1. Unidade II – Tragédias Shakespearianas
1. O que é?
Tragédia (do grego antigo τραγδία, composto de τράγος bode e δή
canto) é uma forma de drama, que se caracteriza pela sua seriedade e
dignidade, frequentemente envolvendo um conflito entre uma personagem e
algum poder de instância maior, como a lei, os deuses, o destino ou a
sociedade.
Suas origens são obscuras, mas é certamente derivada da rica poética e
tradição religiosa da Grécia Antiga. Suas raízes podem ser rastreadas mais
especificamente nos ditirambos, os cantos e danças em honra ao deus grego
Dionísio (conhecido entre os romanos como Baco). Dizia-se que estas
apresentações etilizadas e extáticas foram criadas pelos sátiros, seres meio
bodes que cercavam Dionísio em suas orgias, e as palavras gregas τράγος,
tragos, (bode) e δή, odé, (canto) foram combinadas na palavra tragoidia (algo
como canções dos bodes), da qual a palavra tragédia é derivada.
2. Tragédia shakespeariana
William Shakespeare escreveu tragédias desde o início de sua carreira. Uma
de suas primeiras peças romanas foi à tragédia Titus Andronicus, que se
seguiu mais tarde com
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2. Romeu e Julieta.
Contudo, suas mais admiradas tragédias foram escritas entre 1601 e 1608,
num período de sete anos. Aqui, inclui-se Hamlet, Otelo, Rei Lear e Macbeth, e
também Antônio e Cleópatra e as menos populares Timão de Atenas e Tróilo e
Créssida.
Muitas dessas peças estão ligadas ao conceito aristotélico sobre os
fundamentos da tragédia: o protagonista deve ter um caráter admirável, mas
imperfeito, e o público precisa compreendê-lo e simpatizar com ele.
Provavelmente todos os protagonistas trágicos de Shakespeare são capazes
tanto do bem como do mal. Ele sempre insiste no funcionamento da livre
vontade.
3. Estrutura
Apresentando um conflito que acaba em catástrofe, a tragédia shakespeariana
pode ser dividida em 4 partes:
Exposição: apresenta a situação de relacionamentos da qual o conflito surgirá.
A exposição é realizada no primeiro ato e pelo menos em parte do segundo.
Aqui tomamos conhecimento da configuração geral da trama, seus
personagens e os conflitos vigentes ou potenciais. Normalmente, quando o
segundo ato acaba, o público já sabe quem é o herói trágico.
Desenvolvimento / ação ascendente: lida com o início efetivo da narrativa, o
crescimento e a natureza do conflito, compreendendo o segundo, terceiro e
quarto atos, às vezes incluindo parte do primeiro e do quinto. Revela o
desenvolvimento das complicações desdobradas a partir do conflito inicial. O
tempo e o senso de urgência se tornam cada vez mais importantes com o
aumento do ritmo da ação. A sensação de inevitabilidade surge quando o herói
trágico começa a se aproximar de sua desgraça.
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3. Desenvolvimento / ação descendente: em geral, a partir do segundo ato,
vemos o auge da ação, com o herói trágico vencendo o mal até o fim do quarto
ato, quando ocorre uma reviravolta da situação. Forças de oposição começam
a oferecer resistência e planejar a eliminação do herói trágico, que começa a
se enfraquecer perante a ascensão do poder do mal.
Resolução: nos atos finais, o mal atinge sua máxima força e destrói o herói
isolado e enfraquecido. Vale lembrar que, apesar da ocorrência de mortes
identificadas como “justas” pelo público – como a de Macbeth – muitas vezes
fica faltando a sensação de satisfação pela morte de um tirano ou assassino
(como Iago, por exemplo).
4. O herói
Em “Shakespearean Tragedy: Lectures on Hamlet, Othello, King Lear,
Macbeth”, Andrew Cecil Bradley afirma que a tragédia de Shakespeare “traz
diante de nós um número considerável de atores (muito mais do que em uma
peça grega, ao menos que os membros do Coro sejam reconhecidos como
parte deles); mas se trata eminentemente da história de uma pessoa, o herói,
ou no máximo dois, o herói e a heroína. Além disso, é apenas nas tragédias de
amor, ‘Romeu e Julieta’ e ‘Antônio e Cleópatra’, que a heroína representa o
foco de atenção na mesma proporção que o herói. O resto, inclusive ‘Macbeth’,
trata de estrelas solitárias.”
