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Uma luz para a história
do Rio Grande
RioPardo200anos
Cultura,ArteeMemória
SantaCruzdoSul
RioGrandedoSul–Brasil
2010
Olgário Paulo Vogt
Maria Rosilane Zoch Romero
(Organizadores)
Incentivadores
Apoiocultural Proponentecultural
Coordenação editorial e organização: Maria Rosilane Zoch Romero
Coordenação histórica e organização: Olgário Vogt
Supervisão geral: Romeu Inácio Neumann
Textos: Olgário Vogt,Maria Rosilane Zoch Romero,José Augusto Borowsky,
Guido Ernani Kuhn,Elemir Polese,Luís Fernando Ferreira,Otto Tesche,
Cristina Severgnini,Dejair Machado
Pesquisadores: Melina Perussatto,Fábia Behling,Rafael Brito Vianna
Design e projeto gráfico: Paulo Cesar Meinhardt
Edição de fotografia,arte-final e supervisão gráfica: Márcio Oliveira Machado
Capa (antiga Escola Militar,hoje Centro Regional de Cultura),mapas e
ilustrações: Fernando Barros
Revisão: Luís Fernando Ferreira
Produção executiva cultural: Edemilson Cunha Severo
Coordenação cultural: Névio Stefainski
Impressão e acabamento: Gráfica e Editora Coan – Tubarão – SC
Proponente cultural: Editora Gazeta Santa Cruz Ltda.
Apoio: Ministério da Cultura – Lei de Incentivo à Cultura – Lei Rouanet –
Pronac 085735
Patrocínio:
Souza Cruz S.A.
CRM - Companhia Riograndense de Mineração
Caixa Estadual S.A.- Agência de Fomento RS
BANRISUL S/A Corretora de Valores Mobiliários e Câmbio
Copyright 2010
Todos os direitos da publicação reservados.A reprodução total ou parcial de
textos ou de fotos deste livro depende de autorização expressa,por escrito,
da direção da Editora Gazeta Santa Cruz.
Santa Cruz do Sul – Rio Grande do Sul – Brasil – 2010
Ficha Técnica
Uma luz para a história do Rio Grande: Rio Pardo
200 anos:cultura,arte e memória / Org.Olgário Paulo
Vogt;Maria Rosilane Zoch Romero.Santa Cruz do Sul:
Editora Gazeta Santa Cruz,2010.
208 p.:il.
ISBN
Bibliografia
1.Rio Pardo (RS) – História. 2. Rio Grande do Sul –
História.I.Vogt,Olgário Paulo;Romero,Maria Rosilane
Zoch.
Catalogação :Bibliotecária Edi Focking CRB-10/1197
L979
CDD :981.65
3RioPardo200anos Cultura,ArteeMemória
Sumário
4 	 Introdução
6 	 Osprimeiroshabitantes
20 	 Disputaspeloterritório
32 	 Avidaurbana
52 	 Aorganizaçãopolítica
66 	 RioPardo,mãedemuitos
80 	 GuerrascivisabalamoRioGrande
104 	 ARioPardodosmilitares
116 	 Aescravidãoesuasmarcas
136 	 Aatividadecriatória
148 	 Osrioseasferrovias
158 	 Projetoscolonizatórios
172	 Culturasaolongodotempo
180	 Areligiosidade
202	 Referências
Introdução
presente livro é o resultado de um
projeto proposto pela Editora Gazeta
Santa Cruz Ltda., em parceria com o
Departamento de História e Geografia
da Universidade de Santa Cruz do Sul,
desenvolvido a partir de outubro de
2008,e que teve como objetivos comemorar a passagem
do bicentenário de elevação de Rio Pardo à condição de
municípioeresponderàsquestõesfundamentaissobrea
formação socioeconômica e cultural do Estado.
UmdosquatromunicípiosiniciaisdoRioGrandedoSul,
RioPardofoicriado,comRioGrande,PortoAlegreeSanto
Antônio da Patrulha, pela Provisão de 7 de outubro de
1809.Ainstalação,noentanto,ocorreriasomentedoisanos
emeiodepois,em20demaiode1811.Jáasuaelevaçãoà
condiçãodecidadesedariaapósotérminodaRevolução
Farroupilha,ou seja,em 31 de março de 1846.
Ao contar a história desses 200 anos, o livro aborda
aspectos e acontecimentos de Rio Pardo e do Rio Grande
do Sul.O trabalho se iniciou enfocando os primeiros ha-
bitantes do território,que foram índios de diferentes tra-
dições.Passou pela função militar estratégica que coube
à localidade e tratou da conquista militar e a apropriação
das terras na Fronteira de Rio Pardo; pela evolução polí-
tica e administrativa e pelas lutas políticas ocorridas no
município e no Rio Grande do Sul;pelo desenvolvimento
econômico de Rio Pardo e região; por um olhar sobre a
fragmentação do território primitivo de Rio Pardo em
centenas de municipalidades;por aspectos urbanos e do
cotidiano da vila e da cidade no passado;pela escravidão
e pela resistência ao trabalho compulsório dos traba-
lhadores feitorizados; pelos projetos colonizatórios com
imigranteseuropeusocorridosnaregião;pelosmúltiplos
aspectos religiosos que caracterizam a população rio-
pardense; pela representação de Rio Pardo na literatura,
por espaços culturais existentes e por rio-pardenses que
se destacaram no mundo das ciências, letras e artes; por
alguns lugares que marcaram a vida da sua gente; por
algumas personagens nascidas,ou que viveram parte de
suas vidas no município, e que deixaram marcadas suas
trajetórias. Finalmente, trata de alguns saberes e fazeres
da população de ontem e de hoje da bicentenária Rio
Pardo.
Emtermosderecursoshumanosefinanceiros,essefoi
o projeto especial mais arrojado e de maior envergadura
já desenvolvido pela Editora Gazeta, pois contou com o
envolvimentodemaisde40profissionaisnasuaprodução,
comarealizaçãodemaisde200entrevistase2.100regis-
tros fotográficos,com cerca de 40 municípios visitados e
14.000 km percorridos.
O livro tem como meta se constituir em material
didático-pedagógico.Espera-se que ele possa contribuir,
com a indispensável mediação do professor, para que
alunos consigam construir e reelaborar conhecimentos
em sala de aula a partir da sua utilização. Nesse sentido,
acreditamos que tenhamos contribuído para minorar a
carência de material didático sobre o município,a região
e o Estado.
Esta obra tem também o escopo de colaborar com
o conhecimento acerca da história local e regional. Na
historiografia brasileira, a história local se caracteriza
por ocupar um espaço marginal e por ser escrita,quase
sempre, por pesquisadores diletantes. Os textos aqui
veiculados, além da autoria dos coordenadores deste
trabalho, são também produção de um grupo de jor-
nalistas abnegados que integram o corpo funcional do
jornal Gazeta do Sul, pertencente à Gazeta Grupo de
Comunicações. Embora o foco seja Rio Pardo e o seu
entorno, fatos significativos da história rio-grandense
são aqui analisados, uma vez que a história local está
imbricada com a regional em diferentes escalas. Daí a
razão do título“Uma luz para a história do Rio Grande –
Rio Pardo 200 anos – cultura,arte e memória”.
O
4
5RioPardo200anos Cultura,ArteeMemória
Para desenvolver este trabalho, recorremos a uma
vastabibliografia.Fontesprimáriasforamconsultadasem
arquivos históricos,museus e centros de documentação.
Inestimáveisnosforam,também,ascontribuiçõesrepassa-
dasporpesquisadoresuniversitárioseporpesquisadores
diletantes.Atodosquecolaboraramcomnossaequipede
trabalho cedendo fotografias, documentos, depoimen-
tos ou indicando pistas, a nossa gratidão. Deixamos de
nomeá-los individualmente porque a lista seria grande
e,fatalmente,cometeríamos a injustiça de omitir o nome
de um ou de outro. Que se sintam homenageados nas
pessoas de José Ernesto Wunderlich (seu Nanati) e de
Ciro Saraiva, que sempre se mostraram solícitos e foram
incansáveis em colaborar com nossa equipe.
Agradecemos também ao Ministério da Cultura do
Brasil (MinC) que,por meio da Lei de Incentivo à Cultura –
Rouanet,acolheuaproposiçãoculturaldaEditoraGazeta.
Permitiu, dessa forma, a produção de conhecimento a
partir da história e da memória coletiva, ultrapassando
as fronteiras acadêmicas e abrindo novas possibilidades
decompreensãodarealidade. Destacamos,ainda,aindis-
pensávelcontribuiçãodenossosincentivadoresculturais,
que tornaram possível a concretização desta obra.
Comotodoequalquertrabalhohistórico,estetambém
se constitui de versões sobre o passado.Não temos a pre-
tensão de esgotar os temas,muito menos a de escrever a
história de Rio Pardo.Sem deixar de lado atores contados
pelahistoriografiatradicional,temosaintençãodetrazerà
tonaosignoradosoucompletamentedesconhecidos.Ao
lado das batalhas heroicas e das enaltecidas conquistas
militares ocorridas na fronteira de Rio Pardo, queremos
colocar os índios, esses expropriados esquecidos. Na
pujante Rio Pardo comercial do século XIX, aspiramos
enfatizar o trabalho realizado pelos cativos africanos e
a sua luta contra a escravidão. Evidentemente, a escolha
dos temas que integram o livro e a interpretação dada a
determinadosfatosexpressamumateoriaeumconjunto
de conceitos dos coordenadores do projeto.Mais do que
esgotar qualquer tema,almejamos levantar uma série de
questões que possam ser alvo de pesquisas em futuro
bastante próximo.
Esperamos que,com esse trabalho,leitores não espe-
cializadosnaciênciahistórica,pesquisadores,professores
e alunos, sintam-se desafiados a buscar novas leituras e
conhecimentos sobre o Rio Grande do Sul e a fazer cone-
xõesereflexõesentreessepassadoearealidadepresente
do município e do Estado.
Os organizadores
5
6 Umaluzparaahistóriado RioGrandeRioGrande
Onde tudo
começou
Osprimeiroshabitantes
A
origem do planeta Terra remonta a
aproximadamente 4,5 bilhões de anos. Há
cerca de 3 bilhões de anos apareceu a vida,
com o surgimento das bactérias primitivas.
A formação do planeta se deu ao longo de
milhões de anos.Nesse tempo,significativas mudanças
ambientais e climáticas ocorreram.Foi apenas há cerca de
6 mil anos que o clima na Terra se estabilizou,tornando-
se bastante parecido com o atual.Havia muito a era dos
enormes répteis terrestres – os cinodontes,dicinodontes,
tecodontes e rincossauros – havia ficado para trás.
Erika Collishonn,professora de Geografia da
Universidade Federal de Pelotas,explica que,em termos de
transformações do relevo do Rio Grande do Sul,acredita-se
que as últimas ativações tectônicas significativas tenham
ocorrido há cerca de 70 milhões de anos.A única superfície
que se formou posteriormente,em virtude das regressões
e transgressões marinhas, foi a Planície Litorânea e suas
lagunas. Essas transgressões e regressões estão relacionadas
às grandes glaciações que ocorreram no Pleistoceno
(época compreendida entre 1 milhão e 800 mil e 11 mil e
500 anos atrás).  Assim,é somente a partir de 6.000 anos
antes do presente que as características geográficas gerais
do território sul-rio-grandense se apresentam com uma
fisionomia semelhante à atual.Mesmo assim,a professora
chama a atenção que oscilações climáticas entre períodos
mais quentes e úmidos (6.000 a 4.000 antes do presente –
A.P.) e outros mais secos (4.000 a 2.000 A.P.) continuaram a
ocorrer. O clima se estabilizou e ficou mais semelhante ao
atual há cerca de 2.000 anos.
A origem da Terra, há 4,5 bilhões de anos, e do gênero
Homo; a chegada do homem ao continente
americano; os grupamentos indígenas que ocuparam
o Rio Grande do Sul há pelo menos 12 mil anos.
O aparecimento
do homem na Terra
A História trata de toda a jornada do homem ao
longo de sua existência. O historiador Jorge Eiroa,
da Universidade de Múrcia, Espanha, explica que o
homem, como gênero Homo, surgiu somente entre
2 e 1,5 milhões de anos.Trata-se do Homo erectus,
que se desenvolveu até cerca de 100.000 anos antes
do presente e se expandiu por todo o Velho Mundo,
adotando diversas variantes formais
que só afetaram partes secundárias de
sua estrutura óssea. Atualmente, há a
tendência de denominar Homo ergaster
aos erectus da África, reservando o
termo“erectus”para os asiáticos do
tipo Java.
A história dos antecedentes do
gênero Homo,os australopitecos
(hominídeos),remonta a
6 ou 7 milhões de anos.O
exemplar mais antigo desse
gênero é o Sahelanthropus
chadensis (“Toumai”,o Velho
Homem de Chade).Seus restos
foram descobertos em
1998 por Michel Brunet,da
Universidade de Poitiers,e
por David Pelbean,no deserto
setentrional do Chade.Brunet
acredita ser esse o possível
ancestral dos hominídeos
posteriores.Em 2005/07,
foram descobertos novos
restos de“Toumai”.
7RioPardo200anos Cultura,ArteeMemória
D
evido à intensa e bem
distribuída pluviosi-
dade ao longo do
ano, o Rio Grande do
Sul tem farta rede
hidrográfica. Além da enormidade
de rios e riachos, possui igual-
mente um grande número de
lagos e lagunas costeiras.
A vegetação natural depende,
basicamente,das características do
solo e do clima.Antigamente,pelo
menos metade do território era
coberta por campos.Os campos se
dividiam em campinas e campos
do planalto.As campinas são os
campos limpos,que cobriam prati-
camente toda a metade sul e oeste
do território.Integram um conjun-
to maior de campos que também
abrange o território do Uruguai
e parte da Argentina,chamado
de Pampa.Essas campinas foram
essenciais para o desenvolvimento
do gado chimarrão.Os campos
do planalto, também chamados
de campos sujos por apresen-
tarem arbustos misturados às
gramíneas, aparecem no nordeste
do Estado. Sua pastagem é infe-
rior à das campinas.
Originariamente, encontrava-
se no Estado dois tipos de flores-
tas: a mata subtropical e a mata
dos pinhais. A subtropical ocu-
pava a encosta do planalto, o alto
vale do Rio Uruguai e a encosta
nordeste, onde aparecia como
uma continuação da Mata Atlân-
tica. Possuía muitas árvores de
madeira de lei com grande valor
econômico. Já a mata dos pinhais
se situava no planalto, no norte
e nordeste. Juntamente com os
pinhais aparecia a erva-mate. Es-
sas duas árvores foram essenciais
para a vida dos primeiros habi-
tantes do Rio Grande do Sul.
RS já foi habitado
por dinossauros
Campos e matas Atlântica e subtropical cobriam o território gaúcho
••Oquejáfoiencontrado
OValedoRioPardoéumadasregiõesque
preservamaisfósseisdedinossaurosno
RioGrandedoSul.Candeláriatemomaior
númerodeafloramentos.Umdeleséo
Guaibasauruscandelariensis,conformea
paleontólogadaUniversidadeFederaldoRio
GrandedoSul(Ufrgs),MarinaBentoSoares.
OsfósseismaisantigosdoValedoRioPardo,
segundoela,sãodoperíodotriássico–245
a205milhõesdeanosatrás.“Aidadedos
fósseisdaregiãopodeserestipuladaem
225a220milhõesdeanos.”EmSantaCruz
doSuleVenâncioAiresforamdescobertas
ossadasdeanimaisqueviveramnotriássico
médio–245a228milhõesdeanos.“Também
éimportanteressaltarapresençadoúnico
fitossaurodaAméricadoSul,encontradoem
Candelária. Alémdesses,ocorremnaregião
dicinodontes,rincossaurosetecodontes”,
dizMarina.Dentreosherbívoros,osanimais
maiscomunseramosdicinodontes(di=
dois;cynos=cão;odontos=dentes),que
alcançavamquatrometrosdecomprimento
por1,70metrodealtura.Tambémforam
encontradosrincossauros–quepodiam
medirmaisdetrêsmetrose90centímetros
dealtura–ecinodontestraversodontídeos,
quemediamummetrodecomprimentopor
50centímetrosdealtura.Entreoscarnívoros
osmaioresforamostecodontianos,com
seismetrosdecomprimentoe1,70metro
dealtura.Segundo ospaleontólogos,é
nessaregião–chamadadeDepressão
Central – que ficaram as rochas do período
triássico,quando todos os continentes
estavam reunidos em uma massa de terras
denominada Pangea.
Guaibasaurus candelariensis
8 Umaluzparaahistóriado RioGrandeRioGrande
Hipótese ainda predominante aponta que os primeiros homens entraram pelo Estreito de Bering,no Hemisfério Norte
O homem chega na América
Mais de dois mil anos já se passaram.Estamos na chamada Era Cristã.
Mas foi muito antes disso,entre 12 e 11 mil anos atrás,que os primeiros
seres humanos começaram a habitar os campos e encostas do atual
Estado do Rio Grande do Sul.Os grupos pioneiros,constituídos de
caçadores-coletores,possivelmente vieram migrados da Patagônia,
território situado no Sul da Argentina.
Esses antigos povos desconheciam a agricultura.Como sobreviviam?
Da caça,da coleta e da pesca.No entanto,suas atividades para obtenção de
alimento eram dependentes da oferta existente no ambiente. O professor
Sérgio Klamt,da Universidade de Santa Cruz do Sul (Unisc),defende a ideia de
que a horticultura (agricultura em pequena escala) foi praticada em tempos
bem mais recentes,ou seja,começou a ser cultivada somente com o ingresso
dos guaranis e dos gês no Estado.Por isso,e para entender melhor,vamos
analisar como se deu a ocupação doVale do Rio Pardo.
Quem pisou primeiro no RS
A
inda que atualmente
vários
investigadores
proponham
outras vias
de entrada do homem
na América,até agora a
mais segura e defendida é
a passagem pelo Estreito de
Bering,entre a Sibéria e o Alasca.
O professor Jorge Eiroa explica que
a passagem de seres humanos já
plenamente formados deve ter ocorrido
em diversas ocasiões,em pequenos
grupos e em levas sucessivas.A passagem
da Sibéria para o Alasca deve ter se dado
em fases de avanços glaciares,quando
o nível da água dos oceanos baixou por
causa da grande quantidade de água
retida na forma de gelo nas calotas polares
do planeta.As primeiras passagens devem
ter ocorrido entre 40 e 45 mil anos atrás.
Passados alguns milênios,seres humanos
poderiam ser encontrados em diferentes
pontos das três Américas.
Escavações feitas na América do Sul têm
proporcionado datações bastante antigas
para a presença de grupos humanos.
É o caso da Cueva Fell,na Patagônia
argentina (12.000 a.C.),com pontas de
“cola de pescado”,ou as de outros jazigos
na Argentina,Colômbia e Peru (anteriores
a 14.000 a.C.).MonteVerde,no sul do Chile,
foi um povoado de caçadores-coletores
cujos indícios datam de 12.000 a.C.Perto
dali foi encontrado outro jazigo que pode
ter uma cronologia anterior,de até 30.000
a.C.;no noroeste do Brasil,os achados
de Pedra Furada datam de 30.000 a.C.e
os mais recentes,deToca da Esperança,
devem ser ainda anteriores.
Essas cronologias sul-americanas
sugerem que,se aceitarmos a direção
Norte-Sul para a penetração humana
no continente americano,ela deve ter
se realizado há pelo menos 40.000 anos.
Entretanto,o tema não está esgotado
e os estudiosos não descartam outras
possibilidades,surgidas a partir de novas
pesquisas e de dados arqueológicos
seguros.
Possíveis correntes migratórias do homem para a América
9RioPardo200anos Cultura,ArteeMemória
••Artefatos
N
os séculos XVI e XVII,quando
se deram os primeiros con-
tatos do homem de origem
europeia com a terra e a
gente aqui já estabelecida,
todo o Rio Grande do Sul era habitado
por indígenas.O padre jesuíta e arqueó-
logo Pedro Ignácio Schmitz,da Unisinos,
estima que poderiam ter vivido,ao todo,
cerca de 80 mil índios no atual território
do Estado.Esses indígenas,além de
possuírem língua e cultura diferentes,
também ocupavam espaços distintos.
Os povos guaranis ou os guaranizados
– aqueles que tinham adotado a cultura
guarani – eram amplamente predo-
minantes.Correspondiam,segundo
cálculos do padre Schmitz,a cerca de
90% do total de indígenas existentes.
Mas também havia outros grupos.Os
gês,por exemplo, representariam cerca
de 6% e os pampeanos,grupo minoritá-
rio,os restantes 4%.Isso significa que os
nativos da cultura guarani constituíam
a grande maioria.
O Vale do Rio Pardo favoreceu a
ocupação humana desde um passado
remoto.Com áreas de campo ao Sul
e as encostas do Planalto ao Norte,a
região está situada num espaço de
transição.Com base nas datações
conseguidas por pesquisas feitas pelo
Centro de Ensino e Pesquisas Arque-
ológicas (Cepa) da Unisc,é possível
afirmar que grupos caçadores-coleto-
res (denominados por especialistas de
tradição umbu) povoaram a área desde
pelo menos 1.000 anos antes de Cristo.
O arqueólogo Sérgio Klamt,no entanto,
acredita que a ocupação seja bem mais
antiga:“Esperamos que com o avanço
das pesquisas e com o desenvolvimen-
to das tecnologias possamos,no futuro,
comprovar que essa ocupação é bem
anterior à datação obtida através do
exame com Carbono 14”.
Os primeiros grupos eram nômades
e se instalaram em locais mais elevados,
nas proximidades de arroios e riachos,
especialmente nas coxilhas e costas
planas de morros.Deixaram registrada
sua arte com inscrições e desenhos em
blocos rochosos,chamados de petrógli-
fos. Klamt:ocupaçãodeveseranteriora1.000a.C.
Culturas indígenas
Estimativa é de que,apenas no Rio Grande do Sul,havia perto de 80 mil índios
Étestemunhadaproduçãoculturaldosindígenasuma
sériedeinstrumentosdepedracomopercussores,
raspadores, talhadores,bolasdeboleadeirae
pontas-de-flecha. Klamtexplicaqueoarsenal
deartefatos “fabricados”pelosgrupospioneiros
provavelmenteerabemmaisricoerepresentativo,pois
ferramentassimplesconfeccionadasapartirdelascasde
madeira,ossos,dentesechifresde
animaisraramentesobrevivemàaçãodotempo.
Emboranãosejamencontradoscomfrequêncianas
escavaçõesdesítios,devemtersidobastanteutilizados.
Bolas de boleadeira
Pontas-de-flechas
inor/ag.assmann
Fonte:AcervodoCepa/Unisc
10 Umaluzparaahistóriado RioGrandeRioGrande
N
a época do descobrimento do Brasil
o Vale do Rio Pardo era povoado,ma-
joritariamente,por tribos da tradição
tupi-guarani. Elas tinham as suas al-
deias de preferência nos vales dos rios,
sobretudo nas margens do Jacuí e do Rio Pardo.
No Rio Grande do Sul,os guaranis receberam
diversas denominações.No litoral foram chamados
de carijós; nas proximidades da Laguna dos Patos
receberam o nome de arachanes; e nos vales dos
rios Jacuí e Taquari foram alcunhados de tapes.
Os guaranis são de origem amazônica,portanto
provenientes de áreas florestais.Penetraram em
território gaúcho por volta do ano 100 da nossa
era.Klamt explica que,com o poder de suas armas
– lanças,tacapes,arcos e flechas – somado ao seu
espírito guerreiro,conquistaram terras ocupadas
por povos indígenas de outras tradições.
Eram ceramistas-horticultores.Isto é,além da
caça,da pesca e da coleta,produziam alimentos
cultivados em pequenos roçados de terras férteis.
Dentre outros cultivares obtinham o tabaco,o
milho,a mandioca,a abóbora,o algodão,o
amendoim e o porongo.
Os homens caçavam, pescavam,
guerreavam e faziam a derrubada do
mato para abrir clareiras onde eram implanta-
das as hortas. As mulheres teciam,
confeccionavam cerâmica e se
responsabilizavam pela atividade agrícola.
Normalmente, as aldeias guaranis ficavam
localizadas nas proximidades de um curso
d’água e no meio de uma mata ciliar. Após
alguns pares de anos, quando os víveres
necessários à sobrevivência do grupo escas-
seavam, os indígenas se deslocavam para
outra área.
Os guaranis foram também considerados exímios
canoeiros.Faziam suas embarcações escavando
robustos troncos de árvores.Utilizando ca-
nudos de taquara,bebiam uma infusão de
erva-mate com água que era servida em
pequenos porongos.Desse hábito deve
ter se originado o chimarrão.
Em um período bem mais recente
– 600 ou 500 anos atrás –,insta-
laram-se pelo Vale do Rio Pardo.Da
sua cultura material foram encon-
trados machados de pedra polida,
cachimbos e uma grande varie-
dade de vasilhas de cerâmica.
Povo penetra no território gaúcho por volta do ano 100
A chegada
dos guaranis
Urnas
funerárias:
testemunho
da produção
cultural dos
guaranis
fotos:inor/ag.assmann
Cachimbos de barro
Índios guaranis
Fonte:Cepa/Unisc
11RioPardo200anos Cultura,ArteeMemória
••Culturaincipiente
Os gês eram caçadores,coletores,
pescadores e praticavam uma horticultura
bem mais incipiente do que a dos guaranis.
Sua cerâmica,quando comparada com a
guarani,era menos resistente e feita de
vasilhas de formato menor.
Os gês são hoje
os caingangues
Para os colonizadores,esses indígenas eram os“bugres”
Charruas, minuanos
ou pampeanos
N
o Planalto e no Nordeste do Estado
se localizavam os gês,denominados
de coroados ou botocudos.Os
caingangues são seus atuais
descendentes.Os colonizadores
das áreas florestais do Rio Grande do Sul os
identificaram,posteriormente,como bugres.
Os gês chegaram ao Estado mais ou menos
na mesma época dos guaranis.Migraram,
possivelmente,da região Central do Brasil.Eles
deixaram sua arquitetura característica – as casas
subterrâneas.Eram casas de formato circular ou
elíptico escavadas no solo,que possuíam uma
cobertura formada de ramos de árvores,palha e
barro,sustentada por um esteio central e outros
radiais.Exemplares foram encontrados nos
municípios de Passa Sete,Sinimbu e Herveiras.
Os grupos gês se mostraram bem mais refratários do que
os pampeanos e os guaranis ao contato com os brancos.No
século XIX e início do século XX,foram perseguidos pelos
governantes e pelas empresas colonizadoras,interessados
na usurpação e ocupação de suas terras com imigrantes
e descendentes de imigrantes europeus,notadamente
alemães e italianos.Parcela dos caingangues – aquela que
não foi exterminada ou incorporada ao estilo de vida dos
conquistadores – foi confinada às reservas indígenas ainda
hoje existentes no Estado,sobretudo no Alto Uruguai.
