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CENTRO UNIVERSITÁRIO ÍTALO BRASILEIRO
CURSO DE LETRAS
LEONOR SALOMÉ MUÑOZ FERNÁNDEZ
A LITERATURA ROMÂNTICA COMO JANELA PARA O
PASSADO E SUAS INFLUÊNCIAS NO PRESENTE
São Paulo
2014
LEONOR SALOMÉ MUÑOZ FERNÁNDEZ
A LITERATURA ROMÂNTICA COMO JANELA PARA O
PASSADO E SUAS INFLUÊNCIAS NO PRESENTE
Trabalho de conclusão de curso, apresentado ao
Curso de Letras da Universidade Ítalo Brasileira,
como exigência parcial para obtenção do título
de Licenciado em Letras. Orientador: Profa. Dra.
Edna Camille Blumenschein.
São Paulo
2014
LEONOR SALOMÉ MUÑOZ FERNÁNDEZ
A LITERATURA ROMÂNTICA COMO JANELA PARA O
PASSADO E SUAS INFLUÊNCIAS NO PRESENTE
Trabalho apresentado ao Curso de Letras do Centro Universitário Ítalo
Brasileiro, como exigência parcial para obtenção do título de Licenciado em Letras
sob a orientação da Profa.Dra. Edna Camille Blumenschein.
Nota _______________________
Data de aprovação: ________/________/____________
BANCA EXAMINADORA
Prof.________________________________________________________________
Assinatura
________________________________________________________________
Prof. ______________________________________________________________
Assinatura
________________________________________________________________
Prof.________________________________________________________________
Assinatura
__________________________________________________________________
Ao meu saudoso irmão, onde quer que
você esteja, ao meu pai, à minha
maravilhosa mãe e meus amados filhos.
AGRADECIMENTOS
Aos professores, Andréa G. de Alencar que sempre me motivou muito nesta
caminhada, ao prof. Dr. Marcelo Cizaurre pelas leituras recomendadas sobre
literatura e romantismo na Inglaterra, ao professor Ms. Marcos Sagattio, com quem
tive algumas das melhores aulas de literatura de minha vida e à profa. Ms. Marianna
Calvo Mozer.
À minha orientadora a professora Dra. Edna Camille Blumenschein pelo incentivo.
Aos colegas de Letras Elias, companheiro em momentos difíceis nos estudos, e
Ronilson, Vânia, Alexandre, Diana, Amanda, Dayane e Leo.
Ao amigo Sergio P. grande professor de português e inglês pelos grandes
incentivos.
À minha querida amiga Cinthia A. que me ajudou a entender os termos em inglês e a
fazer a tradução do enredo.
Ao estimado professor da Universidade Federal de Diamantina o senhor Atanásio M.
que me ajudou nas reflexões que fiz sobre a sociedade capitalista neste trabalho,
pois tivemos grandes debates no grupo de estudos.
Aos antigos, atuais e futuros alunos, com quem aprendi muito e com quem quero
continuar aprendendo e ensinando e estabelecendo essa troca que é tão
gratificante.
Ao meu pai Carlos, à sua esposa Maria do Socorro e à sua filha Caroline minha
irmã, que me motivaram, por meio do Budismo e da prática budista, o valor
inestimável da revolução humana e tantos conceitos sobre a vida.
Aos meus amados filhos Laura e Paulo, razão de tudo em minha vida, pela
paciência que tiveram de me verem horas a fio nos livros estudando, mas que
compreenderam o meu propósito e sempre proporcionaram o seu precioso amor e
cumplicidade o que me deu ainda mais força e sentido na concretização deste
objetivo.
À minha amada e maravilhosa mãe a Sra. Clotilde, sem a qual eu não teria
suportado tantos obstáculos impostos, pelo imenso apoio e ajuda em tudo, e que,
com sua sabedoria e firme fé em Deus e amor de mãe não passou a mão na minha
cabeça, mas me incentivou e motivou a aceitar essas imposições e a redirecionar
aquilo que posso.
“O organismo e o mundo encontram-se no
signo”
BAKHTIN
RESUMO
Este trabalho de conclusão de curso tem como tema a relação entre passado e
presente na literatura romântica. A nossa dúvida se configura em saber se o
romance sugere marcos sociais ao leitor, sendo esses marcos as características
sociais e econômicas. Nosso objetivo é mostrar como a crítica do autor, sobre os
conflitos socioeconômicos é construída e como chega ao leitor e se esse discurso
sugere categorias e conflitos sociais presentes na atualidade. Delimitamos como o
corpus de descrição e análise de discurso as marcas linguísticas da manipulação
socioeconômica nos discursos das protagonistas e antagonista, fundamentando-nos
no dialogismo de Bakhtin para estudá-las. Assim, primeiramente, estudamos a
formação da sociedade capitalista e industrial no intuito de entender como se formou
o novo homem histórico. Em seguida, fizemos uma pesquisa sobre o romantismo na
Inglaterra, conceituando o movimento literário a partir do significado da palavra
romance e depois seguimos a conceituação por meio das características da obra,
elaborando assim uma análise situacional do romance de Austen, (2012) “Razão e
Sensibilidade”. Nossa conclusão foi a de que o romance sugere marcos sociais ao
leitor, pois na construção da linguagem o autor insere suas entoações no discurso
atrelado a Elinor e induz o leitor a emitir juízos de valor, positivos ou negativos, que
eram compartilhados no século XIX e que ainda hoje na atualidade muitos
continuam sendo compartilhados.
PALAVRAS-CHAVE: Romantismo, passado e presente, marcas linguísticas,
discurso, dialogismo, reflexão socioeconômica e histórica.
RESUMEN
Este trabajo de conclusión de curso tiene como tema la relación entre el pasado y e
presente en la literatura romántica. Nuestra duda se configura en saber si el
romance le sugiere marcos sociales al lector, siendo estos marcos las características
sociales y económicas. Nuestro objetivo es mostrar como la crítica del autor, sobre
los conflictos socioeconómicos, es construida y cómo le llega al lector y si ese
discurso sugiere categorías y conflictos sociales presente en la actualidad.
Delimitamos como el corpus del análisis de discurso, las marcas lingüísticas de la
manipulación socioeconómica en los discursos de las protagonistas y antagonistas,
basando-nos en el dialogismo de Bakhtin para estudiarlas. Así, primeramente,
estudiamos la formación de la sociedad capitalista e industrial con el afán de
entender cómo se formó el nuevo hombre histórico. En seguida, hicimos una
pesquisa sobre el Romanticismo en Inglaterra, conceptuando el movimiento literario
a partir del significado de la palabra romance y después, seguimos con la
conceptuación del romance por medio de las características de la obra, elaborando
así un análisis situacional del romance de Austen, (2012) “Razón y Sentimiento”.
Nuestra conclusión fue la de que el romance le sugiere marcos sociales al lector,
pues en la construcción del lenguaje el autor insiere sus entonaciones en el discurso
junto a Elinor e induce al lector a emitir juicios de valor, positivos o negativos, que se
compartían en el siglo XIX y que aun en la actualidad muchos continúan siendo
compartidos.
PALABRAS-CLAVE: Romanticismo, pasado y presente, marcas linguísticas,
discurso, dialogismo, reflexión socioeconómica e histórica.
SUMÁRIO
CAPITULO I – INTRODUÇÃO...................................................................................1
CAPÍTULO 2 – CONTEXTUALIZAÇÃO SÓCIO-HISTÓRICA...................................7
2.1 - Sociedade industrial, sociedade capitalista.....................................................7
2.2 - O novo homem histórico ...............................................................................12
CAPÍTULO 3 - O ROMANTISMO ............................................................................16
3.1 Aspectos característicos do romance social....................................................18
3.2 Características da obra ...............................................................................21
3.2.1 Características das personagens principais..............................................24
3.2.1.1 Marianne.............................................................................................24
3.2.1.2 Elinor ..................................................................................................27
3.2.2 O Narrador ..............................................................................................29
CAPÍTULO 4 – A LINGUAGEM DIALÓGICA NO ROMANCE DE JANE AUSTEN 31
4.1 - Aspectos teóricos .........................................................................................31
4.1.1 - O conceito de marcas linguísticas ..........................................................32
4.1.2 - Dialogismo constitutivo do enunciado.....................................................35
4.1.3 - O romance na ótica bakhtiniana .............................................................38
4. 2 - Análise do Romance....................................................................................39
4.2.1 A expressão da linguagem em Razão e Sensibilidade .............................40
4.2.2 As vozes sociais presente nas marcas linguísticas do discurso da...........43
manipulação socioeconômica............................................................................43
4.2.4 Marianne e sua relação conflituosa com a linguagem de seu tempo ........49
CONCLUSÃO..........................................................................................................56
ANEXOS..................................................................................................................60
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS........................................................................63
1
CAPITULO I – INTRODUÇÃO
O mundo está passando por uma transição estrutural devido às profundas
mudanças nos processos produtivos e a revolução científico-tecnológica é um dos
pilares desse novo processo. As tecnologias da informação propiciaram cada vez
mais para que os jovens leitores tenham nas tecnologias uma fonte inesgotável de
comunicação direta. Apesar de serem jovens com novos olhares e costumes, ainda
uma grande parte deles tem uma visão um tanto quanto niilista1
em face até dos
novos tempos em que vivemos. Desta forma, muitos não admitem possuir
aspirações e desejos.
A condição atual dos jovens é o reflexo do passado em uma nova
expressão, como o consumismo, a liberdade das relações amorosas, o próprio
amor, ou seja, há muitos comportamentos que podemos dizer que são positivos,
porém também há outros que são extremamente destrutivos.
Portanto, há uma espécie de choque no mundo atual, a oposição entre o
humanismo2
e o neoliberalismo3
e os jovens estão em meio ao conflito e no caso do
Brasil, São Paulo, os jovens, embora tenham seus sonhos, muitos não acreditam
mais em nenhum valor político por inúmeros motivos, ou porque há uma deficiência
de informação em seus lares, ou porque sua autoestima é baixa, fruto de uma
educação deficiente ou porque a família não lhes deu uma estrutura, ou ainda
porque são vítimas da violência, etc. Isto pode levá-los a não acreditar na política e
questões da sociedade, e assim uma grande parte perde até a consciência social.
Entretanto, embora a sociedade esteja passando por essa transição
estrutural é visível que os jovens têm esperanças e aspirações. É bem verdade que
o jovem, especialmente na formação da sociedade capitalista, é voltado para si
mesmo em uma subjetividade que objetiva o ganho e o lucro, porém, por mais que
isto possa ser considerado egoísmo, temos de entendê-lo em seu mundo e contexto
atual. Por exemplo, muitas pessoas acham que os jovens não leem, e muito menos
romances românticos.
1
s.m.1 Redução ao nada; 2 espirito destrutivo em relação ao mundo e a si próprio 3 total incredulidade 4
doutrina que nega as verdades morais e a hierarquia de valores. (HOUAISS, 2004, p. 519)
2
s.m. corrente filosófica renascentista e inspirada na civilização greco-romana, que valorizava um maior
conhecimento da cultura e da natureza humana (HOUAISS, 2004, p. 393)
3
s.m. doutrina que defende a liberdade de mercado e restringe a intervenção do Estado sobre a economia
(HOUAISS, 2004, p. 518)
2
Entretanto, muitos desses jovens e adolescentes leem sim literatura e de
todo tipo, e muitas dessas leituras possuem ideias do passado e que são reeditadas
para novos contextos, ou seja, ainda têm as características e valores de diversos
movimentos literários que houve ao longo da história, como por exemplo, o
Romantismo.
Pode ser que eles não leiam literatura romântica, visto que hoje há uma
proliferação de estilos, ou porque não gostam do estilo devido a inúmeros motivos,
mas, eles terão de ler essa literatura na escola, enfim, ou de alguma outra forma irão
ler, pois vivemos numa sociedade capitalista, isto é, fruto de todo um passado de
formação da sociedade burguesa e, que dentre as muitas consequências dessa
transformação do passado, adotou medidas para afirmar-se no poder, uma delas foi
o incentivo à arte como forma de expressar sua cosmovisão.
O problema talvez seja o que se faz na escola com essa leitura. Para que
ela é usada? Qual é a finalidade de ler na escola a literatura romântica? Ela serve
como objeto de reflexão e formação?
Dessa forma, vivendo neste mundo tão conflituoso com inúmeras
manifestações como as de junho de 20134
, promovidas em sua maioria por jovens,
pensamos: por que não fazê-los tomar mais contato com a literatura romântica?
Por que não sugerir e inspirá-los a ver valores que ninguém nessa idade
quer ou pode ver, tais como a condição social da maioria da população, a
mobilidade social e econômica, as adversidades socioeconômicas, pobreza e
riqueza, os conflitos advindos dessas contradições sociais.
Tomados, então, pelo espírito que nos envolve a ler a literatura romântica
e a compreender a sua função dentro da sociedade, nos voltamos para a literatura
como uma janela, na qual podemos ver um mundo diferente, mas que ao mesmo
tempo nos faz compreender valores sociais que nos enchem de esperança quanto a
nossa realidade e quanto a nós mesmos, sendo assim o tema deste trabalho é a
relação entre passado e presente na literatura romântica e o seu título: “A Literatura
romântica como janela para o passado e suas influências no presente”.
4
Foi a explosão de diversos protestos pelo Brasil contra a corrupção e outros diversos temas. Tudo isto teve
origem em São Paulo devido à intensa repressão com que foi tratado o grupo MPL, que era contra o aumento da
passagem dos ônibus municipais de São Paulo, e também devido à agressão a que alguns jornalistas e fotógrafos
foram submetidos pela policia militar de São Paulo, causando lesões graves o que gerou a indignação do povo
com tamanha violência, então no dia 17 de junho milhões de pessoas saíram às ruas para protestar contra o
aumento, mas isso se prestou para que diversas partes da sociedade se manifestassem contra o governo federal e
contra a realização da Copa do Mundo de 2014.
3
Foi durante a leitura do clássico romance inglês de Jane Austen (2012),
que nos ocorreram diversos pensamentos sobre os conflitos sociais e econômicos
apresentados na trama que se passa no século XIX e a reflexão de que alguns
desses conflitos ainda ocorrem nos dias atuais, dentro de um contexto social
obviamente alterado. Segundo a obra de Austen (2012), alguns conflitos se devem
ao movimento do dinheiro e seu poder, como causa social de luta de interesses, ou
pela falta de dinheiro, e deixa subentendido que algumas relações que sofrem a
influência de conflitos financeiros ferem o código social.
Toda esta reflexão despertou-nos a seguinte dúvida: o romance sugere
Marcos Sociais ao leitor?
Sendo Marcos Sociais as características sociais, tais como:
- Posição social e sua mobilidade; - Posição Econômica;
- Adversidades socioeconômicas; - Pobreza e Riqueza.
Na delimitação do trabalho questionamos se analisar as marcas
linguísticas de manipulação socioeconômica nos discursos das protagonistas e
antagonistas, do ponto de vista da análise de discurso, fundamentando-nos no
dialogismo, nos permitirá encontrar essa sugestão? (Elinor, Marianne e Fanny)
O objetivo geral dessa pesquisa é mostrar como a crítica do autor, sobre
os conflitos socioeconômicos, é construída, como chega aos leitores e como esse
discurso sugere categorias e conflitos sociais presentes hoje.
Finalmente, eis os objetivos específicos:
- Verificar se há marcas linguísticas presentes no discurso de Austen
capazes de sugerir características sociais ao leitor, isto é, que apresentem a
manipulação em relação ao conflito socioeconômico.
- Relacionar as vozes sociais presentes nos discursos referentes à
problemática socioeconômica. (herança, sexo e idade)
- Apontar o papel da literatura como instrumento de emancipação
intelectual e política;
A leitura pode proporcionar-nos experiências construtivas acerca da
espécie humana. Acreditamos nisso, pois ler nos faz pensar sobre a realidade, sobre
a forma de nos relacionarmos com crenças, ideologias, valores etc.
Tendo como referencia o romance social inglês de Jane Austen (2012)
(que apresenta também o título de “Razão e Sentimento” em outras versões), nos
apropriamos dos conflitos sociais do século XIX presentes no romance. Nossa
4
leitura minuciosa leva-nos a observar a crítica por trás das convenções sociais e
como vemos conflitos socioeconômicos atuais tão bem descritos e expostos na
antiga sociedade inglesa do livro de Austen.
Portanto não optamos pelo livro por ser, apenas, um romance
interessante, mas também por poder relacionar a temática social, que se
fundamenta no capitalismo, com a nossa sociedade atual. Faremos este estudo por
meio da análise dialógica dos enunciados, e nos apropriando das vozes sociais.
Não queremos apenas suprir uma necessidade literária explicando o que
aconteceu, no intuito egoísta de saciar uma curiosidade ou o desejo de ver a
protagonista gozar de um final feliz, típico do romantismo, mas queremos refletir.
Hoje o mundo está cheio de competição, fruto de todo um processo de
transição que traz boas e más consequências até os nossos dias. É por isto que
acreditamos que os leitores podem, com a leitura de Austen (2012), ter uma
pequena noção histórica acerca da realidade, que, de forma ficcional, constitui a vida
das personagens.
É necessário explicar que, pelo fato de estar analisando um romance
inglês, onde são apresentados costumes e cultura estrangeiros e por toda a história
das influências tanto positivas como negativas que a cultura europeia nos legou,
pode parecer que estamos querendo criticar esta influência, porém não se trata de
elaborar uma negativa contra qualquer cultura estrangeira, nosso intento é elaborar
um estudo científico que considere as influências, mas, sobretudo, que caminhe no
sentido de fortalecer comparativamente as marcas linguísticas inseridas nas
características sociais da obra em questão e procurar identificar possibilidades de
uma leitura que provoquem um espírito crítico e sensível.
Como professores, vemos o sonho de nossos alunos serem distanciados
pelo fato das dificuldades econômicas se transformarem em problemas sociais, que
os impede de ter um bom relacionamento, por meio de um pensamento imposto às
classes sociais mais humildes, em que é declarado subliminarmente que ele não
possui chances de mobilidade social.
O presente trabalho também se justifica através da oportunidade de
proporcionar aos futuros alunos do curso de letras, uma referencia sobre o
desenvolvimento de um trabalho voltado para a área de análise de discurso literário.
Posto o quê, apresentamos nosso referencial teórico. Iniciamos com
leituras como “Metodologia do Trabalho Científico”, da autoria de Antônio Joaquim
5
Severino, e ao estudá-la optamos por desenvolver uma pesquisa de abordagem
qualitativa.
Uma primeira diferenciação que se deve fazer é aquela entre a
pesquisa quantitativa e a pesquisa qualitativa. Como vimos, a ciência
nasce, no início da era moderna, opondo-se à modalidade metafísica
do conhecimento, (...) Esse modelo de conhecimento científico,
denominado positivista, adequou-se perfeitamente à apreensão e ao
manejo do mundo físico, tornando-se assim paradigmático para a
constituição das ciências, inclusive daquelas que pretendiam
conhecer também o mundo humano. Mas logo os cientistas se deram
conta de que o conhecimento desse mundo humano não podia
reduzir-se, impunemente, a esses parâmetros e critérios.
(SEVERINO, 2007, p. 118)
Quando se fala de pesquisa quantitativa ou qualitativa, e mesmo
quando se fala de metodologia quantitativa ou qualitativa, apesar da
liberdade de linguagem consagrada pelo uso acadêmico, não se está
referindo a uma modalidade de metodologia em particular. Daí ser
preferível falar-se de abordagem quantitativa, de abordagem
qualitativa, pois, com estas designações, cabe referir-se a conjuntos
de metodologias, envolvendo, eventualmente, diversas referências
epistemológicas. São várias metodologias de pesquisa que podem
adotar uma abordagem qualitativa, modo de dizer que faz referência
mais a seus fundamentos epistemológicos do que propriamente a
especificidades metodológicas. (SEVERINO, 2007, p. 119)
Assim sendo, primeiramente o presente trabalho tratará de uma
pesquisa bibliográfica e/ou documental na qual buscaremos nas áreas de
conhecimento, tais como, a teoria literária, a história, a análise de discurso, a
filosofia e na sociologia, entre outras, obras que possam nos dar referencial para
sustentar teoricamente as análises que elaboraremos acerca do processo de
criação literária.
O método qualitativo tem como característica básica a apreensão
analítica do objeto de estudo, por meio de pesquisa teórica, cujo fundamento
reside no levantamento bibliográfico pertinente aos problemas de pesquisa e
derivado dos objetivos propostos pelo projeto.
A pesquisa bibliográfica é aquela que se realiza a partir do registro
disponível, decorrente de pesquisas anteriores, em documentos
impressos, como livros, artigos, teses, etc. Utiliza-se de dados ou de
categorias teóricas já trabalhados por outros pesquisadores e
devidamente registrados. Os textos tornam-se fontes dos temas a
serem pesquisados. O pesquisador trabalha a partir das
6
contribuições dos autores dos estudos analíticos constantes dos
textos. (SEVERINO, 2007, p. 122)
Assim este trabalho estará fundamentado da seguinte maneira:
No capitulo 2, consideraremos as relações presentes no Capitalismo, e
para tanto, lançaremos mão dos seguintes teóricos: Marx (2008) e Marx (1996),
Aron (1981), Hobsbawn (s/d), Kant (1783), Wood (2001). Nestas obras
estudaremos a formação da sociedade industrial e capitalista que embasa o
Romantismo, dando ênfase à Inglaterra, berço do capitalismo.
No capítulo 3, conceituaremos a escola literária “Romantismo” na
Inglaterra, por meio de um estudo sobre as características da obra Austen, (2012)
“Razão e Sentimento”.
Para aprofundar nosso estudo, nos basearemos em: Moisés (1968),
Brandão (1990), Burgess (2008), Bosi (2013), Cândido (1965), Williams (2011) e
Friedman (2002), Ballaster e Tanner. Assim, nos propomos empreender um
estudo tanto do olhar da escola romântica, quanto da situação histórico-social em
que se desenvolve o Romance.
No capítulo 4 estudaremos o conflito socioeconômico, esse conflito é
determinante para compreender a sociedade inglesa do século XIX marcada pela
luta entre o poder econômico, as relações sociais, a tradição e a emergência de
uma nova forma social e uma nova subjetividade e suas formas de agir, de se
comportar, de falar, de enunciar, enfim de seus discursos e visões de mundo. Por
isso é importante analisá-lo, pois ele contém todas as características que atingem
a todos os personagens e serve para sugerir ao leitor essa sociabilidade ou
marcos sociais.
A partir disso caminharemos para um estudo da sociedade inglesa, do
ponto de vista da análise de discurso literário, e por meio de fundamentação em
Volochínov e Bakhtin (2014), Possenti (2009), Orlandi (2009) e Fiorin (2008), Ros
Ballaster e Tony Tanner, esperamos analisar os discursos das personagens
principais, seus valores, ideologia e formas singulares de enunciar.
7
CAPÍTULO 2 – CONTEXTUALIZAÇÃO SÓCIO-HISTÓRICA
2.1 - Sociedade industrial, sociedade capitalista
O século XIX apresenta uma forte tendência à consolidação do
capitalismo, a começar pela Inglaterra e em especial em Londres.
A Inglaterra já havia experimentado na segunda metade do século XVIII
uma grande evolução no campo da agricultura, que tem no avanço do processo
produtivo, especialmente com o incremento de novas tecnologias, seu marco
histórico. Este progresso agrário criou condições para o rápido desenvolvimento de
novas formas de produção baseadas na exploração maciça da terra com lucros cada
vez maiores.