O herói, definido assim como centro da trama, deve ser levado à morte pela
história.
Nenhuma peça cujo desfecho preserve o protagonista vivo é uma tragédia no
completo sentido shakespeariano. Por outro lado, à narrativa cumpre descrever
a parte turbulenta da vida do herói que precede e prepara sua morte. Nas
palavras de Bradley, uma morte instantânea ocorrendo por ‘acidente’ em meio
à prosperidade não seria suficiente. Trata-se, de fato, de um conto do
sofrimento e da calamidade que levam à morte.
É possível relacionar as peças de Shakespeare com o preceito aristotélico que
determina que o protagonista de uma tragédia deve possuir um caráter
admirável porém imperfeito, permitindo que o público nutra simpatia por ele e
compreenda-o. Com efeito, todas as personagens trágicas do universo
shakespeariano são capazes tanto de bons quanto maus atos. O dramaturgo
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4. preconiza a operação do livre arbítrio: o herói ou anti-herói pode sempre voltar
atrás ou redimir-se, embora invariavelmente caminhe, sem saber, em direção à
sua própria ruína.
Podemos traçar um perfil geral dos heróis das tragédias shakespearianas:
São seres excepcionais. Possuir alto status social não é suficiente: o herói
deve ter características pessoais que o elevem acima do homem médio.
Possuem um ‘defeito trágico’. Essa imperfeição freqüentemente toma a forma
de obsessão e se revela fatal. Ele erra, por ação ou omissão, e esse erro é
portador de sua ruína. Existem diferentes tipos e graus desse defeito. Em um
extremo, estão o excesso e a precipitação de Romeu, que de forma alguma
diminuem nossa simpatia por ele. Em outro extremo, está a ambição assassina
de Ricardo III. Normalmente o erro trágico não envolve uma violação
consciente do correto. Contudo, Ricardo III e Macbeth agem conscientes da
maldade de seus feitos. De que forma, então, somos afetados por tais
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5. vilões? Shakespeare dota Ricardo de uma audácia que provoca assombro e de
uma coragem que inspira admiração. Assim, os protagonistas das tragédias
shakespearianas podem ser 'podres', mas jamais pequenos ou desprezíveis.
Revelam um mistério do mundo. Parecemos ter diante de nós um tipo de
mistério: por toda parte, vemos na natureza e no homem demonstrações de
poder, inteligência, vitalidade e glória. No entanto, vemos pessoas morrendo,
devorando umas as outras e destruindo a si mesmas dolorosamente. A
tragédia é uma forma de se apresentar esse mistério, porque escancara a
opressão e a destruição de heróis admiráveis. Em outras palavras, esse tipo de
narrativa faz perceber vividamente que o desperdício da nobreza e da
magnitude humana é, efetivamente, a verdadeira tragédia da existência.
5. O anormal, o sobrenatural e o papel do destino
Não raro são representadas condições mentais anormais nas narrativas
trágicas de Shakespeare, como insanidade, sonambulismo ou alucinações,
embora essas condições nunca sejam apresentadas como a origem das
ocorrências dramáticas. O vagar sonâmbulo de Lady Macbeth, por exemplo,
não tem influência nos eventos que o sucedem. Macbeth não assassina
Duncan porque viu um punhal no ar, mas viu o punhal porque estava prestes a
assassinar Duncan. A insanidade de Lear, como a de Ofélia, não é a causa,
mas sim resultado de um conflito trágico.
Além disso, fantasmas e bruxas têm conhecimentos sobrenaturais no cosmos
shakespeariano. Elementos de natureza sobrenatural normalmente contribuem
para a ação mas estão sempre mais próximos da intimidade da personagem: a
memória de culpa em Macbeth, a suspeita em Hamlet ou a ação sufocante da
consciência em Ricardo III.
Por fim, o destino recebe o poder de influenciar, ao menos parcialmente, a
ação. O indivíduo pode desencadear, por suas ações, uma série de eventos
que não pode nem calcular ou controlar. Shakespeare muitas vezes se utiliza
do recurso do acidente para transmitir essa sensação ao público. Isso ocorre,
por exemplo, quando Romeu deixa de receber a carta do Frei Lourenço ou
quando Julieta não acorda um minuto mais cedo para evitar a desgraça que
acaba ocorrendo, ou ainda quando Desdêmona perde seu lenço e cria uma
falsa prova de adultério.
