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O DUELO
Turíbio Todo foi pescar e avisou à mulher que só voltaria no outro dia. À beira
do córrego, faltou-lhe o fumo de rolo para espantar os mosquitos; bateu
com os dedos nos tocos e ficou com o pé direito ferido. Por isso, voltou para
casa à noite. Ouvindo vozes no quarto, olhou por uma fisga da porta e viu
que a mulher estava na cama com outro. Sem arma e conhecendo bem o
outro (Cassiano Gomes que pertencera à polícia e era exímio atirador),
Turíbio não fez nada. Afastou-se tão macio como se havia aproximado.
No outro dia, ao voltar para casa, "foi gentilíssimo com a mulher, mandou
pôr ferraduras novas no cavalo, limpou as armas, proveu de coisas a
capanga, falou vagamente numa caçada de pacas, riu muito, se mexeu
muito, e foi dormir bem mais cedo do que de costume." Isso tudo foi na
quarta-feira.
No outro dia, quinta, Turíbio terminou os preparativos e foi
tocaiar a casa de Cassiano Gomes. "Viu-o à janela, dando as
costas para a rua. Turíbio não era mau atirador: baleou o
outro bem na nuca. E correu para casa, onde o cavalo o
esperava na estaca, arreado, almoçado e descansadão".
Turíbio Todo, iludido pela semelhança e alvejando o adversário
por trás, matara não o Cassiano, mas o Levindo Gomes,
irmão daquele. O morto não era ex-militar e detestava mexer
com a mulher dos outros.
Cassiano Gomes fez o enterro do irmão, recebeu as
condolências, trancou bem as portas e as janelas da casa
(era solteiro), conferiu as armas, comprou a besta douradilha
com arreios e tudo, mandou lavá-la e ferrá-la. Só então, partiu
para vingar a morte do irmão.
Cassiano não encontrou Turíbio na primeira tentativa. O papudo
conseguiu enganá-lo, voltando por caminho diverso do imaginado.
Cassiano queria pegar Turíbio desprevenido. Por isso, passou a
andar à noite e dormir de dia. Os planos de Cassiano iam
fracassando. Turíbio conhecia a região como a palma da mão.
Assim, ia conseguindo escapar com boa margem de estrada e
tempo.
Foram tantos os desencontros que Cassiano trocou pela segunda
vez de montada, comprando um cavalo alazão. Também Turíbio
Todo já trocara de animal umas quatro vezes.
Turíbio Todo teve a audácia de voltar ao arraial e passar uma noite
de amor com a esposa, Dona Silivana. Até contou a ela, na hora da
despedida, sob segredo, o seu estratagema último. Estava
apostando que o coração de Cassiano não ia agüentar a
perseguição. Dona Silivana contou isso a Cassiano na primeira
oportunidade. Depois, muita gente sabia da intenção de Turíbio.
A correria monótona, sem desfecho, já durava mais de cinco meses, e
os dois rivais não se encontravam. Certa vez, Cassiano chegou
primeiro à margem do rio Paraopeba, onde só se atravessava de
balsa. O dono da balsa não estava, mas um moleque, seu filho,
garantiu que o papudo ainda não chegara por ali. Cassiano ficou de
tocaia à espera do inimigo. À noite, houve troca de tiros. No outro
dia, Chico Barqueiro quase agrediu Cassiano, pensando que ele
fosse um inimigo. Explicados os mal-entendidos, ao meio-dia,
Cassiano despediu-se: estava disposto a dar uma trégua,
descansar, esperar que Turíbio relaxasse. Depois que partiu, Turíbio
chegou, pronto para atravessar o rio. Em cima da balsa, Chico
Barqueiro ainda o ofendeu.
Depois de atravessar o Paraopeba, Turíbio andou muito, sempre
para o sul, até topar o rio Pará. Ali, encontrou uns baianos que iam
para São Paulo, atraídos pela cultura do café. Falaram em dinheiro
fácil. Apesar da saudade da mulher, Turíbio foi também. Depois
mandava buscá-la.