Com o aumento tecnológico no campo, houve também uma diminuição da
quantidade de trabalhadores exigidos na agricultura, isso fez com que aumentasse a
divisão do trabalho fora das formas produtivas diretas no campo. Esse elemento de
divisão trabalho foi um grande sustentáculo para a inovação de produção industrial e
as formas com que esse processo ocorreu trouxeram mudanças drásticas para as
cidades europeias a primeira a sofrer com o crescimento devido aos avanços na
agricultura e a industrialização urbana foi Londres. Segundo Hobsbawn (s/d, p. 45),
Londres, em 1700 já contava com mais de 531 mil habitantes, a maior cidade da
Europa indiscutivelmente.
A cidade e seus arredores já tinha um caráter de metrópole mundial, a
maior cidade da Europa quando o século iniciou apresentava os problemas de uma
metrópole em franco desenvolvimento.
O capitalismo avança em todos os ambientes. Para alguns historiadores e
pesquisadores o capitalismo seria quase que uma vertente natural dos antigos
regimes econômicos, como se tivesse nascido do Feudalismo, mas isto é contestado
por uma pesquisadora inglesa (Wood, 2001, p. 14) que aponta algumas
características importantes nesse processo:
Na maioria das descrições do capitalismo e de sua origem, na
verdade não há origem. O capitalismo parece sempre estar lá, em
algum lugar, precisando apenas ser libertado de suas correntes –
dos grilhões do feudalismo, por exemplo – para poder crescer e
amadurecer. Caracteristicamente, esses grilhões são políticos: os
poderes senhoriais parasitários ou as restrições de um Estado
autocrático. Às vezes, são culturais ou ideológicos – a religião
8
errada, quem sabe. Essas restrições limitam a livre movimentação
dos agentes econômicos, a livre expressão da racionalidade
econômica. Nessas formulações, o “econômico” é identificado com o
intercâmbio ou com os mercados, e é nisso que podemos detectar o
pressuposto de que as sementes do capitalismo estariam contidas
nos mais simples atos de troca, em qualquer forma de comércio ou
de atividade de mercado. Esse pressuposto costuma ser tipicamente
outro: o de que a história é um processo quase natural de
desenvolvimento tecnológico. De um modo ou de outro, o capitalismo
aparece mais ou menos naturalmente, onde e quando os mercados
em expansão e o desenvolvimento tecnológico atingem o nível certo.
Muitas explicações marxistas são fundamentalmente iguais –
acrescidas das revoluções burguesas para ajudar a romper os
grilhões.
A sociedade industrial, portanto, é a sociedade capitalista, porque um
modo de produção peculiar surge com características racionais e isso ocorre na
indústria, em que se pode verificar que esse modo de produção atinge um novo
patamar nas estruturas do trabalho. A indústria afastará o trabalhador de seu meio
de produção, de sua família e de suas origens. Esse fato, por si, já denota uma nova
divisão de trabalho e, por conseguinte, uma nova divisão das atividades sociais
justamente nessa sociedade que surge no século XVIII e que avança para o futuro.
Além disso, é preciso perceber que essa nova sociedade que levará o nome de
capitalista exercerá um poder muito grande sobre todas as esferas da vida humana.
Ela influenciará a família, a cultura, a educação, a política, as artes, etc. O modo de
produzir passa a organizar o modo como a sociedade articula e mobiliza suas forças
para atender a esse novo modelo produtivo. A indústria realizará sua produção de
forma massificada, padronizada, estruturada e administrada com métodos. Há
muitas características nessa forma de produzir, a indústria pode ser compreendida
como:
A sociedade onde a indústria, a grande indústria, seria a forma de
produção mais característica. (...) A partir dessa definição elementar
seria possível, de fato, deduzir muitas das características de uma
economia industrial. Inicialmente, observa-se que a empresa está
separada da família. A separação do lugar de trabalho e do círculo
familiar não é um dado universal, mesmo nas nossas sociedades (...)
Em segundo lugar, a empresa industrial introduz um modo original de
divisão do trabalho. Efetivamente, ela implica não só a divisão que
existiu, em todas as sociedades, entre os setores da economia (entre
os camponeses, os comerciantes e os artesãos), mas um tipo de
divisão interno à empresa, uma divisão tecnológica do trabalho, que
uma das características industriais modernas. (ARON, 1981, p. 73)
9
Esse modo capitalista de produzir industrialmente afetará as relações
sociais, mas para que ele se desenvolva, a princípio a partir da Inglaterra, seria
preciso haver mais liberdade e esta liberdade exigida pelos produtores (ou pelos
industriais capitalistas), demandava um esforço político e uma articulação
necessária para o desenvolvimento do livre comércio, mas para fazer comércio
livremente era preciso também que a produção estivesse com o mínimo de controle
por parte da sociedade e dos governos ou estados. É um período na história do
século XIX em que a Inglaterra vive uma explosão da indústria, um crescimento da
produção e uma necessidade de organizar melhor as formas de produção.
O que nos choca retrospectivamente sobre a primeira metade do
século XIX é o contraste entre o enorme e crescente potencial
produtivo da industrialização capitalista e sua inabilidade, bem
patente, em aumentar sua base. Poderia crescer dramaticamente,
mas parecia incapaz de expandir o mercado para seus produtos,
proporcionar saídas lucrativas para seu capital acumulado, ter por si
só a capacidade de gerar emprego a uma taxa comparável ou com
salários adequados. É instrutivo lembrar que, mesmo no final da
década de 1840, observadores inteligentes e bem-informados na
Alemanha – no clímax da explosão industrial naquele país –
admitiam, como o fazem atualmente nos países subdesenvolvidos,
que nenhuma industrialização poderia fornecer emprego para a vasta
e crescente "população em excesso" dos pobres. Revolucionários
tinham tido a esperança de que isso viesse a ser definitivo, mas
mesmo homens de negócios temeram que isso pudesse vir a
estrangular seu sistema industrial. (HOBSBAWN, s/d, p. 49)
Acontece que o processo industrial é, na verdade, o próprio
desenvolvimento do capitalismo, isto é, ambos, industrialização e capitalismo são
faces da mesma moeda. O capitalismo foi um modelo econômico que para se tornar
hegemônico era necessário que se tornasse um modo social de se relacionar. As
formas sociais de troca se tornaram articuladas, o trabalho, o salário, a mercadoria,
o modo de acumular e transformar o negócio em mais negócio, em mais acúmulo.
Ainda não se observava a expansão do capitalismo para além da Europa, mas
mesmo assim, já se tinha uma noção clara do que se tornaria em menos de um
século posteriormente.
Um dos aspectos mais importantes desse processo é a crescente
liberdade no comércio e na indústria. Sabe-se que na Inglaterra, as leis propiciaram
cada vez mais condições para o livre comércio e o desenvolvimento de ações legais
e políticas que garantissem as formas emergentes do comércio. Liberdade e
10
autonomia acima de tudo, esse era um dos lemas mais importantes para o
progresso do capitalismo. A saber:
Mas, de alguma forma, a tendência mais impressionante era o
movimento em direção à total liberdade de comércio. Abertamente,
apenas a Inglaterra havia abandonado o protecionismo de forma
total, mantendo taxas alfandegárias – pelo menos teoricamente –
apenas por razões fiscais. Portanto, exceto pela eliminação ou
redução de restrições etc, nas vias navegáveis internacionais como o
Danúbio (1857) e o tráfico entre a Dinamarca e a Suécia, além da
simplificação do sistema monetário internacional pela criação de
grandes zonas monetárias (por exemplo, a União Monetária Latina
da França, Bélgica, Suíça e Itália em 1865), uma série de "tratados
de livre comércio" cortaram substancialmente as barreiras de tarifas
entre as nações industriais líderes na década de 1860. Mesmo a
Rússia (1863) e a Espanha (1868) ligaram-se de certa forma ao
movimento. Apenas os Estados Unidos, cuja indústria apoiava-se
grandemente num mercado interno protegido e era pobre em
exportações, permaneceu um bastião do protecionismo, mas mesmo
assim mostrou alguma modificação no começo da década de 1870.
(HOBSBAWN, s/d, p. 50)
Todas essas medidas socioeconômicas e políticas fortaleceram a noção
de que estava emergindo uma nova sociedade e de fato estava. Tal sociedade, dita
por alguns como sociedade burguesa, trazia consigo a perspectiva de uma suposta
liberdade para os sujeitos, uma vez que se o capitalismo se baseava na livre
iniciativa dos cidadãos, nada melhor do que também transferir para a vida e o
cotidiano das pessoas essa livre iniciativa.
Esse aspecto é crucial para a compreensão do modo como esse sujeito
passa a ser visto e tratado. Agora, à medida que esse sujeito se torna um
assalariado, ou seja, passa a vender espontaneamente a sua força de trabalho,
sobre ele passa a pesar também o ônus de uma liberdade social, se bem que isto
não parece tão simples assim, pelo fato de que a divisão do trabalho e a exploração
do tempo de trabalho criam um mecanismo perverso na sociedade capitalista.
O mais importante crítico do capitalismo viveu no século XIX e teve
grande influência nos processos sociais e políticos sobre o combate contra o
capitalismo. Seus escritos mostraram o funcionamento interno do capitalismo. Nesse
sentido, o capitalismo foi capaz de articular trabalho-salário-mercadoria-tecnologia,
de modo a transformar a produção em um modo de gerar um valor acumulativo
ininterrupto, um sistema em que a perspectiva é o acúmulo de mais e de mais
dinheiro como capital transformado – trabalho assalariado ao dinheiro como capital
cristalizado.
11
O salário é determinado mediante o confronto hostil entre capitalista
e trabalhador. A necessidade da vitória do capitalista. O capitalista
pode viver mais tempo sem o trabalhador do que este sem aquele.
[A] aliança entre os capitalistas é habitual e produz efeito; [a] dos
trabalhadores é proibida e de péssimas consequências para eles.
Além disso, o proprietário fundiário e o capitalista podem acrescentar
vantagens industriais aos seus rendimentos, [ao passo que] o
trabalhador [não pode acrescentar] nem renda fundiária, nem juro do
capital (Capitalinteresse) ao seu ordenado industrial. Por isso [é] tão
grande a concorrência entre os trabalhadores. Portanto, somente
para o trabalhador a separação de capital, propriedade da terra e
trabalho é uma separação necessária, essencial e perniciosa.
(MARX, 2008, p. 23)
Assim, o que ocorre com o capitalismo é que ele é uma imposição social
e histórica de um grupo sobre outro grupo, isso quer dizer em outras, palavras que
há uma luta de classes que é estabelecida no começo da sociedade industrial por
meio da imposição do trabalho assalariado que retira do trabalhador a capacidade
de fazer sua própria condição de vida material e isto o transforma em refém de um
modo de produzir que, como vimos anteriormente, passa a regular as relações de
poder, criando uma ordem social dominada por esse modo de produção. Por outro
lado, a sociedade industrial e capitalista produz não mais para a satisfação dos
seres humanos, produz para o mercado, produz mercadorias de modo mais geral e
isso tem um papel preponderante da nova sociedade que surge.
A riqueza das sociedades em que domina o modo de produção
capitalista aparece como uma “imensa coleção de mercadorias” e a
mercadoria individual como sua forma elementar. Nossa investigação
começa, portanto, com a análise da mercadoria.(MARX,1996, p. 165)
Marx considera que a sociedade capitalista é diferente das anteriores, do
ponto de vista da produção porque produz mercadorias e não exatamente a
satisfação das necessidades dessa própria sociedade. Essa é uma característica
que distingue a sociedade industrial-capitalista das demais. O trabalho é a força
motriz desse modo de produção e requer que tudo produzido seja levado ao
mercado, antes mesmo de que seja considerado como necessidade fundamental
para o ser humano.
A mercadoria é, antes de tudo, um objeto externo, uma coisa, a qual
pelas suas propriedades satisfaz necessidades humanas de qualquer
espécie. A natureza dessas necessidades, se elas se originam do
12
estômago ou da fantasia, não altera nada na coisa. Aqui também não
se trata de como a coisa satisfaz a necessidade humana, se
imediatamente, como meio de subsistência, isto é, objeto de
consumo, ou se indiretamente, como meio de produção. (MARX,
1996, p. 165)
A sociedade das mercadorias se torna a sociedade capitalista por
essência. A mercadoria passa a regular as relações comerciais, as relações de
produção, as relações entre as pessoas nessa sociedade. A troca de mercadorias só
é possível porque o trabalho assalariado corresponde a uma parte do tempo gasto
para a produção e o cálculo recai sobre o tempo excedente, mas note-se que a
mercadoria tem um papel social diferente do que em sociedades anteriores. É essa
base de troca que irá transformar a sociedade e suas relações internas. Tudo
passará a ser regido pela troca de coisas que têm um valor, mas este valor não
pode ser apenas medido pelo dinheiro, é o valor de troca.
Na própria relação de troca das mercadorias seu valor de troca
apareceu-nos como algo totalmente independente de seu valor de
uso. Abstraindo-se agora, realmente, o valor de uso dos produtos do
trabalho obtém-se seu valor total como há pouco ele foi definido. O
que há de comum, que se revela na relação de troca ou valor de
troca da mercadoria, é, portanto, seu valor. O prosseguimento da
investigação nos trará de volta ao valor de troca, como a maneira
necessária de expressão ou forma de manifestação do valor, o qual
deve ser, por agora, considerado independentemente dessa forma.
(MARX, 1996, p. 168)
Essas foram as bases da formação da sociedade capitalista e industrial,
no próximo item estudaremos a consequência desse processo na formação de um
novo homem.
2.2 - O novo homem histórico
Pelo exposto acima, a Inglaterra se transforma no berço do capitalismo. A
vida urbana ganha uma nova dinâmica. A velocidade com que as relações ocorrem
cria um conflito com as antigas estruturas sociais que ainda prevalecem no interior
da sociedade inglesa. A mentalidade social se transforma. Ou seja, há uma cisão na
forma como a mercadoria é vista, de um lado há o valor de uso, sua utilidade que é
como o trabalhador a vê e do outro, o valor de troca, que é como o capitalista a vê,
ou seja, para o capitalista mercadoria é a capacidade de produzir e vender algo.
13
Quer dizer, há uma separação na forma como cada sujeito social vê esta entidade, a
mercadoria.
E é este fato que gera uma nova subjetividade, o homem novo. De um
lado o trabalhador se aliena, vê o trabalho pelo seu valor de uso, acha que isto é
uma necessidade, que lhe é útil, e não vê que o trabalho é o lado da mercadoria, a
outra face, a principal face que vai dar ao capitalista o acúmulo de dinheiro, isto é, o
trabalhador perde a consciência histórica no que se refere à unidade da mercadoria
– valor de uso e valor de troca, gerando assim a alienação do processo de trabalho,
em que enxerga apenas o valor de uso. Com isto, o trabalhador passa a achar isto
natural.
Mas essa mudança de mentalidade não ocorreu sem conflitos e lutas
sociais intensas, nesse sentido, a vida das pessoas se transforma, já não estão
naquele modelo social anterior ao capitalismo, em que o patrimonialismo da
aristocracia prevalecia, em que o dote era uma forma de negociar o casamento entre
os cônjuges, a herança, etc.
Os indivíduos são lançados numa condição em que passam a depender
de suas forças de produção e de sua capacidade de adquirir dinheiro por outros
meios. A individualização dos sujeitos implicaria numa visão de mundo em que o
isolamento é um aspecto novo, mas que permanecerá até os dias de hoje. Esse
isolamento significava que era como se a coletividade ou, dito de forma mais
sociológica, a comunidade anterior tinha sido dissolvida e agora a sorte parecia estar
lançada para cada sujeito na nova sociedade.
Surge o homem determinado pelas suas próprias condições.
De outro lado, a influência iluminista criou raízes profundas na ideia de
que era preciso se libertar dos dogmas e encontrar na racionalidade as
possibilidades e condições para uma busca do saber por meio da ciência. O homem
livre estava dado como algo necessário, no entanto, essa liberdade não poderia ser
experimentada por todos de forma igualitária, ao contrário, podemos observar que
se trata de um mecanismo social de exploração, mas com forte tendência ideológica
para valorização do indivíduo sobre todas as formas de atuação. Immanuel Kant (s/d,
p. 1) iria dizer o seguinte a esse respeito.
Iluminismo é a saída do homem da sua menoridade de que ele
próprio é culpado. A menoridade é a incapacidade de se servir do
14
entendimento sem a orientação de outrem. Tal menoridade é por
culpa própria, se a sua causa não residir na carência de
entendimento, mas na falta de decisão e de coragem em se servir de
si mesmo, sem a guia de outrem. Sapere aude! Tem a coragem de te
servires do teu próprio entendimento! Eis a palavra de ordem do
Iluminismo.
Kant instiga as pessoas a ousarem saber e a apreender o mundo com
sua capacidade de pensamento, com seu próprio esforço, o que significaria para o
capitalismo uma excelente alavanca para o autoconhecimento, a livre iniciativa, o
livre arbítrio e a capacidade de se responsabilizar pelos seus atos. Essa mentalidade
converge muito bem com os interesses da sociedade em produzir e manter todos de
alguma forma alienados.
De qualquer forma, o capitalismo exerce uma influência muito grande
sobre os seguintes aspectos da vida social;
1 – Aumento da população urbana;
2 – Concentração de atividades industriais no meio urbano;
3 – Uma população que se multiplica em atividades comerciais das diversas
formas;
4 – Uma diversidade social urbana com certa mobilidade;
5 – O desenvolvimento de relações sociais fragmentadas;
6 – O advento de uma nova forma de organização nuclear da família;
7 – O avanço de uma categoria social – o sujeito com sua singularidade;
8 – A condição de maior subjetividade dos sujeitos sociais;
9 – O capitalismo influencia as expressões estéticas, éticas e formativas a
sociedade;
10 – O homem comum pode se tornar o herói, o drama humano não diz
respeito mais à coletividade, as narrativas dizem respeito ao mito individual.
Vimos que todo esse novo processo industrial, social e econômico
constituiu a sociedade capitalista e que ela vai exercer um poder muito grande sobre
todas as esferas da vida humana.
Esta forma de vida gera um homem novo, tanto o trabalhador como o
capitalista, ambos com uma nova subjetividade. O assalariado, que não enxerga,
primeiro, que o trabalho não é algo “necessário”, mas sim uma mercadoria, segundo,
que a sociedade na qual ele vive e trabalha não é uma sociedade organizada para
produzir o consumo necessário, suficiente e consciente, mas sim uma sociedade
15
para produzir o acúmulo de dinheiro, ou seja, não importa quanto se tenha que
produzir, mesmo que não seja necessário, e que esse acúmulo é fruto do ônus de
sua liberdade social que é o que o capitalista visa.
Para coroar essa constituição de um novo homem, uma nova sociedade
em que todas as relações sociais são determinadas pela ótica do capital o
Iluminismo contribui com o conceito de que este homem deve aprender com sua
própria capacidade e responsabilizar-se pelos seus atos, mas, ao mesmo tempo lhe
diz que é “livre”, isto é, lhe atribui uma obrigação moral e esse incentivo é um dos
ingredientes que gera a competição entre os homens e ajuda a manter todos sem
consciência histórica, sem questionar se haveria outra forma de organização
econômica menos egoísta, mais consciente e solidaria.
16
CAPÍTULO 3 - O ROMANTISMO
“O romance, graças ao papel que representa a partir do
romantismo, é a primeira fôrma literária a testemunhar a
grande mudança que se verifica nas atividades artísticas
modernas”.
Moisés
Este capítulo tratará do romantismo em uma perspectiva histórica, seu
surgimento e significado, a partir da palavra “romance” em si e sua origem. O
capítulo permitirá a exploração do romance “Razão e Sentimento” de Jane Austen,
onde não apenas serão estudados seus personagens e cenários, mas também sua
importância social e como o estilo romântico é tão profundo e repleto de fatos
importantes para a representação da sociedade inglesa do século XIX.
Historicamente, o Romance vai mais além do que um simples estilo
literário, tendo seu início no Império Romano. Segundo Moises, (1968) a palavra
romance pode ter se originado dos povos dominados pelos romanos, criada a partir
da mistura da língua local com o latim, conhecida por ser a língua do povo o
romanice loqui (“falar românico) em contraste com a dos eruditos o Latine loqui
(“falar latino”), mas o seu sentido ligado à sociedade permaneceu, mesmo com a
sua transformação de significado.
Com o passar do tempo, romance passou também a classificar literaturas
populares e folclóricas, principalmente na Espanha onde se cultivou o romance em
verso e a palavra continuou a ser empregada na Literatura Espanhola com esse
sentido o de uma narrativa de aventuras fantásticas, até que no século XVII o termo
começou a ter a significação que conserva modernamente.
Dentro da Língua Portuguesa o significado de romance foi se
modificando, desde ser a língua vernáculo, ou seja, a língua oficial até o sentido
atual, passando também pela significação de fantasia. Todavia, a língua sendo parte
de um social sempre cria suas barreiras, onde até mesmo uma palavra adquire uma
forma negativa de expressão. Segundo Moisés (1968, p. 149):
(...) Afora a denotação literária, cumpre lembrar o sentido pejorativo
adquirido pela palavra "romance". Quando alguém nos conta um
"caso" longo e imaginoso, e procuramos classificá-lo, imediatamente
nos salta a seguinte observação: “ele está fazendo romance do caso”.
17
Romance, com o passar do tempo, passou a descrever qualquer relação
entre casais, independente da classe social, existindo para descrever uma situação
popular em que há o cavalheirismo, a exploração do comportamento e a tentativa de
criação de um futuro (sendo apenas sonho ou não), através do casamento.
Posto o quê, podemos considerar que o sentido da palavra romance tem
uma história que remonta a vários séculos, mas não como forma literária em prosa.
O sentido de romance como conhecido atualmente é originário de
meados do século XVIII, em que aparece junto com um movimento literário o
Romantismo.
Romantismo foi uma Revolução cultural que se originou na Escócia e na
Prussia, e também, a partir da revolução industrial que vinha acontecendo na
Inglaterra e que culminaria no século XIX. Há a necessidade de renovação das
artes, pois havia um desgaste das estruturas socioculturais da Renascença.
Em todos os aspectos que compunham a sociedade fosse político,
religioso, artístico houve uma crise e sucessão na forma como se via o mundo.
A tôdas as configurações de absolutismo até à época em voga (em
política, o despotismo monárquico; (...); nas artes, a aceitação dum
receituário baseado nos protótipos ou arquétipos representados
pelos antigos), sucedeu um clima de liberalismo franqueador das
comportas do sentimentalismo individualista. (MOISÉS, 1968, p. 150)
Envolvidos por um clima de liberalismo, onde existe a ruptura com o
passado, a literatura volta-se para transformação social, que se dá em decorrência
do desenvolvimento das cidades, onde passa a abordar o sentimentalismo
individualista. A burguesia passa a ter uma grande influência sobre a sociedade,
onde ganham destaque por suas ocupações comerciais.
Sendo assim, Romantismo é a arte que expressa a ideologia e a
cosmovisão da burguesia, que se opõe à arte clássica, que era a arte que
representava os valores da nobreza. Ainda segundo Moisés (1968, p. 150):
Com isso, o romance passava a representar o papel antes designado
à epopeia, e objetiva o mesmo alvo: construir-se no espelho dum
povo, a imagem fiel duma sociedade. E êsse caráter lhe advinha dum
fator cedo preponderante: o de abarcar tudo quanto era forma e
recurso de expressão literária.
18
A literatura era também uma fuga da realidade, onde poderiam ver o seu
cotidiano, seu bem estar e não se verem como personagens inseridas no texto. A
literatura tornou-se passatempo da classe social que vivia para o dinheiro, portanto,
essa arte tinha como responsabilidade retratar esse conforto financeiro, passou a
ser a porta-voz das aspirações da burguesia. De acordo com Moisés (1968, p. 151):
Na verdade, o romance romântico continha uma imagem composta
em duas camadas: na primeira, ofereceria-se à classe burguesa uma
imagem, tanto quanto possível otimista, cor-de-rosa, formada sempre
do encontro entre duas personagens para realizar o desígnio maior
da gente burguesa, o casamento, (...) Na segunda camada,
estranhava-se uma involuntária crítica ao sistema todo, algumas
vezes, sutil e implícita, outras vezes declarada e violenta.
