A Rede Brasil sobre Instituições Financeiras Multilaterais apresenta esta publicação com o objetivo de contribuir para o debate sobre a atuação e as políticas socioambientais do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), no contexto da fianaceirização da natureza e ambientalização dos bancos. Outro propósito que se busca alcançar aqui é a valorização das experiências de resistência nos territórios, desenvolvidas pelas organizações-membro e pelas parceiras da Rede, diante dos megaempreendimentos financiados pelo BNDES.
Esperamos que as diversas contribuições deste estudo aportem à reflexão das organizações, academia, redes e dos movimentos sociais brasileiros no controle social e redirecionamento de um dos maiores bancos públicos de desenvolvimento do mundo na busca por justiça econômica, social e ambiental.
3. Ambientalização dos Bancos e
Financeirização da Natureza
Um debate sobre a política ambiental do BNDES e
a responsabilização das Instituições Financeiras
Organizado por:
João Roberto Lopes Pinto
Brasília
1a edição
2012
4. Ambientalização dos Bancos e Financeirização
da Natureza - Um debate sobre a política ambiental do BNDES
e a responsabilização das Instituições Financeiras
Rede Brasil sobre Instituições Financeiras Multilaterais
Organizado por João Roberto Lopes Pinto
Brasília, 1a edição, 2012.
ISBN 978-85-88232-05-1
1. Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social - BNDES
2. Salvaguardas socioambientais 3. Financeirização da natureza
4. Ambientalização das Instituições Financeiras
5. Violações de Direitos Humanos
6. Banco Mundial, Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID)
Edição: Patrícia Bonilha
Revisão: Daniela Lima
Projeto Gráfico e Capa: Guilherme Resende - guileresende@gmail.com
Apoio:
5. Ambientalização dos Bancos e
Financeirização da Natureza
Um debate sobre a política ambiental do BNDES e
a responsabilização das Instituições Financeiras
Organizado por:
João Roberto Lopes Pinto
Brasília
1a edição
2012
7. SUMÁRIO
7 Apresentação - Coordenação RB
9 Introdução - João Roberto Lopes Pinto
19 BNDES e violações de direitos - Marilda Teles Maracci
31 Ambientalização dos bancos: da crítica reformista
à crítica contestatária - Fabrina Furtado e Gabriel Strautman
55 Banco Mundial: um exemplo para o BNDES? - Lucia Ortiz
75 A responsabilidade do BNDES pelas violações
de direitos humanos - Jadir de Anunciação de Brito
94 Considerações e Recomendações - João Roberto Lopes Pinto
Contexto Internacional
111 A história se repete como farsa - Diana Aguiar
Contexto Territorial
131 BNDES e violações de direitos: fichário dos casos - Marilda Teles Maracci
Caso TKCSA – Companhia Siderúrgica do Atlântico
Caso UHE Belo Monte
Caso UHE Santo Antônio e UHE Jirau
Caso Veracel Celulose
Caso Megaeventos esportivos (Copa do Mundo 2014 e Olimpíadas 2016)
Caso Vale Moçambique
8. O Estado brasileiro tem financiado a destruição da natureza: impactos em suas populações
6
9. Apresentação
Coordenação Nacional da Rede Brasil*
C
om um acúmulo de quase duas décadas na articulação e Teles Maracci, aprofundadas em um fichário apresentado no
luta contra-hegemônica no campo do monitoramento final da publicação, colocam em xeque a abordagem da política
crítico das Instituições Financeiras Multilaterais (IFMs), a socioambiental do BNDES.
Rede Brasil apresenta esta publicação com o objetivo de contribuir As contradições do modelo de desenvolvimento, promovido
para o debate sobre a atuação e as políticas socioambientais pelas IFMs e defendido pelo Estado brasileiro, capturado pelas
do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social corporações que compõem os blocos hegemônicos de poder no
(BNDES). Outro propósito que se busca alcançar aqui é a cenário nacional, são abordadas nos textos de Fabrina Furtado e
valorização das experiências de resistência nos territórios, Gabriel Strautman, ex-secretários executivos, e por Lúcia Ortiz e
desenvolvidas pelas organizações-membros e pelas parceiras da João Roberto Lopes Pinto, membros da Coordenação Nacional
Rede, diante de projetos e políticas destas instituições. da Rede Brasil. Estes autores explicitam as semelhanças das
Desafiada a aportar na análise sobre as salvaguardas políticas socioambientais em desenvolvimento pelo BNDES
socioambientais do BNDES, como estratégia potencial de controle vis-à-vis o processo de ambientalização do financiamento ao
social de um dos maiores bancos públicos de desenvolvimento desenvolvimento acompanhado de estratégias de financeirização
do mundo, a Rede Brasil desenvolveu este estudo com o apoio da natureza promovidas pelo Banco Mundial.
financeiro da articulação de fundações CLUA (Climate and Na sequência, o estudo aponta perspectivas baseadas em uma
Land Use Alliance). Aliando conhecimentos e a expertise de estratégia política de abordagem jurídica sobre a responsabilidade
pesquisadores de diversas áreas, a Rede buscou fortalecer o subsidiária dos agentes financeiros, apresentada por Jadir Brito,
debate interno, apresentado aqui por ex-secretários executivos e apresenta recomendações para a atuação da Rede Brasil e dos
e membros da sua Coordenação, articulado ao acúmulo de movimentos sociais que, de forma mais ampla, convergem para
redes parceiras, como a Plataforma BNDES e a Rede Brasileira uma maior e necessária incidência da sociedade organizada sobre
de Integração dos Povos (Rebrip), e à valiosa colaboração o BNDES e os rumos de desenvolvimento do país.
acadêmica de especialistas na área jurídica e de análise de O texto complementar de Diana Aguiar apresenta uma análise do
conflitos socioambientais. São textos autorais que não expressam contexto internacional de fortalecimento e reconfiguração das IFMs
necessariamente o posicionamento da Rede Brasil, mas que no período pós-crise financeira de 2008. Fruto de um projeto apoiado
convergem e contribuem para as conclusões e recomendações pela Fundação C.S. Mott, este artigo integra a proposta da Rede Brasil
deste processo de debates empreendido pela Rede. de atualizar-se sobre o novo papel das IFMs e a atuação do G20.
O primeiro artigo é fundamentado em casos concretos que Como parte do processo de incidir sobre o tema do
explicitam os impactos socioambientais e as violações de direitos financiamento ao desenvolvimento e, especialmente, sobre
humanos de projetos financiados pelo BNDES, tanto dentro o BNDES, a Rede Brasil participou de debates regionais,
como fora do Brasil. As evidências elencadas no texto de Marilda organizou oficinas e publicou duas revistas Contra Corrente
7
10. com os temas da ambientalização do financiamento e da de todo este acúmulo e dos diversos ângulos de análise brindados
financeirização da natureza. Nesse contexto, merece destaque a pelos autores. Ela também é reforçada em um contexto em que as
oficina “Serviços Ambientais, REDD e Fundos Verdes do BNDES: estratégias e políticas socioambientais das instituições financeiras,
Salvação da Amazônia ou Armadilha do Capitalismo Verde?”. longe de garantir os direitos das populações ou reconhecer
Realizada em Rio Branco, no Acre, em outubro de 2011, esta atividade os direitos da natureza, representam novas formas de impor a
foi promovida com o apoio do Fórum da Amazônia Ocidental velha ideologia neoliberal e implementar, ao mesmo tempo que
(Faoc), do Centro de Defesa dos Direitos Humanos e Educação mascarar, um novo ciclo de acumulação do capital. Tendo como
Popular (CDDHEP), da CLUA e da Fundação Heinrich Boell. base o aprofundamento da apropriação dos espaços e serviços
Antecipada por visitas a campo, a oficina priorizou os públicos, este ciclo também se fundamenta na financeirização
testemunhos de organizações, pesquisadores, trabalhadores e dos bens comuns e da vida num sentido mais amplo.
trabalhadoras das diversas regiões da Amazônia. A partir dessa Neste momento de reconfiguração da economia, as mesmas
perspectiva, o debate abordou, principalmente, o distanciamento instituições financeiras geradoras das crises se fortalecem,
entre os anseios e propostas populares para a sustentabilidade apresentando-se como uma “solução”, a ponto de lograrem
na Amazônia e a real possibilidade de resguardo de direitos em substituir a política e os direitos por suas condicionantes e
diante da implementação de projetos definidos pelas políticas salvaguardas. Enquanto atuam para garantir privatizações, demissões
de aceleração do crescimento econômico, financiadas pelos massivas, redução dos benefícios e perda dos direitos conquistados
bancos de desenvolvimento. Esta oficina também trouxe à tona o pelos trabalhadores no Norte Global, avançam, no Sul, suas políticas
questionamento sobre a efetividade da estratégia de salvaguardas, de privatização da gestão ambiental e de apropriação do intangível.
especialmente quando são definidas pelas instituições financeiras, Através de reformas políticas e novas leis, permite-se classificar os
sem adequadas condições de participação e controle social e de componentes da natureza como “capital natural” para que os bancos
respeito e incorporação das visões locais de desenvolvimento. e as corporações os transformem em títulos financeiros que podem
A Rede Brasil, com base de definições de suas Assembleias de ser especulados em bolsas de valores.
