1. Número 3
CONTRA CORRENTE para quem desafia o pensamento único
CRI$E CLIMÁTICA
As mudanças no clima são apropriadas por corporações, instituições financeiras
e governos como uma oportunidade de legitimar o capitalismo “verde” e aprofundar
a exploração dos povos e a mercantilização da natureza. Uma nova roupagem para
um velho modelo.
• Impactos sociais severos • Os fundos verdes do BNDES • Rio+20: captura pelo mercado
na África e no Brasil ainda estão em disputa? e fortalecimento da resistência
2.
3. Editorial Índice
Compreender para resistir 4 Os Bancos já entraram no clima
Monotonia conveniente:
6
E
conomia verde, mitigação, mercado de carbono, IPCC, PSA, REDD, MDL, a ideologia aquecimentista
UNFCCC, GEE, emissões, Anexo 1... Se o vocabulário e os conceitos
utilizados pelo sistema financeiro sempre estiveram longe de ser facilmente 9 A construção social
da crise climática
assimilados pela maioria da população brasileira, em se tratando do debate
sobre as mudanças climáticas, a falta de compreensão de seu real significado é, Rio+(ou -) 20: chancela
também, explícita. A cobertura alarmista e superficial feita pela mídia sobre os 12 para o capitalismo verde?
“fenômenos climáticos” faz com que as pessoas se acostumem a ouvir alguns
Banco Mundial Fora do Clima!...
jargões, siglas e termos técnicos, mas não oferece subsídios para uma reflexão 16 e de nosso países
consistente sobre o tema. Pior ainda é que, por interesses corporativos, muita
informação não é veiculada. Ou é, simplesmente, mascarada com expressões REDD: financiamento
leves, como “sustentável”, “verde”, “ecológico”, “florestal”.
No entanto, apesar do vasto desconhecimento sobre o paradigma das mudanças
19 para florestas ou
financeirização climática
climáticas, ele tem avançado de modo bastante rápido, tanto nos territórios,
como nos gabinetes governamentais e escritórios de corporações. Prova disso é 21 Fundo Clima: útil, mas suficiente?
que há no Congresso, atualmente, dois projetos de lei (PL 5487/2009, que institui
a Política Nacional dos Serviços Ambientais; e PL 5586/09, que regulamenta a 23 De olho nos investimentos
na Amazônia
Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação – REDD) que podem ser
aprovados sem a realização de um amplo debate com a sociedade e antes mesmo Petróleo do Pré-Sal:
das definições internacionais (nas conferências do Clima, na África do Sul, e da 25 investindo no passado
Biodiversidade, na Índia, além da Rio + 20).
Emissões: os impactos mais
Neste sentido, esta edição da Contra Corrente pretende contribuir para uma 27 renegados das hidrelétricas
compreensão qualificada deste relevante debate, especificamente, no que se
refere ao financiamento ao clima. Novamente, contando com a colaboração de África: expropriação de terras
valiosos interlocutores, reunimos artigos que, a partir da perspectiva assumida 31 e mudanças climáticas
pelo conjunto da Rede, em sua VIII Assembléia Geral, realizada em junho de
2010, percebem o uso das mudanças climáticas como justificativa para um 34 Raposa no galinheiro
novo – e perigoso - avanço do capital, dessa vez, travestido de “verde”. Casos
e depoimentos sobre a apropriação de terras em Moçambique, no Paraná e no 38 O REDD na vida real
Amazonas trazem concretude para estas análises críticas.
Interessante observar que essa financeirização da natureza é bancada
39 Alimento para a mente
politicamente pelas mesmas velhas instituições, com destaque para o Banco
Mundial. Segundo maior banco de fomento do mundo e capitalizado continuamente
pelo Tesouro Nacional, o BNDES tem se projetado também como um gestor dos
financiamentos relacionados ao clima.
Com a proposta de abarcar a diversidade de atores e posicionamentos da Rede, Contra Corrente é uma publicação da Rede Brasil
sobre Instituições Financeiras Multilaterais
esta revista apresenta também textos que vão no outro sentido: o de acreditar Número 03, Outubro de 2011
que mecanismos como o REDD, por exemplo, estão ainda em disputa e, portanto, Edição: Patrícia Bonilha
podem sim apoiar a proteção das florestas e de seus povos. O aquecimentismo e a Revisão: Gabriel Strautman, Lúcia Ortiz e Patrícia Bonilha
Projeto Gráfico e Capa: Guilherme Resende
necessidade de politizar as discussões, assim como os investimentos na Amazônia, Foto da Contracapa: João Correia Filho
no Pré-Sal e nas polêmicas hidrelétricas, também estão contemplados nesta Os artigos assinados refletem a opinião de seus autores/as.
edição. Por último, reunimos uma extensa lista de materiais para quem quiser E não necessariamente, são questões consensuadas
na Rede Brasil.
mergulhar no debate do clima, a partir de uma perspectiva crítica.
SCS Qd 01, Bloco L, Edifício Márcia, sala 904
Brasília - DF, CEP 70307-900 • t + 55 61 3321-6108
Esperamos que você aprecie. Boa leitura! www.rbrasil.org.br
4. Gabriel Strautman*
Os Bancos já entraram
na “farra” do clima
A silenciosa e rápida financeirização da natureza exige que a Rede Brasil
se aproprie do debate com a missão de explicitar as reais e falsas soluções
E
m 2010, foram alocados o setor de energia realizados entre Contradições lá e cá
aproximadamente 10 bilhões de 2008 e 2010 - ou seja, já durante O mesmo tipo de análise pode ser
dólares, em todo o mundo, no a crise climática -, ainda são para feita em relação ao Banco Nacional de
financiamento de projetos de adaptação fontes intensivas em carbono, como Desenvolvimento Econômico e Social
e mitigação das mudanças climáticas1. as termelétricas e o petróleo3. A (BNDES), que desde 2008 administra
Segundo dados do Banco Mundial2, este organização, acompanhada de várias o Fundo Amazônia4. Até agora foram
valor deverá alcançar uma média anual outras, também argumenta que as contratados catorze projetos e outros
de 275 bilhões de dólares antes de 2030, alternativas do Banco Mundial para cinco estão em fase de contratação, num
tendo em vista as previsões sobre a valor aproximado de 222 milhões de
necessidade de redução das emissões de
gases de efeito estufa. Para isso, novos
“O papel de reais,5 no marco deste que é considerado
o maior fundo de promoção à Redução
fundos deverão ser criados ao longo das
próximas décadas e, desde já, instituições
instituições como o de Emissões por Desmatamento e
Degradação (REDD) existente no
como o próprio Banco Mundial – entre
outros bancos de desenvolvimento
Banco Mundial tem mundo hoje.
Apenas para efeito de comparação, em
multilaterais, regionais e nacionais
– estão liderando a gestão destes
sido o de construir 31 de março deste ano, o BNDES aprovou
um empréstimo ponte de 3,6 bilhões de
volumosos recursos.
No entanto, a legitimidade destas e dar escala a este reais para o consórcio Norte Energia
para alavancar o início das obras do
instituições financeiras para administrar polêmico projeto da Usina Hidrelétrica de
esses fundos de mitigação e adaptação verdadeiro mercado Belo Monte, em plena Amazônia e que
às mudanças climáticas tem sido deve resultar na destruição de cerca de
duramente questionada. Organizações de compra e venda 50 mil hectares de floresta. Sem entrar
e movimentos sociais de diferentes no debate sobre os problemas, limites e
países afirmam a existência de uma do direito a poluir, riscos de tais mecanismos, parece mesmo
grave contradição, na medida em que haver uma contradição no fato de que
são também estas mesmas instituições que é o mercado o mesmo BNDES, que afirma financiar
as responsáveis pelo financiamento iniciativas de preservação da floresta com
do sistema capitalista e do modelo de de carbono.” milhões de reais, contribua com bilhões
desenvolvimento neoliberal, baseado para a sua destruição. O que pretendem,
nos combustíveis fósseis (principal combater o aquecimento global, portanto, as instituições financeiras ao
causador do aquecimento global). tais como o mercado de carbono, reivindicarem a gestão dos fundos para o
Em publicação recente, a organização usinas hidrelétricas, produção de combate ao aquecimento global?
Amigos da Terra Internacional chamou agrocombustíveis e o monocultivo de Essa talvez seja a pergunta central
a atenção para o fato de que 56% dos árvores não passam de falsas soluções neste debate sobre as possíveis soluções
financiamentos do Banco Mundial para para o clima. para o problema da mudança climática
4
5. Contra Corrente
“O que pretendem,
portanto, as instituições
financeiras ao
reivindicarem a gestão
Gabriel Strautman
dos fundos para o combate
ao aquecimento global?”
