Analisar a relação entre políticos e jornalistas, e os
interesses em jogo ante o imperativo de veiculação
de um noticiário ético e credível, é o objetivo deste
trabalho. Tais atores participam de um processo
negocial/relacional que medeia os componentes fato
e relato, encontrando-se aí o campo de tensão onde
ambos exercem as suas competências.
1. Jornalismo e política:
a construção do poder
Emanoel Barreto
Resumo Abstract
Analisar a relação entre políticos e jornalistas, e os The objective of this project is to analyze the relation
interesses em jogo ante o imperativo de veiculação between politicians and journalists and their interest
de um noticiário ético e credível, é o objetivo deste of transmitting an ethical and credible news. The
trabalho. Tais atores participam de um processo participants of a business/relationary process links the
negocial/relacional que medeia os componentes fato fact and report components, finding there the tension
e relato, encontrando-se aí o campo de tensão onde field where both exercise the attribution pertaining their
ambos exercem as atribuições concernentes aos seus respective activities. 11
respectivos papéis.
Palavras-chave Key words:
Jornalismo, política, comunicação de massa, notícia. Journalism, politics, mass communication, news.
2. O desenvolvimento dos meios de comu- coexistem com o ato político que neles
nicação de massa supriu e minimizou a im- encontra espaços apropriados para exercer
portância da co-presença de público no tes- comportamentos de interferência, inserção e
temunho de acontecimentos, especialmente visibilidade junto aos leitores. Interferência
no plano político. Com isso, o jornalismo diz respeito ao conjunto de ações ou esforços
passou a compensar essa ausência, mediante dos atores políticos voltados para colocá-los
o relato do fato, ocupando assim papel de no relato noticioso; inserção refere a relativa
relevo na política, chegando conjuntural- inclusão dos políticos na notícia, já que nem
mente a integrá-la, numa convergência de sempre logram divulgar tudo aquilo que de-
processos1. sejam; visibilidade é a conseqüência final, a
Em função de ser a política um aconte- exposição em maior ou menor grau da atua-
cimento de interesse do público, o que conse- ção dos atores políticos e ocorre quando o
qüentemente interessa ao jornal, este, em sua jornal circula e efetivamente é lido.
condição de artefato noticioso, legitimou-se A notícia, assim, resulta das interferên-
enquanto tal, assumindo situação de locus ao cias e inserções negociadas entre os atores
transpor para as suas páginas a praça social políticos e o jornal/jornalista a partir do que
onde se deu o fato, seja aquela um gabinete foi apurado, declarado, constatado e afinal
inacessível ao homem comum ou o trombe- transposto à publicação. Todas essas instân-
tear dos comícios. Num processo de flexão cias de apuração, declaração, constatação
o jornal empalma o fato relatado, de alguma e publicação são momentos negociais, en-
12 maneira passa a integrá-lo e passa a ser, para o volvem relações de convergências ou con-
leitor, a virtual praça social onde este se deu. É frontações de interesses. A respeito desse
a notícia como equivalente da realidade. processo podemos dizer:
Dentre os diversos segmentos midiáticos 1) Apuração refere a atividade de verifi-
o jornalismo impresso tem especial im- cação, pelo jornalista, de algum fato a partir
portância e repercussão na área política, com de conhecimento geralmente prévio e muitas
laços historicamente firmados e legitimados. vezes superficial de que algo está aconte-
Acertou-se, ao longo do processo histórico cendo, aconteceu ou está prestes a acontecer
entre jornalismo e política, um elo intera- e que tal acontecimento se dá, se deu ou se
tivo, num complexo e intricado sistema de dará de uma determinada maneira, ou seja: o
ação e reação que acaba expresso no que repórter é enviado pelo jornal para verificar
chamaremos de atitude noticiosa, ou seja: uma ocorrência e assim sai em sua busca, es-
um relato que objetiva obter repercussão. timando que esta é de interesse da sua ativi-
Aqui, entenda-se que o jornal se apresenta dade. Apuração é gênero e abrange as fases
como veículo e o jornalismo como a insti- pré-redacionais a seguir mencionadas. 1 Este artigo é um excerto - com
tuição legitimada. Para tanto, a instituição 2) Declaração refere o ato do dizer por revisões, para adequar-se a este espaço
manifesta-se no jornal enquanto veículo, parte de uma fonte procurada pelo jornalista, editorial - da dissertação de mestrado
base material dinâmica da notícia, o locus a podendo ser a confirmação daquilo que se do autor, intitulada “Eleições para o
que há pouco nos referíamos. estava à procura, ou, inversamente, consti- governo do RN – 2002 – A cobertura do
Esses dois aspectos, jornal e jorna- tuir-se em atitude oriunda da fonte, passando Diário de Natal/O Poti: os discursos,
lismo como dados de uma mesma instância, ao jornalista informação por este ainda as manchetes”.