6. 6. Universalidade
Escolhido em 1999 pelos ingleses como o britânico do milênio, Shakespeare é
um dos dramaturgos mais influentes do planeta e talvez o mais revisitado em
produções artísticas de todos os tipos. Trabalhando com o sombrio ou com o
cômico, o dramaturgo foi capaz de chegar perto da unanimidade.
No Brasil, Voltaire Schilling destaca a influência shakespeariana em Machado
de Assis. Em “Dom Casmurro”, a referência a Otelo é explícita na condução da
história de Capitu e Bentinho. Os contos machadianos também prestam sua
homenagem ao dramaturgo. “O alienista”, por exemplo, pode ter sido inspirado
na fracassada revolta de Jack Cage, descrita na peça “Henrique IV”. O início de
outro conto, “A cartomante”, começa com a referência a uma das mais
importantes tragédias shakesperianas: “Hamlet observa a Horácio que há mais
cousas no céu e na terra do que sonha a nossa filosofia. Era a
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7. mesma explicação que dava a bela Rita ao moço Camilo, numa sexta-feira de
novembro de 1869, quando este ria dela, por ter ido na véspera consultar uma
cartomante; a diferença é que o fazia por outras palavras.”
Shakespeare influenciou escritores como Thomas Hardy, William Faulkner e
Charles Dickens. Herman Melville, o autor americano de “Moby Dick”, também
ecoou a obra do dramaturgo quando criou clássico herói trágico Capitão Ahab
com base na personagem do Rei Lear. Mas a influência de Shakespeare não
se limita à literatura. Há estimativas de que cerca de 20 000 peças musicais
foram baseadas nos trabalhos de Shakespeare, como Otello e Falstaff, óperas
de Guiseppe Verdi. Diversos filósofos e psicanalistas encontraram nas obras
do bardo uma imensa riqueza psicológica e existencial. Freud, por exemplo,
aproveitou a psicologia shakesperiana, em particular a de Hamlet, para a
formulação de suas teorias a respeito da natureza humana.
É possível dizer que nenhuma das peças de Shakespeare é estritamente sobre
seus personagens e daí advém sua permanente atualidade. Ainda que
influenciadas pela estrutura social, política e econômica do momento em que
se inserem, as tramas confeccionadas pelo dramaturgo em geral apóiam-se
sobre “temas-estruturas”, isto é, questões e perturbações que atravessam a
existência humana de forma atemporal. Construído em 1599 pela companhia
de teatro de Shakespeare, o Globe Theatre não portava o sentido de “global”
apenas no nome.
Pode-se afirmar que em “Romeu e Julieta”, por exemplo, antes de narrar a
história de amor de dois jovens e da disputa entre suas respectivas famílias,
Shakespeare trata do conflito universal entre o pessoal e o familiar, isto é, entre
individual e o comum.
7. Romeu e Julieta
Romeu e Julieta (em inglês Romeo and Juliet) é uma tragédia escrita entre
1591 e 1595, nos primórdios da carreira literária de William Shakespeare, sobre
dois adolescentes cuja morte acaba unindo suas famílias, outrora em pé de
guerra. A peça ficou entre as mais populares na época de Shakespeare e, ao
lado de Hamlet, é uma das suas obras mais levadas aos palcos do mundo
inteiro. Hoje, o relacionamento dos dois jovens é considerado como o arquétipo
do amor juvenil.
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8. Romeu e Julieta pertence a uma tradição de romances trágicos que remonta à
antiguidade. Seu enredo é baseado em um conto da Itália, traduzido em versos
como A Trágica História de Romeu e Julieta por Arthur Brooke em 1562, e
retomado em prosa como Palácio do Prazer por William Painter em 1582.
Shakespeare baseou-se em ambos, mas reforçou a ação de personagens
secundários, especialmente Mercúcio e Páris, a fim de expandir o enredo. O
texto foi publicado pela primeira vez em um quarto[a] de 1597 mas essa versão
foi considerada como de péssima qualidade, o que estimulou muitas outras
edições posteriores que trouxeram consonância com o texto original de
Shakespeare.