O romance romântico surge na Inglaterra com obras consideradas
introdutórias do novo gosto tais como A História de Tom Jones (1749) de Henry
Fielding, entre outros, mas foi Balzac o verdadeiro criador do romance moderno com
a Comédia Humana (1829-1850) em que elabora contundentes críticas à sociedade.
Balzac foi um grande mestre de autores como Flaubert, Zola, etc. Segundo Moisés,
(1968, p. 152) “A Inglaterra comparece com uma série de ficcionistas de primeira
água, como Dickens, Thackeray, George Eliot, Jane Austen, (...) e outros”.
Por fim, vieram outros grandes nomes em outros países: Dostoievski,
Tolstoi, Proust, James Joice, Kafka etc. que desenvolveram o gênero e o movimento
dando ao romance prospecção psicológica, horizontes imprevisíveis, disponibilidade
psicológica, relatividade da noção de tempo espaço, experiências com a linguagem,
etc.
Isto produzirá uma aproximação maior com a vida e consequentemente
uma mudança do movimento artístico o romantismo. Moises, (1968, p. 152) explica
poeticamente que ”(...) à proporção que se aproxima da vida, o romance vai
perdendo terreno e individualidade. Paradoxalmente sua grande ambição – ser vida-
é seu mal”.
3.1 Aspectos característicos do romance social
Quando lemos um texto tendemos a perceber que a história é composta
diversos elementos como ações, personagens, lugares, um tempo, e um ponto de
19
vista. Esses elementos unidos, por sua vez, formam uma ação narrativa, que se
constrói a partir do conhecimento e necessidade do escritor e da sociedade.
A essência do romance é a reconstrução da sociedade a partir de uma
releitura, ou seja, o romance reflete a insatisfação, o desejo dessa sociedade e lhes
estimula a sensibilidade. Moisés (1968, p. 155) afirma que “o romance é uma visão
macroscópica do Universo, em que o escritor procura abarcar o máximo captável por
sua intuição”.
O romancista tem uma liberdade muito grande quanto ao como expressar
sua visão de mundo. Acaba por não descrever cenas banais, ou comportamentos,
mas dá sempre seu toque imaginativo às ações e personagens. No entanto, sua
liberdade é limitada apenas por seu cenário, mantendo assim sua inteira capacidade
de adicionar sentimentos e suspenses à obra.
Quanto à ação narrativa, decorre na sociedade, em meio aos prédios e
ruas, nas relações sociais, nas grandes casas, no luxo, no dinheiro, nos bailes.
Porém, nem todo romance social é urbano, correspondendo ao cotidiano da
sociedade dos arrendatários, a burguesia vivente nos campos e fazendas, assim diz
Raymond Williams (2011, p. 104): “Essas pessoas viviam de cálculos de aluguéis e
lucros sobre investimentos de capital, e era através de aluguéis extorsivos,
anexações e cercamentos que elas aumentavam seu controle sobre a terra”.
Para que a ação narrativa ocorra, é necessário compreender que a ação
não ocorre num tempo estático, que não passa.
Muitas vezes a ação se vincula por meio de uma sequência lógico-causal,
onde existe a justificativa das ações, uma expressão de causa e consequência
dentro dos conceitos sociais envolvidos, assim o desenvolver da história informa
uma linha de pensamento lógica onde a história avança conforme as reações tanto
das personagens quanto dos conceitos sociais.
Também existe a sequência cronológica que amarra o que vem antes
com o que vem depois, precisa de tudo que for necessário para o amadurecimento
de ideias no desenrolar da ação e também para dar uma maior semelhança entre o
tempo em que as relações sociais levam a acontecer na literatura e na vida real.
O tempo dentro da narrativa deve ser vivido por alguém, então ao falar
das personagens devemos lembrar que desempenham papel fundamental dentro do
texto, em que são as responsáveis por concretizarem a ação e vão sofrer a ação do
tempo, do cenário, em detrimento à suas experiências.
20
As personagens são o espelho capaz de descrever as relações sociais da
burguesia, onde são descritas segundo a forma humana, através de uma referencia
real. Realizam os desejos burgueses de mostrar conforto, costumes e submeterem-
se ao casamento segundo sonham os leitores.
De modo geral, a personagem é a invenção da pessoa humana
dentro das narrativas de ficção. (...) produtos da imaginação e da
linguagem que imitam seres humanos. (...) procuram seguir modelos
da realidade (personagens realistas), de nossos sonhos e desejos
(personagens românticas), ou de nossas fantasias (personagens
fantásticas) e outros tantos caminhos. Aos poucos, na evolução das
formas narrativas, a personagem vai-se distanciando desses
modelos, da imitação puramente reprodutiva, para libertar-se como
ser de linguagem. (MESERANI, 1990, p. 5)
As personagens possuem o poder de aos poucos evoluírem com o
caminhar da narrativa, saindo da sombra da sociedade para o que realmente são
aflorando seus desejos. Ou chocam a sociedade, ou lhes dão o final desejado.
Então a tendência em transformar o psicológico da personagem, a torna
independente das expectativas, assim ela (a personagem) apreende a atenção do
leitor ao acompanhamento de suas experiências para justificar ou condenar sua
conduta.
Existem mais dois aspectos que merecem ser considerados, o
compromisso e o entretenimento.
A arte compromissada e engajada está a serviço de uma ou outra
ideologia, filosofia, política ou religiosa. Quem lhe deu essa condição foi o contexto
histórico em que nasceu.
Quanto ao entretenimento o que importa segundo Moisés ao leitor é o que
acontece e não o como acontece. O romance tem assim duas facetas o
entretenimento em primeiro plano e o culto, que é a cosmovisão ensinante, mas que
só aparece para quem ultrapassar esta barreira, que fica em segundo plano. Moisés
diz que o primeiro é o ângulo do leitor e também que deve sempre haver um
equilíbrio para ser um romance de qualidade.
Do ângulo da obra ou do escritor, dá-se o seguinte: o valor do
romance varia numa escala em que um extremo é ocupado pelo
entretenimento e o outro pela cosmovisão. (MOISÉS, 1968, p. 157)
21
3.2 Características da obra
Dentro da literatura inglesa, aparece uma autora que se destaca pelo
romance rural. Jane Austen mantém o domínio sobre o mundo que conhecia bem
por viver em seu interior, e praticava o romantismo mesmo quando o estilo literário
encontrava sua transformação, escreve um romance dos anos 1790, mas foi
publicado em 1811.
Nesta pesquisa encontramos a resposta para este fato do porque Austen
escrever num estilo que já estava em transformação e verificamos que isto se deve
ao fato deste romance estar engajado com os debates da crítica da sensibilidade5
.
Segundo Ros Ballaster, (2012, prefácio) professora de inglês na
universidade de Oxford e autora do prefácio do livro “Razão e Sentimento”:
“qualquer assunto, como conduta nos afetos particulares, a caridade, (...) e até
mesmo o uso da razão tornaram-se declarações políticas, alinhadas a ideologias
conservadoras ou radicais”.
Exploraremos dentro do romance “Razão e Sensibilidade” as
características da prosa romântica que compõem a reputação de Jane Austen como,
segundo Anthony Burgess (1999, p. 209): “a primeira mulher que se tornou
romancista importante”. E ainda segundo ele:
O interesse primordial de Jane Austen está nas pessoas, não nas
ideias, e seu êxito reside na apresentação meticulosamente exata
das situações humanas, no delineamento de personagens que são
efetivamente criaturas vivas, com defeitos e virtudes, tal como na
vida real. (...) Nesse aspecto, e em sua preocupação com o
personagem enquanto oposto ao “tipo” (herói, heroína ou vilão
estático, caro aos romancistas vitorianos), ela se mostra mais
próxima de nossa época do que qualquer outro romancista desse
período.
Na perspectiva individual o trabalho de Austen, (2012), é focado no papel
da mulher na sociedade, mais especificamente o tema da responsabilidade do amor
materno, por meio do tratamento que a autora dá aos opostos como categorias
políticas, como ela agem “politicamente” com as adversidades sociais e como a
sociedade se porta frente a essa resposta pessoal. Na perspectiva social, Austen,
5
Caracterizou-se por uma politização das questões levantadas dentro da escola da sensibilidade.
22
trata o tema do romance rural, que comporta as famílias que possuíam um padrão
de conforto razoável.
O tratamento particular que Austen dá em seu contraponto de duas irmãs
denota que a autora se posiciona numa atitude moral conservadora.
Desta maneira, os elementos que fazem parte do romance que estamos
analisando, retratam principalmente a dinâmica e os efeitos da sensibilidade na
heroína burguesa do século XIX em Londres. Além da influência do conflito
socioeconômico entre as famílias burguesas.
No romance não há a figura do pai em nenhuma família, a única figura de
autoridade é a mãe em todas as famílias. Estas mães preferem o filho que tem mais
semelhanças com elas, os segundos filhos. Isto resulta num tratamento desigual e
também numa relação de troca, pois este filho deveria seguir os costumes destas
famílias para conservar o status social ou ascender na escala social.
Assim, a autora as critica pela sua indulgência com esses filhos, tanto
pelo excesso de sensibilidade (sra. Dashwood mãe de Marianne e Elinor), como
pela falta dela como no caso da (sra. Ferrars mãe Robert Dashwood e Fanny D.), (
lady Middleton mãe das crianças) e ( Fanny D. mãe de Henry Dashwood).
E é essa temática sobre a responsabilidade do amor materno que vai
adquirir um significado político e colocar o romance no contexto político, como dito
acima, da história da literatura e dos padrões culturais do final do século XVIII eXIX.
A sensibilidade é compreendida como uma variante da razão. Mas
também é vista como uma forma problemática do EU feminino, é um meio de
permitir o desejo de sensações individuais à custas da responsabilidade familiar e
coletiva.
Buscando em "Cambridge Paperback Guide to literature in English" foi
descoberta a descrição minuciosa da situação geral de todo o enredo6
, dependendo
6
“Razão e Sensibilidade” foi o primeiro romance publicado de Jane Austen (1811). Teve origem na história
‘Elinor e Marianne’ (1795), que ela começou a reescrever em 1797. Quando Henry Dashwood morre no estado
de Norland Park em Sussex ele passa a John, seu filho do primeiro casamento, a recomendação de que ele tome
conta da segunda Sra. Dashwood e suas filhas. Mas John e sua esposa, encorajados por sua mãe, Sra. Ferrars,
ignoram a obrigação de maneira egoísta. A segunda Sra. Dashwood e suas filhas se recolhem a uma casa de
campo em Devonshire. Marianne, a incorporação da ‘sensibilidade’ (ou a sensibilidade em pessoa), se apaixona
pelo charmoso e falido John Willoughby, que a abandona por uma herdeira. Elinor, a incorporação da ‘razão’
(ou a razão em pessoa), ama o irmão da Sra. John Dashwood, Edward Ferrars. Seu autocontrole possibilita que
ela omita seu desespero quando descobre que ele, há algum tempo, está secretamente noivo de Lucy Steele. As
noticias do noivado fazem com que a Sra. Ferrars o deserde em favor do seu irmão Robert. Lucy transfere sua
atenção a Robert, liberando Edward de um compromisso do qual ele se arrependera e permitindo que, ao invés
23
exclusivamente dessa situação o rumo da história, sendo assim o início da
sequência lógico-causal.
Todo o enredo do romance ocorre através da situação financeira em que
a família se encontra, para poder dividir o dinheiro, fruto de herança, com a intenção
de que as moças não sofressem com a pobreza causada pela morte do pai.
O enredo é composto por tramas familiares entre os Dashwood, Ferrars,
Smiths, Jennings e Brandon, que questionam a divisão de seus bens (em principal o
dinheiro), e como obter bons casamentos. Sendo o casamento a finalidade das
relações burguesas, era necessário que fosse executado entre pessoas que
pudessem somar fortunas, e Jane Austen (2011, p. 40) mostra isso através da fala
de algumas personagens e também do narrador, como por exemplo, umas das
descrições da sra. Jennings feita por ele, vejamos: “A sra. Jennings andava ansiosa
para ver o coronel Brandon bem-casado, desde que sua amizade por sir John o
tornara conhecido dela, além de estar sempre pronta a arranjar bons casamentos
para todas as moças bonitas que conhecia”.
Não apenas a sra Jennings é capaz de demonstrar essa preocupação,
mas também o sr. e a sra. John Dashwood, sir John ou até mesmo Willoughby,
segundo este último:
– Sim, pois não poderei manter meu compromisso com vocês. A
senhora Smith esta manhã exerceu o privilégio dos ricos sobre o
primo pobre e dependente, enviando-me a Londres a negócios.
Acabei de receber minhas ordens e estou me despedindo de
Allenham; buscando me alegrar vim agora me despedir de vocês.”
(AUSTEN, 2012, p.155)
Willoughby chama então esta relação econômica de privilégio do parente
rico sobre o pobre, onde revela que quem rege as relações sociais é o dinheiro.
O romance de Austen, além de levar em consideração os costumes
sociais, as individualidades e sonhos, leva também a questão do tempo, o que ele
traz e o que apaga, isto é, como é capaz de modificar um pensamento, acalmar um
coração e às vezes trazer a sanidade.
“Era princípio de setembro, a estação estava amena e, ao ver o local
sob as condições vantajosas do bom tempo, tiveram uma impressão
disso, ele se case com Elinor. O fiel e generoso Coronel Brandon ganha Marianne. (OUSBY, 1996, p. 348,
tradução nossa)
24
que lhes foi favorável, o que muito concorreu para sua aprovação
definitiva.” (AUSTEN, 2011, p. 33)
Esta passagem é referida à chegada da sra. Dashwood e suas filhas
ao chalé. O narrador mostra a influência do tempo na reação das personagens
quanto à aceitação do novo cenário o campo e o chalé, o qual transformaria suas
vidas, especialmente as de Marianne e Elinor.
3.2.1 Características das personagens principais
Quando se pensa em razão e sentimento talvez chegue ao leitor uma
ideia de que são coisas completamente diferentes, todavia devemos lembrar que
ambos têm a mesma base dentro do romance, pois partem do interesse pessoal em
satisfazer suas relações sociais, porém cada personagem age de forma oposta a
sua antagonista. Razão e sentimento são intimamente ligados podendo se
transformar um no outro no interior de cada personagem.
O pensamento reflexivo sobre as personagens Marianne e Elinor pode
esclarecer a transformação dos sentimentos, através da modificação da conduta das
personagens.
3.2.1.1 Marianne
Ao tratar de Marianne deve-se ter em mente a breve descrição feita por
Ian Ousby em Cambridge Paperback Guide to literature in English: "Marianne, the
embodiment of ‘sensibility’", ou seja: Marianne é a personificação da sensibilidade. O
ser sensível capaz de abarcar sentimentos indescritíveis, e não possuir nenhum
controle sobre eles.
Em contrapartida, Ros Ballaster diz que Marianne, embora seja
Quixotesca e romântica, é sensível e inteligente, visto que tem um alto senso
estético e critica a linguagem da época, as formas de expressão, que são vazias e
hipócritas, as aplicações errôneas dos princípios estéticos que ela admira.
Isto denota a presença de contrastes em sua personalidade.
As qualidades de Marianne era, sob muitos aspectos, iguais às de
Elinor. Era inteligente e sensível, mas agia em tudo com intensidade,
25
suas dores, suas alegrias não tinham meio-termo. Era generosa,
amável, interessada: tudo, menos prudente. Sua semelhança com a
mãe era marcante. (AUSTEN. 2011, p.12)
Mas será que ela permanece assim?
Até mesmo numa simples sentença o caráter marcante de Marianne fica
presente, como em: "Marianne explodiu de indignação" (2011, p. 26). Mesmo sendo
dona de um espírito fortíssimo, não foi capaz de espantar pretendentes, os quais se
sentiam atraídos pelo seu espírito livre. Brandon a amou desde o primeiro momento
em que a viu, e Willoughby foi cativado pelo seu espírito jovem e cheio de energia.
Além de possuir a característica de um sentimentalismo arrebatador, nota-se que,
durante o romance, ela se entrega às tristezas de uma relação amorosa
interrompida com John Willoughby, onde sofre e se entrega ao negativismo:
O culto à tristeza aumentava a cada dia. Passava horas inteiras ao
piano, alternando canções e soluções, a voz não raro totalmente
afogada em lágrimas. Também nos livros, como na música,
alimentava o desespero que o contraste entre o passado e o
presente havia criado. Só lia aquilo que costumavam ler juntos.
(AUSTEN, 2011, p. 85)
Na citação acima, além de perceber sua personalidade intensa, também
podemos perceber, por meio das atividades de Marianne, outra característica, a
reflexão social em cima dos ensinamentos que as moças recebiam. Atividades como
música, leitura, desenho, eram essenciais às moças burguesas, estes eram os
predicados para um bom casamento. Não só apenas pela prática de atividades
burguesas, Marianne se permitia sonhar com um mundo idealizado dos românticos,
o pitoresco, um mundo em que ela poderia escolher com quem quisesse ficar e o
homem tivesse os predicados que ela tanto desejava.
Marianne sofre com a comparação com Elinor, com as qualidades de sua
irmã que age pela compaixão e solidariedade, porém nem quando fica sabendo do
noivado de Edward e Lucy ela consegue escapar dos hábitos mentais que a levam a
se voltar sempre para si mesma, embora se sinta culpada.
No entanto essa idolatria do eu não a destrói, pois sua indulgência é mais
fruto da imaturidade do que de puro egoísmo. Assim, a indulgência da sensibilidade,
por meio da análise dos efeitos que a sensibilidade produz em Marianne no decorrer
do romance, não passa de uma desculpa para o amor-próprio o egoísmo. Mas não
26
um egoísmo que a destrói, devido a ser um ser humano que possui boas
características, assim podemos ver que apenas não amadureceu.
Isto fica nítido, quando Marianne se entrega à negatividade, pela fala do
sr John Dashwood:
- Lamento muito. Na idade dela qualquer doençazinha dá cabo da
beleza para sempre! A dela pouco durou! Era uma lindeza de moça
em setembro passado, como nunca vi outra igual, capaz de atrair os
homens como poucas. Havia qualquer coisa em seu tipo de beleza
que lhes agradava especialmente. (AUSTEN, 2011, p. 218)
No trecho acima vemos que ela chocou até o frio irmão Jonh, todavia, a
personagem apresentaria constância em seu comportamento, diferente dos
romances convencionais. Marianne não está baseada apenas nas atividades
burguesas e sonhos, mas também na razão, isto é, ela aprende a refletir sobre seu
comportamento, através de um período de um delírio febril. Marianne se vê prestes
a morrer, e seu isolamento a deixa com tempo para pensar sobre suas ações, sobre
quem realmente se importava com ela, sobre sua imprudência:
- Minha doença fez-me pensar deu-me tempo e calma para uma
reflexão mais séria. Muito antes de estar em condições de falar, já
era perfeitamente capaz de refletir. Analisei o passado; vi no meu
comportamento desde o momento em que nos conhecemos no
outono passado, apenas uma série de imprudências para comigo
mesma e uma falta de generosidade para com os demais. Vi que
meus próprios sentimentos prepararam meus sofrimentos e que a
minha falta de coragem quase me levou ao tumulo. (AUSTEN. 2011,
p. 330)
Após o período febril, Marianne mostra a mudança feita por sua reflexão à
sua irmã, então muda o principal, que era a sua forma de agir. Elinor vê enfim que
sua irmã mostra uma mudança, quando finalmente é discreta, diferente do início
deste estudo, aquela mesma Marianne que chorava escandalizada pela partida de
seu amado Willoughby agora era uma moça reservada, discreta e que levava em
consideração os sentimentos da mãe e da irmã e todos que tinham carinho para
com ela.
Mesmo com as mudanças a personagem Marianne não perde sua
essência, e acaba por realizar o fim tão sonhado por todos. Segundo Ian Ousby,
(1996, p. 348 tradução nossa) “The staunch and generous Colonel Brandon wins
27
Marianne.”, “O dedicado e generoso coronel Brandon ganha Marianne”. Ela por fim
fica com o homem que se dedicou o tempo todo a vê-la feliz, que esperou por ela,
mesmo sem esperanças e Marianne já não podia deixar de retribuir o sentimento,
pois havia descoberto o que era ‘certo’ a se fazer de acordo com os costumes
sociais:
Marianne Dashwood havia nascido para um extraordinário destino.
Nascera para descobrir a falsidade de suas próprias opiniões e para
contrariar, pela sua conduta, suas máximas favoritas. Nascera para
superar uma afeição que aparecera em sua vida já aos 17 anos, e,
sem a ajuda do outro sentimento se não a de uma forte estima e uma
viva amizade, voluntariamente dar a mão a outro. (AUSTEN, 2011, p.
363)
No trecho acima, o narrador retoma a jornada de Marianne que cresce em
pensamento, sonha com o amor eterno e que cresce também em idade, o que leva à
ideia de maturidade. Marianne não perde a sua essência, onde, no trecho a seguir, a
personagem mostra que ainda guarda sua característica principal: demonstrar seus
sentimentos com intensidade.
Marianne encontrava sua própria felicidade promovendo a dele, coisa
de que tinham certeza seus amigos e que deleitava os mais
observadores. Marianne não sabia amar pela metade e todo o seu
coração veio, com o tempo, a devotar-se ao marido como se havia
outrora devotado à Willoughby. (AUSTEN, 2011, p. 363)
O caráter rebelde de Marianne é retratado de forma mais viva no filme
“Sense and Sensibility” (1995) (título original da obra de Austen, “Razão e
Sensibilidade” em português), dirigido por Ang Lee, onde a personagem é
interpretada por Kate Winslet. Na estilização, a retratação de Marianne é explícita
quanto ao sofrimento e sua rebeldia sentimental. Mostra-se, também, a reprovação
social por sua conduta, onde a irmã Elinor está sempre ao seu lado para auxiliá-la (e
reprová-la).
3.2.1.2 Elinor
Além de ser irmã mais velha de Marianne, Elinor apresenta
comportamento contrario ao da irmã, onde age com racionalidade e de acordo com
o decoro. Ela representa o padrão burguês que toda e qualquer moça deveria
28
seguir, todavia, ela demonstra seus sentimentos de forma mais reservada do que a
irmã.
Antes mesmo dos floreios da mãe, Elinor é capaz de compreender a
situação em que se encontra seu coração, sabe da dificuldade em que se
encontrava por amar o irmão de sua cunhada: Edward Ferrars. Via o mundo da
forma como mãe e irmã não viam, e vivia certa de suas possibilidades, de acordo
com sua origem familiar.
Elinor, a mais velha, cujos conselhos tinham sido tão eficazes era
dotada de grande força de compreensão e frieza de julgamento, o
que habilitava, a despeito de seus dezenove anos, a ser conselheira
da mãe, e lhe permitia com frequência, para o bem de todas,
contrapor-se ao espírito veemente da sra Dashwood. (AUSTEN,
2011, p. 10)
No trecho acima, a importância do espirito de Elinor é ressaltado ao passo
que a jovem, em seus dezenove anos era capaz de aconselhar uma senhora, sua
mãe, que tinha mais de quarenta anos. Ela não permitia que os floreios de ninguém
lhe tirassem o sossego e a compreensão da situação. A jovem passa quase o
romance todo sendo o porto seguro do sentimentalismo atormentado da irmã, onde
tenta consolá-la.
