SlideShare uma empresa Scribd logo
1 de 188
Baixar para ler offline
CHRISTINALAUREN
Misterioso
SELVAGEM
IRRESISTÍVEL
CDD 813.6
Dark Wild Night
Copyright © 2015 by Christina Hobbs and Lauren Billings
All rights reserved, including the right to reproduce this book or portions thereof in any form
whatsoever.
Copyright © 2015 by Universo dos Livros
Todos os direitos reservados e protegidos pela Lei 9.610 de 19/02/1998.
Nenhuma parte deste livro, sem autorização prévia por escrito da editora, poderá ser reproduzida ou
transmitida sejam quais forem os meios empregados: eletrônicos, mecânicos, fotográficos, gravação
ou quaisquer outros.
Diretor editorial: Luis Matos
Editora-chefe: Marcia Batista
Assistentes editoriais: Aline Graça, Letícia Nakamura e Rodolfo Santana
Tradução: Maurício Tamboni
Preparação: Guilherme Summa
Revisão: Nestor Turano Jr.
Arte e adaptação de capa: Francine C. Silva e Valdinei Gomes
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
Angélica Ilacqua CRB-8/7057
L412m
Lauren, Christina
Misterioso / Christina Lauren ; tradução de Maurício Tamboni.
– São Paulo : Universo dos Livros, 2015. (Selvagem Irresistível ; 3)
336 p.
ISBN: 978-85-7930-941-0
Título original: Dark wild night
1. Literatura americana 2. Literatura erótica 3. Ficção I. Título II. Tamboni,
Maurício
15-1177
Universo dos Livros Editora Ltda.
Rua do Bosque, 1589 – Bloco 2 – Conj. 603/606
CEP: 01136-001 – Barra Funda – São Paulo/SP
Telefone/Fax: (11) 3392-3336
www.universodoslivros.com.br
e-mail: editor@universodoslivros.com.br
Siga-nos no Twitter: @univdoslivros
A Eddie, nosso Superman
Capítulo 1
Lola
Desenho mentalmente o painel da cena à minha frente enquanto seguimos a recepcionista pelo
corredor de mármore: ela usa sapatos pretos de salto 15, suas pernas são enormes e seu quadril se
movimenta a cada passo.
O quadril vai pra esquerda.
O quadril vai pra direita.
O quadril vai pra esquerda.
Benny, meu agente, se aproxima e sussurra:
– Não fique tensa.
– Estou bem – minto.
Mas, ajeitando o corpo, ele bufa em resposta:
– O contrato já foi redigido, Lola. Você está aqui para assinar e não para impressionar ninguém.
Sorria! Hoje é o dia da parte divertida.
Concordo com a cabeça, tentando enganar meus pensamentos para que aceitem o que ele disse –
Veja este escritório! Olhe para estas pessoas! Luzes fortes! Cidade grande! –, mas o esforço é em
vão. Venho escrevendo e trabalhando nas ilustrações de Razor Fish desde que tinha 12 anos e, para
mim, a parte divertida foi a criação da obra. A parte aterrorizante é andar por um corredor estéril,
cercado por cubículos com paredes frontais de vidro e pôsteres de filmes em molduras finas, para
assinar o contrato da adaptação para um filme.
Meu estômago parece ter se instalado em algum ponto da traqueia, então retorno ao meu lugar
seguro.
O quadril vai pra direita.
O quadril vai pra esquerda.
As pernas dela parecem ir da terra até as nuvens.
A recepcionista para diante da porta e a abre.
– Chegamos.
Os escritórios dos estúdios são quase obscenamente refinados; todo o prédio parece o equivalente
moderno de um castelo. Todas as paredes são de alumínio escovado e mármore; todas as portas, de
vidro. Cada peça da mobília é ou de mármore, ou de couro preto. Benny nos guia com confiança,
atravessando a sala para trocar apertos de mão com executivos do outro lado da mesa. Eu o sigo,
mas, quando solto a porta, ela bate com força e o barulho estridente do vidro encontrando-se
abruptamente com o metal ecoa pela sala – um barulho quebrado apenas por duas arfadas assustadas
vindas do outro lado da mesa.
Puta que pariu!
Já vi muitas fotos minhas em situações estressantes nos últimos três meses para saber que, neste
exato momento, não pareço agitada. Não baixo a cabeça ou peço desculpas; não solto o corpo ou
estremeço, muito embora eu esteja, assim que o barulho dissonante da porta cessa, com cem mil nós
dentro de mim. Aparentemente sou muito boa em esconder esse tipo de coisa.
O New York Times publicou uma crítica excelente de Razor Fish, mas me acusou de ser
“indiferente” durante uma entrevista em que eu acreditava ter sido bem-humorada e envolvente. O
Los Angeles Times descreveu nossa conversa por telefone como “uma série de pausas longas e
pensativas seguidas por respostas lacônicas”. E eu tinha dito a meu amigo Oliver que estava
preocupada por ter cansado os ouvidos do jornalista.
Quando me viro para olhar para os executivos, não me surpreendo ao descobrir que eles parecem
tão polidos quanto a arquitetura. Nenhuma das mulheres do outro lado da mesa diz nada sobre minha
entrada nada sutil, mas juro que ouço o reverberar do bater da porta ecoando pela sala durante todo o
tempo enquanto caminho até a mesa.
Benny pisca com um olho e acena para que eu me sente. Encontro uma cadeira de couro macio,
ajeito o vestido sobre as coxas e cuidadosamente me sento.
Minhas mãos estão suando; meu coração, acelerado. Conto até vinte várias e várias vezes para não
entrar em pânico.
O painel mostra a garota de queixo erguido e com uma bola de fogo em seus pulmões.
– Lorelei, é maravilhoso conhecê-la pessoalmente.
Olho para a mulher que falou e aceito seu aperto de mão. Seus cabelos são loiros e sedosos, a
maquiagem é perfeita, as roupas também. A expressão é perfeitamente inexistente. Com base na
pesquisa que fiz no IMDb no início da manhã, posso afirmar que ela é Angela Marshall, a produtora
executiva que, com Austin Adams, seu colaborador frequente, lutou para conseguir os direitos de
Razor Fish na guerra de apostas que eu sequer sabia que estava acontecendo na semana passada.
Mas, na foto, seus cabelos estavam ruivos. Meus olhos desviam para a mulher à sua esquerda, mas
ela tem uma pele morena suave, cabelos negros e olhos castanhos enormes. Definitivamente não é
Angela Marshall. A única pessoa que já vi várias vezes em revistas e fotografias é Austin, mas não
há outro homem além de Benny na sala.
– Por favor, me chame de Lola. É um prazer conhecê-la…?
Deixo a pergunta no ar porque, em situações normais, acho que é neste momento que as pessoas
dizem seus nomes. Em vez disso, porém, o aperto de mãos parece seguir eternamente e agora não sei
a quem direcionar minha gratidão efusiva. Por que não estamos todos nos apresentando? Espera-se
que eu sabia os nomes de todos aqui?
Ao soltar minha mão, a mulher finalmente diz:
– Angela Marshall.
Sinto que aquilo foi uma espécie de teste.
– É um prazer conhecê-la – digo outra vez. – Não consigo acreditar que…
Meu pensamento termina aí e todos estão me olhando, esperando para ouvir o que tenho a dizer.
Na verdade, eu poderia passar dias falando sobre todas as coisas nas quais não consigo acreditar.
Não consigo acreditar que Razor Fish foi publicado.
Não consigo acreditar que as pessoas estão comprando esse livro.
E realmente não consigo acreditar que as pessoas refinadas que trabalham neste estúdio enorme
vão transformar meus quadrinhos em filme.
– Não conseguimos acreditar em nada disso. – Benny vem ao meu resgate, mas rio
desajeitadamente. – Só estamos muito felizes por tudo isso estar acontecendo. Muito felizes.
A mulher ao lado de Angela oferece um olhar que, na verdade, diz: “Ah, tenho certeza de que
estão”. Afinal, todos nós sabemos que Benny se saiu muito bem no acordo: 20% de muito dinheiro.
Mas perceber isso também me faz perceber outra coisa: eu me saí ainda melhor do que ele. Minha
vida transformou-se para sempre com essa única transação. Estamos aqui para assinar um contrato,
discutir o elenco, acertar o cronograma.
O painel mostra a garota, acordando assustada enquanto uma barra de aço é enfiada em sua
espinha dorsal.
Estendo a mão para a outra mulher.
– Oi. Perdão, mas não sei o seu nome. Sou Lola Castle.
Ela se apresenta como Roya Lajani e olha para algumas páginas à sua frente enquanto respira
fundo para começar uma conversa do tipo das que acontecem em momentos assim. Porém, antes que
consiga começar a falar, a porta se abre e o homem que reconheço como sendo Austin Adams entra,
deixando passar o barulho de telefones tocando, saltos batendo pelo corredor e vozes vindas das
salas adjacentes.
– Lola! – ele me diz com uma voz calorosa e alegre. Em seguida, estremece ao ouvir a porta bater.
Olha para Ângela e diz: – Odeio a porra dessa porta! Quando Julie vai mandar consertá-la?
Angela faz um gesto com a mão de modo a dizer “não se preocupe com isso” e assiste enquanto
Austin ignora a cadeira ao seu lado e puxa outra à minha direita. Sentando-se, ele estuda meu rosto e
sorri abertamente para mim.
– Sou um grande fã! – diz sem mais preâmbulos, sem nem se apresentar. – Sério! Tenho uma
admiração enorme por você.
– Eu… Uau! – digo, rindo por dentro. – Obrigada!
– Por favor, diga que você está trabalhando em algum material novo. Sou viciado na sua arte, nas
suas histórias, em tudo.
– Meu próximo graphic novel sai no outono. O título é Junebug. – Percebo Austin se aproximando
animado. Instintivamente acrescento: – Ainda estou trabalhando na obra.
Quando o olho outra vez, ele está sacudindo a cabeça para mim, maravilhado.
– Isso é um sonho? – Seu olhar fica caloroso enquanto seu sorriso se suaviza. – Você já se deu
conta de que é a mente por trás desse enorme filme de ação?
Essa frase, esta situação – na qual me preocupo por saber que ouvirei muitos elogios vazios –,
normalmente me fariam segurar a respiração para conter uma reação cética, mas, apesar de ser um
grande produtor e diretor, Austin parecia tão sincero. Ele tinha boa aparência, mas andava
desgrenhado: seus cabelos loiros avermelhados pareciam ter sido penteados com os dedos, sua barba
não estava feita, ele usava calça jeans e uma camisa de botão desalinhada, deixando a bainha mais
baixa do lado direito do que do lado esquerdo. O colarinho engomado estava torto para um lado.
Austin é uma bagunça muito cara.
– Obrigada – digo, unindo as mãos para não começar a esfregá-las na orelha ou nos cabelos.
– Estou falando sério – ele acrescenta, apoiando os cotovelos nas coxas, ainda totalmente
concentrado em mim. Não sei se ele percebeu que Benny está na sala. Os nós dos meus dedos estão
pálidos. – Sei que é nosso papel dizer coisas assim, mas, neste caso, é mesmo verdade. Fiquei
vidrado desde a primeira página, então disse a Angela e a Roya que precisávamos produzir esse
material.
– E nós concordamos – intromete-se Roya, desnecessariamente.
– Bem – digo, esforçando-me para encontrar algo além de “obrigada” para dizer. – Que ótimo!
Fico feliz que o livro aparentemente tenha conquistado um pequeno público.
– Pequeno? – ele caçoa, recostando-se na cadeira e olhando para a camisa antes de dissimular: –
Puta que pariu! Eu nem consigo me vestir!
Puxo o lábio inferior para dentro da boca para segurar o riso que ameaça explodir por minha
garganta. Toda a situação estava me deixando em uma espécie de pânico mudo, até ele entrar. Cresci
fazendo compras na Goodwill, passamos alguns anos trocando cupons por comida e ainda dirijo um
Chevy 1989. Sequer consigo processar como tudo isso vai mudar a minha vida e as Irmãs Stepford1
do outro lado da mesa só fazem a atmosfera da sala se tornar ainda mais estranha. Mas Austin parece
ser alguém com quem consigo me imaginar trabalhando.
– Sei que já perguntaram isso para você – ele diz. – Afinal, já li suas entrevistas. Mas quero ouvir
diretamente de você, a versão verdadeira, com informações privilegiadas. O que a levou a começar a
escrever esse livro? O que serviu realmente de inspiração?
De fato, já haviam me perguntado aquilo antes. Aliás, tantas vezes que eu já tinha uma resposta
padrão preparada: Adoro a heroína do dia a dia porque ela nos dá a oportunidade de enfrentar
diretamente os complicados desequilíbrios sociais e políticos, na cultura popular e na arte. Criei
Quinn Stone como uma garota comum, com o espírito de Clarisse Starling ou Sarah Connor: ela
se torna uma heroína por esforço próprio. Quinn é encontrada por um homem estranho, que se
parece com um peixe e que é de outra dimensão temporal. Essa criatura, Razor, a ajuda a
encontrar a coragem necessária para lutar por si mesma e por sua comunidade. E, ao fazer isso,
ele percebe que não quer deixá-la ir para casa, mesmo quando já pode fazer isso. A ideia me
surgiu em um sonho no qual um homem grande, musculoso e coberto de escamas apareceu em meu
quarto e me disse para arrumar meu armário. Passei o resto do dia me perguntando como seria se
aquela criatura realmente aparecesse em meu quarto. Dei a ele o nome de Razor Fish. Acredito
que meu Razor estaria pouco se fodendo para o meu armário bagunçado. Ele me diria para me
levantar e ir lutar por alguma coisa.
Mas não foi essa resposta que me veio à mente hoje.
– Eu estava puta da vida – admito. – Achava que os adultos eram ou cuzões, ou uns filhos da puta.
– Vejo os olhos de Austin se arregalarem um pouco antes de ele expirar e assentir sutilmente,
compreendendo. Então, continuo: – Eu estava nervosa com meu pai por ele ser um perturbado e com
minha mãe por ser tão covarde. Tenho certeza de que foi por isso que sonhei com Razor Fish: ele é
grosseirão e nem sempre entende Quinn, mas, no fundo, ele a ama e quer que alguém cuide dela.
Desenhá-lo e ver como num primeiro momento ele não entende o lado humano dela, mas depois a
treina para lutar e depois quer ficar com ela… poder me permitir perder-me na história deles era um
prazer ao qual eu me entregava depois de terminar de lavar as louças e fazer minhas tarefas quando
eu estava sozinha à noite.
A sala está silenciosa e sinto uma necessidade nada familiar de preencher esse espaço.
– Gostei de ver Razor começar a apreciar as forças de Quinn que não são clássicas. Ela é
magricela, é quieta. Não foi criada como uma amazona. Suas forças são mais sutis: ela sabe
observar. Confia em si mesma, sem dúvida. Quero ter certeza de que isso será capturado no filme. Há
muita violência e ação na história, mas Razor não tem nenhuma revelação sobre Quinn quando ela
aprende a dar um soco. Ele tem uma revelação quando ela descobre como enfrentá-lo.
Olho para Benny. Eu nunca tinha sido tão transparente sobre minha vida e meu livro e agora vejo a
surpresa estampada em seu rosto.
– Quantos anos você tinha quando sua mãe foi embora? – Austin quer saber. Ele age como se não
houvesse mais ninguém conosco na sala. E é fácil fingir que não há, pois todos estão completamente
paralisados.
– Doze. Foi logo depois que meu pai voltou do Afeganistão.
A sala parece engolida pelo silêncio depois que digo isso e Austin finalmente solta um suspiro.
– Caramba, isso é uma merda!
Finalmente dou risada.
Ele se aproxima outra vez; seus olhos são insistentes quando ele diz:
– Eu amo essa história, Lola. Adoro esses personagens. Temos um roteirista que vai fazer um
trabalho fabuloso. Você conhece Langdon McAfee?
Nego com a cabeça, constrangida porque a forma como ele fala faz parecer que eu devesse
conhecê-lo. Mas Austin não dá muita importância a isso.
– Ele é ótimo. Tranquilo, inteligente, organizado. Quer coescrever o roteiro com você.
Fico boquiaberta com essa revelação inesperada – eu, coescrevendo um roteiro – e nada além de
um barulho engasgado sai pela minha boca.
Austin continua falando, mesmo com minha reação atordoada.
– Quero conversar muito, está bem? – Ele já acena com a cabeça como que para me estimular. E
prossegue: – Quero que o filme seja tudo o que você espera. – Ele inclina o corpo para a frente, sorri
e diz: – Quero que você veja seu sonho se transformar em realidade.
– Conte os detalhes outra vez para mim – pede Oliver. – Não sei se você estava falando em nosso
idioma da primeira vez.
Ele está certo. Eu mal conseguia tomar fôlego – menos ainda lembrar como articular as palavras –
desde que entrei em sua loja de livros em quadrinhos, a Downtown Graffick, já balbuciando. Oliver
observou enquanto eu entrava, seu doce sorriso lentamente se transformando em confusão enquanto
eu cuspia mil palavras incoerentes e todas as minhas emoções pelo chão. Passei duas horas no
caminho de volta de Los Angeles com meu pai ao telefone, esforçando-me para processar o restante
da reunião. Não que isso importasse; afinal, aqui, contar tudo em voz alta a uma das minhas pessoas
favoritas fazia tudo parecer surreal outra vez.
Nos oito meses em que somos amigos, acho que Oliver nunca me viu assim: gaguejando e sem ar e
quase chorando de tão exasperada. Eu me orgulho de ser estável e serena, mesmo com meus amigos,
então estou tentando me recompor, mas, cacete, é difícil!
Eles
vão
fazer
um filme
com as ideias da minha infância!
– Está bem – recomeço, respirando profundamente e expirando lentamente. – Na semana passada,
Benny telefonou e disse que talvez o livro virasse filme.
– Pensei que ele tivesse enviado para análise…
– Meses atrás – interrompi. – É verdade. Sempre existe um silêncio antes da explosão, imagino.
Porque esta manhã, no caminho do escritório dele até o escritório do estúdio, ele me disse que a
história foi vendida em um leilão insano… – Levo a mão à testa antes de continuar: – Estou suando.
Olhe para mim, estou suando!
Ele de fato olha, seu olhar suavizando enquanto ele ri. Então, sacode a cabeça e desliza novamente
o olhar para a caixa que está abrindo.
– É incrível, Lola! Continue.
– A Columbia & Touchstone venceu – revelo. – Fomos até o escritório e conheci algumas pessoas
hoje.
– E aí? – Ele ergue o olhar na minha direção e puxa uma pilha de livros da caixa. – Eles causaram
uma boa impressão?
– Quero dizer… – Chego a bambear enquanto me lembro da sensação de ver Austin voltar sua
atenção a todos na sala e a reunião se transformar em uma mistura de acrônimos e instruções
ininteligíveis para “tomar nota da programação de Langdon para o início do roteiro” e “ver se
conseguimos enviar um balanço para Mitchell antes do meio-dia”. Então prossigo: – Sim? Havia
algumas pessoas muito quietas e duras lá, mas o produtor executivo, Austin Adams, é realmente
gentil. Fiquei tão impressionada que não sei o quanto eu consegui processar. – Passei as duas mãos
pelos cabelos e inclinei a cabeça na direção do teto. – Isso é tão louco! Um filme!
– Um filme – repete Oliver e, quando olho para ele, vejo-o me observando com seus olhos azuis
calorosos e misteriosos.
Ele corre a língua pelos lábios e então preciso desviar o olhar. Oliver é tanto meu ex-marido
quanto minha paixão atual, mas sempre será não correspondida; nosso casamento nunca foi um
casamento de verdade. Foi “aquela coisa que fizemos em Vegas”.
É claro que os outros dois casais que se casaram em Vegas – nossos amigos Mia e Ansel e Harlow
e Finn – vivem casamentos felizes. Mas Oliver e eu (em especial quando estamos bêbados) gostamos
de celebrar o fato de sermos os únicos que se casaram em Vegas como pessoas comuns: com nada
além de arrependimento, uma anulação do casamento e uma ressaca. Considerando o distanciamento
emocional que ele sempre manteve, tenho certeza de que realmente fala sério quando elogia nossa
escolha.
– E não é só algo do tipo: “Gostamos da ideia, vamos comprar os direitos e engavetá-los” –
explico. – Eles compraram os direitos e já têm um diretor em mente. Hoje conversamos sobre
possíveis escolhas para o elenco. Eles têm um nome grande dos efeitos especiais que quer fazer parte
do projeto.
– Inacreditável – ele murmura, inclinando-se para a frente para oferecer atenção exclusivamente
para mim.
E, se eu não conhecesse Oliver muito bem, acharia que ele acabou de olhar para minha boca. Mas
eu o conheço muito bem: ele simplesmente olha para todas as partes do meu rosto quando estou
falando. É o melhor ouvinte do mundo.
– E… Eu vou coescrever o roteiro – conto, um pouco sem fôlego, e seus olhos se arregalam.
– Lola, Lola! Puta que pariu!
Enquanto repasso toda a reunião desta manhã, Oliver volta a desembrulhar o mais recente lote de
quadrinhos, olhando ocasionalmente para mim enquanto ostenta seu sorrisinho pensativo. Pensei que
com o tempo eu conseguiria saber o que ele estava pensando, como está reagindo a alguma coisa.
Mas ele continua bastante indecifrável para mim. O apartamento que divido com minha amiga
London fica a apenas duas quadras da loja de Oliver e, muito embora eu o veja quase todos os dias,
ainda sinto que dedico metade do tempo que passamos juntos a tentar descobrir o que ele queria
dizer com essa ou aquela resposta monossilábica ou esse ou aquele sorriso. Se eu fosse mais como
Harlow, eu simplesmente perguntaria.
– Então, está animada pra ver sua obra na telona? – ele pergunta. – Ainda não conversamos sobre
isso porque tudo aconteceu muito rápido. Sei que alguns artistas não são muito fãs da ideia de fazer
adaptações.
– Você está brincando comigo? – pergunto. Como ele poderia estar sério ao fazer essa pergunta? A
única coisa que amo mais do que quadrinhos são filmes baseados em quadrinhos. – É assustador, mas
maravilhoso.
E então me lembro de que há um e-mail com dezessete roteiros como anexos na minha caixa de
entrada, para que eu leia “como referência”. E uma onda de náusea se espalha por meu torso.
– Mas é mais ou menos como construir uma casa – digo a ele. – Eu só queria chegar na hora de
mudar e não ter que lidar com aquela parte chata de escolher luminárias e fechaduras.
– Vamos esperar que eles não George-Clooneyzem seu Batman – ele diz.
Franzo as sobrancelhas para ele.
– Eles podem George-Clooneyzar qualquer coisa minha que quiserem, senhor.
Joe, o Grosseirão e o único funcionário de Oliver, um maconheiro de moicano pelo qual temos o
carinho que se tem por um animalzinho de estimação, surgiu por detrás das prateleiras.
– Clooney é gay. Vocês sabem disso, não sabem?
Oliver e eu ignoramos o comentário.
– Aliás – acrescento. – Se George Clooney entrar no Oxford English Dictionary como verbo de
ação, essa ação imediatamente vai para a minha lista de coisas para fazer antes de morrer.
– Como em: “Você já foi George-Clooneyzado?” – pergunta Oliver.
– Exatamente. “Saímos para dar uma volta e depois George-Clooneyzamos até por volta das duas
horas. Foi uma boa noite.
Oliver assente enquanto guarda algumas canetas em uma gaveta.
– Eu também teria que acrescentar isso à minha lista de coisas para fazer antes de morrer.
– Está vendo? É por isso que somos amigos – digo a ele. Estar perto de Oliver é como uma dose
de Xanax. Não consigo não ficar calma. – Você entende que ter George Clooney como verbo seria
algo tão monumental que, gay ou hétero, você iria querer algo assim.
– Ele é totalmente gay – insiste o Grosseirão, dessa vez falando mais alto.
Oliver emite um ruído que demonstra seu ceticismo, finalmente olhando para o Grosseirão.
– Acho que não. Ele é casado.
– Sério? – pergunta o Grosseirão, descansando os cotovelos no balcão. – Mas, se ele fosse, você
iria?
Ergo a mão.
– Sim. Com toda a certeza.
– Eu não estava perguntando para você – rebate o Grosseirão, dispensando-me com um gesto.
– Quem fica na frente e quem fica atrás? – questiona Oliver. – Tipo, eu vou ser George-
Clooneyzado por George Clooney ou sou eu quem vai George-Clooneyzá-lo?
– Oliver – chama o Grosseirão. – Ele é a porra do George Clooney. Ele não é Clooneyzado!
– Estamos nos transformando em perfeitos idiotas – resmungo.
Ambos me ignoram e Oliver finalmente dá de ombros.
– Sim, claro. Por que não?
– Tipo, realmente perdendo pontos de QI – insisto.
Grosseirão finge estar segurando um traseiro e movimenta o corpo para a frente e para trás.
– Isso. Você o deixaria fazer isso?
Dando de ombros defensivamente, Oliver diz:
– Joe, sei do que estamos falando aqui. Também imagino como seria uma cena de um homem com
outro homem. O que estou dizendo é que, se eu vou ficar com um cara, por que não o Batman Ruim?
Aceno com a mão diante do rosto dele.
– Acho que poderíamos voltar a falar sobre meus quadrinhos serem transformados em filme.
Oliver vira-se para mim e relaxa. E seu sorriso é tão doce que faz tudo dentro de mim derreter.
– Sim, sem dúvida. Isso é totalmente brilhante, Lola! – Ele inclina a cabeça, seus olhos azuis
presos aos meus. – Porra, estou muito orgulhoso de você!
Abro um sorriso e mordisco meu lábio inferior porque, quando Oliver me olha daquele jeito, não
consigo não ficar nervosa. Mas ele ficaria aterrorizado se me visse babando por ele; não é o tipo de
coisa que fazemos.
– E então, como vamos comemorar? – ele pergunta.
Deslizo o olhar pela loja, como se a resposta estivesse bem à minha frente.
– Ficar aqui? Não sei… Talvez eu devesse trabalhar um pouco.
– Nem… Você anda viajando constantemente e, mesmo quando está em casa, passa o tempo todo
trabalhando – ele diz.
Bufando, rebato:
– … disse o cara que passa todas as horas do dia em sua loja.
Oliver me analisa.
– Eles vão fazer o seu filme, Lola Love. – E esse apelido faz meu coração girar no peito. – Você
precisa fazer algo grande esta noite.
– Então, tipo… Fred’s? – proponho. O Fred’s é parte da nossa rotina. – Para que fingir que somos
refinados?
Oliver nega com a cabeça.
– Vamos a algum lugar no centro para que você não tenha que se preocupar em dirigir.
– Mas aí você terá de dirigir até Pacific Beach na volta – explico.
Grosseirão finge tocar violino atrás de nós.
– Eu não me importo – diz Oliver. – Acho que Finn e Ansel não estão em casa, mas vou chamar as
garotas. – Ele coça a barba por fazer no queixo. – Eu queria poder levá-la para jantar ou algo assim,
mas…
– Ah, meu Deus! Não se preocupe com isso! – A ideia de Oliver deixar a loja para me levar para
jantar me fez sentir ao mesmo tempo vertigem e pânico. Não quer dizer que o prédio fosse pegar fogo
se ele saísse antes do anoitecer, mas isso também não significa que meu corpo não sentisse aquele
pânico instintivo. – Vou para casa e pirar no meu quarto um tempinho, e mais tarde ficarei muito
bêbada.
O sorriso dele me fez derreter.
– Parece ótimo.