Turíbio cansava-se à toa. Na parte da tarde, inchava as pernas e
os pés. Foi ao boticário que lhe deu vida até o próximo São
João. Se piorasse, morreria pelo Natal. Diante de tal
realidade, tomou uma decisão: vender tudo que possuía e ir
atrás de Turíbio; precisava matá-lo antes de morrer.
No caminho, Turíbio piorou e teve que fazer alta no Mosquito
– povoado perdido num cafundó de entre morro, longe de
toda a parte – com três dúzias de casebres. Esteve mal, com
respiração difícil. Quando melhorou um pouquinho, "indagou
se por ali não havia um homem valente, capaz de encarregar-
se de um caso assim, assim..." Pagava até um conto de réis.
Não havia. Nem no povoado, nem na redondeza. Cassiano
via o tempo passar, dia após dia, sentado à porta de um
casebre. A paisagem era triste.
Um dia, Cassiano assistiu a um irmão grandalhão batendo noutro
menor. Chamou o menor, de apelido Timpim Vinte-e-um, e indagou-
lhe o nome e por que ele não reagia às pancadas do irmão. O nome
verdadeiro era Antônio, e o apelido oficial era Timpim Vinte-e-Um. É
que a mãe dele tivera vinte e um filhos, e ele foi o último. Não reagia
às pancadas do irmão porque a mãe lhe dissera que ele não
levantasse a mão para irmão mais velho. E todos eram mais velhos.
Vinte e um era casado, e a mulher dele acabara de ter criança.
Cassiano deu-lhe dinheiro para comprar galinhas e alimentara a
esposa. No outro dia, Vinte-e-Um fez uma surpresa ao doente:
trouxe-lhe o filho para lhe tomar bênção. Cassiano ficou emocionado
e piorou. Um dia, quando Cassiano estava pior ainda, Vinte-e-Um
apareceu chorando: o filhinho estava muito doente, ele sem
recursos para socorrê-lo. Cassiano deu-lhe o dinheiro para trazer o
médico até a criança e comprar os remédios necessários. "Veio o
médico; veio o padre: Cassiano confessou-se, comungou, recebeu
os santos óleos, rezou, rezou". Sentindo que a morte já estava na
porta, deu todo o dinheiro que possuía para o compadre Vinte-e-Um
(agora tratavam-se como compadres). Logo depois, morreu e foi
para o céu.
Por meio de uma carta da mulher, que o invocava para o lar,
Turíbio Todo ficou sabendo da morte de Cassiano. "Ele já
tinha ganhado uns bons cobres". Comprou mala e presentes,
pôs um lenço verde no pescoço para disfarçar o papo, calçou
botas vermelhas de lustre e veio de trem. Para perfazer o
resto do caminho, alugou arranjou um cavalo emprestado. No
caminho, foi alcançado por um cavaleiro miúdo, montando
um cavalo magro. Via-se que os dois estavam em petição de
miséria. Depois de continuarem pela estrada, a miniatura de
homem perguntou se ele era mesmo o Turíbio Todo, seleiro
de Vista-Alegre, que estava vindo das estranjas. Turíbio
confirmou. A viagem prosseguiu. Turíbio falava da felicidade
próxima: ver a mulher, levá-la para casa, talvez levá-la para
São Paulo. O caipirinha mostrava-se pessimista: não valia a
pena a gente alegrar-se.
De repente, no meio da estrada fechada, Turíbio levou um susto:
o capiauzinho falou com voz firme e diferente, segurando
uma garrucha velha de dois canos: "Seu Turíbio! Se apeie e
reza, que agora eu vou lhe matar!" Turíbio fez voz grossa,
mas o caipira explicou: não ia adiantar nada porque ele
prometeu ao Compadre Cassiano, na horinha mesmo de ele
morrer. Turíbio tentou ganhar tempo, fez que ia rezar e puxou
o revólver. Mas a garrucha não falhou: foram dois tiros, um do
lado esquerdo da cara, outro no meio da testa. Turíbio caiu
morto, e Vinte-e-Um esporeou a montaria, tomando o
caminho de volta.