A contradição de instituições
e países industrializados no
financiamento ao clima: aplicam o
veneno e oferecem o remédio
CommonDreams.org
e sobre o papel que os bancos devem seus negócios usuais, com a expectativa
ter. Além da limitação destas iniciativas de que suas emissões poderão vir a ser
para superar o problema estrutural compensadas. O papel de instituições
por trás da mudança climática, um como o Banco Mundial, historicamente Nota da editora: a utilização de imagens com
detalhe importante sobre a formação controlado pelos mesmos países expressões em inglês nesta publicação sinaliza
dos fundos para adaptação e mitigação industrializados, tem sido o de que os debates, materiais e mobilizações sobre
este tema no Brasil ainda são recentes.
das mudanças climáticas é que a grande construir e dar escala – através da
maioria destes é formada a partir de canalização destes volumosos recursos
doações dos países industrializados que – a este verdadeiro mercado de compra * Gabriel Strautman é economista e secretário executivo
também mantém práticas contraditórias. e venda do direito a poluir, que é o da Rede Brasil sobre Instituições Financeiras Multilaterais –
O Fundo Amazônia, por exemplo, mercado de carbono. gabriel@rbrasil.org.br
foi formado a partir de uma “doação” A construção do mercado de carbono
do governo norueguês. Embora invista no Brasil está sendo feita de maneira 1– Banco Mundial. World Development Report 2010, disponível
em http://econ.worldbank.org/WBSITE/EXTERNAL/EXTDEC/
nestes fundos no Brasil e também silenciosa e rápida, com a liderança EXTRESEARCH/EXTWDRS/EXTWDR2010/0,,menuPK:5287748~pa
na Indonésia, a Noruega é dona de de instituições financeiras como o gePK:64167702~piPK:64167676~theSitePK:5287741,00.html
empresas petroleiras como a Statoil (que Banco Mundial e o BNDES. Para a 2– Idem
está construindo uma parceria com a Rede Brasil, portanto, o debate sobre
Petrobrás) e a Norsk Hydro (que investe o financiamento para o clima torna- 3– Friends of the Earth. World Bank: catalysing catastrophic
climate change: the world bank’s role in dirty energy investment
na exploração de bauxita na Amazônia, se obrigatório, e passa pela produção and carbon markets, disponível em http://www.foei.org/en/
se aproveitando também da construção de análises e o compartilhar de resources/publications/pdfs/2011/world-bank-catalysing-
catastrophic-climate-change
de Belo Monte como possível fonte de conhecimento. O propósito deve ser o
energia futura). de que os verdadeiros responsáveis pelo 4– Desde 2009, o BNDES também administra o Fundo Nacional
A existência desses fundos permite aquecimento global paguem a conta e sobre Mudanças Climáticas, mas que ainda se encontra na fase
de definição dos seus critérios operacionais.
que esses países, grandes responsáveis de que falsas e perigosas soluções não
pelo aquecimento global, continuem nos sejam impostas, agravando ainda 5– http://www.fundoamazonia.gov.br/FundoAmazonia/
fam/site_pt/Esquerdo/Projetos/ e http://www.bndes.gov.br/
poluindo, já que por esta via constroem mais a exploração das riquezas naturais SiteBNDES/bndes/bndes_pt/Institucional/BNDES_Transparente/
uma imagem verde apesar de seguir e dos povos do Sul. Consulta_as_operacoes_do_BNDES/setorprivado.html
5
6. Oswaldo Sevá*
Monotonia conveniente:
a ideologia aquecimentista
Discordando de uma insistência quase hegemônica, há quem problematize o
debate sobre o aquecimento global a partir da política e do próprio rigor científico
E
sclarecimento necessário: o autor Como engenheiro mecânico e velho do decaimento radiativo - é o que dizem
desse artigo não é climatólogo, pesquisador na área de Energia, tem atualmente os estudiosos da física
nem pesquisador de química ou plena consciência de que a atmosfera, nuclear e da astronomia, e faz sentido.
física atmosférica, nem geólogo. Não tem essa estupenda casquinha de gases, Muita gente sabe ou intui que não
condições profissionais nem legitimidade poeiras, vapores e condensados que nos fervemos nem explodimos ao fim de
para afirmar nem desmentir assertivas envolve, é uma máquina termodinâmica um dia de verão tórrido porque no
sobre a história recente ou remota do com dois motores: a radiação do sol que outro hemisfério faz frio no mesmo
planeta Terra, nem sobre dimensões e nos bate a cada segundo e em todos dia, e a massa atmosférica se vira
comportamento do seu imenso volume os recantos a cada dia e ano; e o calor como pode soprando ventos e sendo
de águas oceânicas, lacustres, fluviais interno do núcleo fundente do planeta. sacudida pelos alíseos da rotação
e da sua imensa massa de gelos, neves, A longuíssimo prazo, parece que esses planetária. Também porque a casquinha
nuvens e chuvas. dois motores tendem a esfriar por causa de poucos quilômetros de espessura
conta com um poderoso e onipresente
estabilizador e dissipador dessa energia,
a massa aquática bem mais espessa, em
permanente circulação, em incessante
troca de estados físicos: de líquido a
sólido e de novo a líquido, daí a vapor e,
de novo, a líquido.
De fato há consenso de que a atmosfera
da Terra é única e funciona para nós
como uma verdadeira estufa de criar
plantas; que ela segura por aqui, por
causa das sucessivas reflexões dos raios
nas camadas de gases, poeiras, nuvens
e gotículas, um pouco do estupendo
calor que retornaria, se perdendo, ao
espaço sideral. O planeta sim resfriaria
se não existisse a atmosfera como
ela é. Em inglês, é o “greenhouse”, na
Guilherme Resende
língua francesa, o “effet de serre”, na
castelhana, o “efecto invernadero”. Em
todas as línguas, a compreensão de que a
casquinha irradiada e quase transparente
é tão fundamental para a vida como o
Há muitos interesses , propositadamente, não explícitos no atual debate sobre o aquecimento global calor do útero. Eis o único consenso.
6
7. Contra Corrente
O restante da conversa é criação da inclemente dos anos de 1930 foi O homem coloca apenas 6 bilhões de
linguagem, da sociedade, suas ciências reavivada pelo verão extremamente toneladas, portanto as emissões humanas
e suas mídias. Quando se quer afirmar a quente de 1988, e daí: “Seguiu-se-lhe representam 3%. Se, nessa conferência,
todo custo, que “está aquecendo” e que a dramatização (‘greenhouse panic’). conseguirem reduzir a emissão pela
isto resulta da nossa ação, chamada de Inicialmente assunto da climatologia, o metade, o que são 3 bilhões de toneladas
“antrópica”, trata-se de uma ideologia tema passou a ser tratado com emoção em meio a 200 bilhões? Não vai mudar
refinada, uma crença monótona, e irracionalidade. Depressa evoluiu para absolutamente nada no clima.”
conveniente para muitos lados das lutas o alarmismo. Perdeu o seu conteúdo
políticas e de classes deste novo milênio. científico. Questiona-se actualmente: A ciência do clima:
Nem todos, aliás!, como veremos aqui estaremos ainda a falar de climatologia? observações versus modelos
algumas pistas. Com uma ‘convicção’ geralmente O site californiano Global Research.Ca
proporcional à ignorância dos rudimentos acompanha com farta publicação temas
Aquecimento global: da disciplina, os ‘climatólogos tão variados como ambiente, petróleo e
uma impostura científica autoproclamados’ propagam hipóteses energia, biotecnologia, medicina, pobreza
Este é o impiedoso título de um extenso procedentes dos modelos. Hipóteses e, especialmente, os crimes contra a
artigo publicado em 2003 pelo cientista infundadas ou mal estabelecidas e não humanidade, a militarização e o estado
francês Marcel Leroux, recentemente corroboradas pelas observações.” policial emergente após o atentado
falecido. Professor de Climatologia da Leroux é bem precavido quanto ao de 11 de setembro. Nele, o articulista
Universidade Jean Moulin - Lyon III e fato propalado de que os relatórios do Richard Moore compila os resultados
diretor do Laboratório de Climatologia Painel Intergovernamental das Mudanças da análise do gelo da Groenlândia que
do Centre National de la Recherche Climáticas (IPCC, na sigla em inglês) são indicam as temperaturas no hemisfério
Scientifique (CNRS), ele é o autor dos preparados por “centenas de cientistas”: Norte no período longo de 2.000 anos
livros Global Warming: Myth or Reality? “O número anunciado pode iludir e AC até o ano de 1900, e organiza as
The Erring Ways of Climatology e La esconder o monolitismo da mensagem. medições das temperaturas da superfície
dynamique du temps et du climat. Eis Na realidade, uma pequena equipa terrestre em três latitudes distantes, dessa
alguns trechos selecionados do início do dominante impõe os seus pontos de data até hoje.