Por outro lado, no trecho abaixo o narrador expõe Elinor como sendo tão
sofredora como Marianne. Todavia, diferentemente da irmã, para ela o sofrimento de
quem ama era algo muito pior do que o seu próprio sofrimento.
A necessidade de ocultar da mãe e de Marianne o que lhe havia sido
confiado em segredo, embora a obrigasse a estar constantemente
atenta, não constituía qualquer agravamento para o desgosto de
Elinor. Pelo contrário, era para ela um alívio não ser obrigada a
revelar-lhes algo que lhes causaria tanta tristeza”. (AUSTEN, 2011,
p. 136)
Haveria então necessidade de Jane Austen transformar toda a razão que
compõe Elinor em sentimento? Durante o andamento do enredo, ambas as irmãs
Dashwood buscam o equilíbrio psicológico. Marianne claramente se revela uma
personagem esférica, não se mostrando ao fim do romance a mesma pessoa. Já em
Elinor, o processo é inverso. Da razão absoluta, da seriedade se desenvolve o
sentimento, que cuida de quem ama, que sofre (mas que não demonstra seu
sofrimento), que se solidariza com o sofrimento de sua mãe e irmã, mas no fim do
29
livro, finalmente rende-se às alegrias incontroláveis de um amor tão esperado,
deixando toda e qualquer discrição por sua parte, dando vazão aos seus
sentimentos.
Elinor não conseguia suportar mais, quase correu da sala, e assim
que a porta se fechou rompeu em lágrimas de alegria que ela a
princípio julgou não fossem parar mais. (AUSTEN, 2011, p. 344)
É preciso dizer ainda que Elinor se parece com sua irmã, pois há um fato
em que isso fica evidente, e que é quando Edward Ferrars, numa conversa com
Marianne sobre a estética romântica, diz que acha que muitas pessoas tendem a
exagerar sua admiração pelo pitoresco e que ele despreza esse tipo de afetação,
coisa que Marianne adora, então ele finge sentir uma grande indiferença, por dispor
de menos critérios para admirá-los e observá-los do que de fato possui.
Nesse momento Elinor também vira porta voz do mesmo sentimento de
Marianne, pois assim como ela, Elinor considera a atenção e sensibilidade artística
do seu amante como prova de que tem afinidades.
3.2.2 - O Narrador
A presença do narrador imaginário se faz a partir do modo como conta a
história, para ele é interessante que conheçam os fatores motivadores de
determinadas ações para justificar ou condenar a conduta da personagem. Isso é
feito em um discurso em 3ª pessoa que está atrelado a Elinor. Mas a autora opta por
uma voz narrativa impessoal, às vezes, para comentar sobre a maternidade.
Fazer a narração atrelada a Elinor é uma técnica da autora para não
estimular a simpatia com o egoísmo e a indulgência, por isso todas as cenas são
narradas em segunda mão. Ross Ballaster (2012, Prefácio) explica que:
“Todas as cenas de emoção em Razão e sensibilidade são
apresentadas em “segunda mão”: a história das duas Elizas é
contada por Brandon depois que sua paixão se tornou lembrança
afetiva; o encontro entre Marianne e Willoughby no baile é contada
através dos olhos de Elinor. Apenas com o estabelecimento da
distância narrativa, através do recurso ora da visão retrospectiva por
parte da protagonista para um observador os acontecimentos
adquirem uma espécie de perspectiva capaz de fazer com que o
leitor se sinta mais estimulado a emitir juízos do que a se identificar
com os personagens”.
30
Tomar essa distância faz com que os acontecimentos adquiram uma
perspectiva que induz o leitor a emitir juízo e não se identificar com a personagem.
No entanto, embora a autora critique a sensibilidade, trata Marianne com simpatia e
calor. E esse tratamento só pode ocorrer por meio dos sentimentos de Elinor pela
irmã, pois esses sentimentos suavizam um pouco a perspectiva crítica do
comportamento de Marianne .
A onisciência do narrador é mostrada pelo conhecimento íntimo dos
sentimentos das personagens que não foram em momento algum, compartilhados
com outras personagens, assim existe apenas a relação com o leitor, para que ele
tome conhecimento e julgue por si. O narrador onisciente conhece a todos e durante
a leitura, vemos que se concentra em mostrar o interior das personagens, sendo as
principais as srtas. Dashwood, como se sentem e como divergem em sonhos e
opiniões entre si. O julgamento do narrador, quanto à índole, se faz mediante a
observação de intenções das personagens.
O narrador encerra o destino de Marianne onde declara o extraordinário,
um futuro, uma vitória sobre todas as adversidades, sobre todas as suas tristezas da
juventude: “Marianne Dashwood havia nascido para um extraordinário destino.”
(AUSTEN, 2011, p. 363) Para ele, seu destino estava marcado mesmo antes de
começar a história.
Em outras palavras, o casamento e a futura maternidade são a fuga de
nossa heroína, pois a ideia da maternidade é o caminho para escapar da tensão
entre individualismo e responsabilidade coletiva, é o caminho para não fracassar. A
maternidade é apresentada como uma forma de relação passional com o outro que
ao mesmo tempo basta a si mesmo, por isso pode ser “perdoada”, pois a heroína se
autorrenega.
No decorrer da obra, Austen (2011, p. 237), há uma intromissão feita por
parte do narrador para esclarecer situações que não dependiam diretamente das
irmãs Dashwood: “Vou agora relatar uma fatalidade que, por volta dessa época,
atingiu a sra John Dashwood”. A citação anterior é a única referencia pessoal que o
narrador faz, dando ar de crucialidade ao conhecimento do fato que atingiu Fanny
quando ela finalmente descobre que a srta Lucy tinha um romance secreto com seu
irmão Edward, ela (a citação) é a única referencia feita em primeira pessoa.
31
CAPÍTULO 4 – A LINGUAGEM DIALÓGICA NO ROMANCE DE JANE
AUSTEN
4.1 – Aspectos teóricos
Mikhail Bakhtin foi um filósofo da linguagem de origem russa que nasceu
em 1895, em Oriol, em uma família nobre, porém arruinada. Estudou na
Universidade de Odessa, e na de São Petesburgo e formou-se em História e
Filologia, em 1918. Pertenceu a um pequeno círculo de intelectuais e artistas, o
“círculo de Bakhtin” que foi muito produtivo em uma época de muita criatividade,
particularmente nos domínios da arte e das ciências humanas.
Este filósofo nunca participou dos movimentos formalistas e futuristas
russos e passou diversas dificuldades financeiras, devido a ter ficado doente de
osteomielite e não poder trabalhar, assim retornou a Petrogado seguido por seus
discípulos Volochínov e Medviédiev. Estes tinham o intuito de ajudá-lo a divulgar
suas ideias e assim teriam oferecido7
seus nomes para que Bakhtin pudesse
publicar suas primeiras obras. Marxismo e Filosofia da Linguagem e O Freudismo
que saíram sob o nome de Volochínov. Porém Bakhtin só vai gozar de notoriedade
depois de sua tese sobre Rabelais “Cultura Popular na Idade Média e da
Renascença” de 1965. Morreu em Moscou, em 1975, após uma longa doença.
Este filósofo explica em “Marxismo e Filosofia da linguagem” que o
funcionamento real da linguagem é o Dialogismo. Bakhtin (2014, p. 152) afirma: “a
unidade real da língua que é realizada na fala, não é a enunciação monológica
individual e isolada, mas a interação de pelo menos duas enunciações, isto é, o
diálogo”.
Em sua teoria existem três conceitos muito importantes que são:
Dialogismo constitutivo do enunciado, dialogismo mostrado e dialogismo como
princípio de constituição do indivíduo e princípio de ação.
O primeiro conceito, segundo Fiorin (2008), diz que um enunciado é
dialógico e não se mostra no discurso. No entanto, no segundo conceito Fiorin nos
explica que há outro tipo de dialogismo, o dialogismo mostrado, que possui uma
forma composicional em que é possível mostrar as diferentes vozes que participam
7
Não se tem certeza sobre a autoria da obra e ainda há muitos debates a respeito deste fato.
32
no contexto narrativo. Desta forma Bakhtin defende que o Dialogismo é o princípio
de constituição e de ação do indivíduo.
4.1.1 - O conceito de marcas linguísticas
Mikhail Bakhtin defende que todo enunciado é ideológico e para isso se
fundamenta na tradição linguística sociológica8
.
Bakhtin vai discursar a respeito da importância de filosofar sobre a
linguagem e de como isso é importante para o Marxismo. Para isso ele analisa a
filosofia idealista e a visão psicologista da cultura e conclui que ambas situam a
ideologia na consciência o que, segundo Bakhtin, não é objetivo.
O idealismo e o psicologismo esquecem que a própria compreensão
não pode manifestar-se senão através de um material semiótico (por
exemplo, o discurso interior), que o signo se opõe ao signo, que a
própria consciência só pode surgir e se afirmar como realidade
mediante a encarnação material em signos (...) compreensão é uma
resposta a um signo, por meio de signos. (BAKHTIN, 2014, p. 33)
Em sua opinião, introduzir a criação ideológica à força na consciência é
um erro fundamental, pois o estudo da ideologia se transforma no estudo da
consciência e suas leis e isto cria uma confusão metodológica acerca da inter-
relação entre domínios diferentes do conhecimento e uma distorção radical da
realidade estudada. Este deslocamento produz efeitos extremos, no idealismo9
, pelo
fato da ideologia estar à força dentro da consciência, acaba que a consciência torna-
se tudo, ou seja, ela está acima da existência e determina a ideologia, já no
positivismo psicologista10
ela torna-se nada, pois esta corrente a reduz a um simples
conglomerado de reações psicofisiológicas que resultam por milagre numa criação
ideológica. Ou seja, a consciência não tem suporte no exterior, na realidade.
8
(...) Há na trama histórica que enreda o pensamento linguístico, duas tendências principais (...) A outra é o
sociologismo, que se aplica em estudar o percurso social, explorando a relação entre linguagem e sociedade.
(ORLANDI, 2009, p. 17)
9
Na linguística há a influência de duas correntes de pensamento filosófico o idealismo e o empirismo. No caso
da língua, idealismo, fundamentado na tradição racionalista, é a visão de uma língua ideal, universal, isto é,
regida por princípios racionais e lógicos, assim estes princípios regeriam todas as línguas. Essa visão levou os
racionalistas a também idealizarem os falantes, que falassem uma língua ideal sem ambiguidade, capaz de
assegurar a ambiguidade da comunicação.
10
Corrente filosófica de base behaviorista e biológica que defende que a consciência deriva diretamente da
natureza.
33
No entanto, para Bakhtin o lugar verdadeiro da ideologia é o material
social particular dos signos criado pelo homem, pois a ideologia se situa entre
indivíduos organizados. Os signos só aparecem em grupos, já a consciência
individual não explica nada, mas ao contrário, ela deve ser explicada a partir do meio
ideológico e social. Para Bakhtin isso é fundamental, pois se não se reconhecer isso,
não será possível construir nem uma psicologia objetiva11
e nem um estudo objetivo
das ideologias.
Segundo Bakthin, (2014) a realidade objetiva dos fenômenos ideológicos
é a dos signos sociais. E as leis dessa realidade são as leis da comunicação
semiótica. Desta forma a realidade ideológica é uma superestrutura situada
imediatamente acima da base econômica.
O fenômeno ideológico deve ser ligado à comunicação social, já que seu
aspecto semiótico na linguagem aparece mais claro e é a PALAVRA.
Para Bakhtin (2014), a palavra é o modo mais puro e sensível de relação
social, é um signo neutro, pode preencher qualquer espécie de função ideológica,
como a estética, científica, moral, religiosa. A palavra é um signo que pode ser
interiorizado e está presente em todo ato consciente.
Por isto a palavra é a sua base de partida para entender a relação
recíproca entre a infra-estrutura12
e a superestrutura13
, uma vez que o signo
ideológico refrata o ser. Desta forma a palavra é o indicador mais sensível das
transformações sociais, ela é o ELO entre a estrutura sociopolítica e a ideologia e
realiza-se sob a forma de interação verbal, ou seja, tudo está na troca, no material
verbal.
As relações de produção determinam todos os contatos verbais possíveis,
pois cada época e cada grupo social tem seu repertório de formas de discurso, ou
seja, a cada forma de discurso social, corresponde um grupo de temas.
Assim as formas de enunciação devem apoiar-se sobre uma classificação
das formas de comunicação verbal que, por sua vez, são determinadas pelas
relações de produção e estrutura sociopolítica. Essa organização hierarquizada das
11
Cada signo ideológico é não apenas um reflexo, uma sombra da realidade, mas também um fragmento material
dessa realidade. Todo fenômeno que funciona como signo ideológico tem uma encarnação material, seja como
som, como massa física, (...). Nesse sentido, a realidade do signo é totalmente objetiva e, portanto, passível de
um estudo metodologicamente unitário e objetivo. (BAKHTIN, 2014, p. 33)
12
São os meios de produção e o modo de produção da sociedade capitalista.
13
São as instituições jurídicas, sócio-políticas e econômicas, o Estado, que são consequência dessa relação
mútua entre Super e infra-Estrutura e é nelas que se localiza o componente ideológico.
34
relações sociais influenciam as formas de enunciação, por exemplo, o respeito às
regras de etiqueta, do bem falar etc.
Para o autor (BAKHTIN, 2014), esta é uma tarefa da ciência das
ideologias estudar esta evolução social do signo linguístico, pois somente esta
abordagem pode dar uma expressão concreta ao problema da mútua influência do
signo e do ser. Assim é essencial constituir uma psicologia objetiva.14
No entanto,
seus fundamentos não devem ser nem fisiológicos, nem biológicos, mas
sociológicos.
Esse encontro se dá entre o organismo e o mundo exterior, mas este
encontro não é físico, pois “o organismo e o mundo exterior encontram-se no signo”
(BAKHTIN, 2014, p. 50).
Concluindo, para a Psicologia da análise e da interpretação, a ideologia é
explicada em termos da psicologia, ou seja, é idealista15
. Já para a outra corrente, a
Psicologia Funcionalista16
, seu objeto não é o conteúdo do psiquismo, mas a função
desse conteúdo, ou seja, não importa o que, mas o como do processo, e isso não é
psíquico, depende da competência do lógico.
Bakhtin então vai dizer que as duas correntes não resolveram o problema
da realidade ideológica que, portanto, fica sem solução, e isso faz com que o próprio
psiquismo fique sem solução. Sempre houve uma luta incessante, uma mútua
absorção, o que provoca uma alternância entre o Psicologismo Espontaneísta17
e o
Antipsicologismo18
, a primeira absorve a ciência ideológica e a segunda esvazia o
psiquismo de seu conteúdo, se torna simples fisiologismo e nunca houve síntese
dialética.
Para Bakhtin (2014), as duas devem ser tratadas em conjunto e a chave
para isso é o SIGNO, isto é, não há fronteira entre psiquismo e a ideologia, há
apenas uma diferença de grau. Primeiro existe um estágio de desenvolvimento
interior, um elemento confuso, o pensamento só existe em mim, em seguida, no
segundo estágio, o pensamento toma forma apoiando-se no sistema ideológico, no
exterior, pois foi engendrado pelos signos ideológicos.
14
O marxismo busca uma abordagem objetiva do psiquismo subjetivo consciente do homem, que, em geral, é
analisado pelos métodos de introspecção. (BAKHTIN, 2014, p. 49)
15
A ideologia é expressão e materialização da psicologia, não se leva em conta o caráter social do signo, não se
compreende o vínculo entre signo e significação. Explica-se o signo através do psiquismo.
16
Corrente que vê o conteúdo do psiquismo como um processo que não é psíquico, mas que depende da
competência do lógico, do teórico, do conhecimento gnosiológico ou do matemático.
17
Pensamento filosófico da linha da psicologia da análise e da interpretação.
18
Pensamento filosófico da linha da psicologia funcionalista.
35
Então, o psiquismo vai se destruir e o signo vai se libertar do contexto
psíquico, do interior, no sentido biológico e biográfico. Porém, em sentido inverso
agora a ideologia também vai se destruir, e finalmente o signo exterior, ideológico
vai se integrar de volta no subjetivo, no interior, pois é assim que permanecerá vivo.
Desta forma podemos entender que o conceito de marcas linguísticas na
obra de Bakhtin são os signos que aparecem com recorrência nos enunciados de
uma dada comunidade. Estes signos possuem um significado particular, que só
pode ser apreendido a partir dos saberes partilhados naquele grupo social.
4.1.2 - Dialogismo constitutivo do enunciado
Para Bakhtin, (2014) a enunciação é de natureza social. Assim todo
enunciado implica um contexto ideológico.
O autor faz uma análise geral das linhas do pensamento filosófico e
linguístico em que há por um lado o subjetivismo idealista19
que vê o ato de fala
como uma criação individual e que se apoia na enunciação monológica e a abordam
do ponto de vista da pessoa que fala, como um ato individual, ou seja, como uma
expressão da consciência individual de seus desejos, gostos, intenções e impulsos,
assim esta categoria é superior e engloba o ato de fala, a enunciação.
No entanto, Bakhtin diz que esta teoria da expressão é falsa, pois tudo
que se forma exterioriza-se por meio de um código de signos exteriores, tem duas
facetas o conteúdo e a objetivação exterior. Ou seja, o conteúdo começa a existir
primeiro para passar a outra forma, pois, se o conteúdo existisse desde a origem,
então toda teoria cairia por terra. Foi inclusive por isso que o Idealismo engendrou
teorias que rejeitam completamente a expressão considerada como uma
deformação do pensamento de sua pureza interior.
Bakthin diz que conteúdo e objetivação externa são criados a partir do
mesmo material, uma vez que não existe atividade mental sem expressão semiótica.
Assim o centro organizador da atividade mental está no exterior. É a expressão-
enunciação que organiza a atividade mental, pois ela é determinada pelas condições
reais da enunciação. Ou seja, são as relações sociais que determinam as
19
Nas divisões metodológicas da linguística geral é a corrente que se interessa pelo ato da fala. Segundo
Bakhtin, (2014, p. 74) “(...) interessa-se pelo ato da fala, de criação individual, como fundamento da língua”. E
segundo Orlandi, (2009, p. 61), “(...) o subjetivismo individualista da teoria da enunciação. (...) de cunho
individualista que pretendem que o sujeito é que é dono absoluto do seu dizer”.
36
realizações do signo social na enunciação concreta e esta situação social mais
imediata com o meio social mais amplo determinam a estrutura da enunciação. Por
exemplo, a imposição de uma ressonância, como a exigência ou a solicitação, a
afirmação de direitos ou a prece pedindo graça, um estilo rebuscado ou simples, a
segurança ou a timidez e até se se tratar de uma expressão verbal de uma
necessidade fisiológica como a sensação de fome, ela será socialmente dirigida, que
pode dispensar a expressão exterior, mas existe o discurso interior e então o
indivíduo pode não dizer nada, pode não exteriorizar sua fome, mas dependendo da
situação em que se encontrar terá suas entoações, sua expressão ideológica como
a raiva, o lamento, indignação, vergonha etc.
Para Bakhtin (2014), a atividade mental se realiza sob a forma de
enunciação, a orientação social à qual ela se submete adquire maior complexidade
devido ao contexto e ao interlocutor. A consciência é uma ficção sem material, mas
enquanto expressão material estruturada é um fato objetivo, uma força social
imensa. Logo, não está acima do ser, não pode determiná-lo, ela é parte do ser e
enquanto discurso interior seu raio é limitado, mas depois que entrou pela etapa de
objetivação social e entrou no sistema da ciência, arte, direito, moral etc., torna-se
uma forma e é capaz de exercer em retorno uma ação sobre as bases econômicas
da vida social.
Assim a interação verbal realiza-se por meio da enunciação, é a realidade
fundamental da língua, é um meta-diálogo no sentido da comunicação verbal.
Quanto ao tema e significação, Bakhtin diz que este é um dos problemas
mais difíceis da linguística, pois a teoria se apoia em uma compreensão passiva da
significação e não promove meios para abordar seus fundamentos com clareza. Ele
começa dizendo que um sentido definido é uma propriedade de cada enunciação
como um todo, assim ele faz uma distinção entre ambas, dizendo que o tema da
enunciação é irredutível à análise e que a significação da enunciação pode ser
analisada em conjunto. O tema tem uma ligação com a história, já a enunciação é
igual em todas as instâncias históricas.
Mas embora cada uma funcione de uma forma não podem ser separadas,
pois não há tema sem significação e vice-versa. Bakhtin diz que tema e significação
precisam estar em conexão com a compreensão e a entoação. Mas uma
compreensão ativa e não passiva, onde se produza uma acentuação, uma resposta,
37
visto que, somente isso permite apreender o tema, e quanto mais numerosas e
substanciais forem suas réplicas, mais profunda e real será a compreensão.
Ele diz que compreender a orientação de outrem significa orientar-se em
relação a ela, pois “compreender é opor à palavra do locutor uma contrapalavra”.
(BAKHTIN, 2014, p. 137)
Por outro lado, temos a corrente do objetivismo abstrato20
onde o centro
organizador da língua é o sistema linguístico. Esta corrente diz que em cada
enunciação há elementos idênticos aos de outras enunciações de ordem fonético,
gramatical e lexical. São assim normativos para todas as enunciações e isso garante
a unicidade de uma dada língua. O indivíduo tem que tomar e assimilar este sistema
tal como é.
Bakhtin descreve que o que mais pesa negativamente nesta corrente é
que a lógica que governa na sincronia nada pode ter em comum com a da diacronia.
São duas lógicas diferentes! Então o autor explica que a lógica da história da língua
só pode ser a lógica dos erros individuais ou dos desvios. A passagem dos fatos
linguísticos de uma época a outra se dá fora do campo da consciência. Ou seja, não
há correspondência entre o sistema sincrônico e o processo de evolução da língua.
Daí Bakhtin afirma que é um erro grosseiro o Objetivismo Abstrato dizer que o
sistema de normas imutáveis possui uma existência objetiva para a consciência
subjetiva.
Dizer isso é uma abstração de uma reflexão que não vem do locutor
nativo, pois na verdade ele serve-se da língua para suas necessidades enunciativas
concretas. O centro para o locutor não está na forma, mas na nova significação que
essa forma adquire no contexto. Para o locutor não importa a forma enquanto sinal
estável, mas enquanto signo variável e flexível.
Segundo o autor, a consciência linguística nada tem a ver com sistema
abstrato de formas normativas, mas com linguagem, no sentido de contextos
possíveis de uso da forma. Para o locutor, a palavra é enunciação e esta reflete
verdades ou mentiras, coisas boas ou más etc. Daí ela implica um contexto
ideológico.
20
Para esta segunda corrente da metodologia da linguística a língua é um sistema estável, imutável, de formas
linguísticas submetidas a uma norma fornecida tal qual à consciência individual e peremptória para essa.
(BAKHTIN, 2014, p. 85)
38
Bakhtin explica que a linguística adotou procedimentos teóricos
elaborados para o estudo das línguas mortas-escritas-estrangeiras e que se apoiou
em enunciações constitutivas monológicas fechadas.
Entretanto, essa abordagem carece de potência para dominar a fala viva
e assim o pensamento não foi nutrido por uma concepção etnolinguística da fala
viva. Então Bakhtin questiona: No que consiste, então, esse sistema? Quais são as
metas da análise linguística?
Bakhtin, (2014) faz uma concessão, diz que é obvio que essas inscrições
monológicas em que a linguística se apoiou são abstrações, mas elas são, antes de
tudo, uma resposta a algo e contavam com as reações ativas da apreciação, elas
fazem parte da ciência, literatura e foram produzidas para ser compreendidas,
porém o Filólogo as desvinculou da esfera real, apreendeu-as como um todo isolado
e por fim não lhe aplicou uma compreensão ideológica ativa, mas passiva, sem
resposta e excluiu a réplica.