2007, 2010 e 2012, como membro fundador da Plataforma BNDES É, portanto, mais do que nunca necessário rever os velhos
e integrante do Grupo Operativo desta articulação, decidiu discursos e formas de atuação das instituições financeiras e
focar sua contribuição nas estratégias de responsabilização do fortalecer a resistência e a mobilização social no questionamento
BNDES. Neste sentido, ancora-se em sua própria experiência do papel do Estado no atual modelo de desenvolvimento.
no monitoramento crítico das políticas e salvaguardas Esperamos que as diversas contribuições deste estudo aportem na
socioambientais das IFMs, na articulação regional e internacional reflexão das organizações, redes e movimentos sociais para além
com organizações sociais e redes parceiras para a denúncia dos do âmbito da Rede Brasil e animem ações da Plataforma BNDES
impactos da atuação nacional e internacional do BNDES e no no controle social e redirecionamento de um dos maiores bancos
papel deste Banco e das IFMs na geração de dívidas e violações públicos na busca por justiça econômica, social e ambiental.
de direitos sociais e ambientais na implementação de projetos
* A partir de 17 de agosto de 2012, data de encerramento da IX Assembleia Geral da Rede Brasil,
relacionados à infraestrutura e aos megaeventos esportivos. a sua Coordenação Nacional passou a ser composta das seguintes organizações: Amigos da Terra
Brasil, Fórum da Amazônia Ocidental (Faoc), Fórum da Amazônia Oriental (Faor), Fórum em Defesa
A tese da responsabilização subsidiária do BNDES, fortalecida da Zona Costeira do Ceará e Instituto Mais Democracia. No entanto, é importante ressaltar que esta
publicação foi concebida e produzida pela Coordenação anterior, composta por: Amigos da Terra
nos debates realizados na IX Assembleia Geral da Rede Brasil, que Brasil, Centro de Pesquisa e Assessoria - Esplar, Fórum da Amazônia Ocidental (Faoc), Fórum da
contou com a presença do Ministério Público Estadual do Pará, Amazônia Oriental (Faor), Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase), Instituto de
Estudos Sócio-Econômicos (Inesc), Instituto de Políticas Alternativas para o Cone Sul (Pacs) e Rede
além dos pesquisadores desta publicação, é defendida aqui a partir Alerta Contra o Deserto Verde.
8
11. Introdução
João Roberto Lopes Pinto*
O
presente estudo se inscreve no contexto de democratizar e transformar as práticas do banco em prol do
monitoramento e incidência sobre o Banco Nacional desenvolvimento com justiça social e ambiental.
de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), O BNDES, um dos maiores bancos de desenvolvimento
realizado, desde 2007, tanto pela Rede Brasil sobre Instituições do mundo, não possui política de transparência, de acesso
Financeiras Multilaterais como pela Plataforma BNDES, à informação, não aplica critérios de gênero e raça nem
articulação de organizações e movimentos sociais brasileiros salvaguardas socioambientais que tenham sido construídas
voltada a democratizar o referido Banco, da qual a Rede Brasil é sob o controle ou com participação da sociedade civil. Ao
membro fundador. mesmo tempo, o Banco viabiliza projetos controversos, de alto
Em sua última reunião geral, ocorrida na Escola Florestan risco socioambiental e com elevada concentração dos fluxos
Fernandes em junho de 2011, as organizações que compõem financeiros a grandes empresas nacionais atuando dentro e
a Plataforma BNDES reafirmaram que “a crítica ao padrão fora do Brasil.
de financiamento do BNDES que sustenta o modelo de A partir da exigência de um empréstimo do Banco Mundial
desenvolvimento em curso é o ponto central de unificação direcionado às políticas de gestão ambiental - aprovado em 2008
da Plataforma”. Após estes cinco anos de atuação, percebe-se e um dos maiores recebidos na história das relações do Brasil com
que as questões levantadas pela Plataforma não apenas o Banco - o BNDES comprometeu-se com o desenvolvimento de
permanecem justas e necessárias, mas ganharam um uma política de salvaguardas sociais e ambientais, sem ter tornado
sentido de urgência dadas a escala alcançada pelo BNDES no público e transparente o processo ou os procedimentos resultantes
financiamento ao desenvolvimento e as resistências do Banco, deste compromisso.
ainda muito fortes, em se abrir para um debate mais amplo com Através de um projeto apoiado pelo consórcio Climate and
a sociedade organizada. Land Use Alliance (CLUA), a Rede Brasil contratou este trabalho
Como um dos eixos prioritários de seu plano de ação, as com três objetivos/hipóteses, assim descritos no termo de
organizações da Plataforma defendem a “corresponsabilização referência que orientou o presente estudo:
e responsabilização judicial do BNDES: a Plataforma reunirá “1) Demonstrar, através de estudos de caso concretos que
argumentos para comprovar a responsabilidade judicial do envolvam a violação de leis nacionais e acordos internacionais
BNDES pelas violações de direitos dos trabalhadores e das e a aplicação de instrumentos jurídicos por parte do Ministério
populações atingidas pelos empreendimentos financiados Público ou da sociedade civil organizada, que o fortalecimento
pelo Banco”. Nesse sentido, a Rede Brasil assumiu a tarefa e aplicação das leis nacionais constituem uma via passível de
de subsidiar o processo de aprofundamento das discussões corresponsabilização do BNDES e de pressão pela adequação
sobre salvaguardas socioambientais e corresponsabilização das suas políticas sociais e ambientais.
do BNDES como via de controle social e de pressão pública a 2) Analisar os êxitos, falhas e desafios das políticas de critérios
9
12. e salvaguardas ambientais e dos instrumentos de compliance Já na quarta seção, o pesquisador Jadir Brito empreende
por parte de Instituições Financeiras Multilaterais como o Banco uma análise, partindo do caso do BNDES, do processo de
Mundial vis-à-vis o processo de construção de políticas e ambientalização das instituições financeiras, bem como
salvaguardas socioambientais no BNDES. do marco legal da “responsabilidade solidária” do agente
3) Explicitar as contradições nas políticas de salvaguardas financeiro por danos sociais e ambientais associados aos
sociais e ambientais do Banco Mundial e sua incorporação projetos financiados. Por fim, o pesquisador João Roberto Lopes
nas políticas do BNDES, sem transparência e por meio de apresenta um conjunto de Considerações e Recomendações a
empréstimos que impliquem o ajuste estrutural das políticas partir do estudo realizado, no intuito de responder não apenas
ambientais nacionais, no sentido de sua flexibilização e não de aos objetivos/hipóteses inicialmente propostos, mas também
sua salvaguarda”. de contribuir para a atuação da Rede Brasil no monitoramento e
Para dar conta destes objetivos, o estudo foi subdividido incidência sobre o BNDES.
em quatro partes, que ficaram a cargo de diferentes Para que se possa melhor contextualizar este estudo, é
pesquisadores. Na primeira parte, a pesquisadora Marilda importante descrever, mesmo que brevemente, sobre o
Maracci sistematiza casos de violações de direitos associadas histórico da Rede Brasil, o papel e a importância do BNDES,
a empreendimentos financiados pelo BNDES. O estudo a trajetória da Plataforma BNDES e, por fim, a “Política
se baseia nos seguintes casos de megaprojetos: Usinas Socioambiental do BNDES”.
Hidrelétricas de Santo Antônio e Jirau, em Porto Velho (RO),
e de Belo Monte, em Altamira (PA); Polo Siderúrgico da Histórico da Rede Brasil sobre Instituições Financeiras
ThyssenKrupp Companhia Siderúrgica do Atlântico (TKCSA), Multilaterais
no Rio de Janeiro (RJ); monoculturas de celulose da Veracel,
na Bahia; Megaeventos esportivos (Copa do Mundo 2014 e A Rede Brasil tem como tema central de sua atuação uma
Olimpíadas 2016); e o projeto da Vale de extração de carvão no perspectiva crítica sobre o financiamento ao desenvolvimento.
distrito de Moatize na província de Tete, em Moçambique. Na Dentre suas 80 organizações filiadas, estão movimentos sociais,
sistematização, além das características do empreendimento entidades sindicais, institutos de pesquisa e assessoria, associações
e da participação do Banco, foram levantados os impactos profissionais e ONGs de todas as regiões do país, com atuação
sociais e ambientais, bem como ações judiciais existentes. em âmbito local, regional e nacional. Essas organizações
Na segunda parte, os pesquisadores Fabrina Furtado e Gabriel trabalham em diversos temas e setores das políticas públicas,
Strautman contextualizam e analisam a efetividade do processo como educação, saúde, trabalho, seguridade social, infância,
de construção e aplicação de salvaguardas socioambientais e de infraestrutura, gênero, meio ambiente, agricultura, reforma agrária,
mecanismos de participação e resolução de conflito pelas IFMs, urbanização, planejamento econômico, entre outros.
particularmente pelo Banco Mundial e pelo Banco Interamericano O objetivo geral da Rede Brasil é ser articuladora da sociedade
de Desenvolvimento (BID), e sua relação com o BNDES. Na terceira civil brasileira, através de suas representações, para atuarem
parte, a pesquisadora Lúcia Ortiz recupera e avalia a influência como sujeitos no monitoramento, na elaboração e execução
recente do Banco Mundial, através de empréstimos, estudos das políticas públicas e no acompanhamento de ações pontuais
e cooperação técnica, na formulação das políticas públicas na do setor privado, garantindo, principalmente, os interesses da
área de meio ambiente no Brasil, bem como a reprodução deste sociedade diante das Instituições Financeiras.