seu artigo, traduzido pelo site português vista a uma maioria sem competências Para o leitor sedento dos números e
Resistir.Info: climatológicas. O ‘I’ de IPCC significa, gráficos, ele registra os principais links
“O aquecimento global é uma hipótese com efeito, ‘intergovernamental’. Significa dos relatórios do satélite NOOA, do
fornecida por modelos teóricos. Baseia- que os pretensos cientistas são antes do Instituto Goddard, do Centro Marshall,
se em relações simplistas que anunciam mais representantes governamentais.” bem como os trabalhos recentes de Roy
um aumento da temperatura, proclamado Encontrar um brasileiro, especialista, Spencer, (da University of Alabama,
mas não demonstrado. São numerosas que conteste a monotonia da pauta Huntsville e do U.S. Science Team
as contradições entre as previsões “aquecimentista” foi bem mais difícil, Leader for the Advanced Microwave
e os factos climáticos observados mas... existe um meteorologista, Scanning Radiometer) que trata os
directamente. A ignorância destas que aqui representa a Organização dados do satélite NASA-Acqua. Ele
distorções flagrantes constitui uma Meteorológica Mundial, com sede em tirou conclusões opostas às da ideologia
impostura científica. Nos anos 70 (do Genebra, o sr. Luis Carlos Molion. Ele aquecimentista, principalmente por causa
séc. XX) verificou-se um desvio climático assim respondeu a uma pergunta do do comportamento das nuvens pesadas
(que os modelos não ‘previram’). site UOL Ciência e Saúde, em dezembro (cirrus) e das chuvas quando ocorre
Traduziu-se num aumento progressivo da de 2009, enquanto se desenrolava a aquecimento da superfície terrestre. Para
violência e da irregularidade do tempo badalada e fracassada Conferência COP não cometer erros, traduzo abaixo um
e foi provocado pela modificação do 15, na capital da Dinamarca: trecho de Moore, comentando a pesquisa
modo de circulação geral da atmosfera. “Q: O senhor, então, contesta qualquer de Spencer: “O que ele encontrou,
O problema fundamental não é prever influência do homem na mudança de dirigindo os sensores dos satélites para
o clima em 2100. Deve-se, antes, temperatura da Terra? os alvos apropriados, é que a resposta de
determinar as causas daquele desvio Molion: Os fluxos naturais dos oceanos, retroalimentação (‘feedback response’)
climático recente. Isso permitiria prever a pólos, vulcões e vegetação somam 200 é mais negativa do que positiva. Em
evolução do tempo no futuro próximo.” bilhões de toneladas de emissões por ano. particular, ele verificou que a formação
Mais adiante, ele lembra que nos A incerteza que temos desse número é de nuvens ‘cirrus’ de tempestades é
Estados Unidos, a memória do tempo de 40 bilhões para cima ou para baixo. inibida quando as temperaturas da
7
8. superfície do globo são altas. As nuvens “Além disso, os registros de longo Um contra-exemplo:
‘cirrus’ são elas mesmas um poderoso gás prazo mostram que a temperatura No início de outubro deste ano,
de efeito estufa, e essa diminuição na sua foi no passado muito mais alta que organizamos na Universidade Estadual
formação pode compensar o aumento de hoje – inclusive há apenas mil anos de Campinas (Unicamp) um Fórum
aquecimento causado pelo CO2”. (o Período de Aquecimento Medieval) intitulado “Injustiça Ambiental e Saúde:
– e nenhum desastre bizarro, tal os atingidos pela poluição do ar”, no qual
Os modelos climáticos como a extinção de ursos polares ou pesquisadores universitários e lideranças
e a opinião pública ciclos de retroalimentação positiva de entidades não governamentais
Cito agora trechos de Moore onde ele (runaway feedback loops), ocorreu levaram o seu testemunho e experiência
desvenda o restante da argumentação em consequência disso. Assim sobre o avanço dramático dos números
científica-e-política pois, nesse caso, como com o modelo ptolomaico, há medidos de poluição do ar (poeiras,
não temos mais como separar uma facções politicamente poderosas que fumaças, hidrocarbonetos, inclusive os
da outra: “No caso dos modelos encamparam para seus próprios aromáticos bastante patogênicos, gases
climáticos que estão sendo usados propósitos a teoria do aquecimento de nitrogênio e de enxofre, precursores
pelo IPCC, a suposição é de que o global danoso de origem antropogênica. de chuvas ácidas e de ozônio respirável) e
CO2 é um controlador fundamental Por enquanto, basta dizer que sobre a degradação das condições de vida
do clima. Há uma base intuitiva para generosos fundos foram fornecidos de populações em áreas carboníferas,
essa suposição, dado que o CO2 é um para os cientistas da CRU (Climatic siderúrgicas e do agronegócio. Esses
gás de efeito estufa, e tanto o CO2 Research Unit), que ficaram mais que temas e assuntos cruciais para a saúde e
como a temperatura tem-se elevado dispostos a ‘refinar’ o modelo para sobrevivência do ambiente e da espécie
substancialmente no último século. lidar com a ‘verdade inconveniente’ humana vêm sendo obscurecidos,
Além disso, observou-se uma forte dos problemas do modelo - mesmo que desprezados e omitidos pelos que, nas
correlação entre os níveis de CO2 e a isso requeresse coisas como ‘esconder empresas, governos, universidades e
temperatura em registros de longo prazo o declínio’. ONGs, passaram a seguir a moda e o
revelados por amostras de gelo. Mais Finalizo protegendo a credo aquecimentista. Muito antes de
ainda, a queima de combustíveis fósseis própria imagem: criticando os aquecer, se é que aquece... a atmosfera
continua a poluir a atmosfera (e os “aquecimentistas”, tem gente séria está certamente sendo envenenada.
oceanos) com níveis cada vez mais altos e bem informada como os citados,
de CO2. Isso levou à hipótese de que a mas também vários fundamentalistas
temperatura pode se elevar abruptamente, neo-liberais, guerrilheiros do livre
colocando em perigo a vida no planeta. mercado, a indústria carbonífera,
Tudo isso foi apresentado de forma além dos senhores do petróleo e suas
bastante dramática por Al Gore em seu guerras. Quem se interessar, vá ao site
famoso documentário.” Competitive Enterprise Institute, de
* Oswaldo Sevá é engenheiro mecânico, doutor em
Lembrando que o famoso modelo do onde se pode navegar no http://www.
Geografia Humana e professor da Universidade Estadual
egípcio Ptolomeu, no segundo século da globalwarming.org/ e, daí, pular para de Campinas (Unicamp) – seva@fem.unicamp.br e
era cristã, colocando a Terra no centro do outro endereço que questiona o falado www.fem.unicamp.br/~seva
sistema solar, era quase perfeito, Moore filme Uma verdade inconveniente –
destaca que: “Assim como com o modelo http://www.noteviljustwrong.com/ referências bibliográficas
Leroux, Marcel: Réchauffement global: une imposture
ptolomaico, há vários problemas com home (ou seja: ele não é o diabo, scientifique foi publicado no nº 95, Março-Abril/2003 da revista
a suposição de que o CO2 condiciona o apenas está errado). Um dos mais Fusion. http://www.revuefusion.com/images/Art_095_36.pdf .
clima, e com a predição de aquecimento ferinos desses “direitosos” publicou, Os trechos aqui reproduzidos na íntegra foram obtidos no site
português http://resistir.info/climatologia/impostura_cientifica.
perigoso. Em primeiro lugar, os registros em 2007, Os 35 erros do filme de Al html. Mais informação em português, acerca da teoria do Prof.
de longo prazo mostram que primeiro a Gore. Seu nome plebeu é Christopher Leroux em http://mitos-climaticos.blogspot.com
temperatura sofreu mudanças históricas, Walter, mas trata-se do Terceiro Molion, Luis Carlos, entrevista em “Não existe aquecimento
seguidas muito depois por alterações Visconde Monckton of Brenchley, global”, diz representante da OMM na América do Sul, Carlos
nos níveis de CO2. Outra coisa é que assessor político direto da ex-primeira Madeiro, 11.12.2009, no site http://noticias.uol.com.br/ultnot/
cienciaesaude/
tem havido períodos de resfriamento ministra Margaret Thatcher. Espero não
significativo em anos recentes, mesmo ser confundido com essa gente, e que Moore, Richard Climate Sciences: Observations x Models,
08.01.2010, acessível em http://www.globalresearch.ca/index.
enquanto os níveis de CO2 continuaram a eu tenha honrado o nome da revista: é php?context=va&aid=16865, Em português em http://resistir.
se elevar dramaticamente.” hora e vez de estar na Contra Corrente! info
8
9. Fabrina Furtado* Contra Corrente
A construção social
da crise climática
O reducionismo científico no trato das mudanças climáticas encobre a crise política
e econômica; também leva à errônea percepção de defesa de interesses comuns
E
ntro nesse debate compartilhando
a percepção da Rede Brasil: a
necessidade premente de limitar a
busca incessante do capital pelo domínio
da natureza, entendendo a crise
climática como uma construção social
e não como um fenômeno científico-
natural. Inicio esta discussão a partir da
luta por reparações da dívida ecológica
e pelo fim de instituições como o
Banco Mundial, que se apropriaram,
reduziram e transformaram a questão
climática em um meio de aprofundar a
acumulação capitalista.