Perseguidos pelos governantes
Os ancestrais dos pampeanos estão no Estado desde há pelo
menos12 mil anos.Localizavam-se predominantemente nas
áreas de campo do Uruguai,da Argentina e do Sul e do Sudoeste
do atual Rio Grande do Sul,mas ocupando em menor escala
outras áreas do Estado.Eram caçadores,pescadores e coletores.
Teriam se instalado na região doVale do Rio Pardo há pelo
menos 1.000 anos a.C.No século XVIII,quando se intensificaram
os contatos entre brancos e índios,seu número possivelmente
não ultrapassava a casa de dois mil indivíduos.
Com a chegada dos portugueses e espanhóis,tornaram-
se exímios cavaleiros.Fizeram alianças com os colonizadores
ibéricos e participaram nas guerras de fronteira aliando-se parte
aos portugueses,parte aos espanhóis.Os índios do campo
desapareceram do cenário,enquanto povo,durante o início do
século XIX.Os que não morreram em combates se empregaram
como peões nas estâncias de criação de gado e acabaram se
miscigenando com o homem da fronteira,contribuindo na
formação do chamado“pelo duro”.
Diferentementedoqueseacredita,umaculturaindígena
nãodesapareceu,necessariamente,comosurgimento
ouocupaçãodamesmaregiãoporumoutrogrupo.
SérgioKlamtexplicaque“diferentesgruposviviamem
diferenteslocaisaomesmotempo”.Assim,éimportante
frisarque,noatualespaçogeográficodoValedoRio
Pardo,gruposdecaçadores-coletoresconviveramcom
osceramistas-horticultores,cadaumemumterritório
específico.Oprofessordefendeque,certamente,houve
contatosentreosgrupos.Essescontatossedavampor
meiodocomércio,atravésdeenfrentamentosemguerras,
daincorporaçãodeindivíduosoudeoutrasformasde
troca.“Todososindicadoresquetemosparaaregião
demonstramquehouvesituaçõesdeconvivência.Como
elaocorreu,sefoiconflituosaounão,sehouveelementos
incorporadosporoutrogrupo,tudoissonãosabemos
comcerteza.”
Os contatos de
diferentes grupos
Casa
subterrânea
12 Umaluzparaahistóriado RioGrandeRioGrande
E
m 1494,Portugal e Espanha
firmaram a“Capitulação da
Partição do Mar Oceano”,
mais conhecida por
Tratado deTordesilhas.
De acordo com oTratado,um
meridiano,traçado de polo a polo a
370 léguas a oeste das ilhas do Cabo
Verde,dividiria as terras e mares
situados no Oceano Atlântico
entre as duas coroas ibéricas.
Embora essa linha divisória nunca
tivesse sido demarcada,a posição
mais aceitável é que ela passaria,
nos seus dois pontos extremos
do atual território brasileiro,
nas proximidades de Belém
(Pará) e Laguna (Santa Catarina).
Assim,toda as atuais terras sul-
rio-grandenses pertenciam,
inicialmente,à Espanha.
No princípio,as terras do Rio
Grande do Sul não atraíram o
interesse dos portugueses e dos
espanhóis.Aqui,aparentemente,não
havia metais preciosos.O meio foi
igualmente considerado impróprio
para a produção comercial da
cana-de-açúcar ou de outro produto
tropical que pudesse render grandes
lucros.Também não havia uma
população organizada com quem os
europeus pudessem entabular um
comércio altamente lucrativo.Além
disso,o litoral carecia de um porto
natural para as embarcações.
No início do século XVII,a parte da América
que em tese pertencia à Espanha era enorme.
Os espanhóis,definitivamente,não tinham
condições materiais nem contingentes
humanos suficientes para ocupar e guarnecer
todo esse território.Com a finalidade de
assegurar a posse de vastas regiões,os
espanhóis se valeram de nativos.
Para tanto, encarregaram padres da
Companhia de Jesus de reunir índios
guaranis em reduções, missões ou pueblos.
As Missões Jesuíticas, portanto, além de seu
caráter evangelizador, cumpriam também
uma clara finalidade política. Eles, os jesuítas,
vieram de diferentes nacionalidades para
trabalhar no Rio Grande do Sul. Mas foi sob
a bandeira da Espanha que os padres se
estabeleceram na então chamada Província
do Tape, nome escolhido em função dos
nativos que ali viviam.
Foram duas as fases missioneiras no Rio
Grande do Sul.A primeira entre 1626 e 1641,
quando foram fundadas 18 reduções, conforme
se pode verificar no mapa. A segunda se
estendeu de 1682 a 1768,quando foram
formados os Sete Povos das Missões.
Espanha domina
o Continente
Tratado de Tordesilhas,de 1494,dividia terras e mares entre dois reinos
••As18reduçõesMissões Jesuíticas
REDUÇÃO	 ANO	
São Nicolau	 1626	
Candelária do Ibicuhi 	 1627
Caaro	 1628
Assunção	 1628
Candelária do Piratini	 1628
Mártires	 1629
São Carlos	 1631
Jesus Maria	 1632
Santa Tereza	 1632
São Tomé 	 1632
São Miguel	 1632
Natividade de Nossa Senhora 	 1633
Santa Ana	 1633
São Joaquim	 1633
Apóstolos	 1633
São José	 1634
São Cristóvão	 1634
São Cosme e Damião	 1634
Fonte:Porto (1954); Jaeger (1939)
Lopo Homem Reinés/1519/Portugália Monumenta Cartográfica
13RioPardo200anos Cultura,ArteeMemória
••Heroísmo
D
epois de terem suas
Missões devastadas
pelos bandeirantes em
Guairá,a oeste do atual
Estado do Paraná,e
Itatins,onde hoje é o Mato Grosso do
Sul,padres jesuítas se empenharam
em estabelecer uma série de
reduções no Rio Grande do Sul.O
processo começou em 1626,com a
fundação de São Nicolau pelo padre
Roque Gonzáles de Santa Cruz,e
prosseguiu com a criação de outras
17.NoVale do Rio Pardo,foram
estabelecidas as mais avançadas
reduções a leste que os jesuítas
constituíram em solo rio-grandense:
Jesus Maria,São Joaquim e São
Cristóvão.Possivelmente,a intenção
dos evangelizadores foi de ocupar o
território,até atingir o litoral.
Reduções na região
Jesuítas estabeleceram três Missões indígenas onde hoje fica o Vale do Rio Pardo
Foi a última das reduções a
ser criada,em19 de fevereiro
de 1634.Foi fundada pelo
padre Agostinho Contreras
após a confluência dos rios
Pardinho e Pardo,na margem
direita desse último rio.
Apesar de ter durado apenas
dois anos,ali os padres e
os guaranis cristianizados
iniciaram o plantio de roças e
a criação de gado.A redução
também contava com uma
linda igreja toda caiada –
pintada com água de cal – e
a casa dos párocos.Foi a que
mais prosperou e chegou a
ter 2.300 índios aldeados.
A redução se localizava na margem direita do Rio Pardo,
hoje município de Candelária.Foi fundada em 1632 e
teve como cura o padre Pedro Mola.Os índios da redução
exploravam a erva-mate,cultivavam milho e trigo e
iniciaram a criação de vacas,ovelhas e porcos.Foi a mais
importante redução da região.Porto registrou que ela
tinha“por matrícula,com chácaras,mais de 1.600 índios”
e uma capela com cobertura de palha e paredes de taipa.
Quatro anos depois foi destruída pelos bandeirantes.
Foi erigida em 1633 pelo padre Juan Suarez. Ficava na
Serra do Botucaraí,nas pontas do Rio Pardo,cercada de
ervais nativos.Comunicava-se com Jesus Maria por um
pique.O aldeamento chegou a congregar mais de mil
famílias catequizadas.Além de uma pequena capela,em
São Joaquim também foi erguida uma modesta casa para
o pároco.Como ali não havia lugar apropriado,não foi feita
a criação de gado.No entanto,conforme Aurélio Porto,
havia na redução algumas cabeças para o atendimento
das necessidades dos habitantes do povoado.
JesusMaria
SãoJoaquim
SãoCristóvão
Ahistoriografia
tradicionalbrasileira
enalteceoheroísmodos
bandeirantespaulistas.
Aelesécreditada
umasériedeepopeias
efeitospatrióticos.
Osbandeirantessão
enaltecidosporterem
feitoavançarodomínio
portuguêsalémdo
meridianodeTordesilhas
eteremdescoberto
metaispreciososna
regiãodasGerais.Não
éporummeroacaso
queasededogoverno
deSãoPauloéoPalácio
dosBandeirantes.Em
todooEstado,épossível
encontrarinúmeras
obrasemonumentos
quehomenageiamas
bandeiras.
Foramessesmesmos
heróispaulistasque,
comsuabelicosidade,
escravizaram
edestruíram
impiedosamente
populaçõesdecultura
diferente,aindígena.Ou
seja,mocinhosparauns,
bandidosparaoutros.
Dependedoladoem
queoobservadorse
coloca.
RIO PARDO
S. Ana
S.José
Candelária
do Ibicuhi
S.Thomé
Natividade
Caaro
Apóstolos S.Carlos
S.Miguel
Assunção
Candelária do Piratini
Mártires
S. Cosme e S. Damião
Fonte:ElaboradoapartirdePorto(1954)
S.Thereza
S.Joaquim
Jesus Maria
S.Cristóvão
S.Nicolau
14 Umaluzparaahistóriado RioGrandeRioGrande
E
m 1636 Antônio RaposoTavares,
mais 120 paulistas,incluídos
dois padres e cerca de mil índios
tupis,atacaram as reduções da
margem direita do Rio Pardo.De
acordo com o historiador Aurélio Porto,os
bandeirantes vinham fortemente armados
de mosquetes e arcabuzes.As reduções
foram tomadas e saqueadas e os índios,
aprisionados.Os que conseguiram fugir
voltaramàsuasituaçãooriginal.Nocaminho
a bandeira foi engrossada por mais algumas
centenas de indígenas,adversários dos
jesuítas e de sua obra.O assalto às reduções
se iniciou pela de Jesus Maria,em 2 de
dezembro de 1636.Para defendê-la,foram
erguidas paliçadas com valadas e taipa ao
seu redor. O pedido de auxílio dos jesuítas
às autoridades de Buenos Aires e Assunção
foi negado.
Emig.GuaranidoTapeeUruguai
Emig.GuaranidoItatíns
CombatedeM’bororé
ManuelPreto/RaposoTavares
AntônioPires/RaposoTavares
RaposoTavares
AndréFernandes
FernandoDiasPaes
ManuelPires
AscencioQuadros
FranciscoPedrosoXavier
Emig.GuaranidesdeGuairá
CombatedeCaazapaminí
Uruguai
ARGENTINA
RS
SC
PR
Ataquesdosbandeirantes
Investidabandeirante
Reduções à margem direita do Rio Pardo foram atacadas e destruídas em 1636
Sem apoio externo,os padres prepararam
a contenção do inimigo, contando para isso
com algumas poucas armas de fogo,arcos e
flechas e alguns farpões de ferro.Após cinco
horas de uma luta desigual e encarniçada,a
redução Jesus Maria se rendeu.Muitos foram
os mortos e feridos.Centenas de nativos
foram capturados e as poucas construções
existentes,arrasadas.
Entre 1580 e 1640 houve
a União Ibérica.Durante esse
período,Portugal e todas as
suas colônias estiveram sob a
suserania da Espanha. Nessa
condição,as possessões
portuguesas passaram a
ser palco de disputas na
luta que os holandeses
travavam para se tornarem
independentes da Espanha.E
o Brasil também foi envolvido.
Em 1630,a Companhia das
Índias Ocidentais conquistou
Pernambuco,importante centro
açucareiro do Brasil-Colônia.Dali
os holandeses seriam expulsos
somente 24 anos depois.Na
mesma época,importantes
praças portuguesas na África,
fornecedoras de escravos,
ficaram sob o domínio holandês.
Isso causou drástica redução no
número de cativos importados,
que eram fundamentais nas
lavouras de cana-de-açúcar.
Com a falta de força de
trabalho nas áreas que não
estavam sob o domínio
holandês,os indígenas
começaram a ser aprisionados
e vendidos como escravos.
Os paulistas se tornaram
especialistas nessa tarefa.
Inicialmente bandeirantes,com
a conivência de autoridades da
colônia espanhola,lançaram-se
sobre as reduções de Guairá e
Itatins e escravizaram milhares
de nativos.Diferentemente da
mata,onde viviam dispersos,
nas Missões havia maior número
de índios,mais bem adestrados
para o trabalho e a obediência.
Arrasadas as aldeias em
Guairá,sob o comando
espiritual do padre Montoya,
12 mil índios em 700 barcas
teriam descido as correntezas
do Rio Paraná para se
estabelecerem em terras da
atual província de Misiones,
na Argentina.Só uma parcela
desses indígenas chegaria a
seu destino.
O índio
virou escravo
jean-baptistedebret
Fonte: Adaptado de Atlas historíco del nordeste argentino
15RioPardo200anos Cultura,ArteeMemória
D
epois da redução
Jesus Maria,foi a vez
de São Joaquim,Santa
Ana e São Cristóvão
conhecerem seu trágico
fim pela bandeira de RaposoTavares.
Recompondo suas forças,os índios
catequizados ainda fizeram um novo
confronto de quatro horas e meia
com os paulistas em São Cristóvão,
no Natal de 1636.Mas não lograram
êxito.O bandeirismo de apresamento
não deu trégua aos padres e aos
indígenas cristianizados.Além de
RaposoTavares,outros bandeirantes
conhecidos que atuaram na caça ao
índio do Rio Grande do Sul foram
Fernão Dias Paes Leme – que mais
tarde seria imortalizado na epopeia
das esmeraldas – André Fernandes e
Francisco Bueno.
Uma a uma,as reduções foram
destruídas ou abandonadas e os
índios escravizados pelas bandeiras.
Para evitar sublevações,lideranças
indígenas eram assassinadas.Velhos e
crianças,para não atrasarem a marcha
para São Paulo,eram sacrificados.As
mesmas terras ficaram por quase um
século sem contato com a civilização.
Somente em 1715,Francisco de
Em cada uma das 18 reduções,os jesuítas
introduziram lotes de cabeças de gado.A criação
de vacas,bois,novilhos,cavalos,mulas e ovelhas
foi considerada essencial para a economia e a
sobrevivência das reduções.Mas as razias –
invasões predatórias – dos bandeirantes
convenceram os jesuítas que lhes era
impossível se manterem no território da
margem esquerda do Rio Uruguai.
Fugindo do ataque dos paulistas,que até
por volta de 1660 persistiram fustigando
a região em busca dos nativos,os padres
transmigraram a população guarani
remanescente para a margem direita
do Rio Uruguai.No entanto,quando
“caçados”pelos bandeirantes, deixaram
algumas centenas de cabeças de
gado nos campos situados ao sul do
Rio Jacuí. Os animais, abandonados à sua
própria sorte entre as bacias dos rios Jacuí
e Ibicuí, rumaram em direção ao Sul. Ali se
multiplicaram e deram origem ao gado
chimarrão, ou seja, gado xucro e selvagem.
O domínio espanhol
sobre Portugal teve seu
final em 1640.Foi então
que subiu ao trono
lusitano a dinastia de
Bragança.Prioridade:
expulsar os holandeses
sediados no Nordeste
do Brasil.De São Paulo
saíram tropas,uma delas
inclusive comandada
por Antônio Raposo
Tavares,para auxiliar
os pernambucanos a
repelir os holandeses.
Ao mesmo tempo,os
padres da Companhia
de Jesus conseguiram
do Papa UrbanoVIII a
expedição de uma bula
que proibia,sob pena de
excomunhão:
Cativaros
sobreditos
índios,vendê-
los,comprá-los,
trocá-los,dá-los,apartá-
losdesuasmulherese
filhos,privá-losdeseus
bensefazenda,levá-los
emandá-losparaoutros
lugares,privá-losde
qualquermodo
daliberdade,
retê-losna
servidão(...).
Claro que nem aos
paulistas e nem aos
cariocas agradou a
resolução do pontífice.
Queriam
continuar
comercializando
os índios e
utilizando sua
força de trabalho em
afazeres domésticos
e lidas na agricultura.
Resultado: nas vilas de
Santos e São Paulo, os
próprios membros das
Câmaras Municipais
chefiaram a revolta
contra os padres
jesuítas, expulsando-
os dos colégios que
então mantinham
naquelas vilas.
Jean-baptistedebret
Paulistas atacam Missões e levam índios para serem escravos.Idosos e crianças são mortos
Mais destruição
Brito Peixoto,capitão-mor daVila de Laguna,de Santa
Catarina,veio ao Sul à procura de jazidas de pedras e metais
preciosos – e também com o objetivo de encontrar locais
seguros,que servissem para futuras povoações.
Comoocorreuaintrodução do gado
Igreja
condena
Bandeirantes derrotados
Aúnicavitóriadosmissioneirossobreos
escravizadoresocorreuem1641,nasmargensdo
RioM’Bororé,afluentedoRioUruguai,quandoa
bandeirachefiadaporJerônimoPedrosodeBarrosfoi
derrotadaporumexércitodecercade4milíndios.
Reduçõesforamdestruídaseosíndiosescravizados
16 Umaluzparaahistóriado RioGrandeRioGrande
P
recavendo-se contra a atividade
predatória praticada ao gado
chimarrão concentrado na região de
Maldonado e às margens da Lagoa
Mirim,não somente por parte de luso-
brasileiros mas também por homens de Santa
Fé e de Buenos Aires,os padres jesuítas tomaram
duas providências.
Primeiro,reuniram cerca de uma
centena de milhar de cabeças de gado e a
direcionaram para um lugar menos acessível
na Vacaria dos Pinhais.O local,de boas
aguadas e campos pastosos,também passou
a ser conhecido pelo nome de Campos
de Cima da Serra.As reses ali deixadas se
reproduziram com o passar do tempo,
formando outra grande reserva.
A segunda providência tomada pelos
curas foi planejar o retorno dos guaranis
cristianizados às terras que haviam
pertencido aos seus antepassados.Isso se
concretizou a partir de 1682,com a formação
dos Sete Povos das Missões.
Mas não se pode desconsiderar a função
geopolítica da retomada das missões no Rio
Grande do Sul.Os Sete Povos são uma reação
da Espanha à fundação de Sacramento
pelos portugueses.Como súditos da coroa
espanhola,padres e índios cristianizados
atuariam para impedir a expansão lusa na
direção do Prata.Várias vezes as autoridades
de Buenos Aires iriam requerer o auxílio dos
guaranis missioneiros em guerras e obras
públicas.
Em 1680 o governador
do Rio de Janeiro,D.
Manuel Lobo,financiado
por comerciantes lusos,
chefiou a expedição que
fundou,na margem oposta
a Buenos Aires,a Colônia
do Santíssimo Sacramento.
Várias vezes sitiada e
tomada pelos castelhanos e
depois devolvida pela ação
diplomática portuguesa,
Sacramento se destacou
na cultura do trigo,na
exportação de couro e no
comércio de contrabando
com súditos da Espanha.
Em 1684,iniciou-se a
povoação de Santo Antônio
dos Anjos de Laguna,no
litoral de Santa Catarina.
Laguna foi criada para
dar suporte e servir de
retaguarda a Sacramento.
Mas se constituiria,também,
em um importante polo de
povoamento e ocupação do
Rio Grande do Sul.Lagunistas
e paulistas,ao percorrerem
o litoral gaúcho e do
Uruguai rumo a Sacramento,
entraram em contato com
rebanhos de gado existentes
nasVacarias do Mar.Eles
passaram a extrair dali todo
o gado que conseguiam.
Inicialmente,interessavam-se
somente pelo couro,que era
exportado por Sacramento.
A carne era desprezada.Com
a descoberta de jazidas de
ouro em Minas Gerais o gado
passou a ser tropeado,via
Curitiba e Sorocaba,para
aquela área. Ao mesmo
tempo,colonos espanhóis de
Corrientes e Entre Rios que se
dedicavam à criação de mulas
– em razão da decadência das
minas de Potosí – passaram
a fornecer esses animais para
a área mineradora do Brasil.
Eles eram empregados no
transporte de gente e de
mercadorias.
Os Sete Povos
das Missões
Jesuítas planejam o retorno dos guaranis
De Laguna a
Sacramento
••SetePovos
São Francisco de Borja
1682
São Nicolau
1687
São Luiz Gonzaga
1687
São Lourenço Mártir
1690
São João Batista
1697
Santo Ângelo Custódio
1706
São Miguel
Arcanjo
	
1687
Ruínas da Igreja de São Miguel
fotos:inor/ag.assmann
Váriosdospadres
jesuítasqueprocuraram
reduzirecatequizar
índiosacabaramsendo
martirizadospor
índígenasquedefendiam
asualiberdadeeforma
devida.Entreoutros,
issoaconteceucomos
padresRoqueGonzáles
deSantaCruz,Cristóvão
deMendozaePedro
Romero.
••Martirizados
17RioPardo200anos Cultura,ArteeMemória
Na América do Sul,as Missões eram unidades de
produção autossuficientes.Cada Missão Jesuítica
contava,em média,com uma população de 4 a 4,5 mil
indivíduos.A propriedade da terra era dividida em duas
partes.O abambaé (propriedade do homem) era culti-
vado em regime de posse individual por cada família,
que dali retirava o básico para seu sustento.O índio
podia dispor livremente dos bens obtidos no abambaé.
Já o tupambaé (propriedade de Deus) exigia o trabalho
coletivo dos indígenas reduzidos.Ali trabalhavam os
índios solteiros e,dois dias por semana,também seus
pais.Faziam parte do tupambaé as estâncias de criação
de gado e os ervais nativos e cultivados.Artistas,pro-
fessores,viúvas,órfãos,velhos e inválidos tinham seu
sustento proveniente do tupambaé.Dali também saía
o tributo que cada indígena,como vassalo do monarca
espanhol,tinha que pagar,além da parte destinada à
Companhia de Jesus.
A
Companhia de Jesus,cujos membros são conhecidos
como jesuítas,é uma ordem religiosa católica fundada
em 1534 por um grupo de estudantes da Universidade
de Paris,liderado por Íñigo López de Loyola – conheci-
do posteriormente como Inácio de Loyola.Os primeiros
jesuítas participaram ativamente da Contra Reforma e do esforço
de renovação teológica da Igreja Católica,ocorrida para combater
a Reforma Protestante iniciada por Martinho Lutero em 1517,na
Alemanha,e que se expandiria para outros países da Europa.
Em poucos anos,os jesuítas conquistaram grande prestígio em
razão do seu dinamismo e sólido preparo teológico e cultural.
A ordem
dos jesuítas
••ProvínciadoParaguai
NaProvínciaEclesiásticadoParaguai,ospadres
jesuítasconsolidaram30povosduranteosséculos
XVIIeXVIII.Elesfaziampartedosistemacolonial
espanhol.Setedelesselocalizavamemterritórios
doatualRioGrandedoSul,oitonoParaguaie
quinzenaArgentina.Naatualidade,seisdessas
antigasMissõesintegramoCircuitoInternacional
dasReduçõesJesuíticas.Constituemumdos
maioresatrativosturísticosdoConeSul.
Economia nos
povoados
Companhia de Jesus foi criada em 1534 por estudantes
Missões Jesuítico - Guaranis
Levam o nome de Missões as iniciativas religiosas católi-
cas destinadas a propagar os princípios do cristianismo entre
povos não cristãos.No início dos tempos modernos,iniciativas
de catequização de novos adeptos foram realizadas na própria
Europa,África,Oriente e América.As Missões desenvolvidas na
América,que buscavam converter os povos silvícolas em mas-
sa,deram origem a uma cultura sincrética,onde as tradições
indígenas acabaram se perdendo em larga medida.As Missões
Jesuíticas variaram no tempo e no espaço.Nem todas tiveram
uma organização em povos,como as que se desenvolveram na
Província do Paraguai.
O que eram as Missões
Ruínas da Redução de
Trinidad, no Paraguai
18 Umaluzparaahistóriado RioGrandeRioGrande
O
surgimento de Rio Pardo
está ligado umbilicalmente
à assinatura doTratado
de Madri.Esse acordo de
fronteiras foi subscrito na
cidade espanhola de Madri por D.João
V,rei de Portugal,e por D.FernandoVI,rei
da Espanha.Foi uma tentativa para pôr
fim ao litígio entre Portugal e Espanha
sobre os seus vastos limites coloniais,
especialmente os situados na América
do Sul.
As epopeias dos bandeirantes em
busca de metais preciosos,o interesse
dos portugueses pelas“drogas do
sertão”existentes na Amazônia e pelo
contrabando na Colônia do Sacramento
haviam favorecido a fundação de
pequenos povoados,bastante além
da linha imaginária deTordesilhas.
OTratado de Madri reconheceu a
expansão lusa na América do Sul,
mas também a ocupação,na Ásia,das
Ilhas Filipinas e Molucas pela Espanha.
Prevaleceu nas negociações o princípio
de direito internacional do utipossidetis.
Seguindo esse princípio,a monarquia,
que devido à ocupação feita pelos seus
súditos possuía de fato os territórios,
deveria possuí-los também de direito.
No que diz respeito às terras
localizadas no Sul do Brasil e na região
do Prata,o princípio não foi aplicado.
A disputa travada entre as
coroas de Portugal e Espanha
pela posse do vasto território
situado entre Laguna e o Rio da
Prata pareceu ter fim em 1750,
quando foi assinado oTratado de
Madri.No que tange às terras do
Sul,esse acordo estabelecia que
Portugal entregaria a Colônia
do Sacramento à Espanha,
recebendo em compensação
a região dos Sete Povos.A
população,de cerca de 30 mil
guaranis missioneiros,deveria
deixar seus povoados,roças e
estâncias e migrar para o lado
direito do Rio Uruguai,em terras
argentinas.Como se negaram a
abandonar suas casas,lavouras,
igrejas e cemitérios,motivaram a
Guerra Guaranítica (1754-1756),
ocasião em que os indígenas
rebelados combateram as
tropas militares reunidas de
Portugal e Espanha.Nessa guerra,
os índios das Missões foram
fragorosamente derrotados.
O Tratado de Madri
está estreitamente ligado
à história de Rio Pardo. A
demarcação da nova fronteira
traz à então Comandância
Militar o capitão-general
Gomes Freire de Andrade. É
por sua ordem que é criada
a Fortaleza Jesus, Maria, José,
que aquartelaria o Regimento
de Dragões.