Concluindo, Bakhtin diz que acredita que a verdade não está no meio das
duas, mas além delas, assim rejeita a tese e a antítese, e constitui uma síntese
dialética, ou seja, o ato de fala ou seu produto a enunciação não pode ser
considerado como individual ou ser explicado a partir das condições psicofisiológicas
e afirma que a enunciação é de natureza social.
4.1.3 - O romance na ótica bakhtiniana
Segundo Fiorin, (2008, p. 115) ”o romance é a expressão do dialogismo
no seu mais alto grau”. Ele explica que Bakhtin estuda a natureza do romance e sua
evolução a partir de dois parâmetros: a percepção da linguagem e a representação
do tempo e espaço.
Nossa descrição será realizada apenas na perspectiva do primeiro
parâmetro, o da percepção da linguagem.
Segundo Bakhtin o romance é de natureza plurilinguística, pluriestilística e
plurivocal. Ou seja, é a expressão artística da descentração e relativização da
consciência, uma expressão de uma percepção galileana21
da linguagem.
21
Galileana é a consciência mais aberta, mais móvel, não organizada em torno de um
centro fixo, como é o sistema de Galileu, em que a Terra se move.
A influência do passado no presente através da literatura romântica
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A influência do passado no presente através da literatura romântica

  • 1. CENTRO UNIVERSITÁRIO ÍTALO BRASILEIRO CURSO DE LETRAS LEONOR SALOMÉ MUÑOZ FERNÁNDEZ A LITERATURA ROMÂNTICA COMO JANELA PARA O PASSADO E SUAS INFLUÊNCIAS NO PRESENTE São Paulo 2014
  • 2. LEONOR SALOMÉ MUÑOZ FERNÁNDEZ A LITERATURA ROMÂNTICA COMO JANELA PARA O PASSADO E SUAS INFLUÊNCIAS NO PRESENTE Trabalho de conclusão de curso, apresentado ao Curso de Letras da Universidade Ítalo Brasileira, como exigência parcial para obtenção do título de Licenciado em Letras. Orientador: Profa. Dra. Edna Camille Blumenschein. São Paulo 2014
  • 3. LEONOR SALOMÉ MUÑOZ FERNÁNDEZ A LITERATURA ROMÂNTICA COMO JANELA PARA O PASSADO E SUAS INFLUÊNCIAS NO PRESENTE Trabalho apresentado ao Curso de Letras do Centro Universitário Ítalo Brasileiro, como exigência parcial para obtenção do título de Licenciado em Letras sob a orientação da Profa.Dra. Edna Camille Blumenschein. Nota _______________________ Data de aprovação: ________/________/____________ BANCA EXAMINADORA Prof.________________________________________________________________ Assinatura ________________________________________________________________ Prof. ______________________________________________________________ Assinatura ________________________________________________________________ Prof.________________________________________________________________ Assinatura __________________________________________________________________
  • 4. Ao meu saudoso irmão, onde quer que você esteja, ao meu pai, à minha maravilhosa mãe e meus amados filhos.
  • 5. AGRADECIMENTOS Aos professores, Andréa G. de Alencar que sempre me motivou muito nesta caminhada, ao prof. Dr. Marcelo Cizaurre pelas leituras recomendadas sobre literatura e romantismo na Inglaterra, ao professor Ms. Marcos Sagattio, com quem tive algumas das melhores aulas de literatura de minha vida e à profa. Ms. Marianna Calvo Mozer. À minha orientadora a professora Dra. Edna Camille Blumenschein pelo incentivo. Aos colegas de Letras Elias, companheiro em momentos difíceis nos estudos, e Ronilson, Vânia, Alexandre, Diana, Amanda, Dayane e Leo. Ao amigo Sergio P. grande professor de português e inglês pelos grandes incentivos. À minha querida amiga Cinthia A. que me ajudou a entender os termos em inglês e a fazer a tradução do enredo. Ao estimado professor da Universidade Federal de Diamantina o senhor Atanásio M. que me ajudou nas reflexões que fiz sobre a sociedade capitalista neste trabalho, pois tivemos grandes debates no grupo de estudos. Aos antigos, atuais e futuros alunos, com quem aprendi muito e com quem quero continuar aprendendo e ensinando e estabelecendo essa troca que é tão gratificante. Ao meu pai Carlos, à sua esposa Maria do Socorro e à sua filha Caroline minha irmã, que me motivaram, por meio do Budismo e da prática budista, o valor inestimável da revolução humana e tantos conceitos sobre a vida.
  • 6. Aos meus amados filhos Laura e Paulo, razão de tudo em minha vida, pela paciência que tiveram de me verem horas a fio nos livros estudando, mas que compreenderam o meu propósito e sempre proporcionaram o seu precioso amor e cumplicidade o que me deu ainda mais força e sentido na concretização deste objetivo. À minha amada e maravilhosa mãe a Sra. Clotilde, sem a qual eu não teria suportado tantos obstáculos impostos, pelo imenso apoio e ajuda em tudo, e que, com sua sabedoria e firme fé em Deus e amor de mãe não passou a mão na minha cabeça, mas me incentivou e motivou a aceitar essas imposições e a redirecionar aquilo que posso.
  • 7. “O organismo e o mundo encontram-se no signo” BAKHTIN
  • 8. RESUMO Este trabalho de conclusão de curso tem como tema a relação entre passado e presente na literatura romântica. A nossa dúvida se configura em saber se o romance sugere marcos sociais ao leitor, sendo esses marcos as características sociais e econômicas. Nosso objetivo é mostrar como a crítica do autor, sobre os conflitos socioeconômicos é construída e como chega ao leitor e se esse discurso sugere categorias e conflitos sociais presentes na atualidade. Delimitamos como o corpus de descrição e análise de discurso as marcas linguísticas da manipulação socioeconômica nos discursos das protagonistas e antagonista, fundamentando-nos no dialogismo de Bakhtin para estudá-las. Assim, primeiramente, estudamos a formação da sociedade capitalista e industrial no intuito de entender como se formou o novo homem histórico. Em seguida, fizemos uma pesquisa sobre o romantismo na Inglaterra, conceituando o movimento literário a partir do significado da palavra romance e depois seguimos a conceituação por meio das características da obra, elaborando assim uma análise situacional do romance de Austen, (2012) “Razão e Sensibilidade”. Nossa conclusão foi a de que o romance sugere marcos sociais ao leitor, pois na construção da linguagem o autor insere suas entoações no discurso atrelado a Elinor e induz o leitor a emitir juízos de valor, positivos ou negativos, que eram compartilhados no século XIX e que ainda hoje na atualidade muitos continuam sendo compartilhados. PALAVRAS-CHAVE: Romantismo, passado e presente, marcas linguísticas, discurso, dialogismo, reflexão socioeconômica e histórica.
  • 9. RESUMEN Este trabajo de conclusión de curso tiene como tema la relación entre el pasado y e presente en la literatura romántica. Nuestra duda se configura en saber si el romance le sugiere marcos sociales al lector, siendo estos marcos las características sociales y económicas. Nuestro objetivo es mostrar como la crítica del autor, sobre los conflictos socioeconómicos, es construida y cómo le llega al lector y si ese discurso sugiere categorías y conflictos sociales presente en la actualidad. Delimitamos como el corpus del análisis de discurso, las marcas lingüísticas de la manipulación socioeconómica en los discursos de las protagonistas y antagonistas, basando-nos en el dialogismo de Bakhtin para estudiarlas. Así, primeramente, estudiamos la formación de la sociedad capitalista e industrial con el afán de entender cómo se formó el nuevo hombre histórico. En seguida, hicimos una pesquisa sobre el Romanticismo en Inglaterra, conceptuando el movimiento literario a partir del significado de la palabra romance y después, seguimos con la conceptuación del romance por medio de las características de la obra, elaborando así un análisis situacional del romance de Austen, (2012) “Razón y Sentimiento”. Nuestra conclusión fue la de que el romance le sugiere marcos sociales al lector, pues en la construcción del lenguaje el autor insiere sus entonaciones en el discurso junto a Elinor e induce al lector a emitir juicios de valor, positivos o negativos, que se compartían en el siglo XIX y que aun en la actualidad muchos continúan siendo compartidos. PALABRAS-CLAVE: Romanticismo, pasado y presente, marcas linguísticas, discurso, dialogismo, reflexión socioeconómica e histórica.
  • 10. SUMÁRIO CAPITULO I – INTRODUÇÃO...................................................................................1 CAPÍTULO 2 – CONTEXTUALIZAÇÃO SÓCIO-HISTÓRICA...................................7 2.1 - Sociedade industrial, sociedade capitalista.....................................................7 2.2 - O novo homem histórico ...............................................................................12 CAPÍTULO 3 - O ROMANTISMO ............................................................................16 3.1 Aspectos característicos do romance social....................................................18 3.2 Características da obra ...............................................................................21 3.2.1 Características das personagens principais..............................................24 3.2.1.1 Marianne.............................................................................................24 3.2.1.2 Elinor ..................................................................................................27 3.2.2 O Narrador ..............................................................................................29 CAPÍTULO 4 – A LINGUAGEM DIALÓGICA NO ROMANCE DE JANE AUSTEN 31 4.1 - Aspectos teóricos .........................................................................................31 4.1.1 - O conceito de marcas linguísticas ..........................................................32 4.1.2 - Dialogismo constitutivo do enunciado.....................................................35 4.1.3 - O romance na ótica bakhtiniana .............................................................38 4. 2 - Análise do Romance....................................................................................39 4.2.1 A expressão da linguagem em Razão e Sensibilidade .............................40 4.2.2 As vozes sociais presente nas marcas linguísticas do discurso da...........43 manipulação socioeconômica............................................................................43 4.2.4 Marianne e sua relação conflituosa com a linguagem de seu tempo ........49 CONCLUSÃO..........................................................................................................56 ANEXOS..................................................................................................................60 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS........................................................................63
  • 11. 1 CAPITULO I – INTRODUÇÃO O mundo está passando por uma transição estrutural devido às profundas mudanças nos processos produtivos e a revolução científico-tecnológica é um dos pilares desse novo processo. As tecnologias da informação propiciaram cada vez mais para que os jovens leitores tenham nas tecnologias uma fonte inesgotável de comunicação direta. Apesar de serem jovens com novos olhares e costumes, ainda uma grande parte deles tem uma visão um tanto quanto niilista1 em face até dos novos tempos em que vivemos. Desta forma, muitos não admitem possuir aspirações e desejos. A condição atual dos jovens é o reflexo do passado em uma nova expressão, como o consumismo, a liberdade das relações amorosas, o próprio amor, ou seja, há muitos comportamentos que podemos dizer que são positivos, porém também há outros que são extremamente destrutivos. Portanto, há uma espécie de choque no mundo atual, a oposição entre o humanismo2 e o neoliberalismo3 e os jovens estão em meio ao conflito e no caso do Brasil, São Paulo, os jovens, embora tenham seus sonhos, muitos não acreditam mais em nenhum valor político por inúmeros motivos, ou porque há uma deficiência de informação em seus lares, ou porque sua autoestima é baixa, fruto de uma educação deficiente ou porque a família não lhes deu uma estrutura, ou ainda porque são vítimas da violência, etc. Isto pode levá-los a não acreditar na política e questões da sociedade, e assim uma grande parte perde até a consciência social. Entretanto, embora a sociedade esteja passando por essa transição estrutural é visível que os jovens têm esperanças e aspirações. É bem verdade que o jovem, especialmente na formação da sociedade capitalista, é voltado para si mesmo em uma subjetividade que objetiva o ganho e o lucro, porém, por mais que isto possa ser considerado egoísmo, temos de entendê-lo em seu mundo e contexto atual. Por exemplo, muitas pessoas acham que os jovens não leem, e muito menos romances românticos. 1 s.m.1 Redução ao nada; 2 espirito destrutivo em relação ao mundo e a si próprio 3 total incredulidade 4 doutrina que nega as verdades morais e a hierarquia de valores. (HOUAISS, 2004, p. 519) 2 s.m. corrente filosófica renascentista e inspirada na civilização greco-romana, que valorizava um maior conhecimento da cultura e da natureza humana (HOUAISS, 2004, p. 393) 3 s.m. doutrina que defende a liberdade de mercado e restringe a intervenção do Estado sobre a economia (HOUAISS, 2004, p. 518)
  • 12. 2 Entretanto, muitos desses jovens e adolescentes leem sim literatura e de todo tipo, e muitas dessas leituras possuem ideias do passado e que são reeditadas para novos contextos, ou seja, ainda têm as características e valores de diversos movimentos literários que houve ao longo da história, como por exemplo, o Romantismo. Pode ser que eles não leiam literatura romântica, visto que hoje há uma proliferação de estilos, ou porque não gostam do estilo devido a inúmeros motivos, mas, eles terão de ler essa literatura na escola, enfim, ou de alguma outra forma irão ler, pois vivemos numa sociedade capitalista, isto é, fruto de todo um passado de formação da sociedade burguesa e, que dentre as muitas consequências dessa transformação do passado, adotou medidas para afirmar-se no poder, uma delas foi o incentivo à arte como forma de expressar sua cosmovisão. O problema talvez seja o que se faz na escola com essa leitura. Para que ela é usada? Qual é a finalidade de ler na escola a literatura romântica? Ela serve como objeto de reflexão e formação? Dessa forma, vivendo neste mundo tão conflituoso com inúmeras manifestações como as de junho de 20134 , promovidas em sua maioria por jovens, pensamos: por que não fazê-los tomar mais contato com a literatura romântica? Por que não sugerir e inspirá-los a ver valores que ninguém nessa idade quer ou pode ver, tais como a condição social da maioria da população, a mobilidade social e econômica, as adversidades socioeconômicas, pobreza e riqueza, os conflitos advindos dessas contradições sociais. Tomados, então, pelo espírito que nos envolve a ler a literatura romântica e a compreender a sua função dentro da sociedade, nos voltamos para a literatura como uma janela, na qual podemos ver um mundo diferente, mas que ao mesmo tempo nos faz compreender valores sociais que nos enchem de esperança quanto a nossa realidade e quanto a nós mesmos, sendo assim o tema deste trabalho é a relação entre passado e presente na literatura romântica e o seu título: “A Literatura romântica como janela para o passado e suas influências no presente”. 4 Foi a explosão de diversos protestos pelo Brasil contra a corrupção e outros diversos temas. Tudo isto teve origem em São Paulo devido à intensa repressão com que foi tratado o grupo MPL, que era contra o aumento da passagem dos ônibus municipais de São Paulo, e também devido à agressão a que alguns jornalistas e fotógrafos foram submetidos pela policia militar de São Paulo, causando lesões graves o que gerou a indignação do povo com tamanha violência, então no dia 17 de junho milhões de pessoas saíram às ruas para protestar contra o aumento, mas isso se prestou para que diversas partes da sociedade se manifestassem contra o governo federal e contra a realização da Copa do Mundo de 2014.
  • 13. 3 Foi durante a leitura do clássico romance inglês de Jane Austen (2012), que nos ocorreram diversos pensamentos sobre os conflitos sociais e econômicos apresentados na trama que se passa no século XIX e a reflexão de que alguns desses conflitos ainda ocorrem nos dias atuais, dentro de um contexto social obviamente alterado. Segundo a obra de Austen (2012), alguns conflitos se devem ao movimento do dinheiro e seu poder, como causa social de luta de interesses, ou pela falta de dinheiro, e deixa subentendido que algumas relações que sofrem a influência de conflitos financeiros ferem o código social. Toda esta reflexão despertou-nos a seguinte dúvida: o romance sugere Marcos Sociais ao leitor? Sendo Marcos Sociais as características sociais, tais como: - Posição social e sua mobilidade; - Posição Econômica; - Adversidades socioeconômicas; - Pobreza e Riqueza. Na delimitação do trabalho questionamos se analisar as marcas linguísticas de manipulação socioeconômica nos discursos das protagonistas e antagonistas, do ponto de vista da análise de discurso, fundamentando-nos no dialogismo, nos permitirá encontrar essa sugestão? (Elinor, Marianne e Fanny) O objetivo geral dessa pesquisa é mostrar como a crítica do autor, sobre os conflitos socioeconômicos, é construída, como chega aos leitores e como esse discurso sugere categorias e conflitos sociais presentes hoje. Finalmente, eis os objetivos específicos: - Verificar se há marcas linguísticas presentes no discurso de Austen capazes de sugerir características sociais ao leitor, isto é, que apresentem a manipulação em relação ao conflito socioeconômico. - Relacionar as vozes sociais presentes nos discursos referentes à problemática socioeconômica. (herança, sexo e idade) - Apontar o papel da literatura como instrumento de emancipação intelectual e política; A leitura pode proporcionar-nos experiências construtivas acerca da espécie humana. Acreditamos nisso, pois ler nos faz pensar sobre a realidade, sobre a forma de nos relacionarmos com crenças, ideologias, valores etc. Tendo como referencia o romance social inglês de Jane Austen (2012) (que apresenta também o título de “Razão e Sentimento” em outras versões), nos apropriamos dos conflitos sociais do século XIX presentes no romance. Nossa
  • 14. 4 leitura minuciosa leva-nos a observar a crítica por trás das convenções sociais e como vemos conflitos socioeconômicos atuais tão bem descritos e expostos na antiga sociedade inglesa do livro de Austen. Portanto não optamos pelo livro por ser, apenas, um romance interessante, mas também por poder relacionar a temática social, que se fundamenta no capitalismo, com a nossa sociedade atual. Faremos este estudo por meio da análise dialógica dos enunciados, e nos apropriando das vozes sociais. Não queremos apenas suprir uma necessidade literária explicando o que aconteceu, no intuito egoísta de saciar uma curiosidade ou o desejo de ver a protagonista gozar de um final feliz, típico do romantismo, mas queremos refletir. Hoje o mundo está cheio de competição, fruto de todo um processo de transição que traz boas e más consequências até os nossos dias. É por isto que acreditamos que os leitores podem, com a leitura de Austen (2012), ter uma pequena noção histórica acerca da realidade, que, de forma ficcional, constitui a vida das personagens. É necessário explicar que, pelo fato de estar analisando um romance inglês, onde são apresentados costumes e cultura estrangeiros e por toda a história das influências tanto positivas como negativas que a cultura europeia nos legou, pode parecer que estamos querendo criticar esta influência, porém não se trata de elaborar uma negativa contra qualquer cultura estrangeira, nosso intento é elaborar um estudo científico que considere as influências, mas, sobretudo, que caminhe no sentido de fortalecer comparativamente as marcas linguísticas inseridas nas características sociais da obra em questão e procurar identificar possibilidades de uma leitura que provoquem um espírito crítico e sensível. Como professores, vemos o sonho de nossos alunos serem distanciados pelo fato das dificuldades econômicas se transformarem em problemas sociais, que os impede de ter um bom relacionamento, por meio de um pensamento imposto às classes sociais mais humildes, em que é declarado subliminarmente que ele não possui chances de mobilidade social. O presente trabalho também se justifica através da oportunidade de proporcionar aos futuros alunos do curso de letras, uma referencia sobre o desenvolvimento de um trabalho voltado para a área de análise de discurso literário. Posto o quê, apresentamos nosso referencial teórico. Iniciamos com leituras como “Metodologia do Trabalho Científico”, da autoria de Antônio Joaquim
  • 15. 5 Severino, e ao estudá-la optamos por desenvolver uma pesquisa de abordagem qualitativa. Uma primeira diferenciação que se deve fazer é aquela entre a pesquisa quantitativa e a pesquisa qualitativa. Como vimos, a ciência nasce, no início da era moderna, opondo-se à modalidade metafísica do conhecimento, (...) Esse modelo de conhecimento científico, denominado positivista, adequou-se perfeitamente à apreensão e ao manejo do mundo físico, tornando-se assim paradigmático para a constituição das ciências, inclusive daquelas que pretendiam conhecer também o mundo humano. Mas logo os cientistas se deram conta de que o conhecimento desse mundo humano não podia reduzir-se, impunemente, a esses parâmetros e critérios. (SEVERINO, 2007, p. 118) Quando se fala de pesquisa quantitativa ou qualitativa, e mesmo quando se fala de metodologia quantitativa ou qualitativa, apesar da liberdade de linguagem consagrada pelo uso acadêmico, não se está referindo a uma modalidade de metodologia em particular. Daí ser preferível falar-se de abordagem quantitativa, de abordagem qualitativa, pois, com estas designações, cabe referir-se a conjuntos de metodologias, envolvendo, eventualmente, diversas referências epistemológicas. São várias metodologias de pesquisa que podem adotar uma abordagem qualitativa, modo de dizer que faz referência mais a seus fundamentos epistemológicos do que propriamente a especificidades metodológicas. (SEVERINO, 2007, p. 119) Assim sendo, primeiramente o presente trabalho tratará de uma pesquisa bibliográfica e/ou documental na qual buscaremos nas áreas de conhecimento, tais como, a teoria literária, a história, a análise de discurso, a filosofia e na sociologia, entre outras, obras que possam nos dar referencial para sustentar teoricamente as análises que elaboraremos acerca do processo de criação literária. O método qualitativo tem como característica básica a apreensão analítica do objeto de estudo, por meio de pesquisa teórica, cujo fundamento reside no levantamento bibliográfico pertinente aos problemas de pesquisa e derivado dos objetivos propostos pelo projeto. A pesquisa bibliográfica é aquela que se realiza a partir do registro disponível, decorrente de pesquisas anteriores, em documentos impressos, como livros, artigos, teses, etc. Utiliza-se de dados ou de categorias teóricas já trabalhados por outros pesquisadores e devidamente registrados. Os textos tornam-se fontes dos temas a serem pesquisados. O pesquisador trabalha a partir das
  • 16. 6 contribuições dos autores dos estudos analíticos constantes dos textos. (SEVERINO, 2007, p. 122) Assim este trabalho estará fundamentado da seguinte maneira: No capitulo 2, consideraremos as relações presentes no Capitalismo, e para tanto, lançaremos mão dos seguintes teóricos: Marx (2008) e Marx (1996), Aron (1981), Hobsbawn (s/d), Kant (1783), Wood (2001). Nestas obras estudaremos a formação da sociedade industrial e capitalista que embasa o Romantismo, dando ênfase à Inglaterra, berço do capitalismo. No capítulo 3, conceituaremos a escola literária “Romantismo” na Inglaterra, por meio de um estudo sobre as características da obra Austen, (2012) “Razão e Sentimento”. Para aprofundar nosso estudo, nos basearemos em: Moisés (1968), Brandão (1990), Burgess (2008), Bosi (2013), Cândido (1965), Williams (2011) e Friedman (2002), Ballaster e Tanner. Assim, nos propomos empreender um estudo tanto do olhar da escola romântica, quanto da situação histórico-social em que se desenvolve o Romance. No capítulo 4 estudaremos o conflito socioeconômico, esse conflito é determinante para compreender a sociedade inglesa do século XIX marcada pela luta entre o poder econômico, as relações sociais, a tradição e a emergência de uma nova forma social e uma nova subjetividade e suas formas de agir, de se comportar, de falar, de enunciar, enfim de seus discursos e visões de mundo. Por isso é importante analisá-lo, pois ele contém todas as características que atingem a todos os personagens e serve para sugerir ao leitor essa sociabilidade ou marcos sociais. A partir disso caminharemos para um estudo da sociedade inglesa, do ponto de vista da análise de discurso literário, e por meio de fundamentação em Volochínov e Bakhtin (2014), Possenti (2009), Orlandi (2009) e Fiorin (2008), Ros Ballaster e Tony Tanner, esperamos analisar os discursos das personagens principais, seus valores, ideologia e formas singulares de enunciar.
