Este documento estabelece um Termo de Ajustamento de Conduta entre o Ministério Público Federal e o Município de Barra Mansa para preservar o local onde funcionou o 1o Batalhão de Infantaria Blindada durante a ditadura militar e transformá-lo em um centro de memória. O Município deve criar um acervo histórico sobre o período ditatorial no local e destinar espaços para cursos sobre democracia e direitos humanos.
Termo de Ajustamento de Conduta PAC BIB - Barra Mansa
1. MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
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TERMO DE AJUSTAMENTO DE CONDUTA
Pelo presente instrumento, nos termos do art. 5º, § 6º, da Lei n. 7.347/85, de um
lado, o compromissário MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, representado pelo Procurador
da República Julio José Araujo Junior; e, de outro, o compromissário MUNICÍPIO DE BARRA
MANSA, representado pelo Prefeito Jonas Marins;
CONSIDERANDO a atribuição do Ministério Público Federal para a defesa
da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis,
atuando na defesa dos direitos difusos e coletivos, na defesa judicial e extrajudicial dos cidadãos,
nos termos do art. 5º, III, “b” e “e”, art. 6º, VII, “c”, da Lei Complementar nº 75/93 e dos artigos
127 e 129 da Constituição Federal;
CONSIDERANDO as atribuições do 3º Ofício de Tutela Cível e Criminal
sobre os procedimentos relativos às matérias afetas à Procuradoria Federal dos Direitos dos
Cidadãos do Ministério Público Federal, nos termos da Portaria Conjunta nº 03/2014;
CONSIDERANDO o Inquérito Civil Público nº 1.30.010.000436/2014-07,
instaurado para “apurar a prática de violações de direitos fundamentais no 1º Batalhão de
Infantaria Blindada, durante a ditadura civil-militar, bem como assegurar o direito à reparação
das vítimas e de seus familiares no caso relatado no Processo nº 17/72, da Justiça Militar (2ª
Auditoria do Exército da 1ª Circunscrição Judiciária Militar)”;
CONSIDERANDO os direitos à memória e à verdade, que decorrem de
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princípios constitucionais, como o da publicidade (art. 5º, LX) e o direito à informação (artigo 5º,
XIV);
CONSIDERANDO que a história de um povo se constrói a partir das partes
constituidoras da memória coletiva;
CONSIDERANDO que a Assembleia Geral da ONU, em 2010, estabeleceu o
direito à verdade como um direito humano fundamental, pleno e completo, de conhecimento
sobre as graves violações de direitos humanos, crimes de guerra, genocídio ou crimes contra a
humanidade, como uma necessidade para a consolidação da paz;
CONSIDERANDO que, na mesma oportunidade, consolidou-se o direito à
verdade como um direito de toda uma sociedade, cuja história contemporânea foi marcada por
experiências traumáticas de regimes ditatoriais repressivos, em conhecer o máximo possível
sobre os casos, as vítimas, os agentes repressivos;
CONSIDERANDO que, para que um país faça a passagem de um regime
ditatorial para um Estado democrático, é necessário que passe por um processo de ruptura e
adaptação, denominado pelos doutrinadores de Justiça de Transição, que abarca uma série de
medidas, dentre as quais a busca pela verdade histórica (direito à verdade) e a defesa do direito à
memória;
CONSIDERANDO o posicionamento da Corte Interamericana quanto à
responsabilidade internacional dos Estados onde se instalaram regimes ditatoriais, inclusive do
Brasil (Caso Gomes Lund), oportunidade em que se estabeleceram obrigações de indenizar,
reparar e de não repetir a prática do ilícito, entre outras;
CONSIDERANDO que, na sentença da Corte Interamericana no Caso Gomes
Lund, determinou-se que o Brasil “deve continuar desenvolvendo as iniciativas de busca,
sistematização e publicação de toda a informação sobre a Guerrilha do Araguaia, assim como da
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informação relativa a violações de direitos humanos ocorridas durante o regime militar”;
CONSIDERANDO que o art. 216 da Constituição da República expressa
proteção à memória, ao estabelecer que “constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de
natureza material ou imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de
referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade
brasileira”;
CONSIDERANDO que a legislação ordinária, por meio do Decreto-Lei nº
25/37, reforça tal proteção;
CONSIDERANDO que, segundo a Constituição, a proteção do patrimônio
histórico e cultural é de competência concorrente, no âmbito legislativo (art. 24, VII), e cabe ao
Município promover essa atuação em nível local, observa a legislação e a ação fiscalizadora
federal e estadual (art. 30, IX);
CONSIDERANDO que a inexistência de tombamento pela autarquia federal
(Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) não caracteriza a ausência de valor
cultural, uma vez que o tombamento tem valor meramente declaratório quanto a este aspecto.