– Pensei que você tivesse um encontro romântico esta noite – Grosseirão diz a Oliver ao sair de
trás de uma pilha gigante de livros.
Oliver fica pálido.
– Não, eu não tenho… Quero dizer, não é verdade. Nós não vamos…
– Um encontro romântico? – Sinto minhas sobrancelhas arqueando enquanto tento ignorar o
crescente nó em meu estômago.
– Não, não é isso – ele insiste. – É que a garota do outro lado da rua, que trabalha…
– Hard Rock Allison – cantarola Grosseirão.
Meu coração se afunda… Não é apenas “a garota do outro lado da rua”, mas alguém sobre quem
comentamos uma ou duas vezes justamente por ela se interessar por Oliver. Mas me esforço para
demonstrar uma reação positiva.
– Cale a boca! – grito, batendo no ombro de Oliver e acrescentando com um sotaque francês
dramático: – Um encontrrrrrô muito quente.
Oliver resmunga comigo, esfregando a mão no ponto atingido e fingindo que a dor é muito maior
do que realmente é. Ele assente para Grosseirão:
– Ela queria trazer o jantar para nós dois aqui na loja…
– Sim, para poder transar com você – Grosseirão o interrompe.
– Ou talvez porque ela é gentil – rebate Oliver com um tom bem-humorado na voz. – De qualquer
forma, eu preferiria sair e comemorar o filme de Lola. Vou enviar uma mensagem de texto para
comunicar Allison.
Tenho certeza de que Hard Rock Allison é uma mulher gentil, mas neste momento, sabendo que
Oliver tem o número do celular dela, sabendo que ele pode casualmente enviar uma mensagem de
texto pra ela e mudar os planos que eles fizeram, eu quero que ela seja atingida por um trem. E é um
desejo que vem daquela parte negra da nossa alma, de onde brotam os desejos de coisas terríveis que
a gente quer que aconteça com a nova namorada. Allison é bonita e extrovertida e tão pequena que
caberia em minha bolsa carteiro. É a primeira vez que sou confrontada com a possibilidade de
Oliver estar saindo com outra, a primeira vez que nossa amizade se depara com isso, ao menos que
eu saiba. Nós nos casamos e nos divorciamos em menos de 24 horas e é claro que ele nunca se
interessou por mim, mas nunca discutimos namoros com outras pessoas.
Como eu devo reagir?
Na boa, concluo antes de avaliar minha opinião sincera. Fico feliz por ele.
– Você definitivamente deve reagendar – digo, oferecendo a Oliver o sorriso mais sincero que
consigo formar. – Ela é bonita. Leve-a ao Bali Hai, é lindo lá.
Ele ergue o olhar para me encarar.
– Faz muito tempo que estou com vontade de ir lá. Você deveria vir com a gente.
– Oliver, você não pode me levar junto com você a um encontro romântico.
Atrás dos óculos, seus olhos arregalam.
– Não é um encontro romântico. Eu não… Eu jamais… – ele diz, acrescentando rapidamente: –
Lola, não estamos falando de um maldito encontro romântico.
Certo. Então ele claramente não está interessado em Allison. O nó em meu estômago se desfaz e
preciso olhar fixamente para o balcão para não sorrir.
Depois de algumas respirações, consigo.
Olhei de volta para ele, que continuava me observando com uma expressão tão calma quanto a
superfície de um lago em um cânion.
Em que você está pensando?, sinto vontade de perguntar.
Mas definitivamente não pergunto.
– Lola… – ele começa.
Engulo em seco, sem conseguir evitar deslizar o olhar para a boca dele – mas só por um segundo.
Amo aquela boca. Ela é grande, os lábios superior e inferior são do mesmo tamanho. Carnudos, mas
não afeminados. Eu já os desenhei pelo menos cem vezes: entreabertos, fechados, curvados em um
pequeno sorriso ou arqueados em um franzir pensativo, debaixo de dentes afiados ou, em certa
ocasião, suavemente abertos em um suspiro obsceno.
Só consigo contar até dois antes de deslizar novamente o olhar para os olhos dele.
– Sim?
Um ano se passa antes de ele responder. E, quando finalmente responde, já pensei em um milhão
de possibilidades do que ele dirá a seguir.
Você já pensou em me beijar?
Acha que podemos dar uns amassos no quarto dos fundos?
Você faria cosplay da Zatanna?
Mas ele apenas pergunta:
– O que Harlow disse quando você contou a ela sobre o livro?
Respiro fundo, afastando a imagem dele se inclinando para a frente e colocando a boca contra a
minha.
– Ah, eu ia telefonar para ela daqui a pouco.
E então me dou conta do que acabei de dizer.
As sobrancelhas de Oliver saltam até a linha do cabelo e, ao lado dele, Grosseirão solta um ruído
de pânico que me diz que ou a polícia está na porta da loja ou todos nós seremos mortos por Harlow
e será por culpa minha.
– Ah, meeeeerda! Por que eu fiz isso? – pergunto, levando a mão à boca. Harlow é sempre a
pessoa a quem conto as coisas logo depois de contar a meu pai. Ela me mataria se soubesse que vim
aqui. – Onde é que eu estava com a cabeça quando decidi contar primeiro para vocês? – Eu me
aproximo mais um pouco e lanço minha expressão mais ameaçadora para os dois. – Vocês não
podem dizer a ela que souberam antes e que estou aqui há…
– Meia hora – interrompe Grosseirão para me ajudar.
– Meia hora! – berro. – Ela vai nos esquartejar e nos enterrar no deserto!
– Caralho, ligue agora mesmo para ela, então – ordena Oliver, apontando o dedo para mim. – Não
estou pronto para me deparar com Harlow segurando um machado.
Personagens da saga X-Men, da Marvel. (N. E.)
Capítulo 2
Oliver
– Quando você soube, Oliver?
Olho para o outro lado da mesa e esboço um sorriso.
– Soube o quê, Harlow?
– Deixe de gracinhas. – Ela olha para o lado para ter certeza de que Lola ainda está no bar. –
Quando você soube que os direitos do filme foram comprados e que o sinal verde foi dado
imediatamente?
Ela desliza o olhar entre Joe e mim, esperando, mas Joe apenas inclina o corpo para dar uma
enorme mordida em seu hambúrguer, deixando que eu dê um jeito de responder.
– Hoje – respondo para me safar.
É uma resposta ridícula, afinal, até mesmo Lola só descobriu esta manhã. Harlow quer que eu lhe
informe a hora exata.
Ela estreita os olhos para mim, mas engole sua resposta atravessada quando Lola retorna trazendo
uma bandeja de shots. Lola olha para mim e oferece seu sorrisinho secreto. Nem sei se ela se dá
conta de que está fazendo isso. Começa com os cantos dos lábios se erguendo para cima, o olhar
descendo ligeiramente. E então ela pisca devagar, como se tivesse acabado de me capturar em uma
fotografia. E, se tivesse feito isso, a imagem mostraria um homem profundamente, perdidamente
apaixonado.
Tem uma cena em O espetacular Homem-Aranha, número 25, na qual Mary Jane Watson é
apresentada. Seu rosto não é visível nem para o leitor, nem para Peter Parker. Até então, Peter só a
conhecia como a garota com a qual sua tia queria que ele saísse, “aquela Watson graciosa da
vizinhança”.
Peter não está interessado. Embora sua tia goste dela, Mary Jane não faz o tipo dele.
Então, na edição de número 42 o rosto de Mary Jane é revelado e Peter percebe como ela é
maravilhosa. Esse momento é um soco no estômago: até aquele momento, Peter fora um idiota.
Essa é uma boa analogia para descrever meu relacionamento com Lorelei Castle. Fui casado com
Lola por exatas treze horas e meia. E, se eu fosse mais inteligente, talvez tivesse aproveitado a
oportunidade enquanto ela estava em minhas mãos em vez de supor – só porque Lola estava usando
um vestido curto e bêbada em Vegas – que ela não fazia o meu tipo.
Mas, algumas horas depois, todos estávamos bêbados… E, impulsivamente, todos estávamos
casados. Enquanto nossos amigos faziam perversões em quartos de hotel – e uns com os outros –,
Lola e eu andávamos quilômetros e conversávamos sobre tudo.
É fácil dividir segredos com estranhos, ainda mais fácil quando estamos bêbados. Então, no meio
da noite, já me sentia muito íntimo dela. Em algum momento, a Strip ficou escura, insinuando o
submundo que a cidade tem a oferecer, e Lola parou para olhar para mim. O pequeno diamante no
piercing em seu lábio superior – imitando a pinta de Marilyn Monroe – refletiu a luz e eu me vi
hipnotizado pela cor rosa suave de sua boca, há muito tempo livre de batom. Eu tinha perdido a
excitação e já pensava em como enfrentaríamos a anulação do casamento no dia seguinte. E ela
perguntou discretamente se eu queria arrumar um quarto para ficarmos. Juntos.
Mas… eu não quis. Não quis porque, quando Lola tornou isso uma opção, ficou claro para mim
que ela não era uma mulher para passar uma noite e nada mais. Lola era o tipo de garota pela qual eu
ficaria louco.
Porém, assim que ela retornou a San Diego, sua vida explodiu em um furacão. Primeiro, sua obra
Razor Fish foi publicada e rapidamente passou a figurar em todas as listas de top 10 do cenário dos
quadrinhos. E depois chegou ao mainstream, aparecendo nas grandes redes de loja enquanto o New
York Times chamava a obra de “a próxima queridinha das franquias de ação”. Os direitos do livro
tinham acabado de ser vendidos a um grande estúdio cinematográfico e hoje ela conheceu os
executivos que estão investindo milhões no projeto.
Não sei se ela tem um milissegundo de tempo para pensar em romance, mas tudo bem. Eu penso
em romance o suficiente para nós dois.
– Não sei quem foi que começou com essa tradição de que a aniversariante é quem corta o bolo –
anuncia Lola, deslizando um copo com um shot questionavelmente verde à minha frente –, ou, nesta
nova versão, a garota cujo livro vai virar filme paga pelos shots. De qualquer forma, não gosto dessa
história.
– Não – Mia contesta. – É a garota que está prestes a fugir para Hollywood que paga pelos shots.
– Como uma penitência – anuncia Harlow. – Adiantada.
Todos se viram para lançar o mais cético dos olhares a Harlow. Comparada ao restante de nós,
toda a vida dela tem suas raízes em Hollywood. Harlow é filha de uma atriz e de um diretor de
fotografia vencedor do Oscar e casada com um homem que está prestes a se tornar um astro do
Adventure Channel, então sei que todos estamos pensando a mesma coisa: se o entrincheiramento de
Hollywood define quem vai pagar a conta, Harlow deveria estar pagando pelos shots.
Como se percebesse isso, ela acena com a mão e diz:
– Calem a boca. Eu pago a próxima rodada.
Todos levam seus copos ao centro da mesa e Harlow faz o brinde: – À garota mais foda que já
existiu, Lorelei Louise Castle. Conquiste seu espaço, garota!
– É isso aí – eu digo e Lola me olha nos olhos, lançando mais um sorriso secreto.
Tocamos nossos copos – Harlow, Mia, Joe, Lola, London e eu – e engolimos os shots antes de
arrepiarmos com uma sincronia estranha.
A colega de quarto de Lola, London, arrisca:
– Chartreuse verde.
Ela tosse; seus cabelos loiros estão presos em um coque bagunçado no topo da cabeça. Eles
sacodem precariamente conforme ela mexe a cabeça.
– Isso aqui deveria ser proibido por lei – continua London.
– É mesmo horrível – concordo.
– Pedi para o cara do bar preparar algo chamado “Celebration” – explica Lola com uma careta,
limpando a boca com as costas da mão. – Foi mal, mas sinto que preciso de um banho agora.
Mia também tosse.
– Aquele cara deve comparar celebração a dor.
Ela rouba minha cerveja e toma um gole antes de virar-se outra vez para Lola. É tão raro poder
sair com Mia sem Ansel preso a alguma parte de seu corpo; na verdade, é bem legal sair com ela
sozinha e animada para socializar. Ela é delicada e doce, como uma irmã mais nova seria.
– Então… conte para a gente, senhorita Chique. Conte tudo sobre esta manhã.
Lola suspira, tomando um gole de água antes de dar de ombros enquanto arregala os olhos.
– Sério, como é essa vida, pessoal?
Recosto o corpo na cadeira e ouço afetuosamente enquanto Lola conta muitas coisas que já ouvi.
Na verdade, acho que eu poderia ouvi-las outras cem vezes e ainda assim não conseguiria processar.
Então imagino como ela deve estar se sentindo.
Lola é mesmo brilhante. Como ela própria admite, passa mais tempo conversando com as pessoas
em sua cabeça do que com as pessoas à sua volta. Sempre que possível, tento equilibrar minhas
reações ao seu trabalho, pois sei que, em parte, essas reações são influenciadas pela afeição que
sinto por ela. E, de qualquer forma, não posso tagarelar constantemente com ela sobre como a
criadora é supergenial e uma das pessoas mais inteligentes e sensuais que conheço. Mas sempre que
posso eu enfatizo aos clientes que o livro é inovador e diferente de qualquer coisa que já li antes e,
ainda assim, traz aquela sensação de familiaridade.
Razor Fish me faz sentir a mesma emoção que senti ainda jovem, quando escolhi minha primeira
revista em quadrinhos na banca de jornal perto de casa. Fiquei obcecado com a força, as batalhas, o
poder de uma história contatada com palavras e cores. Aos onze anos, eu era o jovem mais alto e
mais magro da sétima série, e acabei propiciamente apelidado de “menino-vara” pelos valentões da
sala. Mesmo no colegial, o apelido ainda me perseguia. Porém, àquela altura eu era mais alto do que
os outros rapazes há muito tempo e andava de bicicleta por toda parte. Já não era tão magro, mas
forte e dominante nos esportes no colégio. “Menino-vara” era o nome de um super-herói, e não de um
covarde.
Olho para Lola e fico impressionado com o fato de sermos tão parecidos – infâncias solitárias que
deram origem a adultos introvertidos, mas ambiciosos – e como os quadrinhos desempenharam um
papel central em nossas vidas.
Mas, enquanto ela flutua na nuvem de sua nova empreitada, cambaleando em escritórios surreais,
rindo do início rígido da reunião e da explosão de Austin na sala, preciso de um tempinho, então
seguro minha cerveja e tomo um gole. Preciso acalmar meus sentidos para processar parte disso. Na
verdade, a vida de Lola está prestes a se transformar. O que até agora tem sido em grande parte uma
paixão para ela está rapidamente se tornando um negócio – o que vai trazer tensões e problemas com
os quais eu me identifico talvez até mais do que ela possa imaginar. Ademais, Lola é extremamente
talentosa, mas ainda está, de certa forma, “protegida”: Hollywood pode fazer sonhos se tornarem
realidade, mas também pode ser dura e implacável. Quero conter um pouco do reflexo
desconfortável que quer tomar conta dela, que preocupa, que acha que isso pode acabar com ela ou,
no mínimo, deturpar seu lado criativo – o lado que criou tudo isso. E não sei se vale a pena sacrificar
tudo por algo como uma mansão dos sonhos.
Isso me faz querer protegê-la, aconselhá-la a ouvir as vozes em sua mente. Porque, para Lola,
essas vozes são, desde a infância, mais verdadeiras do que a maioria das outras em sua vida. A
mesma coisa aconteceu comigo. Cresci sem irmãos e com pais ausentes. Meus avós tinham minha
custódia durante a infância, mas, aos oito anos, eu estava mais interessado no Super-Homem e no
Batman do que no que minha avó tinha visto na TV naquele dia ou nas pessoas que entravam e saíam
da loja do meu avô.
Quando ela está se aproximando do fim da narração dos eventos do dia – a parte em que parece
chover detalhes e tudo se torna uma mancha repleta de jargões –, seu telefone acende sobre a mesa e
ela abaixa o olhar. Em seguida, seus olhos prendem-se aos meus.
– É Austin.
O fato de ela olhar para mim agora – e não para Harlow, London ou Mia – faz meu coração se
iluminar; é uma chama acesa lançada na caverna do meu peito.
– Atenda! – incito, assentindo para o telefone.
Ela apalpa o aparelho, quase o derrubando da mesa, antes de atender no último segundo e dizer um
“alô” apressado.
Não tenho como ouvir o outro lado da conversa, então não sei o que a faz enrubescer e sorrir antes
de dizer:
– Oi, Austin. Sinto muito. Não. Quase não consegui atender a tempo.
Ela ouve atentamente e todos nós observamos atentamente, tendo acesso a apenas a um lado da
troca de palavras.
– Ainda estou um pouco em choque – ela diz. – Mas estou bem. – Agora ergue o olhar para
analisar a mesa, dizendo: – Sim, saí com alguns amigos… Num bar aqui do bairro… Em San Diego!
– Ela ri antes de continuar: – É muito tempo dirigindo, Austin!
Que porra é essa?!
Olho para Harlow, que no mesmo instante vira-se para mim e parece estar pensando a mesma
coisa. Ele não vai vir aqui, vai? Olho para o meu relógio; são quase dez da noite, e o caminho
levaria duas horas.
– Também estou animada – ela diz, levando a mão à orelha para manusear o brinco. – Bem, nunca
escrevi um roteiro antes, então meu objetivo é apenas ser útil… – Ela gargalha com a resposta dele.
Gargalha.
Meu olhar segue violentamente para o de Harlow, outra vez.
Lola gargalha com a gente. Ela não gargalha com pessoas que conheceu há apenas poucas horas. A
não ser que essa pessoa seja eu, em Vegas. E porra! Prefiro pensar que aquela situação foi única.
– Mal posso esperar para ouvir o que eles têm a dizer… Não, não vou. Opiniões são boas… Eu
sei, sinto muito. Tem muito barulho aqui… Sim, pode deixar. – Ela assente. – Sim, farei isso.
Prometo! – Mais uma porra de uma gargalhada. – Está bem… Certo… Tchau.
Ela desliga a ligação e expira antes de deslizar os olhos na minha direção.
– Era Austin.
Dou risada e digo:
– Sim, eu ouvi.
Mesmo sentindo um objeto estranho e desconfortável subitamente alojado em meu peito, posso
apreciar quão animador tudo isso deve ser, sentir-se imediatamente à vontade com a pessoa que está
no comando do trabalho criativo mais importante de sua vida até agora.
– Ele não está vindo de Los Angeles para cá, está? – pergunta London. Se percebo corretamente,
há um tom de suspense em sua voz.
Sempre gostei de London.
– Não, não – explica Lola, descendo o olhar para a mesa. – Foi só uma brincadeira que ele fez.
Por alguns momentos, ficamos apenas sentados ali, olhando para ela.
Harlow é a primeira a falar:
– Bem, por que diabos ele telefonou?
Surpresa, Lola ergue o olhar.
– Ah… Hum, ele só queria saber se eu estava bem depois da reunião… E disse que está
organizando algumas ideias sobre como traduzir a primeira parte para filme.
– A primeira parte? – repito.
Ela nega com a cabeça em um gesto exagerado, sem jeito, e uma mecha de seus cabelos longos e
lisos prendem-se ao batom. Não consigo evitar; estendo a mão para afastar aqueles fios. Mas ela
também faz isso e seus dedos chegam antes dos meus.
Rapidamente solto a mão e sinto a forma como Harlow se vira para mim, mas não posso desviar o
olhar de Lola, que está me encarando, seus olhos tomados por um frenesi silencioso.
– Puta merda, Oliver!
Ao nosso lado, London pega o telefone.
– Vou dar um Google nesse tal de Austin Adams.
Eu sempre gostei mesmo de London.
– “A primeira parte?” – repito para Lola, agora em um tom mais gentil.
– Ele estava dizendo que o estúdio vê três filmes – ela praticamente chia. – E ele tem algumas
ideias e gostaria de discuti-las comigo.
Harlow diz um palavrão, Mia dá um berro, Joe lança um sorriso enorme para ela, mas Lola cobre
o rosto com um leve grito de pânico.
– Puta merda! – grita London. – Esse cara é uma delícia!
Ela vira o telefone para podermos ver.
Certo. Talvez eu não goste tanto quanto achava que gostava de London.
Ignorando-a, prossigo falando com Lola:
– Isso é bom. – E tento baixar seus braços. Sem conseguir evitar, acrescento: – Ele quer conversar
com você sobre isso agora? Você precisa ir a Los Angeles outra vez amanhã?
Ela acena uma negação com a cabeça.
– Imagino que por telefone em algum momento. Tipo… Mal consigo me imaginar coescrevendo um
roteiro, imagine então três roteiros – ela disse antes de levar a ponta do dedo aos lábios.
– Esse trabalho envolverá muita colaboração – lembro a ela. – Não foi isso que Austin lhe disse
mais cedo? – Vê-la se preocupar cada vez mais me ajuda a manter minha trepidação sob controle.
Então prossigo: – Talvez no segundo e no terceiro filmes você possa comandar mais o processo, mas
assim está bom, certo?
Lola assente com urgência, absorvendo minha confiança, mas logo seus ombros se soltam e ela dá
um risinho autodepreciativo.
– Não sei fazer isso.
Sinto sua mão pousar sobre a minha, trêmula e suada.
– Isso pede mais álcool – sugere Harlow, triunfantemente imperturbável.
De canto de olho, vejo-a se levantar para buscar mais alguns shots.
Joe estende a mão para massagear a nuca de Lola.
– Lola, você é uma estrela no meio de uma pilha de cascalho. Você vai reinar.
Concordo com a cabeça.
– Você conquistou isso. Ninguém conhece a história melhor do que você. Estará lá para guiá-los.
Eles são especialistas em fazer filmes.
Ela exala, arredondando docemente os lábios e mantendo seu olhar fixo ao meu, como se aquilo
evitasse que ela derretesse. Ela tem ideia de quanto eu quero ser sua coragem?
– Certo – ela diz. E repete: – Certo.
Por fim, conseguimos tomar cinco drinques cada um e deixar de lado o dia insano de Lola para
debater calorosamente como seria o fim do mundo. Como de costume, devemos agradecer a Joe por
isso, mas Lola está esperançosa e se dissolvendo em suas gargalhadas adoráveis com cada sugestão
acalorada – zumbis, ondas eletromagnéticas, invasões alienígenas – e pelo menos parece
completamente, felizmente distraída.
– Estou dizendo, vai ser uma porra de um rebanho! – Joe nos diz, por pouco não derrubando a taça
de vinho de Harlow quando desliza a mão em um gesto de total destruição. – Alguma espécie de
gripe bovina ou suína. Talvez alguma coisa com as aves.
– Raiva – sugere Mia, assentindo lentamente, já sentindo os efeitos do álcool.
– Não, não é raiva – ele diz, negando com a cabeça. – Vai ser alguma coisa que ainda não
conhecemos.
– Você é um raio de sol – diz London, cutucando-o nos olhos.
E ele se vira para olhar para ela.
– Isso é um fato – ele afirma. – As malditas galinhas serão a nossa ruína.
Lola faz um gesto como se atirasse na própria cabeça e finge cair sobre mim, simulando uma
convulsão e a própria morte. Seus cabelos se esfregam em meu braço, em minha pele nua além da
manga curta da camiseta e, pela primeira vez, não combato a necessidade de tocar aqueles fios.
Coloco a mão em forma de concha sobre sua cabeça e a deslizo para baixo, arrastando meus dedos
por seus cabelos.
Ela inclina a cabeça e olha para mim.
– Oliver só pode estar bêbado – anuncia com uma pronúncia arrastada, embora pareça que eu seja
o único a ouvi-la.
– Por quê? – pergunto. Meu sorriso para ela é subconsciente, um instinto que surge em resposta à
sua proximidade.
– Porque você está me tocando – ela disse com a voz um pouco mais baixa.
Inclino meu corpo um pouco para trás para enxergar melhor seu rosto.
– Eu toco muito em você.
Ela nega com a cabeça, que lentamente se apoia em meu braço.
– Como um amigo. Dessa vez foi como um amante.
Meu sangue se transforma em mercúrio. Ah, se ela soubesse…
– Foi?
– A-hã. – Lola parece cansada, suas pálpebras demandam descanso.
– Sinto muito, então, Lola Love – digo, empurrando sua franja para as laterais da testa.
Ela sacode dramaticamente a cabeça, de um lado para o outro.
– Não se desculpe. Você é meu herói.
Dou risada, mas ela se senta em um movimento surpreendente e repentino para continuar:
– Estou falando sério. O que seria de mim agora sem você? – E aponta para Harlow: – Ela é
casada. – E aponta para Mia: – Ela também é casada.
Aparentemente em sintonia com a conversa, London se inclina para a frente:
– Eu não sou casada.
– Não – concorda Lola, oferecendo um sorriso enorme, embriagado, para a amiga. – Mas você
está sempre surfando. Ou trabalhando no bar. Ou ocupada rejeitando homens.
Joe assente e London dá um tapa de brincadeira em seu peito.
– Então, Oliver é meu herói – ela diz, virando-se de volta para mim. – Minha rocha, minha vara da
salvação. – Ela repuxa as sobrancelhas. – Vara da salvação?
– Tábua de salvação – sussurro.
– Isso! – ela diz. – Isso mesmo.
Lola baixa a voz e se aproxima. Chega tão perto que meu coração salta na garganta.
– Nunca me deixe – ela continua.
– Não deixarei – confirmo para ela. Caralho. Eu não conseguiria deixá-la. Quero evolvê-la em
meus braços e levá-la comigo, protegê-la de todas as pessoas hipócritas e gananciosas que ela está
prestes a conhecer.
– Não deixe – ela insiste, mantendo um dedo trêmulo, ameaçador e embriagado diante do meu
rosto.
Eu me aproximo, mordiscando a ponta daquele dedo, e seus olhos arregalam.
– Não vou deixá-la – digo. E porra, como eu quero me aproximar mais e mordiscar também seus
lábios.
Capítulo 3
Lola
Sou um zumbi antes do café, especialmente depois de uma noite de drinks e comemoração e sabe
Deus o que mais. Nem me lembro de ter vindo do bar para casa, então não acredito totalmente no que
meus olhos veem quando acordo às sete da manhã e encontro Oliver dormindo no meu sofá.
Ele está espalhado desajeitadamente, tão longo e angular. Um de seus pés se apoia no chão
enquanto o outro se dependura pela beirada do sofá. Sua blusa está erguida até as costelas, expondo
uma barriga reta, cortada por uma linha de pelos escuros. Com as pernas soltas, os braços de lado e
o pescoço em um ângulo que certamente vai causar dor quando ele acordar…
Ele está mesmo aqui, e está lindo.
Não é a primeira vez que vem parar em minha casa. O apartamento fica a poucas quadras da loja,
então demos uma chave a Oliver para o caso de ele precisar trazer uma de nós até aqui, consertar
uma torneira pingando ou fazer um sanduíche rápido durante uma pausa. Nos oito meses desde que o
conheci, ele dormiu aqui duas vezes: em uma delas, trabalhou até tão tarde antes da inauguração da
loja que mal conseguiu andar até nossa casa (menos ainda dirigir até a sua). Ele foi embora antes de
eu acordar. Em outra noite, saímos depois que ele fechou a loja e bebemos demais para operar
qualquer veículo em movimento. Mas, nessa segunda ocasião, estávamos em várias pessoas, com
corpos aleatórios espalhados em qualquer superfície onde coubessem.
London já se levantou e saiu – para surfar mais, provavelmente –, e eu jamais tive a alegria de
acordar e encontrá-lo aqui, sozinho. Admito que estou sendo muito intrusa, encarando-o enquanto ele
ainda dorme – e farei todos os esforços para me sentir mal por isso mais tarde. Mas, por enquanto, eu
