2. A "Cueva de las Manos", no Rio Pinturas – com contornos detalhados de mãos humanas –
é considerada um dos locais de habitat mais importantes para os primeiros grupos de
caçadores-coletores da América do Sul. Na província de Santa Cruz, , na Argentina.
3. Nossa imagem do ser humano pré-histórico selvagem e guerreiro, que persiste até
os dias atuais, na verdade, é um mito, criado na segunda metade do século XIX.
Pesquisas arqueológicas mostram que, na verdade, a violência coletiva surgiu
com a sedentarização das comunidades e a transição de uma economia de predação
para uma de produção.. Marylène Patou-Mathis
4. Ato violentos – os arqueólogos estudam os impactos de projéteis
e lesões em ossos humanos, avaliam o estado de preservação dos
esqueletos e analisam o ambiente em que foram descobertos.
37 esqueletos foram encontrados sem cabeça; imagem mostra dois deles deitados de bruços
Till Kühl, Institute for Pre- and Protohistoric Archaeology/Kiel University
5. Os mais antigos traços de violência já encontrados
são aqueles resultantes da prática do canibalismo.
▪ Essa prática relativamente rara – que
apareceu há 780 mil anos e foi
documentada nas montanhas da Serra de
Atapuerca, na Espanha – persistiu em
outras sociedades nômades de caçadores-
coletores da era paleolítica, bem como
entre os agropastoris neolíticos.
https://www.europapress.es/ciencia/noticia-descubren-atapuerca-
burgos-canibalismo-era-habitual-hace-800000-anos-
20100906133524.html
6. Antigas guerras, antes mesmo do Homo
sapiens, incluíam práticas canibais
https://www1.folha.uol.com.br/colunas/reinaldojoselopes/2018/07/antigas-guerras-antes-mesmo-do-
homo-sapiens-incluiam-praticas-canibais.shtml
7. As Origens da Violência Humana
▪ Essa evidência da ação de um ser humano sobre o corpo de outro ser
humano levanta questões: as vítimas foram mortas antes de serem
devoradas? Na verdade, o canibalismo alimentar pode ser praticado
em indivíduos que já estão mortos – como no endocanibalismo
funerário, que consiste em devorar um membro da própria família
após sua morte.
▪ Na era paleolítica, essas marcas foram observadas em menos de 30
casos. A questão permanece: os “devoradores” e os “devorados”
pertenciam à mesma comunidade? Embora atualmente a prática de
canibalismo – tanto alimentar quanto ritual – esteja documentada
em vários sítios paleolíticos, muitas vezes é difícil saber se o que
ocorreu foram casos de endocanibalismo ou de exocanibalismo.
8. Ausência de violência coletiva
▪ Dados arqueológicos mostram que uma forma de violência já existia na era
paleolítica, sobretudo em cerimônias que envolviam o canibalismo. No
entanto, até agora não foram encontradas evidências de violência coletiva.
Na maioria dos casos retidos e estudados (fora do contexto do
canibalismo), apenas um indivíduo foi vítima de violência – o que pode
demonstrar a existência de conflitos interpessoais (raramente fatais) ou
rituais de sacrifício.
▪ Portanto, é razoável supor que não ocorreram guerras no período
paleolítico, falando em sentido estrito. Diversas razões podem explicar essa
ausência – uma população pequena, um território de subsistência
suficientemente rico e diversificado, a falta de recursos e uma estrutura
social igualitária e menos hierárquica.
9. Ausência de violência coletiva
Dois buracos por cima da
cavidade do olho esquerdo
de um crânio são as provas
mais antigas da existência
de violência física
intencional entre
humanos, que resultou
numa morte há 430.000
anos em Espanha
https://www.publico.pt/2015/05/29/ciencia/noticia/homicidio-no-plistoceno-disseram-os-cientistas-1697219
10. Ausência de violência coletiva
▪ Entre esses pequenos grupos de caçadores-coletores nômades, a
colaboração e o apoio mútuo entre todos os membros do clã eram
necessários para sua sobrevivência. Além disso, um bom
entendimento entre eles era essencial para garantir a reprodução e,
portanto, a descendência. A suposta “selvageria” dos seres humanos
pré-históricos é, assim, apenas um mito – criado na segunda metade
do século XIX e no início do século XX para reforçar o discurso sobre o
progresso alcançado desde o nascimento da humanidade e o
conceito de “civilização”. Essa imagem de seres humanos pré-
históricos “violentos e belicosos” é o resultado de uma construção
acadêmica popularizada por artistas e escritores.
11. O desenvolvimento dos conflitos
▪ A violência coletiva parece ter
surgido com a sedentarização
das comunidades no final da
era paleolítica, por volta de
13000 a.C. no Oriente Próximo;
mas, novamente, apenas um
ou poucos indivíduos foram
mortos. Isso pode demonstrar
a existência de conflitos dentro
do grupo, mas também o
surgimento de sacrifícios
humanos.
Foram encontrados 26 esqueletos humanos em um terreno em Oxfordshire,
na Inglaterra (Foto:Thames Water)
12. Sítio 117 de Jebel Sahaba, na margem direita do Rio
Nilo na fronteira norte do Sudão com o Egito
Restos mortais de dois
homens adultos feridos por
armas em Jebel Sahaba –
13.000 ac. Enterrados em cova
rasa . Nesse sítio temos
mulehres e crianças. Evidencia
uma luta por alimento e
recursos.