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  • 2. O DUELO Turíbio Todo foi pescar e avisou à mulher que só voltaria no outro dia. À beira do córrego, faltou-lhe o fumo de rolo para espantar os mosquitos; bateu com os dedos nos tocos e ficou com o pé direito ferido. Por isso, voltou para casa à noite. Ouvindo vozes no quarto, olhou por uma fisga da porta e viu que a mulher estava na cama com outro. Sem arma e conhecendo bem o outro (Cassiano Gomes que pertencera à polícia e era exímio atirador), Turíbio não fez nada. Afastou-se tão macio como se havia aproximado. No outro dia, ao voltar para casa, "foi gentilíssimo com a mulher, mandou pôr ferraduras novas no cavalo, limpou as armas, proveu de coisas a capanga, falou vagamente numa caçada de pacas, riu muito, se mexeu muito, e foi dormir bem mais cedo do que de costume." Isso tudo foi na quarta-feira.
  • 3. No outro dia, quinta, Turíbio terminou os preparativos e foi tocaiar a casa de Cassiano Gomes. "Viu-o à janela, dando as costas para a rua. Turíbio não era mau atirador: baleou o outro bem na nuca. E correu para casa, onde o cavalo o esperava na estaca, arreado, almoçado e descansadão". Turíbio Todo, iludido pela semelhança e alvejando o adversário por trás, matara não o Cassiano, mas o Levindo Gomes, irmão daquele. O morto não era ex-militar e detestava mexer com a mulher dos outros. Cassiano Gomes fez o enterro do irmão, recebeu as condolências, trancou bem as portas e as janelas da casa (era solteiro), conferiu as armas, comprou a besta douradilha com arreios e tudo, mandou lavá-la e ferrá-la. Só então, partiu para vingar a morte do irmão.
  • 4. Cassiano não encontrou Turíbio na primeira tentativa. O papudo conseguiu enganá-lo, voltando por caminho diverso do imaginado. Cassiano queria pegar Turíbio desprevenido. Por isso, passou a andar à noite e dormir de dia. Os planos de Cassiano iam fracassando. Turíbio conhecia a região como a palma da mão. Assim, ia conseguindo escapar com boa margem de estrada e tempo. Foram tantos os desencontros que Cassiano trocou pela segunda vez de montada, comprando um cavalo alazão. Também Turíbio Todo já trocara de animal umas quatro vezes. Turíbio Todo teve a audácia de voltar ao arraial e passar uma noite de amor com a esposa, Dona Silivana. Até contou a ela, na hora da despedida, sob segredo, o seu estratagema último. Estava apostando que o coração de Cassiano não ia agüentar a perseguição. Dona Silivana contou isso a Cassiano na primeira oportunidade. Depois, muita gente sabia da intenção de Turíbio.
  • 5. A correria monótona, sem desfecho, já durava mais de cinco meses, e os dois rivais não se encontravam. Certa vez, Cassiano chegou primeiro à margem do rio Paraopeba, onde só se atravessava de balsa. O dono da balsa não estava, mas um moleque, seu filho, garantiu que o papudo ainda não chegara por ali. Cassiano ficou de tocaia à espera do inimigo. À noite, houve troca de tiros. No outro dia, Chico Barqueiro quase agrediu Cassiano, pensando que ele fosse um inimigo. Explicados os mal-entendidos, ao meio-dia, Cassiano despediu-se: estava disposto a dar uma trégua, descansar, esperar que Turíbio relaxasse. Depois que partiu, Turíbio chegou, pronto para atravessar o rio. Em cima da balsa, Chico Barqueiro ainda o ofendeu. Depois de atravessar o Paraopeba, Turíbio andou muito, sempre para o sul, até topar o rio Pará. Ali, encontrou uns baianos que iam para São Paulo, atraídos pela cultura do café. Falaram em dinheiro fácil. Apesar da saudade da mulher, Turíbio foi também. Depois mandava buscá-la.