simplesmente adoro vê-lo como a primeira imagem da minha manhã. Saboreio cada segundo.
Sei que é apenas uma questão de tempo antes que o estresse de Oliver por causa da abertura da
loja diminua e ele possa se concentrar em outras áreas da vida… Tipo namorar. Tipo Hard Rock
Allison. Só Deus sabe quantas garotas andam por aquela loja na esperança de o dono gostosão notar
sua presença. Não gosto da ideia, mas sei que em algum momento vai acontecer. A distração da
carreira também existe para mim e todas as viagens recentes me permitiram manter a cabeça enfiada
na areia sobre o quanto eu realmente gosto dele. E me permitiram ficar feliz tendo o que eu
conseguisse ter.
Porém, nas últimas semanas, mesmo com as coisas parecendo mais loucas do que nunca, emergi
dessa cerração. Tive que admitir para mim mesma que eu o desejava. E, ontem à noite, flertamos
mais do que nunca. A memória faz brotar uma batida oscilante e ansiosa em meu peito.
Quando nos conhecemos em Vegas, ele estava lindo e se mostrou interessante e tinha o sotaque
mais sensual que já ouvi, mas eu não o conhecia. Ele não me quis? Não tem problema nenhum nisso.
Mas passar tempo o com ele – quase todo o meu tempo livre, se eu for sincera – e tê-lo como um
acessório na minha vida fez o pequeno tormento do desejo se transformar em uma dor muito dolorida.
Agora eu o conheço, mas não conheço seu coração. Não desse jeito. E ultimamente… Ultimamente eu
quero conhecer. Quero dizer a ele: “Apenas me dê uma semana. Uma semana de você e dos seus
lábios e da sua risada na minha cama. Só uma semana e aí tudo vai ficar bem”.
É mentira, obviamente. Mesmo sem jamais tê-lo beijado – além do selinho rápido em nosso
casamento fake –, sei que eu ficaria pior se o tivesse por uma semana e depois o perdesse. Meu
coração ficaria deformado, mais ou menos como um suéter de lã que é colocado em um corpo grande
demais e fica disforme até deixar de servir. Mas vai saber… Talvez eu seja e tenha sido disforme
para Oliver desde o início. Mas, diferentemente de todos os outros namorados que tive – algumas
semanas aqui, um mês acolá –, Oliver parece nunca tocar nos pontos sensíveis ou precisar conhecer
todos os detalhes. Em vez disso, ele coleta meus detalhes conforme eles são oferecidos.
Talvez por isso ele continue tão próximo de mim. Ainda não tive a chance de arruinar tudo ao me
calar justamente quando a intimidade é necessária.
Na nossa primeira noite, enquanto nossos amigos quebravam a cama do hotel em Vegas com sua
libido, Oliver e eu caminhamos pela Strip conversando sobre trabalho. Sobre escrever e ilustrar,
sobre como a mulher é retratada nos quadrinhos, sobre os livros que estávamos lendo naquela época.
Falamos vagamente sobre Razor Fish, sobre sua loja… A essa altura, eu nem sabia que ele se
mudaria para San Diego.
Era tão simples estar com ele, como saborear rapidamente algo delicioso que quero continuar
comendo até explodir. Em algum ponto da parte final do caos da Strip, tornei-me corajosa o
suficiente a ponto de pará-lo de repente e, com uma mão atrevida em seu braço, virá-lo para me
encarar.
– Nossos quartos devem estar sendo usados – comecei, observando seu queixo antes de forçar
meus olhos na direção de seus olhos.
E ele sorriu, e foi quando percebi como seus dentes são perfeitos – brancos e regulares, com
caninos tão afiados a ponto de fazê-lo parecer um lobo. E como seus lábios são suaves, como seus
olhos são azuis atrás dos óculos.
– Provavelmente.
– Mas nós poderíamos… – desviei, piscando e olhando para o lado.
Ele esperou, me observando, seus olhos jamais entregando que ele sabia exatamente o que eu
estava prestes a dizer.
Olhei novamente para o seu rosto enquanto reunia minha coragem: – Poderíamos arrumar um
quarto para passar a noite, se você quiser. Juntos.
A expressão dele continuou exatamente a mesma – a fisionomia inexpressiva incrível de Oliver
ostentava aquele sorriso gentil, aquele olhar suave, sem julgamentos. E ele muito educadamente
rejeitou.
Fiquei envergonhada, mas por fim superei. E nunca mais falamos sobre o assunto.
Depois, quando descobri que ele tinha se mudado para cá e que tínhamos em comum não apenas
amigos, mas também essa paixão pelos quadrinhos, passamos a nos ver o tempo todo, e o desconforto
daquela rejeição se desfez. Em seu lugar, surgiu uma espécie de amizade perfeita. Oliver não julga,
não zomba, não força. Não se importa com meus silêncios, quando tudo o que quero fazer é me lançar
sobre uma folha de papel e desenhar. Não se importa quando me empolgo com alguma coisa e
tagarelo por uma hora inteira. Oliver é sincero dessa forma fácil de lidar quando lhe mostro ideias
novas. Toca músicas estranhas para mim e me faz sentar e ouvir porque, mesmo se eu odiá-las, ele
quer que eu entenda por que ele gosta delas. Pode falar de tudo, de Veronica Mars a Gen13, da
National Public Radio até reparos em carros. Ou pode simplesmente não falar de nada, o que também
adoro. Ele sabe ouvir, é divertido, é gentil. É uma pessoa única e essa confiança simples é apenas
parte do que o torna irresistível. O fato de ele ser alto, lindo e ter o mais perfeito dos sorrisos
também não atrapalha.
Dois meses depois do nosso casamento e de sua anulação, levei-o para conhecer meu pai, Greg.
Naquela noite, em algum momento durante o churrasco de frango e um saco de chips com salsa – e
enquanto eu estava no quintal tentando capturar o pôr do sol com minhas tintas a óleo –, Oliver ouviu
o resto da minha história.
Meu pai chegou de sua terceira viagem ao Afeganistão quando eu tinha doze anos, e ele estava
arrasado: foi transformado de um enfermeiro de triagem celebrado em um honrável veterano
dispensado, incapaz de dormir e escondendo OxyContin na cozinha. Minha mãe não conseguiu aceitar
aquilo e não demorou um mês para ir embora no meio da noite, sem se importar em oferecer algo tão
formal quanto um adeus. A nenhum de nós.
Tentei reunir os cacos de meu pai, meu pai tentou reunir os meus cacos e empurramos a vida assim
por alguns anos, até percebermos que cada um tinha de recolher seus próprios cacos. Não foi bom,
mas as coisas melhoraram, e minha relação com meu pai é uma das coisas que mais celebro na vida.
Conto a ele todos os mesmo pensamentos, mesmo os mais insignificantes. É isso que me permite
mantê-los dentro da cabeça o restante do tempo. Preferiria perder o sol a perdê-lo.
Jamais soube o que exatamente meu pai disse a Oliver, mas, depois daquela noite, em vez de
perguntar qualquer coisa, Oliver simplesmente deixou o assunto de lado. Pequenos detalhes surgiam
em conversas – informações que até agora eu só havia debatido com Harlow e Mia –, demonstrando-
me que ele sabia mais do que eu havia lhe contato.
Mia e Harlow já faziam parte da minha vida quando tudo aconteceu, então não tive que contar tudo
a elas em uma única sentada. Mas se havia alguém a mais que eu queria que me conhecesse tão bem,
esse alguém era Oliver. Depois de algumas cervejas, quase um mês atrás, finalmente perguntei:
– E então, quanto da minha história e da minha origem meu pai contou a você?
Ele parou enquanto levava a garrafa de cerveja aos lábios e lentamente apoiou a garrafa de volta
sobre a mesa.
– Ele me contou a versão dele. De quando você era criança até agora.
– Você quer ouvir a minha versão?
Oliver virou-se para mim e assentiu.
– É claro que sim. Um dia. Quando e da forma como acontecer.
Quase o beijei naquela noite, quase fui corajosa o suficiente. Porque quando lhe disse que eu
também queria ouvir sua história, ele pareceu tão grato, tão cheio do que para mim significava amor,
que foi a primeira e última vez que achei que ele estivesse tão envolvido quanto eu. E eu arruinei
tudo descendo o olhar outra vez para a mesa.
Quando ergui outra vez o olhar, o semblante inexpressivo havia se instalado outra vez e ele havia
mudado de assunto.
Estou pensando em tudo isso agora, enquanto o vejo dormir. Também desejo que ele acorde para
que eu possa moer um punhado de grãos de café. Mas meu telefone faz o serviço e começa a latir em
volume máximo sobre o balcão. Esse toque é a marca registrada de Benny.
– Alô? – atendo o mais rapidamente que posso, quase derrubando o aparelho.
Oliver ergue a cabeça rapidamente com o barulho; olha ferozmente em volta. Aceno da cozinha até
ele me ver e finalmente relaxar. Ele passa a mão no rosto e me olha daquele jeito transparente e
suave.
É a mesma forma como ele me olhou naquela noite, um mês atrás, no bar. Seus lábios ficam
entreabertos, os olhos arregalados para que consiga me ver mesmo sem o benefício dos óculos. Seu
sorriso é o sol saindo de trás de uma nuvem.
– E aí? – ele cumprimenta, sua voz ainda rouca e instável após o sono.
– Lola, é Benny – a voz vem pelo telefone. – Estou com Angela na linha.
– Ah? – murmuro, mantendo o olhar fixo ao rosto de Oliver.
Enquanto observo, aquele rosto passa de aliviado e feliz a ligeiramente confuso enquanto ele corre
o olhar pela sala.
Ele se senta e apoia os cotovelos nas coxas, levando a cabeça às mãos e gemendo:
– Porra! Minha cabeça!
Harlow certa vez disse que o jeito como alguém olha para você quando você é a primeira pessoa
que ele vê de manhã é a melhor forma de avaliar como ele se sente. Pisco os olhos para o balcão e
arrasto uma unha entre dois azulejos para tentar não interpretar as primeiras expressões matinais de
Oliver.
– Sei que é cedo, me desculpe – diz Angela. – Você está bem?
– Ainda não tomei café – admito. – Ainda não estou nada.
Oliver ergue o olhar e, ainda no sofá, dá risada. Angela lança um riso menos genuíno do outro lado
da linha. Coloco no viva-voz para ele também ouvir.
– Bem – continua Angela. – Ontem foi um grande dia e o comunicado à imprensa será divulgado
hoje.
– Você precisa que eu faça algo? – pergunto.
– Nada. Apenas esteja preparada – ela diz. – Hoje você não precisa responder nada. Esse é o
nosso trabalho. Podemos enviar algumas informações das mídias sociais para serem usadas depois.
Agendaremos algumas entrevistas. Só preciso que você esteja ciente do que isso significa.
Oliver me observa da sala de estar. Seus olhos estão dramaticamente arregalados.
– Está bem…? – respondo, sorrindo apenas por ele estar aqui e vendo tudo isso em primeira mão.
Angela parece extremamente séria agora. Sinto que preciso de uma testemunha.
– Isso significa que você será reconhecida.
Brincando, Oliver faz uma expressão de escandalizado e eu tenho que engolir o riso. O livro já
está no top 3 de melhores quadrinhos da lista do New York Times há dez semanas e minha vida nem
mudou tanto assim, exceto por eu estar viajando mais para sessões de autógrafos e algumas
convenções. Claramente nós dois duvidamos de que nosso bairro vai se tornar o marco zero dos
paparazzi.
– Isso significa que você será fotografada e seguida – continua Angela. – Quer dizer que vão fazer
a mesma pergunta cem vezes e você vai ter que transmitir a impressão, toda vez, de que é a primeira
vez que responde àquele questionamento. Significa que você não pode controlar o que é escrito a seu
respeito. Fui clara?
Faço que sim com a cabeça, presa ao olhar bem-humorado de Oliver, mas eles não conseguem me
ver, então me forço a dizer:
– Sim.
– Você vai se sair bem – diz Benny com sua voz tranquilizadora. – Isso é fantástico, Lola.
– É, sim – concordo em um gemido.
Sei que Harlow jamais entenderia essa minha inclinação, mas só quero me esconder na caverna
onde escrevo até tudo chegar ao fim e eu poder ir ver o filme usando peruca e óculos de sol.
Eu estou bem. Eu estou bem.
– Que bom – diz Angela. – As informações devem aparecer na Variety em menos de uma hora.
Aproveite o momento, Lola. Ele é todo seu.
Percebo que a ligação está prestes a terminar, mas ouço a pancada familiar da temida porta de
vidro aos fundos e uma voz masculina abafada gritando:
– Puta que pariu!
Angela limpa a garganta.
– Ah, parece que Austin quer dizer alguma coisa.
– Tudo bem – concordo.
Oliver se levantou do sofá e agora entra na cozinha.
– Lola! – grita Austin.
E fico feliz por estar no viva-voz; caso contrário, eu teria ficado surda.
– Bom dia – digo, estendendo a mão para apertar o nariz de Oliver e afastar sua atenção, já que ele
está olhando severamente para o telefone.
– Ouça, tenho uma reunião em cinco minutos – diz Austin. – Então eu só queria dizer oi, mas ontem
à noite estive pensando: e se Razor não fosse de um time loop paralelo, e sim de outro planeta?
Pisco os olhos e meu cérebro começa a derreter.
Os olhos de Oliver se arregalam e ele murmura:
– Que porra é essa?
– Desculpa – digo, sacudindo a cabeça para limpá-la. Pensei que Austin realmente tivesse se
identificado com o livro. – Um alienígena? Tipo, de Marte?
– Bem, os detalhes podem ser decididos mais adiante – diz Austin casualmente. – Só acho que o
público americano teria mais facilidade de entender alienígenas do que a ideia de vários time loops
paralelos.
– Mas o Doctor Who funciona – é tudo que consigo pensar e dizer.
– Isso é na BBC.
– Então os ingleses são mais inteligentes?
Ele dá risada, achando que estou sendo retórica.
– Certo? Bem, apenas pense no assunto. Acho que seria uma mudança que podemos fazer e que não
vai influenciar muito a história, só torná-la mais acessível.
Concordo com a cabeça, mas então lembro que ele não consegue me ver.
– Está bem. Pensarei no assunto.
– Ótimo! – ele gralha. – Falo com você mais tarde, Loles.
Meu telefone emite três bipes, indicando que o telefonema chegou ao fim. Cuidadosamente,
deslizo-o de volta sobre o balcão.
Oliver cruza os braços sobre o peito e se inclina.
– “Loles”?
Minhas sobrancelhas arqueiam até o teto.
– Vamos começar assim?
Ele dá risada, sacudindo lentamente a cabeça.
– Não sei se algum de nós quer começar com Marte.
Vou até a geladeira e pego um saco de grãos de café.
– Eu…
Dou meia-volta, despejando os grãos no moedor, e olho indefesa para ele enquanto ouço o barulho
do café caindo. Meu cérebro está derretido, meu coração afunda, meus pulmões parecem ter
desistido e simplesmente se desligado.
Desligando o moedor, falo:
– Nem sei o que dizer. Um marciano. Sério, um marciano. Isso não pode ser uma sugestão séria, ou
é? Quero dizer, Razor e todos os outros Bichir se desenvolveram, no quarto loop, dos mesmos
materiais terrenos que nós, mas… de forma diferente. Em um tempo alternativo, sob condições
diferentes. – Descanso as mãos na cabeça, tentando não entrar em pânico. – A razão de ser quem ele
é, é uma evolução alternativa. – Olho para os olhos azuis profundos dele. – Aqui, na Terra. O único
motivo que o leva inicialmente a se interessar por Quinn e pelo que ela está fazendo é o fato de a
Terra ser também o planeta dele. Só que em uma versão diferente.
Sei que Oliver sabe disso, mas falar em voz alta vai desatar alguns nós dentro de mim.
Ou isso, ou me lançar em uma espiral.
– Você pode rejeitar essa ideia, Lola – ele diz. – Da minha parte, não concordo quando Austin diz
que o enredo é complicado demais.
– Pensei que fôssemos discutir mudanças mais ligadas a nuances – exponho. – Como fazer Quinn
enfrentar apenas um agressor na primeira luta ou fazer Razor vir resgatá-la um pouco mais cedo com
Andemys.
Oliver encolhe os ombros, girando uma colher sobre o azulejo do balcão.
– É, eu também.
– E um comunicado à imprensa? – Sacudo a cabeça, derrubando os grãos moídos na cafeteira. –
Hoje vou passar o dia escondida na loja, se isso não for um problema para você.
– Acho que a loja seria o último lugar para se esconder, Lola Love.
Concordo com a cabeça, adorando a forma como ele pronuncia meu nome. Seus “os” são sempre
tão sinuosos, nada faz meu espírito se animar tanto quanto ouvir a voz dele.
– Está com fome?
Ele leva a mão abaixo da camiseta para coçar a barriga, e meu coração desce até os pés.
– Morrendo de fome – responde, dando de ombros.
Aponto para uma pilha de frutas em uma bandeja e pego o cereal sobre a geladeira. Rice Krispies,
porque sei que é o que ele quer. Oliver já está ao meu lado, na frente da geladeira, pegando o leite.
– Estou em um mundo onde as pessoas planejam postagens nas redes sociais – falo. – Talvez eu
devesse entrar para as redes sociais, não é?
Ele dá risada enquanto descasca uma banana.
– Deixe Joe cuidar do seu Twitter. Ele vai ser bom nisso.
Fico boquiaberta para ele.
– Joe postaria fotos de paus.
Oliver dá de ombros, como se quisesse dizer “foi exatamente o que eu falei”. Então, faz uma pausa
e me encara.
– O que foi? – pergunto.
– Nada. – Ele assente para a fruta em sua mão. – Só não sei para onde olhar enquanto como a
banana. Fiquei encabulado por um instante. Não queria ser sugestivo.
– Especialmente depois de falarmos sobre fotos do pau do Grosseirão.
Fazendo uma careta, Oliver coloca a banana sobre o balcão e prepara o cereal.
– Me passa uma faca?
Dou risada enquanto pego uma faca; ele vira os olhos. Toda vez que Oliver fala “faca”, não
consigo evitar. Ele tem todo um jeito de Paul Hogan.
– Você acha mesmo que as pessoas vão me reconhecer? – pergunto, roendo a unha.
Neste momento, não consigo encarar a ideia de Razor ser um alienígena de Marte; é estranhamente
mais fácil me concentrar no lado da publicidade de tudo isso.
Oliver olha para mim, estuda meu rosto. Sei o que está pensando quando seus olhos pousam no
piercing na minha boca: não sou exatamente uma desconhecida.
– Eles já não a reconhecem às vezes?
– Só os geeks. E só aconteceu duas vezes.
– Bem, agora acontecerá com mais pessoas. – Ele fala com uma calma enorme. Às vezes, sinto
vontade de colocá-lo em uma jaula com um leão e medir sua pressão arterial.
– Isso me faz querer vomitar, Oliver. Tipo, como se eu devesse carregar um balde comigo.
Ele nega com a cabeça, rindo.
– Qual é, Lola?! Você está sendo dramática. Costuma sempre ser elegante, por que acha que vai ser
tão difícil?
– Isso não é verdade – sussurro.
Ele olha para mim e sacode discretamente a cabeça.
– Às vezes, eu queria poder conhecê-la outra vez – anuncia enquanto corta a banana sobre o
cereal. – E prestar mais atenção.
Meu coração salta na garganta.
– O que você está querendo dizer com isso?
– Significa exatamente o que acabei de dizer. – Ele mexe as bananas na tigela. – Você é muito
incrível. Quero conhecê-la pela primeira vez outra vez. E quero que seja diferente, que seja apenas
nós dois nos divertindo desse jeito.
– Com Rice Krispies e café em vez da Strip de Vegas?
Ele arrasta os olhos na direção dos meus e então percebo – eu simplesmente sei – que ele está se
lembrando do meu pedido desajeitado de casamento. Observo enquanto ele busca as palavras certas.
– Só estou falando de uma situação na qual ninguém se sente pressionado a…
– Eu não o culpo pelo que fez naquela noite – afirmo. Preciso fazer aquele momento deixar de ser
infeliz. – Foi o jeito certo de agir.
Ele me olha nos olhos por mais um instante antes de sorrir ligeiramente, enterrando a colher na
tigela.
Apoio-me contra o balcão e tomo um gole do néctar dos deuses enquanto o vejo comer. De
algumas formas, ele tem o corpo de uma figura durona: tão alto, tão sarado, passos e braços fortes,
nada além de ângulos agudos. Mas também é forte. Há músculos marcados em seus bíceps, nos
ombros. Seu peito é largo, afinando em uma cintura reta. Eu poderia desenhá-lo, penso. Poderia
desenhá-lo e talvez até me surpreender com o que vejo.
– Em que você está pensando? – ele pergunta entre uma bocada e outra de cereal. – Está me
olhando como se se sentisse surpresa por eu ter braços.
– Estava pensando em como seria o resultado se eu o desenhasse.
Sinto meus olhos arregalarem. Eu definitivamente não queria dizer isso em voz alta, nós dois
sabemos. Oliver ficou paralisado. Tão paralisado quanto o sangue em minhas veias. Ele me olha
como se esperasse que eu elaborasse, mas não consigo. Alguma coisa entra em pane em meu cérebro
quando estou nervosa, algumas portas se fecham.
Minutos se passam e só consigo ouvir meu próprio coração batendo e o som de Oliver comendo. O
silêncio não é estranho para nós, mas dessa vez ele parece muito pesado.
– Bem, você quer?
Pisco os olhos para ele.
– Se eu quero o quê?
Ele pega mais uma colherada de Rice Krispies, mastiga e engole.
– Me desenhar.
Meu coração infla
infla
infla
explode.
– Não tem nada de mais nisso, Lola. Você é artista. E eu sei que sou uma espécie de semideus. –
Ele pisca com um olho antes de pegar mais uma colherada do cereal com leite.
Se eu quero desenhá-lo? E como quero! E enquanto conversamos. Faço isso o tempo todo. Mas em
geral uso a memória, ou pelo menos faço isso quando ele não sabe que estou desenhando. A ideia de
ter acesso ilimitado àquele rosto, àquelas mãos, àqueles braços musculosos e ombros largos…
– Tudo bem – digo em um chiado.
Ele me encara, arqueando ligeiramente a sobrancelha de modo a dizer “e então?”. Antes que eu
possa pensar duas vezes, já estou correndo para o quarto e procurando em minha mesa um bloco de
desenho maior e carvões. Consigo ouvi-lo na cozinha, colocando a tigela na pia, abrindo a torneira
para lavá-la.
Minha mente é um liquidificador: os pensamentos coerentes são liquidificados e mortos. Não tenho
ideia do que estou fazendo agora, mas, se Oliver quer que eu o desenhe… Ah, porra! Vou encher esse
maldito caderno com esboços.
Correndo de volta para a sala de estar, quase escorrego no chão de madeira, mas consigo me
agarrar à parede justamente no momento certo para ver Oliver de costas para mim, olhando para as
enormes janelas do apartamento. Ele leva a mão até a nuca e tira a camiseta.
Ah.
Ah.
– Ah – gemo.
Ele dá meia-volta e olha para mim, a timidez se espalhando por seu rosto.
– Não era para fazer isso? Ah, Deus, não era para fazer isso. Só vamos fazer o rosto e tal, não é? –
Segurando a camiseta junto ao corpo, ele diz: – Porra!
– Tudo bem – consigo pronunciar enquanto olho para o lápis na mão, como se inspecionasse a
qualidade da ponta fina. Estou olhando para a ponta com tanto afinco que poderia quebrá-la apenas
com a força dos meus olhos. Oliver está sem camisa. Na minha sala de estar. – Está ótimo – continuo.
– Quero dizer, é muito bom desenhá-lo sem camisa porque assim posso me concentrar mais nos
detalhes dos músculos e nos cabelos e nos mami… – limpo a garganta. – Em algumas coisas.
Ele solta a camiseta, ainda me olhando para ver se estou bem.
– Está certo.
Sento-me no sofá, olhando para onde ele está, perto da janela. Oliver analisa a paisagem,
completamente à vontade. Em contraste, meu coração cava um caminho para sair do meu corpo,
passando pela garganta. Passo mais tempo do que deveria em seu peito, na geometria: mamilos
pequenos, perfeitamente arredondados. Um mapa de músculos criado com quadrados, retângulos,
linhas e ângulos agudos. A inclinação triangular onde o osso do quadril se encontra com músculos.
Sinto-o me observando enquanto desenho os pelos mais abaixo, próximos ao umbigo.
– Quer que eu tire a calça?
– Sim – respondo antes de pensar e gritar rapidamente: – Não! Não… Meu Deus. Ah, meu Deus,
está tudo bem assim.
Meu coração não poderia bater mais forte.
Metade de sua boca forma um sorriso incerto; a outra metade, uma linha reta. Quero passar um ano
desenhando a forma exata de seus lábios neste momento.
– Eu não me importo – ele diz discretamente.
O diabo em meu ombro me diz: Vá em frente. Vá em frente. Seu estilo geométrico nunca funciona
para desenhar pernas. Isso ajudaria.
O anjo em meu outro ombro apenas dá de ombros e desvia o olhar.
– Se você se sentir bem assim – digo antes de limpar a garganta para explicar: – Você sabe que eu
não sou muito boa para desenhar pernas e…
Ele já está desabotoando a calça, passando as mãos pelo jeans leve, abrindo os botões um de cada
vez.
Para nossa amizade, seria bom se eu desviasse o olhar. Mas não consigo.
– Lola?
Com um esforço hercúleo, arrasto meus olhos até seu rosto.
– Sim?
Ele não diz mais nada, mas mantém o olhar preso ao meu enquanto baixa a calça e a chuta para o
lado.
– Sim? – repito. Minha respiração está ofegante demais. Deve ser perceptível.
Isso é algo totalmente diferente. Alguma coisa está acontecendo esta manhã, alguma coisa que não
o habitual Oliver + Lola. Sinto que estamos passando pela porta que dá acesso ao País das
Maravilhas.
– Onde você me quer?
– Quero você…?
– Que eu fique.
– Ah… – Limpo a garganta. – Ali está bom.
– Não estou na contraluz?
Ele está, mas não confio em mim mesma para direcioná-lo agora.
– Eu não me importo em sentar… – ele começa.
– Talvez você pudesse apenas se deitar ou… – paro abruptamente quando começo a processar suas
palavras. Puta que pariu! – Ou sentar-se. Sentado fica bom. Quero dizer, como preferir.
Ele lança um sorriso misterioso para mim e vai até o tapete no meio da sala, deitando-se em um
raio de sol gigante.
O painel mostra a garota, olhando para o rapaz, a pele dela coberta em chamas ferozes e azuis.
Oliver leva as mãos atrás da cabeça, cruza as pernas e fecha os olhos.
Pau.
PAU.
Isso é tudo que consigo ver.
Está ali, debaixo da cueca boxer, semiereto, claramente não circuncidado, seguindo a linha de seu
quadril. Meu Deus, é grosso! E se crescer mais do que aquilo, Oliver deve ser capaz de arrancar os
dentes de uma mulher enquanto a fode.
Inclino a cabeça, minha mão paira sobre o papel. Por que ele está semiereto? É algo que acontece
com os homens quando estão sendo desenhados? Provavelmente. E é bom ou constrangedor?
Para Oliver, obviamente é bom, pois ele olha para aquilo. Quero dizer, para ele. Olha para ele.
– Lola? Tudo bem com você?
Já entendi. Ele ouviu que não estou desenhando. Sento-me no sofá e começo a esboçar
furiosamente cada detalhe de seu corpo: os pelos em suas pernas, os músculos saltados de suas
coxas, os sulcos profundos ao lado do quadril, e sim, até mesmo a forma dele sob a cueca.
Vou virando dezenas de páginas, decidida a registrar cada detalhe para colorir mais tarde. Minhas