São Nicolau
São Luiz
São Lourenço
São Borja
Santo Ângelo
São João
Colônia de Sacramento
Linha de demarçação do
Tratado de Madri (1750)
São Miguel
..-..-..-..-..-..-..-..-
O Tratado de Madri
Acordo entre Portugal e Espanha delimitava fronteiras nas áreas coloniais
O artigo doTratado de Madri que fez os
índios dos Sete Povos se rebelarem:
Art.XIV-Daspovoaçõesoualdeiasque
cedeSuaMajestadeCatólicanamargem
orientaldoUruguai,sairãoosmissionários
comtodososmóveis,eefeitos,levando
consigoosíndiosparaaldeiaremoutras
terrasdeEspanha;eosreferidosíndios
poderãolevartambémtodososseusbens
móveisesemoventes,easarmas,pólvora
emuniçõesquetiverem;emcujaforma
seentregarãoasPovoaçõesàCoroade
Portugal,comtodasassuascasas,igrejas
eedifícioseapropriedadeepossedo
terreno[...]
OTratadodeMadri
Decisãogerouumaguerra
Fonte: Adaptado de Ferreira Filho (1965)
Porto Alegre
19RioPardo200anos Cultura,ArteeMemória
ARTEFERNANDOBARROSSOBREFOTODEinor/ag.assmann
Antônio
Gomes
Freirede
Andrade,
o conde
de
Bobadela,
era um
nobre
militar
e administrador
colonial português.Foi
governador e capitão-
general do Rio de Janeiro
entre 1733 e 1763.
Posteriormente,passou
a administrar também
as Minas Gerais e as
capitanias de Goiás e
Mato Grosso.Em função
doTratado de Madri,
deslocou-se ao Sul em
fevereiro de 1752,já com
67 anos,para chefiar a
comissão portuguesa
nas delimitações de
fronteira.Com ele
vieram cartógrafos,
astrônomos,engenheiros,
matemáticos e outros
profissionais.Em 6 de
abril,entrou naVila do
Rio Grande.
Para estimular o
povoamento da terra,
passou a conceder
sesmarias (grandes
propriedades de terra)
no Chuí,emViamão,em
Cima da Serra,noVale do
Rio do Sinos,no Jacuí,no
Caí e no Rio das Antas.
Gomes Freire ambém
foi responsável pela
introdução dos“casais de
número”vindos das ilhas
doarquipélagodeAçores
e da ilha da Madeira.
Comandou as tropas
luso-espanholas que
venceram os guaranis
dos Sete Povos na Guerra
Guaranítica (1754-1756).
Regressou ao Rio de
Janeiro em 1759,onde
faleceu em 1º de janeiro
de 1763.
Como seria o Forte Jesus, Maria, José, construído às margens
do Rio Jacuí no século XVIII, e que originou a povoação e depois
a cidade de Rio Pardo? A arte feita sobre a foto acima, no local
onde existiu a fortaleza, dá uma ideia de como poderia ter sido a
edificação, erguida inicialmente com madeira, palha e troncos de
árvores.
O
local onde está
sediada a cidade
de Rio Pardo
integrava a antiga
estância do Povo
de São Luís.Em 1751,antes de
vir ao Rio Grande,Gomes Freire
de Andrade determinou que
no caminho para as Missões
fossem criados dois depósitos de
munição e de víveres para apoio
das tropas portuguesas.Neles
seriam estocados fardamentos e
outras peças de vestuário militar,
apetrechos bélicos,material de
montaria,couros,instrumentos
agrícolas,ferramentas,material de
construção,sabão,fumo,bebidas,
remédios e mantimentos.O
furriel de dragões,Francisco
Manoel deTávora,que à frente
de um grupo de paulistas
fora mandado para explorar e
reconhecer a região,indicou
como locais estratégicos Rio
Pardo e Santo Amaro,ambos na
margem esquerda do Rio Jacuí.
Dada a sua excelente
localização,na confluência dos
rios Pardo com o Jacuí,Gomes
Freire ordenou ao engenheiro
João Gomes de Mello que ali
fosse erigido o forte batizado de
Jesus,Maria,José.A construção
do forte,com o aquartelamento
dos Dragões,deu origem à
fundação essencialmente militar
de Rio Pardo.O forte e,por
consequência,o povoado que se
formou em seu entorno estavam
em posição estratégica.O local
elevado permitia ampla visão
dos arredores.Ao mesmo tempo,
os rios formavam barreiras
naturais que,em caso de guerra,
dificultariam a sua tomada.Era,
então,o ponto mais extremado
dos portugueses em direção às
Missões.Quando constituído,
o forte visava,também,a
impedir a passagem dos índios
missioneiros para atacar os
campos deViamão,que vinham
sendo ocupados por luso-
brasileiros.Na madrugada de 23
de fevereiro de 1754,a fortaleza
foi atacada por grande número
de missioneiros.O ataque foi
repelido depois de horas de
combate.A confiar nos dados de
Aurélio Porto,do lado dos índios
restaram 19 mortos e um grande
saldo de feridos.Os portugueses
perderam só um homem e
tiveram quatro feridos,dentre
eles o comandante da trincheira,
Francisco Pinto Bandeira,com
uma flechada em um dos braços.
No começo,
apoio a tropas
Ponto estratégico,na confluência de dois rios,foi o escolhido
GomesFreire
de Andrade
••OsDragões
Depoisdoataque
missioneiro,Gomes
Freiretransferiu
deRioGrande
paraoForteJesus,
Maria,José,em
marçode1754,
umcontingente
doRegimentode
Dragões.
Em29deabril
domesmoano,
afortalezafoi
novamente
atacada.Cerca
de400guaranis
missioneiros,
lideradosporSepé
Tiarajuemunidos
comquatropeças
deartilharia,
foramrepelidose
perseguidosapós
quaseduashorasde
combate.53índios,
incluindoSepé,
foramaprisionados
elevadosaoforte.
Diasdepoisele
conseguiriafugir
quando,escoltado
porsoldados,foi
localizarcavalos
queosmissioneiros
haviamsubtraído
aosportugueses.Os
demaisrefénsforam
encaminhados
paraRioGrande,
masapenas15
chegaramvivos.Os
sobreviventes
teriamsidopostos
emliberdadepor
GomesFreire.
Fustigadaem
1754pelosíndios
missioneiroseem
1762,1773e1777
peloscastelhanos,
RioPardoresistiu,
tornando-sebarreira
intransponívelpara
seusadversários.
Daísurgiua
denominação
de“Tranqueira
Invicta”.Pordécadas,
portanto,foia
tranqueiradeRio
Pardoafronteira
extremo-oeste
dasposições
lusitanasnoRio
GrandedeSão
Pedro.
20 Umaluzparaahistóriado RioGrandeRioGrande
disputaspeloterritório
A
retirada dos povos indígenas e dos jesuítas de
seus povoados não seria tarefa simples para
as potências ibéricas.Quando da efetivação
doTratado de Madri,cerca de 30 mil índios
cristianizados viviam nos Sete Povos.Pelo
acordo,eles deveriam deixar as Missões e se estabelecer,
da forma que pudessem,do outro lado do Rio Uruguai,
em terras do Império espanhol.Acontece que a margem
direita do rio já estava ocupada por indígenas missioneiros.
A mudança pretendida,certamente,levaria dezenas de
milhares deles à fome e à miséria. Assim que fossem
retiradososmissioneirosdosSetePovos,Portugalpretendia
assentar ali os açorianos,que já chegavam às centenas.
Portugal queria que os índios saíssem da área porque temia
uma rebelião.Como eram súditos espanhóis,várias vezes
eles haviam sido usados como guerreiros nos confrontos
contra portugueses pela posse de Sacramento.
Para a colocação dos marcos de fronteira estabelecidos
peloTratado,foram instituídas duas comissões militares
demarcatórias.A Comissão do Sul era chefiada pelo
Marquês deValdelírios,nomeado pela Espanha,e por
Gomes Freire de Andrade,representando Portugal. O
primeiro marco de fronteira foi chantado somente em 9
de outubro de 1752.Em 27 de fevereiro de 1753,quando
a demarcação estava às alturas de SantaTecla (Bagé),foi
impedida de continuar por um grupo de guaranis liderados
por SepéTiaraju.Depois disso as nações ibéricas,embora
decididas a evacuar – se necessário pela força militar – a
região das Missões,aguardariam ainda por dois longos
anos até efetivar o assalto final aos Sete Povos.
Índios resistem à expulsão promovida por portugueses
e espanhóis; Guerra Guaranítica; distribuição de
sesmarias reforça o poder dos militares;
os silvícolas na literatura e no cinema.
fotos:inor/ag.assmann
Guerra
Guaranítica
Local onde ocorreu a Batalha
de Caiboaté, quando tropas
portuguesas e espanholas
mataram mais de mil indígenas
e fizeram 154 prisioneiros
21RioPardo200anos Cultura,ArteeMemória
D
evido à resistência dos índios,
que se negaram a abandonar
seus ervais,plantações,
estâncias de criação de gado,
casas,templos e cemitérios,
espanhóis e portugueses mandaram
contra eles um poderoso exército.A
guerra foi desigual.De um lado havia as
tropas luso-espanholas,bem armadas
e equipadas e contando com mais de
3.700 combatentes.De outro,os silvícolas
lutando com arco e flecha,lanças,
boleadeiras,algumas velhas espingardas
e improvisados canhões feitos de taquara
e revestidos de couro.Além disso,os
missioneiros estavam bastante divididos e
desarticulados.
Havia padres que,silenciosamente,
pregavam a resistência;a maioria,no
entanto,trabalhou no sentido de que os
guaranis se sujeitassem aos desígnios da
Coroa.Caciques acusaram os sacerdotes
de traidores,inclusive de terem vendido
os Sete Povos,e outros concordaram com
a mudança.Essas diferenças dividiram
os índios missioneiros. Como resultado,
houve confusão e discórdia nas Missões.
Finalmente,em 16 de janeiro de 1756,
o exército luso-espanhol se reuniu nas
cabeceiras do Rio Negro,de onde marchou
em linha dupla para as Missões.Em 7 de
fevereiro,numa das primeiras escaramuças,
tombou o cacique Sepé.Aurélio Porto
narra que,em um rápido combate na
entrada de um matagal,após o cavalo
de Sepé tropeçar,um soldado português
armado de lança o derrubou.Ao tentar se
reerguer, foi alvejado pelo governador de
Montevidéu,general José JoaquimViana,
que lhe desferiu o tiro fatal.
A célebre Batalha de Caiboaté ocorreu
três dias depois,em 10 de fevereiro de
1756.Comandados por Nicolau Neenguiru,
corregedor do Povo de Conceição,os
missioneiros enfrentaram as forças de
Portugal e Espanha em campo aberto,
na coxilha de Caiboaté (São Gabriel).
Conforme Graell,em apenas uma
hora e quinze minutos os índios foram
fragorosamente derrotados. Perderam
1.200 combatentes,incluindo 154
prisioneiros.Os espanhóis tiveram três
mortos e 10 feridos e os portugueses,um
morto e 30 feridos.A derrota de Caiboaté
acabou com a resistência guarani. Daí
por diante,portugueses e espanhóis
não tiveram dificuldades para invadir as
Missões.
O massacre de
Caiboaté
Espanhóis e portugueses usaram exército poderoso e dizimaram os índios
Homenagem feita a Sepé no local da sua morte, no município de São Gabriel
inor/ag.assmann
Depois de tomadas as Missões,o
Tratado deMadri nãose concretizou.
Os padres e os silvícolas puderam
retornar ao que restava das
Missões:casas queimadas,lavouras
destruídas,gado espalhado nos
campos e matos.
Os padres da Companhia de
Jesus que haviam sido fiéis às coroas
ibéricas tiveram sorte semelhante
aos índios.Pombal os considerou
uma espécie de bode expiatório
para todos os males da Colônia e
um poder paralelo.Em nome da
liberdade dos indígenas,atacou
o poder temporal da Companhia
de Jesus nas aldeias.Em 1759,
expulsou-os da América portuguesa.
Os padres jesuítas tiveram a mesma
sortenosdomíniosespanhóis:foram
expulsos de lá por um decreto real
de 1767.Em maio de 1768 estava
concluída a expulsão de todas as
Missões.Os índios assistiram com
relativa resignação à sua
saída.
Jesuítas
são expulsos
GuaranisemRioPardo
AGuerraGuaraníticanãoacabou
comosSetePovos.Porém,como
escreveMoacyrFlores,destruiu-
osmoralmente,abalandoa
confiançadosíndiosnospadres
jesuítasenasautoridades
espanholas,dequemeram
súditos.
AderrotadeCaiboatéabriu
caminhoparaatomadadosSete
Povos.Em17demaiodomesmo
ano,SãoMiguelfoiinvadida.Os
demaispovoadoscaíramumapós
ooutro,quasesemresistência,
comoumbaralhodecartas.
ConquistadasasMissões,Gomes
Freirelápermaneceucomseu
exércitopor10meses.Retornou,
então,comseussoldadosaos
quartéisdeRioPardo.Com
elevieramaproximadamente
700famíliasdeguaranis,para
constituíremaAldeiadeSão
Nicolau.
22 Umaluzparaahistóriado RioGrandeRioGrande
U
maparceladehistoriadoresanalisao
trabalhomissionáriodaCompanhia
deJesusnaAméricacomosendouma
atividadecivilizadora:fazdospadres
santossalvadoresdealmas.Outra
parceladehistoriadoresenalteceoigualitarismo,
otrabalhoeavidacoletivaexistentesnosSete
Povos.Sempretenderfazerjulgamentodeespécie
alguma,nãosepodeomitirofatodeque,mesmo
nasMissões,osíndiospassaramporumprofundoe
dolorosoprocessodemudançadecomportamento.
Tiveramqueassimilarasculturascristãeespanhola.
O trecho escrito pelo padre José Cardiel,então
cura da redução de Japeju e outras,possibilita fazer
algumas reflexões nesse sentido:
O índio,entregue a si mesmo e ao seu
gênio,não quer mais do que uma choça
ou cabana coberta de palha de quatro
ou cinco varas (jardas) em quadro,junto a um
pequeno terreno de roça para poucos meses
e com isso está mais contente que os reis nos
seus palácios [...] Seu coração não se levanta
a mais,não tem capacidade para aspirações
maiores,nem pretende,nem o deseja.
Tirá-lo daí é tirá-lo da sua espera.Porém,
como é necessário retirá-los dessas condições
mesquinhas,para que vivam como bons
cristãos e cidadãos úteis ao Estado,aos
padres toca o grave encargo de
ensinar-lhes tudo,serem mestres de
tudo e induzi-los a agir contra seu
gênio.
Os padres jesuítas
eaculturaindígena
Nas Missões,índios tiveram que assimilar culturas cristã e espanhola
Dada a reação dos
índios missioneiros,o
Tratado de Madri não
chegou a ser consumado,
sendo anulado em 1761
pelo Tratado de El Pardo.
Apesar de todos os
percalços provocados
pela Guerra Guaranítica,
os Sete Povos
continuaram a existir.
Entraram na mais plena
decadência somente a
partir de 1768,quando
os padres da Companhia
de Jesus foram expulsos
não somente dos Sete
Povos,mas de todos os
territórios espanhóis da
América.O pretexto para
a expulsão dos curas
jesuítas foi o de terem
sublevado os guaranis
catequizados contra o
Tratado de Madri.
Sob administração
leiga,e totalmente
despreparada,é que os
Sete Povos declinaram.
Declínio dos
Sete Povos
JoséTiaryú ficou conhecido pela
alcunha de Sepé,que é designativo
de chefe,condutor de homens
ou caudilho.Era índio missioneiro,
provavelmente já cristão de terceira
geração.Foi Alferes Real e Corregedor
do Povo de São Miguel.Opôs-se com
tenacidade à entrega da região dos
Sete Povos e liderou a revolta dos
missioneiros contra o que determinava
oTratado de Madri.Gozava de largo
prestígio entre os índios e indiscutíveis
qualidades de mando.Suas ações
militares,entretanto,não foram das
mais bem-sucedidas.Morreu no dia
7 de fevereiro de 1756,às margens
da Sanga da Bica,em São Gabriel,
nas proximidades onde se encontra
a rodoviária da cidade.Seu corpo
fora jogado no mato pelos soldados.
À noite,os companheiros deram
sepultura ao seu cadáver.
SepéTiaraju se tornou um
mito.Seus feitos lendários foram
imortalizados por Basílio da Gama,
João Simões Lopes Neto,Manoelito
de Ornelas,Mansueto Bernardi e
MoisésVelhinho.Consta que teria sido
o historiadorWalter Spalding que
colocou na sua boca a frase:“Esta terra
tem dono”,que provavelmente ele
nunca dissera.
A lenda que se formou em torno do
seu nome o consagrou popularmente
como um santo. O povo do Sul
do Brasil,por sua própria conta,
canonizou-o como herói guarani.
SepéTiaraju se faz mestre para as lutas
populares,especialmente dos que
lutam pela terra.
Sepé
Tiaraju
Alémdamúsica,osguaranis
cristianizadostambémdemonstraram
talentoparaaescultura.Oestilofoio
barroco. ConformeArmindoTrevisan,
aartemissioneiranãovisavaàfruição
estética;elaestavaaserviçoda
catequese. Visavaaproverostemplosde
imagenseiniciarosíndiosematividades
manuais. Comopoucoseramletrados,
aimagemficavaacessívelatodos,
tornando-seumaBíbliaparaospobres.
Osindígenasquesedestacavamnas
artesgozavamdeprivilégios.
••Arte missioneira
divulgação/gs
inor/ag.assmann
Escultura de SepéTiaraju existente
no Museu João Pedro Nunes, em
São Gabriel
23RioPardo200anos Cultura,ArteeMemória
A
s tropas portuguesas lideradas
por Gomes Freire de Andrade,
ao retornarem da guerra
empreendida contra os Sete
Povos das Missões,trouxeram
consigo um séquito de famílias guaranis.
Esses índios totalizavam cerca de 700
famílias ou em torno de três mil almas.
Foram arranchados,no ano de 1757,nas
proximidades do Forte de Rio Pardo,
formando o núcleo inicial da Aldeia de São
Nicolau.
A aldeia se localizava a quatro
quilômetros ao nordeste da atual cidade.
Voluntariamente,novas levas de famílias
guaranis teriam,em seguida,se somado ao
contingente inicial.Pouco tempo depois,por
determinação da administração portuguesa,
um pequeno grupo desses índios foi
deslocado às proximidades da atual cidade
de Cachoeira do Sul,onde foi fundada uma
outra aldeia com o nome de São Nicolau.A
maior parte dos indígenas foi levada para os
Campos deViamão,onde deu origem,em
1763,à Aldeia de Nossa Senhora dos Anjos
(hoje Gravataí).
Os nativos das aldeias eram utilizados
como mão de obra barata nas estâncias
de criação de gado,em construções e nas
Cristo com feições indígenas, ainda hoje
existente na capela da aldeia
São Nicolau
Gomes Freire traz guaranis que sobreviveram à guerra para formar a aldeia
fotos:JanaínaZilio/ag.assmann
Capela da Aldeia São Nicolau guarda resquícios do primeiro templo e também um sino
missioneiro
O professor Pedro Ribeiro,
analisando os livros de batismo
da Freguesia de Rio Pardo,
constatou que de março
a junho de 1781,de oito
batizados de filhos de índias
seis eram de pai incógnito.Já
entre dezembro do mesmo ano
e abril de 1782,de 12 batizados
de filhos de indígenas nove
eram de pai incógnito.Nos
livros de casamento,entre 1759
e 1832,foram encontrados
18 casamentos de índia com
branco;10 de índia com negro;
quatro de índio com negra e
quatro de índio com branca.
Os acasalamentos de índias
com escravos e de escravas com
índios não eram incomuns.Já
o casamento de um branco
com negra ou indígena era
considerado vergonhoso,pois
se dava com um cônjuge tido
como inferior.Mas os brancos,
em uniões extramatrimoniais,
tiveram muitos filhos com
índias e com escravas.Poucos
reconheciam a paternidade
dos filhos;a maioria silenciava.
Mas era normal estancieiros,
comerciantes e militares terem
concubinas índias e negras.
Procurando incentivar a
união familiar de brancos com
indígenas,o governador da
capitania,José Marcelino de
Figueiredo,fez em 1773 um
edital para dar preferência a eles
na aquisição de terras.
Índias e negras
como amantes
Em1983,oprofessor
PedroMentzRibeiro,então
coordenadordoCepadas
FaculdadesIntegradasde
SantaCruzdoSul,orientou
escavaçõesnolocalonde
seencontravaaaldeia.Ali
foiencontradaumasériede
vestígiosmateriais,queestão
sobacustódiadaUnisc.
••Escavações
lavouras.No ano de 1780,eram 438 os índios
existentes na Aldeia de São Nicolau de Rio
Pardo.Em 1854,esse número cairia para 254.
24 Umaluzparaahistóriado RioGrandeRioGrande
Em fevereiro de 1761 Espanha
e Portugal concordaram,através
doTratado de El Pardo,em anular
as prerrogativas doTratado de
Madri.Com isso,os Sete Povos
continuaram pertencendo ao
império espanhol e Sacramento,aos
domínios lusos.
No transcurso de uma década,
muita coisa havia mudado.Ambos
os lados ficaram insatisfeitos com
o pacto anteriormente firmado.
De um lado,os Sete Povos haviam
despertado a cobiça dos espanhóis.
JoaquimViana,autor do tiro que
matou Sepé,ao entrar no povoado
de São Miguel em 1756,teria se
maravilhado com as belezas da
localidade e afirmado:“E este é
um dos povos que nos mandam
entregar aos portugueses? Deve
estar louco o pessoal de Madri,para
se desfazer de um povoamento
que não encontra nenhum rival em
Paraguai”.
De outro lado,havia o interesse
de comerciantes portugueses,
que não queriam entregar
Sacramento aos espanhóis e
perder os extraordinários lucros
proporcionados pelo comércio
ilegal.Ao mesmo tempo,a situação
diplomática na Europa mudara
bastante.Na Guerra dos Sete
Anos,Portugal e Espanha estavam
em polos opostos.Na América
do Sul,portugueses e espanhóis
novamente entraram em conflito
por causa de suas possessões
coloniais.Disso se aproveitou D.
Pedro Ceballos para tomar a Colônia
do Sacramento,que estava em
poder dos portugueses,e para
recuperar as terras que,por direito,
pertenciam à Espanha. 
Conquista espanhola
Anulação do Tratado de Madri restituiu a fronteira ao traçado que tinha antes
O tratado de
El Pardo
G
rande parte da historiografia
brasileira distorce o real
significado da conquista
espanhola,ocorrida entre
1763 e 1777.Imputa-se aos
castelhanos a pecha de invasores.Mas,na
realidade,a anulação doTratado de Madri
restabeleceu a fronteira ao que era antes
de 1750.
Em outubro de 1762, enquanto
ocorria na Europa a Guerra dos Sete
Anos, que colocaria em campos
contrários Portugal e Espanha,
castelhanos atacaram e tomaram
Sacramento contando com o auxílio
de forças missioneiras. Em abril do
ano seguinte, liderados pelo general
e governador de Buenos Aires, Dom
Pedro de Cevallos, apoderaram-se do
forte de Santa Tereza, em Angustura
de Castilhos (Uruguai); do Forte de
São Miguel (Uruguai) e das vilas do
Rio Grande e de São José do Norte. Às
pressas, a administração da Capitania
do Rio Grande do Sul, sediada em Rio
Grande, se deslocou para Viamão, que
em 1773 foi elevada à vila. Objetivando
manter suas posições, os espanhóis
começaram a construir o forte de Santa
Tecla, nas proximidades de Bagé.
Com a tomada de Rio Grande e São
José do Norte pelos castelhanos, quase
toda a população que vivia naquelas
vilas e em seus arredores fugiu. A
maioria foi se instalar nos Campos de
Viamão, mas uma parcela considerável
se estabeleceu na bacia do Jacuí,
próximo de Santo Amaro e Rio Pardo.
Durante os 13 anos de ocupação
espanhola, o Rio Grande português se
limitou a uma estreita faixa litorânea e
ao Vale do Rio Jacuí.
Penadeenforcamento
Tomaz Luís Osório,que em 1754
fora designado por Gomes Freire para
comandar o Regimento de Dragões
estabelecido no forte de Rio Pardo,
conheceu seus dias de infortúnio.Em 1762,
ele havia recebido do mesmo Gomes
Freire a missão de construir um forte em
Angustura de Castilhos,para barrar uma
eventual investida castelhana a Rio Grande.
Mal as primeiras pedras da fortaleza
haviam sido sentadas,ela foi sitiada por
Cevallos.Em 19 de abril de 1763,Osório
optou pela rendição.Assim,sem dar um
tiro sequer,Cevallos fez 156 prisioneiros,
incluindo o comandante da tropa.
Um ano depois,iniciava-se o processo
contra o coronelTomaz Osório e o
governador Elói Madureira,responsável
pelaVila de Rio Grande.Reunidas em Rio
Pardo durante cinco meses,autoridades
portuguesas colheram depoimentos de
soldados,oficiais,civis e escravos sobre
os fatos que culminaram na rendição
de SantaTereza e daVila de Rio Grande.
Julgado pela corte de Lisboa,Osório foi
enforcado na capital portuguesa em 1768.
O governador Madureira morreu durante
os depoimentos.
GuilhermeMazui
Colônia de Sacramento, hoje em território uruguaio, servia aos interesses
portugueses
Museu del Azulejo,Colônia de Sacramento
25RioPardo200anos Cultura,ArteeMemória
Maisterras
A
pós as guerras de reconquista
efetuadas pelos súditos da
coroa espanhola,em 1777
foi celebrado oTratado de
Santo Ildefonso.Por esse
acordo,Portugal reconhecia a soberania
espanhola sobre a Colônia do Sacramento,
os Sete Povos,SantaTecla e os territórios
meridionais.A Espanha,por seu turno,
abandonou a ilha de Santa Catarina.O
pacto criou ainda,na divisa dos impérios,
os Campos Neutrais,entre as lagunas da
Mangueira,Mirim e a costa do Atlântico.
Eram para ser áreas desmilitarizadas
e despovoadas,localizadas entre os
territórios luso e castelhano.
São Nicolau
São Luiz
São Lourenço
São Borja
Santo Ângelo
São João
Colônia de Sacramento
São Miguel
Porto Alegre
Santo Ildefonso
Tratado mantém os Sete Povos sob domínio da coroa espanhola
OtratadodeSantoIldefonso
garantiuaosportuguesesnão
somenteapossedeáreasjá
ocupadas–RioGrande,os
camposdeViamãoeRioPardo
–,mastambémdeterritórios
situadosanorteeaoestedesses
locais.Sesmariasforamentão
distribuídas,principalmente
acombatenteslusos.Os
novossesmeirospassarama
manterligaçõescomosíndios
missioneiros.Adquiriamseu
gado,utilizavamseutrabalho
etomavamcomoesposas
ouconcubinasasíndias
missioneiras.
••Portugalreage
Em1770,havia175Dragões
emRioPardoe185destacados
emSãoJosédoNorte.Depois
de13anosdedominação
espanhola,Portugalfinalmente
reagiu. Apósaorganizaçãode
umpoderosoexército,forças
lusasretomaramRioGrande
em1776. Emseguida,sob
ocomandodeRafaelPinto
Bandeira,oFortedeSanta
Teclafoiarrasadoeparteda
Campanhafoitomada.Em
contrapartida,osespanhóisse
apoderaramdailhadeSanta
Catarina.Areconquistacontou
comadecisivaparticipação
dossoldadossediadosemRio
Pardo.
