2. “Se tivessem, os bonobos, sido descobertos mais cedo,
reconstruções da evolução humana poderiam ter enfatizado relações
sexuais, igualdade entre macho e fêmea e a origem da família, em
vez de guerra, caça, tecnologia de ferramentas e outros pontos fortes
masculinos. A sociedade dos bonobos parece ser regida pelo slogan
dos anos 60 ‘Faça amor, não faça guerra’ em vez do mito do
sanguinário símio matador que tem dominado os livros didáticos por
pelo menos três décadas.”
Frans de Waal e Frans Lanting. Bonobo: the forgotten ape.
4. TAXONOMIA
Hominidae X Primates
O grupo dos primatas se destaca dos demais himinídeos, entre
outras coisas, pelas seguintes características:
-Gestação: o período de gestação é relativamente longo, de 8 a 9 meses.
-Alimentação: são onívoros. A alimentação é baseada principalmente em
frutas, também outros tipos de matéria vegetal, insetos e outros animais
(com menor frequência)
-Dentição: todos possuem a dentição em 2/1/2/3. Dois dentes incisivos, um
canino, dois pré-molares e três molares de cada lado e em cima e embaixo.
-Uso de ferramentas: bem extenso no grupo, porém, também presente fora
do grupo, como em cebídeos. Esta característica está frequentemente
associada com alta capacidade cognitiva.
6. TAXONOMIA
A linhagem que originou os bonobos e chimpanzés se separou das
demais linhagens de hominídeos em diferentes épocas:
-Humanos – 6 milhões de anos atrás (4,2 milhões de acordo com trabalho
mais recente)
-Gorilas – 10 milhões de anos atrás
-Orangotangos – 14 milhões de anos atrás
A primeira descrição da espécie foi feita em 1929, a partir do
crânio de um indivíduo juvenil. Até então a espécie era tida como
subespécie de Pan troglodytes.
8. DISTRIBUIÇÃO
Os bonobos são endêmicos de uma região da floresta úmida da
África central, dentro da área da república Democrática do Congo.
Esta é a segunda maior floresta úmida do planeta, menor apenas
que a floresta amazônica. Também é conhecida como o “segundo pulmão
do mundo”.
Os bonobos habitam a área ao sul do Rio Congo, enquanto que os
chimpanzés ocorrem na área ao norte o rio, além de outras regiões mais
próximas do Atlântico.
A hipótese mais aceita de separação das linhagens do bonobo e do
chimpanzé é a de vicariância pelo surgimento do Rio Congo.
O rio teria surgido e dividido a população do ancestral comum em
duas. A do sul originou a linhagem dos bonobos e a do norte originou a
linhagem dos chimpanzés.
10. DISTRIBUIÇÃO
A área de ocorrência da espécie se encontra dentro dos limites da
república Democrática do Congo. País com uma conturbada história
política.
Até 1960, o país foi colônia da Bélgica e pouco depois da
independência instalou-se um regime militar no país, de 1965 a 1997.
Durante este regime, inclusive, os nomes do país e do rio foram mudados
para Zaire.
Mesmo após a queda do regime militar conflitos entre os grupos
rebeldes pelo controle do país continuaram. Sendo até, os diferentes
grupos, financiados por países vizinhos como Ruanda e Zimbábue.
Nos anos 2000 tratados de paz, mediados pela ONU, foram
assinados entre o país e os vizinhos envolvidos nos conflitos, porém,
nenhum deles foi seguido por muito tempo. Os conflitos no país ocorrem
até hoje.
Um pesquisador relatou quase ter sido assassinado com seu grupo
por uma milícia armada após serem confundidos com espiões por andarem
nas florestas se comunicando por walkie-talkies.
12. CONSERVAÇÃO
Justamente pelo conturbado histórico político do país, a
conservação da floresta e de seus habitantes não humanos é extremamente
complicada.
As iniciativas de preservação partem, em sua grande maioria, das
organizações não governamentais de origem estrangeira, como a American
Wildlife Foundation, a Bonobo Conservation Initiative e o santuário Lola
Ya Bonobo.
O santuário Lola Ya Bonobo abriga principalmente filhotes órfãos
que são abandonados pela mãe ou por humanos ou apreendidos pela
fiscalização. Também são realizadas na instituição pesquisas científicas,
principalmente voltadas à área comportamental.
13. CONSERVAÇÃO
A Bonobo Conservation Initiative é uma das mais ativas
organizações. Ela pressiona o governo a criar e fiscalizar medidas de
conservação, promove educação ambiental e, mais recentemente, encabeça
o projeto “Bonobo Peace Forest”. Um projeto de reflorestamento de áreas
dentro de área de reserva recriando corredores ecológicos. O projeto conta
inclusive com o mercado de carbono, tendo a Itália como compradora dos
créditos de carbono a serem gerados.
Mesmo áreas dentro da reserva continuam a ser exploradas devido
à pobre fiscalização. E a ameaça de origem antrópica é a maior ameaça aos
bonobos na região.