A estrutura dramática usada por Shakespeare — especialmente os efeitos de
gêneros como a comutação entre comédia e tragédia para aumentar a tensão;
sua atitude de expandir os personagens mais secundários e a utilização de
sub-enredos para embelezar a história — tem sido elogiada como um sinal
precoce de sua habilidade dramática e maturidade artística. Além disso, a peça
atribui distintas formas poéticas a diferentes
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9. personagens para apresentar sua personalidade mais evoluída: Romeu, por
exemplo, cresce mais versado nos sonetos ao longo da trama.
Em mais de cinco séculos de realização, Romeu e Julieta tem sido adaptada
nos infinitos campos e áreas do teatro, cinema, música e literatura. Enquanto
William Davenant tentava revigorá-la durante a Restauração Inglesa, e David
Garrick modificava cenas e removia materiais considerados indecentes no
século XVIII, Charlotte Cushman, no século XIX, apresentava ao público uma
versão que preservava o texto de Shakespeare. A peça tornou-se memorável
nos palcos brasileiros com a interpretação de Paulo Porto e Sônia Oiticica nos
papéis principais, e serviu de influência para o Visconde de Taunay em seu
Inocência, também baseado em Amor de Perdição, de Camilo Castelo Branco,
considerado o Romeu e Julieta lusitano. Além de se mostrar influente no
ultrarromantismo português e no naturalismo brasileiro, Romeu e Julieta
mantém-se famosa nas produções cinematográficas atuais, notavelmente na
versão de 1968 de Zeffirelli, indicado como melhor filme, e no mais recente
Romeu + Julieta, de Luhrmann, que traz seu enredo para a atualidade.
7. 1 Sinopse
A peça abre numa rua com o desentendimento entre os Montecchios e os
Capuletos. O Príncipe de Verona intervém e declara que irá punir com morte as
pessoas que colaborarem para mais uma briga de ambas as famílias. Mais
tarde, Páris conversa com Capuleto sobre o casamento de sua filha com ele,
mas Capuleto está confuso quanto o pedido porque Julieta tem somente treze
anos. Capuleto pede para Páris aguardar dois anos e o convida a uma
planejada festa de balé que será realizada na casa. A Senhora Capuleto e a
Ama de Julieta tentam persuadir a moça a aceitar o cortejo de Páris. Após a
briga, Benvólio encontra-se com seu primo Romeu, filho dos Montecchios, e
conversa sobre a depressão do moço. Benvólio acaba descobrindo que ela é o
resultado de um amor não-correspondido por uma garota chamada Rosalina,
uma das sobrinhas do Capuleto. Persuadido por Benvólio e Mercúcio, Romeu
atende o convite da festa que acontecerá na casa dos Capuletos em esperança
de encontrar-se com Rosalina. Contudo, Romeu apaixona-se perdidamente por
Julieta. Após a festa, na famosa cena da varanda, Romeu pula o muro do
pátio dos Capuletos e ouve as declarações de amor de Julieta, apesar de seu
ódio pelos Montecchios. Romeu e Julieta decidem se casar.
Com a ajuda de Frei Lourenço - esperançoso da reconciliação das famílias
através da união dos dois jovens - eles conseguem se casar secretamente no
dia seguinte. Teobaldo, primo de Julieta, sentindo-se ofendido pelo fato de
Romeu ter fugido da festa, desafia o moço para um duelo. Romeu, que agora
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10. considera Teobaldo seu companheiro, recusa lutar com ele. Mercúcio sente-se
incentivado a aceitar o duelo em nome de Romeu por conta de sua calma
submissão, vil e insultuosa.[3] Durante o duelo, Mercúcio é fatalmente ferido e
Romeu, irritado com a morte do amigo, prossegue o confronto e mata Tebaldo.
O Príncipe decide exilar Romeu de Verona por conta do assassinato
salientando que, se ele retornar, terá sua última hora.[4] Capuleto, interpretando
erroneamente a dor de Julieta, concorda em casá-la imediatamente com o
Conde Páris e ameaça deserdá-la quando ela recusa-se a se tornar a alegre
noiva de Páris. Quando ela pede, em seguida, o adiantamento do casamento,
a mãe lhe rejeita. Quando escurece, Romeu, secretamente, passa toda a noite
no quarto de Julieta, onde eles consumam seu casamento.