  • 6. Turíbio cansava-se à toa. Na parte da tarde, inchava as pernas e os pés. Foi ao boticário que lhe deu vida até o próximo São João. Se piorasse, morreria pelo Natal. Diante de tal realidade, tomou uma decisão: vender tudo que possuía e ir atrás de Turíbio; precisava matá-lo antes de morrer. No caminho, Turíbio piorou e teve que fazer alta no Mosquito – povoado perdido num cafundó de entre morro, longe de toda a parte – com três dúzias de casebres. Esteve mal, com respiração difícil. Quando melhorou um pouquinho, "indagou se por ali não havia um homem valente, capaz de encarregar- se de um caso assim, assim..." Pagava até um conto de réis. Não havia. Nem no povoado, nem na redondeza. Cassiano via o tempo passar, dia após dia, sentado à porta de um casebre. A paisagem era triste.
  • 7. Um dia, Cassiano assistiu a um irmão grandalhão batendo noutro menor. Chamou o menor, de apelido Timpim Vinte-e-um, e indagou- lhe o nome e por que ele não reagia às pancadas do irmão. O nome verdadeiro era Antônio, e o apelido oficial era Timpim Vinte-e-Um. É que a mãe dele tivera vinte e um filhos, e ele foi o último. Não reagia às pancadas do irmão porque a mãe lhe dissera que ele não levantasse a mão para irmão mais velho. E todos eram mais velhos. Vinte e um era casado, e a mulher dele acabara de ter criança. Cassiano deu-lhe dinheiro para comprar galinhas e alimentara a esposa. No outro dia, Vinte-e-Um fez uma surpresa ao doente: trouxe-lhe o filho para lhe tomar bênção. Cassiano ficou emocionado e piorou. Um dia, quando Cassiano estava pior ainda, Vinte-e-Um apareceu chorando: o filhinho estava muito doente, ele sem recursos para socorrê-lo. Cassiano deu-lhe o dinheiro para trazer o médico até a criança e comprar os remédios necessários. "Veio o médico; veio o padre: Cassiano confessou-se, comungou, recebeu os santos óleos, rezou, rezou". Sentindo que a morte já estava na porta, deu todo o dinheiro que possuía para o compadre Vinte-e-Um (agora tratavam-se como compadres). Logo depois, morreu e foi para o céu.
  • 8. Por meio de uma carta da mulher, que o invocava para o lar, Turíbio Todo ficou sabendo da morte de Cassiano. "Ele já tinha ganhado uns bons cobres". Comprou mala e presentes, pôs um lenço verde no pescoço para disfarçar o papo, calçou botas vermelhas de lustre e veio de trem. Para perfazer o resto do caminho, alugou arranjou um cavalo emprestado. No caminho, foi alcançado por um cavaleiro miúdo, montando um cavalo magro. Via-se que os dois estavam em petição de miséria. Depois de continuarem pela estrada, a miniatura de homem perguntou se ele era mesmo o Turíbio Todo, seleiro de Vista-Alegre, que estava vindo das estranjas. Turíbio confirmou. A viagem prosseguiu. Turíbio falava da felicidade próxima: ver a mulher, levá-la para casa, talvez levá-la para São Paulo. O caipirinha mostrava-se pessimista: não valia a pena a gente alegrar-se.
  • 9. De repente, no meio da estrada fechada, Turíbio levou um susto: o capiauzinho falou com voz firme e diferente, segurando uma garrucha velha de dois canos: "Seu Turíbio! Se apeie e reza, que agora eu vou lhe matar!" Turíbio fez voz grossa, mas o caipira explicou: não ia adiantar nada porque ele prometeu ao Compadre Cassiano, na horinha mesmo de ele morrer. Turíbio tentou ganhar tempo, fez que ia rezar e puxou o revólver. Mas a garrucha não falhou: foram dois tiros, um do lado esquerdo da cara, outro no meio da testa. Turíbio caiu morto, e Vinte-e-Um esporeou a montaria, tomando o caminho de volta.