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3. desconhecida e motivadora da apuração. atualidade, que atende ao seu interesse
Neste caso, a informação é indicial, elemento imediatista. Assim convergem, expectativa
indicativo de onde um determinado fato será e oferta, a esse anúncio de novidades que
apurado, ou ser, sob outra face, a própria de alguma forma preexistem difusamente
declaração um conteúdo fático, a matéria- no imaginário do leitor e no trabalho dos
prima da notícia. jornalistas. Quando ao fato, a notícia lhe é
3) Constatação, como fase final do homóloga, ou seja, deve ter-lhe fidedignidade
processo de busca, é a confirmação da em sua condição de relato.
ocorrência, é ato próprio do jornalista, é de sua
exclusiva competência cognoscente, embora Um jogo de equilibristas
protagonizando a cena com a fonte, que pode Todo o processo noticioso está envolto
ser a personalidade jornalisticamente notável em implicações sócio-político-profissional-
ou o chamado homem comum, numa relação econômicas diversas e complexas. Toda essa
de interesses e valores, convergentes ou não, teia que se estabelece entre jornal/jornalismo
no todo ou em parte. e poder agrega interesses de parte a parte,
4) Quanto à publicação, é o enfeixamento além de preocupações mercadológicas, já
instrumental de todo o processo, com o jornal que a notícia é um produto. O processo
na rua. É o fato transporto ao texto e o texto acima descrito envolve uma realidade sempre
por sua vez transposto à condição de fato, já presente no trajeto relacional entre jornalista e
que a notícia uma vez posta passa a compor fonte e diz respeito à ideologia que o perpassa
um dado no mundo. Ou seja: a notícia, como como um todo, desde a coleta de informações, 13
um todo textual de resumo, ligado ao fato que até a notícia como sua conseqüência.
a precedeu, é também um ato intencional, É nesse território que se insere a relação
transforma-se em fato ao ser publicada e como jornalismo e política, quando se encontram
tal repercute no mundo. Por este é apropriada os atores em cena: jornalistas e/ou governos,
e passa a integrar as decorrências do fato que bem como representantes de partidos, sejam
relata. detentores ou não de mandato. A convergência
A notícia é analógica à expectativa do entre jornalista e político ocorre em função de
leitor, atende a uma prefiguração difusa, que tanto um lado quanto o outro acredita que a
vindo a ser consolidada pelo jornal. Entre o publicização de um acontecimento é a melhor
leitor e o jornal se estabelece uma relação de maneira para que se demonstre que cada um
expectativa e atendimento. O jornal preenche Toda a teia que se cumpriu com o seu papel: o político em sua
essa expectativa modificando/atualizando, estabelece entre função de personagem da notícia, o jornalista
dia após dia, os seus conteúdos, mesmo como agente que relata o que se passou no
mantendo o formato gráfico e suas páginas jornalismo e poder cenário do poder.
especializadas em determinados assuntos. agrega não só Apesar disso, no relacionamento jorna-
O repertório de cada página é temático, seu interesses como lístico-político muitas vezes o vértice que
conteúdo, porém, é diário, portanto, mutável. preocupações os liga se transforma em vórtice, quando
A analogia está no fato de que o leitor tem a mercadológicas, já que ocorre distanciamento entre fato e relato. Ao
certeza de que, no jornal, encontrará, naquela partilhar crenças e valores comuns com os
página, um determinado tipo de relato de a notícia é um produto atores políticos, o jornalista pode privilegiar
4. certas aptidões e/ou pronunciamentos de O relacionamento permanentemente envolto em circunstâncias de
alguns deles em detrimento dos demais. jornalismo e política pressões e contrapressões de bastidores, bem
Isso é um efeito prático da ideologia, que se como nos interesses econômicos das empresas
faz imperceptível aos esquemas mentais e é historicamente po- jornalísticas, ao mesmo tempo em que o
cognoscitivos do jornalista, quando busca lêmico e paradoxal- imperativo de informar bem é socialmente
exatamente “cumprir com o seu papel”. mente intercomple- cobrado. O público quer afirmações, rejeita
mentar infirmações ou meios termos.