mãos estão sujas de carvão, meus dedos doloridos pela velocidade e intensidade do trabalho.
– Fique de barriga para baixo – peço.
Ele segue a instrução e posso ver seu quadril flexionando, vejo-o pressionando o mastro duro
contra o tapete: uma enfiada inconsciente.
Todos os músculos do meu corpo se contorcem em resposta: um desejo lançado ao universo.
Percebo a longa cicatriz descendo pela lateral esquerda de seu corpo, passando por sobre algumas
costelas.
– Do que é essa cicatriz?
– Caí durante a primeira viagem de bicicleta – ele murmura, referindo-se ao seu envolvimento com
o movimento Bike and Build, no qual conheceu Ansel e Finn quando eles atravessaram os Estados
Unidos de bicicleta, construindo casas para pessoas com necessidades pelo caminho.
A cicatriz é enorme – meia polegada de espessura, talvez dez centímetros de extensão – e me
pergunto quanto tempo Oliver ficou impedido de andar de bicicleta depois daquilo.
– Eu não sabia que você tinha sofrido um acidente naquela viagem. O que você fez para seguir
pedalando e construindo casas?
Ele dá de ombros, ajustando a cabeça nos braços, e fico impressionada com como se sente à
vontade.
– Levei alguns pontos, talvez tenha precisado de uns dois dias para me recuperar. Não foi nada
sério… É só a aparência que é ruim.
Sussurro alguma coisa enquanto o ouço falar sobre a viagem de bicicleta e me esforço para
retratar a curvatura musculosa de sua panturrilha, o arco do pé, o osso protuberante do tornozelo.
– Camberra é plana – ele conta. – Íamos de bicicleta para todo canto. É a cidade perfeita para
isso. As ciclovias são boas, as ruas também. Andávamos de bicicleta o tempo todo, mas meus
colegas e eu éramos idiotas, então também caí muito.
Adoro sua voz e me perco nela enquanto conto as vértebras de sua coluna, a forma como seus
cabelos formam ondas sobre a orelha, a sombra escura da barba por fazer em seu queixo. Uma coisa
é ver tudo isso; outra coisa, completamente diferente, é me imaginar tocando em tudo isso, conhecê-
lo tão bem com as mãos quanto conheço agora com os olhos.
Tenho o equivalente às fantasias de toda uma vida nessas páginas e estou convencida de que
Oliver acaba de me ajudar a criar os quadrinhos mais sensuais do mundo.
Suspirando, passo as costas da mão pela testa.
– Acho que está bom.
Oliver rola o corpo para o lado, apoiando-se no cotovelo. Sério, é um absurdo! No tapete branco,
com a cueca boxer azul, parece que ele está posando para a Playgirl.
– Que horas são? – ele pergunta.
Olho para o pau… quer dizer, para os ponteiros do relógio.
– Oito e quinze.
– Preciso dar o fora daqui.
Ele se alonga: os músculos estremecem, os punhos se fecham, a cabeça cai aliviada para trás.
Depois de um gemido enorme e feliz, Oliver pergunta:
– Você vai me mostrar o que fez?
– Sem chance.
– É um tanto pornográfico, então?
Dou risada.
– Você estava de cueca.
– Isso é um sim? Agora quero mesmo ver o que você desenhou.
– E verá – garanto. – Em algum momento. Quero ser um pouco mais atrevida no próximo projeto. –
Abaixo a cabeça, ajeito os cabelos atrás da orelha. – Você me deu algumas ideias. Obrigada.
A situação agora é desconfortável? Não parece desconfortável, mas talvez eu seja péssima para
ler esse tipo de coisa. Tudo pareceu muito tranquilo. Parece tranquilo.
Ele fica em pé, encontra a calça jeans e começa a vesti-la outra vez. Começo a dar adeus ao mais
perfeito pau semiereto que já vi.
– Só estou ajudando uma amiga – ele murmura. – Como deve ser.
– Obrigada – agradeço outra vez.
– Espero que pelo menos eu a tenha distraído um pouco.
Olho nos olhos de Oliver quando a cabeça reaparece enquanto ele veste a camiseta.
– Me distraído de quê?
Ele dá risada e se aproxima o suficiente a ponto de conseguir estender a mão e bagunçar meus
cabelos.
– A gente se vê mais tarde, Lola Love.
Ele sai do apartamento e segue para sua loja antes de eu me lembrar do Razor Marciano e que o
artigo da Variety foi postado em algum momento da última hora.
Harlow joga a bolsa no banco e desliza para se sentar à minha frente na cabine.
– Desculpa pelo atraso.
– Não se preocupe. Pedi sua salada caesar com salmão. – Olho para a entrada do restaurante. –
Finn não veio? Pensei que ele chegasse ontem à noite.
– Ele precisou passar a semana fora. Aconteceu alguma coisa com a caixa de fusíveis ou o painel
de controle e… – Harlow finge dormir com os braços sobre a mesa.
– Eu nunca sei onde ele está – murmuro contra meu copo de água.
– Ele é um problema. Quando eu estou assim… – Ela aponta para os cabelos e a maquiagem
perfeitamente arrumados. – Ele não está. Se Finn estivesse aqui hoje de manhã, eu me sentiria
cansada demais para…
– Já entendi.
Adoro minha amiga, mas ela é a Rainha dos Detalhes.
– E então, o que aconteceu com vocês depois que deixei o Hennessey’s ontem à noite? Não sei
quem estava dando em cima de quem ontem.
Inclino o corpo para fora do caminho quando a garçonete entrega nossos pratos e a agradeço.
– Não lembro como chegamos ao apartamento, mas Oliver dormiu lá – respondo assim que a
garçonete se distancia.
Não estou olhando para Harlow quando digo isso, então assusto ao ouvi-la bater a mão na mesa, já
quase em pé.
– Ele o quê?
Alguns clientes já estão nos encarando, então sussurro:
– Ele dormiu na porra do sofá. E dá para colocar o seu rabo de volta na cadeira?
Ela abaixa o rosto e se senta.
– Santo Deus! Não faça isso comigo!
– Fazer o quê? – pergunto. – Estamos falando do Oliver.
Ela bufa:
– Exatamente!
Tento ler sua expressão, mas ela melhorou em ficar de boca fechada desde que começou o
relacionamento com Finn. E, muito embora eu saiba que ela está pensando em alguma coisa, seus
pensamentos não estão estampados no rosto.
– Certo. Tudo bem quanto a isso… – começo a dizer.
Harlow se inclina para a frente e mantém as mãos unidas, antebraços descansando sobre a mesa,
as sobrancelhas ruivas perfeitamente esculpidas erguidas, demonstrando interesse.
Penso sobre quanto devo contar a ela. Não tenho ideia de como anda a vida amorosa de Oliver e
pode ser que ele vá muito bem, obrigada, sem mim. Nós dois nos vemos quase todos os dias, mas não
nos vemos na maioria das noites. Pela quantidade de histórias que Finn e Ansel contam de Oliver no
passado – além de sua cara de nada invejável –, suspeito que ele ande muito mais ativo do que eu
por esses tempos, mas não fico sabendo das coisas. E, conforme já admiti, com o lançamento do
livro e as viagens e os eventos, namorar não é uma das minhas atividades principais há meses. O
casamento recente de Harlow e a mudança iminente de Ansel têm sido os assuntos mais comuns
quando as garotas se reúnem.
Portanto… Não falei nada de minha atração por Oliver a Harlow ou Mia. Oliver tem sido um lugar
agradável para meus pensamentos viajarem em momentos de estresse – é um bálsamo saber que tenho
alguém com quem conversar, que exista alguém que eu possa procurar e cujo estado emocional reflita
o meu quando a vida fica louca. Além disso, Harlow, Mia e eu nos conhecemos desde a escola
primária e, ao longo dos anos, descobri como Harlow se torna rapidamente obcecada. Oliver teve
uma chance em Vegas e não a aceitou. Não acredito que esteja interessado em complicar nossa
amizade agora, quando ela está claramente funcionando para nós dois. E não quero que Harlow se
sinta ressentida com Oliver se os sentimentos dele não forem recíprocos. O ponto forte de Harlow
também pode ser seu ponto fraco: é a pessoa mais ferozmente leal que conheço.
Meu Deus! Como as coisas ficam complicadas quando há um grupo de amigos envolvido!
De qualquer forma, com os livros publicados e menos viagens e a calma antes da tempestade na
forma de um filme, tenho um pouco de tempo livre… O que significa que Oliver, o indivíduo sensual,
ocupa mais e mais minha mente
e esta manhã eu o vi quase nu
e ele tem o corpo todo definido
e não é circuncidado
e paus não circuncidados são minha kriptonita
e já ouvi Finn e Ansel contarem, em meio a risadinhas, histórias sobre os talentos orais de Oliver
e puta que pariu!, eu estou ficando louca.
À minha frente, do outro lado da mesa, Harlow limpa a garganta, descendo pesadamente o garfo.
Ergo o olhar, afastando-me dos pensamentos inconscientes enquanto rabisco um guardanapo.
– Testando minha paciência, amiga? – ela diz.
Claramente preciso falar sobre o assunto… E Harlow entenderia minha hesitação – não
entenderia? –, afinal, ela esteve por perto durante cada um dos meus relacionamentos fracassados.
– Eu falei que Oliver passou a noite em casa ontem – recomeço. – Porque, afinal… eu o acho
muito atraente.
Harlow inclina-se ainda mais para perto, e a conheço bem o suficiente para saber que está
ensaiando um olhar.
– Até um maldito tatu acharia Oliver Lore muito atraente, Lola.
Encolho os ombros enquanto ela me encara como se quisesse ser uma furadeira para perfurar meus
pensamentos. Na verdade, recebo aquele olhar com muita frequência. Na verdade, ela não precisaria
ir muito longe; meus pensamentos estão expostos já na superfície. O problema é que a superfície é
sólida feito granito.
– Você acha que Oliver também acha você atraente? – ela pergunta em um tom sóbrio, ajeitando-se
no assento e perfurando uma folha de alface.
Dou de ombros.
– Acho que não. Quero dizer, aparentemente ele não se mostrou tão interessado em Vegas.
Ela murmura alguma coisa sobre tentar muito se intrometer e depois leva a garfada até a boca.
– Não precisa se intrometer em nada – digo, mas ela olha para o teto, evitando meu olhar. –
Harlow, o que há de errado com você? – Estendo a mão até o outro lado da mesa e a cutuco na testa.
– Eu só precisava expor isso, afinal, com você e Mia casadas, Oliver é mais ou menos como um
refúgio para mim, e você sabe que tenho um histórico terrível, muito terrível, com rapazes quando
eles se tornam…
Harlow desliza o olhar de volta para mim, engolindo a salada antes de dizer:
– Quando eles se tornam algo mais?
– Sim – respondo, cutucando um pedaço de aspargo. – Oliver e eu nos vemos quase todos os dias,
mas nunca falamos sobre ficar ou namorar. É estranho faltar esse assunto em nossa amizade, é algo
que nós dois parecemos evitar. Talvez haja um motivo para isso.
– Devo ligar para Finn? – ela diz para si mesma. – Eu deveria telefonar para Finn. Ele vai me
lembrar de ficar com a boca calada.
– Mas eu não quero que você fique de boca calada! Minha amizade com Oliver provavelmente é a
mais fácil da minha vida. – Ela ergue o olhar para mim, pisca os olhos, e eu dou risada. – Além de
você e Mia. Eu só… – Abaixo o garfo. – Você se lembra de quanto Brody me odiou por todo um ano
depois que terminamos?
Ela assente, dando risada.
– E vocês ficaram juntos por algo tipo… dois meses? Meu Deus, que cara louco.
Nego com a cabeça.
– Sei lá… Ele era um cara legal e éramos amigos há tanto tempo. Até hoje não sei o que realmente
aconteceu, mas a relação apenas… fracassou.
Sinto a atenção de Harlow voltar-se para mim e se dissipar quando ela olha para seu prato.
– E Jack – acrescento. – Também foi foda.
Harlow bufa.
– Harlow! Sério?
– Bem, para ser justa – ela diz –, você fodeu com ele, não?
– Quero dizer que o relacionamento foi foda – digo, sem graça enquanto ela dá risada. – Eu fodi a
situação. – Harlow engasga com um pedaço de alface. – Jesus Cristo, estou tentando dizer que fodi o
relacionamento. Eu sempre fodo as coisas. Ou eu digo a coisa errada, ou não digo a coisa certa; ou
estou ocupada demais, ou disponível demais… De uma forma ou de outra, é sempre assim. – Ela
está com a cabeça sobre os braços na mesa, os ombros tremendo em meio ao riso. Suspirando,
esfaqueio um pedaço de frango e murmuro: – Meu Deus, você só sabe causar!
Ela se força a se levantar e passa um dedo longo, com a unha perfeitamente arrumada, sob o olho.
– Só estou dizendo que você não é a mesma pessoa de quando tinha 18 ou 19 ou 20 anos. Você e
Oliver são bons amigos e também pessoas muito bonitas. Isso é tudo. Vou me calar agora.
– Eu o desenhei hoje de manhã – conto. – Harlow, ele tirou a camisa! – Os olhos dela cruzam com
os meus e eu sussurro: – Também tirou a calça.
– Ele tirou a roupa – ela diz com uma voz regular e descrente. – Oliver fez isso. No seu
apartamento.
– Sim! Eu o vi quase nu – relato. É inútil dizer a ela que ele claramente fez aquilo para me
distrair, afinal, ela iria querer saber por que e, para ser sincera, Harlow não sabe nada sobre meus
quadrinhos, exceto por gostar dos músculos que Razor oculta debaixo das escamas. – Quero dizer
que foi um pouco estranho, mas, ao mesmo tempo, não foi – continuo. – Ele é… Sim… Ele está em
forma, isso é tudo que tenho a dizer.
Harlow pressiona o punho contra a boca em um gesto dramático de contenção.
Inclinando-me para a frente, sussurro:
– Posso contar um segredo?
Minha melhor amiga olha para mim e seus olhos suavizam. Harlow finge ser feita de aço, mas não
é. É feita de marshmallow.
– Você pode me dizer qualquer coisa, queridinha.
Respiro fundo, preparando-me para admitir:
– Acho que… pode ser que eu goste de verdade de Oliver.
Ela cai na risada, descansando a testa nos dedos.
– Lola, às vezes você é tão sem noção que chega a doer.
Capítulo 4
Oliver
Deixo a casa de Lola depois do café da manhã e da nossa sessãozinha de arte. Ao deslizar a porta e
fechá-la, sinto que meu pau faz um alongamento reflexivo ao ar livre. A memória dela em seu pijama,
meias soltas e as pequenas manchas de carvão em sua testa e bochechas de quando ela distraidamente
afastava os cabelos do rosto… Tudo isso provoca um pouco meu cérebro. E estou exausto por ficar
concentrado em não ter uma ereção ao longo da última hora.
Não sei o que exatamente me fez fazer o que acabei de fazer. Eu a vi se esforçando para ficar
calma depois do telefonema. A ambição de Lola é forte e a única coisa que a detém de dominar todo
o planeta é o tanto que ela detesta sair de seu espaço criativo e aparecer diante do público. Além
disso, ela se dedica mais à mitologia de Razor Fish do que a qualquer outra coisa em sua vida, então
a ideia de mudar um detalhe tão fundamental da sua história… Bem, o colapso ficou claro abaixo da
superfície.
Então ali estava eu, deitado no chão, nu, exceto pela cueca, com os olhos de Lola deslizando por
meu corpo como pequenas chamas. Tudo que eu podia fazer era pensar em andar de bicicleta ou
contar dinheiro no caixa e definitivamente não pensar em Lola se levantando do sofá, aproximando-
se, e abrindo suas pernas longas e delgadas, apoiando seu peso sobre meu quadril.
O fato de seu apartamento ser tão próximo da loja é, ao mesmo tempo, uma bênção e uma
maldição. Nos primeiros dias, eu chegava ao trabalho antes do amanhecer e ficava até depois de as
luzes da rua se acenderem e todas as outras lojas estarem fechadas. Em algum momento depois da
inauguração, Lola me entregou uma cópia da chave e insistiu que eu seria bem-vindo se quisesse
ficar no apartamento. Houve muitas ocasiões em que teria sido muito mais prático ir ao apartamento
em vez de percorrer, de carro, todo o caminho até minha casa, em Pacific Beach. Mas, com Lola,
desde o primeiro dia a coisa toda foi uma ladeira escorregadia. Um sorrisinho quando ela entra na
loja leva a um sorriso incontrolável quando descubro que a verei novamente mais tarde no Regal
Beagle. Um olhar mais demorado leva a uma observação imediata de sua pele macia, seus cabelos
negros brilhantes, suas curvas perfeitas. Se eu não for cuidadoso, ir à sua casa com muita frequência
tornaria isso um hábito, e não vou me satisfazer até estar com meu corpo sobre o dela, até passar toda
noite entre seus lençóis, entre suas coxas.
Desço pela escada metálica que leva à E Street e saio debaixo do sol forte de janeiro, inclinando a
cabeça para cima. Oxigênio, preciso de oxigênio. Alongo as costas, respirando profundamente várias
vezes.
Passo a maior parte do dia tentando me manter ocupado o suficiente para não pensar no que foi
acordar e vê-la logo como a primeira imagem da manhã: rosto suave e sem maquiagem, o minúsculo
diamante brilhando acima de seus lábios cheios e avermelhados. Lola tem uma pele perfeita; tenho a
fantasia de procurar uma única sarda ou cicatriz naquela pele. Em geral escovados e brilhosos, esta
manhã seus cabelos longos e negros estavam bagunçados e embaraçados de um lado, denunciando
para mim como exatamente ela dormiu. Seus olhos estavam pesados de sono e eu queria voltar no
tempo, pular em sua cama e beijar aquela boca calorosa e vermelha antes que ela acordasse, enterrar
meus dedos em seus cabelos suaves e espessos e rolar sobre ela.
Tive essa fantasia um milhão de vezes, de mil formas diferentes, mas toda vez dormimos nus. Às
vezes, eu dormi sobre ela; com frequência, ainda estou dentro dela. Às vezes, começamos os
movimentos outra vez antes de estarmos totalmente acordados e o que me acorda são os barulhinhos
que ela faz ao meu ouvido acompanhados por sua respiração aquecida. Às vezes, fazemos amor
quando o sol acaba de nascer – porque eu amo foder gostoso e devagar assim que acordo.
Deixando os sonhos que tenho acordado preencherem meus pensamentos, puxo uma pilha de livros
para fora de uma caixa e encontro um estilete para desmontar o papelão e enviá-lo para a reciclagem.
É um momento de silêncio na loja – Joe ainda não está aqui e a correria do horário do almoço ainda
não começou – e a imagem corre por meu cérebro como um disco riscado: o quadril de Lola se
movimentando enquanto eu entro, e ela está tão aquecida. Seus olhos estão presos aos meus – gratos
pela forma como eu a faço se sentir e um pouco convencidos por eu claramente estar tentando não
gozar antes que ela goze. Em minha imaginação, quando Lola me ama, ela nunca é tímida, nunca é
fechada. Posso ver a intensidade dentro de mim compensada em sua explosão.
É sempre assim, toda fantasia. Certa vez, pensei se era bobagem o fato de, em minha mente, eu
imaginar mais cenas transando com ela do que conversando com ela, mas, bêbado, confessei isso a
Ansel e ele, também bêbado, insistiu que fazia todo o sentido.
– Bem, devo dizer que eu poderia viver todo o meu casamento na cama, nu com Mia. Não tenho
nenhum escrúpulo em admitir isso.
– Justo – concordei.
– Mas, além disso… – ele continuou. – Você conversa com Lola o tempo todo. Vocês dois ficaram
tão próximos que quase têm uma língua secreta. O sexo entre vocês será uma espécie de experiência
espiritual. Tudo aquilo que você quer que ela diga, ela vai dizer sem usar palavras quando vocês
finalmente dormirem juntos.
Quando.
Sua confiança de que é apenas uma questão de tempo é, ao mesmo tempo, reconfortante e
enlouquecedora. Quero, mais do que qualquer coisa, acreditar nele, mas mesmo com meus avanços
em minha amizade com Lola – como esta manhã, por exemplo –, não tenho certeza.
De qualquer forma… deixá-la me desenhar é uma fantasia que jamais pensei que teria.
Aquilo pareceu mais escancarado do que o mais frágil dos beijos ou a mais profunda das fodas. Eu
só tive que me deitar ali e deixá-la olhar para mim. Estou me coçando para ver aqueles rascunhos,
para ver como ela isolou cada parte do meu corpo, quais partes – se é que tem alguma – ela desenhou
repetidas e repetidas vezes.
Eu sabia que ela estava desenhando minhas pernas quando esfregava o carvão fortemente no papel.
O barulho era mais discreto quando ela desenhava os detalhes do meu rosto, e era nesses momentos
Misterioso 3   serie selvagem irresistivel
Misterioso 3   serie selvagem irresistivel
Misterioso 3   serie selvagem irresistivel
Misterioso 3   serie selvagem irresistivel
Misterioso 3   serie selvagem irresistivel
Misterioso 3   serie selvagem irresistivel
Misterioso 3   serie selvagem irresistivel
Misterioso 3   serie selvagem irresistivel
Misterioso 3   serie selvagem irresistivel
Misterioso 3   serie selvagem irresistivel
Misterioso 3   serie selvagem irresistivel
Misterioso 3   serie selvagem irresistivel
Misterioso 3   serie selvagem irresistivel
Misterioso 3   serie selvagem irresistivel
Misterioso 3   serie selvagem irresistivel
Misterioso 3   serie selvagem irresistivel
Misterioso 3   serie selvagem irresistivel
Misterioso 3   serie selvagem irresistivel
Misterioso 3   serie selvagem irresistivel
Misterioso 3   serie selvagem irresistivel
Misterioso 3   serie selvagem irresistivel
Misterioso 3   serie selvagem irresistivel
Misterioso 3   serie selvagem irresistivel
Misterioso 3   serie selvagem irresistivel
Misterioso 3   serie selvagem irresistivel
Misterioso 3   serie selvagem irresistivel
Misterioso 3   serie selvagem irresistivel
Misterioso 3   serie selvagem irresistivel
Misterioso 3   serie selvagem irresistivel
Misterioso 3   serie selvagem irresistivel
Misterioso 3   serie selvagem irresistivel
Misterioso 3   serie selvagem irresistivel
Misterioso 3   serie selvagem irresistivel
Misterioso 3   serie selvagem irresistivel
Misterioso 3   serie selvagem irresistivel
Misterioso 3   serie selvagem irresistivel
Misterioso 3   serie selvagem irresistivel
Misterioso 3   serie selvagem irresistivel
Misterioso 3   serie selvagem irresistivel
Misterioso 3   serie selvagem irresistivel
Misterioso 3   serie selvagem irresistivel
Misterioso 3   serie selvagem irresistivel
Misterioso 3   serie selvagem irresistivel
Misterioso 3   serie selvagem irresistivel
Misterioso 3   serie selvagem irresistivel
Misterioso 3   serie selvagem irresistivel
Misterioso 3   serie selvagem irresistivel
Misterioso 3   serie selvagem irresistivel
Misterioso 3   serie selvagem irresistivel
Misterioso 3   serie selvagem irresistivel
Misterioso 3   serie selvagem irresistivel
Misterioso 3   serie selvagem irresistivel
Misterioso 3   serie selvagem irresistivel
Misterioso 3   serie selvagem irresistivel
Misterioso 3   serie selvagem irresistivel
Misterioso 3   serie selvagem irresistivel
Misterioso 3   serie selvagem irresistivel
Misterioso 3   serie selvagem irresistivel
Misterioso 3   serie selvagem irresistivel
Misterioso 3   serie selvagem irresistivel
Misterioso 3   serie selvagem irresistivel
Misterioso 3   serie selvagem irresistivel
Misterioso 3   serie selvagem irresistivel
Misterioso 3   serie selvagem irresistivel
Misterioso 3   serie selvagem irresistivel
Misterioso 3   serie selvagem irresistivel
Misterioso 3   serie selvagem irresistivel
Misterioso 3   serie selvagem irresistivel
Misterioso 3   serie selvagem irresistivel
Misterioso 3   serie selvagem irresistivel
Misterioso 3   serie selvagem irresistivel
Misterioso 3   serie selvagem irresistivel
Misterioso 3   serie selvagem irresistivel
Misterioso 3   serie selvagem irresistivel
Misterioso 3   serie selvagem irresistivel
Misterioso 3   serie selvagem irresistivel
Misterioso 3   serie selvagem irresistivel
Misterioso 3   serie selvagem irresistivel
Misterioso 3   serie selvagem irresistivel
Misterioso 3   serie selvagem irresistivel
Misterioso 3   serie selvagem irresistivel
Misterioso 3   serie selvagem irresistivel
Misterioso 3   serie selvagem irresistivel
Misterioso 3   serie selvagem irresistivel
Misterioso 3   serie selvagem irresistivel
Misterioso 3   serie selvagem irresistivel
Misterioso 3   serie selvagem irresistivel
Misterioso 3   serie selvagem irresistivel
Misterioso 3   serie selvagem irresistivel
Misterioso 3   serie selvagem irresistivel
Misterioso 3   serie selvagem irresistivel
Misterioso 3   serie selvagem irresistivel
Misterioso 3   serie selvagem irresistivel
Misterioso 3   serie selvagem irresistivel
Misterioso 3   serie selvagem irresistivel
Misterioso 3   serie selvagem irresistivel
Misterioso 3   serie selvagem irresistivel
Misterioso 3   serie selvagem irresistivel
Misterioso 3   serie selvagem irresistivel
Misterioso 3   serie selvagem irresistivel
Misterioso 3   serie selvagem irresistivel
Misterioso 3   serie selvagem irresistivel
Misterioso 3   serie selvagem irresistivel
Misterioso 3   serie selvagem irresistivel
Misterioso 3   serie selvagem irresistivel
Misterioso 3   serie selvagem irresistivel
Misterioso 3   serie selvagem irresistivel
Misterioso 3   serie selvagem irresistivel
Misterioso 3   serie selvagem irresistivel
Misterioso 3   serie selvagem irresistivel
Misterioso 3   serie selvagem irresistivel
Misterioso 3   serie selvagem irresistivel
Misterioso 3   serie selvagem irresistivel
Misterioso 3   serie selvagem irresistivel
Misterioso 3   serie selvagem irresistivel
Misterioso 3   serie selvagem irresistivel
Misterioso 3   serie selvagem irresistivel
Misterioso 3   serie selvagem irresistivel
Misterioso 3   serie selvagem irresistivel
Misterioso 3   serie selvagem irresistivel
Misterioso 3   serie selvagem irresistivel
Misterioso 3   serie selvagem irresistivel
Misterioso 3   serie selvagem irresistivel
Misterioso 3   serie selvagem irresistivel
Misterioso 3   serie selvagem irresistivel
Misterioso 3   serie selvagem irresistivel
Misterioso 3   serie selvagem irresistivel
Misterioso 3   serie selvagem irresistivel
Misterioso 3   serie selvagem irresistivel
Misterioso 3   serie selvagem irresistivel
Misterioso 3   serie selvagem irresistivel
Misterioso 3   serie selvagem irresistivel
Misterioso 3   serie selvagem irresistivel
Misterioso 3   serie selvagem irresistivel
Misterioso 3   serie selvagem irresistivel
Misterioso 3   serie selvagem irresistivel
Misterioso 3   serie selvagem irresistivel
Misterioso 3   serie selvagem irresistivel
Misterioso 3   serie selvagem irresistivel
Misterioso 3   serie selvagem irresistivel
Misterioso 3   serie selvagem irresistivel
Misterioso 3   serie selvagem irresistivel
Misterioso 3   serie selvagem irresistivel
Misterioso 3   serie selvagem irresistivel
Misterioso 3   serie selvagem irresistivel
Misterioso 3   serie selvagem irresistivel
Misterioso 3   serie selvagem irresistivel
Misterioso 3   serie selvagem irresistivel
Misterioso 3   serie selvagem irresistivel
Misterioso 3   serie selvagem irresistivel