Durante a dominação espanhola do Rio Grande,Rio Pardo
sofreu vários assédios,mas todos eles foram rechaçados.Um
desses episódios é cômico.
Consta que no final de 1773,o governador de Buenos
Aires,general D.Vertiz y Salcedo,à frente de uma força regular
vinda das campinas do sul,defrontou-se com batalhões de
Dragões e estacionou às alturas do Arroio Pequeri.A partir daí
o comandante militar espanhol ameaçou cair sobre a Fortaleza
Jesus,Maria,José e exigiu sua rendição.O governador José
Marcelino de Figueiredo,que se encontrava no Forte,mandou
comunicar a Salcedo que estava aguardando a chegada do
governador (que era ele mesmo),pois somente ele poderia tratar
da rendição.Horas depois,mandou fazer exercícios de pólvora
seca na Fortaleza,com um simples morteiro e duas peças de
ferro de calibre 2.Procedeu,igualmente,ao embandeiramento do
Forte,fez rufar tambores e tocar os clarins.
O ambiente ficou com ares de celebração de uma grande
festa.Simulava,assim,a chegada do governador (o próprio
Figueiredo) com um grande contingente de reforços.Acampado
a cerca de uma légua,o inimigo ficou atônito com a barulheira.
Imaginando que aTranqueira havia recebido um reforço de
monta,voltou às pressas pelo caminho por onde havia chegado.
Um blefe português
Fonte: Adaptado de Ferreira Filho (1965)
26 Umaluzparaahistóriado RioGrandeRioGrande
A vida dos guaranis dos Sete Povos se modificou muito
quando administradores civis espanhóis passaram a gerenciar
os povoados.Paralelo ao aviltamento da força de trabalho,
ocorreu o desregramento moral da população reduzida.
Assim surgiu a prostituição,o consumo de bebidas aumentou
e os furtos se multiplicaram.Desmanchada a antiga
organização coletiva dos missioneiros,já não havia mais
telheiros,pedreiros nem carpinteiros para consertar as casas e
os prédios,que começavam a ruir.As oficinas e as escolas cedo
desapareceram.Explorados,padecendo tormentos e fome,os
índios das Missões abandonavam seu povoado e procuravam
por trabalhos precários e mal remunerados nas estâncias de
criação de gado que começavam a aparecer.
Em 1801,ano em que José Borges do Canto,Gabriel Ribeiro
de Almeida e Manoel dos Santos Pedroso,comandando um
grupo de quatro dezenas de guerrilheiros,conquistaram
as Missões,restavam cerca de 14 mil índios nos Sete Povos.
Explorados pelos espanhóis e seduzidos pela ideia de que
teriam melhor sorte com os portugueses,os indígenas pouco
se opuseram dessa vez.Mas os novos conquistadores não
demonstraram ser menos gananciosos e corruptos do que
os espanhóis.Em pouco tempo,dividiram entre si o que
restava das estâncias e do gado missioneiros.Os conflitos
entre castelhanos e brasileiros,que culminaram na criação
do Uruguai em 1828,também arrastaram à guerra muitos
indígenas.Em 1822,ano da Independência do Brasil,não
restavam nas Missões mais do que 2.350 guaranis. Em 1830,
praticamente não havia mais índios nos Sete Povos.
A
Rio Pardo coube,
como escreveu
Dante de Laytano,a
função sociológica
de consolidar as
conquistas e os domínios
portugueses no Sul do
Brasil.Dali saíram,fronteira
afora,Dragões e estancieiros
armados dispostos a se
apropriarem do território
pertencente aos índios e aos
espanhóis,não exatamente
para o rei de Portugal,mas
principalmente para si
mesmos.A conquista da
fronteira de Rio Pardo não
obedeceu a uma política
planejada e definida.Ela foi
decorrente de conquista
militar,beneficiando,por
isso mesmo,os homens da
guerra.Ou seja,para a posse
e concessão de sesmarias,
prevaleceu a força social
dos militares e das pessoas
vinculadas à administração
colonial.
A distribuição
das sesmariasEstancieiros armados conquistaram os territórios dos índios
••Sesmariasedatas
ÀépocadoBrasilColônia,
asterraseramconcedidas
pormeiodesesmarias
ededatas.Asesmaria
correspondia,emmédia,
a3x1légua.Assim,uma
sesmariaequivaleriaa
13.068hectares.Asdatas
correspondiama¼de
léguaquadrada,oque
representava272hectares.
Asprimeirassesmariasno
RioGrandedoSulforam
concedidasjáem1732,
nosCamposdeViamão.
NaBaciadoJacuí,asterras
começaramaserpovoadas
apartirdoTratadode
Madri.Comadominação
espanhola,aocupaçãoda
regiãoseintensificouefoi
garantidamilitarmentepor
RioPardoeSantoAmaro.
••BorgesdoCanto
Adiáspora
dos guaranis
Banco de imagens/gs
JoséBorgesdoCantoeraumsoldadodesertor
doRegimentodeDragõesdeRioPardoeum
contrabandista.ManueldosSantosPedroso
eraummamelucoestancieiroeGabrielRibeiro
deAlmeida,ummilitar.Emboratenhamsido
rio-grandensesque,comarmasempunho,
anexaramaáreadosSetePovos,elestiveram
acomplacênciaeoincentivodocomando
do Regimento dos Dragões.Uma vez
conquistado o território,para lá se deslocaram
tropas para manter a região sob o domínio
português.Inicialmente foram os estancieiros
luso-brasileiros mas,depois,também os colonos
de origem italiana e alemã que aproveitaram
os materiais dos prédios missioneiros para a
construção de suas casas.As poucas ruínas
ainda existentes testemunham a devastação da
experiência das Missões.
Os confrontos travados com os castelhanos entre 1762 e 1776
reforçaram o poder dos militares e dos estancieiros já estabelecidos
no Rio Grande do Sul,indispensáveis para a reconquista do território.
Durante e após o conflito com os castelhanos,inúmeras terras foram
distribuídas aos que tinham prestado serviços à causa portuguesa.
No ano de 1808,o contratador Manoel Antônio de Magalhães se
mostrou indignado com o fato de haver na capitania moradores
com três ou mais sesmarias.De acordo com ele, “um homem que
tinha a proteção tirava uma sesmaria em seu nome,outra em
nome do filho mais velho,outras em nome da filha e filho que
ainda estavam no berço e,desse modo,há casos de quatro e mais
sesmarias”.
27RioPardo200anos Cultura,ArteeMemória
C
onforme Dante de Laytano,um
personagem que bem
ilustra a figura
do soldado-
estancieiro é
Rafael Pinto Bandeira,
Comandante do
Continente do Rio
Grande.Homem
laureado pelos
seus feitos militares,
contrabandista de
gado e de couros e profundo conhecedor da região e da
gente,Pinto Bandeira fez valer seu poder e influência para
obter concessões de terras.Dentre suas propriedades
encontram-se a Estância das Pombas,em Rio Pardo,com
duas léguas quadradas,sobrados e muitas benfeitorias,e a
Fazenda do Pavão,no Camaquã,em Passo da Armada,com
12 léguas quadradas.Outra fazenda de duas léguas por
uma,no Capivari,em Rio Pardo,e muitos outros campos,
casas,chácaras e capões,além de 23 mil reses,também
faziam parte de suas posses.
Sede da
Fazenda
das Pombas,em
Rio Pardo,que
pertenceu
a Pinto
Bandeira
O legendário
Pinto Bandeira
Soldados sediados em Rio Pardo
também auxiliaram nas guerras que
culminaram com a conquista e posterior
perda da Cisplatina (atual Uruguai).
Em 1808,com os exércitos de
Napoleão Bonaparte se apoderando
de Portugal,houve a transmigração da
família real e da corte portuguesa para o
Brasil.A partir de então se intensificou o
desejo de estender o império luso até o
estuário do Prata.
No Prata,a situação se complicaria
a partir de 1810,quando o cabildo de
Buenos Aires se declarou independente
da Espanha e procurou organizar
as Províncias Unidas do Prata – que
reuniria os atuais Peru,Paraguai,
Uruguai e Argentina.Além disso,o
caudilho Artigas prometia colocar
em prática um projeto revolucionário
com redistribuição de terras na Banda
Oriental.Entre 1811 e 1812,um“Exército
Pacificador”de 3 mil soldados paulistas,
catarinenses e gaúchos invadiu o
Uruguai e tomou Montevidéu.Nessa
oportunidade,foi anexada grande parte
do distrito de Entre Rios,base em que
atuava Artigas.O território anexado
corresponde aos atuais municípios de
Uruguaiana,Santana do Livramento e
parte dos municípios de Rosário do Sul
e Dom Pedrito.
Em 1816,4.800 veteranos soldados
de guerra vindos de Portugal e
comandados pelo general Lécor
voltaram a intervir no Uruguai.Artigas e
seus correligionários foram derrotados
e a Banda Oriental foi anexada ao
Brasil com o nome de Província da
Cisplatina.Quinze anos após a conquista
das Missões,o sonho português de
anexação de terras em direção ao rio da
Prata finalmente se realiza.
Contra a
dominação
A partir de 1825,Juan Antonio
Lavalleja inicia o movimento de
resistência contra a dominação que,a
essas alturas,não é mais portuguesa,
mas brasileira.Os revoltosos ganham
o auxílio dos argentinos.Derrotado
nas batalhas de Sarandi e Passo do
Rosário,o Brasil aceita a interferência
da diplomacia inglesa e consente na
criação de um novo país.Surge assim,
em 1828,o Uruguai.
Uruguai já foi
do Brasil
Típico soldado-estancieiro,usou seu poder para acumular bens
PintoBandeira
Carta pede terra para
afugentar os índios
Ilustríssimos e excelentíssimos
senhores
Diz Ignacia Zeferina e Souza,filha
do Alferes Jozé Caetano de Souza,
morador na fronteira do Rio Pardo,
que existindo muitos terrenos
devolutos no sertão entre aquele distrito e o da Vacaria,sertão
ocupado pelos índios brabos,se tem alguns vassalos animados
a entrar e a querer povoar parte do mesmo sertão,assim
afugentar os ditos índios e tornarem úteis os terrenos,e porque
a suplicante com assistência de seus pais,pretende também
povoar e formalizar uma estância no dito sertão por gozar
deste benefício do referido seu pai roga a Vossas Excelências se
digne conceder à suplicante por sesmaria a extensão de uma
légua de frente com três de fundos compreendendo campos
faxinais e matos no referido sertão e no lugar aonde findar a
sesmaria que tem referido o Tenente Coronel João Maria de
Brito.
Senhores conceder a graça implorada
E requer mercê.
28 Umaluzparaahistóriado RioGrandeRioGrande
Oescritorgaúcho
ApolinárioPorto
Alegre(Rio
Grande,1844-1904)
incluioíndígenaem
seuprincipalromance,
OVaqueano(1872). No
texto,oautoracentua
oladoselvagemda
tribodosguaicanãs–
“filhosdaselva”,como
eleoschama–,quese
sobrepujaaqualidades
ressaltadasem
outrospersonagens
datrama,comoa
lealdadeeaamizade.
Odesfechodesua
narrativacoincidecom
oextermíniodatribo.
InspiradoemOgaúcho,
deJosédeAlencar,O
vaqueanocontauma
históriadevingança.O
protagonistaéJoséde
Avençal,queconduz
partedastropasdo
exércitofarroupilha
atéSantaCatarina.
N
a literatura e nas artes,o
indianismo significou a
idealização do indígena,retratado
como herói nacional.Essa visão
se baseou no mito do“bom
selvagem”,apresentado pelo filósofo francês
Jean-Jacques Rousseau no livro Discursosobre
aorigemeosfundamentosdadesigualdade
entreoshomens (1755).Rousseau afirma
que o homem nasce bom e sem vícios,mas
é pervertido pela sociedade civilizada.Sua
teoria fundamentou,décadas mais tarde,
o indianismo romântico.No século XIX,o
índio se torna o tema central dos escritores
brasileiros.Representa a pureza e a coragem
do homem não corrompido pela sociedade.
Os romances Iracema (1865),OGuarani (1857)
e Ubirajara (1874),de José de Alencar,marcam
o período.Na mesma linha vai o poema I-Juca
Pirama (1857),de Gonçalves Dias,que relata a
morte do último remanescente da tribo tupi,
devorado por membros da tribo dos timbiras.
No Rio Grande do Sul,a mesma valorização
se reflete na produção literária.O poeta
romântico Francisco Lobo da Costa (Pelotas,
1853-1888),no seu poema épico (inacabado)
Osfarrapos ou ARevoluçãode1835noRio
GrandedoSul,vincula a figura do gaúcho
à do índio,na medida em que ambos são
valentes,nobres e dominam com precisão a
sua montaria.O texto destaca a participação
dos indígenas na Revolução Farroupilha,
mostrando-os como heróis destemidos.
BernardoTaveira Jr.(Rio Grande,1838-92),
no poema RioGrandedoSul,enfatiza a origem
do povo rio-grandense como descendente da
raça tupi:“Descendes ó bela / Da raça tupi / Da
raça dos fortes / Dos livres – aqui”. E ao definir
o caráter do gaúcho,logo trata de associá-lo
ao índio.É um raciocínio semelhante ao do
romancista e crítico literário Alcides Maya (São
Gabriel,1878-1944):para ele,o gaúcho surge
como fruto da mestiçagem entre o índio e o
tipo ibérico.
A idealização do índio foi alvo da sátira de
Lima Barreto em 1911,com a publicação de
TristefimdePolicarpoQuaresma.O romance
conta a saga de um brasileiro nacionalista
que busca,na recuperação das tradições
indígenas,a saída para os problemas políticos,
culturais e econômicos do Brasil.O major
Quaresma chega a sugerir à Assembleia
Legislativa a adoção do tupi-guarani como
língua oficial.Quaresma é considerado
louco e termina seus dias encerrado em um
manicômio.
O herói da literatura nacional
••Missões
Álvarofitounoíndioumolharadmirado.
Ondeéqueesteselvagemsemcultura
aprenderaapoesiasimples,mas
graciosa;ondebeberaadelicadezade
sensibilidadequedificilmenteseencontranum
coraçãogastopeloatritodasociedade?
Acenaquesedesenrolavaaseusolhos
respondeu-lhe;anaturezabrasileira,tãoricae
brilhante,eraaimagemqueproduzia
aqueleespíritovirgem,comoo
espelhodaságuasrefleteoazuldo
céu.(OGuarani,deJosédeAlencar)
Baseado no mito do“bom selvagem”,índio é retratado como ser puro e corajoso,inclusive na ficção rio-grandense
SepéTiaraju,herói
guaraninaguerra
contraastropas
luso-brasileirase
espanholas,morto
emcombateem
1756,étemado
livroSepéTiaraju–
RomancedosSete
Povosdas
Missões,de
AlcyCheuiche.
Assimele
vislumbraa
quedadeSepé:“A
fuzilariaredobra
deintensidade.Jápoucosguaranis
restamdepénocampodebatalha.Sepé
reúneosremanescentesepartepara
umanovacarga.Sualançalevantada
selaumdragãoportuguês.Três,quatro
soldadosinimigosocercam.Umalança
oatingepelascostas.Seucorpotomba
sobreopescoçodocavalo“. 	
AsagadeSepétambémélembrada
nopoemaépicoOUraguai,deBasílio
daGama,eemOContinente,deErico
Verissimo.JáoromanceIbiamoré–O
Trem-fantasma,deRobertoBittencourt
Martins,trazopersonagemdoíndio
Teireté. Eleconseguiufugirdaúltima
reduçãojesuíticadestruídaepassoua
vivernofundodeumdespenhadeiro,
ondeerguecruzeslembrandoosirmãos
mortos. Ascruzes,levadaspelaságuasdo
desfiladeiro,sempretêmdeserreerguidas.
Essetrabalhocontínuo,semfim,simboliza
oprotestoearesistênciadeTeireté.
••Guaicanãs
José de Alencar
Porto Alegre
29RioPardo200anos Cultura,ArteeMemória
É muito frequente o uso de filmes
como material didático em sala de
aula.Um dos mais utilizados pelos
professores de História no Ensino
Fundamental e Médio é AMissão.
Produzido em 1986,tem astros de
peso como Robert De Niro e Jeremy
Irons.Recebeu oito indicações para o
Oscar e venceu a Palma de Ouro no
Festival de Cannes.O tema é a Guerra
Guaranítica,ocorrida no século XVIII.
Apesar do seu prestígio,AMissão
apresenta uma série de incorreções
históricas e geográficas. Abaixo,as
mais graves:
1º)Foram os territórios e índios
dos Sete Povos das Missões que
estiveram diretamente envolvidos no
Tratado de Madri de 1750,e não as
missões guairenhas.Essas já haviam
sido arrasadas há mais de cem anos.
2º)O palco dos conflitos não foi
os Altos do Rio Paraná nem a Mata
Atlântica,mas as coxilhas do atual
território do Rio Grande do Sul.Foi
em Caiboaté (hoje São Gabriel) que
se deu o genocídio guarani quando a
infantaria,a artilharia e a cavalaria de
Portugal e da Espanha destroçaram a
guerrilha dos índios cristianizados.
3º)Os heróis não têm
equivalentes nas figuras de Sepé
Tiaraju ou de Nicolau Nhenguiru,dois
dos maiores líderes da resistência
missioneira.Os padres jesuítas são
retratados como os“mocinhos”e os
índios,como coadjuvantes.
4º)O filme mostra os guaranis
colhendo bananas.Mas naquele
tempo,ninguém em parte alguma da
América explorava os bananais.
5º)As cenas têm índias seminuas,
de seios à mostra,e guerreiros nus.
Isso não condiz com a realidade.Os
padres,seguindo seu severo código
moral,fizeram com que os guaranis
usassem vestimentas.
A
produção
cinematográfica
brasileira já
retratou o
índio em vários
momentos,em filmes como
Iracema–Avirgemdoslábios
demel,HansStaden,Como
eragostosoomeufrancês e
o mais recente Caramuru
–AinvençãodoBrasil,de
2001.Mas no Rio Grande do
Sul,o destaque conferido
ao indígena na literatura
gaúcha não se reflete no
cinema.
O escritor e cineasta
Tabajara Ruas tentou resgatar o índio
de seu quase esquecimento no cinema
em seu último longa-metragem,
Nettoeodomadordecavalos.Um dos
principais personagens é o ÍndioTorres,
interpretado porTarcísio Filho.Ele ocupa
boa parte da trama e ainda faz o papel
de narrador.Segundo Ruas,a inclusão
deTorres como um dos personagens
centrais foi uma forma de“fazer justiça”
com a população indígena,já que não
houve um representante da etnia no
elenco principal de seu filme anterior,
Coadjuvantes
no cinema
Filmes,no Rio Grande do Sul,não conferem destaque aos indígenas
Filme Nettoeodomadordecavalos busca o resgate
Nettoperdesuaalma.
Odomadordecavalosmistura
figurasreais–comoAntoniodeSouza
Netto,generaldaGuerradosFarrapos
–elendários.ÀsvésperasdaRevolução
Farroupilha,ooficialNettodescobreque
umantigocompanheirodasguerrasdo
Sul,osargentoÍndioTorres,estápreso.
Paralibertá-lobuscaaajudadeescravos
rebelados,entreelesomelhorgineteda
fronteira,umjovemquemaistardeserá
conhecidocomooNegrinhodo
Pastoreio.
••AgênesedosTerra-Cambará
AnaTerrafoidirigidoporDurvalGarciaem1971.Ofilmesebaseia
emumdosepisódiosmaisfamososdeOcontinente,primeiro
romancedatrilogiaOtempoeovento,deEricoVerissimo.Além
deAna–amatriarcadosTerra-Cambará,famíliaqueconduz
oenredodatrilogia–, livroefilmetrazemopersonagem
PedroMissioneiro,indígenaeducadoporpadresespanhóise
sobreviventedaGuerraGuaranítica.Pedrosetornaagregado
dafamíliadeAnaTerra,paulistasquechegamaoRioGrandedo
SulnoséculoXVIII.Emmeioàrotinasolitárianafazendadopai,
ManecoTerra,Anaseenvolveamorosamentecomoíndio.
Orelacionamentoclandestinoacabaemtragédia,quandoManecodescobre
a“desonra”dafilha,queestágrávida.Revoltado,mandaosfilhos,Antônioe
Horácio,mataremPedroMissioneiro.OfilhodeAnacrescerásemconhecero
pai,assassinadocruelmente,maspreservaráoseunome.Em1984,ahistóriafoi
reapresentadanaminissérieOtempoeovento,daRedeGlobodeTelevisão.
A Missão e suas
falhas históricas
Jesuítas são os protagonistas da trama
FOTOS:divulgação/gs
30 Umaluzparaahistóriado RioGrandeRioGrande
••A lendadamandioca
D
iversas lendas de origem indígena
se tornaram parte do folclore
brasileiro e rio-grandense. Algumas
têm origem em fatos históricos,
como a de M’Bororé. Espanha e
Portugal derrotaram os índios guarani dos
Sete Povos das Missões,na batalha que ficou
conhecida pelo nome de Caiboaté,em 1756.
Diante do avanço dos dois exércitos europeus,
lanceiros guaranis foram abatidos às centenas.
Quando os invasores entraram em São Miguel,
os padres abandonaram em pânico as suas
fazendas.Na fuga precipitada,não podendo
levar consigo as riquezas,eles as enterraram
ou lançaram às águas.Mas esses tesouros
não ficaram de todo abandonados à cobiça
dos homens.Índios devotados aos padres
ficaram guardando as riquezas.Passados mais
de duzentos anos,eles se mantêm fiéis à sua
missão:envelheceram e morreram mas,mesmo
depois de mortos,continuam a defender os
tesouros.
É chamado de M’Bororé o vigia da Casa
Branca.Dentro do mato,no alto de uma
lombada,há uma casa branca,sem portas
nem janelas.No interior,as salas estão cheias
de barras de ouro e de prata,tão pesadas que
seriam necessários dois homens para remover
cada uma delas.Também há pedras preciosas
e,por cima de tudo,castiçais de ouro maciço.
Quando os padres fugiram,M’Bororé se tornou
o guardião da Casa.Guardou-a até a velhice
e,depois de morto,seu fantasma continua a
postos. Até hoje,ele ronda a Casa Branca.
Trata-se de um mito
universal.No Rio Grande
do Sul,a versão mais
conhecida é a descrita por
João Simões Lopes Neto
e publicada em 1913,no
livro Lendas do Sul.
Em um tempo muito
antigo,houve uma noite
extraordinariamente
longa e escura.Na tarde
que antecedeu essa noite,
começou uma chuvarada.
A chuva culminou em
um grande dilúvio,que
matou quase todos os
animais e homens.A
água inundou os campos,
fez transbordar riachos
e encheu as tocas dos
animais,inclusive a de
uma cobra enorme
chamada pelos índios de
boiguaçu,que dormia há
muito tempo.
Despertada,ela passou
a comer os olhos dos
animais que encontrava.
Diz-se que os animais
e homens,quando
perecem,guardam no
olhar a última luz que
viram.Era essa luz que a
cobra devorava,cada vez
mais.A pele da boiguaçu
se tornou luminosa,de
uma luz fria e azulada.
Quando os homens
voltaram a enxergá-la,não
a reconheceram.
Chamaram-na de
boitatá,que significa
cobra de fogo.Algum
tempo depois,boitatá
morreu de fraqueza.
Os olhos que ingerira
tinham a luz,mas não a
substância nutritiva de
que ela necessitava.Ao
se decompor,a cobra
liberou a luz que estava
presa dentro dela e essa
luz gelada se espalhou
por todos os rincões.Até
hoje,boitatá ronda pelos
campos do Rio Grande
do Sul e persegue os
campeiros.
M’bororé e o tesouro
das Missões
Lendas de origem indígena são parte essencial do folclore brasileiro e rio-grandense
Ele tem o
tamanho de
uma criança de
sete anos.Anda
nu,é peludo
como o bicho-
preguiça,tem
unhas compridas
e afiadas,o
calcanhar para
frente e os pés
para trás.É o
curupira,que ajuda os caçadores e
pescadores que lhe oferecem cachaça,
fósforo e fumo.O ofertório é para que
a pessoa tenha fartura nas caçadas
e pescarias.Quem não tem devoção
para com o curupira sente medo,
enjoo e náuseas a quilômetros de
distância dele.Com essas pessoas ele
brinca,fazendo com que se percam
na mata.Para se livrar do curupira
deve-se cortar uma vara,fazer uma
cruz e colocar em um rolo de cipó,
bem apertado.Ele vê o rolo e tenta
desmanchá-lo,dando tempo para a
pessoa fugir.
Cuidado com
o curupira
Maraeraumabelajovemguarani,filhadeum
poderosocacique,quesonhavacomoamore
umcasamentofeliz. Masumdiaelaengravidou
misteriosamente,apesardesemantervirgem.Em
vão,seuenfurecidopaiprocurouoautordadesonra
dafilha.
Mesesdepois,Maradeuàluzumalindamenina
depelealvaecabelosloiros,querecebeuonome
deMani.Acriançalogopassouaserestimadapor
todosdatribo.Porém,aocompletarumanodevida,
Manimorreu.Ofatochocouatodos,poisamenina
nuncahaviaapresentadonenhumadoença.
Desolada,amãeenterrouafilhanaprópriaocaem
queviviaparanãoseseparardela.Diariamente
choravadiantedolocal,regandocomoleitedos
seiosecomaslágrimasaquelapequenasepultura.
Passadoalgumtempo,brotoudacova,rápidae
fresca,umaplantaestranha.Acreditandoqueo
corpodameninaquisessesairdali,resolveram
desenterrarManiecolocá-laemoutrolugar.Maso
corpodapequenaíndianãofoiencontrado.
Nolocal,acharamsomentegrossasraízesda
talplantadesconhecida.Asraízes,porfora,
tinhamumacoloraçãomarrome,pordentro,
erambranquinhascomohaviasidoMani.Após
cozinharemeprovaremdaraiz,entenderamque
setratavadeumalimento,naverdadeumpresente
doDeusTupã.Desdeentão,amandiocapassoua
serumalimentoparaosíndios.Elesderamonome
deManiparaaraiz.Comonasceudentrodeuma
oca,ficouManioca,quehojeconhecemoscomo
mandioca.
A origem de
boitatá
(AdaptadodeCostaeSilva,1957)
31RioPardo200anos Cultura,ArteeMemória
••Ondeelesestão
Quasedizimadospela
dominaçãoexercida
pelohomembranco,os
índiosquesobreviveram
formaramcomunidades
esparsaspeloterritório
doRioGrandedoSul.