modelo e receituário pelo BNDES. A constituição da Rede Brasil, em 1995, foi resultado de dois
10
13. anos de debate e avaliação crítica entre diversas organizações e Desde a VII Assembleia Geral, realizada em 2007, a Rede
movimentos sociais sobre a atuação das Instituições Financeiras Brasil passou a monitorar também as ações do BNDES, que,
Multilaterais (IFMs) no Brasil. Foram identificadas a amplitude, atualmente, ocupa a posição de segundo maior banco de
a diversidade e a complexidade do conjunto de problemas fomento do mundo. Vale dizer que foi durante a referida
em diferentes setores compreendendo políticas e projetos Assembleia que Luciano Coutinho, presidente do BNDES,
do governo brasileiro com financiamento e assistência de comprometeu-se com a agenda da Plataforma BNDES. Em
IFMs, como o Banco Mundial e o Banco Interamericano de 2010, a Rede Brasil criou, no âmbito da sua coordenação, o GT
Desenvolvimento (BID). BNDES, responsável por cuidar da agenda de acompanhamento
Ao mesmo tempo, identificou-se a ausência de mecanismos do Banco por dentro da Rede e fazer a interlocução com a
que favorecessem o enfrentamento destes problemas através de Plataforma BNDES.
processos nacionais. Era necessário compreender o tratamento
de políticas e projetos financiados pelas IFMs no país como uma O papel e a importância do BNDES
questão de interesse nacional, com ênfase nas responsabilidades
das várias partes direta e indiretamente envolvidas, no governo e Ao longo da sua história, o BNDES não assumiu apenas o papel
nas IFMs. Alguns dos marcos históricos da atuação da Rede Brasil de vultoso financiador. Devido à qualificação técnica do seu
estão referidos nos artigos dos pesquisadores Fabrina Furtado, corpo burocrático e do acesso às informações sobre os agentes
Gabriel Strautman e Lúcia Ortiz. econômicos, este Banco contribuiu na modelagem das diferentes
Tal percepção levou à avaliação de que ações conjuntas etapas do desenvolvimento brasileiro.
ou articuladas da sociedade civil junto às IFMs e ao O BNDES foi peça-chave no fomento ao nacional-
governo brasileiro poderiam contribuir para a formação desenvolvimentismo, patrocinando a investida do Estado em
de tais mecanismos e apresentar resultados mais amplos e projetos de infraestrutura, insumos básicos e indústria de base,
eficazes para o enfrentamento e a superação dos problemas voltados a dar suporte à industrialização do país, valendo-se do
identificados do que iniciativas individuais, fragmentadas e modelo de “substituição de importações”. Com o esgotamento
dispersas, como vinha ocorrendo até aquele período. deste modelo, no contexto de liberalização econômica dos anos
A Rede Brasil foi concebida basicamente para: 1990, o Banco tornou-se formulador, gestor e financiador do
::. Propiciar a socialização de informações sobre políticas programa de desestatização, voltado a assegurar a “inserção
e projetos, fortalecendo o engajamento de grupos sociais competitiva” do Brasil na economia global. Atualmente, o BNDES
interessados, afetados ou beneficiados, seus representantes e tem contribuído, na esteira das privatizações, para a formação
organizações da sociedade civil em geral; de grande grupos econômicos privados, sob o discurso dos
::. Servir como um fórum coletivo de discussão sistemática e “campeões nacionais”, centrados no setor de commodities
permanente e facilitar a formação de consensos sobre as várias (agropecuária, etanol, papel e celulose, mineração e siderurgia,
problemáticas identificadas; petróleo e gás), com participações cruzadas nos setores de
::. Subsidiar a articulação entre organizações da sociedade civil construção civil, hidroeletricidade e telecomunicações.
no país para ações e intervenções diante do governo e das IFMs; É importante ressaltar que o BNDES foi o condutor oficial
::.Contribuir para o estabelecimento de canais de interlocução e fornecedor de crédito para as privatizações no Brasil, que
com o governo e as IFMs sobre questões relativas a políticas e alienaram centenas de companhias públicas a preços abaixo
projetos de desenvolvimento. do mercado. Juntamente com consultorias internacionais,
11
14. o Banco elaborou os editais de privatização de estatais mercante, saneamento, urbanização e metrôs. O PAC 2, lançado
e disponibilizou recursos públicos subsidiados para os naquele mesmo mês, previa investimentos de R$ 958,9 bilhões
vencedores dos leilões de desestatização. até 2014 e de mais R$ 631,6 bilhões em obras a partir de 2015 –
Como o modelo brasileiro das privatizações priorizou totalizando R$ 1,59 trilhão (US$ 886 bilhões), para os quais o
a venda das estatais em blocos, estimulou a formação de BNDES, a se manter a tendência atual, deve contribuir com
consórcios entre empresas, contando com a participação mais de 50%.
também do BNDES no capital das empresas privatizadas. Os beneficiários preferenciais do crédito do Banco têm sido os
Vários conglomerados dos setores de construção civil, grandes grupos econômicos, forjados no contexto anteriormente
agricultura, extrativismo e energia, que hoje se expandem descrito. Destacam-se aí os grupos Bradesco, Itaú, Votorantim/
internacionalmente graças ao crédito facilitado do BNDES, Aracruz, Odebrecht, Andrade Gutierrez, Grupo Vicunha, Queiroz
ganharam escala internacional exatamente a partir da Galvão, Camargo Corrêa, Grupo EBX, Gerdau, Perdigão/Sadia,
incorporação do patrimônio público, via privatizações. JBS/Bertin, Vale/Bradesco.
Nos anos 2000, com esses capitais já tendo alcançado
internamente ao Brasil taxas de lucro e esquemas de acumulação Tabela 1 - Desembolsos do BNDES
expressivos, foi ainda mais aprofundada a aliança histórica das
Ano Valores
elites com o Estado brasileiro, que, com o impulso creditício (em R$ bilhões)
do BNDES, dedicaram-se com vigor à internacionalização
2003 35,1
das empresas brasileiras. A concentração dos investimentos
2004 40
destes grandes grupos no setor de commodities responde,
2005 47,1
particularmente, à explosão de demanda por estes produtos na
esteira do vigoroso e continuado crescimento chinês1. 2006 52,3
Desde 2003, primeiro ano do governo do ex-presidente Lula 2007 64,9
da Silva, os desembolsos do BNDES aumentaram em quatro 2008 92,2
vezes, tendo passado de R$ 35,1 bilhões (US$ 12,15 bilhões) para 2009 137,4
R$ 139,7 bi (US$ 74,5) no final de 2011, segundo ano do primeiro 2010 168,4
mandato de Dilma Roussef, sucessora e membro do Partido dos 2011 139,7
Trabalhadores (PT), o mesmo de Lula (ver Tabela 1). Fonte: sítio do BNDES na internet.
Esse crescimento da centralidade do BNDES pode ser bem
exemplificado na participação do Banco no financiamento dos Com este volume de desembolsos, o Banco é responsável
quase 400 projetos de infraestrutura que constavam da primeira por 20%, em média, de todo o crédito no país. Sem dúvida, esta
etapa do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), lançado expressiva participação tem ajudado nas taxas positivas de
em 2007, que simboliza os governos Lula e Dilma e que está crescimento da economia, mas com expressivos custos sociais
centrado em obras físicas – aquelas mais visíveis à população. e ambientais não apreciados ou contabilizados. Os grandes
Os financiamentos do BNDES na primeira parte do PAC projetos agropecuários,minerossiderúrgico, hidroelétricos e
somavam, em março de 2010, R$ 117,5 bilhões (US$ 66 bilhões) extrativos têm gerado, por todo o país, graves impactos sobre
de um total de R$ 208 bilhões (US$ 116 bilhões) nos setores de os territórios e o mundo do trabalho. No caso destes grandes
energia elétrica, petróleo e gás, rodovias, ferrovias e marinha empreendimentos, o Banco se compromete, normalmente,
12
15. com o financiamento de 60 a 80% do valor total do projeto, dos desembolsos para a região Nordeste, mas sem, contudo,
tornando-se desta forma fiador e viabilizador dele. alterar o perfil desigual da distribuição regional: em 2010, o valor
Os recursos do Banco têm origem em quatro fontes principais: dos desembolsos para o Sudeste foi de mais de cinco vezes o
repasse do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), voltado para valor destinado para o Nordeste (ESTATÍSTICAS, 2012).
financiar atividades de geração de trabalho e renda e qualificação A presença do BNDES no setor de micro e pequenas empresas
de mão de obra; o retorno dos créditos concedidos; os ganhos é ainda menor se considerarmos que o Banco classifica como
com aplicações e participações; e repasses do Tesouro. A microempresas empreendimentos com faturamento anual de
participação do FAT na receita do Banco é, em média, de 44%, até R$ 2,4 milhões e pequena empresa com até R$ 16 milhões,
sendo, portanto, sua principal fonte de recursos. Sobre o peso um valor dez vezes maior do que o que estabelece o Estatuto
dos repasses do Tesouro, vale assinalar que, de 2008 (no quadro da Microempresa, R$ 244 mil e R$ 1,2 milhão, respectivamente.
da crise financeira internacional) até 2011, foram repassados R$ Estes dados revelam, de um lado, o reforço da desigualdade
230 bilhões por meio de emissões de títulos da dívida pública, regional e, de outro, o insuficiente apoio aos setores mais
segundo dados do Relatório Gerencial do BNDES, de janeiro de geradores de empregos.