Mais conteúdo relacionado

Mais procurados (18)

Dempeo ii quinta parte
Dempeo ii   quinta parteDempeo ii   quinta parte
Dempeo ii quinta parte
 
Dempeo ii segunda parte +1
Dempeo ii   segunda parte +1Dempeo ii   segunda parte +1
Dempeo ii segunda parte +1
 
Contos de terror
Contos de terrorContos de terror
Contos de terror
 
Um EspaçO, Uma EstóRia
Um EspaçO, Uma EstóRiaUm EspaçO, Uma EstóRia
Um EspaçO, Uma EstóRia
 
TARADOS - Livro erotico
TARADOS - Livro eroticoTARADOS - Livro erotico
TARADOS - Livro erotico
 
Dempeo
Dempeo Dempeo
Dempeo
 
O vôo 380
O vôo 380O vôo 380
O vôo 380
 
Perfeição - Capítulo 69 - PENÚLTIMO CAPÍTULO
Perfeição - Capítulo 69 - PENÚLTIMO CAPÍTULOPerfeição - Capítulo 69 - PENÚLTIMO CAPÍTULO
Perfeição - Capítulo 69 - PENÚLTIMO CAPÍTULO
 
Dempeo
Dempeo Dempeo
Dempeo
 
Arrasta me ao paraíso- no amor e na guerra 02 - m
Arrasta me ao paraíso- no amor e na guerra 02 - mArrasta me ao paraíso- no amor e na guerra 02 - m
Arrasta me ao paraíso- no amor e na guerra 02 - m
 
E book portrait_of_my_heart
E book portrait_of_my_heartE book portrait_of_my_heart
E book portrait_of_my_heart
 
Jane da pra todo mundo
Jane da pra todo mundoJane da pra todo mundo
Jane da pra todo mundo
 
Parte 2
Parte 2Parte 2
Parte 2
 
As mães de todos nós
As mães de todos nósAs mães de todos nós
As mães de todos nós
 
Desafio de C.J. Redwine
Desafio de C.J. RedwineDesafio de C.J. Redwine
Desafio de C.J. Redwine
 
Dempeo ii sexta parte
Dempeo ii   sexta parteDempeo ii   sexta parte
Dempeo ii sexta parte
 
Ultima gota pdf 99
Ultima gota pdf 99Ultima gota pdf 99
Ultima gota pdf 99
 
kinght
 kinght  kinght
kinght
 

Semelhante a Misterioso 3 serie selvagem irresistivel

O aprendiz de assassino robin hobb - vol i
O aprendiz de assassino   robin hobb - vol iO aprendiz de assassino   robin hobb - vol i
O aprendiz de assassino robin hobb - vol idantenero4
 
Bom de cama - jennifer weiner
Bom de cama - jennifer weinerBom de cama - jennifer weiner
Bom de cama - jennifer weinergisely Bit
 
Livro diário da nossa paixão
Livro   diário da nossa paixãoLivro   diário da nossa paixão
Livro diário da nossa paixãoJean Marcos
 
Despedida de solteira caleb - mila wander
Despedida de solteira   caleb - mila wanderDespedida de solteira   caleb - mila wander
Despedida de solteira caleb - mila wanderLudmila Moreira
 
Beautiful redemption-jamie-mcguire
Beautiful redemption-jamie-mcguireBeautiful redemption-jamie-mcguire
Beautiful redemption-jamie-mcguirelaryssa santos
 
"A Destinada" - Paula Ottoni (Cap. 1)
"A Destinada" - Paula Ottoni (Cap. 1)"A Destinada" - Paula Ottoni (Cap. 1)
"A Destinada" - Paula Ottoni (Cap. 1)paulaottoni
 
Obra literária "O caçador de palavras" de Walcyr Carrasco
Obra literária "O caçador de palavras" de Walcyr CarrascoObra literária "O caçador de palavras" de Walcyr Carrasco
Obra literária "O caçador de palavras" de Walcyr CarrascoIEE Wilcam
 
Vestígios do tempo
Vestígios do tempoVestígios do tempo
Vestígios do tempotiagosector
 
A corrente-da-vida-walcyr-carrasco-1pdf (1)
A corrente-da-vida-walcyr-carrasco-1pdf (1)A corrente-da-vida-walcyr-carrasco-1pdf (1)
A corrente-da-vida-walcyr-carrasco-1pdf (1)alessandracristina35
 
Umamorpararecordar trecho
Umamorpararecordar trechoUmamorpararecordar trecho
Umamorpararecordar trechoJosykanind
 
Brigite - Sexo, Amor & Crime
Brigite - Sexo, Amor & CrimeBrigite - Sexo, Amor & Crime
Brigite - Sexo, Amor & CrimeAngelo Tomasini
 

Semelhante a Misterioso 3 serie selvagem irresistivel (20)

O aprendiz de assassino robin hobb - vol i
O aprendiz de assassino   robin hobb - vol iO aprendiz de assassino   robin hobb - vol i
O aprendiz de assassino robin hobb - vol i
 
Bom de cama - jennifer weiner
Bom de cama - jennifer weinerBom de cama - jennifer weiner
Bom de cama - jennifer weiner
 
Noite profunda
Noite profundaNoite profunda
Noite profunda
 
Noite profunda
Noite profundaNoite profunda
Noite profunda
 
Livro diário da nossa paixão
Livro   diário da nossa paixãoLivro   diário da nossa paixão
Livro diário da nossa paixão
 
Despedida de solteira caleb - mila wander
Despedida de solteira   caleb - mila wanderDespedida de solteira   caleb - mila wander
Despedida de solteira caleb - mila wander
 
1ocap a verdade sobrenós
1ocap a verdade sobrenós1ocap a verdade sobrenós
1ocap a verdade sobrenós
 
Beautiful redemption-jamie-mcguire
Beautiful redemption-jamie-mcguireBeautiful redemption-jamie-mcguire
Beautiful redemption-jamie-mcguire
 
"A Destinada" - Paula Ottoni (Cap. 1)
"A Destinada" - Paula Ottoni (Cap. 1)"A Destinada" - Paula Ottoni (Cap. 1)
"A Destinada" - Paula Ottoni (Cap. 1)
 
Vinganças
VingançasVinganças
Vinganças
 
Obra literária "O caçador de palavras" de Walcyr Carrasco
Obra literária "O caçador de palavras" de Walcyr CarrascoObra literária "O caçador de palavras" de Walcyr Carrasco
Obra literária "O caçador de palavras" de Walcyr Carrasco
 
Vestígios do tempo
Vestígios do tempoVestígios do tempo
Vestígios do tempo
 
A corrente-da-vida-walcyr-carrasco-1pdf (1)
A corrente-da-vida-walcyr-carrasco-1pdf (1)A corrente-da-vida-walcyr-carrasco-1pdf (1)
A corrente-da-vida-walcyr-carrasco-1pdf (1)
 
Last sacrifice
Last sacrificeLast sacrifice
Last sacrifice
 
Umamorpararecordar trecho
Umamorpararecordar trechoUmamorpararecordar trecho
Umamorpararecordar trecho
 
Brigite - Sexo, Amor & Crime
Brigite - Sexo, Amor & CrimeBrigite - Sexo, Amor & Crime
Brigite - Sexo, Amor & Crime
 