  • 17. 7 CAPÍTULO 2 – CONTEXTUALIZAÇÃO SÓCIO-HISTÓRICA 2.1 - Sociedade industrial, sociedade capitalista O século XIX apresenta uma forte tendência à consolidação do capitalismo, a começar pela Inglaterra e em especial em Londres. A Inglaterra já havia experimentado na segunda metade do século XVIII uma grande evolução no campo da agricultura, que tem no avanço do processo produtivo, especialmente com o incremento de novas tecnologias, seu marco histórico. Este progresso agrário criou condições para o rápido desenvolvimento de novas formas de produção baseadas na exploração maciça da terra com lucros cada vez maiores. Com o aumento tecnológico no campo, houve também uma diminuição da quantidade de trabalhadores exigidos na agricultura, isso fez com que aumentasse a divisão do trabalho fora das formas produtivas diretas no campo. Esse elemento de divisão trabalho foi um grande sustentáculo para a inovação de produção industrial e as formas com que esse processo ocorreu trouxeram mudanças drásticas para as cidades europeias a primeira a sofrer com o crescimento devido aos avanços na agricultura e a industrialização urbana foi Londres. Segundo Hobsbawn (s/d, p. 45), Londres, em 1700 já contava com mais de 531 mil habitantes, a maior cidade da Europa indiscutivelmente. A cidade e seus arredores já tinha um caráter de metrópole mundial, a maior cidade da Europa quando o século iniciou apresentava os problemas de uma metrópole em franco desenvolvimento. O capitalismo avança em todos os ambientes. Para alguns historiadores e pesquisadores o capitalismo seria quase que uma vertente natural dos antigos regimes econômicos, como se tivesse nascido do Feudalismo, mas isto é contestado por uma pesquisadora inglesa (Wood, 2001, p. 14) que aponta algumas características importantes nesse processo: Na maioria das descrições do capitalismo e de sua origem, na verdade não há origem. O capitalismo parece sempre estar lá, em algum lugar, precisando apenas ser libertado de suas correntes – dos grilhões do feudalismo, por exemplo – para poder crescer e amadurecer. Caracteristicamente, esses grilhões são políticos: os poderes senhoriais parasitários ou as restrições de um Estado autocrático. Às vezes, são culturais ou ideológicos – a religião
  • 18. 8 errada, quem sabe. Essas restrições limitam a livre movimentação dos agentes econômicos, a livre expressão da racionalidade econômica. Nessas formulações, o “econômico” é identificado com o intercâmbio ou com os mercados, e é nisso que podemos detectar o pressuposto de que as sementes do capitalismo estariam contidas nos mais simples atos de troca, em qualquer forma de comércio ou de atividade de mercado. Esse pressuposto costuma ser tipicamente outro: o de que a história é um processo quase natural de desenvolvimento tecnológico. De um modo ou de outro, o capitalismo aparece mais ou menos naturalmente, onde e quando os mercados em expansão e o desenvolvimento tecnológico atingem o nível certo. Muitas explicações marxistas são fundamentalmente iguais – acrescidas das revoluções burguesas para ajudar a romper os grilhões. A sociedade industrial, portanto, é a sociedade capitalista, porque um modo de produção peculiar surge com características racionais e isso ocorre na indústria, em que se pode verificar que esse modo de produção atinge um novo patamar nas estruturas do trabalho. A indústria afastará o trabalhador de seu meio de produção, de sua família e de suas origens. Esse fato, por si, já denota uma nova divisão de trabalho e, por conseguinte, uma nova divisão das atividades sociais justamente nessa sociedade que surge no século XVIII e que avança para o futuro. Além disso, é preciso perceber que essa nova sociedade que levará o nome de capitalista exercerá um poder muito grande sobre todas as esferas da vida humana. Ela influenciará a família, a cultura, a educação, a política, as artes, etc. O modo de produzir passa a organizar o modo como a sociedade articula e mobiliza suas forças para atender a esse novo modelo produtivo. A indústria realizará sua produção de forma massificada, padronizada, estruturada e administrada com métodos. Há muitas características nessa forma de produzir, a indústria pode ser compreendida como: A sociedade onde a indústria, a grande indústria, seria a forma de produção mais característica. (...) A partir dessa definição elementar seria possível, de fato, deduzir muitas das características de uma economia industrial. Inicialmente, observa-se que a empresa está separada da família. A separação do lugar de trabalho e do círculo familiar não é um dado universal, mesmo nas nossas sociedades (...) Em segundo lugar, a empresa industrial introduz um modo original de divisão do trabalho. Efetivamente, ela implica não só a divisão que existiu, em todas as sociedades, entre os setores da economia (entre os camponeses, os comerciantes e os artesãos), mas um tipo de divisão interno à empresa, uma divisão tecnológica do trabalho, que uma das características industriais modernas. (ARON, 1981, p. 73)
  • 19. 9 Esse modo capitalista de produzir industrialmente afetará as relações sociais, mas para que ele se desenvolva, a princípio a partir da Inglaterra, seria preciso haver mais liberdade e esta liberdade exigida pelos produtores (ou pelos industriais capitalistas), demandava um esforço político e uma articulação necessária para o desenvolvimento do livre comércio, mas para fazer comércio livremente era preciso também que a produção estivesse com o mínimo de controle por parte da sociedade e dos governos ou estados. É um período na história do século XIX em que a Inglaterra vive uma explosão da indústria, um crescimento da produção e uma necessidade de organizar melhor as formas de produção. O que nos choca retrospectivamente sobre a primeira metade do século XIX é o contraste entre o enorme e crescente potencial produtivo da industrialização capitalista e sua inabilidade, bem patente, em aumentar sua base. Poderia crescer dramaticamente, mas parecia incapaz de expandir o mercado para seus produtos, proporcionar saídas lucrativas para seu capital acumulado, ter por si só a capacidade de gerar emprego a uma taxa comparável ou com salários adequados. É instrutivo lembrar que, mesmo no final da década de 1840, observadores inteligentes e bem-informados na Alemanha – no clímax da explosão industrial naquele país – admitiam, como o fazem atualmente nos países subdesenvolvidos, que nenhuma industrialização poderia fornecer emprego para a vasta e crescente "população em excesso" dos pobres. Revolucionários tinham tido a esperança de que isso viesse a ser definitivo, mas mesmo homens de negócios temeram que isso pudesse vir a estrangular seu sistema industrial. (HOBSBAWN, s/d, p. 49) Acontece que o processo industrial é, na verdade, o próprio desenvolvimento do capitalismo, isto é, ambos, industrialização e capitalismo são faces da mesma moeda. O capitalismo foi um modelo econômico que para se tornar hegemônico era necessário que se tornasse um modo social de se relacionar. As formas sociais de troca se tornaram articuladas, o trabalho, o salário, a mercadoria, o modo de acumular e transformar o negócio em mais negócio, em mais acúmulo. Ainda não se observava a expansão do capitalismo para além da Europa, mas mesmo assim, já se tinha uma noção clara do que se tornaria em menos de um século posteriormente. Um dos aspectos mais importantes desse processo é a crescente liberdade no comércio e na indústria. Sabe-se que na Inglaterra, as leis propiciaram cada vez mais condições para o livre comércio e o desenvolvimento de ações legais e políticas que garantissem as formas emergentes do comércio. Liberdade e
  • 20. 10 autonomia acima de tudo, esse era um dos lemas mais importantes para o progresso do capitalismo. A saber: Mas, de alguma forma, a tendência mais impressionante era o movimento em direção à total liberdade de comércio. Abertamente, apenas a Inglaterra havia abandonado o protecionismo de forma total, mantendo taxas alfandegárias – pelo menos teoricamente – apenas por razões fiscais. Portanto, exceto pela eliminação ou redução de restrições etc, nas vias navegáveis internacionais como o Danúbio (1857) e o tráfico entre a Dinamarca e a Suécia, além da simplificação do sistema monetário internacional pela criação de grandes zonas monetárias (por exemplo, a União Monetária Latina da França, Bélgica, Suíça e Itália em 1865), uma série de "tratados de livre comércio" cortaram substancialmente as barreiras de tarifas entre as nações industriais líderes na década de 1860. Mesmo a Rússia (1863) e a Espanha (1868) ligaram-se de certa forma ao movimento. Apenas os Estados Unidos, cuja indústria apoiava-se grandemente num mercado interno protegido e era pobre em exportações, permaneceu um bastião do protecionismo, mas mesmo assim mostrou alguma modificação no começo da década de 1870. (HOBSBAWN, s/d, p. 50) Todas essas medidas socioeconômicas e políticas fortaleceram a noção de que estava emergindo uma nova sociedade e de fato estava. Tal sociedade, dita por alguns como sociedade burguesa, trazia consigo a perspectiva de uma suposta liberdade para os sujeitos, uma vez que se o capitalismo se baseava na livre iniciativa dos cidadãos, nada melhor do que também transferir para a vida e o cotidiano das pessoas essa livre iniciativa. Esse aspecto é crucial para a compreensão do modo como esse sujeito passa a ser visto e tratado. Agora, à medida que esse sujeito se torna um assalariado, ou seja, passa a vender espontaneamente a sua força de trabalho, sobre ele passa a pesar também o ônus de uma liberdade social, se bem que isto não parece tão simples assim, pelo fato de que a divisão do trabalho e a exploração do tempo de trabalho criam um mecanismo perverso na sociedade capitalista. O mais importante crítico do capitalismo viveu no século XIX e teve grande influência nos processos sociais e políticos sobre o combate contra o capitalismo. Seus escritos mostraram o funcionamento interno do capitalismo. Nesse sentido, o capitalismo foi capaz de articular trabalho-salário-mercadoria-tecnologia, de modo a transformar a produção em um modo de gerar um valor acumulativo ininterrupto, um sistema em que a perspectiva é o acúmulo de mais e de mais dinheiro como capital transformado – trabalho assalariado ao dinheiro como capital cristalizado.
  • 21. 11 O salário é determinado mediante o confronto hostil entre capitalista e trabalhador. A necessidade da vitória do capitalista. O capitalista pode viver mais tempo sem o trabalhador do que este sem aquele. [A] aliança entre os capitalistas é habitual e produz efeito; [a] dos trabalhadores é proibida e de péssimas consequências para eles. Além disso, o proprietário fundiário e o capitalista podem acrescentar vantagens industriais aos seus rendimentos, [ao passo que] o trabalhador [não pode acrescentar] nem renda fundiária, nem juro do capital (Capitalinteresse) ao seu ordenado industrial. Por isso [é] tão grande a concorrência entre os trabalhadores. Portanto, somente para o trabalhador a separação de capital, propriedade da terra e trabalho é uma separação necessária, essencial e perniciosa. (MARX, 2008, p. 23) Assim, o que ocorre com o capitalismo é que ele é uma imposição social e histórica de um grupo sobre outro grupo, isso quer dizer em outras, palavras que há uma luta de classes que é estabelecida no começo da sociedade industrial por meio da imposição do trabalho assalariado que retira do trabalhador a capacidade de fazer sua própria condição de vida material e isto o transforma em refém de um modo de produzir que, como vimos anteriormente, passa a regular as relações de poder, criando uma ordem social dominada por esse modo de produção. Por outro lado, a sociedade industrial e capitalista produz não mais para a satisfação dos seres humanos, produz para o mercado, produz mercadorias de modo mais geral e isso tem um papel preponderante da nova sociedade que surge. A riqueza das sociedades em que domina o modo de produção capitalista aparece como uma “imensa coleção de mercadorias” e a mercadoria individual como sua forma elementar. Nossa investigação começa, portanto, com a análise da mercadoria.(MARX,1996, p. 165) Marx considera que a sociedade capitalista é diferente das anteriores, do ponto de vista da produção porque produz mercadorias e não exatamente a satisfação das necessidades dessa própria sociedade. Essa é uma característica que distingue a sociedade industrial-capitalista das demais. O trabalho é a força motriz desse modo de produção e requer que tudo produzido seja levado ao mercado, antes mesmo de que seja considerado como necessidade fundamental para o ser humano. A mercadoria é, antes de tudo, um objeto externo, uma coisa, a qual pelas suas propriedades satisfaz necessidades humanas de qualquer espécie. A natureza dessas necessidades, se elas se originam do
  • 22. 12 estômago ou da fantasia, não altera nada na coisa. Aqui também não se trata de como a coisa satisfaz a necessidade humana, se imediatamente, como meio de subsistência, isto é, objeto de consumo, ou se indiretamente, como meio de produção. (MARX, 1996, p. 165) A sociedade das mercadorias se torna a sociedade capitalista por essência. A mercadoria passa a regular as relações comerciais, as relações de produção, as relações entre as pessoas nessa sociedade. A troca de mercadorias só é possível porque o trabalho assalariado corresponde a uma parte do tempo gasto para a produção e o cálculo recai sobre o tempo excedente, mas note-se que a mercadoria tem um papel social diferente do que em sociedades anteriores. É essa base de troca que irá transformar a sociedade e suas relações internas. Tudo passará a ser regido pela troca de coisas que têm um valor, mas este valor não pode ser apenas medido pelo dinheiro, é o valor de troca. Na própria relação de troca das mercadorias seu valor de troca apareceu-nos como algo totalmente independente de seu valor de uso. Abstraindo-se agora, realmente, o valor de uso dos produtos do trabalho obtém-se seu valor total como há pouco ele foi definido. O que há de comum, que se revela na relação de troca ou valor de troca da mercadoria, é, portanto, seu valor. O prosseguimento da investigação nos trará de volta ao valor de troca, como a maneira necessária de expressão ou forma de manifestação do valor, o qual deve ser, por agora, considerado independentemente dessa forma. (MARX, 1996, p. 168) Essas foram as bases da formação da sociedade capitalista e industrial, no próximo item estudaremos a consequência desse processo na formação de um novo homem. 2.2 - O novo homem histórico Pelo exposto acima, a Inglaterra se transforma no berço do capitalismo. A vida urbana ganha uma nova dinâmica. A velocidade com que as relações ocorrem cria um conflito com as antigas estruturas sociais que ainda prevalecem no interior da sociedade inglesa. A mentalidade social se transforma. Ou seja, há uma cisão na forma como a mercadoria é vista, de um lado há o valor de uso, sua utilidade que é como o trabalhador a vê e do outro, o valor de troca, que é como o capitalista a vê, ou seja, para o capitalista mercadoria é a capacidade de produzir e vender algo.
  • 23. 13 Quer dizer, há uma separação na forma como cada sujeito social vê esta entidade, a mercadoria. E é este fato que gera uma nova subjetividade, o homem novo. De um lado o trabalhador se aliena, vê o trabalho pelo seu valor de uso, acha que isto é uma necessidade, que lhe é útil, e não vê que o trabalho é o lado da mercadoria, a outra face, a principal face que vai dar ao capitalista o acúmulo de dinheiro, isto é, o trabalhador perde a consciência histórica no que se refere à unidade da mercadoria – valor de uso e valor de troca, gerando assim a alienação do processo de trabalho, em que enxerga apenas o valor de uso. Com isto, o trabalhador passa a achar isto natural. Mas essa mudança de mentalidade não ocorreu sem conflitos e lutas sociais intensas, nesse sentido, a vida das pessoas se transforma, já não estão naquele modelo social anterior ao capitalismo, em que o patrimonialismo da aristocracia prevalecia, em que o dote era uma forma de negociar o casamento entre os cônjuges, a herança, etc. Os indivíduos são lançados numa condição em que passam a depender de suas forças de produção e de sua capacidade de adquirir dinheiro por outros meios. A individualização dos sujeitos implicaria numa visão de mundo em que o isolamento é um aspecto novo, mas que permanecerá até os dias de hoje. Esse isolamento significava que era como se a coletividade ou, dito de forma mais sociológica, a comunidade anterior tinha sido dissolvida e agora a sorte parecia estar lançada para cada sujeito na nova sociedade. Surge o homem determinado pelas suas próprias condições. De outro lado, a influência iluminista criou raízes profundas na ideia de que era preciso se libertar dos dogmas e encontrar na racionalidade as possibilidades e condições para uma busca do saber por meio da ciência. O homem livre estava dado como algo necessário, no entanto, essa liberdade não poderia ser experimentada por todos de forma igualitária, ao contrário, podemos observar que se trata de um mecanismo social de exploração, mas com forte tendência ideológica para valorização do indivíduo sobre todas as formas de atuação. Immanuel Kant (s/d, p. 1) iria dizer o seguinte a esse respeito. Iluminismo é a saída do homem da sua menoridade de que ele próprio é culpado. A menoridade é a incapacidade de se servir do
  • 24. 14 entendimento sem a orientação de outrem. Tal menoridade é por culpa própria, se a sua causa não residir na carência de entendimento, mas na falta de decisão e de coragem em se servir de si mesmo, sem a guia de outrem. Sapere aude! Tem a coragem de te servires do teu próprio entendimento! Eis a palavra de ordem do Iluminismo. Kant instiga as pessoas a ousarem saber e a apreender o mundo com sua capacidade de pensamento, com seu próprio esforço, o que significaria para o capitalismo uma excelente alavanca para o autoconhecimento, a livre iniciativa, o livre arbítrio e a capacidade de se responsabilizar pelos seus atos. Essa mentalidade converge muito bem com os interesses da sociedade em produzir e manter todos de alguma forma alienados. De qualquer forma, o capitalismo exerce uma influência muito grande sobre os seguintes aspectos da vida social; 1 – Aumento da população urbana; 2 – Concentração de atividades industriais no meio urbano; 3 – Uma população que se multiplica em atividades comerciais das diversas formas; 4 – Uma diversidade social urbana com certa mobilidade; 5 – O desenvolvimento de relações sociais fragmentadas; 6 – O advento de uma nova forma de organização nuclear da família; 7 – O avanço de uma categoria social – o sujeito com sua singularidade; 8 – A condição de maior subjetividade dos sujeitos sociais; 9 – O capitalismo influencia as expressões estéticas, éticas e formativas a sociedade; 10 – O homem comum pode se tornar o herói, o drama humano não diz respeito mais à coletividade, as narrativas dizem respeito ao mito individual. Vimos que todo esse novo processo industrial, social e econômico constituiu a sociedade capitalista e que ela vai exercer um poder muito grande sobre todas as esferas da vida humana. Esta forma de vida gera um homem novo, tanto o trabalhador como o capitalista, ambos com uma nova subjetividade. O assalariado, que não enxerga, primeiro, que o trabalho não é algo “necessário”, mas sim uma mercadoria, segundo, que a sociedade na qual ele vive e trabalha não é uma sociedade organizada para produzir o consumo necessário, suficiente e consciente, mas sim uma sociedade
  • 25. 15 para produzir o acúmulo de dinheiro, ou seja, não importa quanto se tenha que produzir, mesmo que não seja necessário, e que esse acúmulo é fruto do ônus de sua liberdade social que é o que o capitalista visa. Para coroar essa constituição de um novo homem, uma nova sociedade em que todas as relações sociais são determinadas pela ótica do capital o Iluminismo contribui com o conceito de que este homem deve aprender com sua própria capacidade e responsabilizar-se pelos seus atos, mas, ao mesmo tempo lhe diz que é “livre”, isto é, lhe atribui uma obrigação moral e esse incentivo é um dos ingredientes que gera a competição entre os homens e ajuda a manter todos sem consciência histórica, sem questionar se haveria outra forma de organização econômica menos egoísta, mais consciente e solidaria.
  • 26. 16 CAPÍTULO 3 - O ROMANTISMO “O romance, graças ao papel que representa a partir do romantismo, é a primeira fôrma literária a testemunhar a grande mudança que se verifica nas atividades artísticas modernas”. Moisés Este capítulo tratará do romantismo em uma perspectiva histórica, seu surgimento e significado, a partir da palavra “romance” em si e sua origem. O capítulo permitirá a exploração do romance “Razão e Sentimento” de Jane Austen, onde não apenas serão estudados seus personagens e cenários, mas também sua importância social e como o estilo romântico é tão profundo e repleto de fatos importantes para a representação da sociedade inglesa do século XIX. Historicamente, o Romance vai mais além do que um simples estilo literário, tendo seu início no Império Romano. Segundo Moises, (1968) a palavra romance pode ter se originado dos povos dominados pelos romanos, criada a partir da mistura da língua local com o latim, conhecida por ser a língua do povo o romanice loqui (“falar românico) em contraste com a dos eruditos o Latine loqui (“falar latino”), mas o seu sentido ligado à sociedade permaneceu, mesmo com a sua transformação de significado. Com o passar do tempo, romance passou também a classificar literaturas populares e folclóricas, principalmente na Espanha onde se cultivou o romance em verso e a palavra continuou a ser empregada na Literatura Espanhola com esse sentido o de uma narrativa de aventuras fantásticas, até que no século XVII o termo começou a ter a significação que conserva modernamente. Dentro da Língua Portuguesa o significado de romance foi se modificando, desde ser a língua vernáculo, ou seja, a língua oficial até o sentido atual, passando também pela significação de fantasia. Todavia, a língua sendo parte de um social sempre cria suas barreiras, onde até mesmo uma palavra adquire uma forma negativa de expressão. Segundo Moisés (1968, p. 149): (...) Afora a denotação literária, cumpre lembrar o sentido pejorativo adquirido pela palavra "romance". Quando alguém nos conta um "caso" longo e imaginoso, e procuramos classificá-lo, imediatamente nos salta a seguinte observação: “ele está fazendo romance do caso”.
  • 27. 17 Romance, com o passar do tempo, passou a descrever qualquer relação entre casais, independente da classe social, existindo para descrever uma situação popular em que há o cavalheirismo, a exploração do comportamento e a tentativa de criação de um futuro (sendo apenas sonho ou não), através do casamento. Posto o quê, podemos considerar que o sentido da palavra romance tem uma história que remonta a vários séculos, mas não como forma literária em prosa. O sentido de romance como conhecido atualmente é originário de meados do século XVIII, em que aparece junto com um movimento literário o Romantismo. Romantismo foi uma Revolução cultural que se originou na Escócia e na Prussia, e também, a partir da revolução industrial que vinha acontecendo na Inglaterra e que culminaria no século XIX. Há a necessidade de renovação das artes, pois havia um desgaste das estruturas socioculturais da Renascença. Em todos os aspectos que compunham a sociedade fosse político, religioso, artístico houve uma crise e sucessão na forma como se via o mundo. A tôdas as configurações de absolutismo até à época em voga (em política, o despotismo monárquico; (...); nas artes, a aceitação dum receituário baseado nos protótipos ou arquétipos representados pelos antigos), sucedeu um clima de liberalismo franqueador das comportas do sentimentalismo individualista. (MOISÉS, 1968, p. 150) Envolvidos por um clima de liberalismo, onde existe a ruptura com o passado, a literatura volta-se para transformação social, que se dá em decorrência do desenvolvimento das cidades, onde passa a abordar o sentimentalismo individualista. A burguesia passa a ter uma grande influência sobre a sociedade, onde ganham destaque por suas ocupações comerciais. Sendo assim, Romantismo é a arte que expressa a ideologia e a cosmovisão da burguesia, que se opõe à arte clássica, que era a arte que representava os valores da nobreza. Ainda segundo Moisés (1968, p. 150): Com isso, o romance passava a representar o papel antes designado à epopeia, e objetiva o mesmo alvo: construir-se no espelho dum povo, a imagem fiel duma sociedade. E êsse caráter lhe advinha dum fator cedo preponderante: o de abarcar tudo quanto era forma e recurso de expressão literária.