2012 . Desse modo, os repasses do Tesouro já têm se constituído
2
O Banco também atua comprando ações no mercado de
na segunda fonte mais importante de receita do Banco. capitais por meio de sua subsidiária, o BNDESPar, cujo volume
O Banco trabalha com diferentes taxas, sendo elas fortemente de participações societárias em 2010 somava R$ 103 bilhões.
subsidiadas e com períodos de carência e pagamento dilatados Com participações no capital dos principais grupos econômicos
nos empréstimos de longo prazo. Normalmente, o BNDES privados do país, o Banco participava, em 2009, no capital de 22
trabalha com a taxa de juros de longo prazo, atualmente em 5,5% das 30 maiores multinacionais brasileiras (ALMEIDA, 2009).
ao ano, acrescida da sua taxa de remuneração (spread) e taxa São também conhecidos os casos de envolvimento direto do
de risco de crédito. Segundo um estudo produzido pelo próprio Banco no financiamento e formatação das fusões e aquisições,
Banco, a taxa média anual de remuneração, com maior peso na como nos casos da Votorantim e Aracruz, Perdigão e Sadia, Itaú
composição da taxa final, caiu de 2,3%, em 2005, para 1,2%, em e Unibanco, Brasil Telecom e Oi, JBS e Bertin e na malfadada
2008 (GIAMBIAGI; RIECHE; AMORIM, 2009). No caso da Usina tentativa de aliança entre o Pão de Açúcar e o grupo francês
Hidrelétrica de Jirau, no Rio Madeira, a previsão é que o consórcio Carrefour. O nível de concentração da economia patrocinado
vencedor tenha cinco anos de carência e vinte para pagar. pelo Banco tem efeitos diretos sobre a vida dos brasileiros. No
Segundo as estatísticas operacionais do BNDES, nos últimos caso, por exemplo, da Perdigão/Sadia, tal fusão representou, em
dez anos, os desembolsos se concentraram,
Tabela 2
em média, 75% em empresas de grande
Comparativo Desembolsos - US$ bilhões
porte e 55% na região Sudeste. No caso do
Ano BNDES BID BID/Bird
porte das empresas, verifica-se, a partir
2005 19,34 9,72 15,05
de 2010, uma tendência de elevação dos
2006 24,03 11,83 18,32
desembolsos para as micro e pequenas
2007 33,32 11,06 18,18
empresas, mas que permanecem abaixo
2008 50,26 10,49 18,1
dos 20% do total desembolsado no período.
Sobre a distribuição regional, verifica-se 2009 68,78 18,56 30,42
uma elevação importante, a partir de 2009, Fonte: Demonstrativos de desembolso BNDES, BID e Bird
13
16. publicada na imprensa, 80% dos seus financiamentos no
exterior tinham como beneficiários as “quatro irmãs”: as
empreiteiras Odebrecht, Camargo Corrêa, Andrade Gutierrez e
Queiroz Galvão.
O Banco abriu, em 2009, um escritório de representação
em Montevidéu, no Uruguai, e, em 2010, a “BNDES Limited”,
na cidade de Londres. Esta nova subsidiária em território
europeu tem como objetivos captar recursos e fortalecer
os investimentos brasileiros no exterior. Além disso, ela
foi indicada pelo próprio Luciano Coutinho como possível
administradora do Fundo a ser constituído com os recursos
gerados com a venda do petróleo da camada Pré-Sal. Ainda
em 2010, o BNDES abriu outra subsidiária, a Agência de
As populações têm seus direitos sistematicamente violados: em nome do lucro
Crédito à Exportação do Brasil SA – Exim Brasil, bem como um
alguns segmentos de produtos alimentícios, um controle de até Fundo Garantidor do Comércio Externo. No final de 2011, o
80% do mercado, como alertado pelo Conselho Administrativo governo brasileiro autorizou o Banco a patrocinar processos de
de Defesa Econômica (Cade), órgão responsável pela defesa da aquisição e fusões de grupos brasileiros no exterior. Também
concorrência no país. em 2011, o BNDES fechou, no âmbito dos BRICS (Brasil, Rússia,
A internacionalização de empresas brasileiras patrocinada Índia, China e África do Sul), um acordo de cooperação com
pelo BNDES é notável, particularmente, na América Latina, os bancos de desenvolvimento dos países do bloco. Nele,
Caribe e África Lusófona. Nesse sentido, o Banco vem preveem-se a facilitação de transações e projetos em comum e
constituindo diferentes e agressivos mecanismos institucionais a formulação de um arcabouço que possa prover financiamento
e financeiros para ampliar os investimentos destas mesmas a projetos de interesse comum, visando à constituição de uma
empresas em outros países. É importante chamar a atenção entidade interbancária no futuro.
para o fato de que a entrada do BNDES no financiamento Se a escala alcançada hoje pela atuação do BNDES já
a projetos de empresas brasileiras no exterior não tem se nos obriga a falar de uma nova centralidade do Banco, no
limitado à operação de linhas específicas de financiamento para cenário que se projeta para a próxima década, seu papel
comércio exterior. Assiste-se, com efeito, a um processo rápido tende a se agigantar em conexão com a oligopolização da
de internacionalização do próprio Banco, que hoje já supera economia brasileira. Sem dúvida alguma, tal oligopolização,
em muito, em termos de desembolsos, o Banco Interamericano com todos os seus passivos sociais e ambientais, vem sendo
de Desenvolvimento (BID) e o Banco Internacional para concebida e fomentada deliberadamente como condição da
Reconstrução e Desenvolvimento (Bird),um braço do Grupo internacionalização dos grandes grupos econômicos. Cabe
Banco Mundial (ver Tabela 2). ressaltar, portanto, que a centralidade não se refere apenas
A partir de 2002, o Banco passa a financiar projetos fora ao seu papel de financiador ou de mero executor de políticas
do país, com a contrapartida de que sejam contratados bens definidas pelo governo federal. O Banco é também formulador
e serviços de empresas nacionais. A carteira do BNDES no e compõe o centro decisório do governo sobre as políticas
exterior, somava US$ 13 bilhões em 2010. Segundo matéria de desenvolvimento.
14
17. em duas agendas prioritárias: a adoção pelo Banco de uma
Trajetória da Plataforma BNDES política pública de informação e a adoção de critérios sociais
e ambientais em seus financiamentos, particularmente
Em julho de 2007, a Plataforma BNDES nascia com o objetivo para os setores de etanol e hidroelétrico. A forma como o
de incidir sobre os rumos do desenvolvimento brasileiro, a Banco recepcionou estas duas agendas revela o seu papel na
partir da atuação sobre o BNDES, órgão do Estado que exerce, viabilização da concentração da economia brasileira.
historicamente, papel central no fomento e na formulação do Após muitas pressões, o BNDES abriu, pela primeira vez na sua
desenvolvimento da base produtiva e financeira do país. O história, de modo parcial, as informações sobre a sua carteira
documento “Plataforma BNDES”, encaminhado ao presidente do de projetos. Em 2009, o Banco criou o “BNDES Transparente”.
Banco, Luciano Coutinho, em junho de 2007, traz um diagnóstico No entanto, os dados constantes no sítio eletrônico do Banco
crítico sobre a atuação desta instituição financeira, bem como cobrem apenas os projetos contratados a partir de 2008; antes
proposições no sentido da sua reorientação. disso não se tem informação acerca dos projetos. Isso fere não
O diagnóstico já destacava a reorientação do Banco, a apenas o princípio da publicidade na administração pública,
partir das privatizações dos anos 1990, como “agente de um assegurado pelo Art. 37 da Constituição Federal, como também
desenvolvimento que persegue a ‘inserção competitiva‘ do País contraria a lei de acesso à informação pública (Lei No12.527/2011),
no contexto global (...) no sentido de priorizar o atendimento que entrou em vigor no dia 16 de maio de 2012.
dos mercados externos; favorecer setores exportadores, em Já no caso dos critérios sociais e ambientais, o Banco vem
geral com baixa agregação de valor; e internacionalizar capitais assumindo o “discurso verde” e a “prática cinza”. Às investidas da
de origem nacional”. Plataforma no sentido de contribuir para a adoção de critérios e
A crítica dirigia-se ao papel do BNDES no financiamento à salvaguardas sociais e ambientais nos procedimentos e contratos,
concentração econômica, viabilizando grandes conglomerados o Banco foi evasivo, quando não refratário. As resistências do
empresariais e financeiros, prioritariamente nos setores de Banco em mudar procedimentos e práticas conduziram as
mineração e siderurgia, papel e celulose, agropecuária, petróleo organizações da Plataforma BNDES a chamar atenção para o fato
e gás, hidroelétrico e etanol, com intensos e extensos impactos de que, ao não assumir sua responsabilidade social e ambiental,
sociais e ambientais. o Banco agia como corresponsável pelas violações de direitos
As proposições contidas no documento apontam para a geradas pelos projetos por ele financiados.
necessidade de se estabelecer mecanismos de controle social Dessa forma, a Plataforma organizou no final de 2009 o I
sobre a atuação do Banco, bem como sua reorientação em Encontro Sul-Americano de Populações Atingidas por Projetos
favor de uma maior diversificação produtiva e descentralização Financiados pelo BNDES. Uma carta, resultado do Encontro,
econômica. Tais proposições foram formuladas em quatros em que a Plataforma reafirmava suas reivindicações, foi
eixos: publicidade e transparência; mecanismos de participação encaminhada a Luciano Coutinho, em 25 de novembro de 2009.
e controle social; critérios sociais e ambientais a serem Ele limitou-se a dizer, diante de uma delegação de representantes
observados na análise, aprovação e acompanhamento dos de populações atingidas pelas Hidrelétricas de Jirau e Santo
projetos; e políticas setoriais voltadas à inversão de prioridades da Antonio, no Rio Madeira, e de Belo Monte, em Altamira, pelas
política operacional do Banco. plantações de eucalipto no sul da Bahia e norte do Espírito Santo
Até o final de 2009, a Plataforma estabeleceu uma interlocução e pelas intervenções brasileiras na Bolívia e no Equador, que não
direta com o gabinete da presidência do Banco, concentrando-se se preocupassem porque medidas já estavam sendo tomadas
15
18. para a adoção de uma política socioambiental pelo Banco. Após que já indicava a necessidade de maior eficiência, leia-se
esta conversa, a interlocução da Plataforma com a presidência celeridade, nos processos de licenciamento ambiental. Como
do Banco foi totalmente interrompida. No final de 2010 foi se verá ao longo deste trabalho, o SEM DPL apresenta outras
formalmente aprovada a “Política Socioambiental do Sistema do condicionalidades que também apontam para a flexibilização
BNDES”, sem que o Banco tivesse feito uma consulta ampla com da legislação e gestão ambiental e para a criação de um
setores organizados da sociedade. mercado do clima no país.