GQ57_MOTYwalcyr
GQ57_MOTYwalcyrGQ57_MOTYwalcyr
GQ57_MOTYwalcyr
 
The Dead Zone
The Dead ZoneThe Dead Zone
The Dead Zone
 
Nas sombras
Nas sombrasNas sombras
Nas sombras
 
O elemento vital
O elemento vitalO elemento vital
O elemento vital
 

Misterioso 3 serie selvagem irresistivel

  • 1.
  • 3. CDD 813.6 Dark Wild Night Copyright © 2015 by Christina Hobbs and Lauren Billings All rights reserved, including the right to reproduce this book or portions thereof in any form whatsoever. Copyright © 2015 by Universo dos Livros Todos os direitos reservados e protegidos pela Lei 9.610 de 19/02/1998. Nenhuma parte deste livro, sem autorização prévia por escrito da editora, poderá ser reproduzida ou transmitida sejam quais forem os meios empregados: eletrônicos, mecânicos, fotográficos, gravação ou quaisquer outros. Diretor editorial: Luis Matos Editora-chefe: Marcia Batista Assistentes editoriais: Aline Graça, Letícia Nakamura e Rodolfo Santana Tradução: Maurício Tamboni Preparação: Guilherme Summa Revisão: Nestor Turano Jr. Arte e adaptação de capa: Francine C. Silva e Valdinei Gomes Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Angélica Ilacqua CRB-8/7057 L412m Lauren, Christina Misterioso / Christina Lauren ; tradução de Maurício Tamboni. – São Paulo : Universo dos Livros, 2015. (Selvagem Irresistível ; 3) 336 p. ISBN: 978-85-7930-941-0 Título original: Dark wild night 1. Literatura americana 2. Literatura erótica 3. Ficção I. Título II. Tamboni, Maurício 15-1177
  • 4. Universo dos Livros Editora Ltda. Rua do Bosque, 1589 – Bloco 2 – Conj. 603/606 CEP: 01136-001 – Barra Funda – São Paulo/SP Telefone/Fax: (11) 3392-3336 www.universodoslivros.com.br e-mail: editor@universodoslivros.com.br Siga-nos no Twitter: @univdoslivros
  • 5. A Eddie, nosso Superman
  • 6. Capítulo 1 Lola Desenho mentalmente o painel da cena à minha frente enquanto seguimos a recepcionista pelo corredor de mármore: ela usa sapatos pretos de salto 15, suas pernas são enormes e seu quadril se movimenta a cada passo. O quadril vai pra esquerda. O quadril vai pra direita. O quadril vai pra esquerda. Benny, meu agente, se aproxima e sussurra: – Não fique tensa. – Estou bem – minto. Mas, ajeitando o corpo, ele bufa em resposta: – O contrato já foi redigido, Lola. Você está aqui para assinar e não para impressionar ninguém. Sorria! Hoje é o dia da parte divertida. Concordo com a cabeça, tentando enganar meus pensamentos para que aceitem o que ele disse – Veja este escritório! Olhe para estas pessoas! Luzes fortes! Cidade grande! –, mas o esforço é em vão. Venho escrevendo e trabalhando nas ilustrações de Razor Fish desde que tinha 12 anos e, para mim, a parte divertida foi a criação da obra. A parte aterrorizante é andar por um corredor estéril, cercado por cubículos com paredes frontais de vidro e pôsteres de filmes em molduras finas, para assinar o contrato da adaptação para um filme. Meu estômago parece ter se instalado em algum ponto da traqueia, então retorno ao meu lugar seguro. O quadril vai pra direita. O quadril vai pra esquerda. As pernas dela parecem ir da terra até as nuvens. A recepcionista para diante da porta e a abre. – Chegamos. Os escritórios dos estúdios são quase obscenamente refinados; todo o prédio parece o equivalente moderno de um castelo. Todas as paredes são de alumínio escovado e mármore; todas as portas, de
  • 7. vidro. Cada peça da mobília é ou de mármore, ou de couro preto. Benny nos guia com confiança, atravessando a sala para trocar apertos de mão com executivos do outro lado da mesa. Eu o sigo, mas, quando solto a porta, ela bate com força e o barulho estridente do vidro encontrando-se abruptamente com o metal ecoa pela sala – um barulho quebrado apenas por duas arfadas assustadas vindas do outro lado da mesa. Puta que pariu! Já vi muitas fotos minhas em situações estressantes nos últimos três meses para saber que, neste exato momento, não pareço agitada. Não baixo a cabeça ou peço desculpas; não solto o corpo ou estremeço, muito embora eu esteja, assim que o barulho dissonante da porta cessa, com cem mil nós dentro de mim. Aparentemente sou muito boa em esconder esse tipo de coisa. O New York Times publicou uma crítica excelente de Razor Fish, mas me acusou de ser “indiferente” durante uma entrevista em que eu acreditava ter sido bem-humorada e envolvente. O Los Angeles Times descreveu nossa conversa por telefone como “uma série de pausas longas e pensativas seguidas por respostas lacônicas”. E eu tinha dito a meu amigo Oliver que estava preocupada por ter cansado os ouvidos do jornalista. Quando me viro para olhar para os executivos, não me surpreendo ao descobrir que eles parecem tão polidos quanto a arquitetura. Nenhuma das mulheres do outro lado da mesa diz nada sobre minha entrada nada sutil, mas juro que ouço o reverberar do bater da porta ecoando pela sala durante todo o tempo enquanto caminho até a mesa. Benny pisca com um olho e acena para que eu me sente. Encontro uma cadeira de couro macio, ajeito o vestido sobre as coxas e cuidadosamente me sento. Minhas mãos estão suando; meu coração, acelerado. Conto até vinte várias e várias vezes para não entrar em pânico. O painel mostra a garota de queixo erguido e com uma bola de fogo em seus pulmões. – Lorelei, é maravilhoso conhecê-la pessoalmente. Olho para a mulher que falou e aceito seu aperto de mão. Seus cabelos são loiros e sedosos, a maquiagem é perfeita, as roupas também. A expressão é perfeitamente inexistente. Com base na pesquisa que fiz no IMDb no início da manhã, posso afirmar que ela é Angela Marshall, a produtora executiva que, com Austin Adams, seu colaborador frequente, lutou para conseguir os direitos de Razor Fish na guerra de apostas que eu sequer sabia que estava acontecendo na semana passada. Mas, na foto, seus cabelos estavam ruivos. Meus olhos desviam para a mulher à sua esquerda, mas ela tem uma pele morena suave, cabelos negros e olhos castanhos enormes. Definitivamente não é Angela Marshall. A única pessoa que já vi várias vezes em revistas e fotografias é Austin, mas não há outro homem além de Benny na sala. – Por favor, me chame de Lola. É um prazer conhecê-la…? Deixo a pergunta no ar porque, em situações normais, acho que é neste momento que as pessoas dizem seus nomes. Em vez disso, porém, o aperto de mãos parece seguir eternamente e agora não sei a quem direcionar minha gratidão efusiva. Por que não estamos todos nos apresentando? Espera-se que eu sabia os nomes de todos aqui? Ao soltar minha mão, a mulher finalmente diz: – Angela Marshall. Sinto que aquilo foi uma espécie de teste. – É um prazer conhecê-la – digo outra vez. – Não consigo acreditar que… Meu pensamento termina aí e todos estão me olhando, esperando para ouvir o que tenho a dizer. Na verdade, eu poderia passar dias falando sobre todas as coisas nas quais não consigo acreditar.
  • 8. Não consigo acreditar que Razor Fish foi publicado. Não consigo acreditar que as pessoas estão comprando esse livro. E realmente não consigo acreditar que as pessoas refinadas que trabalham neste estúdio enorme vão transformar meus quadrinhos em filme. – Não conseguimos acreditar em nada disso. – Benny vem ao meu resgate, mas rio desajeitadamente. – Só estamos muito felizes por tudo isso estar acontecendo. Muito felizes. A mulher ao lado de Angela oferece um olhar que, na verdade, diz: “Ah, tenho certeza de que estão”. Afinal, todos nós sabemos que Benny se saiu muito bem no acordo: 20% de muito dinheiro. Mas perceber isso também me faz perceber outra coisa: eu me saí ainda melhor do que ele. Minha vida transformou-se para sempre com essa única transação. Estamos aqui para assinar um contrato, discutir o elenco, acertar o cronograma. O painel mostra a garota, acordando assustada enquanto uma barra de aço é enfiada em sua espinha dorsal. Estendo a mão para a outra mulher. – Oi. Perdão, mas não sei o seu nome. Sou Lola Castle. Ela se apresenta como Roya Lajani e olha para algumas páginas à sua frente enquanto respira fundo para começar uma conversa do tipo das que acontecem em momentos assim. Porém, antes que consiga começar a falar, a porta se abre e o homem que reconheço como sendo Austin Adams entra, deixando passar o barulho de telefones tocando, saltos batendo pelo corredor e vozes vindas das salas adjacentes. – Lola! – ele me diz com uma voz calorosa e alegre. Em seguida, estremece ao ouvir a porta bater. Olha para Ângela e diz: – Odeio a porra dessa porta! Quando Julie vai mandar consertá-la? Angela faz um gesto com a mão de modo a dizer “não se preocupe com isso” e assiste enquanto Austin ignora a cadeira ao seu lado e puxa outra à minha direita. Sentando-se, ele estuda meu rosto e sorri abertamente para mim. – Sou um grande fã! – diz sem mais preâmbulos, sem nem se apresentar. – Sério! Tenho uma admiração enorme por você. – Eu… Uau! – digo, rindo por dentro. – Obrigada! – Por favor, diga que você está trabalhando em algum material novo. Sou viciado na sua arte, nas suas histórias, em tudo. – Meu próximo graphic novel sai no outono. O título é Junebug. – Percebo Austin se aproximando animado. Instintivamente acrescento: – Ainda estou trabalhando na obra. Quando o olho outra vez, ele está sacudindo a cabeça para mim, maravilhado. – Isso é um sonho? – Seu olhar fica caloroso enquanto seu sorriso se suaviza. – Você já se deu conta de que é a mente por trás desse enorme filme de ação? Essa frase, esta situação – na qual me preocupo por saber que ouvirei muitos elogios vazios –, normalmente me fariam segurar a respiração para conter uma reação cética, mas, apesar de ser um grande produtor e diretor, Austin parecia tão sincero. Ele tinha boa aparência, mas andava desgrenhado: seus cabelos loiros avermelhados pareciam ter sido penteados com os dedos, sua barba não estava feita, ele usava calça jeans e uma camisa de botão desalinhada, deixando a bainha mais baixa do lado direito do que do lado esquerdo. O colarinho engomado estava torto para um lado. Austin é uma bagunça muito cara. – Obrigada – digo, unindo as mãos para não começar a esfregá-las na orelha ou nos cabelos. – Estou falando sério – ele acrescenta, apoiando os cotovelos nas coxas, ainda totalmente concentrado em mim. Não sei se ele percebeu que Benny está na sala. Os nós dos meus dedos estão
  • 9. pálidos. – Sei que é nosso papel dizer coisas assim, mas, neste caso, é mesmo verdade. Fiquei vidrado desde a primeira página, então disse a Angela e a Roya que precisávamos produzir esse material. – E nós concordamos – intromete-se Roya, desnecessariamente. – Bem – digo, esforçando-me para encontrar algo além de “obrigada” para dizer. – Que ótimo! Fico feliz que o livro aparentemente tenha conquistado um pequeno público. – Pequeno? – ele caçoa, recostando-se na cadeira e olhando para a camisa antes de dissimular: – Puta que pariu! Eu nem consigo me vestir! Puxo o lábio inferior para dentro da boca para segurar o riso que ameaça explodir por minha garganta. Toda a situação estava me deixando em uma espécie de pânico mudo, até ele entrar. Cresci fazendo compras na Goodwill, passamos alguns anos trocando cupons por comida e ainda dirijo um Chevy 1989. Sequer consigo processar como tudo isso vai mudar a minha vida e as Irmãs Stepford1 do outro lado da mesa só fazem a atmosfera da sala se tornar ainda mais estranha. Mas Austin parece ser alguém com quem consigo me imaginar trabalhando. – Sei que já perguntaram isso para você – ele diz. – Afinal, já li suas entrevistas. Mas quero ouvir diretamente de você, a versão verdadeira, com informações privilegiadas. O que a levou a começar a escrever esse livro? O que serviu realmente de inspiração? De fato, já haviam me perguntado aquilo antes. Aliás, tantas vezes que eu já tinha uma resposta padrão preparada: Adoro a heroína do dia a dia porque ela nos dá a oportunidade de enfrentar diretamente os complicados desequilíbrios sociais e políticos, na cultura popular e na arte. Criei Quinn Stone como uma garota comum, com o espírito de Clarisse Starling ou Sarah Connor: ela se torna uma heroína por esforço próprio. Quinn é encontrada por um homem estranho, que se parece com um peixe e que é de outra dimensão temporal. Essa criatura, Razor, a ajuda a encontrar a coragem necessária para lutar por si mesma e por sua comunidade. E, ao fazer isso, ele percebe que não quer deixá-la ir para casa, mesmo quando já pode fazer isso. A ideia me surgiu em um sonho no qual um homem grande, musculoso e coberto de escamas apareceu em meu quarto e me disse para arrumar meu armário. Passei o resto do dia me perguntando como seria se aquela criatura realmente aparecesse em meu quarto. Dei a ele o nome de Razor Fish. Acredito que meu Razor estaria pouco se fodendo para o meu armário bagunçado. Ele me diria para me levantar e ir lutar por alguma coisa. Mas não foi essa resposta que me veio à mente hoje. – Eu estava puta da vida – admito. – Achava que os adultos eram ou cuzões, ou uns filhos da puta. – Vejo os olhos de Austin se arregalarem um pouco antes de ele expirar e assentir sutilmente, compreendendo. Então, continuo: – Eu estava nervosa com meu pai por ele ser um perturbado e com minha mãe por ser tão covarde. Tenho certeza de que foi por isso que sonhei com Razor Fish: ele é grosseirão e nem sempre entende Quinn, mas, no fundo, ele a ama e quer que alguém cuide dela. Desenhá-lo e ver como num primeiro momento ele não entende o lado humano dela, mas depois a treina para lutar e depois quer ficar com ela… poder me permitir perder-me na história deles era um prazer ao qual eu me entregava depois de terminar de lavar as louças e fazer minhas tarefas quando eu estava sozinha à noite. A sala está silenciosa e sinto uma necessidade nada familiar de preencher esse espaço. – Gostei de ver Razor começar a apreciar as forças de Quinn que não são clássicas. Ela é magricela, é quieta. Não foi criada como uma amazona. Suas forças são mais sutis: ela sabe observar. Confia em si mesma, sem dúvida. Quero ter certeza de que isso será capturado no filme. Há muita violência e ação na história, mas Razor não tem nenhuma revelação sobre Quinn quando ela
  • 10. aprende a dar um soco. Ele tem uma revelação quando ela descobre como enfrentá-lo. Olho para Benny. Eu nunca tinha sido tão transparente sobre minha vida e meu livro e agora vejo a surpresa estampada em seu rosto. – Quantos anos você tinha quando sua mãe foi embora? – Austin quer saber. Ele age como se não houvesse mais ninguém conosco na sala. E é fácil fingir que não há, pois todos estão completamente paralisados. – Doze. Foi logo depois que meu pai voltou do Afeganistão. A sala parece engolida pelo silêncio depois que digo isso e Austin finalmente solta um suspiro. – Caramba, isso é uma merda! Finalmente dou risada. Ele se aproxima outra vez; seus olhos são insistentes quando ele diz: – Eu amo essa história, Lola. Adoro esses personagens. Temos um roteirista que vai fazer um trabalho fabuloso. Você conhece Langdon McAfee? Nego com a cabeça, constrangida porque a forma como ele fala faz parecer que eu devesse conhecê-lo. Mas Austin não dá muita importância a isso. – Ele é ótimo. Tranquilo, inteligente, organizado. Quer coescrever o roteiro com você. Fico boquiaberta com essa revelação inesperada – eu, coescrevendo um roteiro – e nada além de um barulho engasgado sai pela minha boca. Austin continua falando, mesmo com minha reação atordoada. – Quero conversar muito, está bem? – Ele já acena com a cabeça como que para me estimular. E prossegue: – Quero que o filme seja tudo o que você espera. – Ele inclina o corpo para a frente, sorri e diz: – Quero que você veja seu sonho se transformar em realidade. – Conte os detalhes outra vez para mim – pede Oliver. – Não sei se você estava falando em nosso idioma da primeira vez. Ele está certo. Eu mal conseguia tomar fôlego – menos ainda lembrar como articular as palavras – desde que entrei em sua loja de livros em quadrinhos, a Downtown Graffick, já balbuciando. Oliver observou enquanto eu entrava, seu doce sorriso lentamente se transformando em confusão enquanto eu cuspia mil palavras incoerentes e todas as minhas emoções pelo chão. Passei duas horas no caminho de volta de Los Angeles com meu pai ao telefone, esforçando-me para processar o restante da reunião. Não que isso importasse; afinal, aqui, contar tudo em voz alta a uma das minhas pessoas favoritas fazia tudo parecer surreal outra vez. Nos oito meses em que somos amigos, acho que Oliver nunca me viu assim: gaguejando e sem ar e quase chorando de tão exasperada. Eu me orgulho de ser estável e serena, mesmo com meus amigos, então estou tentando me recompor, mas, cacete, é difícil! Eles vão fazer um filme com as ideias da minha infância! – Está bem – recomeço, respirando profundamente e expirando lentamente. – Na semana passada, Benny telefonou e disse que talvez o livro virasse filme. – Pensei que ele tivesse enviado para análise…
  • 11. – Meses atrás – interrompi. – É verdade. Sempre existe um silêncio antes da explosão, imagino. Porque esta manhã, no caminho do escritório dele até o escritório do estúdio, ele me disse que a história foi vendida em um leilão insano… – Levo a mão à testa antes de continuar: – Estou suando. Olhe para mim, estou suando! Ele de fato olha, seu olhar suavizando enquanto ele ri. Então, sacode a cabeça e desliza novamente o olhar para a caixa que está abrindo. – É incrível, Lola! Continue. – A Columbia & Touchstone venceu – revelo. – Fomos até o escritório e conheci algumas pessoas hoje. – E aí? – Ele ergue o olhar na minha direção e puxa uma pilha de livros da caixa. – Eles causaram uma boa impressão? – Quero dizer… – Chego a bambear enquanto me lembro da sensação de ver Austin voltar sua atenção a todos na sala e a reunião se transformar em uma mistura de acrônimos e instruções ininteligíveis para “tomar nota da programação de Langdon para o início do roteiro” e “ver se conseguimos enviar um balanço para Mitchell antes do meio-dia”. Então prossigo: – Sim? Havia algumas pessoas muito quietas e duras lá, mas o produtor executivo, Austin Adams, é realmente gentil. Fiquei tão impressionada que não sei o quanto eu consegui processar. – Passei as duas mãos pelos cabelos e inclinei a cabeça na direção do teto. – Isso é tão louco! Um filme! – Um filme – repete Oliver e, quando olho para ele, vejo-o me observando com seus olhos azuis calorosos e misteriosos. Ele corre a língua pelos lábios e então preciso desviar o olhar. Oliver é tanto meu ex-marido quanto minha paixão atual, mas sempre será não correspondida; nosso casamento nunca foi um casamento de verdade. Foi “aquela coisa que fizemos em Vegas”. É claro que os outros dois casais que se casaram em Vegas – nossos amigos Mia e Ansel e Harlow e Finn – vivem casamentos felizes. Mas Oliver e eu (em especial quando estamos bêbados) gostamos de celebrar o fato de sermos os únicos que se casaram em Vegas como pessoas comuns: com nada além de arrependimento, uma anulação do casamento e uma ressaca. Considerando o distanciamento emocional que ele sempre manteve, tenho certeza de que realmente fala sério quando elogia nossa escolha. – E não é só algo do tipo: “Gostamos da ideia, vamos comprar os direitos e engavetá-los” – explico. – Eles compraram os direitos e já têm um diretor em mente. Hoje conversamos sobre possíveis escolhas para o elenco. Eles têm um nome grande dos efeitos especiais que quer fazer parte do projeto. – Inacreditável – ele murmura, inclinando-se para a frente para oferecer atenção exclusivamente para mim. E, se eu não conhecesse Oliver muito bem, acharia que ele acabou de olhar para minha boca. Mas eu o conheço muito bem: ele simplesmente olha para todas as partes do meu rosto quando estou falando. É o melhor ouvinte do mundo. – E… Eu vou coescrever o roteiro – conto, um pouco sem fôlego, e seus olhos se arregalam. – Lola, Lola! Puta que pariu! Enquanto repasso toda a reunião desta manhã, Oliver volta a desembrulhar o mais recente lote de quadrinhos, olhando ocasionalmente para mim enquanto ostenta seu sorrisinho pensativo. Pensei que com o tempo eu conseguiria saber o que ele estava pensando, como está reagindo a alguma coisa. Mas ele continua bastante indecifrável para mim. O apartamento que divido com minha amiga London fica a apenas duas quadras da loja de Oliver e, muito embora eu o veja quase todos os dias,
  • 12. ainda sinto que dedico metade do tempo que passamos juntos a tentar descobrir o que ele queria dizer com essa ou aquela resposta monossilábica ou esse ou aquele sorriso. Se eu fosse mais como Harlow, eu simplesmente perguntaria. – Então, está animada pra ver sua obra na telona? – ele pergunta. – Ainda não conversamos sobre isso porque tudo aconteceu muito rápido. Sei que alguns artistas não são muito fãs da ideia de fazer adaptações. – Você está brincando comigo? – pergunto. Como ele poderia estar sério ao fazer essa pergunta? A única coisa que amo mais do que quadrinhos são filmes baseados em quadrinhos. – É assustador, mas maravilhoso. E então me lembro de que há um e-mail com dezessete roteiros como anexos na minha caixa de entrada, para que eu leia “como referência”. E uma onda de náusea se espalha por meu torso. – Mas é mais ou menos como construir uma casa – digo a ele. – Eu só queria chegar na hora de mudar e não ter que lidar com aquela parte chata de escolher luminárias e fechaduras. – Vamos esperar que eles não George-Clooneyzem seu Batman – ele diz. Franzo as sobrancelhas para ele. – Eles podem George-Clooneyzar qualquer coisa minha que quiserem, senhor. Joe, o Grosseirão e o único funcionário de Oliver, um maconheiro de moicano pelo qual temos o carinho que se tem por um animalzinho de estimação, surgiu por detrás das prateleiras. – Clooney é gay. Vocês sabem disso, não sabem? Oliver e eu ignoramos o comentário. – Aliás – acrescento. – Se George Clooney entrar no Oxford English Dictionary como verbo de ação, essa ação imediatamente vai para a minha lista de coisas para fazer antes de morrer. – Como em: “Você já foi George-Clooneyzado?” – pergunta Oliver. – Exatamente. “Saímos para dar uma volta e depois George-Clooneyzamos até por volta das duas horas. Foi uma boa noite. Oliver assente enquanto guarda algumas canetas em uma gaveta. – Eu também teria que acrescentar isso à minha lista de coisas para fazer antes de morrer. – Está vendo? É por isso que somos amigos – digo a ele. Estar perto de Oliver é como uma dose de Xanax. Não consigo não ficar calma. – Você entende que ter George Clooney como verbo seria algo tão monumental que, gay ou hétero, você iria querer algo assim. – Ele é totalmente gay – insiste o Grosseirão, dessa vez falando mais alto. Oliver emite um ruído que demonstra seu ceticismo, finalmente olhando para o Grosseirão. – Acho que não. Ele é casado. – Sério? – pergunta o Grosseirão, descansando os cotovelos no balcão. – Mas, se ele fosse, você iria? Ergo a mão. – Sim. Com toda a certeza. – Eu não estava perguntando para você – rebate o Grosseirão, dispensando-me com um gesto. – Quem fica na frente e quem fica atrás? – questiona Oliver. – Tipo, eu vou ser George- Clooneyzado por George Clooney ou sou eu quem vai George-Clooneyzá-lo? – Oliver – chama o Grosseirão. – Ele é a porra do George Clooney. Ele não é Clooneyzado! – Estamos nos transformando em perfeitos idiotas – resmungo. Ambos me ignoram e Oliver finalmente dá de ombros. – Sim, claro. Por que não? – Tipo, realmente perdendo pontos de QI – insisto.
  • 13. Grosseirão finge estar segurando um traseiro e movimenta o corpo para a frente e para trás. – Isso. Você o deixaria fazer isso? Dando de ombros defensivamente, Oliver diz: – Joe, sei do que estamos falando aqui. Também imagino como seria uma cena de um homem com outro homem. O que estou dizendo é que, se eu vou ficar com um cara, por que não o Batman Ruim? Aceno com a mão diante do rosto dele. – Acho que poderíamos voltar a falar sobre meus quadrinhos serem transformados em filme. Oliver vira-se para mim e relaxa. E seu sorriso é tão doce que faz tudo dentro de mim derreter. – Sim, sem dúvida. Isso é totalmente brilhante, Lola! – Ele inclina a cabeça, seus olhos azuis presos aos meus. – Porra, estou muito orgulhoso de você! Abro um sorriso e mordisco meu lábio inferior porque, quando Oliver me olha daquele jeito, não consigo não ficar nervosa. Mas ele ficaria aterrorizado se me visse babando por ele; não é o tipo de coisa que fazemos. – E então, como vamos comemorar? – ele pergunta. Deslizo o olhar pela loja, como se a resposta estivesse bem à minha frente. – Ficar aqui? Não sei… Talvez eu devesse trabalhar um pouco. – Nem… Você anda viajando constantemente e, mesmo quando está em casa, passa o tempo todo trabalhando – ele diz. Bufando, rebato: – … disse o cara que passa todas as horas do dia em sua loja. Oliver me analisa. – Eles vão fazer o seu filme, Lola Love. – E esse apelido faz meu coração girar no peito. – Você precisa fazer algo grande esta noite. – Então, tipo… Fred’s? – proponho. O Fred’s é parte da nossa rotina. – Para que fingir que somos refinados? Oliver nega com a cabeça. – Vamos a algum lugar no centro para que você não tenha que se preocupar em dirigir. – Mas aí você terá de dirigir até Pacific Beach na volta – explico. Grosseirão finge tocar violino atrás de nós. – Eu não me importo – diz Oliver. – Acho que Finn e Ansel não estão em casa, mas vou chamar as garotas. – Ele coça a barba por fazer no queixo. – Eu queria poder levá-la para jantar ou algo assim, mas… – Ah, meu Deus! Não se preocupe com isso! – A ideia de Oliver deixar a loja para me levar para jantar me fez sentir ao mesmo tempo vertigem e pânico. Não quer dizer que o prédio fosse pegar fogo se ele saísse antes do anoitecer, mas isso também não significa que meu corpo não sentisse aquele pânico instintivo. – Vou para casa e pirar no meu quarto um tempinho, e mais tarde ficarei muito bêbada. O sorriso dele me fez derreter. – Parece ótimo. – Pensei que você tivesse um encontro romântico esta noite – Grosseirão diz a Oliver ao sair de trás de uma pilha gigante de livros. Oliver fica pálido. – Não, eu não tenho… Quero dizer, não é verdade. Nós não vamos… – Um encontro romântico? – Sinto minhas sobrancelhas arqueando enquanto tento ignorar o crescente nó em meu estômago.
  • 14. – Não, não é isso – ele insiste. – É que a garota do outro lado da rua, que trabalha… – Hard Rock Allison – cantarola Grosseirão. Meu coração se afunda… Não é apenas “a garota do outro lado da rua”, mas alguém sobre quem comentamos uma ou duas vezes justamente por ela se interessar por Oliver. Mas me esforço para demonstrar uma reação positiva. – Cale a boca! – grito, batendo no ombro de Oliver e acrescentando com um sotaque francês dramático: – Um encontrrrrrô muito quente. Oliver resmunga comigo, esfregando a mão no ponto atingido e fingindo que a dor é muito maior do que realmente é. Ele assente para Grosseirão: – Ela queria trazer o jantar para nós dois aqui na loja… – Sim, para poder transar com você – Grosseirão o interrompe. – Ou talvez porque ela é gentil – rebate Oliver com um tom bem-humorado na voz. – De qualquer forma, eu preferiria sair e comemorar o filme de Lola. Vou enviar uma mensagem de texto para comunicar Allison. Tenho certeza de que Hard Rock Allison é uma mulher gentil, mas neste momento, sabendo que Oliver tem o número do celular dela, sabendo que ele pode casualmente enviar uma mensagem de texto pra ela e mudar os planos que eles fizeram, eu quero que ela seja atingida por um trem. E é um desejo que vem daquela parte negra da nossa alma, de onde brotam os desejos de coisas terríveis que a gente quer que aconteça com a nova namorada. Allison é bonita e extrovertida e tão pequena que caberia em minha bolsa carteiro. É a primeira vez que sou confrontada com a possibilidade de Oliver estar saindo com outra, a primeira vez que nossa amizade se depara com isso, ao menos que eu saiba. Nós nos casamos e nos divorciamos em menos de 24 horas e é claro que ele nunca se interessou por mim, mas nunca discutimos namoros com outras pessoas. Como eu devo reagir? Na boa, concluo antes de avaliar minha opinião sincera. Fico feliz por ele. – Você definitivamente deve reagendar – digo, oferecendo a Oliver o sorriso mais sincero que consigo formar. – Ela é bonita. Leve-a ao Bali Hai, é lindo lá. Ele ergue o olhar para me encarar. – Faz muito tempo que estou com vontade de ir lá. Você deveria vir com a gente. – Oliver, você não pode me levar junto com você a um encontro romântico. Atrás dos óculos, seus olhos arregalam. – Não é um encontro romântico. Eu não… Eu jamais… – ele diz, acrescentando rapidamente: – Lola, não estamos falando de um maldito encontro romântico. Certo. Então ele claramente não está interessado em Allison. O nó em meu estômago se desfaz e preciso olhar fixamente para o balcão para não sorrir. Depois de algumas respirações, consigo. Olhei de volta para ele, que continuava me observando com uma expressão tão calma quanto a superfície de um lago em um cânion. Em que você está pensando?, sinto vontade de perguntar. Mas definitivamente não pergunto. – Lola… – ele começa. Engulo em seco, sem conseguir evitar deslizar o olhar para a boca dele – mas só por um segundo. Amo aquela boca. Ela é grande, os lábios superior e inferior são do mesmo tamanho. Carnudos, mas não afeminados. Eu já os desenhei pelo menos cem vezes: entreabertos, fechados, curvados em um pequeno sorriso ou arqueados em um franzir pensativo, debaixo de dentes afiados ou, em certa
  • 15. ocasião, suavemente abertos em um suspiro obsceno. Só consigo contar até dois antes de deslizar novamente o olhar para os olhos dele. – Sim? Um ano se passa antes de ele responder. E, quando finalmente responde, já pensei em um milhão de possibilidades do que ele dirá a seguir. Você já pensou em me beijar? Acha que podemos dar uns amassos no quarto dos fundos? Você faria cosplay da Zatanna? Mas ele apenas pergunta: – O que Harlow disse quando você contou a ela sobre o livro? Respiro fundo, afastando a imagem dele se inclinando para a frente e colocando a boca contra a minha. – Ah, eu ia telefonar para ela daqui a pouco. E então me dou conta do que acabei de dizer. As sobrancelhas de Oliver saltam até a linha do cabelo e, ao lado dele, Grosseirão solta um ruído de pânico que me diz que ou a polícia está na porta da loja ou todos nós seremos mortos por Harlow e será por culpa minha. – Ah, meeeeerda! Por que eu fiz isso? – pergunto, levando a mão à boca. Harlow é sempre a pessoa a quem conto as coisas logo depois de contar a meu pai. Ela me mataria se soubesse que vim aqui. – Onde é que eu estava com a cabeça quando decidi contar primeiro para vocês? – Eu me aproximo mais um pouco e lanço minha expressão mais ameaçadora para os dois. – Vocês não podem dizer a ela que souberam antes e que estou aqui há… – Meia hora – interrompe Grosseirão para me ajudar. – Meia hora! – berro. – Ela vai nos esquartejar e nos enterrar no deserto! – Caralho, ligue agora mesmo para ela, então – ordena Oliver, apontando o dedo para mim. – Não estou pronto para me deparar com Harlow segurando um machado. Personagens da saga X-Men, da Marvel. (N. E.)
  • 16. Capítulo 2 Oliver – Quando você soube, Oliver? Olho para o outro lado da mesa e esboço um sorriso. – Soube o quê, Harlow? – Deixe de gracinhas. – Ela olha para o lado para ter certeza de que Lola ainda está no bar. – Quando você soube que os direitos do filme foram comprados e que o sinal verde foi dado imediatamente? Ela desliza o olhar entre Joe e mim, esperando, mas Joe apenas inclina o corpo para dar uma enorme mordida em seu hambúrguer, deixando que eu dê um jeito de responder. – Hoje – respondo para me safar. É uma resposta ridícula, afinal, até mesmo Lola só descobriu esta manhã. Harlow quer que eu lhe informe a hora exata. Ela estreita os olhos para mim, mas engole sua resposta atravessada quando Lola retorna trazendo uma bandeja de shots. Lola olha para mim e oferece seu sorrisinho secreto. Nem sei se ela se dá conta de que está fazendo isso. Começa com os cantos dos lábios se erguendo para cima, o olhar descendo ligeiramente. E então ela pisca devagar, como se tivesse acabado de me capturar em uma fotografia. E, se tivesse feito isso, a imagem mostraria um homem profundamente, perdidamente apaixonado. Tem uma cena em O espetacular Homem-Aranha, número 25, na qual Mary Jane Watson é apresentada. Seu rosto não é visível nem para o leitor, nem para Peter Parker. Até então, Peter só a conhecia como a garota com a qual sua tia queria que ele saísse, “aquela Watson graciosa da vizinhança”. Peter não está interessado. Embora sua tia goste dela, Mary Jane não faz o tipo dele. Então, na edição de número 42 o rosto de Mary Jane é revelado e Peter percebe como ela é maravilhosa. Esse momento é um soco no estômago: até aquele momento, Peter fora um idiota. Essa é uma boa analogia para descrever meu relacionamento com Lorelei Castle. Fui casado com Lola por exatas treze horas e meia. E, se eu fosse mais inteligente, talvez tivesse aproveitado a oportunidade enquanto ela estava em minhas mãos em vez de supor – só porque Lola estava usando