  • 28. 18 A literatura era também uma fuga da realidade, onde poderiam ver o seu cotidiano, seu bem estar e não se verem como personagens inseridas no texto. A literatura tornou-se passatempo da classe social que vivia para o dinheiro, portanto, essa arte tinha como responsabilidade retratar esse conforto financeiro, passou a ser a porta-voz das aspirações da burguesia. De acordo com Moisés (1968, p. 151): Na verdade, o romance romântico continha uma imagem composta em duas camadas: na primeira, ofereceria-se à classe burguesa uma imagem, tanto quanto possível otimista, cor-de-rosa, formada sempre do encontro entre duas personagens para realizar o desígnio maior da gente burguesa, o casamento, (...) Na segunda camada, estranhava-se uma involuntária crítica ao sistema todo, algumas vezes, sutil e implícita, outras vezes declarada e violenta. O romance romântico surge na Inglaterra com obras consideradas introdutórias do novo gosto tais como A História de Tom Jones (1749) de Henry Fielding, entre outros, mas foi Balzac o verdadeiro criador do romance moderno com a Comédia Humana (1829-1850) em que elabora contundentes críticas à sociedade. Balzac foi um grande mestre de autores como Flaubert, Zola, etc. Segundo Moisés, (1968, p. 152) “A Inglaterra comparece com uma série de ficcionistas de primeira água, como Dickens, Thackeray, George Eliot, Jane Austen, (...) e outros”. Por fim, vieram outros grandes nomes em outros países: Dostoievski, Tolstoi, Proust, James Joice, Kafka etc. que desenvolveram o gênero e o movimento dando ao romance prospecção psicológica, horizontes imprevisíveis, disponibilidade psicológica, relatividade da noção de tempo espaço, experiências com a linguagem, etc. Isto produzirá uma aproximação maior com a vida e consequentemente uma mudança do movimento artístico o romantismo. Moises, (1968, p. 152) explica poeticamente que ”(...) à proporção que se aproxima da vida, o romance vai perdendo terreno e individualidade. Paradoxalmente sua grande ambição – ser vida- é seu mal”. 3.1 Aspectos característicos do romance social Quando lemos um texto tendemos a perceber que a história é composta diversos elementos como ações, personagens, lugares, um tempo, e um ponto de
  • 29. 19 vista. Esses elementos unidos, por sua vez, formam uma ação narrativa, que se constrói a partir do conhecimento e necessidade do escritor e da sociedade. A essência do romance é a reconstrução da sociedade a partir de uma releitura, ou seja, o romance reflete a insatisfação, o desejo dessa sociedade e lhes estimula a sensibilidade. Moisés (1968, p. 155) afirma que “o romance é uma visão macroscópica do Universo, em que o escritor procura abarcar o máximo captável por sua intuição”. O romancista tem uma liberdade muito grande quanto ao como expressar sua visão de mundo. Acaba por não descrever cenas banais, ou comportamentos, mas dá sempre seu toque imaginativo às ações e personagens. No entanto, sua liberdade é limitada apenas por seu cenário, mantendo assim sua inteira capacidade de adicionar sentimentos e suspenses à obra. Quanto à ação narrativa, decorre na sociedade, em meio aos prédios e ruas, nas relações sociais, nas grandes casas, no luxo, no dinheiro, nos bailes. Porém, nem todo romance social é urbano, correspondendo ao cotidiano da sociedade dos arrendatários, a burguesia vivente nos campos e fazendas, assim diz Raymond Williams (2011, p. 104): “Essas pessoas viviam de cálculos de aluguéis e lucros sobre investimentos de capital, e era através de aluguéis extorsivos, anexações e cercamentos que elas aumentavam seu controle sobre a terra”. Para que a ação narrativa ocorra, é necessário compreender que a ação não ocorre num tempo estático, que não passa. Muitas vezes a ação se vincula por meio de uma sequência lógico-causal, onde existe a justificativa das ações, uma expressão de causa e consequência dentro dos conceitos sociais envolvidos, assim o desenvolver da história informa uma linha de pensamento lógica onde a história avança conforme as reações tanto das personagens quanto dos conceitos sociais. Também existe a sequência cronológica que amarra o que vem antes com o que vem depois, precisa de tudo que for necessário para o amadurecimento de ideias no desenrolar da ação e também para dar uma maior semelhança entre o tempo em que as relações sociais levam a acontecer na literatura e na vida real. O tempo dentro da narrativa deve ser vivido por alguém, então ao falar das personagens devemos lembrar que desempenham papel fundamental dentro do texto, em que são as responsáveis por concretizarem a ação e vão sofrer a ação do tempo, do cenário, em detrimento à suas experiências.
  • 30. 20 As personagens são o espelho capaz de descrever as relações sociais da burguesia, onde são descritas segundo a forma humana, através de uma referencia real. Realizam os desejos burgueses de mostrar conforto, costumes e submeterem- se ao casamento segundo sonham os leitores. De modo geral, a personagem é a invenção da pessoa humana dentro das narrativas de ficção. (...) produtos da imaginação e da linguagem que imitam seres humanos. (...) procuram seguir modelos da realidade (personagens realistas), de nossos sonhos e desejos (personagens românticas), ou de nossas fantasias (personagens fantásticas) e outros tantos caminhos. Aos poucos, na evolução das formas narrativas, a personagem vai-se distanciando desses modelos, da imitação puramente reprodutiva, para libertar-se como ser de linguagem. (MESERANI, 1990, p. 5) As personagens possuem o poder de aos poucos evoluírem com o caminhar da narrativa, saindo da sombra da sociedade para o que realmente são aflorando seus desejos. Ou chocam a sociedade, ou lhes dão o final desejado. Então a tendência em transformar o psicológico da personagem, a torna independente das expectativas, assim ela (a personagem) apreende a atenção do leitor ao acompanhamento de suas experiências para justificar ou condenar sua conduta. Existem mais dois aspectos que merecem ser considerados, o compromisso e o entretenimento. A arte compromissada e engajada está a serviço de uma ou outra ideologia, filosofia, política ou religiosa. Quem lhe deu essa condição foi o contexto histórico em que nasceu. Quanto ao entretenimento o que importa segundo Moisés ao leitor é o que acontece e não o como acontece. O romance tem assim duas facetas o entretenimento em primeiro plano e o culto, que é a cosmovisão ensinante, mas que só aparece para quem ultrapassar esta barreira, que fica em segundo plano. Moisés diz que o primeiro é o ângulo do leitor e também que deve sempre haver um equilíbrio para ser um romance de qualidade. Do ângulo da obra ou do escritor, dá-se o seguinte: o valor do romance varia numa escala em que um extremo é ocupado pelo entretenimento e o outro pela cosmovisão. (MOISÉS, 1968, p. 157)
  • 31. 21 3.2 Características da obra Dentro da literatura inglesa, aparece uma autora que se destaca pelo romance rural. Jane Austen mantém o domínio sobre o mundo que conhecia bem por viver em seu interior, e praticava o romantismo mesmo quando o estilo literário encontrava sua transformação, escreve um romance dos anos 1790, mas foi publicado em 1811. Nesta pesquisa encontramos a resposta para este fato do porque Austen escrever num estilo que já estava em transformação e verificamos que isto se deve ao fato deste romance estar engajado com os debates da crítica da sensibilidade5 . Segundo Ros Ballaster, (2012, prefácio) professora de inglês na universidade de Oxford e autora do prefácio do livro “Razão e Sentimento”: “qualquer assunto, como conduta nos afetos particulares, a caridade, (...) e até mesmo o uso da razão tornaram-se declarações políticas, alinhadas a ideologias conservadoras ou radicais”. Exploraremos dentro do romance “Razão e Sensibilidade” as características da prosa romântica que compõem a reputação de Jane Austen como, segundo Anthony Burgess (1999, p. 209): “a primeira mulher que se tornou romancista importante”. E ainda segundo ele: O interesse primordial de Jane Austen está nas pessoas, não nas ideias, e seu êxito reside na apresentação meticulosamente exata das situações humanas, no delineamento de personagens que são efetivamente criaturas vivas, com defeitos e virtudes, tal como na vida real. (...) Nesse aspecto, e em sua preocupação com o personagem enquanto oposto ao “tipo” (herói, heroína ou vilão estático, caro aos romancistas vitorianos), ela se mostra mais próxima de nossa época do que qualquer outro romancista desse período. Na perspectiva individual o trabalho de Austen, (2012), é focado no papel da mulher na sociedade, mais especificamente o tema da responsabilidade do amor materno, por meio do tratamento que a autora dá aos opostos como categorias políticas, como ela agem “politicamente” com as adversidades sociais e como a sociedade se porta frente a essa resposta pessoal. Na perspectiva social, Austen, 5 Caracterizou-se por uma politização das questões levantadas dentro da escola da sensibilidade.
  • 32. 22 trata o tema do romance rural, que comporta as famílias que possuíam um padrão de conforto razoável. O tratamento particular que Austen dá em seu contraponto de duas irmãs denota que a autora se posiciona numa atitude moral conservadora. Desta maneira, os elementos que fazem parte do romance que estamos analisando, retratam principalmente a dinâmica e os efeitos da sensibilidade na heroína burguesa do século XIX em Londres. Além da influência do conflito socioeconômico entre as famílias burguesas. No romance não há a figura do pai em nenhuma família, a única figura de autoridade é a mãe em todas as famílias. Estas mães preferem o filho que tem mais semelhanças com elas, os segundos filhos. Isto resulta num tratamento desigual e também numa relação de troca, pois este filho deveria seguir os costumes destas famílias para conservar o status social ou ascender na escala social. Assim, a autora as critica pela sua indulgência com esses filhos, tanto pelo excesso de sensibilidade (sra. Dashwood mãe de Marianne e Elinor), como pela falta dela como no caso da (sra. Ferrars mãe Robert Dashwood e Fanny D.), ( lady Middleton mãe das crianças) e ( Fanny D. mãe de Henry Dashwood). E é essa temática sobre a responsabilidade do amor materno que vai adquirir um significado político e colocar o romance no contexto político, como dito acima, da história da literatura e dos padrões culturais do final do século XVIII eXIX. A sensibilidade é compreendida como uma variante da razão. Mas também é vista como uma forma problemática do EU feminino, é um meio de permitir o desejo de sensações individuais à custas da responsabilidade familiar e coletiva. Buscando em "Cambridge Paperback Guide to literature in English" foi descoberta a descrição minuciosa da situação geral de todo o enredo6 , dependendo 6 “Razão e Sensibilidade” foi o primeiro romance publicado de Jane Austen (1811). Teve origem na história ‘Elinor e Marianne’ (1795), que ela começou a reescrever em 1797. Quando Henry Dashwood morre no estado de Norland Park em Sussex ele passa a John, seu filho do primeiro casamento, a recomendação de que ele tome conta da segunda Sra. Dashwood e suas filhas. Mas John e sua esposa, encorajados por sua mãe, Sra. Ferrars, ignoram a obrigação de maneira egoísta. A segunda Sra. Dashwood e suas filhas se recolhem a uma casa de campo em Devonshire. Marianne, a incorporação da ‘sensibilidade’ (ou a sensibilidade em pessoa), se apaixona pelo charmoso e falido John Willoughby, que a abandona por uma herdeira. Elinor, a incorporação da ‘razão’ (ou a razão em pessoa), ama o irmão da Sra. John Dashwood, Edward Ferrars. Seu autocontrole possibilita que ela omita seu desespero quando descobre que ele, há algum tempo, está secretamente noivo de Lucy Steele. As noticias do noivado fazem com que a Sra. Ferrars o deserde em favor do seu irmão Robert. Lucy transfere sua atenção a Robert, liberando Edward de um compromisso do qual ele se arrependera e permitindo que, ao invés
  • 33. 23 exclusivamente dessa situação o rumo da história, sendo assim o início da sequência lógico-causal. Todo o enredo do romance ocorre através da situação financeira em que a família se encontra, para poder dividir o dinheiro, fruto de herança, com a intenção de que as moças não sofressem com a pobreza causada pela morte do pai. O enredo é composto por tramas familiares entre os Dashwood, Ferrars, Smiths, Jennings e Brandon, que questionam a divisão de seus bens (em principal o dinheiro), e como obter bons casamentos. Sendo o casamento a finalidade das relações burguesas, era necessário que fosse executado entre pessoas que pudessem somar fortunas, e Jane Austen (2011, p. 40) mostra isso através da fala de algumas personagens e também do narrador, como por exemplo, umas das descrições da sra. Jennings feita por ele, vejamos: “A sra. Jennings andava ansiosa para ver o coronel Brandon bem-casado, desde que sua amizade por sir John o tornara conhecido dela, além de estar sempre pronta a arranjar bons casamentos para todas as moças bonitas que conhecia”. Não apenas a sra Jennings é capaz de demonstrar essa preocupação, mas também o sr. e a sra. John Dashwood, sir John ou até mesmo Willoughby, segundo este último: – Sim, pois não poderei manter meu compromisso com vocês. A senhora Smith esta manhã exerceu o privilégio dos ricos sobre o primo pobre e dependente, enviando-me a Londres a negócios. Acabei de receber minhas ordens e estou me despedindo de Allenham; buscando me alegrar vim agora me despedir de vocês.” (AUSTEN, 2012, p.155) Willoughby chama então esta relação econômica de privilégio do parente rico sobre o pobre, onde revela que quem rege as relações sociais é o dinheiro. O romance de Austen, além de levar em consideração os costumes sociais, as individualidades e sonhos, leva também a questão do tempo, o que ele traz e o que apaga, isto é, como é capaz de modificar um pensamento, acalmar um coração e às vezes trazer a sanidade. “Era princípio de setembro, a estação estava amena e, ao ver o local sob as condições vantajosas do bom tempo, tiveram uma impressão disso, ele se case com Elinor. O fiel e generoso Coronel Brandon ganha Marianne. (OUSBY, 1996, p. 348, tradução nossa)
  • 34. 24 que lhes foi favorável, o que muito concorreu para sua aprovação definitiva.” (AUSTEN, 2011, p. 33) Esta passagem é referida à chegada da sra. Dashwood e suas filhas ao chalé. O narrador mostra a influência do tempo na reação das personagens quanto à aceitação do novo cenário o campo e o chalé, o qual transformaria suas vidas, especialmente as de Marianne e Elinor. 3.2.1 Características das personagens principais Quando se pensa em razão e sentimento talvez chegue ao leitor uma ideia de que são coisas completamente diferentes, todavia devemos lembrar que ambos têm a mesma base dentro do romance, pois partem do interesse pessoal em satisfazer suas relações sociais, porém cada personagem age de forma oposta a sua antagonista. Razão e sentimento são intimamente ligados podendo se transformar um no outro no interior de cada personagem. O pensamento reflexivo sobre as personagens Marianne e Elinor pode esclarecer a transformação dos sentimentos, através da modificação da conduta das personagens. 3.2.1.1 Marianne Ao tratar de Marianne deve-se ter em mente a breve descrição feita por Ian Ousby em Cambridge Paperback Guide to literature in English: "Marianne, the embodiment of ‘sensibility’", ou seja: Marianne é a personificação da sensibilidade. O ser sensível capaz de abarcar sentimentos indescritíveis, e não possuir nenhum controle sobre eles. Em contrapartida, Ros Ballaster diz que Marianne, embora seja Quixotesca e romântica, é sensível e inteligente, visto que tem um alto senso estético e critica a linguagem da época, as formas de expressão, que são vazias e hipócritas, as aplicações errôneas dos princípios estéticos que ela admira. Isto denota a presença de contrastes em sua personalidade. As qualidades de Marianne era, sob muitos aspectos, iguais às de Elinor. Era inteligente e sensível, mas agia em tudo com intensidade,
  • 35. 25 suas dores, suas alegrias não tinham meio-termo. Era generosa, amável, interessada: tudo, menos prudente. Sua semelhança com a mãe era marcante. (AUSTEN. 2011, p.12) Mas será que ela permanece assim? Até mesmo numa simples sentença o caráter marcante de Marianne fica presente, como em: "Marianne explodiu de indignação" (2011, p. 26). Mesmo sendo dona de um espírito fortíssimo, não foi capaz de espantar pretendentes, os quais se sentiam atraídos pelo seu espírito livre. Brandon a amou desde o primeiro momento em que a viu, e Willoughby foi cativado pelo seu espírito jovem e cheio de energia. Além de possuir a característica de um sentimentalismo arrebatador, nota-se que, durante o romance, ela se entrega às tristezas de uma relação amorosa interrompida com John Willoughby, onde sofre e se entrega ao negativismo: O culto à tristeza aumentava a cada dia. Passava horas inteiras ao piano, alternando canções e soluções, a voz não raro totalmente afogada em lágrimas. Também nos livros, como na música, alimentava o desespero que o contraste entre o passado e o presente havia criado. Só lia aquilo que costumavam ler juntos. (AUSTEN, 2011, p. 85) Na citação acima, além de perceber sua personalidade intensa, também podemos perceber, por meio das atividades de Marianne, outra característica, a reflexão social em cima dos ensinamentos que as moças recebiam. Atividades como música, leitura, desenho, eram essenciais às moças burguesas, estes eram os predicados para um bom casamento. Não só apenas pela prática de atividades burguesas, Marianne se permitia sonhar com um mundo idealizado dos românticos, o pitoresco, um mundo em que ela poderia escolher com quem quisesse ficar e o homem tivesse os predicados que ela tanto desejava. Marianne sofre com a comparação com Elinor, com as qualidades de sua irmã que age pela compaixão e solidariedade, porém nem quando fica sabendo do noivado de Edward e Lucy ela consegue escapar dos hábitos mentais que a levam a se voltar sempre para si mesma, embora se sinta culpada. No entanto essa idolatria do eu não a destrói, pois sua indulgência é mais fruto da imaturidade do que de puro egoísmo. Assim, a indulgência da sensibilidade, por meio da análise dos efeitos que a sensibilidade produz em Marianne no decorrer do romance, não passa de uma desculpa para o amor-próprio o egoísmo. Mas não
  • 36. 26 um egoísmo que a destrói, devido a ser um ser humano que possui boas características, assim podemos ver que apenas não amadureceu. Isto fica nítido, quando Marianne se entrega à negatividade, pela fala do sr John Dashwood: - Lamento muito. Na idade dela qualquer doençazinha dá cabo da beleza para sempre! A dela pouco durou! Era uma lindeza de moça em setembro passado, como nunca vi outra igual, capaz de atrair os homens como poucas. Havia qualquer coisa em seu tipo de beleza que lhes agradava especialmente. (AUSTEN, 2011, p. 218) No trecho acima vemos que ela chocou até o frio irmão Jonh, todavia, a personagem apresentaria constância em seu comportamento, diferente dos romances convencionais. Marianne não está baseada apenas nas atividades burguesas e sonhos, mas também na razão, isto é, ela aprende a refletir sobre seu comportamento, através de um período de um delírio febril. Marianne se vê prestes a morrer, e seu isolamento a deixa com tempo para pensar sobre suas ações, sobre quem realmente se importava com ela, sobre sua imprudência: - Minha doença fez-me pensar deu-me tempo e calma para uma reflexão mais séria. Muito antes de estar em condições de falar, já era perfeitamente capaz de refletir. Analisei o passado; vi no meu comportamento desde o momento em que nos conhecemos no outono passado, apenas uma série de imprudências para comigo mesma e uma falta de generosidade para com os demais. Vi que meus próprios sentimentos prepararam meus sofrimentos e que a minha falta de coragem quase me levou ao tumulo. (AUSTEN. 2011, p. 330) Após o período febril, Marianne mostra a mudança feita por sua reflexão à sua irmã, então muda o principal, que era a sua forma de agir. Elinor vê enfim que sua irmã mostra uma mudança, quando finalmente é discreta, diferente do início deste estudo, aquela mesma Marianne que chorava escandalizada pela partida de seu amado Willoughby agora era uma moça reservada, discreta e que levava em consideração os sentimentos da mãe e da irmã e todos que tinham carinho para com ela. Mesmo com as mudanças a personagem Marianne não perde sua essência, e acaba por realizar o fim tão sonhado por todos. Segundo Ian Ousby, (1996, p. 348 tradução nossa) “The staunch and generous Colonel Brandon wins
  • 37. 27 Marianne.”, “O dedicado e generoso coronel Brandon ganha Marianne”. Ela por fim fica com o homem que se dedicou o tempo todo a vê-la feliz, que esperou por ela, mesmo sem esperanças e Marianne já não podia deixar de retribuir o sentimento, pois havia descoberto o que era ‘certo’ a se fazer de acordo com os costumes sociais: Marianne Dashwood havia nascido para um extraordinário destino. Nascera para descobrir a falsidade de suas próprias opiniões e para contrariar, pela sua conduta, suas máximas favoritas. Nascera para superar uma afeição que aparecera em sua vida já aos 17 anos, e, sem a ajuda do outro sentimento se não a de uma forte estima e uma viva amizade, voluntariamente dar a mão a outro. (AUSTEN, 2011, p. 363) No trecho acima, o narrador retoma a jornada de Marianne que cresce em pensamento, sonha com o amor eterno e que cresce também em idade, o que leva à ideia de maturidade. Marianne não perde a sua essência, onde, no trecho a seguir, a personagem mostra que ainda guarda sua característica principal: demonstrar seus sentimentos com intensidade. Marianne encontrava sua própria felicidade promovendo a dele, coisa de que tinham certeza seus amigos e que deleitava os mais observadores. Marianne não sabia amar pela metade e todo o seu coração veio, com o tempo, a devotar-se ao marido como se havia outrora devotado à Willoughby. (AUSTEN, 2011, p. 363) O caráter rebelde de Marianne é retratado de forma mais viva no filme “Sense and Sensibility” (1995) (título original da obra de Austen, “Razão e Sensibilidade” em português), dirigido por Ang Lee, onde a personagem é interpretada por Kate Winslet. Na estilização, a retratação de Marianne é explícita quanto ao sofrimento e sua rebeldia sentimental. Mostra-se, também, a reprovação social por sua conduta, onde a irmã Elinor está sempre ao seu lado para auxiliá-la (e reprová-la). 3.2.1.2 Elinor Além de ser irmã mais velha de Marianne, Elinor apresenta comportamento contrario ao da irmã, onde age com racionalidade e de acordo com o decoro. Ela representa o padrão burguês que toda e qualquer moça deveria
  • 38. 28 seguir, todavia, ela demonstra seus sentimentos de forma mais reservada do que a irmã. Antes mesmo dos floreios da mãe, Elinor é capaz de compreender a situação em que se encontra seu coração, sabe da dificuldade em que se encontrava por amar o irmão de sua cunhada: Edward Ferrars. Via o mundo da forma como mãe e irmã não viam, e vivia certa de suas possibilidades, de acordo com sua origem familiar. Elinor, a mais velha, cujos conselhos tinham sido tão eficazes era dotada de grande força de compreensão e frieza de julgamento, o que habilitava, a despeito de seus dezenove anos, a ser conselheira da mãe, e lhe permitia com frequência, para o bem de todas, contrapor-se ao espírito veemente da sra Dashwood. (AUSTEN, 2011, p. 10) No trecho acima, a importância do espirito de Elinor é ressaltado ao passo que a jovem, em seus dezenove anos era capaz de aconselhar uma senhora, sua mãe, que tinha mais de quarenta anos. Ela não permitia que os floreios de ninguém lhe tirassem o sossego e a compreensão da situação. A jovem passa quase o romance todo sendo o porto seguro do sentimentalismo atormentado da irmã, onde tenta consolá-la. Por outro lado, no trecho abaixo o narrador expõe Elinor como sendo tão sofredora como Marianne. Todavia, diferentemente da irmã, para ela o sofrimento de quem ama era algo muito pior do que o seu próprio sofrimento. A necessidade de ocultar da mãe e de Marianne o que lhe havia sido confiado em segredo, embora a obrigasse a estar constantemente atenta, não constituía qualquer agravamento para o desgosto de Elinor. Pelo contrário, era para ela um alívio não ser obrigada a revelar-lhes algo que lhes causaria tanta tristeza”. (AUSTEN, 2011, p. 136) Haveria então necessidade de Jane Austen transformar toda a razão que compõe Elinor em sentimento? Durante o andamento do enredo, ambas as irmãs Dashwood buscam o equilíbrio psicológico. Marianne claramente se revela uma personagem esférica, não se mostrando ao fim do romance a mesma pessoa. Já em Elinor, o processo é inverso. Da razão absoluta, da seriedade se desenvolve o sentimento, que cuida de quem ama, que sofre (mas que não demonstra seu sofrimento), que se solidariza com o sofrimento de sua mãe e irmã, mas no fim do
  • 39. 29 livro, finalmente rende-se às alegrias incontroláveis de um amor tão esperado, deixando toda e qualquer discrição por sua parte, dando vazão aos seus sentimentos. Elinor não conseguia suportar mais, quase correu da sala, e assim que a porta se fechou rompeu em lágrimas de alegria que ela a princípio julgou não fossem parar mais. (AUSTEN, 2011, p. 344) É preciso dizer ainda que Elinor se parece com sua irmã, pois há um fato em que isso fica evidente, e que é quando Edward Ferrars, numa conversa com Marianne sobre a estética romântica, diz que acha que muitas pessoas tendem a exagerar sua admiração pelo pitoresco e que ele despreza esse tipo de afetação, coisa que Marianne adora, então ele finge sentir uma grande indiferença, por dispor de menos critérios para admirá-los e observá-los do que de fato possui. Nesse momento Elinor também vira porta voz do mesmo sentimento de Marianne, pois assim como ela, Elinor considera a atenção e sensibilidade artística do seu amante como prova de que tem afinidades. 3.2.2 - O Narrador A presença do narrador imaginário se faz a partir do modo como conta a história, para ele é interessante que conheçam os fatores motivadores de determinadas ações para justificar ou condenar a conduta da personagem. Isso é feito em um discurso em 3ª pessoa que está atrelado a Elinor. Mas a autora opta por uma voz narrativa impessoal, às vezes, para comentar sobre a maternidade. Fazer a narração atrelada a Elinor é uma técnica da autora para não estimular a simpatia com o egoísmo e a indulgência, por isso todas as cenas são narradas em segunda mão. Ross Ballaster (2012, Prefácio) explica que: “Todas as cenas de emoção em Razão e sensibilidade são apresentadas em “segunda mão”: a história das duas Elizas é contada por Brandon depois que sua paixão se tornou lembrança afetiva; o encontro entre Marianne e Willoughby no baile é contada através dos olhos de Elinor. Apenas com o estabelecimento da distância narrativa, através do recurso ora da visão retrospectiva por parte da protagonista para um observador os acontecimentos adquirem uma espécie de perspectiva capaz de fazer com que o leitor se sinta mais estimulado a emitir juízos do que a se identificar com os personagens”.
