial, a segunda diz
respeito à questão da técnica moderna.
2.2.1 Influências da análise existencial de Heidegger
Na primeira fase de seu pensamento, Heidegger de modo particular realizou
análises detalhadas sobre a condição existencial. Com este empreendimento, lançou
as bases do existencialismo contemporâneo ocidental. Não cabe aqui fazer
explanações exaustivas sobre o existencialismo, apenas mostrar alguns aspectos em
particulares desta fase que foram importantes para Jonas.
Nicola Abbagnano acena, em relação à filosofia contemporânea da existência,
três designações para o termo existência: “1) o modo de ser próprio do homem; 2) o
relacionamento do homem consigo mesmo e com o outro; 3) relacionamento que
resolve em termos de possibilidade” (2000, p. 400). Neste momento, é importante
fixar as reflexões apenas na segunda designação, pois nela o existencialismo é um
20
modo de ser em situação, entendendo-se com isso, o conjunto de relações analisáveis
que vinculam o homem ás coisas do mundo e aos outros homens. Entretanto, as
relações não são necessárias nos seus modos de manifesta-se, as situações concretas
só podem ser analisadas em termos de possibilidades. Neste ponto, Heidegger foi o
primeiro a formular uma análise das caraterísticas da existência.
Ele não está interessado em investigar os conceitos abstratos de existência
contidos na tradição clássica ocidental. Para ele, não bastam às essências racionais é
preciso levar em conta a existência concreta isto é, o ser aí (Dasein) 12
. Tematiza
originalmente, um modo de ser próprio da existência humana, em sua singularidade,
que transcende as investigações abstratas. Heidegger acusa a tradição de ter
esquecido o ser. Em seus termos, o elemento ontológico faz essencialmente parte da
filosofia da existência, sem esse elemento não se pode conhecer a condição
existencial.
A existência como possibilidade está intimamente ligada com a alternativa
entre o modo de ser autêntico e inautêntico. Para Heidegger, o modo inautêntico é
aquele que leva os entes a existência cotidiana e anônima. Percebe-se, pois, o que
está em jogo é a possibilidade da existência autêntica. Ela deve ser escolhida sendo a
mais própria do ser. Mas o que possibilita a existência autentica? Para ele, essa
possibilidade é a morte. Segundo Zilles, “para Heidegger, esta possibilidade própria
é a morte, pois ‘viver para a morte’ é a ‘possibilidade da impossibilidade da
existência” (1995, p. 16). Em termos gerais, viver para a morte é compreender a
impossibilidade da existência, isto exige uma existência mais autêntica.
Nos seus estudos iniciais, Jonas trabalha o tema da gnose. Entretanto, o que
se fomentava na época eram termos relacionados ao existencialismo13
. Jonas relata,
ao voltar para o estudo da gnose, que pode perceber pontos de vistas diferente do
tema, graças às contribuições existenciais de Heidegger. Elas possibilitaram
“condições de ver aspectos do pensamento gnóstico que ainda não havia sido visto
até então” (2004, p. 233).
12
Caracterização do Dasein mais detalhada livros: o que é existencialismo, Heidegger, Stein, Zilles;
13
No da coleção primeiros passos O que é existencialismo é possível encontrar os traços gerais desta
corrente que foi muito discutida na década e 40 e 50. Dentre as correntes recorrentes é possível
encontrar a corrente ligada a Heidegger que mais nos interessa.
21
Em contrapartida, o existencialismo que havia fornecido os meios para uma
análise histórica, ficou ele próprio envolvido pelos resultados desta análise. Ele
contribuía com o seu método e através das suas categorias. As categorias têm por
objetivo explicar as estruturas básicas da existência humana, tornando-se em Jonas,
instrumento de compreensão da gnose. Entretanto, a gnose também contribuiu para
com o existencialismo, possibilitando novas abordagens. Para Jonas, a solução
existencialista da gnose e a leitura gnóstica do existencialismo se complementam.
No texto que aborda esta questão, Jonas está interessado em expor as
contribuições da gnose e do existencialismo moderno, com intuito de apresentar as
consequências niilistas14
. Percebe que, ao longo da história, culminando com o
existencialismo perdeu-se algumas características fundamentais que, por sua vez,
favoreceram o niilismo. Como os valores do ser, que na antiguidade eram definidos
agora deixam de ser considerados. A desconsideração do valor em si das coisas. A
vontade que se torna substituta da contemplação (teoria). A supressão da condição
transcendente do ser humano pela relação de poder e domínio. Enfim, a relação com
a natureza de forma meramente instrumental.
Jonas diz que, “no fundo da situação metafisica que levou o existencialismo
moderno aos seus aspectos niilistas, se encontra uma mudança na imagem de
natureza”. (2004, p. 237). Sem o referencial de natureza as ações humanas tornam-se
vãs.
Jonas apresenta o niilismo como ponto de união das duas posições. A
primeira provém da cristandade tardia com os gnósticos. Até então, a visão de mundo
era harmoniosa e o homem fazia parte da totalidade do cosmo. Mas, a partir das
contribuições gnósticas, o homem passa a ver o mundo estranho a sua realidade. Para
o gnóstico, o mundo é naturalmente alheio à realidade humana, hostil e mal. O
homem é lançado a este mundo que não escolheu e é obrigado a conviver com ele.
Com isso, quebra-se a antiga visão da lei cósmica, que era venerada pela razão que
14
Dentro do livro O principio Vida, Jonas tem um artigo intitulado Gnose, existencialismo e niilismo,
com ele que pretendemos explorar a relação de Jonas com as termos existências em Heidegger. Nele
também Jonas pretende explorar as contribuições tanto do gnosticismo ao existencialismo, quanto do
existencialismo para o gnosticismo. Além disso, afirma que os dois possuem alguma coisa em comum
entre si, e que esta alguma coisa é de tal natureza que seu estudo pode levar a uma mútua e mais clara
compreensão de ambos.
22
dela provinha e orientava a razão humana. Na visão de Jonas, a consequência disso
“torna vã a liberdade do ser humano” (2004, p. 240).
A noção de mundo, impressa pelos gnósticos, tira o caráter ordenador do
mundo. Apesar disso, ele continua sendo cosmo, isto é, ordem, mas uma ordem mais
tirânica e desvinculada do humano. O que predomina neste ‘estar no mundo’ é o
medo. “O medo sinaliza que o eu interior despertou do sono ou da embriaguez do
mundo” (2004, p. 241). O ser humano sente-se alienado ao mundo e a si mesmo.
Com isso, é possível perceber aberturas para a instalação do niilismo. Entretanto, este
quadro apresentado pelos gnósticos, tem solução segundo Jonas. A saída apresentada
provém do mundo, pois o mundo deve ser vencido pelo poder.
A segunda constitui um modo mais rebuscado de niilismo, pois ganha forças
com o existencialismo moderno. Segundo Jonas, em relação ao existencialismo, ouve
uma desvalorização da natureza, manifestado pelo esvaziamento espiritual da ciência
natural moderna. O existencialismo não se preocupou com a natureza, pois não
conservou nenhuma dignidade. Jonas afirma, “nunca uma filosofia preocupou-se tão
pouco com a natureza quanto o existencialismo” (2004, p. 250).
Com esse empreendimento, Jonas mostra que, os aspectos da gnose
contribuíram para compreender o existencialismo e o niilismo moderno. Da mesma
forma, com as contribuições das categorias existenciais pode perceber melhor os
movimentos da gnose. O existencialismo contribuiu para esse niilismo, situado
primeiro por Nietzsche e depois por Heidegger, que consiste no dualismo entre
homem/natureza e homem/realidade.
No entanto, em Jonas há uma preocupação grande por solucionar este
problema do niilismo moderno. Com Heidegger, Jonas pretende superar o dualismo,
através da compreensão da existência, que é estar no mundo, mas em movimento de
transcendência, pois o fim para o qual o homem corre está no mundo. Diferente da
compreensão que não leva em conta a natureza e o mundo onde o homem não corre
para nenhum fim. Para Jonas, o mundo tem sentido referencial, pois possibilita o
desejo de transcendência. Todavia, ele também representa liberdade que usada de
forma errada pode colocar em perigo a existência.
23
Nas palavras de Zancanaro, “a influencia heideggeriana pode ser percebida
no uso de estruturas existenciais, como: possibilidade, projeto, renúncia, presente,
passado, futuro, liberdade, cuidado, angústia e existência” (1998, p. 33).
Jonas afirma que a possibilidade das conquistas tecnológicas, das catástrofes
e da não existência de vida no futuro, faz com que o temor pela morte essencial ou
vital seja capaz de impor limites ou freios as ações humanas. Por isso, os ‘projetos’
tem como objetivo antecipar certas possibilidades e a catástrofe é uma delas.
O futuro é um continuo inesperado que precisa ser zelado. Zancanaro
comenta que, “aqui se revela novamente a ‘heurística do temor’, ou seja, sem o
pressentimento do futuro, o presente seria uma terra sem cuidados” (1998, p.34). Na
compreensão de Jonas, o passado é o imutável, o presente são as ações e o futuro é o
mutável. O futuro, deste modo, é alvo de ‘pré-ocupação’, com ameaça de poder
engolir o presente. O presente cheio de cuidados é um eco do futuro.
Jonas afirmar que as possibilidades de catástrofes não são mais delírios
ilusórios. Diante da expressão do poder do homem pela técnica e pela onipotência da
vontade de potencia do homo faber, não resta alternativa senão antecipar ou projetar
esse mesmo ‘nada’ como possibilidade de mover o sentimento para a ação. A
possibilidade da impossibilidade heideggeriana é revelada por Jonas ao falar da
escolha por um não ao não ser. É a via negativa de tomada de consciência daquilo
que é possível que se realize. A existência para Jonas é “ser adiante de si, cuidado,
projeto, decisão, antecipação da morte, são modos existenciais do futuro”
(Zancanaro, 1998, p. 36).
Para concluir, é importante ressaltar que durante esta explanação foi possível
perceber alguns aspectos de Heidegger que também estão presentes em Jonas. Os
dois estiveram preocupados com a questão do niilismo. Jonas de modo perceptível
pelos esforços em retirar da própria condição existencial a responsabilidade objetiva
e Heidegger, apesar de ficar no plano metafísico, procura resgatar o sentido do ser
criticando a técnica moderna.
2.2.2 Influências da critica a técnica
24
Para Jonas, Heidegger conseguiu perceber os movimentos que foram
acontecendo ao longo de toda história da filosofia, pois descreveu de forma original a
experiência moderna da ansiedade como consequência da compreensão distorcida do
ser. Isso o levou a ter uma visão pessimista da ciência e da tecnologia,
compreendendo nelas uma visão dogmática onde se reduz a existência a sua
instrumentalidade. Acontece desse modo, o ‘esquecimento do ser’ e isso inviabiliza o
projeto da existência humana autêntica. Entretanto, Heidegger limita-se tão somente
a entender a essência da técnica, não demonstra nenhuma preocupação com a ética.
Essa é uma tarefa para os seus alunos.
Heidegger foi um dos primeiros filósofos a propor uma revisão do sentido da
técnica moderna. Pretendia discutir a essência da técnica para além das dimensões
metafisicas e epistemológicas. Numa de suas conferências intitulada Língua da
tradição e língua da técnica, investiga a questão da técnica de modo particular.
Segundo ele “a técnica – corretamente concebida – penetra e domina todo o domínio
da nossa meditação” (1995, p. 14).
O caminho que Heidegger parte, passa pela desmistificação da noção de
técnica frequentemente concebida. A técnica, neste sentido, não pode ser apreendida
como um meio para obter algo ou como atividade humana. Tão pouco, Heidegger
está interessado pela concepção moderna da técnica como instrumento de
intervenção na natureza. Até por que, a técnica não é a mesma coisa que a essência
da técnica. Ele está interessado na essência da técnica. A essência da técnica é o ‘que
é’ propriamente, já a técnica comumente concebida é um meio para um fim realizado
pelo homem15
.
Avançando na compreensão, é importante destacar como Heidegger vai
conceber a essência da técnica. Ele fez o caminho inverso, partiu da compreensão
histórica da técnica para se chegar à essência. Partiu de uma análise dos termos
poiesis, techné, episteme e aletheia. A poiesis significa: fazer emergir conduzi-lo ao
aparecer, seria a produção natural que independe do homem. A techné é a produção
com intervenções humana, mas de forma simples. A episteme é o conhecimento
desta produção, natural (poiesis) ou técnica (techné). Esse conjunto de fatores
15
Dubois, esclarece que “a essência deve aqui ser compreenda historicamente, no sentido de um certo
destino dos ser e do desvelamento”. (2004, p. 136).
25
constitui a aletheia que é o desvelar. Esse desvelar, diz Heidegger, que os gregos
chamavam aletheia, os romanos denominavam verdade. (César, 1980, p. 66).
Com isso, Heidegger chega à essência da técnica: desvelar, mostrar a
verdade. Ele supera a concepção moderna de técnica como usura da natureza por
meios de intervenção humana. Agora, a técnica é essencialmente um modo de
verdade (desvelamento) dos entes que são realidades em termos de manifestação.
Nesse sentido, qual seria o modo específico de desvelamento, que distingue a técnica
moderna, e como o homem nela toma parte?
A moderna técnica não requer dos entes a produção, mas a requisição da
natureza. Ela desafia a realidade dos entes e, exige deles, para satisfazer a realidade
de consumo. Por exemplo, existe diferença entre usar uma roda d´água num rio e
construir uma usina para extrair energia. A primeira forma, não exige uma mudança
radical na manifestação do rio, enquanto que a usina exige do rio a sua força, toma
de forma autoritária. Eis a diferença, a requisição da moderna técnica que, por sua
vez, não tem nada haver com a produção no sentido antigo.
Na moderna técnica, as necessidades são elas mesmas um produto. Os entes
para os modernos nada mais são do que objetos a serem utilizados e manipulados
pelos sujeitos. O homem através da essência da técnica tem a possibilidade de optar
por duas atitudes: em desenvolver apenas aquilo que se revelou o que caracteriza o
mundo, ou buscar, de modo original, o significado das coisas. No caso da
modernidade, a opção é a primeira, o mundo é tornado um fim em si e se torna
ameaçador. Heidegger esclarece essa questão dizendo:
O que a técnica moderna tem de essencial não é uma
fabricação puramente humana. O homem actual é ele próprio
provocado pela exigência de provocar a natureza para
mobilização. O próprio homem é intimado, é submetido à
exigência de corresponder a esta exigência. (1995, p. 29).
O que poderia lançar luzes sobre está situação da técnica? Já que o destino do
homem é corresponder às exigências dos apelos da técnica. Na compreensão de
Dubois, “O perigo diz respeito portanto justamente á própria essência do homem,
isto é, de ser aquele que responde pelo próprio ser!” (2005, p. 139).
26
Heidegger cita e medita estes versos de Hölderlin: ‘mas ali onde há perigo, ali
também cresce o que salva’. Com base, no perigo que a técnica encerra, reside à
possibilidade de salvação do homem. Até porque, salvar em sua compreensão quer
dizer reconduzir à essência. Neste sentido, Stein tem razão ao dizer que “a salvação
emerge da consciência de que o homem se defronta na técnica apenas com um modo
de desvelar a verdade” (1966, p. 118).
Heidegger caracteriza a época atual de técnica planetária, da pura
instrumentalidade, do engenho e do desvelamento dos entes. O homem rompe com a
sua própria essência, que consiste em manter-se aberto ao sagrado, ao ser. Em
Heidegger, há um apelo grande para refrear o obscurecimento do mundo e por
recuperar a verdade dos entes. Nas palavras de César, “A técnica é um saber, que
pode fazer emergir a compreensão do ente como totalidade. A tarefa do homem é
assumir esse saber, mediante o qual põe à luz do ser” (1980, p. 68). Cabe ao homem
converter o esquecimento do ser em desvelamento, isto é, ater-se a escutar os apelos
daquilo que é.
Concluindo, Heidegger critica a técnica moderna que desembocou no
esquecimento do ser. Contudo, as conclusões para o campo ético não estiveram
presente em suas meditações. Ele apenas foi fiel em descrever a situação atual. A
tarefa de extrair medidas éticas ficou a cargo de seus alunos. Dentre eles destacam-se
dois: Hans Jonas como o princípio responsabilidade e Anders com o princípio
desespero. Com intuito de explorar a questão apenas em Jonas, será tratado no
próximo capitulo a crítica por ele realizada à técnica moderna.
3. A CRÍTICA A TÉCNICA E AO ANTROPOCENTRISMO
O ponto de partida da principal obra de Hans Jonas Princípio
responsabilidade é a figura do prometeu desacorrentado. Com essa figura, ele quer
caracterizar o perigo que a humanidade adentrou com o poder transformador da
técnica moderna. Principalmente, através do forte impulso da ciência moderna e dos
incentivos econômicos. O poder do homem pode ter se transformado numa desgraça
para ele mesmo. De encontro a esta realidade, Jonas explicita no prefácio à obra que
“a tese de partida deste livro é que a promessa da tecnologia moderna se converteu
em ameaça, ou esta se associou àquela de forma indissolúvel.” (2006, p. 21).
Nenhum traço do passado se compara a atual submissão da natureza e ao
sucesso da técnica moderna. O homem no presente, diferentemente do passado,
possui o poder de transformação e de destruição de toda a vida do Planeta. A técnica
moderna alterou essencialmente o horizonte e as coordenadas espaço-temporais em
que se inscreve, e onde se desdobra seus efeitos no agir humano. Com isso,
quebraram-se alguns paradigmas em relação à ação humana e o modo de concebê-la.
Toda sabedoria que foi sendo acumulada ao longo da evolutiva trajetória
histórica culminou com a total rendição da natureza pelo importante, no entanto,
perigoso poder da técnica. Neste sentido, para Jonas “o novo contingente da práxis
coletiva que adentramos com alta tecnologia ainda constitui, para a teoria ética, uma
terra de ninguém” (Jonas, 2006, p. 210). Todas as diretrizes éticas do passado são
supreendentemente superadas. Não existe na tradição parâmetros suficiente para esta
realidade completamente desconhecida que se revela sob o símbolo do perigo.
A previsão de perigo, na reflexão de Jonas, adquire valor pedagógico, pois
segundo o seu pensamento as possibilidades de catástrofes futuras já não são mera
ficção. Até porque, o potencial de transformação e de intervenção humana foi
elevado muito acima do necessário. Por isso, é fundamental olhar para o futuro por
uma lente pessimista, isto é, a possibilidade do futuro catastrófico pode despertar a
consciência e mover a vontade para medidas de contenção. Somente com a antevisão
28
da desfiguração do homem é possível chegar “ao conceito de homem a ser
preservado” (2006, p. 21).
Por conseguinte, percebe-se que os esforços de Jonas, representam o ensaio
de uma ética para a civilização tecnológica. Em uma alusão a Spinoza e
Wittgenstein, Jonas apresenta seu ensaio como um Tractatus tecnológico-ethicus,
cujo objetivo é apontar a existência de problemas atuais outrora inexistentes. Por
isso, faz-se necessário a defesa de uma nova teoria ética de medidas, respeito,
ponderação e custódia. Essa nova dimensão de responsabilidade nasce da própria
condição existencial e tecnológica.