É importante lembrar ainda que “mídia”
e “política” são, a rigor, abstrações. A O exame da micro-relação entre o
relação entre elas toma a forma concreta de jornalista e sua fonte permite observar
relações interpessoais entre agentes dos dois o entrelaçamento de práticas distintas,
campos. Desejo orientar o foco [...] para de agentes que pertencem a diferentes
os contatos entre jornalistas, de um lado, campos e, portanto, se orientam na direção
e líderes políticos, de outro. De maneira de objetivos diversos. Contudo, devido
esquemática, é possível distribuí-lo em três à dinâmica própria de sua integração,
categorias. Em primeiro lugar, os jornalistas precisam incorporar em alguma medida
“testemunham” eventos políticos que, ainda a lógica um do outro. Sob pena de perder
que possam ser pensados para divulgação a fonte, o jornalista deve ponderar aquilo
na mídia, em princípio ocorreriam mesmo que publica, calculando seus efeitos sobre
na ausência dela: debates e votações o campo político; e fazer concessões aos
14 parlamentares, assinaturas de decretos interesses do outro, divulgando o destaque
e nomeações, atas de posse, reuniões de certas notícias (mas nunca ao ponto de
partidárias. Depois, existem interações comprometer a própria credibilidade). Já a
relativamente formalizadas entre repórteres fonte, para manter seu acesso privilegiado
e políticos, na forma de entrevistas à imprensa, deve reconhecer o material que
(coletivas e individuais). Por fim, há a é útil ao jornalista e, sobretudo, manter a
relação cotidiana entre os profissionais de própria confiabilidade diante dele, não
imprensa e aqueles que, no jargão do meio, transmitindo informações equivocadas
são chamados de suas “fontes”. Qualquer em busca de benefícios de curto prazo
indivíduo que proporcione dados para a (MIGUEL, 2002:14).
elaboração de uma reportagem é uma fonte.
Quem interessa aqui, porém, é aquela fonte Frente a tal realidade, que resulta de um
mais ou menos permanente, que fornece relacionamento humano e, portanto, passível
informações continuadas e, em algum grau, de falhas, o profissional toma precauções,
exclusivas ao mesmo repórter, muitas vezes resguarda-se quando busca elaborar com exa-
com a garantia do anonimato na publicação tidão a matéria que fará sentido no mundo.
da notícia (MIGUEL, 2002:13). Havendo isso, confia, haverá ética.E mais:
havendo racionalidade, equilíbrio, entende-
O relacionamento jornalismo e política é se nos meios jornalísticos que haverá fideli-
historicamente polêmico e paradoxalmente dade narrativa, para a qual, entretanto, um
intercomplementar. Esse intercâmbio está ingrediente é também essencial: é preciso
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5. que aquilo que o político declarou coincida fatizada convergência entre a busca de notícia
com a realidade. e a busca de ser notícia, há o interesse entre
Os políticos buscam afinar-se pelo dia- mídia e política para o destaque de assuntos
pasão deste comportamento vigente nas re- episódicos, aqueles que chamem atenção pelo
dações, a fim de ganhar espaço no pódio da caráter de coisa social inusitada, um cometa
notícia. O jornalista, ao buscar informações, noticioso que de repente aparece.
precata-se quanto à credibilidade destas, tra- Ao legitimar-se enquanto estrutura indus-
balhando em meio às determinações da linha trial e técnica para a distribuição do produto
editorial do jornal e de suas próprias convic- notícia, o jornalismo formalizou com os leito-
ções. É uma relação de equilibristas. Em meio res o compromisso de manter sempre em suas
ao que foi declarado, pode haver algo que não páginas informações de atualidade. Isso, den-
deveria ser escrito por ser incompatível com tro do exíguo período de 24 horas.
a realidade. O aprazamento implicou a formulação de
toda uma organização funcional cujos desdo-
A ética tem a ver com o dever: o dever bramentos resultaram, ao longo do tempo, na
para consigo e/ou para com os demais. exclusão de modelos noticiosos mais aprofun-
É individual ou pessoal ainda quando se dados, em favor do relato episódico. Não há
relacione com obrigações e direitos para tempo, nem é objetivo do jornalismo, a elabo-
com os outros. A qualidade da vida humana ração de um tratado a cada novo acontecimen-
tem a ver com ambas as coisas, solidão to, a cada nova edição. Antes, é preciso, ape-
e sociabilidade. [...] Esta dualidade da nas, tratá-lo, dar-lhe forma redacional típica 15
moral individual e social está implicada no do jornalismo, para fazer sentido no mundo.