Sãoosremanescentes
dospovoscaingangues,
guaraniseguaranis
mbyá.Atualmente,no
Estado,osregistrosoficiais
apontamaexistência
de37terrasindígenas.
Somadas,elasequivalema
102,6milhectares,sendo
17homologadaspela
PresidênciadaRepúblicae
registradasnopatrimônio
daUniãoequatrocom
PortariaDeclaratória
emitidapeloMinistério
daJustiça.Asdemais
áreasestãoemetapasde
estudoedelimitação.A
maiordelaséaReserva
doGuarita,naregiãode
TenentePortela.Lávivem
cercadesetemilíndios,
caingangueseguaranis.
AConstituiçãoconsidera
osindígenascapazes
dedecidiremsobre
seuprópriofuturoe
elesparticipamna
elaboraçãodaspolíticas
aseurespeito:vinte
indígenaseleitosporsuas
comunidadessãotitulares
daComissãoNacional
dePolíticaIndigenista,
ondeatuamemparceria
comogovernofederalna
construçãoeaprovação
dediretrizesparaapolítica
indigenistabrasileira.A
legislaçãobrasileiraé
consideradareferência
internacionalnoque
dizrespeitoàproteção
epromoçãodospovos
indígenas,principalmente
naquestãofundiária.
Aindaassim,hámuitoo
quemelhorarparaessa
parcelada população,
irremediavelmenteaviltada
emseusdireitoshistóricos.
FOTOS:inor/ag.assmann
32 Umaluzparaahistóriado RioGrandeRioGrande
O
sítio onde se encontra a sede do município
de Rio Pardo possui relevo acidentado.Por
isso a área urbana recebeu ruas sinuosas,
que se adaptam à declividade do terreno,
configurando um traçado irregular.
A cidade ainda mantém várias das características do
período de sua formação,como o traçado original de
suas ruas centrais e a existência de um número regular de
edificações construídas no período colonial e à época do
Império no Brasil.
O ponto de partida do núcleo urbano foi a Fortaleza
Jesus,Maria,José.As construções desceram para áreas mais
baixas,na atual Rua da Ladeira,onde foi edificada a Igreja
Matriz (1779) eselocalizaapraça.Com ocrescimento,aatual
Rua Andrade Neves assumiu a condição de ponto dinâmico
da cidade.
A demarcação dos terrenos urbanos – concedidos
preferencialmente a oficiais,médicos,capelães e inferiores
da guarnição dos Dragões – se iniciou no ano de 1780. A
princípio,os trabalhos foram realizados por engenheiros
militares.
Do núcleo militar inicial assentado no entorno do Forte
Jesus,Maria,José,com apenas algumas poucas residências
de militares e armazéns de víveres e mantimentos para
as tropas aquarteladas,em 1823 a vila apresentava – de
acordo com Dante de Laytano – 282 prédios urbanos
sujeitos aos impostos urbanos e 50 casas não sujeitas à
décima,por causa dos poucos meios de seus habitantes e
proprietários.Já de acordo com Sabrina Souza,em 1826 Rio
Pardo apresentava um total de 730 casas,das quais 20 eram
estabelecimentos comerciais.
As escadarias existentes nas calçadas
são uma peculiaridade da área
central de Rio Pardo. O caso típico
é o prédio onde atualmente
funciona o Museu Barão de
Santo Ângelo. Como não era
permitido fazer escadarias
no passeio público, a
solução foi construir
escadarias que
elevassem o nível
do passeio como
um todo.
Relevo definiu
traçado das ruas
CAPÍTULO
AvidaURBANA
A formação da área urbana de Rio Pardo; o comércio
intenso dá origem a uma elite social e econômica
no município; os hábitos de higiene no passado
e a preocupação com a saúde.
Rio Pardo 200 anos
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Rio Pardo 200 anos

  • 1.
  • 2. Uma luz para a história do Rio Grande RioPardo200anos Cultura,ArteeMemória SantaCruzdoSul RioGrandedoSul–Brasil 2010 Olgário Paulo Vogt Maria Rosilane Zoch Romero (Organizadores) Incentivadores Apoiocultural Proponentecultural
  • 3. Coordenação editorial e organização: Maria Rosilane Zoch Romero Coordenação histórica e organização: Olgário Vogt Supervisão geral: Romeu Inácio Neumann Textos: Olgário Vogt,Maria Rosilane Zoch Romero,José Augusto Borowsky, Guido Ernani Kuhn,Elemir Polese,Luís Fernando Ferreira,Otto Tesche, Cristina Severgnini,Dejair Machado Pesquisadores: Melina Perussatto,Fábia Behling,Rafael Brito Vianna Design e projeto gráfico: Paulo Cesar Meinhardt Edição de fotografia,arte-final e supervisão gráfica: Márcio Oliveira Machado Capa (antiga Escola Militar,hoje Centro Regional de Cultura),mapas e ilustrações: Fernando Barros Revisão: Luís Fernando Ferreira Produção executiva cultural: Edemilson Cunha Severo Coordenação cultural: Névio Stefainski Impressão e acabamento: Gráfica e Editora Coan – Tubarão – SC Proponente cultural: Editora Gazeta Santa Cruz Ltda. Apoio: Ministério da Cultura – Lei de Incentivo à Cultura – Lei Rouanet – Pronac 085735 Patrocínio: Souza Cruz S.A. CRM - Companhia Riograndense de Mineração Caixa Estadual S.A.- Agência de Fomento RS BANRISUL S/A Corretora de Valores Mobiliários e Câmbio Copyright 2010 Todos os direitos da publicação reservados.A reprodução total ou parcial de textos ou de fotos deste livro depende de autorização expressa,por escrito, da direção da Editora Gazeta Santa Cruz. Santa Cruz do Sul – Rio Grande do Sul – Brasil – 2010 Ficha Técnica Uma luz para a história do Rio Grande: Rio Pardo 200 anos:cultura,arte e memória / Org.Olgário Paulo Vogt;Maria Rosilane Zoch Romero.Santa Cruz do Sul: Editora Gazeta Santa Cruz,2010. 208 p.:il. ISBN Bibliografia 1.Rio Pardo (RS) – História. 2. Rio Grande do Sul – História.I.Vogt,Olgário Paulo;Romero,Maria Rosilane Zoch. Catalogação :Bibliotecária Edi Focking CRB-10/1197 L979 CDD :981.65
  • 4. 3RioPardo200anos Cultura,ArteeMemória Sumário 4 Introdução 6 Osprimeiroshabitantes 20 Disputaspeloterritório 32 Avidaurbana 52 Aorganizaçãopolítica 66 RioPardo,mãedemuitos 80 GuerrascivisabalamoRioGrande 104 ARioPardodosmilitares 116 Aescravidãoesuasmarcas 136 Aatividadecriatória 148 Osrioseasferrovias 158 Projetoscolonizatórios 172 Culturasaolongodotempo 180 Areligiosidade 202 Referências
  • 5. Introdução presente livro é o resultado de um projeto proposto pela Editora Gazeta Santa Cruz Ltda., em parceria com o Departamento de História e Geografia da Universidade de Santa Cruz do Sul, desenvolvido a partir de outubro de 2008,e que teve como objetivos comemorar a passagem do bicentenário de elevação de Rio Pardo à condição de municípioeresponderàsquestõesfundamentaissobrea formação socioeconômica e cultural do Estado. UmdosquatromunicípiosiniciaisdoRioGrandedoSul, RioPardofoicriado,comRioGrande,PortoAlegreeSanto Antônio da Patrulha, pela Provisão de 7 de outubro de 1809.Ainstalação,noentanto,ocorreriasomentedoisanos emeiodepois,em20demaiode1811.Jáasuaelevaçãoà condiçãodecidadesedariaapósotérminodaRevolução Farroupilha,ou seja,em 31 de março de 1846. Ao contar a história desses 200 anos, o livro aborda aspectos e acontecimentos de Rio Pardo e do Rio Grande do Sul.O trabalho se iniciou enfocando os primeiros ha- bitantes do território,que foram índios de diferentes tra- dições.Passou pela função militar estratégica que coube à localidade e tratou da conquista militar e a apropriação das terras na Fronteira de Rio Pardo; pela evolução polí- tica e administrativa e pelas lutas políticas ocorridas no município e no Rio Grande do Sul;pelo desenvolvimento econômico de Rio Pardo e região; por um olhar sobre a fragmentação do território primitivo de Rio Pardo em centenas de municipalidades;por aspectos urbanos e do cotidiano da vila e da cidade no passado;pela escravidão e pela resistência ao trabalho compulsório dos traba- lhadores feitorizados; pelos projetos colonizatórios com imigranteseuropeusocorridosnaregião;pelosmúltiplos aspectos religiosos que caracterizam a população rio- pardense; pela representação de Rio Pardo na literatura, por espaços culturais existentes e por rio-pardenses que se destacaram no mundo das ciências, letras e artes; por alguns lugares que marcaram a vida da sua gente; por algumas personagens nascidas,ou que viveram parte de suas vidas no município, e que deixaram marcadas suas trajetórias. Finalmente, trata de alguns saberes e fazeres da população de ontem e de hoje da bicentenária Rio Pardo. Emtermosderecursoshumanosefinanceiros,essefoi o projeto especial mais arrojado e de maior envergadura já desenvolvido pela Editora Gazeta, pois contou com o envolvimentodemaisde40profissionaisnasuaprodução, comarealizaçãodemaisde200entrevistase2.100regis- tros fotográficos,com cerca de 40 municípios visitados e 14.000 km percorridos. O livro tem como meta se constituir em material didático-pedagógico.Espera-se que ele possa contribuir, com a indispensável mediação do professor, para que alunos consigam construir e reelaborar conhecimentos em sala de aula a partir da sua utilização. Nesse sentido, acreditamos que tenhamos contribuído para minorar a carência de material didático sobre o município,a região e o Estado. Esta obra tem também o escopo de colaborar com o conhecimento acerca da história local e regional. Na historiografia brasileira, a história local se caracteriza por ocupar um espaço marginal e por ser escrita,quase sempre, por pesquisadores diletantes. Os textos aqui veiculados, além da autoria dos coordenadores deste trabalho, são também produção de um grupo de jor- nalistas abnegados que integram o corpo funcional do jornal Gazeta do Sul, pertencente à Gazeta Grupo de Comunicações. Embora o foco seja Rio Pardo e o seu entorno, fatos significativos da história rio-grandense são aqui analisados, uma vez que a história local está imbricada com a regional em diferentes escalas. Daí a razão do título“Uma luz para a história do Rio Grande – Rio Pardo 200 anos – cultura,arte e memória”. O 4
  • 6. 5RioPardo200anos Cultura,ArteeMemória Para desenvolver este trabalho, recorremos a uma vastabibliografia.Fontesprimáriasforamconsultadasem arquivos históricos,museus e centros de documentação. Inestimáveisnosforam,também,ascontribuiçõesrepassa- dasporpesquisadoresuniversitárioseporpesquisadores diletantes.Atodosquecolaboraramcomnossaequipede trabalho cedendo fotografias, documentos, depoimen- tos ou indicando pistas, a nossa gratidão. Deixamos de nomeá-los individualmente porque a lista seria grande e,fatalmente,cometeríamos a injustiça de omitir o nome de um ou de outro. Que se sintam homenageados nas pessoas de José Ernesto Wunderlich (seu Nanati) e de Ciro Saraiva, que sempre se mostraram solícitos e foram incansáveis em colaborar com nossa equipe. Agradecemos também ao Ministério da Cultura do Brasil (MinC) que,por meio da Lei de Incentivo à Cultura – Rouanet,acolheuaproposiçãoculturaldaEditoraGazeta. Permitiu, dessa forma, a produção de conhecimento a partir da história e da memória coletiva, ultrapassando as fronteiras acadêmicas e abrindo novas possibilidades decompreensãodarealidade. Destacamos,ainda,aindis- pensávelcontribuiçãodenossosincentivadoresculturais, que tornaram possível a concretização desta obra. Comotodoequalquertrabalhohistórico,estetambém se constitui de versões sobre o passado.Não temos a pre- tensão de esgotar os temas,muito menos a de escrever a história de Rio Pardo.Sem deixar de lado atores contados pelahistoriografiatradicional,temosaintençãodetrazerà tonaosignoradosoucompletamentedesconhecidos.Ao lado das batalhas heroicas e das enaltecidas conquistas militares ocorridas na fronteira de Rio Pardo, queremos colocar os índios, esses expropriados esquecidos. Na pujante Rio Pardo comercial do século XIX, aspiramos enfatizar o trabalho realizado pelos cativos africanos e a sua luta contra a escravidão. Evidentemente, a escolha dos temas que integram o livro e a interpretação dada a determinadosfatosexpressamumateoriaeumconjunto de conceitos dos coordenadores do projeto.Mais do que esgotar qualquer tema,almejamos levantar uma série de questões que possam ser alvo de pesquisas em futuro bastante próximo. Esperamos que,com esse trabalho,leitores não espe- cializadosnaciênciahistórica,pesquisadores,professores e alunos, sintam-se desafiados a buscar novas leituras e conhecimentos sobre o Rio Grande do Sul e a fazer cone- xõesereflexõesentreessepassadoearealidadepresente do município e do Estado. Os organizadores 5
  • 7. 6 Umaluzparaahistóriado RioGrandeRioGrande Onde tudo começou Osprimeiroshabitantes A origem do planeta Terra remonta a aproximadamente 4,5 bilhões de anos. Há cerca de 3 bilhões de anos apareceu a vida, com o surgimento das bactérias primitivas. A formação do planeta se deu ao longo de milhões de anos.Nesse tempo,significativas mudanças ambientais e climáticas ocorreram.Foi apenas há cerca de 6 mil anos que o clima na Terra se estabilizou,tornando- se bastante parecido com o atual.Havia muito a era dos enormes répteis terrestres – os cinodontes,dicinodontes, tecodontes e rincossauros – havia ficado para trás. Erika Collishonn,professora de Geografia da Universidade Federal de Pelotas,explica que,em termos de transformações do relevo do Rio Grande do Sul,acredita-se que as últimas ativações tectônicas significativas tenham ocorrido há cerca de 70 milhões de anos.A única superfície que se formou posteriormente,em virtude das regressões e transgressões marinhas, foi a Planície Litorânea e suas lagunas. Essas transgressões e regressões estão relacionadas às grandes glaciações que ocorreram no Pleistoceno (época compreendida entre 1 milhão e 800 mil e 11 mil e 500 anos atrás).  Assim,é somente a partir de 6.000 anos antes do presente que as características geográficas gerais do território sul-rio-grandense se apresentam com uma fisionomia semelhante à atual.Mesmo assim,a professora chama a atenção que oscilações climáticas entre períodos mais quentes e úmidos (6.000 a 4.000 antes do presente – A.P.) e outros mais secos (4.000 a 2.000 A.P.) continuaram a ocorrer. O clima se estabilizou e ficou mais semelhante ao atual há cerca de 2.000 anos. A origem da Terra, há 4,5 bilhões de anos, e do gênero Homo; a chegada do homem ao continente americano; os grupamentos indígenas que ocuparam o Rio Grande do Sul há pelo menos 12 mil anos. O aparecimento do homem na Terra A História trata de toda a jornada do homem ao longo de sua existência. O historiador Jorge Eiroa, da Universidade de Múrcia, Espanha, explica que o homem, como gênero Homo, surgiu somente entre 2 e 1,5 milhões de anos.Trata-se do Homo erectus, que se desenvolveu até cerca de 100.000 anos antes do presente e se expandiu por todo o Velho Mundo, adotando diversas variantes formais que só afetaram partes secundárias de sua estrutura óssea. Atualmente, há a tendência de denominar Homo ergaster aos erectus da África, reservando o termo“erectus”para os asiáticos do tipo Java. A história dos antecedentes do gênero Homo,os australopitecos (hominídeos),remonta a 6 ou 7 milhões de anos.O exemplar mais antigo desse gênero é o Sahelanthropus chadensis (“Toumai”,o Velho Homem de Chade).Seus restos foram descobertos em 1998 por Michel Brunet,da Universidade de Poitiers,e por David Pelbean,no deserto setentrional do Chade.Brunet acredita ser esse o possível ancestral dos hominídeos posteriores.Em 2005/07, foram descobertos novos restos de“Toumai”.
  • 8. 7RioPardo200anos Cultura,ArteeMemória D evido à intensa e bem distribuída pluviosi- dade ao longo do ano, o Rio Grande do Sul tem farta rede hidrográfica. Além da enormidade de rios e riachos, possui igual- mente um grande número de lagos e lagunas costeiras. A vegetação natural depende, basicamente,das características do solo e do clima.Antigamente,pelo menos metade do território era coberta por campos.Os campos se dividiam em campinas e campos do planalto.As campinas são os campos limpos,que cobriam prati- camente toda a metade sul e oeste do território.Integram um conjun- to maior de campos que também abrange o território do Uruguai e parte da Argentina,chamado de Pampa.Essas campinas foram essenciais para o desenvolvimento do gado chimarrão.Os campos do planalto, também chamados de campos sujos por apresen- tarem arbustos misturados às gramíneas, aparecem no nordeste do Estado. Sua pastagem é infe- rior à das campinas. Originariamente, encontrava- se no Estado dois tipos de flores- tas: a mata subtropical e a mata dos pinhais. A subtropical ocu- pava a encosta do planalto, o alto vale do Rio Uruguai e a encosta nordeste, onde aparecia como uma continuação da Mata Atlân- tica. Possuía muitas árvores de madeira de lei com grande valor econômico. Já a mata dos pinhais se situava no planalto, no norte e nordeste. Juntamente com os pinhais aparecia a erva-mate. Es- sas duas árvores foram essenciais para a vida dos primeiros habi- tantes do Rio Grande do Sul. RS já foi habitado por dinossauros Campos e matas Atlântica e subtropical cobriam o território gaúcho ••Oquejáfoiencontrado OValedoRioPardoéumadasregiõesque preservamaisfósseisdedinossaurosno RioGrandedoSul.Candeláriatemomaior númerodeafloramentos.Umdeleséo Guaibasauruscandelariensis,conformea paleontólogadaUniversidadeFederaldoRio GrandedoSul(Ufrgs),MarinaBentoSoares. OsfósseismaisantigosdoValedoRioPardo, segundoela,sãodoperíodotriássico–245 a205milhõesdeanosatrás.“Aidadedos fósseisdaregiãopodeserestipuladaem 225a220milhõesdeanos.”EmSantaCruz doSuleVenâncioAiresforamdescobertas ossadasdeanimaisqueviveramnotriássico médio–245a228milhõesdeanos.“Também éimportanteressaltarapresençadoúnico fitossaurodaAméricadoSul,encontradoem Candelária. Alémdesses,ocorremnaregião dicinodontes,rincossaurosetecodontes”, dizMarina.Dentreosherbívoros,osanimais maiscomunseramosdicinodontes(di= dois;cynos=cão;odontos=dentes),que alcançavamquatrometrosdecomprimento por1,70metrodealtura.Tambémforam encontradosrincossauros–quepodiam medirmaisdetrêsmetrose90centímetros dealtura–ecinodontestraversodontídeos, quemediamummetrodecomprimentopor 50centímetrosdealtura.Entreoscarnívoros osmaioresforamostecodontianos,com seismetrosdecomprimentoe1,70metro dealtura.Segundo ospaleontólogos,é nessaregião–chamadadeDepressão Central – que ficaram as rochas do período triássico,quando todos os continentes estavam reunidos em uma massa de terras denominada Pangea. Guaibasaurus candelariensis
  • 9. 8 Umaluzparaahistóriado RioGrandeRioGrande Hipótese ainda predominante aponta que os primeiros homens entraram pelo Estreito de Bering,no Hemisfério Norte O homem chega na América Mais de dois mil anos já se passaram.Estamos na chamada Era Cristã. Mas foi muito antes disso,entre 12 e 11 mil anos atrás,que os primeiros seres humanos começaram a habitar os campos e encostas do atual Estado do Rio Grande do Sul.Os grupos pioneiros,constituídos de caçadores-coletores,possivelmente vieram migrados da Patagônia, território situado no Sul da Argentina. Esses antigos povos desconheciam a agricultura.Como sobreviviam? Da caça,da coleta e da pesca.No entanto,suas atividades para obtenção de alimento eram dependentes da oferta existente no ambiente. O professor Sérgio Klamt,da Universidade de Santa Cruz do Sul (Unisc),defende a ideia de que a horticultura (agricultura em pequena escala) foi praticada em tempos bem mais recentes,ou seja,começou a ser cultivada somente com o ingresso dos guaranis e dos gês no Estado.Por isso,e para entender melhor,vamos analisar como se deu a ocupação doVale do Rio Pardo. Quem pisou primeiro no RS A inda que atualmente vários investigadores proponham outras vias de entrada do homem na América,até agora a mais segura e defendida é a passagem pelo Estreito de Bering,entre a Sibéria e o Alasca. O professor Jorge Eiroa explica que a passagem de seres humanos já plenamente formados deve ter ocorrido em diversas ocasiões,em pequenos grupos e em levas sucessivas.A passagem da Sibéria para o Alasca deve ter se dado em fases de avanços glaciares,quando o nível da água dos oceanos baixou por causa da grande quantidade de água retida na forma de gelo nas calotas polares do planeta.As primeiras passagens devem ter ocorrido entre 40 e 45 mil anos atrás. Passados alguns milênios,seres humanos poderiam ser encontrados em diferentes pontos das três Américas. Escavações feitas na América do Sul têm proporcionado datações bastante antigas para a presença de grupos humanos. É o caso da Cueva Fell,na Patagônia argentina (12.000 a.C.),com pontas de “cola de pescado”,ou as de outros jazigos na Argentina,Colômbia e Peru (anteriores a 14.000 a.C.).MonteVerde,no sul do Chile, foi um povoado de caçadores-coletores cujos indícios datam de 12.000 a.C.Perto dali foi encontrado outro jazigo que pode ter uma cronologia anterior,de até 30.000 a.C.;no noroeste do Brasil,os achados de Pedra Furada datam de 30.000 a.C.e os mais recentes,deToca da Esperança, devem ser ainda anteriores. Essas cronologias sul-americanas sugerem que,se aceitarmos a direção Norte-Sul para a penetração humana no continente americano,ela deve ter se realizado há pelo menos 40.000 anos. Entretanto,o tema não está esgotado e os estudiosos não descartam outras possibilidades,surgidas a partir de novas pesquisas e de dados arqueológicos seguros. Possíveis correntes migratórias do homem para a América
  • 10. 9RioPardo200anos Cultura,ArteeMemória ••Artefatos N os séculos XVI e XVII,quando se deram os primeiros con- tatos do homem de origem europeia com a terra e a gente aqui já estabelecida, todo o Rio Grande do Sul era habitado por indígenas.O padre jesuíta e arqueó- logo Pedro Ignácio Schmitz,da Unisinos, estima que poderiam ter vivido,ao todo, cerca de 80 mil índios no atual território do Estado.Esses indígenas,além de possuírem língua e cultura diferentes, também ocupavam espaços distintos. Os povos guaranis ou os guaranizados – aqueles que tinham adotado a cultura guarani – eram amplamente predo- minantes.Correspondiam,segundo cálculos do padre Schmitz,a cerca de 90% do total de indígenas existentes. Mas também havia outros grupos.Os gês,por exemplo, representariam cerca de 6% e os pampeanos,grupo minoritá- rio,os restantes 4%.Isso significa que os nativos da cultura guarani constituíam a grande maioria. O Vale do Rio Pardo favoreceu a ocupação humana desde um passado remoto.Com áreas de campo ao Sul e as encostas do Planalto ao Norte,a região está situada num espaço de transição.Com base nas datações conseguidas por pesquisas feitas pelo Centro de Ensino e Pesquisas Arque- ológicas (Cepa) da Unisc,é possível afirmar que grupos caçadores-coleto- res (denominados por especialistas de tradição umbu) povoaram a área desde pelo menos 1.000 anos antes de Cristo. O arqueólogo Sérgio Klamt,no entanto, acredita que a ocupação seja bem mais antiga:“Esperamos que com o avanço das pesquisas e com o desenvolvimen- to das tecnologias possamos,no futuro, comprovar que essa ocupação é bem anterior à datação obtida através do exame com Carbono 14”. Os primeiros grupos eram nômades e se instalaram em locais mais elevados, nas proximidades de arroios e riachos, especialmente nas coxilhas e costas planas de morros.Deixaram registrada sua arte com inscrições e desenhos em blocos rochosos,chamados de petrógli- fos. Klamt:ocupaçãodeveseranteriora1.000a.C. Culturas indígenas Estimativa é de que,apenas no Rio Grande do Sul,havia perto de 80 mil índios Étestemunhadaproduçãoculturaldosindígenasuma sériedeinstrumentosdepedracomopercussores, raspadores, talhadores,bolasdeboleadeirae pontas-de-flecha. Klamtexplicaqueoarsenal deartefatos “fabricados”pelosgrupospioneiros provavelmenteerabemmaisricoerepresentativo,pois ferramentassimplesconfeccionadasapartirdelascasde madeira,ossos,dentesechifresde animaisraramentesobrevivemàaçãodotempo. Emboranãosejamencontradoscomfrequêncianas escavaçõesdesítios,devemtersidobastanteutilizados. Bolas de boleadeira Pontas-de-flechas inor/ag.assmann Fonte:AcervodoCepa/Unisc
  • 11. 10 Umaluzparaahistóriado RioGrandeRioGrande N a época do descobrimento do Brasil o Vale do Rio Pardo era povoado,ma- joritariamente,por tribos da tradição tupi-guarani. Elas tinham as suas al- deias de preferência nos vales dos rios, sobretudo nas margens do Jacuí e do Rio Pardo. No Rio Grande do Sul,os guaranis receberam diversas denominações.No litoral foram chamados de carijós; nas proximidades da Laguna dos Patos receberam o nome de arachanes; e nos vales dos rios Jacuí e Taquari foram alcunhados de tapes. Os guaranis são de origem amazônica,portanto provenientes de áreas florestais.Penetraram em território gaúcho por volta do ano 100 da nossa era.Klamt explica que,com o poder de suas armas – lanças,tacapes,arcos e flechas – somado ao seu espírito guerreiro,conquistaram terras ocupadas por povos indígenas de outras tradições. Eram ceramistas-horticultores.Isto é,além da caça,da pesca e da coleta,produziam alimentos cultivados em pequenos roçados de terras férteis. Dentre outros cultivares obtinham o tabaco,o milho,a mandioca,a abóbora,o algodão,o amendoim e o porongo. Os homens caçavam, pescavam, guerreavam e faziam a derrubada do mato para abrir clareiras onde eram implanta- das as hortas. As mulheres teciam, confeccionavam cerâmica e se responsabilizavam pela atividade agrícola. Normalmente, as aldeias guaranis ficavam localizadas nas proximidades de um curso d’água e no meio de uma mata ciliar. Após alguns pares de anos, quando os víveres necessários à sobrevivência do grupo escas- seavam, os indígenas se deslocavam para outra área. Os guaranis foram também considerados exímios canoeiros.Faziam suas embarcações escavando robustos troncos de árvores.Utilizando ca- nudos de taquara,bebiam uma infusão de erva-mate com água que era servida em pequenos porongos.Desse hábito deve ter se originado o chimarrão. Em um período bem mais recente – 600 ou 500 anos atrás –,insta- laram-se pelo Vale do Rio Pardo.Da sua cultura material foram encon- trados machados de pedra polida, cachimbos e uma grande varie- dade de vasilhas de cerâmica. Povo penetra no território gaúcho por volta do ano 100 A chegada dos guaranis Urnas funerárias: testemunho da produção cultural dos guaranis fotos:inor/ag.assmann Cachimbos de barro Índios guaranis Fonte:Cepa/Unisc
  • 12. 11RioPardo200anos Cultura,ArteeMemória ••Culturaincipiente Os gês eram caçadores,coletores, pescadores e praticavam uma horticultura bem mais incipiente do que a dos guaranis. Sua cerâmica,quando comparada com a guarani,era menos resistente e feita de vasilhas de formato menor. Os gês são hoje os caingangues Para os colonizadores,esses indígenas eram os“bugres” Charruas, minuanos ou pampeanos N o Planalto e no Nordeste do Estado se localizavam os gês,denominados de coroados ou botocudos.Os caingangues são seus atuais descendentes.Os colonizadores das áreas florestais do Rio Grande do Sul os identificaram,posteriormente,como bugres. Os gês chegaram ao Estado mais ou menos na mesma época dos guaranis.Migraram, possivelmente,da região Central do Brasil.Eles deixaram sua arquitetura característica – as casas subterrâneas.Eram casas de formato circular ou elíptico escavadas no solo,que possuíam uma cobertura formada de ramos de árvores,palha e barro,sustentada por um esteio central e outros radiais.Exemplares foram encontrados nos municípios de Passa Sete,Sinimbu e Herveiras. Os grupos gês se mostraram bem mais refratários do que os pampeanos e os guaranis ao contato com os brancos.No século XIX e início do século XX,foram perseguidos pelos governantes e pelas empresas colonizadoras,interessados na usurpação e ocupação de suas terras com imigrantes e descendentes de imigrantes europeus,notadamente alemães e italianos.Parcela dos caingangues – aquela que não foi exterminada ou incorporada ao estilo de vida dos conquistadores – foi confinada às reservas indígenas ainda hoje existentes no Estado,sobretudo no Alto Uruguai. Perseguidos pelos governantes Os ancestrais dos pampeanos estão no Estado desde há pelo menos12 mil anos.Localizavam-se predominantemente nas áreas de campo do Uruguai,da Argentina e do Sul e do Sudoeste do atual Rio Grande do Sul,mas ocupando em menor escala outras áreas do Estado.Eram caçadores,pescadores e coletores. Teriam se instalado na região doVale do Rio Pardo há pelo menos 1.000 anos a.C.No século XVIII,quando se intensificaram os contatos entre brancos e índios,seu número possivelmente não ultrapassava a casa de dois mil indivíduos. Com a chegada dos portugueses e espanhóis,tornaram- se exímios cavaleiros.Fizeram alianças com os colonizadores ibéricos e participaram nas guerras de fronteira aliando-se parte aos portugueses,parte aos espanhóis.Os índios do campo desapareceram do cenário,enquanto povo,durante o início do século XIX.Os que não morreram em combates se empregaram como peões nas estâncias de criação de gado e acabaram se miscigenando com o homem da fronteira,contribuindo na formação do chamado“pelo duro”. Diferentementedoqueseacredita,umaculturaindígena nãodesapareceu,necessariamente,comosurgimento ouocupaçãodamesmaregiãoporumoutrogrupo. SérgioKlamtexplicaque“diferentesgruposviviamem diferenteslocaisaomesmotempo”.Assim,éimportante frisarque,noatualespaçogeográficodoValedoRio Pardo,gruposdecaçadores-coletoresconviveramcom osceramistas-horticultores,cadaumemumterritório específico.Oprofessordefendeque,certamente,houve contatosentreosgrupos.Essescontatossedavampor meiodocomércio,atravésdeenfrentamentosemguerras, daincorporaçãodeindivíduosoudeoutrasformasde troca.“Todososindicadoresquetemosparaaregião demonstramquehouvesituaçõesdeconvivência.Como elaocorreu,sefoiconflituosaounão,sehouveelementos incorporadosporoutrogrupo,tudoissonãosabemos comcerteza.” Os contatos de diferentes grupos Casa subterrânea