Diante disso, surgem algumas perguntas que são fundamentais para a
compreensão da proposta jonasiana. Diante do poder da técnica o que pode servir
como bússola para orientar as ações humanas? Será que não é necessário que a ética
invada o espaço da técnica e exija freios voluntários em face da real possibilidade de
morte essencial e vital do mundo humano e extrahumano? Diante do fato da técnica
ter adentrado e rompido com os parâmetros éticos é possível pensar uma ética que
possa corresponder aos anseios oriundos do poder da técnica moderna? As éticas
tradicionais ainda são válidas para o novo contexto tecnológico? Será que o futuro
das gerações posteriores seria comprometido pelo mau uso das tecnologias
disponíveis no tempo presente? Com estas indagações de pano de fundo, mister se
faz, agora, percorrer os caminhos que levaram Jonas a propor uma nova teoria ética.
3.1 O novo espaço de poder da ação humana
Olhando para a atual sociedade técnica, Jonas percebeu a necessidade de
revisão do poder de ação humana, por causa do seu potencial catastrófico que pode
levar a total aniquilação da vida na terra. Dois foram os motivos mais eminentes
desta mudança: a ciência e a técnica que na modernidade se juntaram e ganharam
forças. Além disso, receberam grandes incentivos econômicos no atual sistema
capitalista16
. Esta realidade põe em cheque os pressupostos éticos do passado.
16
Uma exposição mais detalhada sobre as tecnologias e as influencias econômicas é tema do livro:
Ética e poder na sociedade da informação. (Dupas, 2001)
29
Jonas aponta para as consequências na vida prática. Ele se propõe a examinar
as realidades que foram modificadas para tentar encontrar respostas éticas a atual
situação. Por estar inserido diretamente nestas discussões, Jonas afirma que “a
natureza modificada do agir humano também impõe uma modificação na ética”
(2006, p. 29). Para compreender por que a ética deve ser modificada, primeiramente
é preciso compreender a modificação que houve do agir humano.
Desde as formas mais remotas de intervenção, com o uso da técnica, o
homem passou a se relacionar com a natureza de forma dominadora e predatória.
Segundo Jonas, com o advento da modernidade ouve uma grande mudança no agir
humano. Na antiguidade, por mais insistentes que tenham sido as intervenções
humanas, não havia grandes alterações na natureza. O que não acontece com o atual
potencial de ação humana. Diferentemente, hoje o homem detém o poder de
destruição de toda a vida no Planeta pelas ações coletivas dentro desse contexto
tecnológico17
.
Preocupado com tal questão, Jonas discute o poder e o fazer humano como
premissas históricas da tecnologia. Com intuito de caracterizar esse poder e fazer
humano, Jonas remete-se ao famoso canto do coral de Antígona, de Sófocles18
. Nele,
17
Na primeira parte de seu texto intitulado Desafios Éticos advindos da efetividade do Binômio
ciência-técnica, Maria de Jesus dos Santos apresenta três conceitos históricos importantes para a
compreensão do pensamento de Jonas: téchne, técnica e tecnologia. Isso com intuito de investigar as
substantivas interferências da ciência na transformação do entendimento e de sua aplicabilidade. O
termo téchne caracterizava a vivência dos gregos antigos e se configurava como uma arte
transformadora. Nota-se que neste contexto o homem não se distinguia da natureza. As suas
intervenções não tinham pretensões de dominação e nem poder de destruição. O termo técnica ainda
está atrelado a téchne, mas com o advento da modernidade não é mais possível entender este termo no
sentido de arte, pois entra em cena o binômio ciência e técnica. Com esta realidade, o saber passa a ser
um artifício de dominação e de poder. Heidegger é preciso ao destacar que na modernidade a técnica
proporciona o ‘abandono do ser’. Os dois precursores desta potencialização do poder humano são:
Francis Bacon com a pretensão de que por meio da dominação da natureza pela técnica e pelo saber
científico se resolveria todos os problemas e Descartes através do desenvolvimento do método
científico. Com isso, na modernidade a técnica alia-se com a ciência que resulta numa mudança
substancial do agi humano, aumentando substancialmente o poder de ação humana. Por fim, a
tecnologia é uma caraterística da contemporaneidade. Ela é profundamente marcada por uma espécie
de hegemonia. A tecnologia é a união da técnica e da ciência levada a extremo. Caracteriza-se pelo
domínio sobre a natureza e pelo poder de destruição total da vida no planeta. Ela proporcionou muitos
benefícios à humanidade, mas também foi responsável por hegemonias e relações de poder. Sempre
quando forem mencionados alguns destes termos subtendem-se estas características.
18
Segue na integra a citação que Jonas faz de Sófocles para explicitar o poder e o fazer humano.
“Numerosas são as maravilhas da natureza, mas de todas a maior é o homem! Singrando os mares
espumosos, impelido pelos ventos do sul, ele avança e arrosta as vagas imensas que rugem ao redor”.
E Gea, a suprema divindade, que a todas mais supera, na sua eternidade, ele a corta com suas
charruas, que, de ano em ano, vão e vêm, fertilizando o solo, graças à força das alimária!
30
Jonas percebe que mesmo na antiguidade já existia poder humano opressivo que
violava a ordem cósmica. Aliás, para Jonas, “a violação da natureza e a civilização
do homem caminhão de mãos dadas”. (2006, p. 32). Nota-se que a intervenção
humana entendida como poder de ação fez parte do processo civilizatório da
humanidade.
Neste contexto, o homem é caraterizado como artífice de seu próprio destino,
capaz de reinventar as situações que o circundam e transforma-las conforme a
necessidade. Jonas demostra a compreensão dessa realidade ao afirmar que “o
homem é o criador de sua vida humana. Amolda as circunstâncias conforme sua
vontade e necessidade, e nunca se encontra desorientado, a não ser diante da morte.”
(2006, p. 32). Para ele, a morte proporciona a contemplação da realidade mesma,
visto que diante dela o homem toma consciência de sua vulnerabilidade e
desmistifica os ideais pretensiosos e utópicos19
.
Jonas menciona alguns elementos que não foram explicitados no canto de
Sófocles, mas que são importantes para caracterizar o poder e o fazer humano antigo.
O que ali [no canto de Antígona] não está dito, mas que
estava implícito para aquela época, é a consciência de que, a
despeito de toda grandeza ilimitada de sua engenhosidade, o
homem, confrontado com os elementos, continua pequeno: é
justamente isso que torna as suas incursões naqueles
Os bandos de pássaros ligeiros; as hordas de animais selvagens e peixes que habitam as águas
do mar, a todos eles o homem engenhoso captura e prende nas malhas de suas redes.
Com seu engenho ele amansa, igualmente, o animal agreste que corre livre pelos montes,
bem como o dócil cavalo, em cuja nuca ele assentará o jugo, e o infatigável touro das montanhas.
E a língua, e o pensamento alado, e os sentimentos de onde emergem as cidades, tudo isso ele
ensinou a si mesmo! E também a abrigar-se das intempéries e dos rigores da natureza! Fecundo em
recursos, previne-se contra os imprevistos Só contra a morte ele é impotente, embora já tenha sido
capaz de descobrir remédios para muitas doenças, contra as quais nada se podia fazer outrora.
Dotado de Inteligência e de talentos extraordinários, ora caminha em direção ao bem, ora ao
mal... Quando honra as leis da terra e da justiça divina ao qual jurou respeitar, ele pode alçar-se bem
alto em sua cidade, mas excluídos de sua cidade ele, caso se deixe desencaminhar pelo Mal.”
(Sófocles apud Jonas, 2006, p. 31)
19
De forma especial, Jonas contesta os ideais pretenciosos de transformação da vida humana através
da ciência e da tecnologia e também no campo políticos os ideais utópicos marxistas. Segundo Jonas,
o ideal utópico fracassa por que deposita todas as expectativas na crença do progresso tecnológico e
científico. As consequências destas promessas levam a humanidade ao desvario e ao desastre ora
percebidos. No que ele apresenta, para que se realize o ideal utópico o preço pode ser o fim da
humanidade. Cf. SANTOS, Maria de Jesus. Desafios éticos advindos da efetividade do binômio
ciência-técnica. Pensando: Revista de Filosofia. v. 1, n 2, 2010, p. 90
31
elementos tão audaciosas e lhe permite tolerar a sua
petulância. (2006, p. 32)
Com isso, Jonas explicita a condição do poder humano daquela época. Por
mais ameaçadora e exploradora que possa ter sido a intervenção do homem antigo na
natureza, ela contornava a situação e prevalecia sobre os ataques. Porque o poder de
ação ainda era superficial e pequeno diante das forças naturais. O homem tinha
alcançado, sim, nesta época a domesticação das necessidades pela astúcia. Mas ao
refletir sobre isso, assustava-se diante do próprio atrevimento20
. (Jonas, 2006, p. 33).
Todavia, os avanços daquela época nem se comparam aos avanços da atual sociedade
tecnológica, além do mais, o poder da ação humana não tinha potencial catastrófico.
Com a inclusão do homem no processo civilizatório, aos poucos ele deixa de
fazer parte de um todo cósmico e passa a viver num contingente antropológico. De
cidadão do mundo tendo o cosmo com ordem e lei natural, passa a viver em cidades,
único espaço antropológico de responsabilidade moral. Na visão de Jonas, o homem
se desenvolvia entre o que permanecia e o que mudava. O que permanecia era a
ordem natural das coisas e o que mudava eram as suas próprias obras. De todos os
empreendimento humanos, a maior dessas obras era a cidade, à qual ele podia
emprestar um certo grau de permanência por meios que inventava e aos quais se
dispunha a obedecer. (Jonas, 2006, p. 33).
A cidade como artefato do homem era o único objeto de responsabilidade a ele
confiado. Para Jonas, a cidade não era objeto da responsabilidade humana. Esse fato,
associado à inviolabilidade essencial da natureza, justificavam seu domínio e o uso
abusivo para fins humanos. A natureza externa estava fora do contingente de
responsabilidade humana.
No entanto, adverte Jonas, “na cidade, ou seja, no artefato social onde homens
lidam com homens, a inteligência deve casar-se com a moralidade, pois essa é a alma
de sua existência.” (2006, p. 34). A moralidade tinha suas caraterísticas
20
Sobre isso comenta Giacoia: “Por mais que o homem capture e domine as espécies animais, bem
como as forças da natureza, por mais que procure submeter a si os poderes e os recursos naturais,
subordinando-os a seus próprio fins, ele nada pode, em ultima instância, contra essa natureza que o
domina, que subsiste intacta em seu poder e soberania, e acaba sempre de novo forçando o poderio
humano a obedecer seus ciclos e suas leis.” (2001, p. 196)
32
profundamente enraizadas no mundo intrahumano e o saber tinha sua dose de
importância na moral. A ética fundamentava a moral e não tinha nenhum
compromisso com a realidade fora deste contingente. Com efeito, Jonas afirmar que
todas as éticas da tradição levaram em conta tais pressupostos, condicionados ao
universo antropológico.
Jonas percorre a antiguidade buscando caracteriza-la, nela encontra a natureza
inviolável pelo então poder humano. Até aqui não há modificações essenciais no
poder de ação humana. Mas à medida que vai acontecendo o processo civilizatório
dentro do artefato cidade, o poder de fazer gradativamente aumentou, modificando
significativamente a natureza de seu agir.
A técnica moderna foi a principal responsável pela modificação da ação
humana aliada aos incentivos modernos da ciência com a potencialização do sujeito.
A ética era antropológica, não tinha pretensões e nem necessidades de se preocupar
com o extrahumano21
. No entanto, com o advento da modernidade houve uma
potencialização apocalíptica da ação humana. Mas será que a técnica aliada à ciência
não invadiu o espaço humano? Se o poder de ação humana foi modicado será que a
ética tradicional ainda é suficiente?
Dessa forma, com Jonas é possível perceber modificações no poder de ação do
homem através da técnica moderna. Diante deste fato, destaca-se a importância da
ética para a atual civilização tecnológica, pois as consequências destas modificações
tornaram-se perigosas. Sendo ela responsável pelas ações humanas, tem agora, um
enorme desafio pela frente. Ciente desta realidade, Jonas se propõe a investigar as
éticas tradicionais com intuito de verificar a veracidade das normativas frente ao agir
modificado do ser humano e seu potencial transformador.
3.2 As insuficiências éticas tradicionais
É possível afirmar, com base nos preceitos de Jonas, que a relação do homem
com a natureza ao poucos foi sendo modificada. A principal responsável por esta
mudança foi à técnica moderna. A técnica aumentou o poder de transformação da
21
Nota-se que neste contexto ainda não é possível caracterizar a bioética e a ecologia, pois elas
surgem mais tarde por necessidades diante do agir modificado.
33
ação humana. Enquanto isso, a ética que se ocupava da ação humana, permaneceu
imutável. Tendo está contradição como pano de fundo, Jonas se propõe investigar os
parâmetros éticos tradicionais para saber se ainda são suficientes para responder aos
apelos do agir modificado pela técnica.
Com objetivo de caracterizar as éticas tradicionais e fazer uma comparação
com o estado atual das coisas, Jonas ressume em cinco pontos as características
destas éticas. 1) Para ele, “todo o trato com o mundo extra-humano, isto é, todo o
domínio da techne (habilidade) era – a exceção da medicina – eticamente neutro”
(2006, p. 35). Com isso, a atuação sobre objetos não humanos não formava um
domínio eticamente significativo. A ação humana não se preocupava com o mundo
extrahumano, restringia-se ao espaço antropológico. E, portanto, a ética não se
ocupava da técnica, pois não havia necessidade já que ela não intervinha nas ações
humanas.
2) Neste ponto, Jonas menciona que a significação ética dizia respeito ao
relacionamento direto de homem com homem, inclusive o de cada homem consigo
mesmo; toda ética tradicional é antropocêntrica. (2006, p. 35). De fato, o
antropocentrismos é uma forte caraterística da ética tradicional. Qualquer domínio
longe do universo humano não interessava, pois a natureza era considerada
inviolável. 22
3) O terceiro ponto vem de encontro a condição fundamental do ser humano.
Jonas descobre que “[...] a entidade “homem” e sua condição fundamental era
considerada como constante quanto à sua essência, não sendo ela própria objeto da
techne (arte) reconfiguradora” (Ibid). Com isso, percebe-se que a condição humana e
todas as suas constituintes não era objeto da técnica. Sendo que a essência humana
fazia parte das realidades eternas, neste caso, tinha-se a ideia de que a essência
humana era boa e dela advinha à dignidade. O homem não fazia parte dos fins da
técnica. Pelo contrário, a partir da essência imutável do homem era possível
estabelecer o que é bom e fundamentar a ética.
22
Fonseca comenta o ponto um e dois da seguinte forma: “O ponto um e dois são semelhantes, e o
fundamental nessas avaliações, é que isso deve gerar novas dimensões de responsabilidade, a
complementar as dimensões da ética “próxima” que já conhecemos, chamando-nos atenção
especialmente à passagem da moral de estilo privado para a dimensão da responsabilidade no nível
social e planetário.” (2007, p. 26).
34
4) Outro aspecto destacado por Jonas é a simultaneidade da ação humana. Na
sua compreensão o bem e o mal, com o qual o agir tinha de se preocupar,
evidenciavam-se na ação, seja na própria práxis ou em seu imediato, e não requeriam
um planejamento. (2006, p. 35). Os objetivos e as consequências das ações humanas
não respondiam pelo futuro. A ética tradicional levou a marca da presença como
herança, com efeito, a ética tinha que ver com o aqui e agora, como as ocasiões se
apresentava aos homens, com as situações recorrentes e típicas da vida privada e
pública.
5) Jonas inda reforça que “todos os mandamentos e máximas da ética
tradicional, fossem quais fossem suas diferenças de conteúdos, demonstram esse
confinamento ao círculo imediato da ação”. (Ibid). Exemplifica com algumas
máximas conhecidas pela ética e pela religião23
, mas mostra que todas elas possuem
em comum o caráter imediato, simultâneo, antropológico e recíproco em suas
fundamentações. E finaliza esta descrição dizendo que toda a moralidade situava-se
dentro desta esfera da ação próxima e recíproca. (2006, p. 36).
Jonas caracterizou de forma objetiva os traços fundamentais das éticas
tradicionais. Realizou isso com intuito de mostrar suas insuficiências ante as
modificações oriundas principalmente da técnica moderna. Cumpre assinalar, no
entanto, que por se tratar de uma tese geral, Jonas não especifica qual das éticas da
tradição direciona a problemática. Neste sentido, fica difícil compreender a qual das
éticas da tradição é endereçada esta caraterização em particular (se esta se refere à
ética da Antiguidade, Medieval, ou Moderna). (Santos, 2009, p. 275). Mesmo não
encontrando menção direta a específica ética, é possível perceber indícios de que
Jonas está se referindo principalmente à ética aristotélica e kantiana24
.
23
“Ama teu próximo como a ti mesmo”; “Faze aos outros o que gostaria que eles fizessem a ti”;
“Instrui teu filho no caminho da verdade”; “Almeja a excelência por meio do desenvolvimento e da
realização das melhores possibilidades da tua existência como homem”; “Nunca trate os teus
semelhantes como simples meios, mas sempre como fins em si mesmo”. Todas estas máximas estão
prezas ao circulo imediato de ação, não possuem preocupação com o futuro. (Jonas, 2006, p. 36)
24
É importante esclarecer que Jonas não tem a pretensão de realizar uma crítica aos postulados da
ética tradicional, seja ela aristotélica ou kantiana. E neste ponto Maria de Jesus dos Santos comenta:
“Talvez Jonas pretenda apenas indicar algumas limitações destas. O que lhe move verdadeiramente é
a constatação de uma realidade gravemente modificada. Esse é o mote que lhe orienta a repensar num
modelo ético inaugural”. (2010, p. 101-102).
35
O que desencadeia o interesse de Jonas pela ética tradicional é o ato mesmo
do agir modificado. Na sua concepção, a técnica moderna introduziu elementos
novos que modificaram as ações humanas. Entretanto, a ética não acompanhou este
processo técnico e ficou presa ao seu esquema antropocêntrico, simultâneo e
recíproco25
. Assevera Jonas, “a técnica moderna introduziu ações de uma tal ordem
inédita de grandeza, com tais novos objetos e consequências que a moldura ética
antiga não consegue mais enquadrá-la”. (2006, p. 39). É a partir destas novas
realidades bem como das insuficiências éticas, que Jonas busca justificar a
necessidade de uma nova ética para os novos tempos26
.
Jonas não está descartando completamente a ética da tradição e as suas
contribuições para o ser humano. Apenas expandindo pra um plano que não era
contemplado.
As antigas prescrições éticas “do próximo” – as prescrições
da justiça, da misericórdia, da honradez etc. – ainda são
válidas, em sua imediaticidade íntima, para a esfera mais
próxima, quotidiana, da interação humana. (Jonas, 2006, p.
39).
Jonas destaca apenas que o nível de ação não é mais aquele próximo,
característico do passado, mas agora o caráter da ação é coletivo, no qual o autor, a
ação e os efeitos não são mais os mesmos. Nasce, a partir destes elementos, uma
nova dimensão de responsabilidade nunca antes sonhada. 27
Os efeitos cumulativos do agir coletivo trouxeram novas realidades e também
novas necessidades. A partir da modernidade, foram criadas novas modalidades de
25
“Jonas define esta forma de pensar e agir como ética da simultaneidade. Com estes dois aspectos
problemáticos, isto é, através deste caráter vinculado ao presente e marcadamente centrado no homem,
tanto futuro distante e desconhecido quanto todo o mundo extra-humano (a biosfera) são
desconhecidos para a reflexão em torna da moral”. (Santos, 2009, p. 276).