Desde a era colonial, a escravidão, a
extração de minerais e hidrocarbonetos,
as monoculturas e o roubo da
biodiversidade e de conhecimentos
tradicionais consolidaram o poder e a
supremacia dos países do Norte (Europa,
Estados Unidos, Japão, Canadá e outros
que integram a lista das nações mais
ricas do mundo). Este uso e abuso da “O IPCC reduziu a questão ambiental às mudanças climáticas, e esta às emissões de carbono”:
natureza e dos povos do Sul originaram debate alarmista e política do medo
uma dívida ecológica que continua
aumentando através de mecanismos de Nações Unidas sobre Mudança do Clima direito, com a qual a sociedade tem uma
opressão e de controle, como a dívida (CQNUMC). Esta proposta foi assinada relação indivisível, interdependente,
financeira, o chamado mercado livre, a pela Venezuela, Malásia, Paraguai, Sri complementar e espiritual -, este
subjugação cultural e o uso da força. Lanka, Butão, Etiópia e Micronésia (JS, governo também promove um modelo
Tendo como argumento que os países 2010). de desenvolvimento baseado em uma
do Norte são os maiores responsáveis Vale destacar aqui a contradição entre matriz exportadora de hidrocarbonetos,
pela crise climática e, portanto, devem o discurso internacional do governo hidroeletricidade, mineração,
pagar pelos seus custos e consequências, boliviano e suas ações domésticas. agroindústria e da manufatura florestal
em 2009, o governo boliviano Embora seja o principal defensor da que viola o Vivir Bien. Um dos mais
apresentou uma proposta sobre dívida filosofia do Vivir Bien - que reconhece recentes e explícitos exemplos dessa
climática na Convenção-Quadro das a natureza como ser vivo, objeto de contradição ocorreu em setembro deste
9
10. ano, quando o governo boliviano grupos de pesquisa independentes que
reprimiu de modo bastante violento uma defendiam uma ação drástica frente
marcha pacífica contra a construção ao colapso dos preços do petróleo em
de uma estrada que pretende 1986 e a resultante crise energética.
atravessar o Território Indígena Parque Isso aconteceu no momento em que
Nacional Isiboro Sécure (Tipnis), na as tecnologias de energia ¨alternativa¨
Greenpeace/Paulo Adario
Floresta Amazônica. e nuclear precisavam de ajuda oficial
É importante refletir sobre o porquê para sobreviver. O caminho da pesquisa
de propostas como a da dívida climática estava traçado: eficiência energética
serem tão facilmente negadas e (não conservação), energia ¨alternativa¨ e
ignoradas, inclusive pelos atores mais nuclear e, posteriormente, geoengenharia
críticos. O discurso dominante gira e comércio de carbono. Muitos governos
em torno de ações mitigatórias, como perceberam que poderiam se beneficiar
tecnologia e mercado de carbono, e de desta agenda. Problemas ambientais
adaptação. E, muitas vezes, essa lógica é reais, como a capacidade das sociedades
reproduzida sem questionamentos mais de mudarem instituições, tecnologias,
profundos. Já estamos aceitando que comportamentos, e a justiça econômica,
o único caminho dentro do contexto foram negligenciados. A preocupação
de eco-alarmismo é se adaptar? Quem “Já estamos aceitando deixou de ser com questões ambientais,
precisa se adaptar a quê? Precisamos é de e passou a ser com a política energética,
des-adaptação ao capitalismo, isso sim. que o único caminho a imposição de tecnologias e a geração
Afinal, como a crise climática ganhou de renda para determinados governos.
tanta centralidade e como se deu a dentro do contexto Excluiu-se qualquer avaliação sobre
definição do problema? Como a ciência a ideologia por trás das projeções
foi construída, disseminada e apropriada? de eco-alarmismo científicas e implicações das estratégias.
O fato da questão receber mais atenção Assim, a ciência deixa de informar a
hoje está mesmo relacionado com uma é se adaptar? Quem política e passa a ser sua guia, jogando
análise científica-natural ou com o com a incerteza científica. Como disse o
contexto histórico, cultural e político? precisa se adaptar a representante do Ministério de Ciência
e Tecnologia, Carlos Nobre, no evento
Negação de interesses conflitantes
Estudando o papel da ciência na
quê? Precisamos é sobre mudanças climáticas organizado
pelo Instituto de Pesquisa Econômica
definição de problemas ambientais,
Wynne (1994) afirma que o debate tem se
de des-adaptação Aplicada (Ipea), em agosto deste ano,
¨A CQNUMC é inovadora porque a
baseado no domínio das ciências naturais
de forma instrumentalista, uniformizada
ao capitalismo”. ciência tem um papel preponderante.
Em outros casos sempre se buscou
e reducionista. Mantém-se o foco na acordo político; a CQNUMC está
crise ambiental quando à ela antecede baseada nos relatórios do IPCC. Foi a
uma crise política, econômica, moral e e privados a partir da institucionalização ciência que trouxe o debate¨. Trata-se
cultural. O Painel Intergovernamental das ameaças climáticas. A autoridade da apropriação política de uma ciência
sobre Mudanças Climáticas (IPCC) científica do IPCC serviu para orientar dominante e a negação de outras. A
reduziu a questão ambiental às mudanças os interesses dos países do Norte, incerteza é usada para evitar políticas
climáticas, e esta às emissões de carbono. possibilitando a criação de políticas de de prevenção da destruição ambiental e
Desvia-se a atenção para os chamados monetarização das mudanças físicas garantir políticas de interesse econômico
“interesses comuns” da humanidade, determinadas pelas ciências naturais e como a bioengenharia. Neste último
negando-se conflitos políticos entre fornecendo justificativas e incentivos caso, a incerteza aparece como algo
diferentes grupos sociais com interesses para investimentos nos países do a ser resolvido em breve pela verdade
distintos e, muitas vezes, conflitantes. Sul. Ela afirma que o IPPC foi criado absoluta da ciência. A ciência dos
Boehmer-Christiansen (1999) também pelos Estados Unidos, com o apoio especialistas escolhidos “a dedo” pelos
critica o controle político do IPCC como da pesquisa ambiental daquele país políticos, negando o saber local, também
ilustração dos interesses governamentais e da Europa, como contraponto aos uma ciência.
10
11. Contra Corrente
O conhecimento científico dominante
das questões ambientais naturaliza e
reforça interesses econômicos, políticos Dívida climática Dívida ecológica
baseia-se na constatação de que é um conceito que contribui
e valores culturais e morais específicos.
os países industrializados do Norte para uma análise diferente
O que está sendo apontado como ¨nossos das relações internacionais,
cresceram, principalmente, devido à
problemas comuns” e que sociedade está produção e ao desenfreado consumo o intercâmbio entre o Norte
sendo criada em nome da proteção da de combustíveis fósseis, responsáveis e o Sul, para além dos
natureza, do clima? Existem questões pela atual crise climática. Eles também termos econômicos. Produz
políticas por trás das construções da crise se apropriaram de um ¨bem comum ferramentas para acabar com
climática e é preciso cuidar para não global¨ (a atmosfera e os oceanos) e da os danos ambientais, para
entrar no debate alarmista e na política capacidade de absorção de carbono da garantir reparações e punir
do medo. Definir a crise climática como biosfera. Esses países - que representam os responsáveis. Além disso,
uma construção social não é diminuir menos de 20% da população do mundo fornece novos argumentos
a sua importância ou realidade e sim e emitiram cerca de 75% das emissões e autoridade para exigir
estudar o processo pelo qual o fenômeno históricas - são responsáveis por mais o cancelamento da dívida
foi transformado de uma suposição para de dez vezes as emissões históricas dos financeira, acumulada de
um fato aceito. Quem realmente ganha países do Sul. Atualmente, suas emissões forma ilegítima.
com isso? per capita são mais de quatro vezes as Assim sendo, a perspectiva
do Sul. A dívida climática pressupõe da dívida ecológica tem como
determinar a partilha justa e equitativa objetivo mudar o contexto
das obrigações e responsabilidades para de diálogo e das relações
reduzir as emissões de carbono e pelo entre os países, debater o
financiamento do clima entre os países. meio ambiente para além dos
Ela fornece uma abordagem sistemática argumentos da conservação e
para classificar, quantificar e aplicar a sustentabilidade e considerar
responsabilidade histórica o direito e a justiça. (F.F.)
e exigir reparação. (F.F.)