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11. A Reconciliação dos Montecchios e Capuletos Diante da Morte de Romeu e
Julieta, por Frederic Leighton, 1855.
No dia seguinte, Julieta visita Frei Lourenço pedindo-lhe ajuda para escapar do
casamento, e o Frei lhe oferece um pequeno frasco, aconselhando: … bebe
seu conteúdo, que pelas veias, logo, há de correr-te humor frio, de efeito
entorpecedor, sem que a bater o pulso continue em seu curso normal, parando
logo…[5] O frasco, se ingerido, faz com que a pessoa durma e fique num
estado semelhante a morte, em coma por duas horas e quarenta.[6] Com a
morte aparente, os familiares pensarão que a moça está morta e, assim, ela
não se casará indesejadamente. Por fim, Lourenço promete que enviará um
mensageiro para informar Romeu — ainda em exílio — do plano que irá uni-los
e, assim, fazer com que ele retorne para Verona no mesmo momento em que a
jovem despertar. Na noite antes do casamento, Julieta toma o remédio e,
quando descobrem que ela está morta, colocam seu corpo na cripta da
família.
A mensagem, contudo, termina sendo extraviada e Romeu pensa que Julieta
realmente está morta quando o criado Baltasar lhe conta o ocorrido.
Amargamente, o protagonista compra um veneno fatal de um boticário que
encontra no meio do caminho e dirige-se para a cripta dos Capuletos. Por lá,
ele defronta-se com a figura de Páris. Acreditando que Romeu fosse um
vândalo, Páris confronta-se contra o desconhecido e, na batalha, o segundo
dos dois assassina o outro. Ainda acreditando que sua amada está morta, ele
bebe a poção. Julieta acaba acordando e, descobrindo a morte de Romeu, se
suicida com o punhal dele, vendo que a poção do moço não possuía mais
nenhuma gota. As duas famílias e o Príncipe se encontram na tumba e
descobrem os três mortos. Frei Lourenço reconta a história do amor impossível
dos jovens para as duas famílias que agora se reconciliam pela morte dos seus
filhos. A peça termina com a elegia do Príncipe para os amantes: Jamais
história alguma houve mais dolorosa / Do que a de Julieta e a do seu Romeu.
8. Hamlet
Hamlet é uma tragédia de William Shakespeare, escrita entre 1599 e 1601. A
peça, passada na Dinamarca, reconta a história de como o Príncipe Hamlet
tenta vingar a morte de seu pai Hamlet, o rei, executando seu tio Cláudio, que o
envenenou e em seguida tomou o trono casando-se com a mãe de Hamlet. A
peça traça um mapa do curso de vida na loucura real e na loucura fingida — do
sofrimento opressivo à raiva fervorosa — e explora temas como a traição,
vingança, incesto, corrupção e moralidade.
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12. Apesar da enorme investigação que se faz acerca do texto, o ano exato em
que Shakespeare escreveu-o permanece em debate. Três primeiras versões
da peça sobrevivem aos nossos dias: essas são conhecidas como o Primeiro
Quarto (Q1), o Segundo Quarto (Q2) e o First Folio (F1). Cada uma dessas
possui linhas ou mesmo cenas que estão ausentes nas outras. Acredita-se que
Shakespeare escreveu Hamlet baseado na lenda de Amleto, preservada no
século XIII pelo cronista Saxo Grammaticus em seu Gesta Danorum e, mais
tarde, retomada por François de Belleforest no século XVI, e numa suposta
peça do teatro isabelino conhecida hoje como Ur-Hamlet.
Dada a estrutura dramática e a profundidade de caracterização, Hamlet pode
ser analisada, interpretada e debatida por diversas perspectivas. Por exemplo,
os estudiosos têm se intrigado ao longo dos séculos sobre a hesitação de
Hamlet em matar seu tio.
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13. Alguns encaram o ato como uma técnica de prolongar a ação do enredo, mas
outros a vêem como o resultado da pressão exercida pelas complexas
questões éticas e filosóficas que cercam o assassinato a sangue-frio, resultado
de uma vingança calculada e um desejo frustrado. Mais recentemente, críticos
psicanalísticos têm examinado a mente inconsciente de Hamlet, enquanto
críticos feministas reavaliam e reabilitam o caráter de personagens como Ofélia
e Gertrudes.
