O documento descreve a evolução do tratamento da AIDS no Brasil, de doença fatal na década de 1980 para doença crônica gerenciável atualmente, graças ao acesso universal e gratuito aos medicamentos antirretrovirais e à rede de atenção à saúde. Apesar dos avanços, o tratamento exige adesão rigorosa e ainda há riscos de efeitos adversos a longo prazo.
Atualizacoes Aprendizados e Perspectivas Pandemia Covid
Entrevista Revista Super Saudável - Alexandre Naime Barbosa
1. AIDS
De enfermidade fatal para doença
Ainda na década de 1980, o Estado foi analisada primeiramente em 1999 e e à distribuição gratuita de novas dro-
de São Paulo e, especialmente, o municí- é fruto de um processo de amadureci- gas, junto com a criação de redes de aten-
pio de Santos, iniciaram a distribuição mento político, técnico, dos aspectos le- ção à saúde, a aids se tornou uma doen-
do medicamento AZT e, já em 1996, foi gais e de mobilização social. A droga ça crônica, com importantíssima redu-
promulgada a Lei Federal 9313 que ga- atende a 85 mil pacientes em todo o País ção do número de casos fatais. Porém,
rante o acesso ao tratamento antirre- – quase metade dos brasileiros que vi- alguns interpretam essas conquistas de
troviral a todos os pacientes HIV positi- vem com aids – e, associada à Zidovu- forma equivocada”, enfatiza o doutor
vo. Atualmente, existem 20 formula- dina e Lamivudina, constitui o esque- em Infectologia e médico assistente do
ções distribuídas e, nos últimos três anos, ma antirretroviral mais prescrito no SAE/HD ‘Domingos Alves Meira’ da Fa-
tem sido incorporado um novo medica- Brasil, particularmente no tratamento culdade de Medicina de Botucatu da
mento a cada ano, ampliando as opções inicial de pessoas infectadas pelo HIV. Universidade Estadual Paulista (UNESP),
de tratamento. Em maio de 2007, pela O Efavirenz é bem tolerado, possi- Alexandre Naime Barbosa.
primeira e única vez no mundo, o Bra- bilita maior adesão ao tratamento e é O especialista lembra que parte da
sil fez o licenciamento compulsório do mais eficaz em controlar a replicação população considera erroneamente a
medicamento Efavirenz. Essa iniciativa do HIV no organismo ao longo do tem- existência de um tratamento eficaz
po. E, com a produção nacional, não para a aids como ‘o fim do perigo’ e
Flávio Fogueral
há risco de faltar o medicamento no não é incomum dispensar o uso do pre-
País. O licenciamento compulsório do servativo durante o ato sexual. Porém,
Efavirez foi realizado com base no Acor- ao adquirir o HIV o indivíduo passa a
do sobre Aspectos dos Direitos de Pro- ser obrigado a seguir um rigoroso
priedade Intelectual Relacionados ao acompanhamento clínico, laborato-
Comércio (ADPIC), que contempla o rial e de uso de medicações para o resto
uso de flexibilidade por razões de inte- da vida. Além disso, nenhuma droga é
resse público ou de extrema urgência. isenta de efeitos adversos e o uso contí-
Estudos do Ministério da Saúde indi- nuo, durante anos e anos como exigem
cam que, com o uso de coquetéis de me- os antirretrovirais, leva ao surgimento
dicamentos e atenção à saúde, a sobre- de inúmeras complicações. “É impor-
vida de um paciente com aids que se- tante dizer que nem todos vão desenvol-
gue corretamente o tratamento passou ver esses efeitos, mas é muito frequente
de 58 meses, em 1995, para 108 meses que surjam alterações metabólicas (au-
Alexandre Naime Barbosa em 2007. “Graças ao desenvolvimento mento de colesterol e triglicérides e
LINHA DO TEMPO
1977 e 1978 – Primeiros casos identificados 1984 – Estruturação do primeiro programa de 1991 – Começa o processo para aquisição e dis-
nos Estados Unidos, Haiti e África Central, des- controle da aids no Brasil, da Secretaria da Saú- tribuição gratuita de antirretrovirais para con-
cobertos e definidos como aids em 1982, quan- de do Estado de São Paulo. trole do HIV. 11.805 casos de aids no Brasil.
do se classificou a nova síndrome.