Diferentemente do que a formalização da iniciativa faria
Política Socioambiental do BNDES supor, persiste no BNDES, mesmo depois de instituída a
sua Política Socioambiental, a situação reconhecida em um
Embora já dispusesse de uma nomeada “política ambiental” documento do próprio SEM DPL, do Bird, de que “um problema
desde os anos 1980, foi somente em novembro de 2010 que o que o Departamento Ambiental e Social do BNDES reconhece e
BNDES incorporou, em um capítulo específico de sua Política que luta para resolver é que a maioria dos projetos financiados
Operacional, a “Política Socioambiental”. De acordo com o diretamente pelo BNDES não passaram pelo pleno processo de
próprio Banco, “a decisão por essa nova forma de organização avalização ambiental e social” (grifo nosso).
da Política Operacional reforça tanto a aplicação das diretrizes Nas diretivas da Política Socioambiental está o
socioambientais para elaboração de produtos, linhas, comprometimento formal do Banco com o que determina a
programas e fundos do BNDES, como a prática mais alinhada legislação ambiental brasileira, seja a observância das devidas
à incorporação das questões social e ambientais no principal licenças (prévia, de instalação e operação), seja o compromisso
macroprocesso operacional do BNDES: o fluxo de concessão com a avaliação e correção de impactos esperados nos projetos.
de apoio financeiro”. Tal fluxo compreende o que também Mas, como se verá adiante, se o Banco avança em instrumentos
se chama, na linguagem do Banco, de “ciclo do projeto”, de avaliação de riscos socioambientais, ele não deixa claro os
compreendendo as etapas de enquadramento, análise, mecanismos contratuais de que se vale para a mitigação e/
aprovação, contratação e acompanhamento das operações. ou correção de impactos esperados, nem tampouco de que
A “Política Socioambiental do Sistema BNDES” foi instituída instrumentos e procedimentos de acompanhamento das
como contrapartida do Empréstimo Programático de Política operações dispõe para a correção de tais impactos. Dito de outro
para o Desenvolvimento em Gestão Ambiental Sustentável modo, o Banco avalia os riscos socioambientais dos projetos
Brasileira (SEM DPL, na sigla em inglês) do Banco Mundial, que financia, mas não parece, de fato, levá-los em conta na
no valor de US$ 1,3 bilhão – em que a política ambiental desta operacionalização de seus financiamentos.
instituição serve de referência para o BNDES. Os empréstimos Para além da exigência do licenciamento, na fase de
do Bird, historicamente associados às malfadadas políticas enquadramento e análise dos projetos, o Banco vem
de ajuste fiscal, apresentam-se agora em sua versão soft de estabelecendo alguns mecanismos de aferição e avaliação
condicionalidades socioambientais. dos riscos socioambientais dos projetos. Já em 2008, o Banco
Vale dizer que este empréstimo foi precedido, como anexou ao Roteiro de Informações para a Consulta Prévia dois
contextualiza a pesquisadora Lúcia Ortiz, por outro questionários, com a finalidade de avaliar o impacto ambiental
empréstimo do Bird para o Ministério do Meio Ambiente e social esperado do projeto (Anexos 6 e 7, respectivamente).
(MMA), intitulado Projeto de Assistência Técnica para a O Banco se comprometeu, igualmente, em produzir “guias
Agenda de Sustentabilidade (TAL SAL, na sigla em inglês), socioambientais setoriais” a fim de “apoiar tecnicamente as
16
19. unidades operacionais do BNDES na análise socioambiental
de projetos”, com a indicação de “diretrizes de desempenho
socioambiental”, bem como de “riscos socioambientais
relacionados com a operação” por setor. Os primeiros guias
produzidos foram para os setores de açúcar e álcool, soja
e pecuária. Segundo consta na própria política, “os guias
têm caráter orientador e seu conteúdo não cria obrigações
adicionais às decorrentes da legislação brasileira e das
resoluções da Diretoria do BNDES” (grifo nosso).
Na etapa do enquadramento das operações, o Banco realiza,
com base na avaliação dos aspectos sociais e ambientais
dos beneficiários, a “Classificação da Categoria Ambiental”
do empreendimento:
A – “atividades intrinsecamente relacionadas a riscos
de impacto ambiental significativos, em que o licenciamento
requer estudos de impacto, medidas preventivas e ações
mitigadoras”;
B – “atividades envolvendo impactos ambientais mais leves
ou locais e requer avaliação e medidas específicas”;
C – “atividade não apresenta, em princípio, risco ambiental
significativo”.
Segundo o que determina a Política Socioambiental, “a
Categoria Ambiental estabelecida para o empreendimento
determina procedimentos distintos nas fases de Análise
e Acompanhamento da operação”. Embora a Plataforma
BNDES tenha reclamado sem sucesso de que o Banco desse
publicidade ao enquadramento dos projetos pelas categorias
ambientais, pode-se constatar, valendo-se dos casos de
megaprojetos apresentados neste estudo, que tal classificação
não tem redundado em procedimentos distintos nem de
análise, muito menos no acompanhamento da operação. As
informações sobre impactos ambientais esperados não se
transformam em condicionantes ou salvaguardas nos contratos
de financiamento, caracterizando-se como mero levantamento
de informações a respeito dos projetos financiados e não, como
deveria ser, de instrumentos efetivos de qualificação ambiental
dos desembolsos do Banco.
17
20. Na etapa de análise, aprovação e contratação dos projetos, o não poderiam ser beneficiados em áreas dos biomas da Amazônia
Banco afirma realizar a “avaliação do beneficiário sobre a sua e do Pantanal; de termelétrica a combustíveis, que estabelece
regularidade junto aos órgãos de meio ambiente, pendências restrições na emissão de partículas na atmosfera; e da pecuária/
judiciais e efetividade da atuação ambiental”. Considerando frigoríficos, que determina o cadastramento dos fornecedores e
novamente os casos aqui tratados, em que ocorrem graves e a exigência da rastreabilidade progressiva do gado. Vale dizer que
recorrentes irregularidades e violações de direitos associadas a a aplicação de tais salvaguardas está baseada, invariavelmente,
projetos financiados pelo Banco, fica também evidente que esta na autodeclaração do tomador do empréstimo, não contando
avaliação, caso efetivamente ocorra, não tem efeitos práticos. novamente o Banco com instrumentos de monitoramento e
O Banco afirma, ainda, que nesta etapa empreende a “avaliação fiscalização do seu cumprimento.
dos empreendimentos quanto aos principais impactos sociais e Além da revisão de suas práticas operacionais, a Política
ambientais, inclusive no seu entorno, sua correspondência, quando Socioambiental do BNDES inclui mudanças na estrutura
for o caso, com as ações preventivas e mitigadoras propostas no organizacional do Banco. Foi instituída, também em 2010, a área
licenciamento ambiental”, bem como a “inclusão de possíveis ambiental, que elevou o status da temática ambiental, anteriormente
condicionantes de natureza social e/ou ambiental estabelecidas a limitada a um departamento para uma superintendência
partir da análise realizada (do cliente e do empreendimento), em do Banco. Tal superintendência compreende hoje o antigo
complemento às exigências previstas em lei, quando for o caso”. Departamento Ambiental do Banco e o Fundo Amazônia.