26
“Esta deve ter como horizonte de sua projeção o futuro desconhecido, incluindo nele o direito dos
que ainda não existem a ter como centro de referência não apenas o homem, mas a vida do cosmos,
isto é, a totalidade daquilo que vive. Com isso em lugar da ética antropocêntrica é reivindicada uma
ética bio-ou cosmocêntrica.” (Santos, 2009, p. 276).
27
Neste particular Fonseca comenta que “A tarefa da ética parte desse pressuposto da crise, ameaça, e
de que a humanidade se levante contra o perigo; o que aparece eminentemente é a vulnerabilidade da
natureza e da natureza humana” (2007, p. 26).
36
saberes como a ecologia28
e a bioética29
justamente para responder aos novos
desafios. A natureza, por conta disso, tornou-se vulnerável e dependente de cuidados.
Se em Sófocles e na antiguidade, por mais insistentes que poderiam ter sido as
interferências humanas na natureza, nada se alterava. Agora, com o poder coletivo do
homem, a natureza não consegue mais conter os efeitos das ações humanas. De fato,
nada menos do que a biosfera inteira do planeta, acresceu-se àquilo pelo qual a
humanidade deve ser responsável, pois sobre ele detém poder. 30
(Jonas, 2006, p. 39).
Esse fato justifica as insuficiências das éticas precedentes, pois elas não
tinham nenhuma responsabilidade pela natureza. Mas, agora, com o poder humano
transformador da biosfera isso muda, se o homem tem o poder, dele deriva
necessariamente um dever. Na compreensão de Jonas, “a natureza como uma
responsabilidade humana é seguramente um novum sobre o qual uma nova teoria
ética deve ser pensada”. 31
(2006, p. 39). Com isso, ele acena para a necessidade de
uma nova teoria ética32
.
Jonas aponta para alguns conceitos fundamentais para caracterizar a ideia de
insuficiência ética na tradição são eles: irreversibilidade, magnitude e acumulação.
Para Jonas, eles estão interligados e colocam diretamente em perigo as condições
necessárias de vida futura. O que torna ainda maior a responsabilidade no presente,
pois para ele é inconcebível colocar em risco a sobrevivências dos que ainda não
nasceram.
Em vista disso, Jonas confia um novo papel ao saber na moral, pois segundo
ele “o saber torna-se um dever prioritário, mais além de tudo o que anteriormente lhe
era exigido, e o saber deve ter a mesma magnitude da dimensão causal do nosso
28
Sobre isso, Giacoia escreve um artigo intitulado Um direito próprio da natureza? Notas sobre ética,
direito e tecnologia, descreve os limites da ética antropológica e apresenta a proposta de Jonas como
um das precursoras da atual ciência ecológica.
29
Flaviano Oliveira da Fonsêca escreve um livro com o título Hans Jonas: (bio)ética e crítica à
tecnologia, onde expõe de forma sistemática o pensamento de Jonas como um dos pioneiros à
fundamentar a bioética.
30
“Como diferença radical em relação às éticas antigas, há que se considerar que atualmente a ação
humana, tecnologicamente potencializada, pode danificar crítica e irreversivelmente a natureza e o
próprio homem.” (Giacoia, 2001, p. 197).
31
Giacoia destaca alguns elementos que justificam a posição de Jonas. “A extensão, tanto espacial
como temporal, da série causal da práxis tecnológica, aliada à nova ordem de grandeza, à
irreversibilidade dos efeitos e ao caráter cumulativo dos mesmos, produz uma completa e radical
transformação até mesmo o ponto de partida das éticas tradicionais”. (2001, p. 198)
32
A referida teoria será tema do último capítulo deste trabalho.
37
agir”. (2006, p. 41). O saber torna-se objeto de um dever, superando o papel que foi
conferido pelas éticas precedentes. Por que, mesmo o saber não sendo capaz de
acompanhar a magnitude das ações técnicas no futuro ele ganha significado ético33
.
Nas prerrogativas de Jonas, “reconhecer a ignorância torna-se, então o outro
lado da obrigação do saber, e com isso torna-se uma parte da ética que deve instruir o
autocontrole, cada vez mais necessário, sobre o nosso excessivo poder” (Ibid). Tudo
em vista da preservação das condições globais da vida geral e humana, o futuro
remoto e a existência mesma da espécie.
Concluindo, primeiramente, Jonas trabalha com as modificações do agir
humano e com as contribuições da técnica que, por sua vez, corromperam as bases
éticas da tradição. Com isso, surge um dever de preservação frente à
irreversibilidade, a magnitude e o caráter cumulativo das ações humanas. Tal dever é
movido pela necessidade do saber advindo da real possibilidade de catástrofes
futuras.
Portanto, não se trata meramente de um interesse utilitário, de cuidar da
galinha dos ovos de ouro, de não serrar o galho sobre o qual se está sentado ou ainda
de preservar a natureza para fins humanos. Mas de considerar a hipótese de um
direito próprio, de uma autônoma significação ética e de uma responsabilidade
humana ampliada. O ser humano enquanto ser consciente e ativo é o mais evoluído34
dentre os seres da terra, entretanto isso não outorga o direito sobre a natureza. Pelo
contrário, requer o dever de preservação. Assim, Jonas avança da doutrina do agir até
a doutrina do existir, isto é, do antropocentrismo a ontologia (metafisica) para daí
fundamentar uma nova ética.
3.2.1 Antigos e novos imperativos éticos
A ética proposta por Jonas adquire caráter normativo, pois trabalha com as
prescrições de dever. Este tipo de ética específica é dividido em duas categorias:
33
“[...] Esse descompasso entre a previsibilidade e o poder efetivo de ação se coloca, para Jonas,
como um problema de relevância ética, impondo o reconhecimento do desconhecimento como
contraface do dever de saber”. (Ibid).
34
De forma especial, este tema da evolução do ser humano e do seu caráter transanimal, é tema de um
artigo intitulado A transanimalidade do homem. (Oliveira, 2010, p. 77)
38
teleológica e deontológica. A ética teleológica determina o que é correto de acordo
com a finalidade. Já a ética deontológica procura determinar o que é correto segundo
normas fundamentais de ação. Um dos elementos que contribui para diferencia-las
consiste na justificativa ou não da ação. Na ética teleológica o elemento é externo ao
sujeito, isto é, os fins como, por exemplo, a ética aristotélica que depositava na
felicidade o fundamento das ações éticas. Enquanto que na ética deontológica, o
elemento fundante é o dever que em Kant a própria consciência do sujeito lhe impõe
através do imperativo categórico racional35
.
Jonas insiste numa terceira via ética chamada ontológica36
. A ética
ontológica, portanto, leva em conta as lacunas das éticas precedentes,
fundamentando-se na própria existência37
. Para melhor explicitar a sua proposta,
Jonas toma como contraponto diferencial o imperativo categórico de Kant, para num
segundo momento apresentar os seus novos imperativos éticos para a civilização
tecnológica.
O poder tecnológico desenvolvido pela modernidade abriga uma dimensão
ameaçadora. Jonas não se preocupou apenas com a destruição física da natureza e
dos seres humanos, mas também com o perigo da morte essencial. Na sua concepção,
a morte essencial é consequência da desconstrução e construção tecnológica aleatória
do meio ambiente e da humanidade.
Com base nestes preceitos de perigo e destruição, Jonas sente a necessidade
da responsabilidade. Jonas não entende a responsabilidade imposta de fora ou dada
pela razão, mas uma responsabilidade provinda do dever inerentes as coisas mesmas.
Dentro desta esfera, toda a biosfera passa fazer parte desse dever de
35
Para uma compreensão mais detalhada sobre a ética normativa, ética teleológica e deontológica é
importante conferir o livro Ética: o que você devia saber sobre...
36
Também pode ser considerada uma metaética que difere da ética normativa. A Metaética não
pretende terminar as ações a serem realizadas, mas investigar a natureza dos princípios morais,
indagando se são objetivos e abusivos os preceitos defendidos pelas diversas teorias éticas, ou se são
ineligiveis, ou ainda, se podem ser verdadeiros esses princípios éticos num mundo sem Deus. (Cf.
Borges, Dall’Agnol e Volpato. 2001, p. 7-8) Jonas trabalha nas duas perspectivas, por um lado quer
estabelecer uma ética do dever, mas para isso procura através da Metaética estabelecer fundamentos.
37
“Aqui, mais uma vez se justifica, para o autor, a passagem da ética à metafísica, indo ‘da doutrina
da ação à doutrina do ser’, pois para ele toda ética funda-se na base a base ontológica, haurindo dali
sua justificação natural-social e seu sentido de ação em vista de fins.” (Fonsêca, 2007, p. 27).
39
responsabilidade. Além disso, a responsabilidade para Jonas advém também do
futuro, principalmente da existência de um38
.
[...] como proposição moral, isto é, como uma obrigação
prática perante a posteridade de um futuro distante, e como
princípio de decisão na ação presente, a assertiva é muito
distinta dos imperativos da antiga ética da simultaneidade; e
ela somente ingressou na cena moral com os nossos poderes e
o novo alcance da nossa capacidade de previsão. (Jonas,
2006, p. 45).
Jonas examinou a possibilidade de estabelecer um novo imperativo para a
ética capaz de superar o imperativo kantiano. Este novo imperativo precisou transpor
dupla demanda, a saber, do antropocentrismo e do caráter de simultaneidade das
éticas tradicionais. Neste sentido, formulou sua crítica ao imperativo categórico
kantiano:
O imperativo categórico de Kant dizia: “Aja de modo que tu
também possas querer que a tua máxima se torne lei geral.”
Aqui, o “que tu possas” invocado é aquele da razão e de sua
concordância consigo mesma: a partir da superação da
existência de uma sociedade de atores humanos (seres
racionais em ação), a ação deve existir de modo que possas
ser concebida, sem contradição, como exercício geral da
comunidade. Chame-se atenção aqui para o fato de que a
reflexão básica da moral não é propriamente moral, mas
lógica: “o poder” ou “não poder” querer expressa
autocompatibilidade ou incompatibilidade, e não aprovação
moral ou desaprovação. (2006, p. 47).
Kant, em seu imperativo categórico, não expressa nenhum compromisso para
com o futuro das ações humanas. Jonas, por sua vez, considera que “o sacrifício do
futuro em prol do presente é logicamente mais refutável do que o sacrifício do
presente a favor do futuro” (2006, p. 47). Além disso, o imperativo kantiano se
restringiu ao caráter particular de ação individual. Enquanto Jonas esteve preocupado
38
A responsabilidade é um termo recorrente na obra de Jonas. Ela ganha significado próprio,
diferenciando-se do seu uso casual. A responsabilidade, neste sentido, é entendida não apenas em
relação a fatos passados, mas também a possibilidades futuras, uma responsabilidade pelo futuro.
40
com a responsabilidade com o futuro, ou seja, um dever ético coletivo. Nestes termos
não é aceitável escolher o não ser de futuras gerações em proveito desta geração39
.
Deste modo, Jonas não acredita que o imperativo categórico kantiano possa
responder às exigências acima citadas. Ele propôs sua versão do um novo
imperativo. O imperativo jonasiano não é mais aquele dos atos consigo mesmo, mas
dos efeitos finais. A sua universalização não é meramente lógica, mas de ações
coletivas que assumem caraterística universais. Para todos os efeitos é uma relação
de totalização. Jonas enfatiza o caráter do novo imperativo cujo fundamento é
metafisico.
Um imperativo adequado ao novo tipo de agir humano e
voltado para o novo tipo de sujeito atuante deveria ser mais
ou menos assim: “Aja de modo que os efeitos da tua ação
sejam compatíveis com a permanência de uma autêntica vida
humana sobre a Terra”; ou, expresso negativamente: “Aja de
modo a que os efeitos da tua ação não sejam destrutivos para
a possibilidade futura de uma vida”; ou simplesmente: “Não
ponhas em perigo as condições necessárias para a
conservação indefinida da humanidade sobre a Terra”; ou, em
um uso novamente positivo: “Incluas na tua escolha presente
a futura integridade do homem como um dos objetos do eu
querer.” (2006, p. 47-48).
Depois de expostos os novos imperativos categóricos, Jonas mencionou o que
eles têm de diferente e inovador. Na sua concepção, eles são válidos para a atual
sociedade tecnológica, porque não conduzem a nenhuma contradição. E não permite
colocar a vida futura em perigo, o novo imperativo diz que é permitido “arriscar a
própria vida, mas não a da humanidade” (2006, p. 48). 40
Para concluir, destaca-se a importância do novo imperativo categórico
formulado por Jonas em vista da sociedade tecnológica. Sendo que, diante da
39
De fato, Fonseca diz que é possível as pessoas decidirem sobre a esfera de suas vidas individuais,
mas não incluindo no mesmo nível a biosfera e o futuro. “É como se isso fosse um princípio mais
forte do que nós e diz respeito à manutenção individual, pois é posto pela natureza em nós e diz
respeito à manutenção da coletividade.” (2007, p. 30).
40
Para ilustrar essa realidade, Jonas se reporta a imagem grega de Aquiles. Segundo Jonas, “Aquiles
tinha, sim, o direito de escolher para uma vida breve, cheia de atos gloriosos, em vez de uma vida
longa em um segurança sem glórias [...]; mas que nós não temos o direito de escolher a não-existência
de futuras gerações em unção da existência da atual, ou mesmo de as colocar em risco”. (2006, p. 48).
41
realidade do desenvolvimento da tecnologia e dos novos paradigmas que ela trouxe
para a atual civilização, os imperativos individuais, imediatos, simultâneos,
recíprocos e antropocêntricos perderam a validade. Isso graças ao real perigo da não
existência da vida futura sobre a terra.
Portanto, diante deste quadro sem perspectivas, surgiu uma nova proposta,
um novo imperativo que teve a pretensão senão de resolver ao menos conter estes
perigos. Ele requer uma responsabilidade de caráter coletivo para preservar as
condições de vida futura de todo planeta. Uma proposta ousada que contribui para
que a ética responda aos novos desafios do poder da técnica. Diante disso, surge a
necessidade de entender porque a técnica moderna tornou-se objeto da ética e como
Jonas abordou esta questão.
3.3 A técnica moderna como objeto da ética
Na concepção de Jonas, a técnica moderna trouxe algumas caraterísticas que
destoam da tradição. Dentre essas caraterísticas, destacam-se todos os
desenvolvimentos nas áreas da saúde, dos transportes, da comunicação e da produção
de alimentos. Estes desenvolvimentos proporcionados pela técnica tornaram-se
indispensáveis. Mas por outro lado, estes avanços tecnológicos trouxeram consigo o
germe do niilismo moderno responsável pelo ‘mal estar ético no século XX’. Além é
claro, de todos os problemas que são visíveis atualmente como à poluição, o uso
predatório da natureza e o poder de destruição em massa do planeta. Diante desta
realidade, Jonas investigou os efeitos do poder adquirido com a técnica moderna e as
suas implicações éticas.
Com efeito, ele não se contrapôs a técnica de forma cética e categórica,
apenas esteve preocupado com o seu uso e as suas consequências para a vida futura.
Ele problematizou a técnica moderna para dela retirar consequências éticas. Por ser
aluno de Heidegger, Jonas também trabalhou dentro da perspectiva crítica da
essência da técnica moderna, mas distinguiu-se de seu mestre por outro plano de
problematização.
Jonas vivenciou o contexto pós-guerra onde se fomenta muitas investigações
acerca da ciência e da técnica moderna. De modo especial, àquele que por muito foi
42
seu mentor e mestre intelectual Heidegger. Como foi apresentado no primeiro
capítulo, Heidegger foi um dos primeiros autores a fazer uma crítica sistemática à
técnica moderna. Além disso, ele influenciou diretamente as posições de Jonas. No
entanto, o que distinguiu o empreendimento de Heidegger dos demais autores que
trataram deste tema nesta época foram os desfechos.
Enquanto Heidegger se preocupou com questões de ordem metafísica do
esquecimento do ser ao longo da tradição, seus alunos especialmente Anders e Jonas
tentaram conduzir suas reflexões ao campo prático, especificamente à ética. Anders
com a formulação do ‘princípio desespero’ um contraponto aquele ‘princípio
esperança’ do filósofo marxista Ernest Bloch. Hans Jonas parece ter entendido as
duas posições e formula, a partir disso, uma nova teoria tendo como fundamento o
‘princípio responsabilidade’. (Viana, 2010, p. 109)
Dois outros autores que são referências sobre a ética e a tecnologia são:
Habermas e Apel. Segundo Alcoforado, existem diferenças substancias entre a ética
do discurso de Habermas e a ética da responsabilidade de Jonas. Apesar de
concordarem sobre os problemas emergentes da época, os autores seguem caminhos
divergentes41
. Apel também trata de resolver o problema primeiramente no plano
teórico, enquanto Jonas esteve interessado a oferecer uma resposta concreta42
.
Hans Jonas, primeiramente com a sua obra Princípio responsabilidade e
depois com a obra Técnica, Medicina e Ética43
que consiste numa tentativa de
aplicação de seu princípio. Neste ultimo, Jonas sustenta a tese de que a relação entre
ética e técnica a muito deixou de ser neutra. Esse sentido, quais seriam os motivos,
segundo Jonas, que fizeram com que a técnica moderna se tornasse objeto para a
ética?
Se a técnica moderna tornou-se objeto da técnica, isso mostra que
antigamente ela não era objeto. De fato, a técnica moderna foi uma das responsáveis
41
Cf. Alcoforado, 1993, p. 294-295
42
Uma exposição mais detalhado sobre a ética da responsabilidade e a ética do discurso em Jonas e
Apel é dado por Santos num artigo intitulado Ética da responsabilidade e ética do discurso: as
propostas de Hans Jonas e Karl-Otto Apel.
43
O referido texto é uma tradição do Alemão feito pelo professor Giacoia que se encontra in: JONAS,
Hans. Por que a Técnica moderna é um objeto para a ética. Tradução Oswaldo Giacoia Junior.
Natureza Humana: Revista Internacional de Filosofia e Práticas Psicoterapêuticas, São Paulo, v. 1, n
2, p. 407 – 420, 1999.
43
pela potencialização da ação humana na modernidade. Além disso, ela também
assume parcela de culpa pelo mau uso deste poder. Jonas é perspicaz ao conduzir a
questão, para ele, a técnica moderna adentrou e modificou as ações humanas. A ética
sendo responsável por reger as ações justifica-se para intervir no uso da técnica.
Jonas quer mostrar as alterações que a técnica moderna impõe ao agir humano e por
consequência os desafios que a ética necessita enfrentar.
A tese de partida de Jonas é que a técnica moderna constitui, de fato, um caso
novo e particular, dos fundamentos para isso, ele indica cinco. No primeiro
argumento, Jonas mostra as ambivalências dos efeitos. A técnica produz efeitos que
ora estão nas mãos do próprio homem e depende exclusivamente dele o seu uso para
o bem ou para o mau.
Em geral, toda capacidade “como tal” ou “em si” é boa e se
torna má pelo mau uso. Por exemplo, é inegavelmente bom
ter o poder da palavra, mas é mau utilizá-lo para enganar os
outros ou para seduzi-los para sua própria ruína. Por isso, é
totalmente sensato ordenar: use esse poder, aumenta-o, mas
não faça mau uso dele. Está pressuposto aqui que a ética pode
diferenciar claramente entre ambos, entre o emprego correto
e o falso de uma e mesma capacidade. (Jonas, 1999, p. 409)
A ética se justifica sua invasão no campo da técnica porque é através dela que
se pode diferenciar entre o bom e o mau uso da capacidade técnica. Algumas ações
técnicas podem ser boas em sua intencionalidade, mas os seus efeitos podem
potencializar-se e vir a tonar-se maus efeitos, em vista, dos bons efeitos imediatos.