  • 13. 12 Umaluzparaahistóriado RioGrandeRioGrande E m 1494,Portugal e Espanha firmaram a“Capitulação da Partição do Mar Oceano”, mais conhecida por Tratado deTordesilhas. De acordo com oTratado,um meridiano,traçado de polo a polo a 370 léguas a oeste das ilhas do Cabo Verde,dividiria as terras e mares situados no Oceano Atlântico entre as duas coroas ibéricas. Embora essa linha divisória nunca tivesse sido demarcada,a posição mais aceitável é que ela passaria, nos seus dois pontos extremos do atual território brasileiro, nas proximidades de Belém (Pará) e Laguna (Santa Catarina). Assim,toda as atuais terras sul- rio-grandenses pertenciam, inicialmente,à Espanha. No princípio,as terras do Rio Grande do Sul não atraíram o interesse dos portugueses e dos espanhóis.Aqui,aparentemente,não havia metais preciosos.O meio foi igualmente considerado impróprio para a produção comercial da cana-de-açúcar ou de outro produto tropical que pudesse render grandes lucros.Também não havia uma população organizada com quem os europeus pudessem entabular um comércio altamente lucrativo.Além disso,o litoral carecia de um porto natural para as embarcações. No início do século XVII,a parte da América que em tese pertencia à Espanha era enorme. Os espanhóis,definitivamente,não tinham condições materiais nem contingentes humanos suficientes para ocupar e guarnecer todo esse território.Com a finalidade de assegurar a posse de vastas regiões,os espanhóis se valeram de nativos. Para tanto, encarregaram padres da Companhia de Jesus de reunir índios guaranis em reduções, missões ou pueblos. As Missões Jesuíticas, portanto, além de seu caráter evangelizador, cumpriam também uma clara finalidade política. Eles, os jesuítas, vieram de diferentes nacionalidades para trabalhar no Rio Grande do Sul. Mas foi sob a bandeira da Espanha que os padres se estabeleceram na então chamada Província do Tape, nome escolhido em função dos nativos que ali viviam. Foram duas as fases missioneiras no Rio Grande do Sul.A primeira entre 1626 e 1641, quando foram fundadas 18 reduções, conforme se pode verificar no mapa. A segunda se estendeu de 1682 a 1768,quando foram formados os Sete Povos das Missões. Espanha domina o Continente Tratado de Tordesilhas,de 1494,dividia terras e mares entre dois reinos ••As18reduçõesMissões Jesuíticas REDUÇÃO ANO São Nicolau 1626 Candelária do Ibicuhi 1627 Caaro 1628 Assunção 1628 Candelária do Piratini 1628 Mártires 1629 São Carlos 1631 Jesus Maria 1632 Santa Tereza 1632 São Tomé 1632 São Miguel 1632 Natividade de Nossa Senhora 1633 Santa Ana 1633 São Joaquim 1633 Apóstolos 1633 São José 1634 São Cristóvão 1634 São Cosme e Damião 1634 Fonte:Porto (1954); Jaeger (1939) Lopo Homem Reinés/1519/Portugália Monumenta Cartográfica
  • 14. 13RioPardo200anos Cultura,ArteeMemória ••Heroísmo D epois de terem suas Missões devastadas pelos bandeirantes em Guairá,a oeste do atual Estado do Paraná,e Itatins,onde hoje é o Mato Grosso do Sul,padres jesuítas se empenharam em estabelecer uma série de reduções no Rio Grande do Sul.O processo começou em 1626,com a fundação de São Nicolau pelo padre Roque Gonzáles de Santa Cruz,e prosseguiu com a criação de outras 17.NoVale do Rio Pardo,foram estabelecidas as mais avançadas reduções a leste que os jesuítas constituíram em solo rio-grandense: Jesus Maria,São Joaquim e São Cristóvão.Possivelmente,a intenção dos evangelizadores foi de ocupar o território,até atingir o litoral. Reduções na região Jesuítas estabeleceram três Missões indígenas onde hoje fica o Vale do Rio Pardo Foi a última das reduções a ser criada,em19 de fevereiro de 1634.Foi fundada pelo padre Agostinho Contreras após a confluência dos rios Pardinho e Pardo,na margem direita desse último rio. Apesar de ter durado apenas dois anos,ali os padres e os guaranis cristianizados iniciaram o plantio de roças e a criação de gado.A redução também contava com uma linda igreja toda caiada – pintada com água de cal – e a casa dos párocos.Foi a que mais prosperou e chegou a ter 2.300 índios aldeados. A redução se localizava na margem direita do Rio Pardo, hoje município de Candelária.Foi fundada em 1632 e teve como cura o padre Pedro Mola.Os índios da redução exploravam a erva-mate,cultivavam milho e trigo e iniciaram a criação de vacas,ovelhas e porcos.Foi a mais importante redução da região.Porto registrou que ela tinha“por matrícula,com chácaras,mais de 1.600 índios” e uma capela com cobertura de palha e paredes de taipa. Quatro anos depois foi destruída pelos bandeirantes. Foi erigida em 1633 pelo padre Juan Suarez. Ficava na Serra do Botucaraí,nas pontas do Rio Pardo,cercada de ervais nativos.Comunicava-se com Jesus Maria por um pique.O aldeamento chegou a congregar mais de mil famílias catequizadas.Além de uma pequena capela,em São Joaquim também foi erguida uma modesta casa para o pároco.Como ali não havia lugar apropriado,não foi feita a criação de gado.No entanto,conforme Aurélio Porto, havia na redução algumas cabeças para o atendimento das necessidades dos habitantes do povoado. JesusMaria SãoJoaquim SãoCristóvão Ahistoriografia tradicionalbrasileira enalteceoheroísmodos bandeirantespaulistas. Aelesécreditada umasériedeepopeias efeitospatrióticos. Osbandeirantessão enaltecidosporterem feitoavançarodomínio portuguêsalémdo meridianodeTordesilhas eteremdescoberto metaispreciososna regiãodasGerais.Não éporummeroacaso queasededogoverno deSãoPauloéoPalácio dosBandeirantes.Em todooEstado,épossível encontrarinúmeras obrasemonumentos quehomenageiamas bandeiras. Foramessesmesmos heróispaulistasque, comsuabelicosidade, escravizaram edestruíram impiedosamente populaçõesdecultura diferente,aindígena.Ou seja,mocinhosparauns, bandidosparaoutros. Dependedoladoem queoobservadorse coloca. RIO PARDO S. Ana S.José Candelária do Ibicuhi S.Thomé Natividade Caaro Apóstolos S.Carlos S.Miguel Assunção Candelária do Piratini Mártires S. Cosme e S. Damião Fonte:ElaboradoapartirdePorto(1954) S.Thereza S.Joaquim Jesus Maria S.Cristóvão S.Nicolau
  • 15. 14 Umaluzparaahistóriado RioGrandeRioGrande E m 1636 Antônio RaposoTavares, mais 120 paulistas,incluídos dois padres e cerca de mil índios tupis,atacaram as reduções da margem direita do Rio Pardo.De acordo com o historiador Aurélio Porto,os bandeirantes vinham fortemente armados de mosquetes e arcabuzes.As reduções foram tomadas e saqueadas e os índios, aprisionados.Os que conseguiram fugir voltaramàsuasituaçãooriginal.Nocaminho a bandeira foi engrossada por mais algumas centenas de indígenas,adversários dos jesuítas e de sua obra.O assalto às reduções se iniciou pela de Jesus Maria,em 2 de dezembro de 1636.Para defendê-la,foram erguidas paliçadas com valadas e taipa ao seu redor. O pedido de auxílio dos jesuítas às autoridades de Buenos Aires e Assunção foi negado. Emig.GuaranidoTapeeUruguai Emig.GuaranidoItatíns CombatedeM’bororé ManuelPreto/RaposoTavares AntônioPires/RaposoTavares RaposoTavares AndréFernandes FernandoDiasPaes ManuelPires AscencioQuadros FranciscoPedrosoXavier Emig.GuaranidesdeGuairá CombatedeCaazapaminí Uruguai ARGENTINA RS SC PR Ataquesdosbandeirantes Investidabandeirante Reduções à margem direita do Rio Pardo foram atacadas e destruídas em 1636 Sem apoio externo,os padres prepararam a contenção do inimigo, contando para isso com algumas poucas armas de fogo,arcos e flechas e alguns farpões de ferro.Após cinco horas de uma luta desigual e encarniçada,a redução Jesus Maria se rendeu.Muitos foram os mortos e feridos.Centenas de nativos foram capturados e as poucas construções existentes,arrasadas. Entre 1580 e 1640 houve a União Ibérica.Durante esse período,Portugal e todas as suas colônias estiveram sob a suserania da Espanha. Nessa condição,as possessões portuguesas passaram a ser palco de disputas na luta que os holandeses travavam para se tornarem independentes da Espanha.E o Brasil também foi envolvido. Em 1630,a Companhia das Índias Ocidentais conquistou Pernambuco,importante centro açucareiro do Brasil-Colônia.Dali os holandeses seriam expulsos somente 24 anos depois.Na mesma época,importantes praças portuguesas na África, fornecedoras de escravos, ficaram sob o domínio holandês. Isso causou drástica redução no número de cativos importados, que eram fundamentais nas lavouras de cana-de-açúcar. Com a falta de força de trabalho nas áreas que não estavam sob o domínio holandês,os indígenas começaram a ser aprisionados e vendidos como escravos. Os paulistas se tornaram especialistas nessa tarefa. Inicialmente bandeirantes,com a conivência de autoridades da colônia espanhola,lançaram-se sobre as reduções de Guairá e Itatins e escravizaram milhares de nativos.Diferentemente da mata,onde viviam dispersos, nas Missões havia maior número de índios,mais bem adestrados para o trabalho e a obediência. Arrasadas as aldeias em Guairá,sob o comando espiritual do padre Montoya, 12 mil índios em 700 barcas teriam descido as correntezas do Rio Paraná para se estabelecerem em terras da atual província de Misiones, na Argentina.Só uma parcela desses indígenas chegaria a seu destino. O índio virou escravo jean-baptistedebret Fonte: Adaptado de Atlas historíco del nordeste argentino
  • 16. 15RioPardo200anos Cultura,ArteeMemória D epois da redução Jesus Maria,foi a vez de São Joaquim,Santa Ana e São Cristóvão conhecerem seu trágico fim pela bandeira de RaposoTavares. Recompondo suas forças,os índios catequizados ainda fizeram um novo confronto de quatro horas e meia com os paulistas em São Cristóvão, no Natal de 1636.Mas não lograram êxito.O bandeirismo de apresamento não deu trégua aos padres e aos indígenas cristianizados.Além de RaposoTavares,outros bandeirantes conhecidos que atuaram na caça ao índio do Rio Grande do Sul foram Fernão Dias Paes Leme – que mais tarde seria imortalizado na epopeia das esmeraldas – André Fernandes e Francisco Bueno. Uma a uma,as reduções foram destruídas ou abandonadas e os índios escravizados pelas bandeiras. Para evitar sublevações,lideranças indígenas eram assassinadas.Velhos e crianças,para não atrasarem a marcha para São Paulo,eram sacrificados.As mesmas terras ficaram por quase um século sem contato com a civilização. Somente em 1715,Francisco de Em cada uma das 18 reduções,os jesuítas introduziram lotes de cabeças de gado.A criação de vacas,bois,novilhos,cavalos,mulas e ovelhas foi considerada essencial para a economia e a sobrevivência das reduções.Mas as razias – invasões predatórias – dos bandeirantes convenceram os jesuítas que lhes era impossível se manterem no território da margem esquerda do Rio Uruguai. Fugindo do ataque dos paulistas,que até por volta de 1660 persistiram fustigando a região em busca dos nativos,os padres transmigraram a população guarani remanescente para a margem direita do Rio Uruguai.No entanto,quando “caçados”pelos bandeirantes, deixaram algumas centenas de cabeças de gado nos campos situados ao sul do Rio Jacuí. Os animais, abandonados à sua própria sorte entre as bacias dos rios Jacuí e Ibicuí, rumaram em direção ao Sul. Ali se multiplicaram e deram origem ao gado chimarrão, ou seja, gado xucro e selvagem. O domínio espanhol sobre Portugal teve seu final em 1640.Foi então que subiu ao trono lusitano a dinastia de Bragança.Prioridade: expulsar os holandeses sediados no Nordeste do Brasil.De São Paulo saíram tropas,uma delas inclusive comandada por Antônio Raposo Tavares,para auxiliar os pernambucanos a repelir os holandeses. Ao mesmo tempo,os padres da Companhia de Jesus conseguiram do Papa UrbanoVIII a expedição de uma bula que proibia,sob pena de excomunhão: Cativaros sobreditos índios,vendê- los,comprá-los, trocá-los,dá-los,apartá- losdesuasmulherese filhos,privá-losdeseus bensefazenda,levá-los emandá-losparaoutros lugares,privá-losde qualquermodo daliberdade, retê-losna servidão(...). Claro que nem aos paulistas e nem aos cariocas agradou a resolução do pontífice. Queriam continuar comercializando os índios e utilizando sua força de trabalho em afazeres domésticos e lidas na agricultura. Resultado: nas vilas de Santos e São Paulo, os próprios membros das Câmaras Municipais chefiaram a revolta contra os padres jesuítas, expulsando- os dos colégios que então mantinham naquelas vilas. Jean-baptistedebret Paulistas atacam Missões e levam índios para serem escravos.Idosos e crianças são mortos Mais destruição Brito Peixoto,capitão-mor daVila de Laguna,de Santa Catarina,veio ao Sul à procura de jazidas de pedras e metais preciosos – e também com o objetivo de encontrar locais seguros,que servissem para futuras povoações. Comoocorreuaintrodução do gado Igreja condena Bandeirantes derrotados Aúnicavitóriadosmissioneirossobreos escravizadoresocorreuem1641,nasmargensdo RioM’Bororé,afluentedoRioUruguai,quandoa bandeirachefiadaporJerônimoPedrosodeBarrosfoi derrotadaporumexércitodecercade4milíndios. Reduçõesforamdestruídaseosíndiosescravizados
  • 17. 16 Umaluzparaahistóriado RioGrandeRioGrande P recavendo-se contra a atividade predatória praticada ao gado chimarrão concentrado na região de Maldonado e às margens da Lagoa Mirim,não somente por parte de luso- brasileiros mas também por homens de Santa Fé e de Buenos Aires,os padres jesuítas tomaram duas providências. Primeiro,reuniram cerca de uma centena de milhar de cabeças de gado e a direcionaram para um lugar menos acessível na Vacaria dos Pinhais.O local,de boas aguadas e campos pastosos,também passou a ser conhecido pelo nome de Campos de Cima da Serra.As reses ali deixadas se reproduziram com o passar do tempo, formando outra grande reserva. A segunda providência tomada pelos curas foi planejar o retorno dos guaranis cristianizados às terras que haviam pertencido aos seus antepassados.Isso se concretizou a partir de 1682,com a formação dos Sete Povos das Missões. Mas não se pode desconsiderar a função geopolítica da retomada das missões no Rio Grande do Sul.Os Sete Povos são uma reação da Espanha à fundação de Sacramento pelos portugueses.Como súditos da coroa espanhola,padres e índios cristianizados atuariam para impedir a expansão lusa na direção do Prata.Várias vezes as autoridades de Buenos Aires iriam requerer o auxílio dos guaranis missioneiros em guerras e obras públicas. Em 1680 o governador do Rio de Janeiro,D. Manuel Lobo,financiado por comerciantes lusos, chefiou a expedição que fundou,na margem oposta a Buenos Aires,a Colônia do Santíssimo Sacramento. Várias vezes sitiada e tomada pelos castelhanos e depois devolvida pela ação diplomática portuguesa, Sacramento se destacou na cultura do trigo,na exportação de couro e no comércio de contrabando com súditos da Espanha. Em 1684,iniciou-se a povoação de Santo Antônio dos Anjos de Laguna,no litoral de Santa Catarina. Laguna foi criada para dar suporte e servir de retaguarda a Sacramento. Mas se constituiria,também, em um importante polo de povoamento e ocupação do Rio Grande do Sul.Lagunistas e paulistas,ao percorrerem o litoral gaúcho e do Uruguai rumo a Sacramento, entraram em contato com rebanhos de gado existentes nasVacarias do Mar.Eles passaram a extrair dali todo o gado que conseguiam. Inicialmente,interessavam-se somente pelo couro,que era exportado por Sacramento. A carne era desprezada.Com a descoberta de jazidas de ouro em Minas Gerais o gado passou a ser tropeado,via Curitiba e Sorocaba,para aquela área. Ao mesmo tempo,colonos espanhóis de Corrientes e Entre Rios que se dedicavam à criação de mulas – em razão da decadência das minas de Potosí – passaram a fornecer esses animais para a área mineradora do Brasil. Eles eram empregados no transporte de gente e de mercadorias. Os Sete Povos das Missões Jesuítas planejam o retorno dos guaranis De Laguna a Sacramento ••SetePovos São Francisco de Borja 1682 São Nicolau 1687 São Luiz Gonzaga 1687 São Lourenço Mártir 1690 São João Batista 1697 Santo Ângelo Custódio 1706 São Miguel Arcanjo 1687 Ruínas da Igreja de São Miguel fotos:inor/ag.assmann Váriosdospadres jesuítasqueprocuraram reduzirecatequizar índiosacabaramsendo martirizadospor índígenasquedefendiam asualiberdadeeforma devida.Entreoutros, issoaconteceucomos padresRoqueGonzáles deSantaCruz,Cristóvão deMendozaePedro Romero. ••Martirizados
  • 18. 17RioPardo200anos Cultura,ArteeMemória Na América do Sul,as Missões eram unidades de produção autossuficientes.Cada Missão Jesuítica contava,em média,com uma população de 4 a 4,5 mil indivíduos.A propriedade da terra era dividida em duas partes.O abambaé (propriedade do homem) era culti- vado em regime de posse individual por cada família, que dali retirava o básico para seu sustento.O índio podia dispor livremente dos bens obtidos no abambaé. Já o tupambaé (propriedade de Deus) exigia o trabalho coletivo dos indígenas reduzidos.Ali trabalhavam os índios solteiros e,dois dias por semana,também seus pais.Faziam parte do tupambaé as estâncias de criação de gado e os ervais nativos e cultivados.Artistas,pro- fessores,viúvas,órfãos,velhos e inválidos tinham seu sustento proveniente do tupambaé.Dali também saía o tributo que cada indígena,como vassalo do monarca espanhol,tinha que pagar,além da parte destinada à Companhia de Jesus. A Companhia de Jesus,cujos membros são conhecidos como jesuítas,é uma ordem religiosa católica fundada em 1534 por um grupo de estudantes da Universidade de Paris,liderado por Íñigo López de Loyola – conheci- do posteriormente como Inácio de Loyola.Os primeiros jesuítas participaram ativamente da Contra Reforma e do esforço de renovação teológica da Igreja Católica,ocorrida para combater a Reforma Protestante iniciada por Martinho Lutero em 1517,na Alemanha,e que se expandiria para outros países da Europa. Em poucos anos,os jesuítas conquistaram grande prestígio em razão do seu dinamismo e sólido preparo teológico e cultural. A ordem dos jesuítas ••ProvínciadoParaguai NaProvínciaEclesiásticadoParaguai,ospadres jesuítasconsolidaram30povosduranteosséculos XVIIeXVIII.Elesfaziampartedosistemacolonial espanhol.Setedelesselocalizavamemterritórios doatualRioGrandedoSul,oitonoParaguaie quinzenaArgentina.Naatualidade,seisdessas antigasMissõesintegramoCircuitoInternacional dasReduçõesJesuíticas.Constituemumdos maioresatrativosturísticosdoConeSul. Economia nos povoados Companhia de Jesus foi criada em 1534 por estudantes Missões Jesuítico - Guaranis Levam o nome de Missões as iniciativas religiosas católi- cas destinadas a propagar os princípios do cristianismo entre povos não cristãos.No início dos tempos modernos,iniciativas de catequização de novos adeptos foram realizadas na própria Europa,África,Oriente e América.As Missões desenvolvidas na América,que buscavam converter os povos silvícolas em mas- sa,deram origem a uma cultura sincrética,onde as tradições indígenas acabaram se perdendo em larga medida.As Missões Jesuíticas variaram no tempo e no espaço.Nem todas tiveram uma organização em povos,como as que se desenvolveram na Província do Paraguai. O que eram as Missões Ruínas da Redução de Trinidad, no Paraguai
  • 19. 18 Umaluzparaahistóriado RioGrandeRioGrande O surgimento de Rio Pardo está ligado umbilicalmente à assinatura doTratado de Madri.Esse acordo de fronteiras foi subscrito na cidade espanhola de Madri por D.João V,rei de Portugal,e por D.FernandoVI,rei da Espanha.Foi uma tentativa para pôr fim ao litígio entre Portugal e Espanha sobre os seus vastos limites coloniais, especialmente os situados na América do Sul. As epopeias dos bandeirantes em busca de metais preciosos,o interesse dos portugueses pelas“drogas do sertão”existentes na Amazônia e pelo contrabando na Colônia do Sacramento haviam favorecido a fundação de pequenos povoados,bastante além da linha imaginária deTordesilhas. OTratado de Madri reconheceu a expansão lusa na América do Sul, mas também a ocupação,na Ásia,das Ilhas Filipinas e Molucas pela Espanha. Prevaleceu nas negociações o princípio de direito internacional do utipossidetis. Seguindo esse princípio,a monarquia, que devido à ocupação feita pelos seus súditos possuía de fato os territórios, deveria possuí-los também de direito. No que diz respeito às terras localizadas no Sul do Brasil e na região do Prata,o princípio não foi aplicado. A disputa travada entre as coroas de Portugal e Espanha pela posse do vasto território situado entre Laguna e o Rio da Prata pareceu ter fim em 1750, quando foi assinado oTratado de Madri.No que tange às terras do Sul,esse acordo estabelecia que Portugal entregaria a Colônia do Sacramento à Espanha, recebendo em compensação a região dos Sete Povos.A população,de cerca de 30 mil guaranis missioneiros,deveria deixar seus povoados,roças e estâncias e migrar para o lado direito do Rio Uruguai,em terras argentinas.Como se negaram a abandonar suas casas,lavouras, igrejas e cemitérios,motivaram a Guerra Guaranítica (1754-1756), ocasião em que os indígenas rebelados combateram as tropas militares reunidas de Portugal e Espanha.Nessa guerra, os índios das Missões foram fragorosamente derrotados. O Tratado de Madri está estreitamente ligado à história de Rio Pardo. A demarcação da nova fronteira traz à então Comandância Militar o capitão-general Gomes Freire de Andrade. É por sua ordem que é criada a Fortaleza Jesus, Maria, José, que aquartelaria o Regimento de Dragões. São Nicolau São Luiz São Lourenço São Borja Santo Ângelo São João Colônia de Sacramento Linha de demarçação do Tratado de Madri (1750) São Miguel ..-..-..-..-..-..-..-..- O Tratado de Madri Acordo entre Portugal e Espanha delimitava fronteiras nas áreas coloniais O artigo doTratado de Madri que fez os índios dos Sete Povos se rebelarem: Art.XIV-Daspovoaçõesoualdeiasque cedeSuaMajestadeCatólicanamargem orientaldoUruguai,sairãoosmissionários comtodososmóveis,eefeitos,levando consigoosíndiosparaaldeiaremoutras terrasdeEspanha;eosreferidosíndios poderãolevartambémtodososseusbens móveisesemoventes,easarmas,pólvora emuniçõesquetiverem;emcujaforma seentregarãoasPovoaçõesàCoroade Portugal,comtodasassuascasas,igrejas eedifícioseapropriedadeepossedo terreno[...] OTratadodeMadri Decisãogerouumaguerra Fonte: Adaptado de Ferreira Filho (1965) Porto Alegre
  • 20. 19RioPardo200anos Cultura,ArteeMemória ARTEFERNANDOBARROSSOBREFOTODEinor/ag.assmann Antônio Gomes Freirede Andrade, o conde de Bobadela, era um nobre militar e administrador colonial português.Foi governador e capitão- general do Rio de Janeiro entre 1733 e 1763. Posteriormente,passou a administrar também as Minas Gerais e as capitanias de Goiás e Mato Grosso.Em função doTratado de Madri, deslocou-se ao Sul em fevereiro de 1752,já com 67 anos,para chefiar a comissão portuguesa nas delimitações de fronteira.Com ele vieram cartógrafos, astrônomos,engenheiros, matemáticos e outros profissionais.Em 6 de abril,entrou naVila do Rio Grande. Para estimular o povoamento da terra, passou a conceder sesmarias (grandes propriedades de terra) no Chuí,emViamão,em Cima da Serra,noVale do Rio do Sinos,no Jacuí,no Caí e no Rio das Antas. Gomes Freire ambém foi responsável pela introdução dos“casais de número”vindos das ilhas doarquipélagodeAçores e da ilha da Madeira. Comandou as tropas luso-espanholas que venceram os guaranis dos Sete Povos na Guerra Guaranítica (1754-1756). Regressou ao Rio de Janeiro em 1759,onde faleceu em 1º de janeiro de 1763. Como seria o Forte Jesus, Maria, José, construído às margens do Rio Jacuí no século XVIII, e que originou a povoação e depois a cidade de Rio Pardo? A arte feita sobre a foto acima, no local onde existiu a fortaleza, dá uma ideia de como poderia ter sido a edificação, erguida inicialmente com madeira, palha e troncos de árvores. O local onde está sediada a cidade de Rio Pardo integrava a antiga estância do Povo de São Luís.Em 1751,antes de vir ao Rio Grande,Gomes Freire de Andrade determinou que no caminho para as Missões fossem criados dois depósitos de munição e de víveres para apoio das tropas portuguesas.Neles seriam estocados fardamentos e outras peças de vestuário militar, apetrechos bélicos,material de montaria,couros,instrumentos agrícolas,ferramentas,material de construção,sabão,fumo,bebidas, remédios e mantimentos.O furriel de dragões,Francisco Manoel deTávora,que à frente de um grupo de paulistas fora mandado para explorar e reconhecer a região,indicou como locais estratégicos Rio Pardo e Santo Amaro,ambos na margem esquerda do Rio Jacuí. Dada a sua excelente localização,na confluência dos rios Pardo com o Jacuí,Gomes Freire ordenou ao engenheiro João Gomes de Mello que ali fosse erigido o forte batizado de Jesus,Maria,José.A construção do forte,com o aquartelamento dos Dragões,deu origem à fundação essencialmente militar de Rio Pardo.O forte e,por consequência,o povoado que se formou em seu entorno estavam em posição estratégica.O local elevado permitia ampla visão dos arredores.Ao mesmo tempo, os rios formavam barreiras naturais que,em caso de guerra, dificultariam a sua tomada.Era, então,o ponto mais extremado dos portugueses em direção às Missões.Quando constituído, o forte visava,também,a impedir a passagem dos índios missioneiros para atacar os campos deViamão,que vinham sendo ocupados por luso- brasileiros.Na madrugada de 23 de fevereiro de 1754,a fortaleza foi atacada por grande número de missioneiros.O ataque foi repelido depois de horas de combate.A confiar nos dados de Aurélio Porto,do lado dos índios restaram 19 mortos e um grande saldo de feridos.Os portugueses perderam só um homem e tiveram quatro feridos,dentre eles o comandante da trincheira, Francisco Pinto Bandeira,com uma flechada em um dos braços. No começo, apoio a tropas Ponto estratégico,na confluência de dois rios,foi o escolhido GomesFreire de Andrade ••OsDragões Depoisdoataque missioneiro,Gomes Freiretransferiu deRioGrande paraoForteJesus, Maria,José,em marçode1754, umcontingente doRegimentode Dragões. Em29deabril domesmoano, afortalezafoi novamente atacada.Cerca de400guaranis missioneiros, lideradosporSepé Tiarajuemunidos comquatropeças deartilharia, foramrepelidose perseguidosapós quaseduashorasde combate.53índios, incluindoSepé, foramaprisionados elevadosaoforte. Diasdepoisele conseguiriafugir quando,escoltado porsoldados,foi localizarcavalos queosmissioneiros haviamsubtraído aosportugueses.Os demaisrefénsforam encaminhados paraRioGrande, masapenas15 chegaramvivos.Os sobreviventes teriamsidopostos emliberdadepor GomesFreire. Fustigadaem 1754pelosíndios missioneiroseem 1762,1773e1777 peloscastelhanos, RioPardoresistiu, tornando-sebarreira intransponívelpara seusadversários. Daísurgiua denominação de“Tranqueira Invicta”.Pordécadas, portanto,foia tranqueiradeRio Pardoafronteira extremo-oeste dasposições lusitanasnoRio GrandedeSão Pedro.