próprio conceito da ética. O jornalista, por
exemplo, não está simplesmente escrevendo “Não vim para explicar: vim para
para o consumo de outros; está escrevendo confundir”3
como uma expressão de si mesmo e se põe Quando da cobertura de assuntos
a si e seu próprio eu em seu jornalismo. políticos, o jornalismo diário, ao optar
2 MERRIL, J.C. El Imperativo de la Ele comunica a si mesmo de uma maneira pela prevalência de matérias incidentais,
Libertad. Filosofia da autonomia perio- muito real. Agrada-se ou desagrada-se a si relativas a acontecimentos editorialmente
dística. México: EDAMEX, 1982:196- mesmo, não só à audiência. O que realiza descontextualizados, consolida atitude que
197. para atingir certo patamar dentro de si descura uma visão ampla e aprofundada
não só afeta as atividades e crenças de da realidade. O jornal fica preso aos
3 Ad tempora, a citação alude a outros, mas também, de forma muito viva, fatos políticos acontecidos, ao dito, ao
discurso recorrente do apresentador a essência de sua própria vida (MERRIL2, declarado, quando poderia buscar, pela ação
de TV Chacrinha, figura polêmica citado por GOMES, 1997:70). investigativa, um aprofundamento crítico
e polissêmica que, nos anos 60 e 70
e desvelador de quadro, uma vez que em
do século passado, carnavalizava a
realidade brasileira em auditórios
O trabalho de simbolizar o mundo se ins- política é larga a teia de interacontecimentos.
lotados. Era um crítico inconsciente creve, entretanto, numa circularidade: a per- Nada acontece sem causa remota ou próxima
do absurdo da cena brasileira, de cujo manente busca pela notícia, que faz o jornalista a essa ocorrência. E essa, por si só, implicará
repasto midiático/comercial, entretanto, voltar sempre ao convívio das fontes políticas, outro fato, previsto ou inesperado.
também se nutria. e a continuada busca destas pela mídia. Na en-
6. No jornalismo episódico a política é No jornalismo episódico político-comunicacional, apresentando o
mostrada sem o seu mais essencial elemento a política é mostrada espetáculo da informação como deleite de
de constituição: o debate, o confronto de consumo, que é exatamente a intenção dos
idéias, para ser apenas relatada de forma sem o seu mais atores políticos, quando protagonizam atos
circunstancial, mesmo que exibida pela essencial elemento que serão jornalisticamente aproveitados. A
ação gráfico-declaratória de uma manchete. de constituição: o chacrinização dos acontecimentos políticos,
Sem um enunciado interpretativo, sem debate, o confronto de sua condição de produto, portanto, inscreve-
contextualização, podem prevalecer interes- idéias, para ser apenas se tranqüilamente nessa relação de causa e
ses ocultos, o jogo de luz-e-sombra da efeito programados para repercutir no grande
luta política, cuja formulação o jornalismo relatada de forma auditório social. É exatamente nesse cenário
acompanha ao elaborar relatos meramente circunstancial, mesmo translúcido onde a lucidez perde espaço. Não
indiciais, que se referem ao jogo do poder, que exibida pela ação se vêem os figurantes por completo, suas reais
mas sem força elucidativa. Quanto à citação de gráfico-declaratória de intenções, somente as suas silhuetas, que saem
Abelardo Barbosa, o Chacrinha, esta nos leva uma manchete da linha de montagem da indústria cultural da
a uma reflexão a respeito do relacionamento qual são atores e autores.
entre imprensa e poder. Ao dizer “não vim
para explicar; vim para confundir”, o discurso En todos sus campos se confeccionam, más o
chacriniano assume, por inversão, uma atitude menos de acuerdo a um plan, los productos que
cínico-explicativa ao inserir sua presença se estudian para el consumo de las masas y que
histriônica ao universo comunicacional. determinam em gran medida ese consumo. Los
16 Ao dizer que não viera para explicar, diversos campos se parecen por su estructura
deixa implícito que há dúvidas pré-exis- o al menos se interrrelacionam. Se completan
tentes, incertezas formalizadas, jogos de es- casi sin carencias, para constituir um sistema.
pelho, duplicidade e vaguidão direcionada, Eso, debido tanto a los medios actuales de la
ou seja, um processo prévio e organizado técnica como a la concentración económica
para a desorganização. Há uma irrealidade y administrativa. La industria cultural es la
construída, visível, porém disfarçada e não integración deliberada de sus consumidores,
reconhecível pelo público. Infere então que, em su más alto nivel. [...]. La industria
como ele, sempre em destaque na mídia, cultural tiene em cuenta sin duda el estado de
há orquestradores e organizadores de tal conciencia e inconciencia de los millones de
confusão. Mas ele estava exposto e, mesmo personas a quienes se dirige, pero las masas
falando em confundir, flagrava a confusão. no son el factor primordial, sino um elemento
Quanto aos detentores de força política, secundario, um elemento de cálculo; um
não: ocultavam-se, como ainda se ocultam, accesorio de la maquinaria. Ele consumidor
nos vieses de discursos de convencimento, no es rey, como queria na industria cultural;
garantindo que podem descobrir o caminho no es sujeto, sino el objeto. [...]. Sin embargo,
certo na política e, como tal, na vida em no se trata em primer lugar de las masas, ni de
sociedade. las técnicas de comunicación como tales, sino
A irrealidade construída, resultante de del espíritu que les es insuflado a través de la
uma realização roteirizada, com sua produção voz de su conductor (ADORNO e MORIN,
massiva de significados, é parte da ação 1967:9-10).