Hamlet é a peça mais longa de Shakespeare, e provavelmente a que mais
trabalho lhe deu, mas encontrou nos tempos um espaço que a consagrou como
uma da mais poderosas e influentes tragédias em língua inglesa: durante o
tempo de vida de Shakespeare, a peça estava entre uma das mais populares
da Inglaterra e ainda figura entre os textos mais realizados do mundo, no topo,
inclusive, da lista da Royal Shakespeare Company desde 1879. Escrita para o
Lord Chamberlain's Men, calcula-se que sobre Hamlet já se escreveram cerca
de 80.000 volumes, muitos deles certamente são obras de grandes nomes que
foram influenciados pela tragédia shakesperiana, como Machado e Goethe e
Dickens e Joyce, além de ser considerada por muitos críticos e artistas de todo
o planeta como uma obra rica, aberta, universal e muitas vezes perfeita.
8.1 Sinopse
O protagonista de Hamlet é o Príncipe Hamlet de Dinamarca, filho do
recentemente morto Rei Hamlet e sobrinho do Rei Cláudio, irmão e sucessor
de seu pai. Após a morte do Rei Hamlet, Cláudio casa-se apressadamente com
a então viúva Gertrudes, mãe do príncipe. Num plano de fundo, a Dinamarca
está em disputa com a vizinha Noruega, e existe a expectativa de uma suposta
invasão liderada pelo príncipe norueguês Fórtinbras.
Dinamarquês. Os sentinelas tentam convencer Horácio, amigo do Príncipe
Hamlet, que eles têm visto o fantasma do rei morto, quando ele aparece
novamente. Depois do encontro de Horácio com o Fantasma, Hamlet resolve
vê-lo com seus próprios olhos. À noite, o Fantasma aparece para Hamlet. O
espectro diz a Hamlet que é o espírito de seu pai morto, e revela que Cláudio o
matou com um frasco venenoso, despejando o líquido em seus ouvidos. O
Fantasma pede que Hamlet vingue sua morte; Hamlet concorda, com pena do
espectro, decidindo fingir-se de louco para não levantar suspeitas. Ele,
contudo, duvida da personalidade do fantasma. Ocupados com os assuntos do
estado, Cláudio e Gertrudes tentam evitar a invasão de Fórtinbras. Um tanto
preocupados com o comportamento solitário e errático de Hamlet, acrescido de
seu luto profundo diante da morte do pai, eles convidam dois amigos do
príncipe - Rosencrantz e Guildenstern - para descobrirem a causa da mudança
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14. de comportamento de Hamlet. Hamlet recebe os companheiros calorosamente,
todavia logo discerne que eles estão contra ele.
Polônio é o conselheiro-chefe de Cláudio; seu filho, Laertes, está indo de
viagem à França, enquanto sua irmã, Ofélia é cortejada por Hamlet. Nem
Polônio nem Laertes acreditam que Hamlet nutra desejos sinceros com Ofélia,
e ambos alertam para ela esquecê-lo. Pouco depois, Ofélia fica alarmada pelo
comportamento estranho de Hamlet e confessa ao pai que o príncipe irá ter
com ela num dos aposentos do castelo, mas olha fixamente para ela e nada se
diz. Polônio assume que o êxtase do amor é o responsável pela loucura de
Hamlet, e informa isso a Cláudio e Gertrudes. Mais tarde, Hamlet discute com
Ofélia e insiste para que ela vá a um convento.
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15. Hamlet continua sem saber se o espírito lhe contou a verdade, mas a chegada
de uma trupe artística em Elsinore apresenta-se como uma solução para a
dúvida. Ele vai montar uma peça, encenando o assassinato do pai - assim
como o espectro lhe relatou - e determinar, com a ajuda de Horácio, a culpa ou
a inocência de Cláudio, estudando sua reação. Toda a corte é convocada para
assistir o espetáculo; Hamlet fornece comentários durante toda a encenação.