Com isso, Jonas quer mostrar que não é apenas no mau uso da técnica que reside o
perigo, senão que mesmo quando é bem empregada para seus autênticos e bons fins,
“ela tem em si um lado ameaçador que, a longo prazo, poderiam ser a ultima
palavra.” (1999, p. 409).
Até nas boas intenções do fazer técnico, com a potencialização dos seus
efeitos, em longo prazo, podem causar enormes estragos. Em face deste perigo, ora
camuflado sob o signo do proveitoso, reside mais no sucesso que no fracasso da
técnica. Jonas completa sua argumentação dizendo que “uma adequada ética tem que
se ocupar com essa interna equivocidade do fazer técnico” (1999, p. 410).
44
O segundo argumento explicitado por Jonas reside na compulsoriedade da
utilização. Como ilustração, Jonas exemplifica a questão dizendo que a pose de um
poder, seja por indivíduos ou grupos, não significa a sua utilização. Ou seja, o poder
que a técnica proporciona, não significa necessariamente na sua utilização. Mesmo
assim, Jonas tem suas reservas sobre o real perigo que está implícito nas promessas
da técnica até as mais dispendiosas e objeta da seguinte forma:
Todavia, essa relação tão óbvia entre poder e fazer, saber e
utilização, posse e exercício de um poder não vale para o
Fundus de capacitação técnica de uma sociedade que, como a
nossa, fundamentou sua inteira configuração da vida em
trabalho e ócio sobre a atualização corrente de seu potencial
técnico, considerado na ação conjunta de todas as suas partes.
(1999, p. 410).
Isso significa dizer que o poder e o fazer já entraram nas correntes sanguíneas
da atual sociedade. Jonas já percebia certo determinismo na posse e exercício de
poder que a tecnologia concebia. Além disso, ele se preocupou em apresentar a falta
de neutralidade do poder da técnica que atingiu um estágio que foge do controle
humano. A utilização do poder pode ter acontecido individualmente e de forma
isolada do potencial da ação técnica, mas ele traz em si o compelir à utilização e
torna essa utilização uma permanente necessidade vital, não mais individual, senão
coletiva.
No terceiro argumento, com base na extensão global no espaço e no tempo,
Jonas fala que ate agora foi visto o poder de ação humana e suas mudanças
essenciais. A ação humana deixou de ser neutra em relação à ética, extrapolou as
barreiras individuais pela nova práxis técnica coletiva e pela potencialização de seus
efeitos extrapolou também a esfera imediata das ações. Acresce a estes argumentos o
presente fazer técnico, comparado ao potencial ou os limites onde há atuação
humana, isto é, a terra, suplantou todas as barreiras e concorre ao perigo. Isso
significa dizer que o planeta não vai suportar o uso desenfreado do poder.
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  • 1. RODRIGO FERNANDES MENEGATTI O PRINCÍPIO RESPONSABILIDADE COMO FUNDAMENTO ÉTICO PARA A PRESERVAÇÃO DA VIDA SEGUNDO HANS JONAS MONOGRAFIA FAPAS Santa Maria, RS, BRASIL 2011
  • 2. O PRINCÍPIO RESPONSABILIDADE COMO FUNDAMENTO ÉTICO PARA A PRESERVAÇÃO DA VIDA SEGUNDO HANS JONAS por RODRIGO FERNANDES MENEGATTI Monografia apresentada ao curso de Graduação da Faculdade Palotina (RS), como requisito Parcial para a obtenção do grau de LICENCIADO em Filosofia. Santa Maria, RS, Brasil 2011
  • 3. FACULDADE PALOTINA CURSO DE FILOSOFIA A COMISSÃO EXAMINADORA, ABAIXO ASSINADA, APROVA A MONOGRAFIA O PRINCÍPIO RESPONSABILIDADE COMO FUNDAMENTO ÉTICO PARA A PRESERVAÇÃO DA VIDA SEGUNDO HANS JONAS ELABORADA POR RODRIGO FENANDES MENEGATTI COMO REQUISITO PARCIAL PARA A OBTENÇÃO DO GRAU DE LICENCIADO EM FILOSOFIA COMISSÃO EXAMINADORA: ______________________________________________________________ Prof. Dr. Marcos Alexandre Alves – orientador (FAPAS/UNIFRA) _______________________________________________________________ Prof. Dtdo. André Roberto Cremonezi – (FAPAS) _______________________________________________________________ Prof. Ms. – (FAPAS/UNIFRA) _________________________________________________________________ Prof. Dr. Valdemar Antônio Munaro – (FAPAS/UNIFRA - SUPLENTE) Santa Maria, RS, ? de novembro de 2010.
  • 4. SUMÁRIO AGRADECIMENTOS............................................................................................... v RESUMO ................................................................................................................... vi ABSTRACT..............................................................................................................vii 1. INTRODUÇÃO...................................................................................................... 1 2. VIDA, OBRA E INFLUÊNCIA DE HANS JONAS ........................................... 4 2.1 O problema do dualismo e a resolução segundo Jonas ...................... 4 2.2 As influências de Heidegger no pensamento de Jonas...................... 14 2.2.1 Influências da análise existencial de Heidegger ................................. 15 2.2.2 Influências da critica a técnica............................................................ 18 3. A CRÍTICA A TÉCNICA E AO ANTROPOCENTRISMO........................... 21 3.1 O novo espaço de poder da ação humana.......................................... 22 3.2 As insuficiências éticas tradicionais ................................................... 29 3.2.1 Antigos e novos imperativos éticos .................................................... 31 3.3 A técnica moderna como objeto da ética .......................................... 35 4. O PRINCÍPIO RESPONSABILIDADE COMO FUNDAMENTO ÉTICO PARA A PRESERVAÇÃO DA VIDA NO PLANETA ........................................ 41 4.1 A heurística do temor na ética da responsabilidade......................... 41 4.2 Fim e valor na ética da responsabilidade........................................... 46 4.3 Bem, dever e ser na ética da responsabilidade.................................. 56 4.4 Estereótipos de responsabilidade: jurídico, político e paterno........ 61 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS .............................................................................. 66 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS................................................................... 69
  • 5. v AGRADECIMENTOS Ao final dessa etapa de minha formação acadêmica nasce o sentimento de gratidão a tantas pessoas que formam inspiração, motivação, apoio e principalmente por possibilitarem os meus estudos. Primeiramente agradeço imensamente a meus pais, Ailton Antunes de Macedo e Almira Lima de Carvalho Macedo. Sou grato a eles por todo apoio, humano e financeiro, e principalmente por serem exemplos vivos de dedicação, perseverança e solidariedade. Agradeço a meus irmãos Wyllian Carvalho de Macedo e Weslley Carvalho de Macedo por todo companheirismo e fraternidade. A eles dedico especialmente esse trabalho. Agradeço à Província Nossa Senhora Conquistadora, que através do Colégio Maximo Palotino me possibilitou os estudos acadêmicos e todos os recursos necessários para que eu fizesse um ótimo curso de Filosofia. Agradeço a todos os formadores do Colégio Máximo em especial ao Padre Mércio Cauduro e ao Padre Paulo Höring Filho. Agradeço também ao Padre Clésio Facco, meu primeiro formador e grande amigo. Manifesto meu agradecimento especial aos meus professores na FAPAS. Ao professor Alceu Cavalheiri, figura importante no meu despertar filosófico. Ao professor André Cremonezi que em suas aulas de teoria do conhecimento me despertou para os estudos fenomenológicos. Ao professor Valdemar Munaro que com sua postura crítica e coerente me ajudou a repensar muitas coisas. Ao professor Ricardo Antônio Rodrigues pelo trabalho em conjunto como orientador desse trabalho e de outras pesquisas. Em suma, agradeço a todos os excelentes professores que pude encontrar nesses anos de estudos filosóficos. Agradeço também aos meus colegas e amigos que estiveram comigo nessa caminhada. Aos que estiveram presentes na sala de aula, no Colégio Máximo, e a todos os que mesmo distantes fizeram parte desse percurso. Em suma, muito abrigado a todos!
  • 6. vi RESUMO O PRINCÍPIO RESPONSABILIDADE COM FUNDAMENTO ÉTICO PARA A PRESERVAÇÃO DA VIDA SEGUNDO HANS JONAS. Autor: Rodrigo Fernandes Menegatti Orientador: Prof. Dr. Marcos Alexandre Alves O presente texto monográfico tem o objetivo de analisar o princípio responsabilidade de Hans Jonas. Para tal, não foi possível penetra com profundidade em seu pensamento sem antes conhecer a sua trajetória de vida bem como as influências sofreu. Sendo Judeu, sua vida foi profundamente marcada pelo nazismo. Como aluno de Heidegger, absorveu as estruturas existências e a crítica à técnica. A partir disso, foi preciso compreender a suas críticas às premissas da técnica moderna, principalmente ao antropocentrismo. O ponto central foi à constatação que as éticas tradicionais já não eram suficientes graças à potencialização da ação humana pelos desenvolvimentos científicos e tecnológicos modernos. Com isso, um novo objeto acresce na ordem da responsabilidade humana, isto é, a biosfera toda do planeta. Jonas críticas os velhos imperativos éticos e propõe novos imperativos para a civilização tecnológica. Na busca por fundamentos, retornou aos pré-modernos para lançar através da ontologia novas bases éticas. Teorizou nova ética e ajudou a preconizar as contemporâneas ecologia e bioética. Assim, fez emergir o princípio responsabilidade como fundamento primeiro da ética da responsabilidade. Através das projeções catastróficas com a Heurística do temor e com os conceitos de Fim, Valor, Bem, Dever e Ser. Por fim, dois estereótipos da nova ética surgiram, a saber, a responsabilidade paterna e a responsabilidade política. FACULDADE PALOTINA CUSO DE GRADUAÇÃO EM FILOSOFIA Monografia de Graduação em Filosofia Santa Maria, RS, 26 de novembro de 2011
  • 7. vii ABSTRACT ESSAY ABOUT THE FOUNDATIONS OF THE PHENOMENOLOGY OF HUSSERL'S CARTESIAN MEDITATIONS. Author: Rodrigo Fernandes Menegatti Prof. Dr. Marcos Alexandre Alves FACULDADE PALOTINA - FAPAS PHILOSOPHY COURSE MONOGRAPHY FOR PHILOSOPHY GRADUATION Santa Maria, RS, November 26th , 2011
  • 8. 1. INTRODUÇÃO Este texto monográfico tem como objetivo estudar os fundamentos basilares da teoria ética de Hans Jonas. Para Jonas, o princípio responsabilidade constitui a base de sustentação de uma nova ética desenvolvida para a contemporânea civilização tecnológica. Na sua essência, está presente a tentativa de estabelecer uma nova ética correspondente aos novos desafios impostos principalmente pela ciência e técnica moderna. A proposta jonasiana justifica-se pela sua fundamental importância para a filosofia contemporânea, com especial destaque a ética comprometida com a vida em geral e humana. Além do mais, as suas contribuições oferecem base teórica para fomentar as discussões de problemas da nossa época. A partir desta base, é possível pensar sobre a ecologia, os avanços da genética, o uso de agentes sintéticos, uso das novas tecnologias, questões bioéticas e biomédicas. Estes são alguns assuntos de pano de fundo que suas contribuições legaram à filosofia. Jonas faz parte do grupo de filósofos cuja trajetória pessoal de vida esteve profundamente ligada a sua filosofia, tornando impossível qualquer tentativa de compreensão isolada do seu pensamento. Sendo judeu e vivendo na Alemanha durante a segunda guerra mundial sofreu na pele a perseguição e os boicotes. Além disso, sua trajetória intelectual foi profundamente marcada pelos estudos histórico- crítico sobre a gnose do cristianismo antigo, pela filosofia de Heidegger e pelos estudos biológicos através da filosofia da biologia. Entretanto, a fase que o lançou no cenário filosófico mundial em meados do século XX foi justamente a fase ética. Os seus estudos iniciais partiram da religião, depois através do contato com os fenômenos biológicos na América da Norte foram dirigidos aos estudos da filosofia da biologia, por fim, como consequência das suas vivencias e estudos, partiu para a teorização da ética da responsabilidade. A ética da responsabilidade surge por uma necessidade. Jonas empreende uma investigação minuciosa na tradição do pensamento ocidental com intuito de investigar a trajetória do poder de ação da atividade humana. Descobre que na modernidade, com o advento das ciências positivas e o desenvolvimento desenfreado
  • 9. 9 da tecnologia, ouve uma grande potencialização da ação humana. Na verdade, uniram-se os ideais prometeano, galileano e baconiano com a engenhosidade técnica. Dessa união entre o desenvolvimento teórico e a capacidade de transformação, o poder de ação humano extrapolou todos os limites naturais. Na antiguidade, por mais insistentes que poderiam ser as intervenções humanas, a natureza mantinha-se inalterada. Mas, agora com a nova capacidade de ação unida aos efeitos cumulativos, pode estar em perigo toda à vida no planeta. Se antes as preocupações permaneciam dentro das esferas das ações humanas próximas. Agora é preciso levar em conta o extrahumano e o futuro das gerações precedentes. Constatado que o mau uso desse poder pode levar toda a vida no planeta para a zona de perigo. Diante desse quadro, Jonas propõe uma revisão nas éticas tradicionais. Se a ética é responsável pelas ações humanas e se as ações foram alteradas, será que a ética não devia acompanhar estas mudanças. As éticas tradicionais demonstram ser insuficientes para corresponder aos apelos contemporâneos. Diante desse quadro, Jonas propõe novos imperativos éticos que servem de antídoto contra o niilismo moderno que não somente esteve batendo a porta, como entrou e se alojou. Imperativos que não possuem contradições, diferentes dos velhos imperativos das religiões e principalmente dos imperativos kantianos. Em suas constituições, os novos imperativos possuem caráter universal, extrahumano, coletivo e a longo prazo. Nesse ínterim, Jonas se reporta aos pré-modernos com intuito de retirar da metafísica a fundamentação da nova ética. Nas suas constituições, a ética da responsabilidade adquire caráter ontológico. Contudo, não bastam às boas intenções, os pressupostos do ser como bom, belo, uno, indivisível, é preciso ir além das boas intenções. Para tal, Jonas propõe o primeiro passo fundamental de sua teoria ética, a heurística do temor. A heurística do temor adquire caráter pedagógico, pois trabalha com a capacidade humana projetiva. Através da real contemplação de catástrofes futuras, criam-se sentimentos para com o dever de conservação. O temor é o único capaz de despertar os seres humanos dos ideais utópicos e mover a vontade para ações e medidas de respeito à vida futura. Nesse sentido, a ética jonasiana é uma ética do futuro quer responder, de forma especial, as possibilidades de destruição física e essencial da vida sobre a terra.
  • 10. 10 Com esse intuito, fez-se necessário compreender a sua fundamentação. Jonas trabalha com os conceitos de Fim, Valor, Bem, Dever e Ser. Desses conceitos, retira o princípio responsabilidade como fundamento último para a preservação da vida. Por fim, o presente texto monográfico quer descrever, a nível introdutório, os elementos fundamentais do princípio responsabilidade. Para isso, foi preciso percorrer a sua trajetória de vida, bem como, as influências que teve ao logo da sua trajetória acadêmica. Posteriormente a necessidade de tratar da crítica realizada a técnica moderna e a ética tradicional. Finalizado, já no campo metafísico, com os componentes básicos do princípio responsabilidade e seus estereótipos.
  • 11. 11 2. VIDA E OBRA DE HANS JONAS Hans Jonas ganhou notoriedade no cenário filosófico a partir do lançamento de seu livro O princípio Responsabilidade: ensaio de uma ética para a civilização tecnológica. Para o autor de um texto sobre a gnose na antiguidade, até então desconhecido, seu livro apesar de ser acadêmico tornou-se um fenômeno de vendas. Cumpre destacar que Jonas foi um dos um dos autores mais estudados no período pós-guerra na Alemanha1 , cujo teor filosófico contribuiu muito com a ética contemporânea. Filho de imigrantes Judeus nasceu em Mönchengladbach, na Alemanha, dia dez de maio de 1903. Suas raízes familiares lhe proporcionaram o contato com a religião judaica a qual manteve estritas relações. Na juventude, um vínculo forte com a questão da religião chagando a aderir ao sionismo2 . Sua trajetória intelectual iniciou com estudos de filosofia e teologia em Friburgo, Berlim e Heidelberg. No ano de 1921 decidiu estudar em Freiburg atraído pela fama de Husserl. Lá conhece Martin Heidegger e passa a frequentar os seminários por ele oferecidos. De imediato, Jonas passou admirar a filosofia do jovem professor Heidegger. Ele absorve muito da sua filosofia, apesar disso, em uma “declaração ao periódico L’Unita, Jonas revela sua inquietação, descrevendo-o como ‘um grande pensador, mas pessoalmente um miserável’”(Zancanaro, 1999, p. 21). Manifestando, desta forma, o repudio por conta da posição política aderida por Heidegger3 . Na mesma época, conheceu e estabeleceu amizade com Günther Anders. 1 Hoje as contribuições de Jonas na ética estão sendo muito estudadas. Vale ressaltar que a revista Dissertatio dedicou uma edição inteira somente sobre o tema do princípio responsabilidade de Jonas. Isso graças ao apoio do Prof. Robinson dos Santos, no seu artigo O problema da técnica e a crítica à tradição na ética de Hans Jonas, ele expõe alguns a importantes contribuições de Jonas para se pensar a ética na atualidade. Movimento nacionalista judaico iniciado no séc. XIX, com vista ao restabelecimento, na Palestina, dum Estado judaico, e que se fez vitorioso em 1948. 2 Segundo o dicionário Aurélio sionismo significa: “Movimento nacionalista judaico iniciado no séc. XIX, com vista ao restabelecimento, na Palestina, dum Estado judaico, e que se fez vitorioso em 1948”. 3 “A crítica à técnica e à ciência moderna levou Heidegger a uma tomada de posição politica, ocupando o posto de reitor da Universidade de Freiburg (1933-1934) e aderindo ao partido nazista.” (Livro sobre Heidegger, p. 82)
  • 12. 12 Apesar do contato direto com grandes filósofos, Jonas dirigiu seus estudos iniciais a temas voltados a religião, no mesmo ano de 1921 decidiu ir para Berlim e matriculou-se simultaneamente na Universidade Friedrich-Wilhelms de Berlim e na Escola Superior de Ciências do Judaísmo. Leo Strauss, Gershom Scholem, Martin Buber, Franz Rosenzweig foram alguns pensadores com quem conviveu nesta época e que, conforme ele mesmo atesta, tiveram influência sobre sua posição relativa ao tema da religião. Nos anos 1923/24 Jonas retornou a Freiburg e retoma os seminários de Husserl, na mesma época conheceu Max Horkheimer e teve breve contato com Rudolf Carnap. Em 1924, atraído por Heidegger mudou-se para Marburg. Foi marcante nesta época a grande amizade e convívio que estabeleceu com Hannah Arendt e com Hans-Georg Gadamer. Jonas permaneceu em Marburg até 1928, quando concluiu seus estudos. Para obtenção do doutorado elaborou tese que teve como orientadores o filósofo Heidegger e o teólogo Rudolf Bultmann sobre o conceito de gnose da antiguidade tardia posteriormente publicada4 . Em 1933, com a ascensão do partido nazista ao poder, Jonas se vê obrigado a deixar sua pátria pelos boicotes e perseguições que sofreu. Assim, mudou-se para a Inglaterra e no ano seguinte para Israel em Jerusalém onde permanece de 1935 a 1949. Entre os anos de 1940-1945, engajou-se como soldado da armada judia do exercito britânico combatendo, como soldado da artilharia, no Mediterrâneo, na Itália e na ocupação da Alemanha. Com isso, cumpre a sua promessa de somente voltar ao seu país de origem se fosse como integrante de um exército vitorioso5 . Imediatamente após a queda de Hitler, retornou a sua cidade de origem para ver sua mãe, mas toma conhecimento de que ela tinha sido manda para a câmara de gás em Auschwitz. Este episódio contribuiu para que ele não quisesse permanecer mais na Alemanha. Retorna a Jerusalém e adere ativamente ao sionismo tomando parte na Guerra árabe-israelense de 1948. Já em 1949, transferiu-se para o Canadá, onde foi professor visitante nas universidades de Ottawa e Montreal (1949-1955). Depois foi para Nova 4 Este trabalho de Jonas foi sobre a gnose no cristianismo antigo que posteriormente tornou-se livro e foi publicado em 1934. 5 Em seu livro Memórias escreve Jonas: “Eu fiz um juramento sagrado, uma promessa: não regressarei jamais, a não ser como soldado de um exército invasor”. (2005, p. 142).