Embora nos faltem os termos dos contratos de financiamento A regulamentação do Fundo Amazônia, em 2008, também
firmados pelo Banco e os empreendimentos estudados, pode-se consta como uma das contrapartidas do empréstimo SEM
afirmar, tomando mais uma vez os casos deste estudo, que tais DPL, do Banco Mundial. A gestão pelo BNDES de novos fundos
avaliações e condicionantes ou não são praticadas ou são nulas. ambientais voltados a estruturar um mercado do clima no país,
Mas, talvez, o que mais chame a atenção na descrição da Política como o Fundo Amazônia e o Fundo Nacional sobre Mudança
Socioambiental do BNDES seja a forma como o Banco descreve a do Clima, será tratada no artigo de Lúcia Ortiz. Outro aspecto
etapa de “acompanhamento das operações”, onde se lê que “são da Política Socioambiental a ser abordado pela pesquisadora
verificados: o cumprimento de eventuais medidas mitigadoras, diz respeito à abertura de uma linha de crédito pelo Banco para
obrigações em termos de ajuste de conduta e condicionantes qualificar órgãos estaduais de licenciamento, no contexto de
presentes no contrato e nas licenças ambientais, quando for o avanço das reformas no sistema de concessão de licenças e
caso”. Restaria perguntar, à luz dos casos aqui estudados, quando gestão ambiental, avaliado pelo Banco Mundial como um dos
é que o Banco entende ser o caso de ele verificar o cumprimento principais entraves para o desenvolvimento brasileiro.
de condicionantes, pois, novamente, parece tratar-se de letra
morta. Tal percepção é ainda mais reforçada pelo fato de que não
há nenhuma menção do Banco sobre se há e quais seriam os
* Responsável pela organização desta publicação, João Roberto Lopes Pinto é Coordenador do
mecanismos de acompanhamento dos projetos intrinsecamente Instituto Mais Democracia e desde a IX Assembleia Geral da Rede Brasil, realizada em agosto de
2012, é membro da Coordenação Nacional da Rede Brasil.
impactantes em termos sociais e ambientais.
Somente para três setores específicos o BNDES estabelece 1 Para uma análise mais detida sobre o papel do BNDES nos últimos vinte anos, ver TAUTZ, C. Et alli, 2011.
obrigações adicionais ao que determina a lei, o que o Banco chama 2 Segundo o economista Mansueto Almeida, pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada
de “diretrizes e critérios socioambientais setoriais específicos”. Este é (Ipea), “até 2008, o estoque de empréstimos do Tesouro ao BNDES era de R$ 10 bilhões, e hoje está em R$
311,8 bilhões (dados de fevereiro de 2012). Com os R$ 45 bilhões a mais que o governo vai emprestar ao
o caso das salvaguardas estabelecidas para os setores de etanol, que BNDES [provavelmente, entre 2012 e 2013], o volume chegará a quase R$ 360 bilhões” (O ESTADO, 2012).
18
21. Megaprojetos
e violações de direitos
Marilda Teles Maracci*
E
ste texto apresenta exemplos emblemáticos de grandes Os estudos de caso apresentados nesta publicação abordam
empreendimentos que se caracterizam pela lógica quatro setores e se aprofundam em oito megaempreendimentos,
da minimização de custos financeiros relacionados à sendo um deles fora do Brasil. São eles: no setor celulósico,
mitigação e compensação dos impactos socioambientais , em 1
a Veracel Celulose S.A., no extremo sul da Bahia, e a CMPC
detrimento dos critérios de eficiência econômica e de justiça Celulose Riograndense, em Guaíba, no Rio Grande do Sul; no
social e ambiental. Atuam em consonância com “um certo setor energético, as Usinas Hidrelétricas (UHEs) Santo Antônio
padrão de acumulação do capitalismo brasileiro, inaugurado e Jirau, no Rio Madeira, em Rondônia, e Belo Monte, na bacia
com as privatizações e a liberalização comercial dos anos 1990, do Rio Xingu, no Pará; no setor da construção civil, o ProCopa,
baseado na formação e fortalecimento de conglomerados em Fortaleza, no Ceará, e outras grandes obras urbanas nas
Atossa Soltani/Amazon Watch
privados (nacionais e estrangeiros), fomentados pelos fundos doze cidades brasileiras que sediarão a Copa do Mundo, em
públicos, via capital estatal e paraestatal (empresas estatais e 2014, e as Olimpíadas, em 2016, no Rio de Janeiro; e, por último,
fundos de pensão)” .2
19
22. no setor da mineração/siderurgia, o conglomerado industrial- megaempréstimos concedidos pelo Banco Nacional de
siderúrgico-portuário da ThyssenKrupp Companhia Siderúrgica Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), com condições
do Atlântico (TKCSA), na Baía de Sepetiba, no Rio de Janeiro, e incrivelmente favoráveis. No caso do projeto de exploração
a Vale Moçambique Ltda., na Bacia Carbonífera de Moatize da de carvão mineral da Vale em Moçambique, o BNDES não
província de Tete, em Moçambique, na África. Um fichário repleto disponibiliza informações sobre a sua participação nos
de informações e detalhes sobre estes oito casos simbólicos investimentos. No entanto, o Banco possui aproximadamente
encontra-se no Contexto Territorial, na parte final deste livro. 10% do consórcio ValePar, controlador da Vale com 53% do capital
Eles explicitam que o mesmo padrão de sistemáticas e graves votante. Ele é também detentor das denominadas “ações de ouro”
violações de direitos é repetido pelos mesmos conglomerados (golden share), adquiridas no período da privatização, o que lhe
empresariais onde quer que eles se instalem, independente das confere o poder de veto sobre as principais decisões da empresa.
diferenças de dinâmicas e da diversidade regional, cultural, social, É importante ressaltar que o BNDES cumpre, nos governos
econômica e ambiental dos povos e das regiões. Lula e Dilma, o papel de indutor do crescimento, promovendo
Os megaprojetos em questão ilustram, de modo quase a “transferência massiva de recursos públicos, acompanhada
visceral, o desenvolvimentismo historicamente praticado no de flexibilização institucional”4. Neste sentido, “chama atenção
Brasil que é fundamentado na concepção de crescimento os setores de mineração e siderurgia, etanol, papel e celulose,
econômico (aumento da quantidade de bens, produtos e petróleo e gás, hidroelétrico e agropecuária, que receberam
serviços produzidos) e na busca da inserção competitiva do juntos quase a totalidade do meio trilhão de reais desembolsados
Brasil no contexto global, através do “aumento na quantidade pelo BNDES, no período Lula”5.
dos produtos exportados e na quantidade de grandes empresas Desde a década de 1950, o BNDES atua como instrumento
brasileiras com presença forte no mercado internacional” (Rede de fomento da indústria brasileira. Desse modo, favoreceu
Brasil sobre Instituições Financeiras Multilaterais, consideravelmente, por exemplo, a implantação de complexos
2008, p. 13) . Trata-se de um modelo que concentra renda e
3
agroindustriais celulósicos, como a Veracel e a Riograndense,
poder e produz elevados custos socioambientais. que ainda hoje contam com tais fomentos. Através dos Planos
É oportuno observar que, no que se refere aos de Aceleração do Crescimento (PAC I e PAC II), os governos Lula
empreendimentos produtivos, grande parte ou quase a totalidade e Dilma direcionam prioritariamente recursos, via BNDES, na
da produção destina-se à exportação direta, a exemplo da expansão da infraestrutura. Como é o caso da construção das
celulose, mineração e siderurgia, ou à exportação indireta, caso criticadas usinas hidrelétricas na Amazônia, que são implantadas
das hidrelétricas em construção na Amazônia, em que grande sobre áreas de rica sociobiodiversidade, a exemplo dos territórios
parte da energia produzida será destinada a “grandes indústrias indígenas. Nessa mesma linha de “aceleração do crescimento”
eletrointensivas que exportam alumínio e minério de ferro com a partir de grandes investimentos públicos, megaobras urbanas
baixo valor agregado, gerando pouquíssimos empregos na de preparação para a Copa de 2014 e as Olimpíadas de 2016
região; e não para atender as populações mais pobres, como são construídas seguindo referências urbanísticas das Cidades
afirma o discurso oficial do governo” (Carta da Aliança em Globais e promovendo dramáticos deslocamentos compulsórios
Defesa dos Rios Amazônicos para Dilma Rousseff, das populações de baixa renda.
Brasília, 8 de fevereiro de 2011). Indiferente aos questionamentos de parte da sociedade civil
Todos os megaempreendimentos aqui abordados têm organizada em relação às suas prioridades de investimento, o
outra característica comum: contam privilegiadamente com BNDES cresce visivelmente: “desde 2005 o volume de créditos
20
23. do BNDES aumentou 391% e é maior
do que o Banco Mundial” (Garcia,
2011)6. Com participação acionária na
maioria das empresas envolvidas com
os megaempreendimentos, o BNDES
não apenas financia, como é também
corresponsável pelas opções de
investimentos. De janeiro a agosto de
2006, o BNDES aprovou financiamentos
de R$ 3 bilhões para projetos de expansão
da produção de papel e celulose,
que somam R$ 5,5 bilhões7. “Para a
Veracel II [ampliação da Veracel], o
BNDES desembolsará R$ 1,4 bilhão8. Se
compararmos este valor com a quantidade
de empregos gerados, cada posto de
trabalho no novo projeto da Veracel
Renato Cosentino
custará R$ 486.111,009.“
Para os empreendimentos das UHEs
de Santo Antônio e Jirau, em Porto Mais de 150 mil pessoas serão removidas de suas casas por causa dos megaeventos esportivos: jogo sujo
Velho, o BNDES destinou um total de
R$ 13,3 bilhões, apesar dos pesados questionamentos quanto certo comportamento padrão ou falhas crônicas compondo as
à viabilidade econômica e ambiental dessas obras desde o violações constatadas tanto no processo de planejamento quanto
início dos processos de licenciamento . “O valor do possível
10
nas fases de construção, agravando-se na fase de operação.
novo empréstimo, anunciado pelo presidente do Banco, E, como já afirmado anteriormente, o BNDES não se vale de
Luciano Coutinho, não foi informado, mas o BNDES havia se critérios socioambientais na análise e aprovação dos projetos,
comprometido a financiar até 80% (cerca de R$ 25 bilhões) dessas nem tampouco de mecanismos de acompanhamento dos
obras” (Plataforma BNDES, 2011) . Segundo informações
11
impactos dos projetos que financia.