13. O desenvolvimento dos conflitos
▪ Há cerca de 10 mil anos, em Nataruk, 27
indivíduos, incluindo homens, mulheres e
crianças, provavelmente foram jogados
em um pântano. Dez entre os 12 corpos
perfeitamente preservados
apresentavam lesões causadas por atos
de violência, e dois deles, incluindo uma
mulher grávida, tinham suas mãos
amarradas. Descobertos pela primeira
vez em 2012, longe de um local habitável,
esse pequeno grupo de caçadores-
coletores pode ter sido exterminado por
outro grupo durante uma estadia longe
de suas casas.
https://www.deviante.com.br/noticias/ciencia/um-lugar-chamado-nataruk-violencia-pre-historica-africa-sapiens/
14. Da predação à produção
▪ Vestígios de atos de violência são mais frequentes no período neolítico.
Esse período foi marcado por muitas mudanças de natureza diferente.
Mudanças ambientais (aquecimento global); econômicas (domesticação de
plantas e animas, busca por novos territórios, excedente e armazenamento
de alimentos); sociais (sedentarização, explosão da população local,
surgimento de castas e de uma elite) e, no final do período, religiosas
(deusas deram lugar a divindades masculinas).
▪ A mudança na economia (da predação à produção), que levou a uma
mudança radical nas estruturas sociais desde o início do período, parece ter
desempenhado um importante papel no desenvolvimento de conflitos.
Diferentemente da exploração de recursos na natureza, a produção de
alimentos permitia a opção de um excedente de alimentos, o que deu
origem ao conceito de propriedade – e, consequentemente, ao surgimento
de desigualdades.
15. Da predação à produção
Pesquisadores encontram uma
fábrica de sabonetes de 1,2 mil anos
(Foto: Reprodução/IsraelAntiquitiesAuthority)
Os arqueólogos encontraram o
local enquanto estavam
realizando escavações em um
antigo casarão antes de uma
nova construção. Segundo os
especialistas, a família que
morava ali provavelmente
acumulou sua riqueza
produzindo e vendendo sabão de
azeite de oliva.
16. Da predação à produção
▪ Muito rapidamente, as mercadorias armazenadas despertaram inveja e
provocaram lutas internas, mas também eram potenciais despojos dos conflitos
entre comunidades. Como evidenciado pelo surgimento das figuras do chefe e do
guerreiro (visíveis na arte rupestre e nos sepultamentos) na Europa durante o
período neolítico, essa mudança na economia também conduziu a uma estrutura
hierárquica nas sociedades agropastoris. O surgimento de castas e de uma elite
incluía os guerreiros e, como consequência, os escravos precisavam realizar o
trabalho agrícola, em especial.
▪ Além disso, o surgimento de uma elite com seus próprios interesses e rivalidades
provocou disputas internas por poder e conflitos intercomunitários. Foi apenas a
partir de 5500 a.C., época marcada pela chegada de novos migrantes, que os
vestígios dos conflitos entre aldeias se tornaram muito mais frequentes. Isso se
proliferou na Idade do Bronze, que começou antes de 3000 a.C. Foi durante esse
período, quando surgiram verdadeiras armas de guerra feitas de metal, que a
guerra se institucionalizou.
17. Da predação à produção
Os arqueólogos
encontraram o local
enquanto estavam
realizando escavações em
um antigo casarão antes
de uma nova construção.
Segundo os especialistas, a
família que morava ali
provavelmente acumulou
sua riqueza produzindo e
vendendo sabão de azeite
de oliva.
Sarcófago do soberano Sobekhotep Ier, faraó da 13ª dinastia do Antigo Egito,
pesa mais de 600 toneladas
18. As causas históricas e sociais da
violência
▪ Embora atualmente seja difícil avaliar a verdadeira extensão dos atos de violência
na pré-história – uma vez que a avaliação da importância desse fenômeno
provavelmente é qualificada pela situação das descobertas e dos estudos – é
possível propor algumas ideias.
▪ Por outro lado, podemos concluir que, embora o comportamento violento em
relação aos outros seja antigo, a guerra nem sempre existiu. Suas origens parecem
estar correlacionadas com o desenvolvimento da economia de produção, que
desde o início levou a uma mudança radical nas estruturas sociais.
▪ A violência não está gravada em nossos genes. Seu surgimento tem causas
históricas e sociais – o conceito de “violência primordial (original)” é um mito. A
guerra não é, portanto, inseparável da condição humana, mas sim o produto
das sociedades e das culturas que geram.
19. As causas históricas e sociais da
violência
▪ Quanto à realidade da vida de nossos antepassados, ela
provavelmente está em algum lugar entre duas visões – ambas
míticas – a hobbesiana das Aubes cruelles (Alvoradas cruéis, livro de
poemas sobre a era pré-histórica do cientista e escritor Henri-Jacques
Proumen, 1879-1962), e a idade de ouro do florescimento humano,
imaginada pelo filósofo Jean-Jacques Rousseau.
20. Bibliografia
▪ Marylène Patou-Mathis
▪ A pesquisadora da pré-história, especialista no homem de
Neardental, Marylène Patou-Mathis é diretora de pesquisa no Centre
National de la Recherche Scientifique (CNRS) da França para o Museu
Nacional de História Natural de Paris.
▪ Fontes: https://pt.unesco.org/courier/2020-1/origens-da-violencia