Assim, mesmo na ausência de tombamento, deve o Ministério Público Federal atuar para a
preservação do bem, inclusive por meio da propositura de ação judicial que declare o seu valor
cultural, se necessário (Enunciado nº 09, de 03 de setembro de 2009, da 4ª Câmara de
Coordenação e Revisão do MPF);
CONSIDERANDO que, entre os meses de dezembro de 1971 e janeiro de
1972, foram presos os soldados Senhorio, Getúlio, Ferreira, Alves, Peri, Amorim, Gonzaga,
Geomar, Evaldo, Aparecido, Wandereli, Monção, Vicente e Soares, sob a acusação de tráfico de
entorpecentes, os quais sofreram torturas por militares S2 da equipe de investigação;
CONSIDERANDO que, segundo a representação, nas sessões de tortura eram
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usadas luvas para “socar” diversas partes do corpo, barra de ferro, palmatoriado com o tamanho
de tacape indígena, choques elétricos com fios, torno de prensa onde quebravam mãos, pés,
joelhos e cabeça, cigarros acesos para queimar a pele e agulha para enfiar nas unhas;
CONSIDERANDO que, dos quinze soldados presos, quatro foram mortos,
após sessões de tortura: Geomar Ribeiro da Silva, Wanderlei de Oliveira, Juarez Monção Virote e
Roberto Vicente da Silva;
CONSIDERANDO que tais fatos foram objeto de investigação no Processo nº
17/72, culminando na prolação de sentença em processo judicial na Justiça Militar, que condenou
os militares Dálgio Miranda Niebus, Paulo Raynarde Miranda da Silva, Ivan Etel de Oliveira,
Rubens Martins de Souza, Sidney Guedes, José Augusto Cruz, Celso Gomes de Freitas Filho e
José Gladstone Pernasetti Teixeira, pela prática de torturas (lesões), homicídio, ocultação de
cadáver e dano ao patrimônio público, bem como os civis Nelson Ribeiro de Moura e Iranildes
Ferreira, pela prática de ocultação de cadáveres;
CONSIDERANDO que a referida sentença representa um reconhecimento da
ditadura civil-militar da prática de torturas no prédio do 1º BIB;
CONSIDERANDO que o direito à memória não constitui mero olhar
retrospectivo ao passado, mas a possibilidade permanente da compreensão coletiva, permitindo
um entendimento também acerca do presente e do futuro;
CONSIDERANDO que, além de se observar o direito à memória, há a
necessidade de reparação simbólica da sociedade e das vítimas da ditadura militar brasileira, que
pode ser realizada por meio da adoção dos instrumentos protetivos dos bens culturais, como a
criação e gestão de centros de memória1
;
1 SOARES, Inês Virgínia Prado. Desafios ao lidar com o legado da ditadura brasileira: e se usarmos os
instrumentos protetivos dos bens culturais? Custos Legis – A revista eletrônica do Ministério Público Federal.
Vol. 4 – 2013.