A (dí) vida como ela é
Em 2009, uma avaliação da produção econômica dos países do G8 (Vinod, 2009),
construída com base no uso insustentável de carbono per capita, com base nos preços
de 1994, calculou que a dívida de carbono do G8 estava entre 13 e 15 trilhões de
dólares. Um valor que excede várias vezes a dívida financeira atribuída aos países do Sul.
Os países do Norte ofereceram em Copenhague, durante a 15a Conferência das Partes da
CQNUMC, 30 bilhões de dólares entre 2010 e 2012 e uma promessa de mobilizar mais
100 bilhões de dólares até 2020. Esses recursos, provavelmente, serão privados, oriundos
do mercado de carbono e estarão nas mãos das mesmas Instituições Financeiras
Internacionais (IFIs) que têm sido grandes responsáveis pela crise ecológica. (F.F.)
* Fabrina Furtado é militante da rede Jubileu Sul e doutoranda do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano
e Regional (Ippur), da Universidade Federal do Rio de Janeiro - f.furtado7@gmail.com
referências bibliográficas
Boehmer-Christiansen, Sonja. Globalização e valor de vidas humanas: implicações políticas para os países em desenvolvimento
Gabriel Strautman
da polêmica do IPCC. Ambiente & Sociedade. Ano II, Nos 2 e 3, 2o semestre 1998 – 1o semestre 1999.
Wynne, Brian. Scientific knowledge and the global environment. In Redclift, Michael; Benton, Ted. Social Theory and the Global
Environment. Londres: Routledge, 1994. p.169 – 189.
Jubileu Sul. Dívidas, Não Mais: Rumo a uma Plataforma do Jubileu Sul sobre Mudanças Climáticas, Dívida Ecológica e Soberania
Financeira. São Paulo, 2010.
A reparação das dívidas ecológica e climática Raina, Vinod. Ecological Debt: the creation of rich and poor countries. Apresentação durante Fórum Público sobre Dívida Ecológica
é uma demanda de organizações do Sul e Mudança Climática. Bancoc, Setembro, 2009.
11
12. Lucia Ortiz*
Rio+(ou-)20: uma chancela
para o capitalismo verde?
Com foco em economia verde e governança global, conferência sinaliza captura
pelo mercado e pode ser consolidada como a Cúpula da Mercantilizacão da Natureza
A
Rio+20, conferência mundial conceituado como desenvolvimento às múltiplas crises e a necessidade de
sobre ‘desenvolvimento sustentável – social, ambiental e tamanho aparato e refinamento do
sustentável’, será realizada econômico – ao da economia global discurso para dialogar com a apreensão
no Rio de Janeiro de 4 a 6 de capitalista, mascarando os mecanismos da sociedade frente aos problemas
junho de 2012, por sugestão do, de implementação e de controle global ecológicos e sociais, como o sintoma do
então, presidente Lula, em 2007, na da natureza, deste novo ciclo de caos climático, para, então, conseguir
Assembléia Geral das Nações Unidas acumulação. Contexto que invisibiliza uma aceitação social e política - apesar
(ONU). ainda mais a diversidade cultural, a do poderio econômico e midiático a seu
Os objetivos iniciais eram nobres: qual deveria ser incorporada como pilar serviço.
o de assegurar a renovação dos central da sustentabilidade, por trazer A estratégica falta de conteúdo
compromissos políticos para o novas e ancestrais formas de pensar, dada ao termo economia verde no
desenvolvimento sustentável, avaliar relacionar-se e ser parte da natureza, ambiente das negociações da ONU,
o progresso e as lacunas (e por que criando e recriando outras economias ainda que pretenda ser a base de
não suas causas estruturais?) na em sociedades sustentáveis. um novo “acordo verde”, já tem
implementação dos resultados das provocado reações de diversos
principais conferências desde a Eco92 Economia verde: países. Na 19a sessão da Comissão
e tratar novos e emergentes desafios. um frágil novo consenso de Desenvolvimento Sustentável
Porém, não foi criado um processo Este foco, no pretenso novo consenso (CDS), o resultado das negociações
de avaliação e negociação à altura global da economia verde e a foram: a falta de acordo na agenda
desses objetivos. preocupação com a governança num de implementação no tema central
Por outro lado, estabeleceu-se sistema de Nações Unidas capturado do ciclo da CDS, sobre Padrões de
como o foco da Rio+20, e com muito pelos interesses das corporações, Produção e Consumo; a dúvida sobre
mais empenho e força política, os explicita a resistência imposta a a capacidade da ONU para lidar com o
questionáveis temas da economia verde uma agenda de sustentabilidade e ambicioso tema do arranjo institucional
‘no contexto do desenvolvimento democracia global nestes últimos vinte para a Rio+20; e propostas de,
sustentável e da erradicação da anos, assim como os interesses que inclusive, rever o termo economia verde
pobreza’, e o arranjo institucional devem definir a direção dos acordos para reduzir polêmicas evidentes.1
para o desenvolvimento sustentável, globais para o meio ambiente daqui Fato de maior relevância foi
ou a governança global para o meio para frente. a declaração dos países latino-
ambiente. A agenda da Rio+20 busca legitimar americanos, resultante dos dois dias
No mínimo, pode se reconhecer o capitalismo verde. Isso, por um lado, e meio de processo regional oficial de
a redução dos pilares do que foi expõe a fragilidade do sistema frente preparação que aconteceu no início de
12
13. Contra Corrente
setembro no Chile, que simplesmente
rechaçaram e ignoraram o termo
economia verde do seu pouco ambicioso
acordo final.2
Processo oficial:
longe da governança inclusiva
O processo em curso, iniciado
oficialmente pela resolução da ONU
de 24 de dezembro de 2009,3
estabelece etapas preparatórias de
negociações oficiais.
De forma autônoma e independente,
já envolve uma agenda de mobilizações
da sociedade civil, bem como um
processo (que não se encerra com a
conferência) de acompanhamento dos
reflexos da sua preparação e resultados
sobre as políticas nacionais e de
Adbusters
construção e fortalecimento de um
movimento global por justiça social A financeirização da natureza revela o novo ciclo de acumulação do capitalismo - pintado de verde
e ambiental.
A conferência acontecerá em de arcabouços legais e políticos nos Terra, a Rio+20 poderá significar
apenas três dias (4 a 6 de junho de países para a chamada transição para a consolidação da Cúpula da
2012) e está baseada em três etapas uma economia verde sem que suas Mercantilizacão da Natureza, com ou
preparatórias internacionais, sendo bases ou metas, e mesmo seu conteúdo, sem consenso.
que as duas primeiras já aconteceram tenham sido definidos.
e a próxima será nos dias que Tendo como referência os Um acordo de livre comércio
antecedem imediatamente a Rio+20 resultados das últimas negociações disfarçado de verde?
(28 a 31 de maio). mundiais para o meio ambiente, Seguindo na linha da captura
O processo acordado consiste em podemos prever que as estratégias corporativa das convenções da ONU,
chamar os diversos setores da sociedade de inovação dos processos de o processo em marcha por conta da
civil a enviar contribuições por internet negociação aumentam os riscos de Rio+20 é o de recomendar estratégias
sobre os temas foco da Rio+20 durante limitar a participação dos países em domésticas (leia-se políticas nacionais)
todo o ano de 2011, para que um desenvolvimento, e da sociedade que os países em desenvolvimento
documento chamado “rascunho zero” organizada de desconsiderar as (e não aqueles historicamente
seja divulgado somente em janeiro desconformidades, como foi o caso responsáveis pelas crises ecológica,
de 2011. da posição da Bolívia frente ao financeira, alimentar, energética...)