1985 – Primeiro teste anti-HIV é disponibiliza- 1995 – Estudos revelam que a combinação de
1980 – Primeiro caso no Brasil, em São Paulo, do. Primeiro caso de transmissão vertical. drogas reduz a progressão da infecção. Brasil já
também só classificado em 1982. soma 19.980 casos.
1986 – Criação do Programa Nacional de DST/
1982 – Descoberto o fator de possível transmis- AIDS, pelo ministro da Saúde Roberto Santos. 1996 – Queda das taxas de mortalidade por aids,
são por contato sexual, uso de drogas ou expo- diferenciada por regiões. A infecção aumenta en-
sição a sangue e derivados. Primeiro caso por 1987 – Início da utilização do AZT, o primeiro tre as mulheres e na população de baixa escolari-
transfusão de sangue. medicamento que reduz a multiplicação do HIV. dade e baixa renda. O Brasil tem 22.343 casos.
Os casos notificados no Brasil chegam a 2.775.
1983 – Primeira notificação de aids em crian- 1997 – Implantação da Rede Nacional de La-
ça e, no Brasil, primeiro caso no sexo feminino. 1988 – Primeiro caso na população indígena. boratórios para o monitoramento de pacientes
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2. crônica
realocação da gordura corporal), gas- ções que se aproveitam da
trointestinais, hepáticas, cardiológi- debilidade do sistema
cas, psiquiátricas e neurológicas, entre imune para se instalar,
outras”, alerta o médico do SAE/HD. como pneumocistose e
E, mesmo com o uso correto e eficaz neurotoxoplasmose.
das medicações, a simples presença do
HIV favorece a instalação de um esta- PIONEIRISMO
do de atividade inflamatória generali- No Brasil, o trata-
zada do sistema imune, causando uma mento é considerado
série de outras complicações. Nos in- investimento em saúde.
divíduos com HIV que ainda não inicia- O País foi um dos primei-
ram o tratamento ou para aqueles que ros a garantir o acesso
a medicação não esteja funcionando universal aos medica-
adequadamente, a principal preocupa- mentos antirretrovirais,
ção são as doenças oportunistas, infec- em 1996. Para atender os
200 mil pacientes que es-
Matthew Brown/Istockphoto
Divulgação
tão em tratamento medica-
mentoso, o Governo Federal
compra as drogas e repassa
aos estados e municípios. Em
2010 foram gastos R$ 700 mi-
lhões com a compra de antirretro-
virais. “A mobilização do Estado e
a sociedade civil – incluindo profis-
sionais da saúde e organizações não
governamentais – junto com uma po-
lítica baseada no respeito à liberdade
individual, contribuíram para a res-
posta à aids no Brasil, que é motivo de
destaque no cenário internacional”,
Ronaldo Hallal pontua Ronaldo Hallal.
com HIV em terapia com antirretroviral, com a 70 milhões de pessoas em 20 anos, a maior parte ção de um teste que permite detectar a presença
realização de exames de carga viral e contagem na África, a não ser que as nações ricas aumen- do HIV em apenas 15 minutos. A Fundação
de células CD4. Já são 22.593 casos no Brasil. tem os esforços para conter a doença. Osvaldo Cruz (Fiocruz) pode fabricar o teste,
ao custo de US$ 2,60 cada. Governo brasileiro
1999 – Mortalidade dos pacientes cai 50% e 2004 – Lançamento do algoritmo brasileiro pa- gastava US$ 5 por teste.
qualidade de vida melhora significativamente. ra testes de genotipagem.
2009 – Desde o início da epidemia são notifica-
2000 – Proporção nacional de casos notifica- 2006 – Brasil reduz em mais de 50% o número dos 544.846 casos de aids no Brasil.
dos é de uma mulher para cada dois homens. de casos de transmissão vertical.
2010 – Governos do Brasil e da África do Sul
2001 – O HIV Vaccine Trials Network planeja 2007 – Aumenta a sobrevida de pacientes com firmam parceria inédita para distribuir 30 mil
testes com vacina em vários países, entre eles o aids no Brasil, que registra 474.273 casos de in- camisinhas e folderes sobre prevenção da aids e
Brasil. Em duas décadas, casos atingem 220 mil. fecção pelo HIV até junho. outras doenças sexualmente transmissíveis du-
rante a Copa do Mundo de Futebol.
2002 – A UNAIDS afirma que a aids vai matar 2008 – Conclusão do processo de nacionaliza- Fonte: Ministério da Saúde
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