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CONSIDERANDO que os monumentos e locais que lembram as atrocidades
do passado e as violações de direitos humanos são espaços de luto e, em alguns casos, são
veículos de cura para as vítimas, servindo, ainda, para a cultura de direitos humanos, atendendo à
finalidade de educar a comunidade de proporcionar reflexões que conduzam à não-repetição2
;
CONSIDERANDO que, neste ínterim, foi expedida a Recomendação nº
29/2016, que, dentre suas orientações, recomendou a adoção de todas as medidas necessárias
para afetar a área correspondente ao antigo quartel do 1º Batalhão de Infantaria a um centro de
memória em favor das vítimas da ditadura civil-militar;
CONSIDERANDO que foi esclarecido ao município de Barra Mansa, através
do Ofício nº 1891/2016/MPF/PRM/VR/GAB/JJAJ, que a área inteira do quartel deve ser
destinada à reparação simbólica em favor da memória;
CONSIDERANDO as tratativas realizadas pelo Município de Barra Mansa
com a Secretaria de Patrimônio da União para promover a regularização fundiária do Conjunto
Arquitetônico do antigo quartel e do parque ao redor;
CONSIDERANDO que, a despeito disso, há várias afetadas à administração
do Município no local;
CONSIDERANDO que, em reunião realizada em 08 de novembro de 2016, o
Prefeito do Município de Barra Mansa informou que não tem um projeto pronto, mas se dispôs a
assinar um termo de ajustamento de conduta para garantir a proteção do patrimônio histórico e
cultural na área;
RESOLVEM as partes acima qualificadas celebrar o presente AJUSTE, que
será regido pelas cláusulas abaixo:
2 Idem.
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CLÁUSULA PRIMEIRA – O presente ajuste tem por finalidade prever
obrigações ao Município de Barra Mansa com o fim de assegurar reparações simbólicas em
favor da preservação da memória e do patrimônio histórico nacional na área correspondente ao
quartel onde funcionou o 1º Batalhão de Infantaria Blindada (1º BIB) e o parque ao redor.
CLÁUSULA SEGUNDA – Entendem-se por medidas de reparação simbólica
todas aquelas alinhadas não apenas ao resgate da história do local e dos fatos que lá ocorreram,
mas à adoção de medidas de proteção de direitos humanos em favor da sociedade local;
CLÁUSULA TERCEIRA – O Município de Barra Mansa deverá dotar um
dos pavilhões do antigo quartel do acervo histórico sobre o período ditatorial, a ser exposto ao
público de forma interativa, podendo valer-se, para tanto, do apoio de entidades da sociedade
civil, comissões da verdade e universidades públicas;
§ 1º – Será destinado espaço exclusivo para a instalação de um centro de
referência permanente do direito à memória, que se incumbirá da exposição crítica do material
coletado e da continuidade de pesquisas sobre a memória.
§ 2º – A exposição compreenderá a comunicação visual dos imóveis e de seus
diversos cômodos, reportando à ocupação no período em que funcionou o 1º BIB;
§ 3º – Em outros espaços, haverá destinação para cursos e eventos relacionados
à efetivação da democracia e à promoção de direitos humanos, bem como à implantação de
instituto de humanidades com cursos afns aos objetivos do centro de memória;
§ 4º – O Município realizará tratativas com a Universidade Federal Fluminense
para acessar o material produzido pela Comissão da Verdade Dom Waldyr Calheiros, para que
este possa fazer parte do centro de memória, bem como buscará o apoio técnico dos profissionais
daquela universidade para a concretização deste projeto.
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CLÁUSULA QUARTA – O Município de Barra Mansa promoverá, no prazo
máximo de 90 dias, a instalação, nos outros espaços situados na área do quartel, situados sob sua
administração, de alguns dos seguintes órgãos da administração pública: conselhos populares,
escolas e órgãos de cultura;
Parágrafo único – Na área externa será criado um espaço de lazer e para a
prática de esportes, conforme deliberação da comunidade, a partir de proposta a ser apresentada
por grupo de trabalho que será instituído na forma da cláusula quinta;
CLÁUSULA QUINTA – O Município de Barra Mansa instituirá um grupo de
trabalho para gerenciar as informações, coletar dados e dar continuidade à busca de depoimentos
e imagens que constituirão o acervo de memória do local.