  • 17. um vestido curto e bêbada em Vegas – que ela não fazia o meu tipo. Mas, algumas horas depois, todos estávamos bêbados… E, impulsivamente, todos estávamos casados. Enquanto nossos amigos faziam perversões em quartos de hotel – e uns com os outros –, Lola e eu andávamos quilômetros e conversávamos sobre tudo. É fácil dividir segredos com estranhos, ainda mais fácil quando estamos bêbados. Então, no meio da noite, já me sentia muito íntimo dela. Em algum momento, a Strip ficou escura, insinuando o submundo que a cidade tem a oferecer, e Lola parou para olhar para mim. O pequeno diamante no piercing em seu lábio superior – imitando a pinta de Marilyn Monroe – refletiu a luz e eu me vi hipnotizado pela cor rosa suave de sua boca, há muito tempo livre de batom. Eu tinha perdido a excitação e já pensava em como enfrentaríamos a anulação do casamento no dia seguinte. E ela perguntou discretamente se eu queria arrumar um quarto para ficarmos. Juntos. Mas… eu não quis. Não quis porque, quando Lola tornou isso uma opção, ficou claro para mim que ela não era uma mulher para passar uma noite e nada mais. Lola era o tipo de garota pela qual eu ficaria louco. Porém, assim que ela retornou a San Diego, sua vida explodiu em um furacão. Primeiro, sua obra Razor Fish foi publicada e rapidamente passou a figurar em todas as listas de top 10 do cenário dos quadrinhos. E depois chegou ao mainstream, aparecendo nas grandes redes de loja enquanto o New York Times chamava a obra de “a próxima queridinha das franquias de ação”. Os direitos do livro tinham acabado de ser vendidos a um grande estúdio cinematográfico e hoje ela conheceu os executivos que estão investindo milhões no projeto. Não sei se ela tem um milissegundo de tempo para pensar em romance, mas tudo bem. Eu penso em romance o suficiente para nós dois. – Não sei quem foi que começou com essa tradição de que a aniversariante é quem corta o bolo – anuncia Lola, deslizando um copo com um shot questionavelmente verde à minha frente –, ou, nesta nova versão, a garota cujo livro vai virar filme paga pelos shots. De qualquer forma, não gosto dessa história. – Não – Mia contesta. – É a garota que está prestes a fugir para Hollywood que paga pelos shots. – Como uma penitência – anuncia Harlow. – Adiantada. Todos se viram para lançar o mais cético dos olhares a Harlow. Comparada ao restante de nós, toda a vida dela tem suas raízes em Hollywood. Harlow é filha de uma atriz e de um diretor de fotografia vencedor do Oscar e casada com um homem que está prestes a se tornar um astro do Adventure Channel, então sei que todos estamos pensando a mesma coisa: se o entrincheiramento de Hollywood define quem vai pagar a conta, Harlow deveria estar pagando pelos shots. Como se percebesse isso, ela acena com a mão e diz: – Calem a boca. Eu pago a próxima rodada. Todos levam seus copos ao centro da mesa e Harlow faz o brinde: – À garota mais foda que já existiu, Lorelei Louise Castle. Conquiste seu espaço, garota! – É isso aí – eu digo e Lola me olha nos olhos, lançando mais um sorriso secreto. Tocamos nossos copos – Harlow, Mia, Joe, Lola, London e eu – e engolimos os shots antes de arrepiarmos com uma sincronia estranha. A colega de quarto de Lola, London, arrisca: – Chartreuse verde. Ela tosse; seus cabelos loiros estão presos em um coque bagunçado no topo da cabeça. Eles sacodem precariamente conforme ela mexe a cabeça. – Isso aqui deveria ser proibido por lei – continua London.
  • 18. – É mesmo horrível – concordo. – Pedi para o cara do bar preparar algo chamado “Celebration” – explica Lola com uma careta, limpando a boca com as costas da mão. – Foi mal, mas sinto que preciso de um banho agora. Mia também tosse. – Aquele cara deve comparar celebração a dor. Ela rouba minha cerveja e toma um gole antes de virar-se outra vez para Lola. É tão raro poder sair com Mia sem Ansel preso a alguma parte de seu corpo; na verdade, é bem legal sair com ela sozinha e animada para socializar. Ela é delicada e doce, como uma irmã mais nova seria. – Então… conte para a gente, senhorita Chique. Conte tudo sobre esta manhã. Lola suspira, tomando um gole de água antes de dar de ombros enquanto arregala os olhos. – Sério, como é essa vida, pessoal? Recosto o corpo na cadeira e ouço afetuosamente enquanto Lola conta muitas coisas que já ouvi. Na verdade, acho que eu poderia ouvi-las outras cem vezes e ainda assim não conseguiria processar. Então imagino como ela deve estar se sentindo. Lola é mesmo brilhante. Como ela própria admite, passa mais tempo conversando com as pessoas em sua cabeça do que com as pessoas à sua volta. Sempre que possível, tento equilibrar minhas reações ao seu trabalho, pois sei que, em parte, essas reações são influenciadas pela afeição que sinto por ela. E, de qualquer forma, não posso tagarelar constantemente com ela sobre como a criadora é supergenial e uma das pessoas mais inteligentes e sensuais que conheço. Mas sempre que posso eu enfatizo aos clientes que o livro é inovador e diferente de qualquer coisa que já li antes e, ainda assim, traz aquela sensação de familiaridade. Razor Fish me faz sentir a mesma emoção que senti ainda jovem, quando escolhi minha primeira revista em quadrinhos na banca de jornal perto de casa. Fiquei obcecado com a força, as batalhas, o poder de uma história contatada com palavras e cores. Aos onze anos, eu era o jovem mais alto e mais magro da sétima série, e acabei propiciamente apelidado de “menino-vara” pelos valentões da sala. Mesmo no colegial, o apelido ainda me perseguia. Porém, àquela altura eu era mais alto do que os outros rapazes há muito tempo e andava de bicicleta por toda parte. Já não era tão magro, mas forte e dominante nos esportes no colégio. “Menino-vara” era o nome de um super-herói, e não de um covarde. Olho para Lola e fico impressionado com o fato de sermos tão parecidos – infâncias solitárias que deram origem a adultos introvertidos, mas ambiciosos – e como os quadrinhos desempenharam um papel central em nossas vidas. Mas, enquanto ela flutua na nuvem de sua nova empreitada, cambaleando em escritórios surreais, rindo do início rígido da reunião e da explosão de Austin na sala, preciso de um tempinho, então seguro minha cerveja e tomo um gole. Preciso acalmar meus sentidos para processar parte disso. Na verdade, a vida de Lola está prestes a se transformar. O que até agora tem sido em grande parte uma paixão para ela está rapidamente se tornando um negócio – o que vai trazer tensões e problemas com os quais eu me identifico talvez até mais do que ela possa imaginar. Ademais, Lola é extremamente talentosa, mas ainda está, de certa forma, “protegida”: Hollywood pode fazer sonhos se tornarem realidade, mas também pode ser dura e implacável. Quero conter um pouco do reflexo desconfortável que quer tomar conta dela, que preocupa, que acha que isso pode acabar com ela ou, no mínimo, deturpar seu lado criativo – o lado que criou tudo isso. E não sei se vale a pena sacrificar tudo por algo como uma mansão dos sonhos. Isso me faz querer protegê-la, aconselhá-la a ouvir as vozes em sua mente. Porque, para Lola, essas vozes são, desde a infância, mais verdadeiras do que a maioria das outras em sua vida. A
  • 19. mesma coisa aconteceu comigo. Cresci sem irmãos e com pais ausentes. Meus avós tinham minha custódia durante a infância, mas, aos oito anos, eu estava mais interessado no Super-Homem e no Batman do que no que minha avó tinha visto na TV naquele dia ou nas pessoas que entravam e saíam da loja do meu avô. Quando ela está se aproximando do fim da narração dos eventos do dia – a parte em que parece chover detalhes e tudo se torna uma mancha repleta de jargões –, seu telefone acende sobre a mesa e ela abaixa o olhar. Em seguida, seus olhos prendem-se aos meus. – É Austin. O fato de ela olhar para mim agora – e não para Harlow, London ou Mia – faz meu coração se iluminar; é uma chama acesa lançada na caverna do meu peito. – Atenda! – incito, assentindo para o telefone. Ela apalpa o aparelho, quase o derrubando da mesa, antes de atender no último segundo e dizer um “alô” apressado. Não tenho como ouvir o outro lado da conversa, então não sei o que a faz enrubescer e sorrir antes de dizer: – Oi, Austin. Sinto muito. Não. Quase não consegui atender a tempo. Ela ouve atentamente e todos nós observamos atentamente, tendo acesso a apenas a um lado da troca de palavras. – Ainda estou um pouco em choque – ela diz. – Mas estou bem. – Agora ergue o olhar para analisar a mesa, dizendo: – Sim, saí com alguns amigos… Num bar aqui do bairro… Em San Diego! – Ela ri antes de continuar: – É muito tempo dirigindo, Austin! Que porra é essa?! Olho para Harlow, que no mesmo instante vira-se para mim e parece estar pensando a mesma coisa. Ele não vai vir aqui, vai? Olho para o meu relógio; são quase dez da noite, e o caminho levaria duas horas. – Também estou animada – ela diz, levando a mão à orelha para manusear o brinco. – Bem, nunca escrevi um roteiro antes, então meu objetivo é apenas ser útil… – Ela gargalha com a resposta dele. Gargalha. Meu olhar segue violentamente para o de Harlow, outra vez. Lola gargalha com a gente. Ela não gargalha com pessoas que conheceu há apenas poucas horas. A não ser que essa pessoa seja eu, em Vegas. E porra! Prefiro pensar que aquela situação foi única. – Mal posso esperar para ouvir o que eles têm a dizer… Não, não vou. Opiniões são boas… Eu sei, sinto muito. Tem muito barulho aqui… Sim, pode deixar. – Ela assente. – Sim, farei isso. Prometo! – Mais uma porra de uma gargalhada. – Está bem… Certo… Tchau. Ela desliga a ligação e expira antes de deslizar os olhos na minha direção. – Era Austin. Dou risada e digo: – Sim, eu ouvi. Mesmo sentindo um objeto estranho e desconfortável subitamente alojado em meu peito, posso apreciar quão animador tudo isso deve ser, sentir-se imediatamente à vontade com a pessoa que está no comando do trabalho criativo mais importante de sua vida até agora. – Ele não está vindo de Los Angeles para cá, está? – pergunta London. Se percebo corretamente, há um tom de suspense em sua voz. Sempre gostei de London. – Não, não – explica Lola, descendo o olhar para a mesa. – Foi só uma brincadeira que ele fez.
  • 20. Por alguns momentos, ficamos apenas sentados ali, olhando para ela. Harlow é a primeira a falar: – Bem, por que diabos ele telefonou? Surpresa, Lola ergue o olhar. – Ah… Hum, ele só queria saber se eu estava bem depois da reunião… E disse que está organizando algumas ideias sobre como traduzir a primeira parte para filme. – A primeira parte? – repito. Ela nega com a cabeça em um gesto exagerado, sem jeito, e uma mecha de seus cabelos longos e lisos prendem-se ao batom. Não consigo evitar; estendo a mão para afastar aqueles fios. Mas ela também faz isso e seus dedos chegam antes dos meus. Rapidamente solto a mão e sinto a forma como Harlow se vira para mim, mas não posso desviar o olhar de Lola, que está me encarando, seus olhos tomados por um frenesi silencioso. – Puta merda, Oliver! Ao nosso lado, London pega o telefone. – Vou dar um Google nesse tal de Austin Adams. Eu sempre gostei mesmo de London. – “A primeira parte?” – repito para Lola, agora em um tom mais gentil. – Ele estava dizendo que o estúdio vê três filmes – ela praticamente chia. – E ele tem algumas ideias e gostaria de discuti-las comigo. Harlow diz um palavrão, Mia dá um berro, Joe lança um sorriso enorme para ela, mas Lola cobre o rosto com um leve grito de pânico. – Puta merda! – grita London. – Esse cara é uma delícia! Ela vira o telefone para podermos ver. Certo. Talvez eu não goste tanto quanto achava que gostava de London. Ignorando-a, prossigo falando com Lola: – Isso é bom. – E tento baixar seus braços. Sem conseguir evitar, acrescento: – Ele quer conversar com você sobre isso agora? Você precisa ir a Los Angeles outra vez amanhã? Ela acena uma negação com a cabeça. – Imagino que por telefone em algum momento. Tipo… Mal consigo me imaginar coescrevendo um roteiro, imagine então três roteiros – ela disse antes de levar a ponta do dedo aos lábios. – Esse trabalho envolverá muita colaboração – lembro a ela. – Não foi isso que Austin lhe disse mais cedo? – Vê-la se preocupar cada vez mais me ajuda a manter minha trepidação sob controle. Então prossigo: – Talvez no segundo e no terceiro filmes você possa comandar mais o processo, mas assim está bom, certo? Lola assente com urgência, absorvendo minha confiança, mas logo seus ombros se soltam e ela dá um risinho autodepreciativo. – Não sei fazer isso. Sinto sua mão pousar sobre a minha, trêmula e suada. – Isso pede mais álcool – sugere Harlow, triunfantemente imperturbável. De canto de olho, vejo-a se levantar para buscar mais alguns shots. Joe estende a mão para massagear a nuca de Lola. – Lola, você é uma estrela no meio de uma pilha de cascalho. Você vai reinar. Concordo com a cabeça. – Você conquistou isso. Ninguém conhece a história melhor do que você. Estará lá para guiá-los. Eles são especialistas em fazer filmes.
  • 21. Ela exala, arredondando docemente os lábios e mantendo seu olhar fixo ao meu, como se aquilo evitasse que ela derretesse. Ela tem ideia de quanto eu quero ser sua coragem? – Certo – ela diz. E repete: – Certo. Por fim, conseguimos tomar cinco drinques cada um e deixar de lado o dia insano de Lola para debater calorosamente como seria o fim do mundo. Como de costume, devemos agradecer a Joe por isso, mas Lola está esperançosa e se dissolvendo em suas gargalhadas adoráveis com cada sugestão acalorada – zumbis, ondas eletromagnéticas, invasões alienígenas – e pelo menos parece completamente, felizmente distraída. – Estou dizendo, vai ser uma porra de um rebanho! – Joe nos diz, por pouco não derrubando a taça de vinho de Harlow quando desliza a mão em um gesto de total destruição. – Alguma espécie de gripe bovina ou suína. Talvez alguma coisa com as aves. – Raiva – sugere Mia, assentindo lentamente, já sentindo os efeitos do álcool. – Não, não é raiva – ele diz, negando com a cabeça. – Vai ser alguma coisa que ainda não conhecemos. – Você é um raio de sol – diz London, cutucando-o nos olhos. E ele se vira para olhar para ela. – Isso é um fato – ele afirma. – As malditas galinhas serão a nossa ruína. Lola faz um gesto como se atirasse na própria cabeça e finge cair sobre mim, simulando uma convulsão e a própria morte. Seus cabelos se esfregam em meu braço, em minha pele nua além da manga curta da camiseta e, pela primeira vez, não combato a necessidade de tocar aqueles fios. Coloco a mão em forma de concha sobre sua cabeça e a deslizo para baixo, arrastando meus dedos por seus cabelos. Ela inclina a cabeça e olha para mim. – Oliver só pode estar bêbado – anuncia com uma pronúncia arrastada, embora pareça que eu seja o único a ouvi-la. – Por quê? – pergunto. Meu sorriso para ela é subconsciente, um instinto que surge em resposta à sua proximidade. – Porque você está me tocando – ela disse com a voz um pouco mais baixa. Inclino meu corpo um pouco para trás para enxergar melhor seu rosto. – Eu toco muito em você. Ela nega com a cabeça, que lentamente se apoia em meu braço. – Como um amigo. Dessa vez foi como um amante. Meu sangue se transforma em mercúrio. Ah, se ela soubesse… – Foi? – A-hã. – Lola parece cansada, suas pálpebras demandam descanso. – Sinto muito, então, Lola Love – digo, empurrando sua franja para as laterais da testa. Ela sacode dramaticamente a cabeça, de um lado para o outro. – Não se desculpe. Você é meu herói. Dou risada, mas ela se senta em um movimento surpreendente e repentino para continuar: – Estou falando sério. O que seria de mim agora sem você? – E aponta para Harlow: – Ela é casada. – E aponta para Mia: – Ela também é casada. Aparentemente em sintonia com a conversa, London se inclina para a frente:
  • 22. – Eu não sou casada. – Não – concorda Lola, oferecendo um sorriso enorme, embriagado, para a amiga. – Mas você está sempre surfando. Ou trabalhando no bar. Ou ocupada rejeitando homens. Joe assente e London dá um tapa de brincadeira em seu peito. – Então, Oliver é meu herói – ela diz, virando-se de volta para mim. – Minha rocha, minha vara da salvação. – Ela repuxa as sobrancelhas. – Vara da salvação? – Tábua de salvação – sussurro. – Isso! – ela diz. – Isso mesmo. Lola baixa a voz e se aproxima. Chega tão perto que meu coração salta na garganta. – Nunca me deixe – ela continua. – Não deixarei – confirmo para ela. Caralho. Eu não conseguiria deixá-la. Quero evolvê-la em meus braços e levá-la comigo, protegê-la de todas as pessoas hipócritas e gananciosas que ela está prestes a conhecer. – Não deixe – ela insiste, mantendo um dedo trêmulo, ameaçador e embriagado diante do meu rosto. Eu me aproximo, mordiscando a ponta daquele dedo, e seus olhos arregalam. – Não vou deixá-la – digo. E porra, como eu quero me aproximar mais e mordiscar também seus lábios.
  • 23. Capítulo 3 Lola Sou um zumbi antes do café, especialmente depois de uma noite de drinks e comemoração e sabe Deus o que mais. Nem me lembro de ter vindo do bar para casa, então não acredito totalmente no que meus olhos veem quando acordo às sete da manhã e encontro Oliver dormindo no meu sofá. Ele está espalhado desajeitadamente, tão longo e angular. Um de seus pés se apoia no chão enquanto o outro se dependura pela beirada do sofá. Sua blusa está erguida até as costelas, expondo uma barriga reta, cortada por uma linha de pelos escuros. Com as pernas soltas, os braços de lado e o pescoço em um ângulo que certamente vai causar dor quando ele acordar… Ele está mesmo aqui, e está lindo. Não é a primeira vez que vem parar em minha casa. O apartamento fica a poucas quadras da loja, então demos uma chave a Oliver para o caso de ele precisar trazer uma de nós até aqui, consertar uma torneira pingando ou fazer um sanduíche rápido durante uma pausa. Nos oito meses desde que o conheci, ele dormiu aqui duas vezes: em uma delas, trabalhou até tão tarde antes da inauguração da loja que mal conseguiu andar até nossa casa (menos ainda dirigir até a sua). Ele foi embora antes de eu acordar. Em outra noite, saímos depois que ele fechou a loja e bebemos demais para operar qualquer veículo em movimento. Mas, nessa segunda ocasião, estávamos em várias pessoas, com corpos aleatórios espalhados em qualquer superfície onde coubessem. London já se levantou e saiu – para surfar mais, provavelmente –, e eu jamais tive a alegria de acordar e encontrá-lo aqui, sozinho. Admito que estou sendo muito intrusa, encarando-o enquanto ele ainda dorme – e farei todos os esforços para me sentir mal por isso mais tarde. Mas, por enquanto, eu simplesmente adoro vê-lo como a primeira imagem da minha manhã. Saboreio cada segundo. Sei que é apenas uma questão de tempo antes que o estresse de Oliver por causa da abertura da loja diminua e ele possa se concentrar em outras áreas da vida… Tipo namorar. Tipo Hard Rock Allison. Só Deus sabe quantas garotas andam por aquela loja na esperança de o dono gostosão notar sua presença. Não gosto da ideia, mas sei que em algum momento vai acontecer. A distração da carreira também existe para mim e todas as viagens recentes me permitiram manter a cabeça enfiada na areia sobre o quanto eu realmente gosto dele. E me permitiram ficar feliz tendo o que eu conseguisse ter.
  • 24. Porém, nas últimas semanas, mesmo com as coisas parecendo mais loucas do que nunca, emergi dessa cerração. Tive que admitir para mim mesma que eu o desejava. E, ontem à noite, flertamos mais do que nunca. A memória faz brotar uma batida oscilante e ansiosa em meu peito. Quando nos conhecemos em Vegas, ele estava lindo e se mostrou interessante e tinha o sotaque mais sensual que já ouvi, mas eu não o conhecia. Ele não me quis? Não tem problema nenhum nisso. Mas passar tempo o com ele – quase todo o meu tempo livre, se eu for sincera – e tê-lo como um acessório na minha vida fez o pequeno tormento do desejo se transformar em uma dor muito dolorida. Agora eu o conheço, mas não conheço seu coração. Não desse jeito. E ultimamente… Ultimamente eu quero conhecer. Quero dizer a ele: “Apenas me dê uma semana. Uma semana de você e dos seus lábios e da sua risada na minha cama. Só uma semana e aí tudo vai ficar bem”. É mentira, obviamente. Mesmo sem jamais tê-lo beijado – além do selinho rápido em nosso casamento fake –, sei que eu ficaria pior se o tivesse por uma semana e depois o perdesse. Meu coração ficaria deformado, mais ou menos como um suéter de lã que é colocado em um corpo grande demais e fica disforme até deixar de servir. Mas vai saber… Talvez eu seja e tenha sido disforme para Oliver desde o início. Mas, diferentemente de todos os outros namorados que tive – algumas semanas aqui, um mês acolá –, Oliver parece nunca tocar nos pontos sensíveis ou precisar conhecer todos os detalhes. Em vez disso, ele coleta meus detalhes conforme eles são oferecidos. Talvez por isso ele continue tão próximo de mim. Ainda não tive a chance de arruinar tudo ao me calar justamente quando a intimidade é necessária. Na nossa primeira noite, enquanto nossos amigos quebravam a cama do hotel em Vegas com sua libido, Oliver e eu caminhamos pela Strip conversando sobre trabalho. Sobre escrever e ilustrar, sobre como a mulher é retratada nos quadrinhos, sobre os livros que estávamos lendo naquela época. Falamos vagamente sobre Razor Fish, sobre sua loja… A essa altura, eu nem sabia que ele se mudaria para San Diego. Era tão simples estar com ele, como saborear rapidamente algo delicioso que quero continuar comendo até explodir. Em algum ponto da parte final do caos da Strip, tornei-me corajosa o suficiente a ponto de pará-lo de repente e, com uma mão atrevida em seu braço, virá-lo para me encarar. – Nossos quartos devem estar sendo usados – comecei, observando seu queixo antes de forçar meus olhos na direção de seus olhos. E ele sorriu, e foi quando percebi como seus dentes são perfeitos – brancos e regulares, com caninos tão afiados a ponto de fazê-lo parecer um lobo. E como seus lábios são suaves, como seus olhos são azuis atrás dos óculos. – Provavelmente. – Mas nós poderíamos… – desviei, piscando e olhando para o lado. Ele esperou, me observando, seus olhos jamais entregando que ele sabia exatamente o que eu estava prestes a dizer. Olhei novamente para o seu rosto enquanto reunia minha coragem: – Poderíamos arrumar um quarto para passar a noite, se você quiser. Juntos. A expressão dele continuou exatamente a mesma – a fisionomia inexpressiva incrível de Oliver ostentava aquele sorriso gentil, aquele olhar suave, sem julgamentos. E ele muito educadamente rejeitou. Fiquei envergonhada, mas por fim superei. E nunca mais falamos sobre o assunto. Depois, quando descobri que ele tinha se mudado para cá e que tínhamos em comum não apenas amigos, mas também essa paixão pelos quadrinhos, passamos a nos ver o tempo todo, e o desconforto
  • 25. daquela rejeição se desfez. Em seu lugar, surgiu uma espécie de amizade perfeita. Oliver não julga, não zomba, não força. Não se importa com meus silêncios, quando tudo o que quero fazer é me lançar sobre uma folha de papel e desenhar. Não se importa quando me empolgo com alguma coisa e tagarelo por uma hora inteira. Oliver é sincero dessa forma fácil de lidar quando lhe mostro ideias novas. Toca músicas estranhas para mim e me faz sentar e ouvir porque, mesmo se eu odiá-las, ele quer que eu entenda por que ele gosta delas. Pode falar de tudo, de Veronica Mars a Gen13, da National Public Radio até reparos em carros. Ou pode simplesmente não falar de nada, o que também adoro. Ele sabe ouvir, é divertido, é gentil. É uma pessoa única e essa confiança simples é apenas parte do que o torna irresistível. O fato de ele ser alto, lindo e ter o mais perfeito dos sorrisos também não atrapalha. Dois meses depois do nosso casamento e de sua anulação, levei-o para conhecer meu pai, Greg. Naquela noite, em algum momento durante o churrasco de frango e um saco de chips com salsa – e enquanto eu estava no quintal tentando capturar o pôr do sol com minhas tintas a óleo –, Oliver ouviu o resto da minha história. Meu pai chegou de sua terceira viagem ao Afeganistão quando eu tinha doze anos, e ele estava arrasado: foi transformado de um enfermeiro de triagem celebrado em um honrável veterano dispensado, incapaz de dormir e escondendo OxyContin na cozinha. Minha mãe não conseguiu aceitar aquilo e não demorou um mês para ir embora no meio da noite, sem se importar em oferecer algo tão formal quanto um adeus. A nenhum de nós. Tentei reunir os cacos de meu pai, meu pai tentou reunir os meus cacos e empurramos a vida assim por alguns anos, até percebermos que cada um tinha de recolher seus próprios cacos. Não foi bom, mas as coisas melhoraram, e minha relação com meu pai é uma das coisas que mais celebro na vida. Conto a ele todos os mesmo pensamentos, mesmo os mais insignificantes. É isso que me permite mantê-los dentro da cabeça o restante do tempo. Preferiria perder o sol a perdê-lo. Jamais soube o que exatamente meu pai disse a Oliver, mas, depois daquela noite, em vez de perguntar qualquer coisa, Oliver simplesmente deixou o assunto de lado. Pequenos detalhes surgiam em conversas – informações que até agora eu só havia debatido com Harlow e Mia –, demonstrando- me que ele sabia mais do que eu havia lhe contato. Mia e Harlow já faziam parte da minha vida quando tudo aconteceu, então não tive que contar tudo a elas em uma única sentada. Mas se havia alguém a mais que eu queria que me conhecesse tão bem, esse alguém era Oliver. Depois de algumas cervejas, quase um mês atrás, finalmente perguntei: – E então, quanto da minha história e da minha origem meu pai contou a você? Ele parou enquanto levava a garrafa de cerveja aos lábios e lentamente apoiou a garrafa de volta sobre a mesa. – Ele me contou a versão dele. De quando você era criança até agora. – Você quer ouvir a minha versão? Oliver virou-se para mim e assentiu. – É claro que sim. Um dia. Quando e da forma como acontecer. Quase o beijei naquela noite, quase fui corajosa o suficiente. Porque quando lhe disse que eu também queria ouvir sua história, ele pareceu tão grato, tão cheio do que para mim significava amor, que foi a primeira e última vez que achei que ele estivesse tão envolvido quanto eu. E eu arruinei tudo descendo o olhar outra vez para a mesa. Quando ergui outra vez o olhar, o semblante inexpressivo havia se instalado outra vez e ele havia mudado de assunto. Estou pensando em tudo isso agora, enquanto o vejo dormir. Também desejo que ele acorde para
  • 26. que eu possa moer um punhado de grãos de café. Mas meu telefone faz o serviço e começa a latir em volume máximo sobre o balcão. Esse toque é a marca registrada de Benny. – Alô? – atendo o mais rapidamente que posso, quase derrubando o aparelho. Oliver ergue a cabeça rapidamente com o barulho; olha ferozmente em volta. Aceno da cozinha até ele me ver e finalmente relaxar. Ele passa a mão no rosto e me olha daquele jeito transparente e suave. É a mesma forma como ele me olhou naquela noite, um mês atrás, no bar. Seus lábios ficam entreabertos, os olhos arregalados para que consiga me ver mesmo sem o benefício dos óculos. Seu sorriso é o sol saindo de trás de uma nuvem. – E aí? – ele cumprimenta, sua voz ainda rouca e instável após o sono. – Lola, é Benny – a voz vem pelo telefone. – Estou com Angela na linha. – Ah? – murmuro, mantendo o olhar fixo ao rosto de Oliver. Enquanto observo, aquele rosto passa de aliviado e feliz a ligeiramente confuso enquanto ele corre o olhar pela sala. Ele se senta e apoia os cotovelos nas coxas, levando a cabeça às mãos e gemendo: – Porra! Minha cabeça! Harlow certa vez disse que o jeito como alguém olha para você quando você é a primeira pessoa que ele vê de manhã é a melhor forma de avaliar como ele se sente. Pisco os olhos para o balcão e arrasto uma unha entre dois azulejos para tentar não interpretar as primeiras expressões matinais de Oliver. – Sei que é cedo, me desculpe – diz Angela. – Você está bem? – Ainda não tomei café – admito. – Ainda não estou nada. Oliver ergue o olhar e, ainda no sofá, dá risada. Angela lança um riso menos genuíno do outro lado da linha. Coloco no viva-voz para ele também ouvir. – Bem – continua Angela. – Ontem foi um grande dia e o comunicado à imprensa será divulgado hoje. – Você precisa que eu faça algo? – pergunto. – Nada. Apenas esteja preparada – ela diz. – Hoje você não precisa responder nada. Esse é o nosso trabalho. Podemos enviar algumas informações das mídias sociais para serem usadas depois. Agendaremos algumas entrevistas. Só preciso que você esteja ciente do que isso significa. Oliver me observa da sala de estar. Seus olhos estão dramaticamente arregalados. – Está bem…? – respondo, sorrindo apenas por ele estar aqui e vendo tudo isso em primeira mão. Angela parece extremamente séria agora. Sinto que preciso de uma testemunha. – Isso significa que você será reconhecida. Brincando, Oliver faz uma expressão de escandalizado e eu tenho que engolir o riso. O livro já está no top 3 de melhores quadrinhos da lista do New York Times há dez semanas e minha vida nem mudou tanto assim, exceto por eu estar viajando mais para sessões de autógrafos e algumas convenções. Claramente nós dois duvidamos de que nosso bairro vai se tornar o marco zero dos paparazzi. – Isso significa que você será fotografada e seguida – continua Angela. – Quer dizer que vão fazer a mesma pergunta cem vezes e você vai ter que transmitir a impressão, toda vez, de que é a primeira vez que responde àquele questionamento. Significa que você não pode controlar o que é escrito a seu respeito. Fui clara? Faço que sim com a cabeça, presa ao olhar bem-humorado de Oliver, mas eles não conseguem me ver, então me forço a dizer:
  • 27. – Sim. – Você vai se sair bem – diz Benny com sua voz tranquilizadora. – Isso é fantástico, Lola. – É, sim – concordo em um gemido. Sei que Harlow jamais entenderia essa minha inclinação, mas só quero me esconder na caverna onde escrevo até tudo chegar ao fim e eu poder ir ver o filme usando peruca e óculos de sol. Eu estou bem. Eu estou bem. – Que bom – diz Angela. – As informações devem aparecer na Variety em menos de uma hora. Aproveite o momento, Lola. Ele é todo seu. Percebo que a ligação está prestes a terminar, mas ouço a pancada familiar da temida porta de vidro aos fundos e uma voz masculina abafada gritando: – Puta que pariu! Angela limpa a garganta. – Ah, parece que Austin quer dizer alguma coisa. – Tudo bem – concordo. Oliver se levantou do sofá e agora entra na cozinha. – Lola! – grita Austin. E fico feliz por estar no viva-voz; caso contrário, eu teria ficado surda. – Bom dia – digo, estendendo a mão para apertar o nariz de Oliver e afastar sua atenção, já que ele está olhando severamente para o telefone. – Ouça, tenho uma reunião em cinco minutos – diz Austin. – Então eu só queria dizer oi, mas ontem à noite estive pensando: e se Razor não fosse de um time loop paralelo, e sim de outro planeta? Pisco os olhos e meu cérebro começa a derreter. Os olhos de Oliver se arregalam e ele murmura: – Que porra é essa? – Desculpa – digo, sacudindo a cabeça para limpá-la. Pensei que Austin realmente tivesse se identificado com o livro. – Um alienígena? Tipo, de Marte? – Bem, os detalhes podem ser decididos mais adiante – diz Austin casualmente. – Só acho que o público americano teria mais facilidade de entender alienígenas do que a ideia de vários time loops paralelos. – Mas o Doctor Who funciona – é tudo que consigo pensar e dizer. – Isso é na BBC. – Então os ingleses são mais inteligentes? Ele dá risada, achando que estou sendo retórica. – Certo? Bem, apenas pense no assunto. Acho que seria uma mudança que podemos fazer e que não vai influenciar muito a história, só torná-la mais acessível. Concordo com a cabeça, mas então lembro que ele não consegue me ver. – Está bem. Pensarei no assunto. – Ótimo! – ele gralha. – Falo com você mais tarde, Loles. Meu telefone emite três bipes, indicando que o telefonema chegou ao fim. Cuidadosamente, deslizo-o de volta sobre o balcão. Oliver cruza os braços sobre o peito e se inclina. – “Loles”? Minhas sobrancelhas arqueiam até o teto. – Vamos começar assim? Ele dá risada, sacudindo lentamente a cabeça.