do Ministério Público Federal (MPF), disponibilizadas no sítio Os megaempreendimentos são especialmente emblemáticos
eletrônico do Movimento Xingu Vivo Para Sempre, em fevereiro no que se refere às injustiças socioambientais, pois geram uma
de 2012, “o empréstimo solicitado pela Norte Energia para enormidade de graves impactos sociais, ambientais, fundiários,
Belo Monte é de R$ 24,5 bilhões e existem onze processos violações sistemáticas de direitos ambientais, trabalhistas e
questionando o empreendimento que ainda não foram julgados direitos da pessoa humana (indivíduo e coletivo), violam acordos
(...) considerando um cenário de custo total do empreendimento internacionais, leis nacionais, políticas fiscais ou políticas
de aproximadamente R$ 30 bilhões (previsão mais recente de setoriais específicas, além de forjar e aprofundar desigualdades
custos para Belo Monte)” . 12
econômicas, sociais e regionais, historicamente produzidas
Observa-se, em todos os empreendimentos aqui tratados, um nas áreas de implantação dos referidos empreendimentos e
21
24. migração na fase da construção da UHE
Belo Monte, estimada em mais de 100
mil pessoas, é um exemplo recente
deste recorrente subdimensionamento.
O resultado é o aumento exponencial da
população e da ocupação desordenada
dos aglomerados urbanos nos locais
próximos à implantação da obra. Os
problemas decorrentes são o aumento
considerável da violência, de homicídios,
do tráfico de drogas, da venda de
bebidas, da prostituição (inclusive
infantil), o colapso nos serviços e
espaços públicos (hospitais, ruas, escolas,
postos de saúde, etc.), a elevação do
Alexis Bastos/Rioterra
custo de vida, entre outros.
Estas violações “contribuem para a
fragilização dos mecanismos de controle
Antes mesmo do início das obras no Rio Madeira, a população já sofria os impactos: mercantilização da natureza social conquistados pela sociedade
civil e impactam de modo severo
seu entorno. Todas estas violações se avolumam na conta do e, às vezes, irreversível o meio ambiente e as populações”13,
passivo das empresas financiadas pelo BNDES e, portanto, na muitas destas já fragilizadas no campo dos direitos territoriais
conta do próprio Banco, o que o torna inquestionavelmente e/ou socioambientais. Dentre outros feitos perversos da
corresponsável pelas violações. implementação dos megaprojetos, destacam-se o das remoções
Este é o caso da migração de trabalhadores, recorrentemente compulsórias de comunidades urbanas empobrecidas e o da
subdimensionada nos Estudos de Impactos Ambientais expropriação de populações das áreas rurais de seus meios de
(EIAs). Trata-se dos deslocamentos de expressivas massas de produção, territórios e modos de viver, acentuando os níveis de
trabalhadores que ocorrem em função das ofertas temporárias degradação ambiental e de pobreza. Este é o caso das populações
de empregos na fase de construção/implantação dos projetos. que trabalham e vivem no meio rural em regime de economia
No entanto, após a finalização desta fase, os trabalhadores familiar e relação comunitária, como os ribeirinhos, extrativistas,
ficam sem emprego e têm suas condições de vida agravadas no pescadores, agricultores familiares, indígenas e quilombolas.
território que, via de regra, já é bastante limitado no provimento Explicitamente, diversas categorias de trabalhadores envolvidos
dos serviços públicos. O subdimensionamento de problemas nestes empreendimentos sofrem as mais variadas violações de
associados ao deslocamento de milhares de trabalhadores para direitos, inclusive condições de trabalho análogo ao escravo,
as áreas atingidas, gerando inchaços urbanos, crescimento conforme amplamente denunciado pelos movimentos sociais.
desordenado e falta de perspectivas, constitui uma característica Entre as características que compõem este quadro estão
comum a estes megaprojetos financiados pelo BNDES. A as chamadas “relações promíscuas” entre diversas escalas
22
25. governamentais e do parlamento e as grandes corporações que se verifica, além da ausência de diálogo e transparência, a
empresariais (nacionais/transnacionais), a exemplo da relação falta de negociação prévia de projetos de remoções populacionais
entre o setor elétrico do governo – Ministério de Minas e Energia compulsórias, bem como das alternativas existentes. Inclui-
(MME), Empresa de Pesquisa Energética (EPE) e Eletrobrás – se, em relação aos demais casos no Brasil, o processo de
e grandes construtoras, como Odebrecht, Camargo Corrêa e licenciamentos por órgãos ambientais de EIAs “incompletos
Andrade Gutierrez . Vale destacar também que as construtoras
14
e distorcidos da realidade como base para a realização de
ocupam, juntamente com o setor celulósico, mineradoras audiências públicas” que têm apenas caráter protocolar (e não de
e siderúrgicas, lugares privilegiados no ranking dos grandes sério e democrático debate público), conforme exaustivamente
doadores para campanhas eleitorais a cargos executivos e denunciado pelos movimentos sociais. Incluem-se, ainda,
proporcionais. Os favorecimentos decorrentes destas relações as desconsiderações dos parcos resultados das audiências
são viabilizados pela ausência de transparência e de vigilância na tomada de decisões sobre a viabilidade ambiental, social
social, situação esta que se agrava “quando se tem, por um e econômica dos empreendimentos em questão, bem como
lado, a hipertrofia do poder de algumas corporações e, de o descumprimento das já insuficientes condicionantes
outro, a fragilidade do sistema brasileiro de financiamento de determinadas nos EIAs, mesmo estas sendo apresentadas sempre
campanhas, abrindo brechas para que tais favorecimentos sejam de modo subestimado nos relatórios.”Inúmeras denúncias,
recompensados por apoios de campanha, declarados ou não” apelos, demandas e preocupações dos povos indígenas e dos
(BADIN, PINTO, TAUTZ & SISTON, 2010, p. 7) . A sobreposição
15
movimentos sociais são ignoradas pelo governo”, denuncia o
de interesses privados sobre os públicos torna-se ainda mais Movimento Xingu Vivo16.
incidente se considerarmos a realidade local, de maior fragilidade Dentre as violações envolvendo os projetos relativos à
institucional, em que, na maioria dos casos, as prefeituras Copa e às Olimpíadas, são simulados estudos ambientais e
municipais são carentes de recursos e as possibilidades de processos de licenciamento ambiental, em um procedimento
controle social são ainda mais frágeis. de exceção que revela clara infração ao estado de direito
Observa-se, portanto, que em todos os casos aqui vigente, segundo denúncias feitas pela Articulação Nacional
apresentados as decisões no planejamento das implantações dos Comitês Populares da Copa e das Olimpíadas (Ancop),
destes megaprojetos “são tipicamente orientadas mais por que reúne organizações populares das doze cidades-sede da
uma lógica privada do que critérios de eficiência econômica, Copa, Segundo o “Dossiê Megaeventos e Violações de Direitos
justiça social e sustentabilidade ambiental, ou seja, interesses Humanos no Brasil”, verificam-se “(...)atropelos legais, aportes
públicos estratégicos, consagrados no arcabouço legal a partir da adicionais de recursos públicos, irregularidades nos processos
Constituição Federal de 1988” (Movimento Xingu Vivo Para de licenciamento de obras e inconsistência e incompletude de
Sempre, Carta para Dilma, 8 de fevereiro de 2011). alguns projetos licitados sem qualquer segurança econômica,
É bastante grave a falta de acesso à informação e de ambiental e jurídica”. Esta situação repercute nas “violações de
participação informada das populações locais e, ainda, a direitos dos trabalhadores nas obras dos estádios e dos projetos
ausência de diálogo entre o governo e a sociedade civil no de infraestrutura,(...) a despeito das cifras milionárias destinadas
planejamento destes setores econômicos, o que constitui outro às obras”. Por estas e outras violações envolvendo as obras para
comportamento padrão em todos os estudos de caso abordados a Copa e as Olimpíadas, constata-se que o padrão de violações
aqui. Nesse sentido, cabe destaque para o caso das obras de perpetradas no campo é reproduzido no espaço urbano.
infraestrutura para a Copa de 2014 e as Olimpíadas de 2016, em Tal procedimento revela a total desconsideração e abandono
23
26. agressivamente pelas transgressões aos seus
direitos, negando a existência de impactos
negativos e riscos associados (desconsiderando,
inclusive, informações científicas disponíveis),
a exemplo dos grupos indígenas que vivem
especialmente nas áreas do avanço desenfreado
de hidrelétricas na Amazônia. É também o que
ocorre nas regiões onde enormes extensões
de terras são apropriadas para o plantio da
Leonardo Melgarejo
monocultura de eucalipto para indústrias de
celulose, desterritorializando preferencialmente
populações tradicionais camponesas e
indígenas, como é o caso dos Tupinambás
no extremo sul da Bahia, onde opera a
transnacional Veracel Celulose20. A não realização da oitiva das
comunidades indígenas, num claro descumprimento do artigo
231 da Constituição Federal e da Convenção 169 da Organização
Internacional do Trabalho (OIT), compõe o rol das falhas crônicas
mais evidentes nestes casos.