§ 1º – O grupo de trabalho será composto por um arquiteto da prefeitura, um
professor da rede pública municipal, um pesquisador da secretaria de cultura, todos servidores de
carreira, um representante do Conselho Municipal de Cultura e representantes das universidades
da região, das Dioceses e das Comissões da Verdade ainda atuantes;
§ 2º – Este grupo, que será designado em ato formal do Município no prazo de
15 dias, pautará sua atuação pela defesa do presente TAC e realizará a interlocução com o MPF
sobre os assuntos nele elencados, acompanhando o seu cumprimento e velando pela manutenção
dos espaços que gerem uso público e interesse coletivo;
§ 3º – Este grupo deverá encaminhar, no prazo de 30 dias, contados de sua
designação, após coletar os dados necessários para formatação, projeto físico-logístico de
ocupação do local;
§ 4º – Este grupo deverá encaminhar, no prazo máximo de seis meses, após
coletar os dados necessários para instrução dos respectivos processos, ao Conselho Municipal de
Cultura o pedido de tombamento do local e ao IPHAN o pedido de Registro de Lugar para fins
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da preservação da memória dos fatos ocorridos no 1º BIB objeto do presente TAC;
CLÁUSULA SEXTA – O Município de Barra Mansa realizará duas audiências
públicas anuais no local com a sociedade civil para explicitar os objetivos do centro de memória
e proporcionar a participação da população na sua organização e manutenção;
CLÁUSULA SÉTIMA – Fica vedada a utilização do quartel e de suas
adjacências, inclusive a área do parque, para as seguintes finalidades:
I – Construção de empreendimentos privados, salvo aqueles que sejam objeto
de contratos decorrentes das finalidades deliberadas na forma deste termo;
II – Adoção de medidas em desacordo com o planejamento acordado entre o
grupo de trabalho e o MPF;
III – Construção de empreendimentos públicos que não guardem relação com a
finalidade do TAC;
IV – Destruição de qualquer das unidades onde funcionaram unidades do
quartel.
Parágrafo único – Fica assegurada a presença do Tiro de Guerra Barra Mansa
no local, devendo o Município adotar as medidas previstas na cláusula segunda junto aos alunos
e cabendo ao grupo de trabalho regulamentar o uso das áreas externas.
CLÁUSULA OITAVA - Para fins de proteção do local, o Município de Barra
Mansa deverá adotar também as seguintes medidas:
I – Realizar intervenções que incentive a utilização do local, tais como
tratamento paisagístico e instalações para a prática de esportes, apresentações culturais, palestras,
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cursos, visitação das escolas públicas;
II – Intervenções arquitetônicas e urbanísticas que não descaracterizem os
espaços onde ocorreram os fatos de memória a ser preservado;
III – Criar condições de acessibilidade segundo a NB 9050;
IV – Garantir recursos orçamentários anuais para preservação e conservação do
local.
Parágrafo único – A medida contida no item IV demandará comprovação no
procedimento administrativo de acompanhamento do TAC;
CLÁUSULA NONA – O Município autoriza, pelo presente, a atuação no local
de profissionais, indicados pelo MPF, com o fim de aprofundar investigações sobre os fatos
ocorridos no período ditatorial, por meio da adoção de medidas que se fizerem necessárias, a
serem acompanhadas por técnicos da prefeitura.
CLÁUSULA DÉCIMA - O presente termo de ajustamento de conduta terá
eficácia de título executivo judicial, na forma dos arts. 5º e 6º da Lei nº 7.347/85, aplicando-se à
sua execução judicial as normas contidas nos artigos 139, IV, e 536 do CPC.
CLÁUSULA DÉCIMA-PRIMEIRA - O inadimplemento total ou parcial de
quaisquer cláusulas presentes neste instrumento acarretará multa diária de R$ 10.000,00 (dez mil
reais), sem prejuízo da execução do TAC.
§ 1º – Em caso de ocorrência de justo motivo que impeça o cumprimento dos
prazos previstos, o responsável pelo cumprimento deverá comunicá-lo ao MPF no prazo máximo
de 05 (cinco) dias úteis, a contar de sua constatação.
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§ 2º – Caso ocorra o descumprimento de qualquer das obrigações assumidas,
em virtude de atos ou fatos que possam ser atribuídos a terceiros, será assegurado o direito à
ampla defesa e ao contraditório, no âmbito administrativo ou judicial, em atenção ao princípio da
indisponibilidade do interesse público.
Volta Redonda, 24 de novembro de 2016.
_______________________________
Julio José Araujo Junior
Procurador da República
_______________________________
Jonastonian Marins de Aguiar
Prefeito Municipal de Barra Mansa
Testemunhas:
Ronaldo Alves
Secretário de Planejamento de Barra Mansa
Maria das Graças Rocha Dias
Gerente de Cultura de Barra Mansa
Izabel Cristina Castro da Rocha
Arquiteta
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Rapahel Jonathas da Costa Lima
Professor Universitário