Durante muito tempo os bonobos ficaram protegidos simplesmente
pelo afastamento dos humanos, porém, com o avanço das pessoas na
floresta por exploração dos recursos ou para habitação eles perdem
território. Também sofrem extensamente com a caça comercial e para
subsistência. Há caça comercial para consumo e também para criação
como pets.
14. CONSERVAÇÃO
A espécie é categorizada atualmente pela IUCN como ‘vulnerável’
desde 1996. Até então se encontrava na categoria de ‘quase ameaçada’.
Mas é possível que esta categorização já esteja desatualizada dada a
situação política do país e o avanço lento das medidas de conservação.
A população atual de bonobos se encontra em algo em torno dos 20
a 50 mil indivíduos, e em decréscimo populacional.
16. USO DE FERRAMENTAS
Fazem bastante uso de ferramentas para os mais diversos fins
como:
-imagem 1: esmagar a comida com pedras (cebídeos também praticam).
-imagem 2: se proteger da chuva com galhos e folhas.
-imagem 3: arrancar e carregar galhos como display sexual.
Também usam outros indivíduos como escada e usam gravetos e
tamborilar com os dedos nas árvores para coordenar os movimentos em
grupo.
Curiosamente, nunca foi observado o comportamento de utilizar
gravetos para caçar formigas como observado pela primeira vez na década
de 1960 pela primatóloga Jane Goodall, em chimpanzés.
Também cavam o chão à procura de cogumelos, mas nunca foram
observados usando ferramentas para essa atividade.
18. COMPORTAMENTO - ALIMENTAÇÃO
Como os outros hominídeos, os bonobos são onívoros e,
principalmente, frugívoros. As frutas são a principal fonte de alimentos
mas, outro componente importante é o material herbáceo, como de
videiras. Também se alimentam de cogumelos e insetos.
A maior parte da alimentação se dá nas copas das árvores.
Normalmente forrageiam em grupo, partilhando a comida à
medida que a encontram. Dificilmente serão encontrados sozinhos, a não
ser em ocasiões especiais como machos forrageando sozinhos ou uma
fêmea saindo do seu grupo original e indo se instalar em outro grupo.
19. SOCIEDADE DOS BONOBOS
A sociedade dos bonobos é muito mais pacífica e menos
hierárquica do que a dos chimpanzés. Agressões são muito pouco
recorrentes entre os grupos, que não têm os machos como figura
dominante e sim, fêmeas e machos como figuras praticamente iguais.
Mas como as organizações sociais de duas espécies tão próximas
puderam se diferenciar tanto assim?
A hipótese mais aceita de separação entre as linhagens das duas
espécies é a de vicariância pelo Rio Congo. O surgimento do rio teria
separado a população existente do ancestral comum e as populações ao
norte e ao sul do rio, com seu fluxo gênico interrompido, teriam seguido
caminhos evolutivos distintos.
20. SOCIEDADE DOS BONOBOS
Hipóteses para a evolução da sociedade dos bonobos
Agora vamos comentar duas hipóteses apresentadas por dois
trabalhos sobre a origem da sociedade bonobo como ela é hoje. Não
esmiuçaremos os artigos, apenas as suas conclusões, suas hipóteses
apresentadas. Para maiores detalhes, as referências dos artigos podem ser
encontrados ao final da apresentação.
22. SOCIEDADE DOS BONOBOS
Hare et al nos apresentam a hipótese de coalização das fêmeas. De
acordo com ela, após a separação das populações pelo rio Congo, a
população ao sul do rio teria se encontrado em uma nova área com
abundância de alimentos, ausência de competidores como gorilas e
ausência de predadores. Neste ambiente, as fêmeas teriam formado
coalizões, grupos unidos para forrageio, grooming e, principalmente, se
protegerem de machos mais agressivos.
Desse modo, teria havido um efeito semelhante à seleção artificial
por parte das fêmeas, selecionando machos cada vez mais dóceis a cada
geração. Além do aumento da mansidão pelas condições mais calmas do
ambiente, um efeito semelhante ao que ocorre em animais ilhéus que, na
falta de predadores, não desenvolvem mecanismos de defesa comuns de
fuga.
Associadas às mudanças comportamentais, há mudanças
morfológicas e neurobiológicas que teriam levado ao surgimento do
padrão comportamental reprodutivo que vemos hoje.
23. SOCIEDADE DOS BONOBOS
Behringer et al mediram níveis de hormônios de tireoide, ligados
ao desenvolvimento, metabolismo, reprodução e respostas
comportamentais ao estresse, de bonobos e chimpanzés de idades variadas
e encontraram um decréscimo nos níveis desses hormônios nos chimpanzés
anos antes do que ele ocorre nos bonobos. Este decréscimo corresponderia
ao atraso no desenvolvimento e redução na agressão dos bonobos.