Antes, se trabalhava para buscar acordo de Cancun na COP16 do necessitam pôr em prática para
consensos globais nas negociações, Clima, bem como da imposição de alcançar os desafios da transição para
para que as convenções e tratados textos “caídos do céu” num ambiente a economia verde (tema sobre o qual
fossem ratificados pelos países falho de negociações para alcançar não há consenso nem entre os países
signatários, passassem a valer e verdadeiros consensos. envolvidos na negociação) e mapear o
se desdobrar em políticas públicas Como resultado dos (ou da falta andamento das iniciativas.
domésticas. Hoje, a lógica se inverte: já dos) processos em curso, se a Eco92 Nos moldes dos polêmicos
existe uma corrida pela implementação ficou conhecida como a Cúpula da empréstimos do Banco Mundial e
13
14. do Fundo Monetário Internacinal nuclear; e outros dois de combate da votação no Congresso, é que os
(FMI) para os chamados Ajustes ao desmatamento na Amazônia e no desmatadores anistiados possam
Estruturais da economia dos países em Cerrado. também receber incentivos e créditos
desenvolvimento, de privatização e Já em 2010, durante as negociações de carbono por recuperar áreas que
abertura dos serviços à fase neoliberal de Cancun, o Brasil lançou o Fundo degradaram - isso não sendo válido
do capitalismo nos anos de 1990, Clima, para direcionar recursos para os pequenos agricultores, que
ou das imposições dos Tratados de da exploração do petróleo do pré- estariam isentos do dever de reconstituir
Livre Comércio (TLCs) às políticas sal - de alto carbono - na forma reserva legal.
nacionais para as indústrias extrativas, de empréstimos num total de 200 Nessa linha, estão em tramitação os
a economia verde vem, tal e qual, milhões de reais para o setor privado Projetos de Lei (PLs) de REDD nacional
como uma Área de Livre Comércio das assim promover a economia verde.4 e estaduais e o de Serviços Ambientais,
Américas (ALCA). No entanto, ela vem que já têm cronograma definido para
muito mais sutil, disfarçada de verde e Políticas públicas para garantir “ou sim ou sim” estarem aprovados
considerada inofensiva nas negociações direitos ao mercado antes da Rio+20 para mostrar como o
mundiais para o meio ambiente. Avançam as políticas verdes com Brasil fez sua lição de casa. Antes que
resultados para a especulação fundiária nos organizemos e nos atentemos para
O ajuste estrutural e que fazem da reforma agrária um o seguimento destas políticas, uma
do meio ambiente ao capital sonho de justiça cada vez mais distante. lei dessas dá como certa a perda de
O Brasil sancionou, em plena Há quem diga que o “Novo Código soberania das comunidades sobre seus
loucura pós Copenhague, nos Florestal” ruralista a ser votado no territórios ao garantir juridicamente
últimos dias de 2009, sua Política Senado deixa o Brasil em flagrante o acesso irrestrito das corporações -
Nacional sobre Mudança do Clima contradição como país anfitrião da ou outros pagantes dos serviços que
(PNMC). E mesmo após quase uma Rio+20. Não será o contrário? O estejam compensando a degradação
década de demandas da sociedade governo poderá, a seguir, vetar algumas ambiental de suas atividades em outro
civil, houve o veto presidencial emendas, ou não perdoar a dívida de canto do mundo - para medições
ao artigo que tratava da redução desmatadores. Mas tirar a proteção e verificações sobre os serviços
progressiva do uso de combustíveis do Estado, reduzindo ou eliminando adquiridos, sejam eles o carbono, a
fosseis e a inclusão da instituição de Áreas de Preservação Permanentes água ou a biodiversidade.
mercados certificados de carbono, o (APPs) e Reserva Legal, é uma forma Entre os estados mais adiantados
suprassumo da economia verde. de dar acesso aos mercados a essa está o Acre, que desenvolve um projeto
Hoje, os planos setoriais, outro enorme e bilionária riqueza verde que, pioneiro de REDD, contabilizando um
instrumento da PNMC, estão para ser até então, não circulava nas bolsas. volume estimado, para os anos de 2006
aprovados com pujantes orçamentos Nova modalidade em debate, depois a 2009, de 100 milhões de toneladas
públicos. No entanto, eles não vão
além de “mais do mesmo”: um plano
chamado ABC do agronegócio, ou
Agricultura (industrial) de Baixo
Carbono; outro de Siderurgia Verde,
para exportação de aço produzido
com carvão vegetal de monoculturas
de árvores; um terceiro, que é o
próprio Plano Decenal de Expansão
de Energia (PDEE), calcado na
construção de barragens na Amazônia
e na expansão do agronegócio
da energia da cana e da energia
14
15. Contra Corrente
de dióxido de carbono (CO2), cuja o Comitê Facilitador da Sociedade
comercialização será feita em leilão na Civil para a Rio+20. Este Comitê
BM & FBovespa no final do segundo prepara uma série de atividades locais,
semestre de 2011 para precificar, pela nacionais e internacionais, que passam
primeira vez no Brasil, os créditos de pelo fórum alternativo ao G20, na
carbono das florestas.5 França, em novembro; pela COP17
E chegando à capital dos megaeventos, do Clima, em Durban, no final de
para além da Rio+20, no Rio de Janeiro, novembro; pelo Fórum Social Temático,
se anuncia a Copa do Mundo verde e em Porto Alegre, em janeiro de 2012;
solar. Ela se concretiza com vultosos e pelas atividades paralelas a Rio+20,
financiamentos públicos para o setor que pretendem oferecer um choque de
privado abastecer com energia renovável paradigma durante a próxima semana “A economia verde
novos estádios e mega infraestruturas do meio ambiente no Rio de Janeiro.
de entretenimento das elites, a serem Sem ter como foco os megaeventos vem, tal e qual,
construídas em locais de disputa com as oficiais, estas etapas podem
comunidades urbanas carentes de acesso representar momentos de convergência como uma ALCA. No
aos serviços públicos básicos. Cada vez e fortalecimento dos movimentos sociais
mais a lógica da especulação imobiliária e das suas propostas contra hegemônicas, entanto, ela vem
nas cidades reproduz o discurso do verde necessárias ao enfrentamento de um
que entrou pela porta do clima. É o novo e complexo ciclo de acumulação muito mais sutil,
caso da geração de créditos e mercados repleto de contradições e apropriações
de compensações no caso de projetos dos discursos ambientais e das demandas disfarçada de verde
que pela lei sejam privados de aplicar populares por justiça social.
máximos índices construtivos, ou dos eco O grande desafio e oportunidade que e considerada
condomínios de luxo que apropriam-se esta Conferência traz é o da mobilização
de áreas verdes anteriormente públicas e daqueles setores da sociedade civil ávidos inofensiva nas
passam a vender sustentabilidade. por um real choque de paradigma, por
mostrar justamente que as soluções reais negociações
Movimentos sociais não têm como se dar, nem pintadas (de
na contra corrente verde), dentro de um sistema que precisa mundiais para o
Buscando deslegitimar desde já mudar, e já.
o pretenso novo consenso global meio ambiente.”
da economia verde, os movimentos Lucia Ortiz é coordenadora do Amigos da Terra Brasil,
membro da Coordenação Nacional da Rede Brasil sobre
sociais no Brasil e no mundo podem Instituições Financeiras Multilaterais e coordenadora regional
ver o caminho a Rio+20 como um do Programa Justiça Climática e Energia do Amigos da Terra
América Latina e Caribe (ATALC) – lucia@natbrasil.org.br
processo político para fortalecer e dar
visibilidade às lutas de resistência no 1- Ver SUMMARY OF THE NINETEENTH SESSION OF THE
COMMISSION ON SUSTAINABLE DEVELOPMENT, 2-14 MAY
campo, nas cidades e na floresta, assim 2011, em: http://www.iisd.ca/vol05/enb05304e.html
como às propostas e soluções populares 2- http://www.eclac.cl/noticias/paginas/5/43755/
por justiça social e ambiental. Conclusiones_reunion_prep_Rio+20-2011-esp.pdf
Através da Rede Brasil sobre 3- Resolução ONU A/RES/64/236
Instituições Financeiras Multilaterais, 4- Ver em: http://www.ecodebate.com.br/2010/10/27/
o Amigos da Terra, juntamente com decreto-regulamenta-fundo-nacional-sobre-mudanca-do-
clima-fnmc-ou-fundo-clima/
a Via Campesina, a Marcha Mundial
5- Em: http://www.opovo.com.br/app/opovo/
das Mulheres, o Jubileu Sul e mais economia/2011/05/30/noticiaeconomiajornal,2250488/
dez outras redes nacionais, integra credito-de-carbono-podera-ser-comercializado.shtml
15
16. Jubileu Sul*
Banco Mundial
Fora do Clima!...