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7. A indústria cultural, ao assimilar me- quando a ira ou a desaprovação públicas
taforicamente o modo de produção industrial, se tornam suficientemente veementes, os
com seus passos de produção, organização e media noticiosos fariam bem em se regu-
resultado final, o produto simbólico, assegura larem efectivamente, ou um dia os políti-
a este uma “qualidade ideológica”, da mesma cos “famintos do seu legítimo alimento
forma que uma fábrica põe no mercado espiritual, iniciem uma caça selvagem e
produtos “de qualidade” para uso. A qualidade febril ao homem e não se detenham no
ideológica de um produto simbólico, o produto canibalismo.” Era verdade nos anos 20 e
política, encontra-se no fato de que garante é verdade hoje que a caça ao homem já
aos seus atores/autores que um determinado começou, tal como foi evidenciado não
estado de coisas permanecerá segundo aquilo apenas pelo crescente ultraje público con-
que objetivam. A aqui enunciada qualidade tra a escandalosa invasão da privacidade
ideológica somente atende aos interesses por membros vorazes dos media noticio-
de quem a produz. Quanto ao consumidor sos - tão eloquentemente exemplificado
da indústria cultural, este não frui nem pela morte da princesa Diana e a condena-
usufrui daquilo que lhe é enviado, no caso ção unânime dos paparazzi - mas também
a política. Antes, a esta torna-se vinculado pela litania de críticas por muitos diver-
pela ideologia. A qualidade ideológica sificados segmentos da sociedade, inclu-
resulta exatamente nessa vinculação, nessa indo membros da comunidade acadêmica
fidelização do consumidor ao produto política. (TRAQUINA, 2001:189).
A sistematização “industrializada” de material 17
simbólico e ideologizado alude à política como A persistência de hábitos de convivência
uma pretendida forma de participação popular; com o político, e facilidades ou facilitações
elide esta mesma participação ao contribuir de acesso de grupos de interesse a jornalistas
para assegurar uma situação de assimetria entre ou editores, com fim de beneficiar àqueles,
elites e povo; e ilude, no final do processo, pode criar um clima de permissividade, cuja
àqueles que confiam estar efetivamente deste cognição pelo social pode ser alvo de críticas e
participando, uma vez mantidas as situações de repúdios, uma vez que, mesmo ante a presença
assimetria política e social. da ideologia que se emaranha aos processos
Assim, quando o jornal se alinha aos de representação, existem filtros sociais que
acordes dissonantes da confusão, também permitem, no caso ao leitor, a percepção de
chega para confundir, não para explicar. Uma desvios.
questão, todavia, se impõe: a resistência dos Os grupos políticos trabalham, todos, na
profissionais às críticas, como se as críticas busca de visibilidade e, a depender da maior
pregassem o fim da imprensa. Quando o jornal se ou menor abertura que lhes apresente o jornal,
alinha aos acordes tendem à busca enfática de maiores espaços
Tanto os proprietários como os traba-lha- nas páginas diárias, tentando colocar-se em
dores profissionais precisam tomar em
dissonantes da situação privilegiada.
atenção as sábias palavras do jornalista confusão, também Assim, os acontecimentos podem ser per-
norte-americano Walter Lippmann, que chega para confundir, feitamente programados, ciosamente pelos
exactamente há 78 anos observou que não para explicar atores políticos, de forma a se inserir num
8. certo perfil, o perfil noticioso, causando rumor Todos intentam Ou seja, num ambiente de acerbo conflito de
social e atraindo a atenção do noticiário. se inserir nos interesses, é inimaginável que os meios de
comunicação sejam os porta-vozes impar-
O rumor social confere a um acontecimento
procedimentos de ciais do debate político, como a imprensa
que parecia bem marcado um rastro no seleção daquilo que européia teria sido em seus primórdios [...].