  • 13. 13 York e assumiu o cargo de professor titular da New School of Social Research (1955-1976) e por fim professor visitante na Columbia University, Princeton University, University of Chicago e em Munich (1982-1983) 6 . Apesar de modesta, possui uma rica produção intelectual. As principais obras de Jonas são: O princípio vida: fundamentos para uma biologia filosófica (1966); O Princípio Responsabilidade: ensaio de uma ética para a civilização tecnológica (1979); Ética, Medicina e Técnica (1994). Além destas obras, existem centenas de ensaios, conferências e artigos publicados. Ele recebeu diversas condecorações, prêmios e títulos honoris causa. Contudo, foi na Alemanha que o seu pensamento ganhou a merecida atenção7 . Em cinco de fevereiro de 1993 ele faleceu com 89 anos em sua casa, em Nova York. Para finalizar, é preciso dizer que três são os momentos da vida intelectual Jonas. Na apresentação do livro Princípio Responsabilidade há uma alusão a cada um deles. No primeiro, sob a influência de Heidegger e Bultmann, debruçou-se sobre o tema da gnose no cristianismo primitivo. O segundo foi o grande momento de sua vida intelectual, pois tentou reconduzir novamente a vida a uma posição privilegiada, distante dos extremos do idealismo e do limitado materialismo. Por fim, a terceira grande fase intelectual de Jonas, na busca por fundamentos éticos, trabalhou na formulação do princípio responsabilidade. (2006, p. 21) 2.1 O problema do dualismo e a resolução segundo Jonas Para compreender o pensamento jonasiano e a sua teoria ética é importante conhecer as principais influências que foi tendo ao longo do sua formação intelectual. Tendo presente as fases de seu pensamento, não é possível compreender a ética sem antes passar pelos seus estudos históricos da gnose e os estudos acerca dos fenômenos biológicos. Uma abordagem que contribui para perceber os aspectos mais importantes destas duas fases é o dualismo. O problema do dualismo moderno 6 Mais detalhes podem ser encontrados na tese de doutorado do professor Zancanaro O conceito de responsabilidade em Hans Jonas e no livro de Jonas Memórias. 7 Fonsêca ajuda a caracterizar melhor o destaque que o livro de Jonas teve ao dizer: “o princípio Responsabilidade, obteve uma procura de 200.000 exemplares, uma cifra absurda para um livro de filosofia na Alemanha.” (2007, p. 165).
  • 14. 14 torna-se chave de leitura de seu progressivo pensamento que desembocou na ética. Por fim, não é possível compreender Jonas sem a influência do pensamento heideggeriano, com destaque as categorias existências e a questão da técnica moderna. A questão do dualismo é um tema recorrente na obra de Jonas, principalmente nas fases anteriores à elaboração ética. Ele merece destaque, pois é concebido “como um problema central na reflexão filosófica Jonasiana” (Fonseca, 2010, p. 57). Nesta esteira, Jonas apresenta uma possível superação solução do dualismo radical gnóstico e cartesiano. Igualmente, é necessário saber por que o dualismo é tão importante ao ponto de ser considerado um dos problemas centrais das reflexões de Jonas? Por que ele é um problema que precisa ser solucionado? Jonas preocupou-se muito com a questão do dualismo, de forma especial, para pensar a dignidade do homem agindo no interior do mundo onde ele se encontra. Desde os seus mais tenros escritos é possível perceber os esforços para a resolução do dualismo. Ele aparece tanto na sua tese sobre a gnose8 , quanto na sua obra O Princípio Vida. O dualismo de início ganha importância para Jonas pelo seu papel histórico. Segundo Jonas, “sua importância para o nosso contexto consiste em que ao longo de toda sua carreira, [...] ele trabalhou para retirar da esfera física os conteúdos espirituais, e por fim, [...] deixou atrás de si um mundo privado de todos 8 “O termo ‘gnose’ quer dizer, literalmente ‘conhecimento’. Mas, tecnicamente, tornou-se indicador daquela forma particular de conhecimento místico própria de algumas correntes religioso-filosóficos. [...] A gnose que nos interessa aqui é a que se vincula ao cristianismo. [...] O objetivo específico do conhecimento gnóstico é Deus e as coisas últimas relativas à salvação do homem”. (Reale, p. 34) Além destes elementos, “a gnose diz respeito aos seguintes pontos: 1) quem éramos e o que nos tornamos; 2) onde estávamos e onde fomos lançados; 3) aonde desejamos ir e de onde fomos resgatados; 4) o que é o nascimento e o que é o renascimento. [...] Na experiência do gnóstico, a tristeza, e a angústia emergem como dados fundamentais, porque revelam um impacto negativo e a consequente tomada de consciência de uma cisão radical entre bem e mal. [...] Se o homem sofre o mal, isso significa que ele pertence ao bem. Portanto, o homem provém de outro mundo e a ele deve retornar. [...] O gnóstico deve tomar consciência de se e, conhecendo-se a si mesmo através de si mesmo poderá então retornar á pátria originária. [...] Este mundo, que é mal, não foi feito por Deus, mas sim por um demiurgo mal.” ( Reale, p. 35). Principalmente esta ultima parte exposta sobre a doutrina gnóstica sobre a via negativa para afirmação do bem foi assimilada por Jonas. Posteriormente irá propor como movente do sentimento de responsabilidade, em termos jonasiano heurística do temor.
  • 15. 15 estes atributos.” (2004, p. 22). O dualismo tornou-se uma das via de compreensão do niilismo moderno9 e do ceticismo moral. Na primeira ordem, dentro das investigações de Jonas, encontra-se o dualismo gnóstico. Sobre ele, Jonas escreve que “a descoberta do “eu” [...] culminou com a concepção cristã e gnóstica de uma interioridade no ser humano totalmente alheia ao mundo”. (2004, p. 22). Isso porque, no contexto gnóstico, o mundo é desprezado em face do eu interior. Além disso, este dualismo constitui “uma ruptura absoluta, uma torção ou uma perversão da cadeia do ser que atinge as raízes mesmas da vida humana no mundo.” (Jonas apud Fonseca, 2010, p. 58). Eventualmente, Jonas não se preocupou com a solução imediata do dualismo em si, sim com as suas consequências. A consequência mais temida por Jonas é o niilismo que torna os valores relativos e as ações vãs. Referindo-se a posição de Jonas, Fonseca afirma que “na base de sua crítica ao dualismo gnóstico encontra-se, por um lado, as críticas ao niilismo e, por outro, ao ceticismo moral, como a sua pior consequência10 ”. (2010, p. 58). Nestas alturas, é possível perceber o germe da separação que houve entre vida interior humana com as coisas da natureza. À medida que o dualismo avançava, foi se acentuando a separação, ao ponto de os elementos separados deixarem de ter qualquer coisa em comum. Com essa separação entre alma e mundo, quem saiu perdendo foi o mundo, pois “enquanto, a alma, que se voltava para si própria, atraía para si todo o significado e toda a dignidade metafisica, e se concentrava no seu ser mais íntimo, o mundo era despido de todas estas exigências” (Jonas, 2004, p. 24). Assim sendo, o dualismo gnóstico fortaleceu ainda mais a ideia de separação. Depois dele, existem duas realidades a alma e o mundo. Entretanto, Jonas assevera que “o mundo inteiro é sema, túmulo da alma ou do espírito, daquela estranha inclusão no que de resto não tem relação alguma com a vida” (2004, p. 24). Esse é um dos traços fortes da gnose, o desprezo pelo mundo. Neste tipo de dualismo, os 9 Em Jonas é possível perceber mais duas vias que contribui para o niilismo moderno: o dualismo entre homem e natureza e a questão da técnica e da potencialização do sujeito moderno que posteriormente será desenvolvida. 10 Além desta questão do dualismo, Jonas foi profundamente influenciado pela posição gnóstica negativa, da angústia e tristeza, como pressuposto para tomada de consciência da cisão entre bem e mal. Neste particular, em estudos posteriores Jonas reelaborou esta via negativa, formulando um dos traços fortes de seu pensamento o método da heurística do temor.
  • 16. 16 polos se encontravam como oposições correlatas ou interdependentes, não havia anulação de um pelo outro. Além do dualismo gnóstico, Jonas trata do dualismo moderno, sujeito/objeto espirito/natureza. Segundo Jonas, o segundo termo desse dualismo, “goza de uma realidade independente e, finalmente interior” (2004, p. 24). Na antiguidade não era concebida a separação entre espírito e matéria. Já na modernidade isso passou a ser comum. O precursor desse tipo de dualismo foi René Descartes com a separação radical entre res cogitans e res extensa. A posição sustentada por Descartes e sua explicação da res cogitans e res extensa são insuficientes para Jonas. Fonseca explica a posição de Jonas onde “embora admita que a tese cartesiana seja teoricamente consistente; ao se reduzir de um lado à natureza objetivante e de outro ao espírito subjetivante, tal formulação não permite a emergência do organismo vivo.” (2010, p. 60). Essa redução denunciada por Jonas empobreceu ainda mais a compreensão da vida em geral e da vida humana. Com intuito, Jonas tenta superar estas duas visões dualistas através dos fenômenos biológicos com a noção de organismo. Na visão de Zancanaro, “Jonas percebe no organismo, na sua fusão insolúvel de interioridade e exterioridade a contraprova decisiva da divisão dualista e também a chave para reintegrar uma ontologia e uma teoria do ser nessa realidade fracionada.” (1998, p. 28). Contudo, o que esta em jogo nesta investigação de Jonas é a liberdade. Para Jonas, a liberdade está prefigurada nas mais remotas formas de vida. Assim, enfatiza que já “o metabolismo, a camada básica de toda existência orgânica, permite que a liberdade seja reconhecida – ou que ele é efetivamente a primeira forma da liberdade” (2004, p. 13). Com isso, é possível perceber este lampejo de liberdade presente no metabolismo considerado como a mais remota forma de vida. A liberdade assim entendida é nada mais do que este princípio estranho aos astros, aos planetas e aos átomos. Jonas não se preocupa com a origem do ser, apenas trabalha com a noção de ser ai. Aliás, segundo Jonas, “o conceito de liberdade pode efetivamente servir-nos de fio de Ariadne para a interpretação do que nós chamamos de ‘vida’” (2004, p. 13). Existe um caminho ascendente cuja liberdade está presente, se assemelha a teoria darwinista, apesar de Jonas não estar de acordo com ela. O caminho
  • 17. 17 ascendente proposto por Jonas não é constituído tão somente de êxitos. Dado que para ele, “o privilégio da liberdade carrega em seus ombros o fardo da necessidade, e significa existência em risco” (2004, p. 14). Percebe-se que no constante embate existente entre a liberdade e necessidade, ser e não ser acontece a dinâmica ascendente, das mais remotas formas de vida a mais complexa, o ser humano. Ou seja, a vida torna-se dinâmica e pode ascender quando se encontra em embate com a sua antítese, a mesma dinâmica acontece com os polos dualistas em pauta. Segundo Jonas, a vida se manifesta nestas polaridades básicas que por sua vez determinam a existência. Polos como ser e não ser, eu e mundo, forma e matéria, liberdade e necessidade. Neste sentido, “viver é essencialmente estar relacionado com algo; e relação, com tal, implica ‘transcendência’” (2004, p. 15). O homem transcende o mundo em que vive, ou melhor, a própria existência no mundo é chamada transcendência. Das polaridades mencionadas, a mais fundamental é a do ser com o não ser. Por que constitui a existência como uma luta pela sobrevivência do ser que por fim será vencido pelo não ser (morte). Jonas explicita a ousadia da existência, pois “cheia de medo da morte, põe em foco a ousadia original da liberdade que a substância assumiu ao torna-se orgânica” (2004, p. 16). Assim, a preocupação recai sobre o organismo tanto do ponto de vista objetivo das realidades do mundo, como do ponto de vista das reflexões interiores do homem. Para Fonseca o objetivo das investigações de Jonas sobre o dualismo consiste em “alcançar uma compreensão integral dessas duas dimensões, eliminando a separação entre o homem e as demais formas de vida” (2010, p. 61). Jonas não nega a polaridade existente, antes estende até as mais remotas fronteiras da vida, para afirmar que nas contradições como liberdade e necessidade, eu e mundo, criatividade e imortalidade estão em germe às formas mais primitivas da vida. Esta oscilação que acontece entre os diferentes é em si um “horizonte interno de transcendência” (Jonas, apud Fonseca 2010, p. 62). Quer dizer, não há contradição ou anulação de um pelo outro, mas uma relação dialética de complementaridade. No entanto, a liberdade em jogo está longe de ser absoluta. Ela encontra-se em constante embate com a necessidade. A liberdade enquanto privilegio diferente
  • 18. 18 da matéria inanimada porta o fardo da aflição que significa existência em perigo. Fonseca caracteriza esta liberdade de “liberdade dialética, que tem o risco permanentemente crescente como sua outra face” (2010, p. 65). Neste embate entre a liberdade e a necessidade, Jonas apresenta a expressão do desafio que coloca a cada organismo, para assegurar a própria sobrevivência11 . Deste modo, é possível extrair algumas consequências desta possível resolução do dualismo segundo Jonas. Primeiramente, a exposição de Jonas amplia a dignidade humana a todo ser vivo, ao fazer da liberdade uma condição inalienável de todas as formas de vida. Assim, segundo Fonseca, “ele transpôs o abismo que separava o homem e o mundo, restituindo ao homem sua condição de integrante do mundo, em estreita relação com todos os demais seres vivos” (2010, p. 70). A segunda consequência extraída contribui para o plano ético, pois poderá estabelecer no nível ético uma dialética semelhante à dialética da liberdade. “Corresponderia à dialética do valor e da obrigação ética se impondo à liberdade humana” (Ibid.). A terceira consequência útil para a ética é aplicar a resolução do dualismo apresentado, no dualismo moral que opõe o ser ao dever-ser. Por fim, com o conceito de liberdade ampliado a todo ser vivo, em relação dialética com a necessidade, forma-se o organismo que pode e deve realizar o metabolismo. Neste sentido, existe uma “continuidade entre mente e organismo, entre organismo e natureza e por isso a ética se torna parte da filosofia da natureza”. (Jonas, 2004, p. 271). Para finalizar, o problema do dualismo nasce em Jonas por causa das suas consequências niilistas. De um lado, com a posição gnóstica temos o descredito da ação humana no mundo, de outro, com o cartesianismo a separação psicofísica resultado no problema da falta de explicação da ação do corpo no mundo. Assim, Jonas investigando os fenômenos da vida, em consonância com a realidade, encontrou inúmeras dualidades em relação dialética. Neste embate entre as polaridades, os diferentes não se anulam, mas se completam continua e simultaneamente. 11 Sobre este assunto existe um artigo publicado na revista Dissertatio intitulado A transanimalidade do homem: uma premissa do princípio responsabilidade. O autor chega à conclusão, a luz do pensamento de Jonas, que é no ser humano como transanimal que a liberdade alcança seu auge e, consequentemente, nele se efetiva a demanda da responsabilidade.
  • 19. 19 2.2 As influências de Heidegger no pensamento de Jonas Jonas toma contato com o professor Heidegger em meados da década de 20 quando passa a frequentar os seminários por ele oferecidos em Freiburg. A partir daí, passa a fazer parte dos privilegiados alunos do Jovem Heidegger. Mesmo tendo escolhido estudar tema relacionado à religião, Heidegger passou a influenciar a sua pesquisa. Zancanaro comenta que, “a influência de Heidegger é decisiva, e seu projeto é impensável sem seus ensinamentos” (1998, p. 22). Com esse intuito, é imprescindível saber: quais foram as principais influencia que Heidegger exercera sobre Jonas? O que as suas investigações suscitaram nele? Durantes os anos que foi aluno de Heidegger, Jonas participou ativamente das discussões que antecederam a obra Ser e Tempo. Além do mais, a base do pensamento jonasiano foi ancorada nas suas categorias existenciais. Ele percebia no jovem Heidegger um pensador em potencial, com capacidade peculiar de penetrar nos textos antigos e traze-los para atualidade de forma inovadora e surpreendente. Deste modo, duas coisas são imprescindíveis conhecer em Heidegger, a primeira diz respeito às categorias existências, isto é, a sua análise existencial, a segunda diz respeito à questão da técnica moderna. 2.2.1 Influências da análise existencial de Heidegger Na primeira fase de seu pensamento, Heidegger de modo particular realizou análises detalhadas sobre a condição existencial. Com este empreendimento, lançou as bases do existencialismo contemporâneo ocidental. Não cabe aqui fazer explanações exaustivas sobre o existencialismo, apenas mostrar alguns aspectos em particulares desta fase que foram importantes para Jonas. Nicola Abbagnano acena, em relação à filosofia contemporânea da existência, três designações para o termo existência: “1) o modo de ser próprio do homem; 2) o relacionamento do homem consigo mesmo e com o outro; 3) relacionamento que resolve em termos de possibilidade” (2000, p. 400). Neste momento, é importante fixar as reflexões apenas na segunda designação, pois nela o existencialismo é um
  • 20. 20 modo de ser em situação, entendendo-se com isso, o conjunto de relações analisáveis que vinculam o homem ás coisas do mundo e aos outros homens. Entretanto, as relações não são necessárias nos seus modos de manifesta-se, as situações concretas só podem ser analisadas em termos de possibilidades. Neste ponto, Heidegger foi o primeiro a formular uma análise das caraterísticas da existência. Ele não está interessado em investigar os conceitos abstratos de existência contidos na tradição clássica ocidental. Para ele, não bastam às essências racionais é preciso levar em conta a existência concreta isto é, o ser aí (Dasein) 12 . Tematiza originalmente, um modo de ser próprio da existência humana, em sua singularidade, que transcende as investigações abstratas. Heidegger acusa a tradição de ter esquecido o ser. Em seus termos, o elemento ontológico faz essencialmente parte da filosofia da existência, sem esse elemento não se pode conhecer a condição existencial. A existência como possibilidade está intimamente ligada com a alternativa entre o modo de ser autêntico e inautêntico. Para Heidegger, o modo inautêntico é aquele que leva os entes a existência cotidiana e anônima. Percebe-se, pois, o que está em jogo é a possibilidade da existência autêntica. Ela deve ser escolhida sendo a mais própria do ser. Mas o que possibilita a existência autentica? Para ele, essa possibilidade é a morte. Segundo Zilles, “para Heidegger, esta possibilidade própria é a morte, pois ‘viver para a morte’ é a ‘possibilidade da impossibilidade da existência” (1995, p. 16). Em termos gerais, viver para a morte é compreender a impossibilidade da existência, isto exige uma existência mais autêntica. Nos seus estudos iniciais, Jonas trabalha o tema da gnose. Entretanto, o que se fomentava na época eram termos relacionados ao existencialismo13 . Jonas relata, ao voltar para o estudo da gnose, que pode perceber pontos de vistas diferente do tema, graças às contribuições existenciais de Heidegger. Elas possibilitaram “condições de ver aspectos do pensamento gnóstico que ainda não havia sido visto até então” (2004, p. 233). 12 Caracterização do Dasein mais detalhada livros: o que é existencialismo, Heidegger, Stein, Zilles; 13 No da coleção primeiros passos O que é existencialismo é possível encontrar os traços gerais desta corrente que foi muito discutida na década e 40 e 50. Dentre as correntes recorrentes é possível encontrar a corrente ligada a Heidegger que mais nos interessa.