e de nossos países
Campanha internacional denuncia os novos interesses mercadológicos dessa velha
instituição que, através de falsas soluções, quer assegurar a hegemonia financeira
A
ssim como as demais Instituições isso, incorporou em suas normas as causas dos problemas e aumentam a
Financeiras Internacionais (IFIs), “preocupações ecológicas” e uma suposta dívida climática dos países do Norte. Para
desde a sua criação, o Banco prioridade para o “desenvolvimento estas instituições, as mudanças climáticas
Mundial tem servido como instrumento sustentável”. Com esse pseudo “novo revelam-se como uma saída para a crise
de defesa dos interesses do Norte paradigma”, seguiu impondo suas econômica e uma oportunidade para a
global, das transnacionais e das elites definições sobre os problemas e suas criação de novos paradigmas e conceitos,
financeiras e política. Ou seja, atua na soluções. Não se pode permitir que o como o de “economia verde”.
defesa dos responsáveis por impulsionar Banco Mundial deturpe a defesa dos Assim, se reduz a crise civilizatória a
e beneficiarem-se do modelo econômico direitos dos povos e da Natureza para uma crise ecológica e a crise ecológica a
que empobrece as grandes maiorias, continuar priorizando os mesmos uma crise climática, e esta a uma falha
explora a natureza, gera a mudança interesses de sempre. do mercado. A destruição ecológica se
climática e mina a soberania dos povos. A crise climática é uma realidade converte em um novo impulso para o
Há décadas, o Banco Mundial é alvo atual que impacta mais as populações crescimento e a acumulação econômica
de graves denúncias e mobilizações que do Sul global. Ela é consequência do das elites. Os problemas ambientais e
reivindicam a sua retirada e a de suas próprio modelo de desenvolvimento dos sociais são caracterizados como uma
instituições correlatas (os banco regionais países industrializados do Norte e de um questão meramente tecnológica ou
de desenvolvimento, o Fundo Monetário modo de produção e consumo baseado da falta de clareza na atribuição dos
Internacional e o Centro Internacional na crença de que a natureza não possui direitos de propriedade. Frente aos quais
para Arbitragem de Disputas sobre limites. Com a cumplicidade dos governos se reivindicam soluções de mercado,
Investimento – Ciadi, dentre outras) dos e das elites do Sul, as comunidades como os novos produtos financeiros
países do Sul e a transformação profunda trabalhadoras, povos originários, “verdes”, a criação e a venda de serviços
do sistema financeiro. camponeses, pescadores e mulheres são ambientais e a mercantilização da
Porém, esse banco encontrou, obrigados a pagar pelos custos de uma natureza, de modo geral.
na confluência da crise sistêmica crise que não causaram. A estratégia do Norte, reconhecendo o
(econômica, alimentar, energética e já inevitável problema do aquecimento
climática, dentre outras), uma nova Novo paradigma? É tudo mentira! climático, busca preservar a impunidade
roupagem para suas velhas práticas. No mesmo sentido, as respostas que vêm e evitar qualquer mudança no estilo
Através de um discurso repaginado, sendo formuladas desde os centros de de vida e no consumo, além de tentar
passou a incorporar e consolidar um poder - as corporações transnacionais e transferir a responsabilidade ao Sul,
conjunto de ações para a “transição” as instituições financeiras internacionais através da promoção e apoio a falsas
para um capitalismo “verde”. Para - são falsas soluções, pois ignoram as soluções como o mercado de carbono,
16
17. Contra Corrente
as hidrelétricas, a energia nuclear, e Colômbia. - Fundo para o Meio Ambiente
os agrocombustíveis e a venda de Entre os fundos mais importantes Mundial (GEF, sigla em inglês): tem
tecnologia. Desse modo, o papel que as estão: - Fundo de Biocarbono: centrado dois fundos fiduciários financiando
elites buscam consolidar junto ao Banco em projetos florestais e do uso da terra; projetos de adaptação e mitigação.
Mundial é chave e similar ao utilizado - Fundo de Carbono de Desenvolvi- Nas negociações sobre clima, os
nos anos de 1970, quando se propagou mento Comunitário: centrado em proje- governos do Norte têm buscado
o modelo de desenvolvimento com base tos em países menos desenvolvidos; reforçar este papel do Banco Mundial
no endividamento externo, e nos anos de O Banco Mundial, também maneja através, por exemplo, da gestão
1980 e 1990, quando utilizou-se dessa distintos fundos de investimentos, do Fundo Verde Climático, cuja
dívida para impor o ajuste estrutural, as por exemplo: criação foi acordada na COP-16,
privatizações e a abertura neoliberal. - Fundo de Tecnologia Limpa: em Cancun. Mesmo reconhecendo
projetos de mitigação ou redução de que o financiamento prometido é
Fundos e mais fundos emissões; problemático pela sua lógica, destino
Por outro lado, a criação do mercado - Fundo Cooperativo para o Carbono e atores envolvidos, além de outras
de carbono abriu a porta para que as das Florestas (FCPF): para mitigação - questões, o prometido não é aplicado.
IFIs e, em especial o Banco Mundial, REDD; Investigações recentes assinalam
expandissem sua área de atuação - Programa de Investimento em que dos 30 bilhões de dólares para
e fortalecessem sua capacidade de Florestas: para mitigação - REDD; financiamento “rápido” que foram
intervenção e condicionamento sobre - Programa Piloto de Resistência prometidos em dezembro de 2009 no
os países mutuários (emprestadores). Climática: para adaptação; chamado “Acordo de Copenhague”, até
Também permitiu gerar um programa - Programa de Ampliação da Energia agora, foram aplicados efetivamente
novo de financiamento para projetos Renovável para os Países de Baixo apenas 7,9 bilhões de dólares, dos quais
integrados ao mercado de carbono Ingresso: para mitigação - geral; 42% (3,3 bilhões de dólares) serão
através de iniciativas como o - Fundo Estratégico sobre o Clima: canalizados através do Banco Mundial
Mecanismo de Desenvolvimento Limpo adaptação, mitigação – REDD, e 47% (3,7 bilhões de dólares) serão
(MDL), Controle e Comércio (Cap and mitigação – geral; aplicados através de empréstimos.
Trade, na versão original, em inglês)
e os projetos do programa de Redução
de Emissões por Desmatamento e
Degradação (REDD). Este programa
permite aos países do Norte, e suas
transnacionais, compensar ficticiamente
parte de suas emissões de gases de efeito
estufa financiando projetos no Sul. Esse
modelo aumenta a dívida financeira
ilegítima, assim como também as
dívidas ecológicas e sociais. O mercado
de carbono favorece a especulação e o
lucro a partir das mudanças climáticas,
fomentando novos “derivados” que nada
tem a ver com o impacto climático, mas
sim com a possível criação de novas
bolhas especulativas similares ao que
ocorreu em 2007 e 2008, quando o
Creative Commons
mercado imobiliário explodiu.