Os autores, então, propõem que após a separação das duas
linhagens pelo rio Congo, a população ao sul se encontrava em uma nova
área a ser colonizada e, por isso, estava sujeita a novas fontes de estresse. O
estresse de forragear uma área desconhecida, de não saber que
competidores e/ou predadores existem naquele local etc.
Diante desse novo cenário, os indivíduos mais tolerantes aos altos
níveis de estresse a que estavam sendo submetidos foram sendo
automaticamente selecionados e aqueles que não toleravam os altos níveis
de estresse tinham menos chance de passar seus genes à frente.
24. SOCIEDADE DOS BONOBOS
Essas duas hipóteses traçam caminhos contrários para contar a
mesma história. A hipótese de Hare et al nos mostra um cenário em que
mudanças comportamentais desencadeiam outras mudanças, culminando
numa sociedade completamente diferente da original. A hipótese de
Behringer et al nos mostra um cenário em que mudanças neurobiológicas
(de produção hormonal) desencadeiam mudanças morfológicas e
comportamentais.
Note que as duas hipóteses NÃO SÃO EXCLUDENTES! Elas
podem até ter acontecido ao mesmo tempo.
25. COMPORTAMENTO COPULATÓRIO
- Copulam dezenas de vezes por dia
- Heterossexualidade, homossexualidade,
“pedofilia”, sexo oral, masturbação
- Fêmeas têm preferência
de posição de cópula
26. COMPORTAMENTO COPULATÓRIO
Os bonobos ficam sexualmente excitados muito facilmente e podem
copular dezenas de vezes por dia.
Há grande variedade de posições de cópula na espécie. As fêmeas
têm preferência pela posição ventro-ventral enquanto que os machos têm
preferência pela posição dorso-ventral. Quando as fêmeas se sentem
confiantes em relação ao macho com quem copulam, elas impõem sua
preferência sobre o macho.
Blount, 1990, listou características morfológicas pedomórficas.
Fenômeno, até então, associado à linhagem humana e relacionado a
aumento da socialidade, receptividade sexual e mudanças morfológicas
associadas (por pleiotropia). Porém, as origens desse fenômeno seriam
diferentes para as duas linhagens.
27. ORGANIZAÇÃO E REPRODUÇÃO
“Enquanto que em muitas espécies o comportamento sexual é uma
categoria claramente distinta, no bonobo ele é parte integrante das
relações sociais – e não somente entre machos e fêmeas.”
Frans de Waal, Bonobo sex and society, 2006 (tradução livre).
28. ORGANIZAÇÃO E REPRODUÇÃO
Já foi proposto que o comportamento copulatório permite a
partilha de comida entre um grupo. Uma visão muito comum em
zoológicos é a de diversas cópulas simultâneas entre os indivíduos de um
viveiro enquanto o tratador se aproxima com o alimento. Após a sessão de
cópulas começam a se alimentar.
As fêmeas podem controlar os recursos e têm prioridade aos
alimentos, podendo até mesmo reter alimentos para elas mesmas sem
partilhar.
As fêmeas parecem dominar socialmente, porém, não há acordo na
literatura. Elas migram do seu grupo original quando atingem a
maturidade sexual, ao contrário do que se observa na natureza em leões e
hienas, por exemplo, em que os machos migram do grupo original. Ao
chegar em um novo grupo as fêmeas jovens procuram contato com as
fêmeas mais velhas para a prática de grooming, coalizões e contato sexual,
apesar da falta de parentesco entre elas.
30. Referências
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conservation/bonobo. Data de acesso: 19/04/14.
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Thyroid hormone levels of bonobos and chimpanzees indicate heterochrony in development.
Journal of human evolution, 66: 83-88. 2014.
- Blount, B.G. Issues in bonobo (Pan paniscus) sexual behavior. American
anthropologist, 92: 702-714. 1990.
- Bonobo Conservation Initiative. Threats. Disponível em:
http://www.bonobo.org/bonobos/threats/. Data de acesso: 19/04/14.
- Bonobo Conservation Inititive. Programs. Disponível em:
http://www.bonobo.org/programs/protecting-bonobos/. Data de acesso: 19/04/14.
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thyroid hormones. Em: Purvis, N.M., McNamara, K. (eds). Human evolution through
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Weidenfeld e Nicolson, 757 p. 2004.
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http://www.bbc.com/news/world-africa-13286306. Data de acesso: 18/04/214.
31. Referências
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lopori-wamba-region-democratic-republic-c. Data de acesso: 19/04/14.
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Hart, T., Hashimoto, C., Hohmann, G., Hurley, M., Ilambu, O., Mulavwa, M., Ndunda, M.,
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acesso: 19/04/14.
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bonobo psychology is due to selection against agression. Animal behaviour, 83: 573-585. 2012.
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- Wrangham, R.W. The evolution of sexuality in chimpanzees and bonobos. Human
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- todas as imagens da espécie foram retiradas do site arkive.org