  • 21. 21 Em contrapartida, o existencialismo que havia fornecido os meios para uma análise histórica, ficou ele próprio envolvido pelos resultados desta análise. Ele contribuía com o seu método e através das suas categorias. As categorias têm por objetivo explicar as estruturas básicas da existência humana, tornando-se em Jonas, instrumento de compreensão da gnose. Entretanto, a gnose também contribuiu para com o existencialismo, possibilitando novas abordagens. Para Jonas, a solução existencialista da gnose e a leitura gnóstica do existencialismo se complementam. No texto que aborda esta questão, Jonas está interessado em expor as contribuições da gnose e do existencialismo moderno, com intuito de apresentar as consequências niilistas14 . Percebe que, ao longo da história, culminando com o existencialismo perdeu-se algumas características fundamentais que, por sua vez, favoreceram o niilismo. Como os valores do ser, que na antiguidade eram definidos agora deixam de ser considerados. A desconsideração do valor em si das coisas. A vontade que se torna substituta da contemplação (teoria). A supressão da condição transcendente do ser humano pela relação de poder e domínio. Enfim, a relação com a natureza de forma meramente instrumental. Jonas diz que, “no fundo da situação metafisica que levou o existencialismo moderno aos seus aspectos niilistas, se encontra uma mudança na imagem de natureza”. (2004, p. 237). Sem o referencial de natureza as ações humanas tornam-se vãs. Jonas apresenta o niilismo como ponto de união das duas posições. A primeira provém da cristandade tardia com os gnósticos. Até então, a visão de mundo era harmoniosa e o homem fazia parte da totalidade do cosmo. Mas, a partir das contribuições gnósticas, o homem passa a ver o mundo estranho a sua realidade. Para o gnóstico, o mundo é naturalmente alheio à realidade humana, hostil e mal. O homem é lançado a este mundo que não escolheu e é obrigado a conviver com ele. Com isso, quebra-se a antiga visão da lei cósmica, que era venerada pela razão que 14 Dentro do livro O principio Vida, Jonas tem um artigo intitulado Gnose, existencialismo e niilismo, com ele que pretendemos explorar a relação de Jonas com as termos existências em Heidegger. Nele também Jonas pretende explorar as contribuições tanto do gnosticismo ao existencialismo, quanto do existencialismo para o gnosticismo. Além disso, afirma que os dois possuem alguma coisa em comum entre si, e que esta alguma coisa é de tal natureza que seu estudo pode levar a uma mútua e mais clara compreensão de ambos.
  • 22. 22 dela provinha e orientava a razão humana. Na visão de Jonas, a consequência disso “torna vã a liberdade do ser humano” (2004, p. 240). A noção de mundo, impressa pelos gnósticos, tira o caráter ordenador do mundo. Apesar disso, ele continua sendo cosmo, isto é, ordem, mas uma ordem mais tirânica e desvinculada do humano. O que predomina neste ‘estar no mundo’ é o medo. “O medo sinaliza que o eu interior despertou do sono ou da embriaguez do mundo” (2004, p. 241). O ser humano sente-se alienado ao mundo e a si mesmo. Com isso, é possível perceber aberturas para a instalação do niilismo. Entretanto, este quadro apresentado pelos gnósticos, tem solução segundo Jonas. A saída apresentada provém do mundo, pois o mundo deve ser vencido pelo poder. A segunda constitui um modo mais rebuscado de niilismo, pois ganha forças com o existencialismo moderno. Segundo Jonas, em relação ao existencialismo, ouve uma desvalorização da natureza, manifestado pelo esvaziamento espiritual da ciência natural moderna. O existencialismo não se preocupou com a natureza, pois não conservou nenhuma dignidade. Jonas afirma, “nunca uma filosofia preocupou-se tão pouco com a natureza quanto o existencialismo” (2004, p. 250). Com esse empreendimento, Jonas mostra que, os aspectos da gnose contribuíram para compreender o existencialismo e o niilismo moderno. Da mesma forma, com as contribuições das categorias existenciais pode perceber melhor os movimentos da gnose. O existencialismo contribuiu para esse niilismo, situado primeiro por Nietzsche e depois por Heidegger, que consiste no dualismo entre homem/natureza e homem/realidade. No entanto, em Jonas há uma preocupação grande por solucionar este problema do niilismo moderno. Com Heidegger, Jonas pretende superar o dualismo, através da compreensão da existência, que é estar no mundo, mas em movimento de transcendência, pois o fim para o qual o homem corre está no mundo. Diferente da compreensão que não leva em conta a natureza e o mundo onde o homem não corre para nenhum fim. Para Jonas, o mundo tem sentido referencial, pois possibilita o desejo de transcendência. Todavia, ele também representa liberdade que usada de forma errada pode colocar em perigo a existência.
  • 23. 23 Nas palavras de Zancanaro, “a influencia heideggeriana pode ser percebida no uso de estruturas existenciais, como: possibilidade, projeto, renúncia, presente, passado, futuro, liberdade, cuidado, angústia e existência” (1998, p. 33). Jonas afirma que a possibilidade das conquistas tecnológicas, das catástrofes e da não existência de vida no futuro, faz com que o temor pela morte essencial ou vital seja capaz de impor limites ou freios as ações humanas. Por isso, os ‘projetos’ tem como objetivo antecipar certas possibilidades e a catástrofe é uma delas. O futuro é um continuo inesperado que precisa ser zelado. Zancanaro comenta que, “aqui se revela novamente a ‘heurística do temor’, ou seja, sem o pressentimento do futuro, o presente seria uma terra sem cuidados” (1998, p.34). Na compreensão de Jonas, o passado é o imutável, o presente são as ações e o futuro é o mutável. O futuro, deste modo, é alvo de ‘pré-ocupação’, com ameaça de poder engolir o presente. O presente cheio de cuidados é um eco do futuro. Jonas afirmar que as possibilidades de catástrofes não são mais delírios ilusórios. Diante da expressão do poder do homem pela técnica e pela onipotência da vontade de potencia do homo faber, não resta alternativa senão antecipar ou projetar esse mesmo ‘nada’ como possibilidade de mover o sentimento para a ação. A possibilidade da impossibilidade heideggeriana é revelada por Jonas ao falar da escolha por um não ao não ser. É a via negativa de tomada de consciência daquilo que é possível que se realize. A existência para Jonas é “ser adiante de si, cuidado, projeto, decisão, antecipação da morte, são modos existenciais do futuro” (Zancanaro, 1998, p. 36). Para concluir, é importante ressaltar que durante esta explanação foi possível perceber alguns aspectos de Heidegger que também estão presentes em Jonas. Os dois estiveram preocupados com a questão do niilismo. Jonas de modo perceptível pelos esforços em retirar da própria condição existencial a responsabilidade objetiva e Heidegger, apesar de ficar no plano metafísico, procura resgatar o sentido do ser criticando a técnica moderna. 2.2.2 Influências da critica a técnica
  • 24. 24 Para Jonas, Heidegger conseguiu perceber os movimentos que foram acontecendo ao longo de toda história da filosofia, pois descreveu de forma original a experiência moderna da ansiedade como consequência da compreensão distorcida do ser. Isso o levou a ter uma visão pessimista da ciência e da tecnologia, compreendendo nelas uma visão dogmática onde se reduz a existência a sua instrumentalidade. Acontece desse modo, o ‘esquecimento do ser’ e isso inviabiliza o projeto da existência humana autêntica. Entretanto, Heidegger limita-se tão somente a entender a essência da técnica, não demonstra nenhuma preocupação com a ética. Essa é uma tarefa para os seus alunos. Heidegger foi um dos primeiros filósofos a propor uma revisão do sentido da técnica moderna. Pretendia discutir a essência da técnica para além das dimensões metafisicas e epistemológicas. Numa de suas conferências intitulada Língua da tradição e língua da técnica, investiga a questão da técnica de modo particular. Segundo ele “a técnica – corretamente concebida – penetra e domina todo o domínio da nossa meditação” (1995, p. 14). O caminho que Heidegger parte, passa pela desmistificação da noção de técnica frequentemente concebida. A técnica, neste sentido, não pode ser apreendida como um meio para obter algo ou como atividade humana. Tão pouco, Heidegger está interessado pela concepção moderna da técnica como instrumento de intervenção na natureza. Até por que, a técnica não é a mesma coisa que a essência da técnica. Ele está interessado na essência da técnica. A essência da técnica é o ‘que é’ propriamente, já a técnica comumente concebida é um meio para um fim realizado pelo homem15 . Avançando na compreensão, é importante destacar como Heidegger vai conceber a essência da técnica. Ele fez o caminho inverso, partiu da compreensão histórica da técnica para se chegar à essência. Partiu de uma análise dos termos poiesis, techné, episteme e aletheia. A poiesis significa: fazer emergir conduzi-lo ao aparecer, seria a produção natural que independe do homem. A techné é a produção com intervenções humana, mas de forma simples. A episteme é o conhecimento desta produção, natural (poiesis) ou técnica (techné). Esse conjunto de fatores 15 Dubois, esclarece que “a essência deve aqui ser compreenda historicamente, no sentido de um certo destino dos ser e do desvelamento”. (2004, p. 136).
  • 25. 25 constitui a aletheia que é o desvelar. Esse desvelar, diz Heidegger, que os gregos chamavam aletheia, os romanos denominavam verdade. (César, 1980, p. 66). Com isso, Heidegger chega à essência da técnica: desvelar, mostrar a verdade. Ele supera a concepção moderna de técnica como usura da natureza por meios de intervenção humana. Agora, a técnica é essencialmente um modo de verdade (desvelamento) dos entes que são realidades em termos de manifestação. Nesse sentido, qual seria o modo específico de desvelamento, que distingue a técnica moderna, e como o homem nela toma parte? A moderna técnica não requer dos entes a produção, mas a requisição da natureza. Ela desafia a realidade dos entes e, exige deles, para satisfazer a realidade de consumo. Por exemplo, existe diferença entre usar uma roda d´água num rio e construir uma usina para extrair energia. A primeira forma, não exige uma mudança radical na manifestação do rio, enquanto que a usina exige do rio a sua força, toma de forma autoritária. Eis a diferença, a requisição da moderna técnica que, por sua vez, não tem nada haver com a produção no sentido antigo. Na moderna técnica, as necessidades são elas mesmas um produto. Os entes para os modernos nada mais são do que objetos a serem utilizados e manipulados pelos sujeitos. O homem através da essência da técnica tem a possibilidade de optar por duas atitudes: em desenvolver apenas aquilo que se revelou o que caracteriza o mundo, ou buscar, de modo original, o significado das coisas. No caso da modernidade, a opção é a primeira, o mundo é tornado um fim em si e se torna ameaçador. Heidegger esclarece essa questão dizendo: O que a técnica moderna tem de essencial não é uma fabricação puramente humana. O homem actual é ele próprio provocado pela exigência de provocar a natureza para mobilização. O próprio homem é intimado, é submetido à exigência de corresponder a esta exigência. (1995, p. 29). O que poderia lançar luzes sobre está situação da técnica? Já que o destino do homem é corresponder às exigências dos apelos da técnica. Na compreensão de Dubois, “O perigo diz respeito portanto justamente á própria essência do homem, isto é, de ser aquele que responde pelo próprio ser!” (2005, p. 139).
  • 26. 26 Heidegger cita e medita estes versos de Hölderlin: ‘mas ali onde há perigo, ali também cresce o que salva’. Com base, no perigo que a técnica encerra, reside à possibilidade de salvação do homem. Até porque, salvar em sua compreensão quer dizer reconduzir à essência. Neste sentido, Stein tem razão ao dizer que “a salvação emerge da consciência de que o homem se defronta na técnica apenas com um modo de desvelar a verdade” (1966, p. 118). Heidegger caracteriza a época atual de técnica planetária, da pura instrumentalidade, do engenho e do desvelamento dos entes. O homem rompe com a sua própria essência, que consiste em manter-se aberto ao sagrado, ao ser. Em Heidegger, há um apelo grande para refrear o obscurecimento do mundo e por recuperar a verdade dos entes. Nas palavras de César, “A técnica é um saber, que pode fazer emergir a compreensão do ente como totalidade. A tarefa do homem é assumir esse saber, mediante o qual põe à luz do ser” (1980, p. 68). Cabe ao homem converter o esquecimento do ser em desvelamento, isto é, ater-se a escutar os apelos daquilo que é. Concluindo, Heidegger critica a técnica moderna que desembocou no esquecimento do ser. Contudo, as conclusões para o campo ético não estiveram presente em suas meditações. Ele apenas foi fiel em descrever a situação atual. A tarefa de extrair medidas éticas ficou a cargo de seus alunos. Dentre eles destacam-se dois: Hans Jonas como o princípio responsabilidade e Anders com o princípio desespero. Com intuito de explorar a questão apenas em Jonas, será tratado no próximo capitulo a crítica por ele realizada à técnica moderna.
  • 27. 3. A CRÍTICA A TÉCNICA E AO ANTROPOCENTRISMO O ponto de partida da principal obra de Hans Jonas Princípio responsabilidade é a figura do prometeu desacorrentado. Com essa figura, ele quer caracterizar o perigo que a humanidade adentrou com o poder transformador da técnica moderna. Principalmente, através do forte impulso da ciência moderna e dos incentivos econômicos. O poder do homem pode ter se transformado numa desgraça para ele mesmo. De encontro a esta realidade, Jonas explicita no prefácio à obra que “a tese de partida deste livro é que a promessa da tecnologia moderna se converteu em ameaça, ou esta se associou àquela de forma indissolúvel.” (2006, p. 21). Nenhum traço do passado se compara a atual submissão da natureza e ao sucesso da técnica moderna. O homem no presente, diferentemente do passado, possui o poder de transformação e de destruição de toda a vida do Planeta. A técnica moderna alterou essencialmente o horizonte e as coordenadas espaço-temporais em que se inscreve, e onde se desdobra seus efeitos no agir humano. Com isso, quebraram-se alguns paradigmas em relação à ação humana e o modo de concebê-la. Toda sabedoria que foi sendo acumulada ao longo da evolutiva trajetória histórica culminou com a total rendição da natureza pelo importante, no entanto, perigoso poder da técnica. Neste sentido, para Jonas “o novo contingente da práxis coletiva que adentramos com alta tecnologia ainda constitui, para a teoria ética, uma terra de ninguém” (Jonas, 2006, p. 210). Todas as diretrizes éticas do passado são supreendentemente superadas. Não existe na tradição parâmetros suficiente para esta realidade completamente desconhecida que se revela sob o símbolo do perigo. A previsão de perigo, na reflexão de Jonas, adquire valor pedagógico, pois segundo o seu pensamento as possibilidades de catástrofes futuras já não são mera ficção. Até porque, o potencial de transformação e de intervenção humana foi elevado muito acima do necessário. Por isso, é fundamental olhar para o futuro por uma lente pessimista, isto é, a possibilidade do futuro catastrófico pode despertar a consciência e mover a vontade para medidas de contenção. Somente com a antevisão
  • 28. 28 da desfiguração do homem é possível chegar “ao conceito de homem a ser preservado” (2006, p. 21). Por conseguinte, percebe-se que os esforços de Jonas, representam o ensaio de uma ética para a civilização tecnológica. Em uma alusão a Spinoza e Wittgenstein, Jonas apresenta seu ensaio como um Tractatus tecnológico-ethicus, cujo objetivo é apontar a existência de problemas atuais outrora inexistentes. Por isso, faz-se necessário a defesa de uma nova teoria ética de medidas, respeito, ponderação e custódia. Essa nova dimensão de responsabilidade nasce da própria condição existencial e tecnológica. Diante disso, surgem algumas perguntas que são fundamentais para a compreensão da proposta jonasiana. Diante do poder da técnica o que pode servir como bússola para orientar as ações humanas? Será que não é necessário que a ética invada o espaço da técnica e exija freios voluntários em face da real possibilidade de morte essencial e vital do mundo humano e extrahumano? Diante do fato da técnica ter adentrado e rompido com os parâmetros éticos é possível pensar uma ética que possa corresponder aos anseios oriundos do poder da técnica moderna? As éticas tradicionais ainda são válidas para o novo contexto tecnológico? Será que o futuro das gerações posteriores seria comprometido pelo mau uso das tecnologias disponíveis no tempo presente? Com estas indagações de pano de fundo, mister se faz, agora, percorrer os caminhos que levaram Jonas a propor uma nova teoria ética. 3.1 O novo espaço de poder da ação humana Olhando para a atual sociedade técnica, Jonas percebeu a necessidade de revisão do poder de ação humana, por causa do seu potencial catastrófico que pode levar a total aniquilação da vida na terra. Dois foram os motivos mais eminentes desta mudança: a ciência e a técnica que na modernidade se juntaram e ganharam forças. Além disso, receberam grandes incentivos econômicos no atual sistema capitalista16 . Esta realidade põe em cheque os pressupostos éticos do passado. 16 Uma exposição mais detalhada sobre as tecnologias e as influencias econômicas é tema do livro: Ética e poder na sociedade da informação. (Dupas, 2001)
  • 29. 29 Jonas aponta para as consequências na vida prática. Ele se propõe a examinar as realidades que foram modificadas para tentar encontrar respostas éticas a atual situação. Por estar inserido diretamente nestas discussões, Jonas afirma que “a natureza modificada do agir humano também impõe uma modificação na ética” (2006, p. 29). Para compreender por que a ética deve ser modificada, primeiramente é preciso compreender a modificação que houve do agir humano. Desde as formas mais remotas de intervenção, com o uso da técnica, o homem passou a se relacionar com a natureza de forma dominadora e predatória. Segundo Jonas, com o advento da modernidade ouve uma grande mudança no agir humano. Na antiguidade, por mais insistentes que tenham sido as intervenções humanas, não havia grandes alterações na natureza. O que não acontece com o atual potencial de ação humana. Diferentemente, hoje o homem detém o poder de destruição de toda a vida no Planeta pelas ações coletivas dentro desse contexto tecnológico17 . Preocupado com tal questão, Jonas discute o poder e o fazer humano como premissas históricas da tecnologia. Com intuito de caracterizar esse poder e fazer humano, Jonas remete-se ao famoso canto do coral de Antígona, de Sófocles18 . Nele, 17 Na primeira parte de seu texto intitulado Desafios Éticos advindos da efetividade do Binômio ciência-técnica, Maria de Jesus dos Santos apresenta três conceitos históricos importantes para a compreensão do pensamento de Jonas: téchne, técnica e tecnologia. Isso com intuito de investigar as substantivas interferências da ciência na transformação do entendimento e de sua aplicabilidade. O termo téchne caracterizava a vivência dos gregos antigos e se configurava como uma arte transformadora. Nota-se que neste contexto o homem não se distinguia da natureza. As suas intervenções não tinham pretensões de dominação e nem poder de destruição. O termo técnica ainda está atrelado a téchne, mas com o advento da modernidade não é mais possível entender este termo no sentido de arte, pois entra em cena o binômio ciência e técnica. Com esta realidade, o saber passa a ser um artifício de dominação e de poder. Heidegger é preciso ao destacar que na modernidade a técnica proporciona o ‘abandono do ser’. Os dois precursores desta potencialização do poder humano são: Francis Bacon com a pretensão de que por meio da dominação da natureza pela técnica e pelo saber científico se resolveria todos os problemas e Descartes através do desenvolvimento do método científico. Com isso, na modernidade a técnica alia-se com a ciência que resulta numa mudança substancial do agi humano, aumentando substancialmente o poder de ação humana. Por fim, a tecnologia é uma caraterística da contemporaneidade. Ela é profundamente marcada por uma espécie de hegemonia. A tecnologia é a união da técnica e da ciência levada a extremo. Caracteriza-se pelo domínio sobre a natureza e pelo poder de destruição total da vida no planeta. Ela proporcionou muitos benefícios à humanidade, mas também foi responsável por hegemonias e relações de poder. Sempre quando forem mencionados alguns destes termos subtendem-se estas características. 18 Segue na integra a citação que Jonas faz de Sófocles para explicitar o poder e o fazer humano. “Numerosas são as maravilhas da natureza, mas de todas a maior é o homem! Singrando os mares espumosos, impelido pelos ventos do sul, ele avança e arrosta as vagas imensas que rugem ao redor”. E Gea, a suprema divindade, que a todas mais supera, na sua eternidade, ele a corta com suas charruas, que, de ano em ano, vão e vêm, fertilizando o solo, graças à força das alimária!