  • 40. 30 Tomar essa distância faz com que os acontecimentos adquiram uma perspectiva que induz o leitor a emitir juízo e não se identificar com a personagem. No entanto, embora a autora critique a sensibilidade, trata Marianne com simpatia e calor. E esse tratamento só pode ocorrer por meio dos sentimentos de Elinor pela irmã, pois esses sentimentos suavizam um pouco a perspectiva crítica do comportamento de Marianne . A onisciência do narrador é mostrada pelo conhecimento íntimo dos sentimentos das personagens que não foram em momento algum, compartilhados com outras personagens, assim existe apenas a relação com o leitor, para que ele tome conhecimento e julgue por si. O narrador onisciente conhece a todos e durante a leitura, vemos que se concentra em mostrar o interior das personagens, sendo as principais as srtas. Dashwood, como se sentem e como divergem em sonhos e opiniões entre si. O julgamento do narrador, quanto à índole, se faz mediante a observação de intenções das personagens. O narrador encerra o destino de Marianne onde declara o extraordinário, um futuro, uma vitória sobre todas as adversidades, sobre todas as suas tristezas da juventude: “Marianne Dashwood havia nascido para um extraordinário destino.” (AUSTEN, 2011, p. 363) Para ele, seu destino estava marcado mesmo antes de começar a história. Em outras palavras, o casamento e a futura maternidade são a fuga de nossa heroína, pois a ideia da maternidade é o caminho para escapar da tensão entre individualismo e responsabilidade coletiva, é o caminho para não fracassar. A maternidade é apresentada como uma forma de relação passional com o outro que ao mesmo tempo basta a si mesmo, por isso pode ser “perdoada”, pois a heroína se autorrenega. No decorrer da obra, Austen (2011, p. 237), há uma intromissão feita por parte do narrador para esclarecer situações que não dependiam diretamente das irmãs Dashwood: “Vou agora relatar uma fatalidade que, por volta dessa época, atingiu a sra John Dashwood”. A citação anterior é a única referencia pessoal que o narrador faz, dando ar de crucialidade ao conhecimento do fato que atingiu Fanny quando ela finalmente descobre que a srta Lucy tinha um romance secreto com seu irmão Edward, ela (a citação) é a única referencia feita em primeira pessoa.
  • 41. 31 CAPÍTULO 4 – A LINGUAGEM DIALÓGICA NO ROMANCE DE JANE AUSTEN 4.1 – Aspectos teóricos Mikhail Bakhtin foi um filósofo da linguagem de origem russa que nasceu em 1895, em Oriol, em uma família nobre, porém arruinada. Estudou na Universidade de Odessa, e na de São Petesburgo e formou-se em História e Filologia, em 1918. Pertenceu a um pequeno círculo de intelectuais e artistas, o “círculo de Bakhtin” que foi muito produtivo em uma época de muita criatividade, particularmente nos domínios da arte e das ciências humanas. Este filósofo nunca participou dos movimentos formalistas e futuristas russos e passou diversas dificuldades financeiras, devido a ter ficado doente de osteomielite e não poder trabalhar, assim retornou a Petrogado seguido por seus discípulos Volochínov e Medviédiev. Estes tinham o intuito de ajudá-lo a divulgar suas ideias e assim teriam oferecido7 seus nomes para que Bakhtin pudesse publicar suas primeiras obras. Marxismo e Filosofia da Linguagem e O Freudismo que saíram sob o nome de Volochínov. Porém Bakhtin só vai gozar de notoriedade depois de sua tese sobre Rabelais “Cultura Popular na Idade Média e da Renascença” de 1965. Morreu em Moscou, em 1975, após uma longa doença. Este filósofo explica em “Marxismo e Filosofia da linguagem” que o funcionamento real da linguagem é o Dialogismo. Bakhtin (2014, p. 152) afirma: “a unidade real da língua que é realizada na fala, não é a enunciação monológica individual e isolada, mas a interação de pelo menos duas enunciações, isto é, o diálogo”. Em sua teoria existem três conceitos muito importantes que são: Dialogismo constitutivo do enunciado, dialogismo mostrado e dialogismo como princípio de constituição do indivíduo e princípio de ação. O primeiro conceito, segundo Fiorin (2008), diz que um enunciado é dialógico e não se mostra no discurso. No entanto, no segundo conceito Fiorin nos explica que há outro tipo de dialogismo, o dialogismo mostrado, que possui uma forma composicional em que é possível mostrar as diferentes vozes que participam 7 Não se tem certeza sobre a autoria da obra e ainda há muitos debates a respeito deste fato.
  • 42. 32 no contexto narrativo. Desta forma Bakhtin defende que o Dialogismo é o princípio de constituição e de ação do indivíduo. 4.1.1 - O conceito de marcas linguísticas Mikhail Bakhtin defende que todo enunciado é ideológico e para isso se fundamenta na tradição linguística sociológica8 . Bakhtin vai discursar a respeito da importância de filosofar sobre a linguagem e de como isso é importante para o Marxismo. Para isso ele analisa a filosofia idealista e a visão psicologista da cultura e conclui que ambas situam a ideologia na consciência o que, segundo Bakhtin, não é objetivo. O idealismo e o psicologismo esquecem que a própria compreensão não pode manifestar-se senão através de um material semiótico (por exemplo, o discurso interior), que o signo se opõe ao signo, que a própria consciência só pode surgir e se afirmar como realidade mediante a encarnação material em signos (...) compreensão é uma resposta a um signo, por meio de signos. (BAKHTIN, 2014, p. 33) Em sua opinião, introduzir a criação ideológica à força na consciência é um erro fundamental, pois o estudo da ideologia se transforma no estudo da consciência e suas leis e isto cria uma confusão metodológica acerca da inter- relação entre domínios diferentes do conhecimento e uma distorção radical da realidade estudada. Este deslocamento produz efeitos extremos, no idealismo9 , pelo fato da ideologia estar à força dentro da consciência, acaba que a consciência torna- se tudo, ou seja, ela está acima da existência e determina a ideologia, já no positivismo psicologista10 ela torna-se nada, pois esta corrente a reduz a um simples conglomerado de reações psicofisiológicas que resultam por milagre numa criação ideológica. Ou seja, a consciência não tem suporte no exterior, na realidade. 8 (...) Há na trama histórica que enreda o pensamento linguístico, duas tendências principais (...) A outra é o sociologismo, que se aplica em estudar o percurso social, explorando a relação entre linguagem e sociedade. (ORLANDI, 2009, p. 17) 9 Na linguística há a influência de duas correntes de pensamento filosófico o idealismo e o empirismo. No caso da língua, idealismo, fundamentado na tradição racionalista, é a visão de uma língua ideal, universal, isto é, regida por princípios racionais e lógicos, assim estes princípios regeriam todas as línguas. Essa visão levou os racionalistas a também idealizarem os falantes, que falassem uma língua ideal sem ambiguidade, capaz de assegurar a ambiguidade da comunicação. 10 Corrente filosófica de base behaviorista e biológica que defende que a consciência deriva diretamente da natureza.
  • 43. 33 No entanto, para Bakhtin o lugar verdadeiro da ideologia é o material social particular dos signos criado pelo homem, pois a ideologia se situa entre indivíduos organizados. Os signos só aparecem em grupos, já a consciência individual não explica nada, mas ao contrário, ela deve ser explicada a partir do meio ideológico e social. Para Bakhtin isso é fundamental, pois se não se reconhecer isso, não será possível construir nem uma psicologia objetiva11 e nem um estudo objetivo das ideologias. Segundo Bakthin, (2014) a realidade objetiva dos fenômenos ideológicos é a dos signos sociais. E as leis dessa realidade são as leis da comunicação semiótica. Desta forma a realidade ideológica é uma superestrutura situada imediatamente acima da base econômica. O fenômeno ideológico deve ser ligado à comunicação social, já que seu aspecto semiótico na linguagem aparece mais claro e é a PALAVRA. Para Bakhtin (2014), a palavra é o modo mais puro e sensível de relação social, é um signo neutro, pode preencher qualquer espécie de função ideológica, como a estética, científica, moral, religiosa. A palavra é um signo que pode ser interiorizado e está presente em todo ato consciente. Por isto a palavra é a sua base de partida para entender a relação recíproca entre a infra-estrutura12 e a superestrutura13 , uma vez que o signo ideológico refrata o ser. Desta forma a palavra é o indicador mais sensível das transformações sociais, ela é o ELO entre a estrutura sociopolítica e a ideologia e realiza-se sob a forma de interação verbal, ou seja, tudo está na troca, no material verbal. As relações de produção determinam todos os contatos verbais possíveis, pois cada época e cada grupo social tem seu repertório de formas de discurso, ou seja, a cada forma de discurso social, corresponde um grupo de temas. Assim as formas de enunciação devem apoiar-se sobre uma classificação das formas de comunicação verbal que, por sua vez, são determinadas pelas relações de produção e estrutura sociopolítica. Essa organização hierarquizada das 11 Cada signo ideológico é não apenas um reflexo, uma sombra da realidade, mas também um fragmento material dessa realidade. Todo fenômeno que funciona como signo ideológico tem uma encarnação material, seja como som, como massa física, (...). Nesse sentido, a realidade do signo é totalmente objetiva e, portanto, passível de um estudo metodologicamente unitário e objetivo. (BAKHTIN, 2014, p. 33) 12 São os meios de produção e o modo de produção da sociedade capitalista. 13 São as instituições jurídicas, sócio-políticas e econômicas, o Estado, que são consequência dessa relação mútua entre Super e infra-Estrutura e é nelas que se localiza o componente ideológico.
  • 44. 34 relações sociais influenciam as formas de enunciação, por exemplo, o respeito às regras de etiqueta, do bem falar etc. Para o autor (BAKHTIN, 2014), esta é uma tarefa da ciência das ideologias estudar esta evolução social do signo linguístico, pois somente esta abordagem pode dar uma expressão concreta ao problema da mútua influência do signo e do ser. Assim é essencial constituir uma psicologia objetiva.14 No entanto, seus fundamentos não devem ser nem fisiológicos, nem biológicos, mas sociológicos. Esse encontro se dá entre o organismo e o mundo exterior, mas este encontro não é físico, pois “o organismo e o mundo exterior encontram-se no signo” (BAKHTIN, 2014, p. 50). Concluindo, para a Psicologia da análise e da interpretação, a ideologia é explicada em termos da psicologia, ou seja, é idealista15 . Já para a outra corrente, a Psicologia Funcionalista16 , seu objeto não é o conteúdo do psiquismo, mas a função desse conteúdo, ou seja, não importa o que, mas o como do processo, e isso não é psíquico, depende da competência do lógico. Bakhtin então vai dizer que as duas correntes não resolveram o problema da realidade ideológica que, portanto, fica sem solução, e isso faz com que o próprio psiquismo fique sem solução. Sempre houve uma luta incessante, uma mútua absorção, o que provoca uma alternância entre o Psicologismo Espontaneísta17 e o Antipsicologismo18 , a primeira absorve a ciência ideológica e a segunda esvazia o psiquismo de seu conteúdo, se torna simples fisiologismo e nunca houve síntese dialética. Para Bakhtin (2014), as duas devem ser tratadas em conjunto e a chave para isso é o SIGNO, isto é, não há fronteira entre psiquismo e a ideologia, há apenas uma diferença de grau. Primeiro existe um estágio de desenvolvimento interior, um elemento confuso, o pensamento só existe em mim, em seguida, no segundo estágio, o pensamento toma forma apoiando-se no sistema ideológico, no exterior, pois foi engendrado pelos signos ideológicos. 14 O marxismo busca uma abordagem objetiva do psiquismo subjetivo consciente do homem, que, em geral, é analisado pelos métodos de introspecção. (BAKHTIN, 2014, p. 49) 15 A ideologia é expressão e materialização da psicologia, não se leva em conta o caráter social do signo, não se compreende o vínculo entre signo e significação. Explica-se o signo através do psiquismo. 16 Corrente que vê o conteúdo do psiquismo como um processo que não é psíquico, mas que depende da competência do lógico, do teórico, do conhecimento gnosiológico ou do matemático. 17 Pensamento filosófico da linha da psicologia da análise e da interpretação. 18 Pensamento filosófico da linha da psicologia funcionalista.
  • 45. 35 Então, o psiquismo vai se destruir e o signo vai se libertar do contexto psíquico, do interior, no sentido biológico e biográfico. Porém, em sentido inverso agora a ideologia também vai se destruir, e finalmente o signo exterior, ideológico vai se integrar de volta no subjetivo, no interior, pois é assim que permanecerá vivo. Desta forma podemos entender que o conceito de marcas linguísticas na obra de Bakhtin são os signos que aparecem com recorrência nos enunciados de uma dada comunidade. Estes signos possuem um significado particular, que só pode ser apreendido a partir dos saberes partilhados naquele grupo social. 4.1.2 - Dialogismo constitutivo do enunciado Para Bakhtin, (2014) a enunciação é de natureza social. Assim todo enunciado implica um contexto ideológico. O autor faz uma análise geral das linhas do pensamento filosófico e linguístico em que há por um lado o subjetivismo idealista19 que vê o ato de fala como uma criação individual e que se apoia na enunciação monológica e a abordam do ponto de vista da pessoa que fala, como um ato individual, ou seja, como uma expressão da consciência individual de seus desejos, gostos, intenções e impulsos, assim esta categoria é superior e engloba o ato de fala, a enunciação. No entanto, Bakhtin diz que esta teoria da expressão é falsa, pois tudo que se forma exterioriza-se por meio de um código de signos exteriores, tem duas facetas o conteúdo e a objetivação exterior. Ou seja, o conteúdo começa a existir primeiro para passar a outra forma, pois, se o conteúdo existisse desde a origem, então toda teoria cairia por terra. Foi inclusive por isso que o Idealismo engendrou teorias que rejeitam completamente a expressão considerada como uma deformação do pensamento de sua pureza interior. Bakthin diz que conteúdo e objetivação externa são criados a partir do mesmo material, uma vez que não existe atividade mental sem expressão semiótica. Assim o centro organizador da atividade mental está no exterior. É a expressão- enunciação que organiza a atividade mental, pois ela é determinada pelas condições reais da enunciação. Ou seja, são as relações sociais que determinam as 19 Nas divisões metodológicas da linguística geral é a corrente que se interessa pelo ato da fala. Segundo Bakhtin, (2014, p. 74) “(...) interessa-se pelo ato da fala, de criação individual, como fundamento da língua”. E segundo Orlandi, (2009, p. 61), “(...) o subjetivismo individualista da teoria da enunciação. (...) de cunho individualista que pretendem que o sujeito é que é dono absoluto do seu dizer”.
  • 46. 36 realizações do signo social na enunciação concreta e esta situação social mais imediata com o meio social mais amplo determinam a estrutura da enunciação. Por exemplo, a imposição de uma ressonância, como a exigência ou a solicitação, a afirmação de direitos ou a prece pedindo graça, um estilo rebuscado ou simples, a segurança ou a timidez e até se se tratar de uma expressão verbal de uma necessidade fisiológica como a sensação de fome, ela será socialmente dirigida, que pode dispensar a expressão exterior, mas existe o discurso interior e então o indivíduo pode não dizer nada, pode não exteriorizar sua fome, mas dependendo da situação em que se encontrar terá suas entoações, sua expressão ideológica como a raiva, o lamento, indignação, vergonha etc. Para Bakhtin (2014), a atividade mental se realiza sob a forma de enunciação, a orientação social à qual ela se submete adquire maior complexidade devido ao contexto e ao interlocutor. A consciência é uma ficção sem material, mas enquanto expressão material estruturada é um fato objetivo, uma força social imensa. Logo, não está acima do ser, não pode determiná-lo, ela é parte do ser e enquanto discurso interior seu raio é limitado, mas depois que entrou pela etapa de objetivação social e entrou no sistema da ciência, arte, direito, moral etc., torna-se uma forma e é capaz de exercer em retorno uma ação sobre as bases econômicas da vida social. Assim a interação verbal realiza-se por meio da enunciação, é a realidade fundamental da língua, é um meta-diálogo no sentido da comunicação verbal. Quanto ao tema e significação, Bakhtin diz que este é um dos problemas mais difíceis da linguística, pois a teoria se apoia em uma compreensão passiva da significação e não promove meios para abordar seus fundamentos com clareza. Ele começa dizendo que um sentido definido é uma propriedade de cada enunciação como um todo, assim ele faz uma distinção entre ambas, dizendo que o tema da enunciação é irredutível à análise e que a significação da enunciação pode ser analisada em conjunto. O tema tem uma ligação com a história, já a enunciação é igual em todas as instâncias históricas. Mas embora cada uma funcione de uma forma não podem ser separadas, pois não há tema sem significação e vice-versa. Bakhtin diz que tema e significação precisam estar em conexão com a compreensão e a entoação. Mas uma compreensão ativa e não passiva, onde se produza uma acentuação, uma resposta,
  • 47. 37 visto que, somente isso permite apreender o tema, e quanto mais numerosas e substanciais forem suas réplicas, mais profunda e real será a compreensão. Ele diz que compreender a orientação de outrem significa orientar-se em relação a ela, pois “compreender é opor à palavra do locutor uma contrapalavra”. (BAKHTIN, 2014, p. 137) Por outro lado, temos a corrente do objetivismo abstrato20 onde o centro organizador da língua é o sistema linguístico. Esta corrente diz que em cada enunciação há elementos idênticos aos de outras enunciações de ordem fonético, gramatical e lexical. São assim normativos para todas as enunciações e isso garante a unicidade de uma dada língua. O indivíduo tem que tomar e assimilar este sistema tal como é. Bakhtin descreve que o que mais pesa negativamente nesta corrente é que a lógica que governa na sincronia nada pode ter em comum com a da diacronia. São duas lógicas diferentes! Então o autor explica que a lógica da história da língua só pode ser a lógica dos erros individuais ou dos desvios. A passagem dos fatos linguísticos de uma época a outra se dá fora do campo da consciência. Ou seja, não há correspondência entre o sistema sincrônico e o processo de evolução da língua. Daí Bakhtin afirma que é um erro grosseiro o Objetivismo Abstrato dizer que o sistema de normas imutáveis possui uma existência objetiva para a consciência subjetiva. Dizer isso é uma abstração de uma reflexão que não vem do locutor nativo, pois na verdade ele serve-se da língua para suas necessidades enunciativas concretas. O centro para o locutor não está na forma, mas na nova significação que essa forma adquire no contexto. Para o locutor não importa a forma enquanto sinal estável, mas enquanto signo variável e flexível. Segundo o autor, a consciência linguística nada tem a ver com sistema abstrato de formas normativas, mas com linguagem, no sentido de contextos possíveis de uso da forma. Para o locutor, a palavra é enunciação e esta reflete verdades ou mentiras, coisas boas ou más etc. Daí ela implica um contexto ideológico. 20 Para esta segunda corrente da metodologia da linguística a língua é um sistema estável, imutável, de formas linguísticas submetidas a uma norma fornecida tal qual à consciência individual e peremptória para essa. (BAKHTIN, 2014, p. 85)
  • 48. 38 Bakhtin explica que a linguística adotou procedimentos teóricos elaborados para o estudo das línguas mortas-escritas-estrangeiras e que se apoiou em enunciações constitutivas monológicas fechadas. Entretanto, essa abordagem carece de potência para dominar a fala viva e assim o pensamento não foi nutrido por uma concepção etnolinguística da fala viva. Então Bakhtin questiona: No que consiste, então, esse sistema? Quais são as metas da análise linguística? Bakhtin, (2014) faz uma concessão, diz que é obvio que essas inscrições monológicas em que a linguística se apoiou são abstrações, mas elas são, antes de tudo, uma resposta a algo e contavam com as reações ativas da apreciação, elas fazem parte da ciência, literatura e foram produzidas para ser compreendidas, porém o Filólogo as desvinculou da esfera real, apreendeu-as como um todo isolado e por fim não lhe aplicou uma compreensão ideológica ativa, mas passiva, sem resposta e excluiu a réplica. Concluindo, Bakhtin diz que acredita que a verdade não está no meio das duas, mas além delas, assim rejeita a tese e a antítese, e constitui uma síntese dialética, ou seja, o ato de fala ou seu produto a enunciação não pode ser considerado como individual ou ser explicado a partir das condições psicofisiológicas e afirma que a enunciação é de natureza social. 4.1.3 - O romance na ótica bakhtiniana Segundo Fiorin, (2008, p. 115) ”o romance é a expressão do dialogismo no seu mais alto grau”. Ele explica que Bakhtin estuda a natureza do romance e sua evolução a partir de dois parâmetros: a percepção da linguagem e a representação do tempo e espaço. Nossa descrição será realizada apenas na perspectiva do primeiro parâmetro, o da percepção da linguagem. Segundo Bakhtin o romance é de natureza plurilinguística, pluriestilística e plurivocal. Ou seja, é a expressão artística da descentração e relativização da consciência, uma expressão de uma percepção galileana21 da linguagem. 21 Galileana é a consciência mais aberta, mais móvel, não organizada em torno de um centro fixo, como é o sistema de Galileu, em que a Terra se move.