  • 28. – Não sei se algum de nós quer começar com Marte. Vou até a geladeira e pego um saco de grãos de café. – Eu… Dou meia-volta, despejando os grãos no moedor, e olho indefesa para ele enquanto ouço o barulho do café caindo. Meu cérebro está derretido, meu coração afunda, meus pulmões parecem ter desistido e simplesmente se desligado. Desligando o moedor, falo: – Nem sei o que dizer. Um marciano. Sério, um marciano. Isso não pode ser uma sugestão séria, ou é? Quero dizer, Razor e todos os outros Bichir se desenvolveram, no quarto loop, dos mesmos materiais terrenos que nós, mas… de forma diferente. Em um tempo alternativo, sob condições diferentes. – Descanso as mãos na cabeça, tentando não entrar em pânico. – A razão de ser quem ele é, é uma evolução alternativa. – Olho para os olhos azuis profundos dele. – Aqui, na Terra. O único motivo que o leva inicialmente a se interessar por Quinn e pelo que ela está fazendo é o fato de a Terra ser também o planeta dele. Só que em uma versão diferente. Sei que Oliver sabe disso, mas falar em voz alta vai desatar alguns nós dentro de mim. Ou isso, ou me lançar em uma espiral. – Você pode rejeitar essa ideia, Lola – ele diz. – Da minha parte, não concordo quando Austin diz que o enredo é complicado demais. – Pensei que fôssemos discutir mudanças mais ligadas a nuances – exponho. – Como fazer Quinn enfrentar apenas um agressor na primeira luta ou fazer Razor vir resgatá-la um pouco mais cedo com Andemys. Oliver encolhe os ombros, girando uma colher sobre o azulejo do balcão. – É, eu também. – E um comunicado à imprensa? – Sacudo a cabeça, derrubando os grãos moídos na cafeteira. – Hoje vou passar o dia escondida na loja, se isso não for um problema para você. – Acho que a loja seria o último lugar para se esconder, Lola Love. Concordo com a cabeça, adorando a forma como ele pronuncia meu nome. Seus “os” são sempre tão sinuosos, nada faz meu espírito se animar tanto quanto ouvir a voz dele. – Está com fome? Ele leva a mão abaixo da camiseta para coçar a barriga, e meu coração desce até os pés. – Morrendo de fome – responde, dando de ombros. Aponto para uma pilha de frutas em uma bandeja e pego o cereal sobre a geladeira. Rice Krispies, porque sei que é o que ele quer. Oliver já está ao meu lado, na frente da geladeira, pegando o leite. – Estou em um mundo onde as pessoas planejam postagens nas redes sociais – falo. – Talvez eu devesse entrar para as redes sociais, não é? Ele dá risada enquanto descasca uma banana. – Deixe Joe cuidar do seu Twitter. Ele vai ser bom nisso. Fico boquiaberta para ele. – Joe postaria fotos de paus. Oliver dá de ombros, como se quisesse dizer “foi exatamente o que eu falei”. Então, faz uma pausa e me encara. – O que foi? – pergunto. – Nada. – Ele assente para a fruta em sua mão. – Só não sei para onde olhar enquanto como a banana. Fiquei encabulado por um instante. Não queria ser sugestivo. – Especialmente depois de falarmos sobre fotos do pau do Grosseirão.
  • 29. Fazendo uma careta, Oliver coloca a banana sobre o balcão e prepara o cereal. – Me passa uma faca? Dou risada enquanto pego uma faca; ele vira os olhos. Toda vez que Oliver fala “faca”, não consigo evitar. Ele tem todo um jeito de Paul Hogan. – Você acha mesmo que as pessoas vão me reconhecer? – pergunto, roendo a unha. Neste momento, não consigo encarar a ideia de Razor ser um alienígena de Marte; é estranhamente mais fácil me concentrar no lado da publicidade de tudo isso. Oliver olha para mim, estuda meu rosto. Sei o que está pensando quando seus olhos pousam no piercing na minha boca: não sou exatamente uma desconhecida. – Eles já não a reconhecem às vezes? – Só os geeks. E só aconteceu duas vezes. – Bem, agora acontecerá com mais pessoas. – Ele fala com uma calma enorme. Às vezes, sinto vontade de colocá-lo em uma jaula com um leão e medir sua pressão arterial. – Isso me faz querer vomitar, Oliver. Tipo, como se eu devesse carregar um balde comigo. Ele nega com a cabeça, rindo. – Qual é, Lola?! Você está sendo dramática. Costuma sempre ser elegante, por que acha que vai ser tão difícil? – Isso não é verdade – sussurro. Ele olha para mim e sacode discretamente a cabeça. – Às vezes, eu queria poder conhecê-la outra vez – anuncia enquanto corta a banana sobre o cereal. – E prestar mais atenção. Meu coração salta na garganta. – O que você está querendo dizer com isso? – Significa exatamente o que acabei de dizer. – Ele mexe as bananas na tigela. – Você é muito incrível. Quero conhecê-la pela primeira vez outra vez. E quero que seja diferente, que seja apenas nós dois nos divertindo desse jeito. – Com Rice Krispies e café em vez da Strip de Vegas? Ele arrasta os olhos na direção dos meus e então percebo – eu simplesmente sei – que ele está se lembrando do meu pedido desajeitado de casamento. Observo enquanto ele busca as palavras certas. – Só estou falando de uma situação na qual ninguém se sente pressionado a… – Eu não o culpo pelo que fez naquela noite – afirmo. Preciso fazer aquele momento deixar de ser infeliz. – Foi o jeito certo de agir. Ele me olha nos olhos por mais um instante antes de sorrir ligeiramente, enterrando a colher na tigela. Apoio-me contra o balcão e tomo um gole do néctar dos deuses enquanto o vejo comer. De algumas formas, ele tem o corpo de uma figura durona: tão alto, tão sarado, passos e braços fortes, nada além de ângulos agudos. Mas também é forte. Há músculos marcados em seus bíceps, nos ombros. Seu peito é largo, afinando em uma cintura reta. Eu poderia desenhá-lo, penso. Poderia desenhá-lo e talvez até me surpreender com o que vejo. – Em que você está pensando? – ele pergunta entre uma bocada e outra de cereal. – Está me olhando como se se sentisse surpresa por eu ter braços. – Estava pensando em como seria o resultado se eu o desenhasse. Sinto meus olhos arregalarem. Eu definitivamente não queria dizer isso em voz alta, nós dois sabemos. Oliver ficou paralisado. Tão paralisado quanto o sangue em minhas veias. Ele me olha como se esperasse que eu elaborasse, mas não consigo. Alguma coisa entra em pane em meu cérebro
  • 30. quando estou nervosa, algumas portas se fecham. Minutos se passam e só consigo ouvir meu próprio coração batendo e o som de Oliver comendo. O silêncio não é estranho para nós, mas dessa vez ele parece muito pesado. – Bem, você quer? Pisco os olhos para ele. – Se eu quero o quê? Ele pega mais uma colherada de Rice Krispies, mastiga e engole. – Me desenhar. Meu coração infla infla infla explode. – Não tem nada de mais nisso, Lola. Você é artista. E eu sei que sou uma espécie de semideus. – Ele pisca com um olho antes de pegar mais uma colherada do cereal com leite. Se eu quero desenhá-lo? E como quero! E enquanto conversamos. Faço isso o tempo todo. Mas em geral uso a memória, ou pelo menos faço isso quando ele não sabe que estou desenhando. A ideia de ter acesso ilimitado àquele rosto, àquelas mãos, àqueles braços musculosos e ombros largos… – Tudo bem – digo em um chiado. Ele me encara, arqueando ligeiramente a sobrancelha de modo a dizer “e então?”. Antes que eu possa pensar duas vezes, já estou correndo para o quarto e procurando em minha mesa um bloco de desenho maior e carvões. Consigo ouvi-lo na cozinha, colocando a tigela na pia, abrindo a torneira para lavá-la. Minha mente é um liquidificador: os pensamentos coerentes são liquidificados e mortos. Não tenho ideia do que estou fazendo agora, mas, se Oliver quer que eu o desenhe… Ah, porra! Vou encher esse maldito caderno com esboços. Correndo de volta para a sala de estar, quase escorrego no chão de madeira, mas consigo me agarrar à parede justamente no momento certo para ver Oliver de costas para mim, olhando para as enormes janelas do apartamento. Ele leva a mão até a nuca e tira a camiseta. Ah. Ah. – Ah – gemo. Ele dá meia-volta e olha para mim, a timidez se espalhando por seu rosto. – Não era para fazer isso? Ah, Deus, não era para fazer isso. Só vamos fazer o rosto e tal, não é? – Segurando a camiseta junto ao corpo, ele diz: – Porra! – Tudo bem – consigo pronunciar enquanto olho para o lápis na mão, como se inspecionasse a qualidade da ponta fina. Estou olhando para a ponta com tanto afinco que poderia quebrá-la apenas com a força dos meus olhos. Oliver está sem camisa. Na minha sala de estar. – Está ótimo – continuo. – Quero dizer, é muito bom desenhá-lo sem camisa porque assim posso me concentrar mais nos detalhes dos músculos e nos cabelos e nos mami… – limpo a garganta. – Em algumas coisas. Ele solta a camiseta, ainda me olhando para ver se estou bem. – Está certo. Sento-me no sofá, olhando para onde ele está, perto da janela. Oliver analisa a paisagem, completamente à vontade. Em contraste, meu coração cava um caminho para sair do meu corpo, passando pela garganta. Passo mais tempo do que deveria em seu peito, na geometria: mamilos pequenos, perfeitamente arredondados. Um mapa de músculos criado com quadrados, retângulos,
  • 31. linhas e ângulos agudos. A inclinação triangular onde o osso do quadril se encontra com músculos. Sinto-o me observando enquanto desenho os pelos mais abaixo, próximos ao umbigo. – Quer que eu tire a calça? – Sim – respondo antes de pensar e gritar rapidamente: – Não! Não… Meu Deus. Ah, meu Deus, está tudo bem assim. Meu coração não poderia bater mais forte. Metade de sua boca forma um sorriso incerto; a outra metade, uma linha reta. Quero passar um ano desenhando a forma exata de seus lábios neste momento. – Eu não me importo – ele diz discretamente. O diabo em meu ombro me diz: Vá em frente. Vá em frente. Seu estilo geométrico nunca funciona para desenhar pernas. Isso ajudaria. O anjo em meu outro ombro apenas dá de ombros e desvia o olhar. – Se você se sentir bem assim – digo antes de limpar a garganta para explicar: – Você sabe que eu não sou muito boa para desenhar pernas e… Ele já está desabotoando a calça, passando as mãos pelo jeans leve, abrindo os botões um de cada vez. Para nossa amizade, seria bom se eu desviasse o olhar. Mas não consigo. – Lola? Com um esforço hercúleo, arrasto meus olhos até seu rosto. – Sim? Ele não diz mais nada, mas mantém o olhar preso ao meu enquanto baixa a calça e a chuta para o lado. – Sim? – repito. Minha respiração está ofegante demais. Deve ser perceptível. Isso é algo totalmente diferente. Alguma coisa está acontecendo esta manhã, alguma coisa que não o habitual Oliver + Lola. Sinto que estamos passando pela porta que dá acesso ao País das Maravilhas. – Onde você me quer? – Quero você…? – Que eu fique. – Ah… – Limpo a garganta. – Ali está bom. – Não estou na contraluz? Ele está, mas não confio em mim mesma para direcioná-lo agora. – Eu não me importo em sentar… – ele começa. – Talvez você pudesse apenas se deitar ou… – paro abruptamente quando começo a processar suas palavras. Puta que pariu! – Ou sentar-se. Sentado fica bom. Quero dizer, como preferir. Ele lança um sorriso misterioso para mim e vai até o tapete no meio da sala, deitando-se em um raio de sol gigante. O painel mostra a garota, olhando para o rapaz, a pele dela coberta em chamas ferozes e azuis. Oliver leva as mãos atrás da cabeça, cruza as pernas e fecha os olhos. Pau. PAU. Isso é tudo que consigo ver. Está ali, debaixo da cueca boxer, semiereto, claramente não circuncidado, seguindo a linha de seu quadril. Meu Deus, é grosso! E se crescer mais do que aquilo, Oliver deve ser capaz de arrancar os dentes de uma mulher enquanto a fode.
  • 32. Inclino a cabeça, minha mão paira sobre o papel. Por que ele está semiereto? É algo que acontece com os homens quando estão sendo desenhados? Provavelmente. E é bom ou constrangedor? Para Oliver, obviamente é bom, pois ele olha para aquilo. Quero dizer, para ele. Olha para ele. – Lola? Tudo bem com você? Já entendi. Ele ouviu que não estou desenhando. Sento-me no sofá e começo a esboçar furiosamente cada detalhe de seu corpo: os pelos em suas pernas, os músculos saltados de suas coxas, os sulcos profundos ao lado do quadril, e sim, até mesmo a forma dele sob a cueca. Vou virando dezenas de páginas, decidida a registrar cada detalhe para colorir mais tarde. Minhas mãos estão sujas de carvão, meus dedos doloridos pela velocidade e intensidade do trabalho. – Fique de barriga para baixo – peço. Ele segue a instrução e posso ver seu quadril flexionando, vejo-o pressionando o mastro duro contra o tapete: uma enfiada inconsciente. Todos os músculos do meu corpo se contorcem em resposta: um desejo lançado ao universo. Percebo a longa cicatriz descendo pela lateral esquerda de seu corpo, passando por sobre algumas costelas. – Do que é essa cicatriz? – Caí durante a primeira viagem de bicicleta – ele murmura, referindo-se ao seu envolvimento com o movimento Bike and Build, no qual conheceu Ansel e Finn quando eles atravessaram os Estados Unidos de bicicleta, construindo casas para pessoas com necessidades pelo caminho. A cicatriz é enorme – meia polegada de espessura, talvez dez centímetros de extensão – e me pergunto quanto tempo Oliver ficou impedido de andar de bicicleta depois daquilo. – Eu não sabia que você tinha sofrido um acidente naquela viagem. O que você fez para seguir pedalando e construindo casas? Ele dá de ombros, ajustando a cabeça nos braços, e fico impressionada com como se sente à vontade. – Levei alguns pontos, talvez tenha precisado de uns dois dias para me recuperar. Não foi nada sério… É só a aparência que é ruim. Sussurro alguma coisa enquanto o ouço falar sobre a viagem de bicicleta e me esforço para retratar a curvatura musculosa de sua panturrilha, o arco do pé, o osso protuberante do tornozelo. – Camberra é plana – ele conta. – Íamos de bicicleta para todo canto. É a cidade perfeita para isso. As ciclovias são boas, as ruas também. Andávamos de bicicleta o tempo todo, mas meus colegas e eu éramos idiotas, então também caí muito. Adoro sua voz e me perco nela enquanto conto as vértebras de sua coluna, a forma como seus cabelos formam ondas sobre a orelha, a sombra escura da barba por fazer em seu queixo. Uma coisa é ver tudo isso; outra coisa, completamente diferente, é me imaginar tocando em tudo isso, conhecê- lo tão bem com as mãos quanto conheço agora com os olhos. Tenho o equivalente às fantasias de toda uma vida nessas páginas e estou convencida de que Oliver acaba de me ajudar a criar os quadrinhos mais sensuais do mundo. Suspirando, passo as costas da mão pela testa. – Acho que está bom. Oliver rola o corpo para o lado, apoiando-se no cotovelo. Sério, é um absurdo! No tapete branco, com a cueca boxer azul, parece que ele está posando para a Playgirl. – Que horas são? – ele pergunta. Olho para o pau… quer dizer, para os ponteiros do relógio. – Oito e quinze.
  • 33. – Preciso dar o fora daqui. Ele se alonga: os músculos estremecem, os punhos se fecham, a cabeça cai aliviada para trás. Depois de um gemido enorme e feliz, Oliver pergunta: – Você vai me mostrar o que fez? – Sem chance. – É um tanto pornográfico, então? Dou risada. – Você estava de cueca. – Isso é um sim? Agora quero mesmo ver o que você desenhou. – E verá – garanto. – Em algum momento. Quero ser um pouco mais atrevida no próximo projeto. – Abaixo a cabeça, ajeito os cabelos atrás da orelha. – Você me deu algumas ideias. Obrigada. A situação agora é desconfortável? Não parece desconfortável, mas talvez eu seja péssima para ler esse tipo de coisa. Tudo pareceu muito tranquilo. Parece tranquilo. Ele fica em pé, encontra a calça jeans e começa a vesti-la outra vez. Começo a dar adeus ao mais perfeito pau semiereto que já vi. – Só estou ajudando uma amiga – ele murmura. – Como deve ser. – Obrigada – agradeço outra vez. – Espero que pelo menos eu a tenha distraído um pouco. Olho nos olhos de Oliver quando a cabeça reaparece enquanto ele veste a camiseta. – Me distraído de quê? Ele dá risada e se aproxima o suficiente a ponto de conseguir estender a mão e bagunçar meus cabelos. – A gente se vê mais tarde, Lola Love. Ele sai do apartamento e segue para sua loja antes de eu me lembrar do Razor Marciano e que o artigo da Variety foi postado em algum momento da última hora. Harlow joga a bolsa no banco e desliza para se sentar à minha frente na cabine. – Desculpa pelo atraso. – Não se preocupe. Pedi sua salada caesar com salmão. – Olho para a entrada do restaurante. – Finn não veio? Pensei que ele chegasse ontem à noite. – Ele precisou passar a semana fora. Aconteceu alguma coisa com a caixa de fusíveis ou o painel de controle e… – Harlow finge dormir com os braços sobre a mesa. – Eu nunca sei onde ele está – murmuro contra meu copo de água. – Ele é um problema. Quando eu estou assim… – Ela aponta para os cabelos e a maquiagem perfeitamente arrumados. – Ele não está. Se Finn estivesse aqui hoje de manhã, eu me sentiria cansada demais para… – Já entendi. Adoro minha amiga, mas ela é a Rainha dos Detalhes. – E então, o que aconteceu com vocês depois que deixei o Hennessey’s ontem à noite? Não sei quem estava dando em cima de quem ontem. Inclino o corpo para fora do caminho quando a garçonete entrega nossos pratos e a agradeço. – Não lembro como chegamos ao apartamento, mas Oliver dormiu lá – respondo assim que a garçonete se distancia.
  • 34. Não estou olhando para Harlow quando digo isso, então assusto ao ouvi-la bater a mão na mesa, já quase em pé. – Ele o quê? Alguns clientes já estão nos encarando, então sussurro: – Ele dormiu na porra do sofá. E dá para colocar o seu rabo de volta na cadeira? Ela abaixa o rosto e se senta. – Santo Deus! Não faça isso comigo! – Fazer o quê? – pergunto. – Estamos falando do Oliver. Ela bufa: – Exatamente! Tento ler sua expressão, mas ela melhorou em ficar de boca fechada desde que começou o relacionamento com Finn. E, muito embora eu saiba que ela está pensando em alguma coisa, seus pensamentos não estão estampados no rosto. – Certo. Tudo bem quanto a isso… – começo a dizer. Harlow se inclina para a frente e mantém as mãos unidas, antebraços descansando sobre a mesa, as sobrancelhas ruivas perfeitamente esculpidas erguidas, demonstrando interesse. Penso sobre quanto devo contar a ela. Não tenho ideia de como anda a vida amorosa de Oliver e pode ser que ele vá muito bem, obrigada, sem mim. Nós dois nos vemos quase todos os dias, mas não nos vemos na maioria das noites. Pela quantidade de histórias que Finn e Ansel contam de Oliver no passado – além de sua cara de nada invejável –, suspeito que ele ande muito mais ativo do que eu por esses tempos, mas não fico sabendo das coisas. E, conforme já admiti, com o lançamento do livro e as viagens e os eventos, namorar não é uma das minhas atividades principais há meses. O casamento recente de Harlow e a mudança iminente de Ansel têm sido os assuntos mais comuns quando as garotas se reúnem. Portanto… Não falei nada de minha atração por Oliver a Harlow ou Mia. Oliver tem sido um lugar agradável para meus pensamentos viajarem em momentos de estresse – é um bálsamo saber que tenho alguém com quem conversar, que exista alguém que eu possa procurar e cujo estado emocional reflita o meu quando a vida fica louca. Além disso, Harlow, Mia e eu nos conhecemos desde a escola primária e, ao longo dos anos, descobri como Harlow se torna rapidamente obcecada. Oliver teve uma chance em Vegas e não a aceitou. Não acredito que esteja interessado em complicar nossa amizade agora, quando ela está claramente funcionando para nós dois. E não quero que Harlow se sinta ressentida com Oliver se os sentimentos dele não forem recíprocos. O ponto forte de Harlow também pode ser seu ponto fraco: é a pessoa mais ferozmente leal que conheço. Meu Deus! Como as coisas ficam complicadas quando há um grupo de amigos envolvido! De qualquer forma, com os livros publicados e menos viagens e a calma antes da tempestade na forma de um filme, tenho um pouco de tempo livre… O que significa que Oliver, o indivíduo sensual, ocupa mais e mais minha mente e esta manhã eu o vi quase nu e ele tem o corpo todo definido e não é circuncidado e paus não circuncidados são minha kriptonita e já ouvi Finn e Ansel contarem, em meio a risadinhas, histórias sobre os talentos orais de Oliver e puta que pariu!, eu estou ficando louca. À minha frente, do outro lado da mesa, Harlow limpa a garganta, descendo pesadamente o garfo. Ergo o olhar, afastando-me dos pensamentos inconscientes enquanto rabisco um guardanapo.
  • 35. – Testando minha paciência, amiga? – ela diz. Claramente preciso falar sobre o assunto… E Harlow entenderia minha hesitação – não entenderia? –, afinal, ela esteve por perto durante cada um dos meus relacionamentos fracassados. – Eu falei que Oliver passou a noite em casa ontem – recomeço. – Porque, afinal… eu o acho muito atraente. Harlow inclina-se ainda mais para perto, e a conheço bem o suficiente para saber que está ensaiando um olhar. – Até um maldito tatu acharia Oliver Lore muito atraente, Lola. Encolho os ombros enquanto ela me encara como se quisesse ser uma furadeira para perfurar meus pensamentos. Na verdade, recebo aquele olhar com muita frequência. Na verdade, ela não precisaria ir muito longe; meus pensamentos estão expostos já na superfície. O problema é que a superfície é sólida feito granito. – Você acha que Oliver também acha você atraente? – ela pergunta em um tom sóbrio, ajeitando-se no assento e perfurando uma folha de alface. Dou de ombros. – Acho que não. Quero dizer, aparentemente ele não se mostrou tão interessado em Vegas. Ela murmura alguma coisa sobre tentar muito se intrometer e depois leva a garfada até a boca. – Não precisa se intrometer em nada – digo, mas ela olha para o teto, evitando meu olhar. – Harlow, o que há de errado com você? – Estendo a mão até o outro lado da mesa e a cutuco na testa. – Eu só precisava expor isso, afinal, com você e Mia casadas, Oliver é mais ou menos como um refúgio para mim, e você sabe que tenho um histórico terrível, muito terrível, com rapazes quando eles se tornam… Harlow desliza o olhar de volta para mim, engolindo a salada antes de dizer: – Quando eles se tornam algo mais? – Sim – respondo, cutucando um pedaço de aspargo. – Oliver e eu nos vemos quase todos os dias, mas nunca falamos sobre ficar ou namorar. É estranho faltar esse assunto em nossa amizade, é algo que nós dois parecemos evitar. Talvez haja um motivo para isso. – Devo ligar para Finn? – ela diz para si mesma. – Eu deveria telefonar para Finn. Ele vai me lembrar de ficar com a boca calada. – Mas eu não quero que você fique de boca calada! Minha amizade com Oliver provavelmente é a mais fácil da minha vida. – Ela ergue o olhar para mim, pisca os olhos, e eu dou risada. – Além de você e Mia. Eu só… – Abaixo o garfo. – Você se lembra de quanto Brody me odiou por todo um ano depois que terminamos? Ela assente, dando risada. – E vocês ficaram juntos por algo tipo… dois meses? Meu Deus, que cara louco. Nego com a cabeça. – Sei lá… Ele era um cara legal e éramos amigos há tanto tempo. Até hoje não sei o que realmente aconteceu, mas a relação apenas… fracassou. Sinto a atenção de Harlow voltar-se para mim e se dissipar quando ela olha para seu prato. – E Jack – acrescento. – Também foi foda. Harlow bufa. – Harlow! Sério? – Bem, para ser justa – ela diz –, você fodeu com ele, não? – Quero dizer que o relacionamento foi foda – digo, sem graça enquanto ela dá risada. – Eu fodi a situação. – Harlow engasga com um pedaço de alface. – Jesus Cristo, estou tentando dizer que fodi o
  • 36. relacionamento. Eu sempre fodo as coisas. Ou eu digo a coisa errada, ou não digo a coisa certa; ou estou ocupada demais, ou disponível demais… De uma forma ou de outra, é sempre assim. – Ela está com a cabeça sobre os braços na mesa, os ombros tremendo em meio ao riso. Suspirando, esfaqueio um pedaço de frango e murmuro: – Meu Deus, você só sabe causar! Ela se força a se levantar e passa um dedo longo, com a unha perfeitamente arrumada, sob o olho. – Só estou dizendo que você não é a mesma pessoa de quando tinha 18 ou 19 ou 20 anos. Você e Oliver são bons amigos e também pessoas muito bonitas. Isso é tudo. Vou me calar agora. – Eu o desenhei hoje de manhã – conto. – Harlow, ele tirou a camisa! – Os olhos dela cruzam com os meus e eu sussurro: – Também tirou a calça. – Ele tirou a roupa – ela diz com uma voz regular e descrente. – Oliver fez isso. No seu apartamento. – Sim! Eu o vi quase nu – relato. É inútil dizer a ela que ele claramente fez aquilo para me distrair, afinal, ela iria querer saber por que e, para ser sincera, Harlow não sabe nada sobre meus quadrinhos, exceto por gostar dos músculos que Razor oculta debaixo das escamas. – Quero dizer que foi um pouco estranho, mas, ao mesmo tempo, não foi – continuo. – Ele é… Sim… Ele está em forma, isso é tudo que tenho a dizer. Harlow pressiona o punho contra a boca em um gesto dramático de contenção. Inclinando-me para a frente, sussurro: – Posso contar um segredo? Minha melhor amiga olha para mim e seus olhos suavizam. Harlow finge ser feita de aço, mas não é. É feita de marshmallow. – Você pode me dizer qualquer coisa, queridinha. Respiro fundo, preparando-me para admitir: – Acho que… pode ser que eu goste de verdade de Oliver. Ela cai na risada, descansando a testa nos dedos. – Lola, às vezes você é tão sem noção que chega a doer.
  • 37. Capítulo 4 Oliver Deixo a casa de Lola depois do café da manhã e da nossa sessãozinha de arte. Ao deslizar a porta e fechá-la, sinto que meu pau faz um alongamento reflexivo ao ar livre. A memória dela em seu pijama, meias soltas e as pequenas manchas de carvão em sua testa e bochechas de quando ela distraidamente afastava os cabelos do rosto… Tudo isso provoca um pouco meu cérebro. E estou exausto por ficar concentrado em não ter uma ereção ao longo da última hora. Não sei o que exatamente me fez fazer o que acabei de fazer. Eu a vi se esforçando para ficar calma depois do telefonema. A ambição de Lola é forte e a única coisa que a detém de dominar todo o planeta é o tanto que ela detesta sair de seu espaço criativo e aparecer diante do público. Além disso, ela se dedica mais à mitologia de Razor Fish do que a qualquer outra coisa em sua vida, então a ideia de mudar um detalhe tão fundamental da sua história… Bem, o colapso ficou claro abaixo da superfície. Então ali estava eu, deitado no chão, nu, exceto pela cueca, com os olhos de Lola deslizando por meu corpo como pequenas chamas. Tudo que eu podia fazer era pensar em andar de bicicleta ou contar dinheiro no caixa e definitivamente não pensar em Lola se levantando do sofá, aproximando- se, e abrindo suas pernas longas e delgadas, apoiando seu peso sobre meu quadril. O fato de seu apartamento ser tão próximo da loja é, ao mesmo tempo, uma bênção e uma maldição. Nos primeiros dias, eu chegava ao trabalho antes do amanhecer e ficava até depois de as luzes da rua se acenderem e todas as outras lojas estarem fechadas. Em algum momento depois da inauguração, Lola me entregou uma cópia da chave e insistiu que eu seria bem-vindo se quisesse ficar no apartamento. Houve muitas ocasiões em que teria sido muito mais prático ir ao apartamento em vez de percorrer, de carro, todo o caminho até minha casa, em Pacific Beach. Mas, com Lola, desde o primeiro dia a coisa toda foi uma ladeira escorregadia. Um sorrisinho quando ela entra na loja leva a um sorriso incontrolável quando descubro que a verei novamente mais tarde no Regal Beagle. Um olhar mais demorado leva a uma observação imediata de sua pele macia, seus cabelos negros brilhantes, suas curvas perfeitas. Se eu não for cuidadoso, ir à sua casa com muita frequência tornaria isso um hábito, e não vou me satisfazer até estar com meu corpo sobre o dela, até passar toda noite entre seus lençóis, entre suas coxas.
  • 38. Desço pela escada metálica que leva à E Street e saio debaixo do sol forte de janeiro, inclinando a cabeça para cima. Oxigênio, preciso de oxigênio. Alongo as costas, respirando profundamente várias vezes. Passo a maior parte do dia tentando me manter ocupado o suficiente para não pensar no que foi acordar e vê-la logo como a primeira imagem da manhã: rosto suave e sem maquiagem, o minúsculo diamante brilhando acima de seus lábios cheios e avermelhados. Lola tem uma pele perfeita; tenho a fantasia de procurar uma única sarda ou cicatriz naquela pele. Em geral escovados e brilhosos, esta manhã seus cabelos longos e negros estavam bagunçados e embaraçados de um lado, denunciando para mim como exatamente ela dormiu. Seus olhos estavam pesados de sono e eu queria voltar no tempo, pular em sua cama e beijar aquela boca calorosa e vermelha antes que ela acordasse, enterrar meus dedos em seus cabelos suaves e espessos e rolar sobre ela. Tive essa fantasia um milhão de vezes, de mil formas diferentes, mas toda vez dormimos nus. Às vezes, eu dormi sobre ela; com frequência, ainda estou dentro dela. Às vezes, começamos os movimentos outra vez antes de estarmos totalmente acordados e o que me acorda são os barulhinhos que ela faz ao meu ouvido acompanhados por sua respiração aquecida. Às vezes, fazemos amor quando o sol acaba de nascer – porque eu amo foder gostoso e devagar assim que acordo. Deixando os sonhos que tenho acordado preencherem meus pensamentos, puxo uma pilha de livros para fora de uma caixa e encontro um estilete para desmontar o papelão e enviá-lo para a reciclagem. É um momento de silêncio na loja – Joe ainda não está aqui e a correria do horário do almoço ainda não começou – e a imagem corre por meu cérebro como um disco riscado: o quadril de Lola se movimentando enquanto eu entro, e ela está tão aquecida. Seus olhos estão presos aos meus – gratos pela forma como eu a faço se sentir e um pouco convencidos por eu claramente estar tentando não gozar antes que ela goze. Em minha imaginação, quando Lola me ama, ela nunca é tímida, nunca é fechada. Posso ver a intensidade dentro de mim compensada em sua explosão. É sempre assim, toda fantasia. Certa vez, pensei se era bobagem o fato de, em minha mente, eu imaginar mais cenas transando com ela do que conversando com ela, mas, bêbado, confessei isso a Ansel e ele, também bêbado, insistiu que fazia todo o sentido. – Bem, devo dizer que eu poderia viver todo o meu casamento na cama, nu com Mia. Não tenho nenhum escrúpulo em admitir isso. – Justo – concordei. – Mas, além disso… – ele continuou. – Você conversa com Lola o tempo todo. Vocês dois ficaram tão próximos que quase têm uma língua secreta. O sexo entre vocês será uma espécie de experiência espiritual. Tudo aquilo que você quer que ela diga, ela vai dizer sem usar palavras quando vocês finalmente dormirem juntos. Quando. Sua confiança de que é apenas uma questão de tempo é, ao mesmo tempo, reconfortante e enlouquecedora. Quero, mais do que qualquer coisa, acreditar nele, mas mesmo com meus avanços em minha amizade com Lola – como esta manhã, por exemplo –, não tenho certeza. De qualquer forma… deixá-la me desenhar é uma fantasia que jamais pensei que teria. Aquilo pareceu mais escancarado do que o mais frágil dos beijos ou a mais profunda das fodas. Eu só tive que me deitar ali e deixá-la olhar para mim. Estou me coçando para ver aqueles rascunhos, para ver como ela isolou cada parte do meu corpo, quais partes – se é que tem alguma – ela desenhou repetidas e repetidas vezes. Eu sabia que ela estava desenhando minhas pernas quando esfregava o carvão fortemente no papel. O barulho era mais discreto quando ela desenhava os detalhes do meu rosto, e era nesses momentos