  • 30. 30 Jonas percebe que mesmo na antiguidade já existia poder humano opressivo que violava a ordem cósmica. Aliás, para Jonas, “a violação da natureza e a civilização do homem caminhão de mãos dadas”. (2006, p. 32). Nota-se que a intervenção humana entendida como poder de ação fez parte do processo civilizatório da humanidade. Neste contexto, o homem é caraterizado como artífice de seu próprio destino, capaz de reinventar as situações que o circundam e transforma-las conforme a necessidade. Jonas demostra a compreensão dessa realidade ao afirmar que “o homem é o criador de sua vida humana. Amolda as circunstâncias conforme sua vontade e necessidade, e nunca se encontra desorientado, a não ser diante da morte.” (2006, p. 32). Para ele, a morte proporciona a contemplação da realidade mesma, visto que diante dela o homem toma consciência de sua vulnerabilidade e desmistifica os ideais pretensiosos e utópicos19 . Jonas menciona alguns elementos que não foram explicitados no canto de Sófocles, mas que são importantes para caracterizar o poder e o fazer humano antigo. O que ali [no canto de Antígona] não está dito, mas que estava implícito para aquela época, é a consciência de que, a despeito de toda grandeza ilimitada de sua engenhosidade, o homem, confrontado com os elementos, continua pequeno: é justamente isso que torna as suas incursões naqueles Os bandos de pássaros ligeiros; as hordas de animais selvagens e peixes que habitam as águas do mar, a todos eles o homem engenhoso captura e prende nas malhas de suas redes. Com seu engenho ele amansa, igualmente, o animal agreste que corre livre pelos montes, bem como o dócil cavalo, em cuja nuca ele assentará o jugo, e o infatigável touro das montanhas. E a língua, e o pensamento alado, e os sentimentos de onde emergem as cidades, tudo isso ele ensinou a si mesmo! E também a abrigar-se das intempéries e dos rigores da natureza! Fecundo em recursos, previne-se contra os imprevistos Só contra a morte ele é impotente, embora já tenha sido capaz de descobrir remédios para muitas doenças, contra as quais nada se podia fazer outrora. Dotado de Inteligência e de talentos extraordinários, ora caminha em direção ao bem, ora ao mal... Quando honra as leis da terra e da justiça divina ao qual jurou respeitar, ele pode alçar-se bem alto em sua cidade, mas excluídos de sua cidade ele, caso se deixe desencaminhar pelo Mal.” (Sófocles apud Jonas, 2006, p. 31) 19 De forma especial, Jonas contesta os ideais pretenciosos de transformação da vida humana através da ciência e da tecnologia e também no campo políticos os ideais utópicos marxistas. Segundo Jonas, o ideal utópico fracassa por que deposita todas as expectativas na crença do progresso tecnológico e científico. As consequências destas promessas levam a humanidade ao desvario e ao desastre ora percebidos. No que ele apresenta, para que se realize o ideal utópico o preço pode ser o fim da humanidade. Cf. SANTOS, Maria de Jesus. Desafios éticos advindos da efetividade do binômio ciência-técnica. Pensando: Revista de Filosofia. v. 1, n 2, 2010, p. 90
  • 31. 31 elementos tão audaciosas e lhe permite tolerar a sua petulância. (2006, p. 32) Com isso, Jonas explicita a condição do poder humano daquela época. Por mais ameaçadora e exploradora que possa ter sido a intervenção do homem antigo na natureza, ela contornava a situação e prevalecia sobre os ataques. Porque o poder de ação ainda era superficial e pequeno diante das forças naturais. O homem tinha alcançado, sim, nesta época a domesticação das necessidades pela astúcia. Mas ao refletir sobre isso, assustava-se diante do próprio atrevimento20 . (Jonas, 2006, p. 33). Todavia, os avanços daquela época nem se comparam aos avanços da atual sociedade tecnológica, além do mais, o poder da ação humana não tinha potencial catastrófico. Com a inclusão do homem no processo civilizatório, aos poucos ele deixa de fazer parte de um todo cósmico e passa a viver num contingente antropológico. De cidadão do mundo tendo o cosmo com ordem e lei natural, passa a viver em cidades, único espaço antropológico de responsabilidade moral. Na visão de Jonas, o homem se desenvolvia entre o que permanecia e o que mudava. O que permanecia era a ordem natural das coisas e o que mudava eram as suas próprias obras. De todos os empreendimento humanos, a maior dessas obras era a cidade, à qual ele podia emprestar um certo grau de permanência por meios que inventava e aos quais se dispunha a obedecer. (Jonas, 2006, p. 33). A cidade como artefato do homem era o único objeto de responsabilidade a ele confiado. Para Jonas, a cidade não era objeto da responsabilidade humana. Esse fato, associado à inviolabilidade essencial da natureza, justificavam seu domínio e o uso abusivo para fins humanos. A natureza externa estava fora do contingente de responsabilidade humana. No entanto, adverte Jonas, “na cidade, ou seja, no artefato social onde homens lidam com homens, a inteligência deve casar-se com a moralidade, pois essa é a alma de sua existência.” (2006, p. 34). A moralidade tinha suas caraterísticas 20 Sobre isso comenta Giacoia: “Por mais que o homem capture e domine as espécies animais, bem como as forças da natureza, por mais que procure submeter a si os poderes e os recursos naturais, subordinando-os a seus próprio fins, ele nada pode, em ultima instância, contra essa natureza que o domina, que subsiste intacta em seu poder e soberania, e acaba sempre de novo forçando o poderio humano a obedecer seus ciclos e suas leis.” (2001, p. 196)
  • 32. 32 profundamente enraizadas no mundo intrahumano e o saber tinha sua dose de importância na moral. A ética fundamentava a moral e não tinha nenhum compromisso com a realidade fora deste contingente. Com efeito, Jonas afirmar que todas as éticas da tradição levaram em conta tais pressupostos, condicionados ao universo antropológico. Jonas percorre a antiguidade buscando caracteriza-la, nela encontra a natureza inviolável pelo então poder humano. Até aqui não há modificações essenciais no poder de ação humana. Mas à medida que vai acontecendo o processo civilizatório dentro do artefato cidade, o poder de fazer gradativamente aumentou, modificando significativamente a natureza de seu agir. A técnica moderna foi a principal responsável pela modificação da ação humana aliada aos incentivos modernos da ciência com a potencialização do sujeito. A ética era antropológica, não tinha pretensões e nem necessidades de se preocupar com o extrahumano21 . No entanto, com o advento da modernidade houve uma potencialização apocalíptica da ação humana. Mas será que a técnica aliada à ciência não invadiu o espaço humano? Se o poder de ação humana foi modicado será que a ética tradicional ainda é suficiente? Dessa forma, com Jonas é possível perceber modificações no poder de ação do homem através da técnica moderna. Diante deste fato, destaca-se a importância da ética para a atual civilização tecnológica, pois as consequências destas modificações tornaram-se perigosas. Sendo ela responsável pelas ações humanas, tem agora, um enorme desafio pela frente. Ciente desta realidade, Jonas se propõe a investigar as éticas tradicionais com intuito de verificar a veracidade das normativas frente ao agir modificado do ser humano e seu potencial transformador. 3.2 As insuficiências éticas tradicionais É possível afirmar, com base nos preceitos de Jonas, que a relação do homem com a natureza ao poucos foi sendo modificada. A principal responsável por esta mudança foi à técnica moderna. A técnica aumentou o poder de transformação da 21 Nota-se que neste contexto ainda não é possível caracterizar a bioética e a ecologia, pois elas surgem mais tarde por necessidades diante do agir modificado.
  • 33. 33 ação humana. Enquanto isso, a ética que se ocupava da ação humana, permaneceu imutável. Tendo está contradição como pano de fundo, Jonas se propõe investigar os parâmetros éticos tradicionais para saber se ainda são suficientes para responder aos apelos do agir modificado pela técnica. Com objetivo de caracterizar as éticas tradicionais e fazer uma comparação com o estado atual das coisas, Jonas ressume em cinco pontos as características destas éticas. 1) Para ele, “todo o trato com o mundo extra-humano, isto é, todo o domínio da techne (habilidade) era – a exceção da medicina – eticamente neutro” (2006, p. 35). Com isso, a atuação sobre objetos não humanos não formava um domínio eticamente significativo. A ação humana não se preocupava com o mundo extrahumano, restringia-se ao espaço antropológico. E, portanto, a ética não se ocupava da técnica, pois não havia necessidade já que ela não intervinha nas ações humanas. 2) Neste ponto, Jonas menciona que a significação ética dizia respeito ao relacionamento direto de homem com homem, inclusive o de cada homem consigo mesmo; toda ética tradicional é antropocêntrica. (2006, p. 35). De fato, o antropocentrismos é uma forte caraterística da ética tradicional. Qualquer domínio longe do universo humano não interessava, pois a natureza era considerada inviolável. 22 3) O terceiro ponto vem de encontro a condição fundamental do ser humano. Jonas descobre que “[...] a entidade “homem” e sua condição fundamental era considerada como constante quanto à sua essência, não sendo ela própria objeto da techne (arte) reconfiguradora” (Ibid). Com isso, percebe-se que a condição humana e todas as suas constituintes não era objeto da técnica. Sendo que a essência humana fazia parte das realidades eternas, neste caso, tinha-se a ideia de que a essência humana era boa e dela advinha à dignidade. O homem não fazia parte dos fins da técnica. Pelo contrário, a partir da essência imutável do homem era possível estabelecer o que é bom e fundamentar a ética. 22 Fonseca comenta o ponto um e dois da seguinte forma: “O ponto um e dois são semelhantes, e o fundamental nessas avaliações, é que isso deve gerar novas dimensões de responsabilidade, a complementar as dimensões da ética “próxima” que já conhecemos, chamando-nos atenção especialmente à passagem da moral de estilo privado para a dimensão da responsabilidade no nível social e planetário.” (2007, p. 26).
  • 34. 34 4) Outro aspecto destacado por Jonas é a simultaneidade da ação humana. Na sua compreensão o bem e o mal, com o qual o agir tinha de se preocupar, evidenciavam-se na ação, seja na própria práxis ou em seu imediato, e não requeriam um planejamento. (2006, p. 35). Os objetivos e as consequências das ações humanas não respondiam pelo futuro. A ética tradicional levou a marca da presença como herança, com efeito, a ética tinha que ver com o aqui e agora, como as ocasiões se apresentava aos homens, com as situações recorrentes e típicas da vida privada e pública. 5) Jonas inda reforça que “todos os mandamentos e máximas da ética tradicional, fossem quais fossem suas diferenças de conteúdos, demonstram esse confinamento ao círculo imediato da ação”. (Ibid). Exemplifica com algumas máximas conhecidas pela ética e pela religião23 , mas mostra que todas elas possuem em comum o caráter imediato, simultâneo, antropológico e recíproco em suas fundamentações. E finaliza esta descrição dizendo que toda a moralidade situava-se dentro desta esfera da ação próxima e recíproca. (2006, p. 36). Jonas caracterizou de forma objetiva os traços fundamentais das éticas tradicionais. Realizou isso com intuito de mostrar suas insuficiências ante as modificações oriundas principalmente da técnica moderna. Cumpre assinalar, no entanto, que por se tratar de uma tese geral, Jonas não especifica qual das éticas da tradição direciona a problemática. Neste sentido, fica difícil compreender a qual das éticas da tradição é endereçada esta caraterização em particular (se esta se refere à ética da Antiguidade, Medieval, ou Moderna). (Santos, 2009, p. 275). Mesmo não encontrando menção direta a específica ética, é possível perceber indícios de que Jonas está se referindo principalmente à ética aristotélica e kantiana24 . 23 “Ama teu próximo como a ti mesmo”; “Faze aos outros o que gostaria que eles fizessem a ti”; “Instrui teu filho no caminho da verdade”; “Almeja a excelência por meio do desenvolvimento e da realização das melhores possibilidades da tua existência como homem”; “Nunca trate os teus semelhantes como simples meios, mas sempre como fins em si mesmo”. Todas estas máximas estão prezas ao circulo imediato de ação, não possuem preocupação com o futuro. (Jonas, 2006, p. 36) 24 É importante esclarecer que Jonas não tem a pretensão de realizar uma crítica aos postulados da ética tradicional, seja ela aristotélica ou kantiana. E neste ponto Maria de Jesus dos Santos comenta: “Talvez Jonas pretenda apenas indicar algumas limitações destas. O que lhe move verdadeiramente é a constatação de uma realidade gravemente modificada. Esse é o mote que lhe orienta a repensar num modelo ético inaugural”. (2010, p. 101-102).
  • 35. 35 O que desencadeia o interesse de Jonas pela ética tradicional é o ato mesmo do agir modificado. Na sua concepção, a técnica moderna introduziu elementos novos que modificaram as ações humanas. Entretanto, a ética não acompanhou este processo técnico e ficou presa ao seu esquema antropocêntrico, simultâneo e recíproco25 . Assevera Jonas, “a técnica moderna introduziu ações de uma tal ordem inédita de grandeza, com tais novos objetos e consequências que a moldura ética antiga não consegue mais enquadrá-la”. (2006, p. 39). É a partir destas novas realidades bem como das insuficiências éticas, que Jonas busca justificar a necessidade de uma nova ética para os novos tempos26 . Jonas não está descartando completamente a ética da tradição e as suas contribuições para o ser humano. Apenas expandindo pra um plano que não era contemplado. As antigas prescrições éticas “do próximo” – as prescrições da justiça, da misericórdia, da honradez etc. – ainda são válidas, em sua imediaticidade íntima, para a esfera mais próxima, quotidiana, da interação humana. (Jonas, 2006, p. 39). Jonas destaca apenas que o nível de ação não é mais aquele próximo, característico do passado, mas agora o caráter da ação é coletivo, no qual o autor, a ação e os efeitos não são mais os mesmos. Nasce, a partir destes elementos, uma nova dimensão de responsabilidade nunca antes sonhada. 27 Os efeitos cumulativos do agir coletivo trouxeram novas realidades e também novas necessidades. A partir da modernidade, foram criadas novas modalidades de 25 “Jonas define esta forma de pensar e agir como ética da simultaneidade. Com estes dois aspectos problemáticos, isto é, através deste caráter vinculado ao presente e marcadamente centrado no homem, tanto futuro distante e desconhecido quanto todo o mundo extra-humano (a biosfera) são desconhecidos para a reflexão em torna da moral”. (Santos, 2009, p. 276). 26 “Esta deve ter como horizonte de sua projeção o futuro desconhecido, incluindo nele o direito dos que ainda não existem a ter como centro de referência não apenas o homem, mas a vida do cosmos, isto é, a totalidade daquilo que vive. Com isso em lugar da ética antropocêntrica é reivindicada uma ética bio-ou cosmocêntrica.” (Santos, 2009, p. 276). 27 Neste particular Fonseca comenta que “A tarefa da ética parte desse pressuposto da crise, ameaça, e de que a humanidade se levante contra o perigo; o que aparece eminentemente é a vulnerabilidade da natureza e da natureza humana” (2007, p. 26).
  • 36. 36 saberes como a ecologia28 e a bioética29 justamente para responder aos novos desafios. A natureza, por conta disso, tornou-se vulnerável e dependente de cuidados. Se em Sófocles e na antiguidade, por mais insistentes que poderiam ter sido as interferências humanas na natureza, nada se alterava. Agora, com o poder coletivo do homem, a natureza não consegue mais conter os efeitos das ações humanas. De fato, nada menos do que a biosfera inteira do planeta, acresceu-se àquilo pelo qual a humanidade deve ser responsável, pois sobre ele detém poder. 30 (Jonas, 2006, p. 39). Esse fato justifica as insuficiências das éticas precedentes, pois elas não tinham nenhuma responsabilidade pela natureza. Mas, agora, com o poder humano transformador da biosfera isso muda, se o homem tem o poder, dele deriva necessariamente um dever. Na compreensão de Jonas, “a natureza como uma responsabilidade humana é seguramente um novum sobre o qual uma nova teoria ética deve ser pensada”. 31 (2006, p. 39). Com isso, ele acena para a necessidade de uma nova teoria ética32 . Jonas aponta para alguns conceitos fundamentais para caracterizar a ideia de insuficiência ética na tradição são eles: irreversibilidade, magnitude e acumulação. Para Jonas, eles estão interligados e colocam diretamente em perigo as condições necessárias de vida futura. O que torna ainda maior a responsabilidade no presente, pois para ele é inconcebível colocar em risco a sobrevivências dos que ainda não nasceram. Em vista disso, Jonas confia um novo papel ao saber na moral, pois segundo ele “o saber torna-se um dever prioritário, mais além de tudo o que anteriormente lhe era exigido, e o saber deve ter a mesma magnitude da dimensão causal do nosso 28 Sobre isso, Giacoia escreve um artigo intitulado Um direito próprio da natureza? Notas sobre ética, direito e tecnologia, descreve os limites da ética antropológica e apresenta a proposta de Jonas como um das precursoras da atual ciência ecológica. 29 Flaviano Oliveira da Fonsêca escreve um livro com o título Hans Jonas: (bio)ética e crítica à tecnologia, onde expõe de forma sistemática o pensamento de Jonas como um dos pioneiros à fundamentar a bioética. 30 “Como diferença radical em relação às éticas antigas, há que se considerar que atualmente a ação humana, tecnologicamente potencializada, pode danificar crítica e irreversivelmente a natureza e o próprio homem.” (Giacoia, 2001, p. 197). 31 Giacoia destaca alguns elementos que justificam a posição de Jonas. “A extensão, tanto espacial como temporal, da série causal da práxis tecnológica, aliada à nova ordem de grandeza, à irreversibilidade dos efeitos e ao caráter cumulativo dos mesmos, produz uma completa e radical transformação até mesmo o ponto de partida das éticas tradicionais”. (2001, p. 198) 32 A referida teoria será tema do último capítulo deste trabalho.