Atualmente, o Banco Mundial
administra 12 fundos de Unidade de
Financiamento de Carbono, com um
valor aproximado de 2,5 bilhões de
dólares, que até agora envolveram
países como China, Índia, Brasil, México Campanha denuncia as falsas soluções propostas pelo Banco Mundial: a hora de agir é agora
17
18. karmo
Mais do mesmo * a sugestão da Comissão Mundial e sem nenhum envolvimento do
Enquanto isso, o Banco Mundial de Barragens, que acaba de completar Banco Mundial ou dos bancos de
continua financiando um modelo de 10 anos de esquecimento, sobre desenvolvimento regionais. O Acordo
desenvolvimento que contribui para os impactos econômicos, sociais e demarca ainda que, para construir
o aquecimento climático, incluindo ecológicos negativos das represas. o equilíbrio e a equidade climática,
massivo investimento em combustíveis As hidrelétricas não são fontes de é indispensável reparar a dívida
fósseis e no agronegócio: energia limpa: contribuem para o ecológica e climática que o Norte
• Entre 1992 e 2004, aprovou desmatamento e a expulsão das tem com o Sul e com todo o planeta.
mais de 11 bilhões de dólares de populações de seus territórios e são, ao Os fundos não devem ser entendidos
empréstimos para mais de 120 projetos mesmo tempo, grandes emissoras de em função das mudanças climáticas,
de combustíveis fósseis, representando gases de efeito estufa na atmosfera; mas sim em função da busca de um
20% das emissões globais atualmente. * as advertências da FAO caminho para uma sociedade não
• Somente em 2007 e 2008, o Banco (Organização da ONU para a dependente de petróleo, pois são os
Mundial financiou outros 7,3 bilhões Agricultura e Alimentação) combustíveis fósseis os principais
de dólares em projetos de combustíveis sobre os impactos negativos dos causadores do problema.
fósseis – sem incluir empréstimos agrocombustíveis sobre a segurança e a Conhecemos as consequências
para as políticas e agências de soberania alimentar e o desmatamento; históricas das dívidas ilegítimas que o
financiamento intermediário do setor * a pressão, a mobilização e as Sul global tem sofrido há séculos. Nesse
de combustível fósseis. O banco críticas de milhares de organizações sentido, conclamamos que, em todas
também financiou 5,3 bilhões de e pessoas que, nas últimas décadas, as partes do mundo, sejam organizadas
dólares para energias renováveis reivindicam o fechamento desta ações que evidenciem o papel danoso
e eficiência energética. Como é de instituição ilegítima e injusta. do Banco Mundial e que se fortaleça
se esperar, a construção da “nova” O Acordo dos Povos - realizado a resistência da Campanha Banco
Estratégia Energética do Banco Mundial durante a Conferência Mundial dos Mundial Fora do Clima. É preciso fazer
para 2011 apresenta algumas mudanças. Povos sobre as Mudanças Climáticas frente às falsas soluções que este banco
Entre outros aspectos, planeja investir e os Direitos da Mãe Terra, em abril promove em relação à crise climática,
no setor privado enfocando na de 2010, em Cochabamba (Bolívia), incluindo, sobretudo, o financiamento
produção de energia e não no consumo. como uma resposta ao fracasso de ao mercado de carbono em suas
Para o Banco Mundial, a energia Copenhague (COP16) - afirma que o diversas formas, e as consequências
limpa continua sendo a hidrelétrica, financiamento mínimo necessário para a aliança dos direitos dos povos e
os agrocombustíveis, a energia nuclear para enfrentar as mudanças climáticas a natureza.
(mesmo afirmando que não vai deve ser de 6% do Produto Interno
financiar) e o mercado de carbono. Bruto (PIB). * O Jubileu Sul, rede composta de organizações
Ao desenvolver estas políticas, o Os fundos devem ser públicos, e movimentos da sociedade civil da América Latina
Banco Mundial continua ignorando, novos, adicionais e não reembolsáveis, e Caribe, África e Ásia, integra a Campanha Banco
entre outras questões: eliminando o mercado de carbono, Mundial Fora do Clima – www.jubileubrasil.org.br
18
19. Adriana Ramos* Contra Corrente
REDD: financiamento
para florestas ou
financeirização climática?
Em relação à compensação de emissões de carbono, o destino e funcionamento do REDD ainda não
estão suficientemente claros no Brasil; a prioridade deve ser para quem protege as florestas
Greenpeace/Rodrigo Baleia
“O REDD pode ser visto como um mecanismo que apóia financeiramente a proteção das florestas : mecanismo em disputa”
R
EDD é a sigla para Redução de o REDD pode ser visto como um florestas pode se dar por diferentes
Emissões por Desmatamento e mecanismo que apóia financeiramente estratégias, entre elas, a promoção
Degradação. É um mecanismo a proteção de florestas. de seu uso sustentável, como tem
que reconhece a importância das Embora ainda não haja definições sido historicamente feito por povos
florestas na proteção do clima e específicas sobre o que será abarcado indígenas e comunidades tradicionais,
propõe uma compensação aos países pelo mecanismo, no âmbito da o REDD pode também apoiar o
que estão dispostos e em condições de Convenção de Clima ou mesmo desenvolvimento de alternativas
reduzir as emissões por desmatamento na legislação nacional. Levando- econômicas para esses grupos sociais.
e degradação florestal. Neste sentido, se em conta que a proteção das O Fundo Amazônia foi criado
19
20. pelo governo brasileiro a partir das Priorizar os pequenos vivem do uso sustentável da floresta
reduções das emissões oriundas do A crescente especulação sobre as na região. Por isso, esses grupos sociais
desmatamento da Amazônia ocorridas possibilidades de utilização do mecanismo devem ser priorizados na aplicação dos
entre os anos de 2005 e 2009. Não há REDD como compensação de emissões recursos do Fundo Amazônia.
titulação ou certificação de carbono a de carbono demonstram a fundamental Para viabilizar o acesso das
partir da doação ao Fundo Amazônia. relevância de se definir claramente em organizações representativas das
O que o BNDES emite é um diploma âmbito nacional a que se destinará o comunidades locais ao Fundo, a
reconhecendo a contribuição dos mecanismo REDD e como funcionará. representação da sociedade civil no
doadores ao Fundo Amazônia. Esse é o grande desafio da sociedade COFA tem defendido o estabelecimento
O diploma traz a quantidade de civil brasileira em relação ao tema REDD, de editais específicos para pequenos
toneladas de carbono correspondentes assegurar que seja um instrumento de projetos, e o apoio a outros fundos que
ao valor da contribuição financeira repartição de benefícios que priorize tenham mais experiência e agilidade
para o Fundo, mas não gera direitos os atores sociais historicamente para apoiar projetos menores, a
ou créditos de nenhuma natureza. O exemplo do Fundo Dema, administrado
BNDES afirma que está discutindo o pela Fase, que recentemente firmou
desenvolvimento de uma metodologia “O grande desafio é contrato com o Fundo Amazônia.
de inventário de carbono visando As demais pautas prioritárias da
permitir a compensação limitada assegurar que o REDD representação do FBOMS no COFA
de emissões com projetos de REDD são: ampliar a transparência do Fundo
+, embora não haja informação seja um instrumento Amazônia e a coerência entre os
pública sobre essa possibilidade, e objetivos do Fundo e os investimentos
nem amparo formal nas políticas
brasileiras de REDD para tal, ao
de repartição de do BNDES na região.
Para ampliar a transparência do
menos por agora.
O Fundo Amazônia se diferencia de
benefícios que Fundo Amazônia temos cobrado
do BNDES ações de comunicação
outros fundos voltados às florestas mais eficientes, tanto no que diz
tropicais no âmbito das mudanças prioriza os atores respeito às informações necessárias
climáticas, como o Programa de ao acesso ao Fundo, quanto às
Investimentos Florestais (FIP), sociais historicamente relacionadas ao desenvolvimento dos
do Banco Mundial. No caso do projetos. Ao mesmo tempo, temos
FIP, os investimentos não estão comprometidos e buscado promover um maior controle
condicionados ao ato da comprovação social sobre os recursos do Fundo
da redução das emissões. Além responsáveis pela Amazônia, divulgando informações
do Fundo Amazônia, o BNDES sobre os projetos desenvolvidos em
administra outros fundos direcionados manutenção das deolhonofundoamazonia.ning.com.
à regularização ambiental ou No que diz respeito à coerência
restauração florestal. Este é o caso
do Programa ABC, de crédito para
florestas”. entre os objetivos do Fundo Amazônia
e os demais investimentos do BNDES
financiar ações que contribuam na região, trata-se do desafio mais
para a redução de emissões de comprometidos e responsáveis pela complexo e com menor permeabilidade
gases causadores do efeito estufa manutenção das florestas. dentro do próprio Banco, e a estratégia
geradas pela atividade agropecuária. É essa perspectiva que tem balizado do FBOMS para enfrentá-lo é buscar
O Fundo Mata Atlântica, como o a atuação da representação do Fórum articulação com outros grupos
Fundo Amazônia, é de recursos não Brasileiro de ONGs e Movimentos da sociedade, principalmente a
reembolsáveis. O BNDES anunciou Sociais para o Meio Ambiente e o Plataforma BNDES e a Rede Brasil.
que utilizaria recursos do Fundo Desenvolvimento (FBOMS) no Comitê
Mata Atlântica, para a neutralização Orientador do Fundo Amazônia (COFA).
de emissões de sua sede, no Rio A redução dos desmatamentos na
de Janeiro. Entretanto, não há Amazônia foi um processo resultante
informações sobre se e como isso de ações de governo e da sociedade e, * Adriana Ramos é secretaria executiva adjunta do Instituto
vem sendo feito. principalmente, das comunidades que Socioambiental (ISA) -adriana@socioambiental.org.br
20