  • 21. 20 Umaluzparaahistóriado RioGrandeRioGrande disputaspeloterritório A retirada dos povos indígenas e dos jesuítas de seus povoados não seria tarefa simples para as potências ibéricas.Quando da efetivação doTratado de Madri,cerca de 30 mil índios cristianizados viviam nos Sete Povos.Pelo acordo,eles deveriam deixar as Missões e se estabelecer, da forma que pudessem,do outro lado do Rio Uruguai, em terras do Império espanhol.Acontece que a margem direita do rio já estava ocupada por indígenas missioneiros. A mudança pretendida,certamente,levaria dezenas de milhares deles à fome e à miséria. Assim que fossem retiradososmissioneirosdosSetePovos,Portugalpretendia assentar ali os açorianos,que já chegavam às centenas. Portugal queria que os índios saíssem da área porque temia uma rebelião.Como eram súditos espanhóis,várias vezes eles haviam sido usados como guerreiros nos confrontos contra portugueses pela posse de Sacramento. Para a colocação dos marcos de fronteira estabelecidos peloTratado,foram instituídas duas comissões militares demarcatórias.A Comissão do Sul era chefiada pelo Marquês deValdelírios,nomeado pela Espanha,e por Gomes Freire de Andrade,representando Portugal. O primeiro marco de fronteira foi chantado somente em 9 de outubro de 1752.Em 27 de fevereiro de 1753,quando a demarcação estava às alturas de SantaTecla (Bagé),foi impedida de continuar por um grupo de guaranis liderados por SepéTiaraju.Depois disso as nações ibéricas,embora decididas a evacuar – se necessário pela força militar – a região das Missões,aguardariam ainda por dois longos anos até efetivar o assalto final aos Sete Povos. Índios resistem à expulsão promovida por portugueses e espanhóis; Guerra Guaranítica; distribuição de sesmarias reforça o poder dos militares; os silvícolas na literatura e no cinema. fotos:inor/ag.assmann Guerra Guaranítica Local onde ocorreu a Batalha de Caiboaté, quando tropas portuguesas e espanholas mataram mais de mil indígenas e fizeram 154 prisioneiros
  • 22. 21RioPardo200anos Cultura,ArteeMemória D evido à resistência dos índios, que se negaram a abandonar seus ervais,plantações, estâncias de criação de gado, casas,templos e cemitérios, espanhóis e portugueses mandaram contra eles um poderoso exército.A guerra foi desigual.De um lado havia as tropas luso-espanholas,bem armadas e equipadas e contando com mais de 3.700 combatentes.De outro,os silvícolas lutando com arco e flecha,lanças, boleadeiras,algumas velhas espingardas e improvisados canhões feitos de taquara e revestidos de couro.Além disso,os missioneiros estavam bastante divididos e desarticulados. Havia padres que,silenciosamente, pregavam a resistência;a maioria,no entanto,trabalhou no sentido de que os guaranis se sujeitassem aos desígnios da Coroa.Caciques acusaram os sacerdotes de traidores,inclusive de terem vendido os Sete Povos,e outros concordaram com a mudança.Essas diferenças dividiram os índios missioneiros. Como resultado, houve confusão e discórdia nas Missões. Finalmente,em 16 de janeiro de 1756, o exército luso-espanhol se reuniu nas cabeceiras do Rio Negro,de onde marchou em linha dupla para as Missões.Em 7 de fevereiro,numa das primeiras escaramuças, tombou o cacique Sepé.Aurélio Porto narra que,em um rápido combate na entrada de um matagal,após o cavalo de Sepé tropeçar,um soldado português armado de lança o derrubou.Ao tentar se reerguer, foi alvejado pelo governador de Montevidéu,general José JoaquimViana, que lhe desferiu o tiro fatal. A célebre Batalha de Caiboaté ocorreu três dias depois,em 10 de fevereiro de 1756.Comandados por Nicolau Neenguiru, corregedor do Povo de Conceição,os missioneiros enfrentaram as forças de Portugal e Espanha em campo aberto, na coxilha de Caiboaté (São Gabriel). Conforme Graell,em apenas uma hora e quinze minutos os índios foram fragorosamente derrotados. Perderam 1.200 combatentes,incluindo 154 prisioneiros.Os espanhóis tiveram três mortos e 10 feridos e os portugueses,um morto e 30 feridos.A derrota de Caiboaté acabou com a resistência guarani. Daí por diante,portugueses e espanhóis não tiveram dificuldades para invadir as Missões. O massacre de Caiboaté Espanhóis e portugueses usaram exército poderoso e dizimaram os índios Homenagem feita a Sepé no local da sua morte, no município de São Gabriel inor/ag.assmann Depois de tomadas as Missões,o Tratado deMadri nãose concretizou. Os padres e os silvícolas puderam retornar ao que restava das Missões:casas queimadas,lavouras destruídas,gado espalhado nos campos e matos. Os padres da Companhia de Jesus que haviam sido fiéis às coroas ibéricas tiveram sorte semelhante aos índios.Pombal os considerou uma espécie de bode expiatório para todos os males da Colônia e um poder paralelo.Em nome da liberdade dos indígenas,atacou o poder temporal da Companhia de Jesus nas aldeias.Em 1759, expulsou-os da América portuguesa. Os padres jesuítas tiveram a mesma sortenosdomíniosespanhóis:foram expulsos de lá por um decreto real de 1767.Em maio de 1768 estava concluída a expulsão de todas as Missões.Os índios assistiram com relativa resignação à sua saída. Jesuítas são expulsos GuaranisemRioPardo AGuerraGuaraníticanãoacabou comosSetePovos.Porém,como escreveMoacyrFlores,destruiu- osmoralmente,abalandoa confiançadosíndiosnospadres jesuítasenasautoridades espanholas,dequemeram súditos. AderrotadeCaiboatéabriu caminhoparaatomadadosSete Povos.Em17demaiodomesmo ano,SãoMiguelfoiinvadida.Os demaispovoadoscaíramumapós ooutro,quasesemresistência, comoumbaralhodecartas. ConquistadasasMissões,Gomes Freirelápermaneceucomseu exércitopor10meses.Retornou, então,comseussoldadosaos quartéisdeRioPardo.Com elevieramaproximadamente 700famíliasdeguaranis,para constituíremaAldeiadeSão Nicolau.
  • 23. 22 Umaluzparaahistóriado RioGrandeRioGrande U maparceladehistoriadoresanalisao trabalhomissionáriodaCompanhia deJesusnaAméricacomosendouma atividadecivilizadora:fazdospadres santossalvadoresdealmas.Outra parceladehistoriadoresenalteceoigualitarismo, otrabalhoeavidacoletivaexistentesnosSete Povos.Sempretenderfazerjulgamentodeespécie alguma,nãosepodeomitirofatodeque,mesmo nasMissões,osíndiospassaramporumprofundoe dolorosoprocessodemudançadecomportamento. Tiveramqueassimilarasculturascristãeespanhola. O trecho escrito pelo padre José Cardiel,então cura da redução de Japeju e outras,possibilita fazer algumas reflexões nesse sentido: O índio,entregue a si mesmo e ao seu gênio,não quer mais do que uma choça ou cabana coberta de palha de quatro ou cinco varas (jardas) em quadro,junto a um pequeno terreno de roça para poucos meses e com isso está mais contente que os reis nos seus palácios [...] Seu coração não se levanta a mais,não tem capacidade para aspirações maiores,nem pretende,nem o deseja. Tirá-lo daí é tirá-lo da sua espera.Porém, como é necessário retirá-los dessas condições mesquinhas,para que vivam como bons cristãos e cidadãos úteis ao Estado,aos padres toca o grave encargo de ensinar-lhes tudo,serem mestres de tudo e induzi-los a agir contra seu gênio. Os padres jesuítas eaculturaindígena Nas Missões,índios tiveram que assimilar culturas cristã e espanhola Dada a reação dos índios missioneiros,o Tratado de Madri não chegou a ser consumado, sendo anulado em 1761 pelo Tratado de El Pardo. Apesar de todos os percalços provocados pela Guerra Guaranítica, os Sete Povos continuaram a existir. Entraram na mais plena decadência somente a partir de 1768,quando os padres da Companhia de Jesus foram expulsos não somente dos Sete Povos,mas de todos os territórios espanhóis da América.O pretexto para a expulsão dos curas jesuítas foi o de terem sublevado os guaranis catequizados contra o Tratado de Madri. Sob administração leiga,e totalmente despreparada,é que os Sete Povos declinaram. Declínio dos Sete Povos JoséTiaryú ficou conhecido pela alcunha de Sepé,que é designativo de chefe,condutor de homens ou caudilho.Era índio missioneiro, provavelmente já cristão de terceira geração.Foi Alferes Real e Corregedor do Povo de São Miguel.Opôs-se com tenacidade à entrega da região dos Sete Povos e liderou a revolta dos missioneiros contra o que determinava oTratado de Madri.Gozava de largo prestígio entre os índios e indiscutíveis qualidades de mando.Suas ações militares,entretanto,não foram das mais bem-sucedidas.Morreu no dia 7 de fevereiro de 1756,às margens da Sanga da Bica,em São Gabriel, nas proximidades onde se encontra a rodoviária da cidade.Seu corpo fora jogado no mato pelos soldados. À noite,os companheiros deram sepultura ao seu cadáver. SepéTiaraju se tornou um mito.Seus feitos lendários foram imortalizados por Basílio da Gama, João Simões Lopes Neto,Manoelito de Ornelas,Mansueto Bernardi e MoisésVelhinho.Consta que teria sido o historiadorWalter Spalding que colocou na sua boca a frase:“Esta terra tem dono”,que provavelmente ele nunca dissera. A lenda que se formou em torno do seu nome o consagrou popularmente como um santo. O povo do Sul do Brasil,por sua própria conta, canonizou-o como herói guarani. SepéTiaraju se faz mestre para as lutas populares,especialmente dos que lutam pela terra. Sepé Tiaraju Alémdamúsica,osguaranis cristianizadostambémdemonstraram talentoparaaescultura.Oestilofoio barroco. ConformeArmindoTrevisan, aartemissioneiranãovisavaàfruição estética;elaestavaaserviçoda catequese. Visavaaproverostemplosde imagenseiniciarosíndiosematividades manuais. Comopoucoseramletrados, aimagemficavaacessívelatodos, tornando-seumaBíbliaparaospobres. Osindígenasquesedestacavamnas artesgozavamdeprivilégios. ••Arte missioneira divulgação/gs inor/ag.assmann Escultura de SepéTiaraju existente no Museu João Pedro Nunes, em São Gabriel
  • 24. 23RioPardo200anos Cultura,ArteeMemória A s tropas portuguesas lideradas por Gomes Freire de Andrade, ao retornarem da guerra empreendida contra os Sete Povos das Missões,trouxeram consigo um séquito de famílias guaranis. Esses índios totalizavam cerca de 700 famílias ou em torno de três mil almas. Foram arranchados,no ano de 1757,nas proximidades do Forte de Rio Pardo, formando o núcleo inicial da Aldeia de São Nicolau. A aldeia se localizava a quatro quilômetros ao nordeste da atual cidade. Voluntariamente,novas levas de famílias guaranis teriam,em seguida,se somado ao contingente inicial.Pouco tempo depois,por determinação da administração portuguesa, um pequeno grupo desses índios foi deslocado às proximidades da atual cidade de Cachoeira do Sul,onde foi fundada uma outra aldeia com o nome de São Nicolau.A maior parte dos indígenas foi levada para os Campos deViamão,onde deu origem,em 1763,à Aldeia de Nossa Senhora dos Anjos (hoje Gravataí). Os nativos das aldeias eram utilizados como mão de obra barata nas estâncias de criação de gado,em construções e nas Cristo com feições indígenas, ainda hoje existente na capela da aldeia São Nicolau Gomes Freire traz guaranis que sobreviveram à guerra para formar a aldeia fotos:JanaínaZilio/ag.assmann Capela da Aldeia São Nicolau guarda resquícios do primeiro templo e também um sino missioneiro O professor Pedro Ribeiro, analisando os livros de batismo da Freguesia de Rio Pardo, constatou que de março a junho de 1781,de oito batizados de filhos de índias seis eram de pai incógnito.Já entre dezembro do mesmo ano e abril de 1782,de 12 batizados de filhos de indígenas nove eram de pai incógnito.Nos livros de casamento,entre 1759 e 1832,foram encontrados 18 casamentos de índia com branco;10 de índia com negro; quatro de índio com negra e quatro de índio com branca. Os acasalamentos de índias com escravos e de escravas com índios não eram incomuns.Já o casamento de um branco com negra ou indígena era considerado vergonhoso,pois se dava com um cônjuge tido como inferior.Mas os brancos, em uniões extramatrimoniais, tiveram muitos filhos com índias e com escravas.Poucos reconheciam a paternidade dos filhos;a maioria silenciava. Mas era normal estancieiros, comerciantes e militares terem concubinas índias e negras. Procurando incentivar a união familiar de brancos com indígenas,o governador da capitania,José Marcelino de Figueiredo,fez em 1773 um edital para dar preferência a eles na aquisição de terras. Índias e negras como amantes Em1983,oprofessor PedroMentzRibeiro,então coordenadordoCepadas FaculdadesIntegradasde SantaCruzdoSul,orientou escavaçõesnolocalonde seencontravaaaldeia.Ali foiencontradaumasériede vestígiosmateriais,queestão sobacustódiadaUnisc. ••Escavações lavouras.No ano de 1780,eram 438 os índios existentes na Aldeia de São Nicolau de Rio Pardo.Em 1854,esse número cairia para 254.
  • 25. 24 Umaluzparaahistóriado RioGrandeRioGrande Em fevereiro de 1761 Espanha e Portugal concordaram,através doTratado de El Pardo,em anular as prerrogativas doTratado de Madri.Com isso,os Sete Povos continuaram pertencendo ao império espanhol e Sacramento,aos domínios lusos. No transcurso de uma década, muita coisa havia mudado.Ambos os lados ficaram insatisfeitos com o pacto anteriormente firmado. De um lado,os Sete Povos haviam despertado a cobiça dos espanhóis. JoaquimViana,autor do tiro que matou Sepé,ao entrar no povoado de São Miguel em 1756,teria se maravilhado com as belezas da localidade e afirmado:“E este é um dos povos que nos mandam entregar aos portugueses? Deve estar louco o pessoal de Madri,para se desfazer de um povoamento que não encontra nenhum rival em Paraguai”. De outro lado,havia o interesse de comerciantes portugueses, que não queriam entregar Sacramento aos espanhóis e perder os extraordinários lucros proporcionados pelo comércio ilegal.Ao mesmo tempo,a situação diplomática na Europa mudara bastante.Na Guerra dos Sete Anos,Portugal e Espanha estavam em polos opostos.Na América do Sul,portugueses e espanhóis novamente entraram em conflito por causa de suas possessões coloniais.Disso se aproveitou D. Pedro Ceballos para tomar a Colônia do Sacramento,que estava em poder dos portugueses,e para recuperar as terras que,por direito, pertenciam à Espanha.  Conquista espanhola Anulação do Tratado de Madri restituiu a fronteira ao traçado que tinha antes O tratado de El Pardo G rande parte da historiografia brasileira distorce o real significado da conquista espanhola,ocorrida entre 1763 e 1777.Imputa-se aos castelhanos a pecha de invasores.Mas,na realidade,a anulação doTratado de Madri restabeleceu a fronteira ao que era antes de 1750. Em outubro de 1762, enquanto ocorria na Europa a Guerra dos Sete Anos, que colocaria em campos contrários Portugal e Espanha, castelhanos atacaram e tomaram Sacramento contando com o auxílio de forças missioneiras. Em abril do ano seguinte, liderados pelo general e governador de Buenos Aires, Dom Pedro de Cevallos, apoderaram-se do forte de Santa Tereza, em Angustura de Castilhos (Uruguai); do Forte de São Miguel (Uruguai) e das vilas do Rio Grande e de São José do Norte. Às pressas, a administração da Capitania do Rio Grande do Sul, sediada em Rio Grande, se deslocou para Viamão, que em 1773 foi elevada à vila. Objetivando manter suas posições, os espanhóis começaram a construir o forte de Santa Tecla, nas proximidades de Bagé. Com a tomada de Rio Grande e São José do Norte pelos castelhanos, quase toda a população que vivia naquelas vilas e em seus arredores fugiu. A maioria foi se instalar nos Campos de Viamão, mas uma parcela considerável se estabeleceu na bacia do Jacuí, próximo de Santo Amaro e Rio Pardo. Durante os 13 anos de ocupação espanhola, o Rio Grande português se limitou a uma estreita faixa litorânea e ao Vale do Rio Jacuí. Penadeenforcamento Tomaz Luís Osório,que em 1754 fora designado por Gomes Freire para comandar o Regimento de Dragões estabelecido no forte de Rio Pardo, conheceu seus dias de infortúnio.Em 1762, ele havia recebido do mesmo Gomes Freire a missão de construir um forte em Angustura de Castilhos,para barrar uma eventual investida castelhana a Rio Grande. Mal as primeiras pedras da fortaleza haviam sido sentadas,ela foi sitiada por Cevallos.Em 19 de abril de 1763,Osório optou pela rendição.Assim,sem dar um tiro sequer,Cevallos fez 156 prisioneiros, incluindo o comandante da tropa. Um ano depois,iniciava-se o processo contra o coronelTomaz Osório e o governador Elói Madureira,responsável pelaVila de Rio Grande.Reunidas em Rio Pardo durante cinco meses,autoridades portuguesas colheram depoimentos de soldados,oficiais,civis e escravos sobre os fatos que culminaram na rendição de SantaTereza e daVila de Rio Grande. Julgado pela corte de Lisboa,Osório foi enforcado na capital portuguesa em 1768. O governador Madureira morreu durante os depoimentos. GuilhermeMazui Colônia de Sacramento, hoje em território uruguaio, servia aos interesses portugueses Museu del Azulejo,Colônia de Sacramento
  • 26. 25RioPardo200anos Cultura,ArteeMemória Maisterras A pós as guerras de reconquista efetuadas pelos súditos da coroa espanhola,em 1777 foi celebrado oTratado de Santo Ildefonso.Por esse acordo,Portugal reconhecia a soberania espanhola sobre a Colônia do Sacramento, os Sete Povos,SantaTecla e os territórios meridionais.A Espanha,por seu turno, abandonou a ilha de Santa Catarina.O pacto criou ainda,na divisa dos impérios, os Campos Neutrais,entre as lagunas da Mangueira,Mirim e a costa do Atlântico. Eram para ser áreas desmilitarizadas e despovoadas,localizadas entre os territórios luso e castelhano. São Nicolau São Luiz São Lourenço São Borja Santo Ângelo São João Colônia de Sacramento São Miguel Porto Alegre Santo Ildefonso Tratado mantém os Sete Povos sob domínio da coroa espanhola OtratadodeSantoIldefonso garantiuaosportuguesesnão somenteapossedeáreasjá ocupadas–RioGrande,os camposdeViamãoeRioPardo –,mastambémdeterritórios situadosanorteeaoestedesses locais.Sesmariasforamentão distribuídas,principalmente acombatenteslusos.Os novossesmeirospassarama manterligaçõescomosíndios missioneiros.Adquiriamseu gado,utilizavamseutrabalho etomavamcomoesposas ouconcubinasasíndias missioneiras. ••Portugalreage Em1770,havia175Dragões emRioPardoe185destacados emSãoJosédoNorte.Depois de13anosdedominação espanhola,Portugalfinalmente reagiu. Apósaorganizaçãode umpoderosoexército,forças lusasretomaramRioGrande em1776. Emseguida,sob ocomandodeRafaelPinto Bandeira,oFortedeSanta Teclafoiarrasadoeparteda Campanhafoitomada.Em contrapartida,osespanhóisse apoderaramdailhadeSanta Catarina.Areconquistacontou comadecisivaparticipação dossoldadossediadosemRio Pardo. Durante a dominação espanhola do Rio Grande,Rio Pardo sofreu vários assédios,mas todos eles foram rechaçados.Um desses episódios é cômico. Consta que no final de 1773,o governador de Buenos Aires,general D.Vertiz y Salcedo,à frente de uma força regular vinda das campinas do sul,defrontou-se com batalhões de Dragões e estacionou às alturas do Arroio Pequeri.A partir daí o comandante militar espanhol ameaçou cair sobre a Fortaleza Jesus,Maria,José e exigiu sua rendição.O governador José Marcelino de Figueiredo,que se encontrava no Forte,mandou comunicar a Salcedo que estava aguardando a chegada do governador (que era ele mesmo),pois somente ele poderia tratar da rendição.Horas depois,mandou fazer exercícios de pólvora seca na Fortaleza,com um simples morteiro e duas peças de ferro de calibre 2.Procedeu,igualmente,ao embandeiramento do Forte,fez rufar tambores e tocar os clarins. O ambiente ficou com ares de celebração de uma grande festa.Simulava,assim,a chegada do governador (o próprio Figueiredo) com um grande contingente de reforços.Acampado a cerca de uma légua,o inimigo ficou atônito com a barulheira. Imaginando que aTranqueira havia recebido um reforço de monta,voltou às pressas pelo caminho por onde havia chegado. Um blefe português Fonte: Adaptado de Ferreira Filho (1965)
  • 27. 26 Umaluzparaahistóriado RioGrandeRioGrande A vida dos guaranis dos Sete Povos se modificou muito quando administradores civis espanhóis passaram a gerenciar os povoados.Paralelo ao aviltamento da força de trabalho, ocorreu o desregramento moral da população reduzida. Assim surgiu a prostituição,o consumo de bebidas aumentou e os furtos se multiplicaram.Desmanchada a antiga organização coletiva dos missioneiros,já não havia mais telheiros,pedreiros nem carpinteiros para consertar as casas e os prédios,que começavam a ruir.As oficinas e as escolas cedo desapareceram.Explorados,padecendo tormentos e fome,os índios das Missões abandonavam seu povoado e procuravam por trabalhos precários e mal remunerados nas estâncias de criação de gado que começavam a aparecer. Em 1801,ano em que José Borges do Canto,Gabriel Ribeiro de Almeida e Manoel dos Santos Pedroso,comandando um grupo de quatro dezenas de guerrilheiros,conquistaram as Missões,restavam cerca de 14 mil índios nos Sete Povos. Explorados pelos espanhóis e seduzidos pela ideia de que teriam melhor sorte com os portugueses,os indígenas pouco se opuseram dessa vez.Mas os novos conquistadores não demonstraram ser menos gananciosos e corruptos do que os espanhóis.Em pouco tempo,dividiram entre si o que restava das estâncias e do gado missioneiros.Os conflitos entre castelhanos e brasileiros,que culminaram na criação do Uruguai em 1828,também arrastaram à guerra muitos indígenas.Em 1822,ano da Independência do Brasil,não restavam nas Missões mais do que 2.350 guaranis. Em 1830, praticamente não havia mais índios nos Sete Povos. A Rio Pardo coube, como escreveu Dante de Laytano,a função sociológica de consolidar as conquistas e os domínios portugueses no Sul do Brasil.Dali saíram,fronteira afora,Dragões e estancieiros armados dispostos a se apropriarem do território pertencente aos índios e aos espanhóis,não exatamente para o rei de Portugal,mas principalmente para si mesmos.A conquista da fronteira de Rio Pardo não obedeceu a uma política planejada e definida.Ela foi decorrente de conquista militar,beneficiando,por isso mesmo,os homens da guerra.Ou seja,para a posse e concessão de sesmarias, prevaleceu a força social dos militares e das pessoas vinculadas à administração colonial. A distribuição das sesmariasEstancieiros armados conquistaram os territórios dos índios ••Sesmariasedatas ÀépocadoBrasilColônia, asterraseramconcedidas pormeiodesesmarias ededatas.Asesmaria correspondia,emmédia, a3x1légua.Assim,uma sesmariaequivaleriaa 13.068hectares.Asdatas correspondiama¼de léguaquadrada,oque representava272hectares. Asprimeirassesmariasno RioGrandedoSulforam concedidasjáem1732, nosCamposdeViamão. NaBaciadoJacuí,asterras começaramaserpovoadas apartirdoTratadode Madri.Comadominação espanhola,aocupaçãoda regiãoseintensificouefoi garantidamilitarmentepor RioPardoeSantoAmaro. ••BorgesdoCanto Adiáspora dos guaranis Banco de imagens/gs JoséBorgesdoCantoeraumsoldadodesertor doRegimentodeDragõesdeRioPardoeum contrabandista.ManueldosSantosPedroso eraummamelucoestancieiroeGabrielRibeiro deAlmeida,ummilitar.Emboratenhamsido rio-grandensesque,comarmasempunho, anexaramaáreadosSetePovos,elestiveram acomplacênciaeoincentivodocomando do Regimento dos Dragões.Uma vez conquistado o território,para lá se deslocaram tropas para manter a região sob o domínio português.Inicialmente foram os estancieiros luso-brasileiros mas,depois,também os colonos de origem italiana e alemã que aproveitaram os materiais dos prédios missioneiros para a construção de suas casas.As poucas ruínas ainda existentes testemunham a devastação da experiência das Missões. Os confrontos travados com os castelhanos entre 1762 e 1776 reforçaram o poder dos militares e dos estancieiros já estabelecidos no Rio Grande do Sul,indispensáveis para a reconquista do território. Durante e após o conflito com os castelhanos,inúmeras terras foram distribuídas aos que tinham prestado serviços à causa portuguesa. No ano de 1808,o contratador Manoel Antônio de Magalhães se mostrou indignado com o fato de haver na capitania moradores com três ou mais sesmarias.De acordo com ele, “um homem que tinha a proteção tirava uma sesmaria em seu nome,outra em nome do filho mais velho,outras em nome da filha e filho que ainda estavam no berço e,desse modo,há casos de quatro e mais sesmarias”.