tempo que Claude Labrosse designa como será notícia, uma vez Isto não significa que se deva descair para o
seu “horizonte”, um horizonte desprovido que elevam suas vozes, conformismo, já que a mídia “sempre” de-
de sintaxe que não pode jamais ser en- buscando visibilidade fenderá certos segmentos sociais, mas sim
volvido. O acontecimento torna-se então que é necessário perceber que a mudança
um conjunto de limites pouco precisos. A
no jornalismo passa pela pressão da sociedade, isto é, dos
partir do momento em que o rumor social é grupos prejudicados pela forma dominante
incluído no acontecimento, a mídia torna-se de gestão da comunicação. [...] O elitismo
partidária do mesmo. É, ao mesmo tempo, que subjaz à ausência da mídia na análise
externa e interna a um acontecimento da realidade política também pode ser apre-
ao qual atribui limites por seu próprio ciado por outro ângulo. Nas sociedades for-
discurso. Não se lida mais com uma mol- malmente democráticas em que vivemos,
dura posta sobre a realidade, mas com um é corrente a divisão da política em “basti-
enquadramento cuja expansão constitui a dores”, as salas secretas em que se fazem
própria realidade (o que chamamos cena do os acordos e se tomam as grandes decisões,
acontecimento). O acontecimento e a mídia e “palco”, o jogo de cena representado
18 confundem-se em um ponto em que a fala para os não-iniciados, isto é, para o povo
da mídia torna-se performativa, e não mais, em geral. O que ocorre no palco serviria
apenas, descritiva. [...] o acontecimento apenas para distrair a platéia e manter a es-
e seu comentário formam um único ente. tabilidade do sistema, perpetuando o mito
Em última análise, a definição de acon- da democracia como “governo do povo”.
tecimento torna-se uma definição vazia: É Por motivos óbvios, a mídia pertence a este
acontecimento aquilo que é definido como segundo espaço, mas os fatos políticos rel-
acontecimento. O acontecimento não é evantes ocorreriam no primeiro, nos “basti-
mais descritivo e, sim, reflexivo (MOUIL- dores” (MIGUEL, 2002:5).
LAUD, 2002:66).
A compreensão ou intuição do rumor
É exatamente esse rumor social que os social das notícias abrange tanto as elites
grupos de interesse tentam provocar, no quanto os segmentos populares, que tam-
instante em que buscam inscrever no jornal bém buscam se expor na mídia, quando fa-
os seus próprios conteúdos. Nesse ponto zem protestos, passeatas ou atos públicos,
dá-se o entrecruzamento de interesses buscando impor/expor seus interesses. To-
entre o jornal e os políticos. As redações dos intentam se inserir nos procedimentos
também têm consciência do rumor social de seleção daquilo que será notícia, uma vez
que podem amplificar com suas notícias que elevam suas vozes, buscando visibili-
e efetivamente dão o seu contributo a esse dade no jornalismo.
estado de coisas.
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9. Políticos: visíveis nas páginas, longe egoísta. Assim, busca visibilidade para obter
das multidões destaque (WEBER, 1968). O desenrolar dos
fatos políticos veiculados pelo jornal fortaleceu
A afirmação do jornal como espaço a convicção de que a atividade política
legitimado para a divulgação de fatos tidos exige desenvoltura para que os seus agentes
como relevantes colocou-o como um referente consigam transitar junto às páginas impressas.
de mundo, assumindo alguma centralidade Assim, o corolário de suas ações passou a
frente aos processos sociais junto aos quais incluir a administração da visibilidade como
busca influir. O jornal não determina ou limita algo prioritário, se não suficiente pelo menos
conseqüências, mas integra o processo político necessário a que este leve adiante empresas
do princípio ao fim e a este se mantém ligado de porte como candidaturas a altos cargos ou
em seus desdobramentos. realização de obras faraônicas, bem como
adoção de medidas impopulares que possam
A constituição e “autonomização” do ser, de alguma maneira, explicadas via jornal:
campo das mídias (ou da comunicação O político espera, deseja e busca sempre
midiática), em verdade, configuram a aparição midiática movido pela necessidade
o ponto de inflexão a partir do qual de manter-se apto a chegar ou a permanecer
as conexões entre comunicação e em situação de poder, quaisquer que sejam
política abandonam suas modalidades os seus motivos e convicções, destacando-se,
“tradicionais”, inclusive aquelas adstritas dentre estes,
a uma dimensão instrumental, e redefinem- 19
se em termos de interlocução de campos A vaidade ou, em outras palavras, a necessidade
sociais particularmente conformados. de se colocar pessoalmente, da maneira
Comunicação e política interagem agora em mais clara possível, em primeiro plano. [...].