Leonardo Melgarejo
Em relação ao costumeiro descumprimento da legislação
ambiental, ocorre uma franca violação das normas que regem
os procedimentos de licenciamento ambiental, a exemplo das
As mulheres têm feito um enfrentamento permanente à indústria da celulose: em defesa da vida concessões das licenças de instalação e de operação antes
de serem atendidas as condições das licenças prévias. Esta
de experiências inovadoras com capacidade de propostas violação figura como um comportamento padrão nestes tipos de
alternativas ao modelo de desenvolvimento hegemônico, tanto empreendimentos no Brasil. Neste contexto, verifica-se uma forte
aquelas protagonizadas pelas camadas populares em suas ocorrência de atos de improbidade administrativa envolvendo o
diferentes expressões socioculturais quanto aquelas resultantes poder Executivo nas escalas local e federal dos empreendimentos.
de subsídios, análises e recomendações de renomados Alguns exemplos são o favorecimento de interesses das empresas
especialistas, como o estudo crítico realizado por um Painel de em detrimento dos direitos socioambientais, bem como o delito
Especialistas tornado público em 2008 , a Carta à Presidente
17 de corrupção passiva e ativa no poder Legislativo, particularmente
Dilma, enviada por Vinte Associações Científicas em 19 de maio na escala local, conforme denúncia apresentada em fartos
de2011 , e a Carta à Dilma Rousseff, enviada por mais de 350
18 documentos e relatórios produzidos pelos movimentos sociais, e
acadêmicos em 1o de junho de 201119. já mencionado anteriormente.
Ainda em relação aos estudos prévios, estes desconsideram a Os processos de planejamento, implantação e operação destes
dinâmica ambiental e social dos territórios (relações territoriais empreendimentos são fortemente marcados pela atuação do
específicas), das populações tradicionais atingidas direta e Ministério Público (Federal e Estaduais), inclusive do Trabalho,
24
27. pelo ajuizamento de grande quantidade de Ações Civis Públicas, problemas de transporte e segurança, incluindo demissões e
envolvendo também expressiva quantidade de disputas judiciais ameaças de demissão.
em função de um largo espectro de crimes de violações de Chamou a atenção da sociedade civil organizada no Brasil o
direitos trabalhistas e socioambientais, constituindo uma situação fato de os governos do distrito de Moatize e da Província de Tete
de extrema gravidade no campo dos direitos humanos. terem acionado a Polícia da República de Moçambique (PRM) e
Segundo a Superintendência Regional do Trabalho e Emprego a Força de Intervenção Rápida (FIR) para reprimirem de forma
no Estado de Rondônia (SRTE/RO), as hidrelétricas de Santo brutal e violenta os protestos das mais de 700 famílias reassentadas
Antônio e Jirau receberam, cada uma, mais de mil autuações pela empresa Vale Moçambique na região de Cateme, no dia 10
por violações à legislação trabalhista. Esta situação decorre de janeiro de 2012. A FIR é uma unidade da polícia moçambicana
do elevado nível de terceirização dos empregos e da intensa conhecida no país pelas repressões violentas e pelo uso excessivo
precarização do trabalho, incluindo casos comprovados de de força contra civis desprotegidos. Curiosamente, uma unidade
trabalho escravo. Também cabe destacar que a Veracel Celulose da FIR, alimentada por fundos da empresa Vale, está instalada nas
está sob investigação do Ministério Público do Trabalho, estradas que conduzem a Tete e Cateme22.
envolvida em 863 processos na Justiça do Trabalho (dados
até 2007) e um acúmulo de multas determinadas pelos órgãos
públicos ambientais, além das dezenas de Ações Civis Públicas
movidas pelos Ministérios Públicos Federal e Estadual da Bahia.
No caso da UHE Belo Monte, já se acumulam treze ações
ajuizadas pelo Ministério Público Federal, no estado do Pará,
contra as ilegalidades e violações de direitos humanos21, além das
ações movidas pelo Ministério Público do Trabalho (MPT).
Neste contexto de dramáticos conflitos sociais e ambientais, as
cooptações, perseguições, criminalizações e ameaças de morte,
entre outras ações por parte das empresas, em parceria com forças
policiais militares e da área judicial, compõem praticamente o
Daniele Ribeiro, Justiça Ambiental (JA)- Amigos da Terra Moçambique
cotidiano de pessoas, comunidades, movimentos e entidades
civis que integram os coletivos de resistência às violações dos
direitos aqui tratados. Este processo é verificado em todos os
oito casos de megaprojetos trazidos nesta publicação. É bastante
fácil constatar o forte aparato policial que fornece segurança às
empresas construtoras, como a situação em pleno curso vivida
pelos trabalhadores da construção da UHE Belo Monte e do
complexo hidrelétrico no Rio Madeira. Mais grave ainda são as
denúncias do uso de milícias na segurança da TKCSA. As greves
dos operários dos canteiros de obras destes empreendimentos
denunciam situações de superexploração do trabalho, com longas
jornadas e baixos salários, falta de atendimento adequado à saúde, A Vale Moçambique tem impactado de modo drástico a comunidade de Moatize: acima da lei
25
28. A chantagem locacional também é um dos aspectos do intensivo de agrotóxicos e formicidas24. Nessa conta, devem-
comportamento padrão destes projetos. Ela é efetivada por meio da se incluir o alto consumo de água pelas plantações e fábricas
fábula da geração de empregos e de “(...) informações distorcidas e de celulose e a consequente redução de água disponível nas
enganosas sobre os empreendimentos, caracterizando-se como comunidades vizinhas devido à rápida secagem de rios, córregos
uma espécie de panaceia para os problemas de desenvolvimento e lagos, resultante dos cultivos de eucalipto. Alguns anos depois
regional, como se, em um passe de mágica, os empreendedores do plantio, as plantações de monocultura têm um impacto
fossem capazes de zerar um déficit histórico de políticas públicas considerável sobre a recarga hídrica na superfície e no lençol
(...)” (Carta da Aliança em Defesa dos Rios Amazônicos freático (REVISTA SCIENCE, 2004)25. “(...) Os rios e lagos que restam
para Dilma Rousseff; 8 de fevereiro de 2012)23 e a produção de estão envenenados por causa do uso de veneno na plantação”,
desigualdades econômicas e sociais. afirmam moradores da comunidade de Ponto Maneca, município
As localizações destes empreendimentos, que na sua maioria de Eunápolis, na Bahia. É fato que a implantação da Veracel, nesta
obedecem a uma lógica de intervenções físicas de grande região, causou uma considerável redução da sociobiodiversidade,
envergadura, resultam basicamente de escolhas que se dão atingindo milhares de pessoas, entre indígenas, agricultores
conjuntamente ou com o aval dos governos federal, estaduais familiares, quilombolas e pequenos povoados26.
e municipais. São áreas de vulnerabilidade social (situações de Nos casos que envolvem as atividades da empresa Vale, por
pobreza, privação social e vulnerabilidade institucional diante exemplo, são alarmantes os níveis de poluição atmosférica
da precarização de políticas públicas), áreas de vulnerabilidade com particulados provenientes de ferro e de emissões de CO2: a
socioambiental no território, áreas com populações já Companhia Siderúrgica do Atlântico (TKCSA), uma joint venture
enraizadas desprovidas de regularização fundiária e áreas onde da Vale com a ThyssenKrupp, “vem causando inúmeros impactos
aparecem como primeiras vítimas povos indígenas, ribeirinhos, negativos na saúde, no meio ambiente e na renda de cerca de
comunidades de pescadores, quilombolas, entre outras. Foi assim 8.000 famílias de pescadores artesanais e centenas de famílias
em Moçambique, na Baía de Sepetiba, no extremo sul da Bahia e residentes em Santa Cruz, no Rio de Janeiro” (Campanha
assim continua, sucessivamente, a acontecer. Esta mesma lógica ‘PARE A TKCSA!’, 2012). Segundo o Instituto de Geociências da
está em pleno curso nas cidades brasileiras que sediarão a Copa Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), esta companhia
2014 e no Rio de Janeiro, que também sediará as Olimpíadas causou um aumento de 600% na concentração média de ferro
2016. Para estas populações, o eixo central das violações de seus no ar na área de sua influência em relação ao período anterior
direitos está no “direito de ficar”, que se desdobra em um amplo ao início da pré-operação. Este crime ambiental foi constatado
espectro de violações dos direitos humanos e ambientais. e denunciado pelo Ministério Público do Rio de Janeiro em abril
A contaminação química (efluentes, dejetos e emissões de 201227. De acordo com dados da própria empresa, a TKCSA
industriais,) dos solos, das águas e do ar faz parte deste vasto também elevará em 76% as emissões de CO2, o que significa mais
espectro, comprometendo a segurança alimentar, a saúde das de 12 vezes o total da emissão de todo o município. Reforçando as
comunidades no entorno e a própria vida nessas terras. Essa críticas feitas pelos moradores da região, a Fiocruz constatou um
é a realidade, há décadas, nas áreas onde se estabeleceram aumento de 1.000% 28 na concentração de ferro no ar da região”
as indústrias de celulose a partir da apropriação de largas (Relatório de Insustentabilidade da Vale 2012). Isso
extensões de terras para o cultivo de monoculturas de eucalipto. revela que a “CSA, sozinha, produzirá 9,7 milhões de toneladas
Nelas, é grande a contaminação química do solo, das águas de dióxido de carbono (CO2)”, de acordo com informações do
e dos trabalhadores (especialmente os terceirizados) pelo uso Departamento de Geografia da Universidade Federal Fluminense
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