  • 37. 37 agir”. (2006, p. 41). O saber torna-se objeto de um dever, superando o papel que foi conferido pelas éticas precedentes. Por que, mesmo o saber não sendo capaz de acompanhar a magnitude das ações técnicas no futuro ele ganha significado ético33 . Nas prerrogativas de Jonas, “reconhecer a ignorância torna-se, então o outro lado da obrigação do saber, e com isso torna-se uma parte da ética que deve instruir o autocontrole, cada vez mais necessário, sobre o nosso excessivo poder” (Ibid). Tudo em vista da preservação das condições globais da vida geral e humana, o futuro remoto e a existência mesma da espécie. Concluindo, primeiramente, Jonas trabalha com as modificações do agir humano e com as contribuições da técnica que, por sua vez, corromperam as bases éticas da tradição. Com isso, surge um dever de preservação frente à irreversibilidade, a magnitude e o caráter cumulativo das ações humanas. Tal dever é movido pela necessidade do saber advindo da real possibilidade de catástrofes futuras. Portanto, não se trata meramente de um interesse utilitário, de cuidar da galinha dos ovos de ouro, de não serrar o galho sobre o qual se está sentado ou ainda de preservar a natureza para fins humanos. Mas de considerar a hipótese de um direito próprio, de uma autônoma significação ética e de uma responsabilidade humana ampliada. O ser humano enquanto ser consciente e ativo é o mais evoluído34 dentre os seres da terra, entretanto isso não outorga o direito sobre a natureza. Pelo contrário, requer o dever de preservação. Assim, Jonas avança da doutrina do agir até a doutrina do existir, isto é, do antropocentrismo a ontologia (metafisica) para daí fundamentar uma nova ética. 3.2.1 Antigos e novos imperativos éticos A ética proposta por Jonas adquire caráter normativo, pois trabalha com as prescrições de dever. Este tipo de ética específica é dividido em duas categorias: 33 “[...] Esse descompasso entre a previsibilidade e o poder efetivo de ação se coloca, para Jonas, como um problema de relevância ética, impondo o reconhecimento do desconhecimento como contraface do dever de saber”. (Ibid). 34 De forma especial, este tema da evolução do ser humano e do seu caráter transanimal, é tema de um artigo intitulado A transanimalidade do homem. (Oliveira, 2010, p. 77)
  • 38. 38 teleológica e deontológica. A ética teleológica determina o que é correto de acordo com a finalidade. Já a ética deontológica procura determinar o que é correto segundo normas fundamentais de ação. Um dos elementos que contribui para diferencia-las consiste na justificativa ou não da ação. Na ética teleológica o elemento é externo ao sujeito, isto é, os fins como, por exemplo, a ética aristotélica que depositava na felicidade o fundamento das ações éticas. Enquanto que na ética deontológica, o elemento fundante é o dever que em Kant a própria consciência do sujeito lhe impõe através do imperativo categórico racional35 . Jonas insiste numa terceira via ética chamada ontológica36 . A ética ontológica, portanto, leva em conta as lacunas das éticas precedentes, fundamentando-se na própria existência37 . Para melhor explicitar a sua proposta, Jonas toma como contraponto diferencial o imperativo categórico de Kant, para num segundo momento apresentar os seus novos imperativos éticos para a civilização tecnológica. O poder tecnológico desenvolvido pela modernidade abriga uma dimensão ameaçadora. Jonas não se preocupou apenas com a destruição física da natureza e dos seres humanos, mas também com o perigo da morte essencial. Na sua concepção, a morte essencial é consequência da desconstrução e construção tecnológica aleatória do meio ambiente e da humanidade. Com base nestes preceitos de perigo e destruição, Jonas sente a necessidade da responsabilidade. Jonas não entende a responsabilidade imposta de fora ou dada pela razão, mas uma responsabilidade provinda do dever inerentes as coisas mesmas. Dentro desta esfera, toda a biosfera passa fazer parte desse dever de 35 Para uma compreensão mais detalhada sobre a ética normativa, ética teleológica e deontológica é importante conferir o livro Ética: o que você devia saber sobre... 36 Também pode ser considerada uma metaética que difere da ética normativa. A Metaética não pretende terminar as ações a serem realizadas, mas investigar a natureza dos princípios morais, indagando se são objetivos e abusivos os preceitos defendidos pelas diversas teorias éticas, ou se são ineligiveis, ou ainda, se podem ser verdadeiros esses princípios éticos num mundo sem Deus. (Cf. Borges, Dall’Agnol e Volpato. 2001, p. 7-8) Jonas trabalha nas duas perspectivas, por um lado quer estabelecer uma ética do dever, mas para isso procura através da Metaética estabelecer fundamentos. 37 “Aqui, mais uma vez se justifica, para o autor, a passagem da ética à metafísica, indo ‘da doutrina da ação à doutrina do ser’, pois para ele toda ética funda-se na base a base ontológica, haurindo dali sua justificação natural-social e seu sentido de ação em vista de fins.” (Fonsêca, 2007, p. 27).
  • 39. 39 responsabilidade. Além disso, a responsabilidade para Jonas advém também do futuro, principalmente da existência de um38 . [...] como proposição moral, isto é, como uma obrigação prática perante a posteridade de um futuro distante, e como princípio de decisão na ação presente, a assertiva é muito distinta dos imperativos da antiga ética da simultaneidade; e ela somente ingressou na cena moral com os nossos poderes e o novo alcance da nossa capacidade de previsão. (Jonas, 2006, p. 45). Jonas examinou a possibilidade de estabelecer um novo imperativo para a ética capaz de superar o imperativo kantiano. Este novo imperativo precisou transpor dupla demanda, a saber, do antropocentrismo e do caráter de simultaneidade das éticas tradicionais. Neste sentido, formulou sua crítica ao imperativo categórico kantiano: O imperativo categórico de Kant dizia: “Aja de modo que tu também possas querer que a tua máxima se torne lei geral.” Aqui, o “que tu possas” invocado é aquele da razão e de sua concordância consigo mesma: a partir da superação da existência de uma sociedade de atores humanos (seres racionais em ação), a ação deve existir de modo que possas ser concebida, sem contradição, como exercício geral da comunidade. Chame-se atenção aqui para o fato de que a reflexão básica da moral não é propriamente moral, mas lógica: “o poder” ou “não poder” querer expressa autocompatibilidade ou incompatibilidade, e não aprovação moral ou desaprovação. (2006, p. 47). Kant, em seu imperativo categórico, não expressa nenhum compromisso para com o futuro das ações humanas. Jonas, por sua vez, considera que “o sacrifício do futuro em prol do presente é logicamente mais refutável do que o sacrifício do presente a favor do futuro” (2006, p. 47). Além disso, o imperativo kantiano se restringiu ao caráter particular de ação individual. Enquanto Jonas esteve preocupado 38 A responsabilidade é um termo recorrente na obra de Jonas. Ela ganha significado próprio, diferenciando-se do seu uso casual. A responsabilidade, neste sentido, é entendida não apenas em relação a fatos passados, mas também a possibilidades futuras, uma responsabilidade pelo futuro.
  • 40. 40 com a responsabilidade com o futuro, ou seja, um dever ético coletivo. Nestes termos não é aceitável escolher o não ser de futuras gerações em proveito desta geração39 . Deste modo, Jonas não acredita que o imperativo categórico kantiano possa responder às exigências acima citadas. Ele propôs sua versão do um novo imperativo. O imperativo jonasiano não é mais aquele dos atos consigo mesmo, mas dos efeitos finais. A sua universalização não é meramente lógica, mas de ações coletivas que assumem caraterística universais. Para todos os efeitos é uma relação de totalização. Jonas enfatiza o caráter do novo imperativo cujo fundamento é metafisico. Um imperativo adequado ao novo tipo de agir humano e voltado para o novo tipo de sujeito atuante deveria ser mais ou menos assim: “Aja de modo que os efeitos da tua ação sejam compatíveis com a permanência de uma autêntica vida humana sobre a Terra”; ou, expresso negativamente: “Aja de modo a que os efeitos da tua ação não sejam destrutivos para a possibilidade futura de uma vida”; ou simplesmente: “Não ponhas em perigo as condições necessárias para a conservação indefinida da humanidade sobre a Terra”; ou, em um uso novamente positivo: “Incluas na tua escolha presente a futura integridade do homem como um dos objetos do eu querer.” (2006, p. 47-48). Depois de expostos os novos imperativos categóricos, Jonas mencionou o que eles têm de diferente e inovador. Na sua concepção, eles são válidos para a atual sociedade tecnológica, porque não conduzem a nenhuma contradição. E não permite colocar a vida futura em perigo, o novo imperativo diz que é permitido “arriscar a própria vida, mas não a da humanidade” (2006, p. 48). 40 Para concluir, destaca-se a importância do novo imperativo categórico formulado por Jonas em vista da sociedade tecnológica. Sendo que, diante da 39 De fato, Fonseca diz que é possível as pessoas decidirem sobre a esfera de suas vidas individuais, mas não incluindo no mesmo nível a biosfera e o futuro. “É como se isso fosse um princípio mais forte do que nós e diz respeito à manutenção individual, pois é posto pela natureza em nós e diz respeito à manutenção da coletividade.” (2007, p. 30). 40 Para ilustrar essa realidade, Jonas se reporta a imagem grega de Aquiles. Segundo Jonas, “Aquiles tinha, sim, o direito de escolher para uma vida breve, cheia de atos gloriosos, em vez de uma vida longa em um segurança sem glórias [...]; mas que nós não temos o direito de escolher a não-existência de futuras gerações em unção da existência da atual, ou mesmo de as colocar em risco”. (2006, p. 48).
  • 41. 41 realidade do desenvolvimento da tecnologia e dos novos paradigmas que ela trouxe para a atual civilização, os imperativos individuais, imediatos, simultâneos, recíprocos e antropocêntricos perderam a validade. Isso graças ao real perigo da não existência da vida futura sobre a terra. Portanto, diante deste quadro sem perspectivas, surgiu uma nova proposta, um novo imperativo que teve a pretensão senão de resolver ao menos conter estes perigos. Ele requer uma responsabilidade de caráter coletivo para preservar as condições de vida futura de todo planeta. Uma proposta ousada que contribui para que a ética responda aos novos desafios do poder da técnica. Diante disso, surge a necessidade de entender porque a técnica moderna tornou-se objeto da ética e como Jonas abordou esta questão. 3.3 A técnica moderna como objeto da ética Na concepção de Jonas, a técnica moderna trouxe algumas caraterísticas que destoam da tradição. Dentre essas caraterísticas, destacam-se todos os desenvolvimentos nas áreas da saúde, dos transportes, da comunicação e da produção de alimentos. Estes desenvolvimentos proporcionados pela técnica tornaram-se indispensáveis. Mas por outro lado, estes avanços tecnológicos trouxeram consigo o germe do niilismo moderno responsável pelo ‘mal estar ético no século XX’. Além é claro, de todos os problemas que são visíveis atualmente como à poluição, o uso predatório da natureza e o poder de destruição em massa do planeta. Diante desta realidade, Jonas investigou os efeitos do poder adquirido com a técnica moderna e as suas implicações éticas. Com efeito, ele não se contrapôs a técnica de forma cética e categórica, apenas esteve preocupado com o seu uso e as suas consequências para a vida futura. Ele problematizou a técnica moderna para dela retirar consequências éticas. Por ser aluno de Heidegger, Jonas também trabalhou dentro da perspectiva crítica da essência da técnica moderna, mas distinguiu-se de seu mestre por outro plano de problematização. Jonas vivenciou o contexto pós-guerra onde se fomenta muitas investigações acerca da ciência e da técnica moderna. De modo especial, àquele que por muito foi
  • 42. 42 seu mentor e mestre intelectual Heidegger. Como foi apresentado no primeiro capítulo, Heidegger foi um dos primeiros autores a fazer uma crítica sistemática à técnica moderna. Além disso, ele influenciou diretamente as posições de Jonas. No entanto, o que distinguiu o empreendimento de Heidegger dos demais autores que trataram deste tema nesta época foram os desfechos. Enquanto Heidegger se preocupou com questões de ordem metafísica do esquecimento do ser ao longo da tradição, seus alunos especialmente Anders e Jonas tentaram conduzir suas reflexões ao campo prático, especificamente à ética. Anders com a formulação do ‘princípio desespero’ um contraponto aquele ‘princípio esperança’ do filósofo marxista Ernest Bloch. Hans Jonas parece ter entendido as duas posições e formula, a partir disso, uma nova teoria tendo como fundamento o ‘princípio responsabilidade’. (Viana, 2010, p. 109) Dois outros autores que são referências sobre a ética e a tecnologia são: Habermas e Apel. Segundo Alcoforado, existem diferenças substancias entre a ética do discurso de Habermas e a ética da responsabilidade de Jonas. Apesar de concordarem sobre os problemas emergentes da época, os autores seguem caminhos divergentes41 . Apel também trata de resolver o problema primeiramente no plano teórico, enquanto Jonas esteve interessado a oferecer uma resposta concreta42 . Hans Jonas, primeiramente com a sua obra Princípio responsabilidade e depois com a obra Técnica, Medicina e Ética43 que consiste numa tentativa de aplicação de seu princípio. Neste ultimo, Jonas sustenta a tese de que a relação entre ética e técnica a muito deixou de ser neutra. Esse sentido, quais seriam os motivos, segundo Jonas, que fizeram com que a técnica moderna se tornasse objeto para a ética? Se a técnica moderna tornou-se objeto da técnica, isso mostra que antigamente ela não era objeto. De fato, a técnica moderna foi uma das responsáveis 41 Cf. Alcoforado, 1993, p. 294-295 42 Uma exposição mais detalhado sobre a ética da responsabilidade e a ética do discurso em Jonas e Apel é dado por Santos num artigo intitulado Ética da responsabilidade e ética do discurso: as propostas de Hans Jonas e Karl-Otto Apel. 43 O referido texto é uma tradição do Alemão feito pelo professor Giacoia que se encontra in: JONAS, Hans. Por que a Técnica moderna é um objeto para a ética. Tradução Oswaldo Giacoia Junior. Natureza Humana: Revista Internacional de Filosofia e Práticas Psicoterapêuticas, São Paulo, v. 1, n 2, p. 407 – 420, 1999.
  • 43. 43 pela potencialização da ação humana na modernidade. Além disso, ela também assume parcela de culpa pelo mau uso deste poder. Jonas é perspicaz ao conduzir a questão, para ele, a técnica moderna adentrou e modificou as ações humanas. A ética sendo responsável por reger as ações justifica-se para intervir no uso da técnica. Jonas quer mostrar as alterações que a técnica moderna impõe ao agir humano e por consequência os desafios que a ética necessita enfrentar. A tese de partida de Jonas é que a técnica moderna constitui, de fato, um caso novo e particular, dos fundamentos para isso, ele indica cinco. No primeiro argumento, Jonas mostra as ambivalências dos efeitos. A técnica produz efeitos que ora estão nas mãos do próprio homem e depende exclusivamente dele o seu uso para o bem ou para o mau. Em geral, toda capacidade “como tal” ou “em si” é boa e se torna má pelo mau uso. Por exemplo, é inegavelmente bom ter o poder da palavra, mas é mau utilizá-lo para enganar os outros ou para seduzi-los para sua própria ruína. Por isso, é totalmente sensato ordenar: use esse poder, aumenta-o, mas não faça mau uso dele. Está pressuposto aqui que a ética pode diferenciar claramente entre ambos, entre o emprego correto e o falso de uma e mesma capacidade. (Jonas, 1999, p. 409) A ética se justifica sua invasão no campo da técnica porque é através dela que se pode diferenciar entre o bom e o mau uso da capacidade técnica. Algumas ações técnicas podem ser boas em sua intencionalidade, mas os seus efeitos podem potencializar-se e vir a tonar-se maus efeitos, em vista, dos bons efeitos imediatos. Com isso, Jonas quer mostrar que não é apenas no mau uso da técnica que reside o perigo, senão que mesmo quando é bem empregada para seus autênticos e bons fins, “ela tem em si um lado ameaçador que, a longo prazo, poderiam ser a ultima palavra.” (1999, p. 409). Até nas boas intenções do fazer técnico, com a potencialização dos seus efeitos, em longo prazo, podem causar enormes estragos. Em face deste perigo, ora camuflado sob o signo do proveitoso, reside mais no sucesso que no fracasso da técnica. Jonas completa sua argumentação dizendo que “uma adequada ética tem que se ocupar com essa interna equivocidade do fazer técnico” (1999, p. 410).
  • 44. 44 O segundo argumento explicitado por Jonas reside na compulsoriedade da utilização. Como ilustração, Jonas exemplifica a questão dizendo que a pose de um poder, seja por indivíduos ou grupos, não significa a sua utilização. Ou seja, o poder que a técnica proporciona, não significa necessariamente na sua utilização. Mesmo assim, Jonas tem suas reservas sobre o real perigo que está implícito nas promessas da técnica até as mais dispendiosas e objeta da seguinte forma: Todavia, essa relação tão óbvia entre poder e fazer, saber e utilização, posse e exercício de um poder não vale para o Fundus de capacitação técnica de uma sociedade que, como a nossa, fundamentou sua inteira configuração da vida em trabalho e ócio sobre a atualização corrente de seu potencial técnico, considerado na ação conjunta de todas as suas partes. (1999, p. 410). Isso significa dizer que o poder e o fazer já entraram nas correntes sanguíneas da atual sociedade. Jonas já percebia certo determinismo na posse e exercício de poder que a tecnologia concebia. Além disso, ele se preocupou em apresentar a falta de neutralidade do poder da técnica que atingiu um estágio que foge do controle humano. A utilização do poder pode ter acontecido individualmente e de forma isolada do potencial da ação técnica, mas ele traz em si o compelir à utilização e torna essa utilização uma permanente necessidade vital, não mais individual, senão coletiva. No terceiro argumento, com base na extensão global no espaço e no tempo, Jonas fala que ate agora foi visto o poder de ação humana e suas mudanças essenciais. A ação humana deixou de ser neutra em relação à ética, extrapolou as barreiras individuais pela nova práxis técnica coletiva e pela potencialização de seus efeitos extrapolou também a esfera imediata das ações. Acresce a estes argumentos o presente fazer técnico, comparado ao potencial ou os limites onde há atuação humana, isto é, a terra, suplantou todas as barreiras e concorre ao perigo. Isso significa dizer que o planeta não vai suportar o uso desenfreado do poder.