outro patamar, o que não exclui a realização O demagogo é obrigado a contar com o “o
pontual de modos “tradicionais” de efeito que faz” – razão por que sempre corre o
interlocução, agora totalmente redefinidos perigo de desempenhar o papel de um histrião
em outro contexto de produção de sentidos. ou de assumir, com demasiada leviandade, a
Política e comunicação não aparecem responsabilidade pelas conseqüências de seus
mais como momentos e empreendimentos atos, pois está preocupado continuamente com
singulares, mas como campos sociais a impressão que pode causar aos outros. De
articulados em combinatórias determinantes O jornal não uma parte, a recusa de se colocar a serviço de
conjunturalmente (RUBIM, 1998:83). uma causa o conduz a buscar a aparência e o
determina ou limita
brilho do poder, em vez do poder real; de outra
conseqüências, mas parte, a ausência do senso de responsabilidade
Todo homem, quando envereda pelo
universo da política, tem por objetivo o poder, integra o processo o leva a só gozar do poder pelo poder, sem
seja pela convicção de prestar um serviço político do princípio deixar-se animar por qualquer propósito. Com
socialmente relevante, seja pelo fato de, com ao fim e a este se efeito, uma vez que, ou melhor, porque o poder
isso, agregar mais poder ao que anteriormente é o instrumento inevitável da política, sendo o
mantém ligado em seus
já detinha em razão de condição econômica ou desejo do poder, conseqüentemente, uma de
desdobramentos suas forças motrizes (WEBER, 1968:107).
outra forma de capacidade decisória pessoal e
10. A expressão ao pensamento weberiano Para o político, (simulação), seja em seu disfarce (dis-simu-
nos alude, de alguma forma, à chacrinização os contatos com lação), pode lograr êxito, mas também pode
política promovida e autoralizada pela ação obter resultado contrário. Como se trata de
dos políticos, que buscam na foto, no texto, os jornalistas são atitudes programadas, não são fatos, mas
na manchete ou na simples notinha de uma arriscados por dizer atos, o ator político pode ser flagrado em
coluna assinada, imprimir o seu sinete. Uma respeito a um terceiro sua encenação, uma vez que o jornalismo
visibilidade positivada é algo do qual o ator interveniente, o leitor, tem o poder tanto de plasmar não apenas a
político não pode prescindir, de tal forma que que se encontra na realidade, como a irrealidade que se queira
impor, pelo seu desmascaramento.
Hoje, a cuidadosa apresentação pessoal
qualidade de julgador
diante dos outros cuja fidelidade deve ser social de sua atuação, Considerações finais
constantemente sustentada, e cujo apoio é mediante a leitura do Uma das características mais marcantes
vitalmente requerido de tempo em tempo, noticiário dos processos sociais, desde a segunda
mais que uma opção, é um imperativo para metade século XX, é a crescente importân-
os líderes políticos e os aspirantes à vida cia da mídia. Os meios de comunicação de
pública. [...] Renunciar à administração massa, o jornal impresso, no caso, funcio-
da visibilidade através da mídia seria um nam como elo entre a sociedade e os fatos
ato de suicídio político ou uma expressão noticiados. Esta visão, indicando que o jor-
de má-fé de quem foi tão acostumado à nalismo seria uma espécie de hífen midiáti-
arte da auto-apresentação, ou foi tão bem co entre o fato e o público, um espelho da
20 colocado numa organização que praticou a realidade, em essência é inconsistente em
arte do bom resultado, que pode dispensá-la função de uma segunda vertente, ou seja:
(THOMPSON, 1998:24). entre o fato e o relato há um longo caminho
a ser percorrido. O fato é re-tratado, ins-
A preocupação com a visibilidade tem ocu- crito e circunscrito a técnicas de produção
pado o tempo dos políticos e preocupado seu e redação, interesses internos e externos à
planejamento de mídia pelo fato de que o jor- redação, de forma a adequar-se à ética e a
nal, da mesma forma como pode trazer notí- normas e padrões técnicos que o tornem
cias favoráveis, permite-se exibir noticiário passível de ser noticiado.
onde estes sejam flagrados em atitudes pes- Este proposto hífen midiático, en-
soais ou administrativas inconciliáveis com tretanto, conceitualmente, existe. Enquanto
o que se espera de alguém no desempenho de e meta-fórica e instrumentalmente um
função pública. Esse processo é complicado, admitido traço-de-união comunicacional.