Quando a cena do assassinato é realizada, Cláudio, muito pálido, ergue-se
cambaleante, ato que Hamlet interpreta como prova de sua culpabilidade. O
rei, temendo pela própria vida, bane Hamlet à Inglaterra em um pretexto,
vigiado por Rosencrantz e Guildenstern, com uma carta que manda o portador
ser assassinado.
Gertrudes, em grandíssima aflição de espírito, chama o filho em sua câmara
e pede uma explicação sensata sobre a conduta que resultou no mal-estar do
rei. Durante o caminho, Hamlet encontra-se com Cláudio rezando, distraído.
Hamlet hesita em matá-lo, pois raciocina que enviaria o rei ao céu, por ele estar
orando. No quarto da rainha, têm um debate fervoroso. Polônio, que espia tudo
atrás da tapeçaria, faz um barulho; Hamlet, acreditando ser Cláudio, dá uma
estocada através do arrás e descobre Polônio morto. O Fantasma aparece,
dizendo que Hamlet deve acolher sua mãe suavemente, embora volte a pedir
vingança.
Demente em luto pela morte do pai, Ofélia caminha por Elsinore cantando
libertinagens. Laertes retorna da França enfurecido pela morte do pai e
melancólico pela loucura da irmã. Cláudio convence Laertes que Hamlet é o
único responsável pelo acontecido; e é então que chega a notícia de que o
príncipe voltou à Dinamarca porque seu barco foi atacado por piratas no
caminho da Inglaterra. Rapidamente Cláudio propõe a Laertes uma luta de
espadas entre ele e Hamlet onde o primeiro dos dois utilizará uma espada
envenenada, sendo que na ocasião será oferecido ao príncipe uma taça de
vinho com veneno, se o plano A falhar. Até que Gertrudes interrompe a
conversa dizendo que Ofélia afogou-se.
Vemos depois dois rústicos discutindo o aparente suicídio de Ofélia num
cemitério, preparando-se para cavar sua sepultura. Hamlet aparece com
Horácio e se aproxima de um dos rústicos, que depois segura um crânio que
conta ser de Yorick, um bobo da corte que Hamlet conheceu na infância.
Quando o cortejo fúnebre de Ofélia aparece liderado por Laertes e Hamlet
descobre que o rústico cavava a sepultura da moça, ele e Laertes se investem
em luta, na cova, dizendo amar Ofélia, mas o conflito é separado pelos demais.
No regresso a Elsinore, Hamlet conta a Horácio como escapou do destino
mortal que foi entregue a Rosencrantz e Guildenstern. Interrompendo a
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16. conversa, Orisco aparece para convidar o príncipe a um combate de armas
brancas proposto pelo rei. Quando o exército de Fórtinbras cerca Elsinore, a
competição começa e ambos os cavalheiros tomam posição. O rei, como
planejou anteriormente, separa a taça envenenada e deposita dentro do líquido
uma pérola, oferecendo-a a Hamlet, que deixa a bebida para depois. Hamlet
vence o primeiro e o segundo assalto, e a rainha toma a taça envenenada,
bebendo a sua sorte.
Enquanto a mãe enxuga a face do filho, Laertes decide feri-lo com a arma
envenenada. Hamlet, usando sua força, atraca-se com o inimigo e, no corpo-a-
corpo, trocam as espadas. Ele penetra profundamente em Laertes o item
envenenado. A rainha confessa
16
17. que morre por conta do veneno, enquanto Laertes revela que o rei é o culpado
de toda a infâmia. A rainha morre envenenada.
Hamlet fere o rei com a espada envenenada, mas ele diz estar apenas
machucado. Furioso, o sobrinho obriga Cláudio a beber a taça com veneno à
força, e o mata, vingando a morta de seu pai. Laertes, morrendo aos poucos,
despede-se de Hamlet, ambos perdoam-se. Quando é a vez de Hamlet,
Horácio diz que será fiel ao príncipe morrendo junto com ele, mas o primeiro
não permite, tombando para trás e dizendo que a eleição cairá certamente em
Fórtinbras. Hamlet morre, dizendo O resto é silêncio. Fórtinbras invade o
castelo com seu exército e ordena que quatro capitães conduzam Hamlet
como um soldado, para o cadafalço. Os soldados carregam o corpo do
príncipe; soa a marcha fúnebre, e depois uma salva de canhões.
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