do ponto-de-vista de relações com os jornalis- Existe, considerando-se o jornal como ve-
tas. Os contatos com os jornalistas são arrisca- tor, artefato de divulgação/tratamento de
dos para o político por dizer respeito a um material noticioso, constituindo-se assim,
terceiro interveniente, o leitor, que se encontra inegavelmente, em elo entre o fato ali rep-
na qualidade de julgador social de sua atuação, resentado e o público. E esse re-tratamento
mediante a leitura do noticiário. é intencional, direcionado, intervencionis-
A ação do político ao trabalhar acon- ta, a partir da consciência do jornalista
tecimentos, seja em sua suposta prática de que seu texto fará sentido no mundo,
Estudos em Jornalismo e Mídia
Vol. III No 1 - 1o semestre de 2006
11. tendo o jornal como base veicular. cotidianamente. Como objeto de estudo,
Da mesma forma que o hífen, como é preciso que se estabeleça uma relação
circunstância lingüística reúne, e move dialogal entre os modelos explicativos
para um terceiro sentido, duas palavras que se debruçam sobre si. A notícia é
que, em sua nuclearidade, encontravam- interface entre o real e o leitor. E, mesmo
se distanciadas e a estas se inclui como não sendo referente exato da realidade,
elemento ressignificador, o jornal coloca-se recombina efetiva e discursivamente o
como dispositivo entre o fato e o receptor mundo, fazendo sentido junto aos leitores,
da mensagem, fazendo sua interligação. cujos filtros cognitivos, sejam culturais,
Desta forma, redinamiza uma visão de ideológicos ou oriundos de crenças dos
mundo socialmente experienciado, tanto por mais variados matizes, a acatam ou
parte dos atores do fato relatado, no caso os refratam.
políticos, quanto pelo lado do público.
Tais circunstâncias exigem uma atitude Sobre o autor
analítica a respeito da produção da notícia,
especialmente no âmbito da política. Os Emanoel Barreto é jornalista pela Univer-
grupos políticos vêem na notícia literalmente sidade Federal do Rio Grande do Norte
um bem, valorizam-na como parte do seu - UFRN. Mestre em Ciências Sociais pela
patrimônio ideológico-eleitoral e entendem UFRN. Doutorando em Ciências Sociais pela
como coisa disponível e instrumentalizável UFRN. Professor do Curso de Comunicação
aquele fato lingüisticamente simbolizado e Social da UFRN. Autor do Livro: “Crônicas 21
afinal impresso. E disputam esse bem com para Natal, as crônicas do Jornal do Dia”.
todos os artifícios disponíveis, buscando Jornalista há 32 anos com experiência em
notoriedade positivada, visibilidade e jornal e TV. Dedicou-se eminentemente ao
sucesso. jornalismo político. Exerceu cargos em edi-
O jornal, ao que se observou, não apenas torias setoriais e de editor-chefe. Atualmen-
tem condições invasivas, possibilidade de te, mantém o blog “Coisas de Jornal”.
partir em busca do fato e transportá-lo para a
situação de realidade noticiada, mas é palco Bibliografia
de ações vindas de fora, por parte dos que ADORNO, Theodor W.; MORIN, Edgar. La in-
buscam marcar sua presença junto ao público. dustrial cultural. Buenos Aires: Editorial Galer-
O jornalismo político trabalha com sistemas na, 1967.
de forças que buscam, de forma injuntiva, BOURDIEU, Pierre. Sobre a Televisão. Rio de
expor-se e/ou impor-se à conjuntura do Janeiro: Jorge Zahar, 1997.
noticiário. O jornalista é obrigado a articular- GOMES, Pedro Gilberto. Comunicação Social:
se com a sociedade e seus processos, a filosofia- ética- política. São Leopoldo: Unisinos,
conviver tanto com situações prévias quanto 1997.
a administrar imprevistos e a interagir com MIGUEL, Luis Felipe. Os meios de comunica-
outros atores, às vezes em contrafação. ção e a prática política. Lua Nova, 2002, n. 55-
Fenômeno social, a notícia nos chega 56.
12. MOUILLAUD, Maurice. O jornal: da forma ao THOMPSON, John B. A Mídia e a Moderni-
sentido. 2. ed. Brasília: UnB, 2002. dade - uma teoria social da mídia. 5. ed. Petrópo-
RUBIM, Antônio Albino Canelas. A Política na lis: Vozes, 1998.
Idade Mídia. In: ALMEIDA, Jorge; CANCELLI, TRAQUINA, Nelson. O estudo do jornalismo
Vitória (org.). Estratégia - A luta política além no século XX. São Leopoldo: Unisinos, 2001.
do horizonte visível. São Paulo; Fundação Per- WEBER, Max. Ciência e Política: duas voca-
seu Abramo, 1998. ções. São Paulo: Cultrix, 1968.
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