  • 28. 27RioPardo200anos Cultura,ArteeMemória C onforme Dante de Laytano,um personagem que bem ilustra a figura do soldado- estancieiro é Rafael Pinto Bandeira, Comandante do Continente do Rio Grande.Homem laureado pelos seus feitos militares, contrabandista de gado e de couros e profundo conhecedor da região e da gente,Pinto Bandeira fez valer seu poder e influência para obter concessões de terras.Dentre suas propriedades encontram-se a Estância das Pombas,em Rio Pardo,com duas léguas quadradas,sobrados e muitas benfeitorias,e a Fazenda do Pavão,no Camaquã,em Passo da Armada,com 12 léguas quadradas.Outra fazenda de duas léguas por uma,no Capivari,em Rio Pardo,e muitos outros campos, casas,chácaras e capões,além de 23 mil reses,também faziam parte de suas posses. Sede da Fazenda das Pombas,em Rio Pardo,que pertenceu a Pinto Bandeira O legendário Pinto Bandeira Soldados sediados em Rio Pardo também auxiliaram nas guerras que culminaram com a conquista e posterior perda da Cisplatina (atual Uruguai). Em 1808,com os exércitos de Napoleão Bonaparte se apoderando de Portugal,houve a transmigração da família real e da corte portuguesa para o Brasil.A partir de então se intensificou o desejo de estender o império luso até o estuário do Prata. No Prata,a situação se complicaria a partir de 1810,quando o cabildo de Buenos Aires se declarou independente da Espanha e procurou organizar as Províncias Unidas do Prata – que reuniria os atuais Peru,Paraguai, Uruguai e Argentina.Além disso,o caudilho Artigas prometia colocar em prática um projeto revolucionário com redistribuição de terras na Banda Oriental.Entre 1811 e 1812,um“Exército Pacificador”de 3 mil soldados paulistas, catarinenses e gaúchos invadiu o Uruguai e tomou Montevidéu.Nessa oportunidade,foi anexada grande parte do distrito de Entre Rios,base em que atuava Artigas.O território anexado corresponde aos atuais municípios de Uruguaiana,Santana do Livramento e parte dos municípios de Rosário do Sul e Dom Pedrito. Em 1816,4.800 veteranos soldados de guerra vindos de Portugal e comandados pelo general Lécor voltaram a intervir no Uruguai.Artigas e seus correligionários foram derrotados e a Banda Oriental foi anexada ao Brasil com o nome de Província da Cisplatina.Quinze anos após a conquista das Missões,o sonho português de anexação de terras em direção ao rio da Prata finalmente se realiza. Contra a dominação A partir de 1825,Juan Antonio Lavalleja inicia o movimento de resistência contra a dominação que,a essas alturas,não é mais portuguesa, mas brasileira.Os revoltosos ganham o auxílio dos argentinos.Derrotado nas batalhas de Sarandi e Passo do Rosário,o Brasil aceita a interferência da diplomacia inglesa e consente na criação de um novo país.Surge assim, em 1828,o Uruguai. Uruguai já foi do Brasil Típico soldado-estancieiro,usou seu poder para acumular bens PintoBandeira Carta pede terra para afugentar os índios Ilustríssimos e excelentíssimos senhores Diz Ignacia Zeferina e Souza,filha do Alferes Jozé Caetano de Souza, morador na fronteira do Rio Pardo, que existindo muitos terrenos devolutos no sertão entre aquele distrito e o da Vacaria,sertão ocupado pelos índios brabos,se tem alguns vassalos animados a entrar e a querer povoar parte do mesmo sertão,assim afugentar os ditos índios e tornarem úteis os terrenos,e porque a suplicante com assistência de seus pais,pretende também povoar e formalizar uma estância no dito sertão por gozar deste benefício do referido seu pai roga a Vossas Excelências se digne conceder à suplicante por sesmaria a extensão de uma légua de frente com três de fundos compreendendo campos faxinais e matos no referido sertão e no lugar aonde findar a sesmaria que tem referido o Tenente Coronel João Maria de Brito. Senhores conceder a graça implorada E requer mercê.
  • 29. 28 Umaluzparaahistóriado RioGrandeRioGrande Oescritorgaúcho ApolinárioPorto Alegre(Rio Grande,1844-1904) incluioíndígenaem seuprincipalromance, OVaqueano(1872). No texto,oautoracentua oladoselvagemda tribodosguaicanãs– “filhosdaselva”,como eleoschama–,quese sobrepujaaqualidades ressaltadasem outrospersonagens datrama,comoa lealdadeeaamizade. Odesfechodesua narrativacoincidecom oextermíniodatribo. InspiradoemOgaúcho, deJosédeAlencar,O vaqueanocontauma históriadevingança.O protagonistaéJoséde Avençal,queconduz partedastropasdo exércitofarroupilha atéSantaCatarina. N a literatura e nas artes,o indianismo significou a idealização do indígena,retratado como herói nacional.Essa visão se baseou no mito do“bom selvagem”,apresentado pelo filósofo francês Jean-Jacques Rousseau no livro Discursosobre aorigemeosfundamentosdadesigualdade entreoshomens (1755).Rousseau afirma que o homem nasce bom e sem vícios,mas é pervertido pela sociedade civilizada.Sua teoria fundamentou,décadas mais tarde, o indianismo romântico.No século XIX,o índio se torna o tema central dos escritores brasileiros.Representa a pureza e a coragem do homem não corrompido pela sociedade. Os romances Iracema (1865),OGuarani (1857) e Ubirajara (1874),de José de Alencar,marcam o período.Na mesma linha vai o poema I-Juca Pirama (1857),de Gonçalves Dias,que relata a morte do último remanescente da tribo tupi, devorado por membros da tribo dos timbiras. No Rio Grande do Sul,a mesma valorização se reflete na produção literária.O poeta romântico Francisco Lobo da Costa (Pelotas, 1853-1888),no seu poema épico (inacabado) Osfarrapos ou ARevoluçãode1835noRio GrandedoSul,vincula a figura do gaúcho à do índio,na medida em que ambos são valentes,nobres e dominam com precisão a sua montaria.O texto destaca a participação dos indígenas na Revolução Farroupilha, mostrando-os como heróis destemidos. BernardoTaveira Jr.(Rio Grande,1838-92), no poema RioGrandedoSul,enfatiza a origem do povo rio-grandense como descendente da raça tupi:“Descendes ó bela / Da raça tupi / Da raça dos fortes / Dos livres – aqui”. E ao definir o caráter do gaúcho,logo trata de associá-lo ao índio.É um raciocínio semelhante ao do romancista e crítico literário Alcides Maya (São Gabriel,1878-1944):para ele,o gaúcho surge como fruto da mestiçagem entre o índio e o tipo ibérico. A idealização do índio foi alvo da sátira de Lima Barreto em 1911,com a publicação de TristefimdePolicarpoQuaresma.O romance conta a saga de um brasileiro nacionalista que busca,na recuperação das tradições indígenas,a saída para os problemas políticos, culturais e econômicos do Brasil.O major Quaresma chega a sugerir à Assembleia Legislativa a adoção do tupi-guarani como língua oficial.Quaresma é considerado louco e termina seus dias encerrado em um manicômio. O herói da literatura nacional ••Missões Álvarofitounoíndioumolharadmirado. Ondeéqueesteselvagemsemcultura aprenderaapoesiasimples,mas graciosa;ondebeberaadelicadezade sensibilidadequedificilmenteseencontranum coraçãogastopeloatritodasociedade? Acenaquesedesenrolavaaseusolhos respondeu-lhe;anaturezabrasileira,tãoricae brilhante,eraaimagemqueproduzia aqueleespíritovirgem,comoo espelhodaságuasrefleteoazuldo céu.(OGuarani,deJosédeAlencar) Baseado no mito do“bom selvagem”,índio é retratado como ser puro e corajoso,inclusive na ficção rio-grandense SepéTiaraju,herói guaraninaguerra contraastropas luso-brasileirase espanholas,morto emcombateem 1756,étemado livroSepéTiaraju– RomancedosSete Povosdas Missões,de AlcyCheuiche. Assimele vislumbraa quedadeSepé:“A fuzilariaredobra deintensidade.Jápoucosguaranis restamdepénocampodebatalha.Sepé reúneosremanescentesepartepara umanovacarga.Sualançalevantada selaumdragãoportuguês.Três,quatro soldadosinimigosocercam.Umalança oatingepelascostas.Seucorpotomba sobreopescoçodocavalo“. AsagadeSepétambémélembrada nopoemaépicoOUraguai,deBasílio daGama,eemOContinente,deErico Verissimo.JáoromanceIbiamoré–O Trem-fantasma,deRobertoBittencourt Martins,trazopersonagemdoíndio Teireté. Eleconseguiufugirdaúltima reduçãojesuíticadestruídaepassoua vivernofundodeumdespenhadeiro, ondeerguecruzeslembrandoosirmãos mortos. Ascruzes,levadaspelaságuasdo desfiladeiro,sempretêmdeserreerguidas. Essetrabalhocontínuo,semfim,simboliza oprotestoearesistênciadeTeireté. ••Guaicanãs José de Alencar Porto Alegre
  • 30. 29RioPardo200anos Cultura,ArteeMemória É muito frequente o uso de filmes como material didático em sala de aula.Um dos mais utilizados pelos professores de História no Ensino Fundamental e Médio é AMissão. Produzido em 1986,tem astros de peso como Robert De Niro e Jeremy Irons.Recebeu oito indicações para o Oscar e venceu a Palma de Ouro no Festival de Cannes.O tema é a Guerra Guaranítica,ocorrida no século XVIII. Apesar do seu prestígio,AMissão apresenta uma série de incorreções históricas e geográficas. Abaixo,as mais graves: 1º)Foram os territórios e índios dos Sete Povos das Missões que estiveram diretamente envolvidos no Tratado de Madri de 1750,e não as missões guairenhas.Essas já haviam sido arrasadas há mais de cem anos. 2º)O palco dos conflitos não foi os Altos do Rio Paraná nem a Mata Atlântica,mas as coxilhas do atual território do Rio Grande do Sul.Foi em Caiboaté (hoje São Gabriel) que se deu o genocídio guarani quando a infantaria,a artilharia e a cavalaria de Portugal e da Espanha destroçaram a guerrilha dos índios cristianizados. 3º)Os heróis não têm equivalentes nas figuras de Sepé Tiaraju ou de Nicolau Nhenguiru,dois dos maiores líderes da resistência missioneira.Os padres jesuítas são retratados como os“mocinhos”e os índios,como coadjuvantes. 4º)O filme mostra os guaranis colhendo bananas.Mas naquele tempo,ninguém em parte alguma da América explorava os bananais. 5º)As cenas têm índias seminuas, de seios à mostra,e guerreiros nus. Isso não condiz com a realidade.Os padres,seguindo seu severo código moral,fizeram com que os guaranis usassem vestimentas. A produção cinematográfica brasileira já retratou o índio em vários momentos,em filmes como Iracema–Avirgemdoslábios demel,HansStaden,Como eragostosoomeufrancês e o mais recente Caramuru –AinvençãodoBrasil,de 2001.Mas no Rio Grande do Sul,o destaque conferido ao indígena na literatura gaúcha não se reflete no cinema. O escritor e cineasta Tabajara Ruas tentou resgatar o índio de seu quase esquecimento no cinema em seu último longa-metragem, Nettoeodomadordecavalos.Um dos principais personagens é o ÍndioTorres, interpretado porTarcísio Filho.Ele ocupa boa parte da trama e ainda faz o papel de narrador.Segundo Ruas,a inclusão deTorres como um dos personagens centrais foi uma forma de“fazer justiça” com a população indígena,já que não houve um representante da etnia no elenco principal de seu filme anterior, Coadjuvantes no cinema Filmes,no Rio Grande do Sul,não conferem destaque aos indígenas Filme Nettoeodomadordecavalos busca o resgate Nettoperdesuaalma. Odomadordecavalosmistura figurasreais–comoAntoniodeSouza Netto,generaldaGuerradosFarrapos –elendários.ÀsvésperasdaRevolução Farroupilha,ooficialNettodescobreque umantigocompanheirodasguerrasdo Sul,osargentoÍndioTorres,estápreso. Paralibertá-lobuscaaajudadeescravos rebelados,entreelesomelhorgineteda fronteira,umjovemquemaistardeserá conhecidocomooNegrinhodo Pastoreio. ••AgênesedosTerra-Cambará AnaTerrafoidirigidoporDurvalGarciaem1971.Ofilmesebaseia emumdosepisódiosmaisfamososdeOcontinente,primeiro romancedatrilogiaOtempoeovento,deEricoVerissimo.Além deAna–amatriarcadosTerra-Cambará,famíliaqueconduz oenredodatrilogia–, livroefilmetrazemopersonagem PedroMissioneiro,indígenaeducadoporpadresespanhóise sobreviventedaGuerraGuaranítica.Pedrosetornaagregado dafamíliadeAnaTerra,paulistasquechegamaoRioGrandedo SulnoséculoXVIII.Emmeioàrotinasolitárianafazendadopai, ManecoTerra,Anaseenvolveamorosamentecomoíndio. Orelacionamentoclandestinoacabaemtragédia,quandoManecodescobre a“desonra”dafilha,queestágrávida.Revoltado,mandaosfilhos,Antônioe Horácio,mataremPedroMissioneiro.OfilhodeAnacrescerásemconhecero pai,assassinadocruelmente,maspreservaráoseunome.Em1984,ahistóriafoi reapresentadanaminissérieOtempoeovento,daRedeGlobodeTelevisão. A Missão e suas falhas históricas Jesuítas são os protagonistas da trama FOTOS:divulgação/gs
  • 31. 30 Umaluzparaahistóriado RioGrandeRioGrande ••A lendadamandioca D iversas lendas de origem indígena se tornaram parte do folclore brasileiro e rio-grandense. Algumas têm origem em fatos históricos, como a de M’Bororé. Espanha e Portugal derrotaram os índios guarani dos Sete Povos das Missões,na batalha que ficou conhecida pelo nome de Caiboaté,em 1756. Diante do avanço dos dois exércitos europeus, lanceiros guaranis foram abatidos às centenas. Quando os invasores entraram em São Miguel, os padres abandonaram em pânico as suas fazendas.Na fuga precipitada,não podendo levar consigo as riquezas,eles as enterraram ou lançaram às águas.Mas esses tesouros não ficaram de todo abandonados à cobiça dos homens.Índios devotados aos padres ficaram guardando as riquezas.Passados mais de duzentos anos,eles se mantêm fiéis à sua missão:envelheceram e morreram mas,mesmo depois de mortos,continuam a defender os tesouros. É chamado de M’Bororé o vigia da Casa Branca.Dentro do mato,no alto de uma lombada,há uma casa branca,sem portas nem janelas.No interior,as salas estão cheias de barras de ouro e de prata,tão pesadas que seriam necessários dois homens para remover cada uma delas.Também há pedras preciosas e,por cima de tudo,castiçais de ouro maciço. Quando os padres fugiram,M’Bororé se tornou o guardião da Casa.Guardou-a até a velhice e,depois de morto,seu fantasma continua a postos. Até hoje,ele ronda a Casa Branca. Trata-se de um mito universal.No Rio Grande do Sul,a versão mais conhecida é a descrita por João Simões Lopes Neto e publicada em 1913,no livro Lendas do Sul. Em um tempo muito antigo,houve uma noite extraordinariamente longa e escura.Na tarde que antecedeu essa noite, começou uma chuvarada. A chuva culminou em um grande dilúvio,que matou quase todos os animais e homens.A água inundou os campos, fez transbordar riachos e encheu as tocas dos animais,inclusive a de uma cobra enorme chamada pelos índios de boiguaçu,que dormia há muito tempo. Despertada,ela passou a comer os olhos dos animais que encontrava. Diz-se que os animais e homens,quando perecem,guardam no olhar a última luz que viram.Era essa luz que a cobra devorava,cada vez mais.A pele da boiguaçu se tornou luminosa,de uma luz fria e azulada. Quando os homens voltaram a enxergá-la,não a reconheceram. Chamaram-na de boitatá,que significa cobra de fogo.Algum tempo depois,boitatá morreu de fraqueza. Os olhos que ingerira tinham a luz,mas não a substância nutritiva de que ela necessitava.Ao se decompor,a cobra liberou a luz que estava presa dentro dela e essa luz gelada se espalhou por todos os rincões.Até hoje,boitatá ronda pelos campos do Rio Grande do Sul e persegue os campeiros. M’bororé e o tesouro das Missões Lendas de origem indígena são parte essencial do folclore brasileiro e rio-grandense Ele tem o tamanho de uma criança de sete anos.Anda nu,é peludo como o bicho- preguiça,tem unhas compridas e afiadas,o calcanhar para frente e os pés para trás.É o curupira,que ajuda os caçadores e pescadores que lhe oferecem cachaça, fósforo e fumo.O ofertório é para que a pessoa tenha fartura nas caçadas e pescarias.Quem não tem devoção para com o curupira sente medo, enjoo e náuseas a quilômetros de distância dele.Com essas pessoas ele brinca,fazendo com que se percam na mata.Para se livrar do curupira deve-se cortar uma vara,fazer uma cruz e colocar em um rolo de cipó, bem apertado.Ele vê o rolo e tenta desmanchá-lo,dando tempo para a pessoa fugir. Cuidado com o curupira Maraeraumabelajovemguarani,filhadeum poderosocacique,quesonhavacomoamore umcasamentofeliz. Masumdiaelaengravidou misteriosamente,apesardesemantervirgem.Em vão,seuenfurecidopaiprocurouoautordadesonra dafilha. Mesesdepois,Maradeuàluzumalindamenina depelealvaecabelosloiros,querecebeuonome deMani.Acriançalogopassouaserestimadapor todosdatribo.Porém,aocompletarumanodevida, Manimorreu.Ofatochocouatodos,poisamenina nuncahaviaapresentadonenhumadoença. Desolada,amãeenterrouafilhanaprópriaocaem queviviaparanãoseseparardela.Diariamente choravadiantedolocal,regandocomoleitedos seiosecomaslágrimasaquelapequenasepultura. Passadoalgumtempo,brotoudacova,rápidae fresca,umaplantaestranha.Acreditandoqueo corpodameninaquisessesairdali,resolveram desenterrarManiecolocá-laemoutrolugar.Maso corpodapequenaíndianãofoiencontrado. Nolocal,acharamsomentegrossasraízesda talplantadesconhecida.Asraízes,porfora, tinhamumacoloraçãomarrome,pordentro, erambranquinhascomohaviasidoMani.Após cozinharemeprovaremdaraiz,entenderamque setratavadeumalimento,naverdadeumpresente doDeusTupã.Desdeentão,amandiocapassoua serumalimentoparaosíndios.Elesderamonome deManiparaaraiz.Comonasceudentrodeuma oca,ficouManioca,quehojeconhecemoscomo mandioca. A origem de boitatá (AdaptadodeCostaeSilva,1957)
  • 32. 31RioPardo200anos Cultura,ArteeMemória ••Ondeelesestão Quasedizimadospela dominaçãoexercida pelohomembranco,os índiosquesobreviveram formaramcomunidades esparsaspeloterritório doRioGrandedoSul. Sãoosremanescentes dospovoscaingangues, guaraniseguaranis mbyá.Atualmente,no Estado,osregistrosoficiais apontamaexistência de37terrasindígenas. Somadas,elasequivalema 102,6milhectares,sendo 17homologadaspela PresidênciadaRepúblicae registradasnopatrimônio daUniãoequatrocom PortariaDeclaratória emitidapeloMinistério daJustiça.Asdemais áreasestãoemetapasde estudoedelimitação.A maiordelaséaReserva doGuarita,naregiãode TenentePortela.Lávivem cercadesetemilíndios, caingangueseguaranis. AConstituiçãoconsidera osindígenascapazes dedecidiremsobre seuprópriofuturoe elesparticipamna elaboraçãodaspolíticas aseurespeito:vinte indígenaseleitosporsuas comunidadessãotitulares daComissãoNacional dePolíticaIndigenista, ondeatuamemparceria comogovernofederalna construçãoeaprovação dediretrizesparaapolítica indigenistabrasileira.A legislaçãobrasileiraé consideradareferência internacionalnoque dizrespeitoàproteção epromoçãodospovos indígenas,principalmente naquestãofundiária. Aindaassim,hámuitoo quemelhorarparaessa parcelada população, irremediavelmenteaviltada emseusdireitoshistóricos. FOTOS:inor/ag.assmann
  • 33. 32 Umaluzparaahistóriado RioGrandeRioGrande O sítio onde se encontra a sede do município de Rio Pardo possui relevo acidentado.Por isso a área urbana recebeu ruas sinuosas, que se adaptam à declividade do terreno, configurando um traçado irregular. A cidade ainda mantém várias das características do período de sua formação,como o traçado original de suas ruas centrais e a existência de um número regular de edificações construídas no período colonial e à época do Império no Brasil. O ponto de partida do núcleo urbano foi a Fortaleza Jesus,Maria,José.As construções desceram para áreas mais baixas,na atual Rua da Ladeira,onde foi edificada a Igreja Matriz (1779) eselocalizaapraça.Com ocrescimento,aatual Rua Andrade Neves assumiu a condição de ponto dinâmico da cidade. A demarcação dos terrenos urbanos – concedidos preferencialmente a oficiais,médicos,capelães e inferiores da guarnição dos Dragões – se iniciou no ano de 1780. A princípio,os trabalhos foram realizados por engenheiros militares. Do núcleo militar inicial assentado no entorno do Forte Jesus,Maria,José,com apenas algumas poucas residências de militares e armazéns de víveres e mantimentos para as tropas aquarteladas,em 1823 a vila apresentava – de acordo com Dante de Laytano – 282 prédios urbanos sujeitos aos impostos urbanos e 50 casas não sujeitas à décima,por causa dos poucos meios de seus habitantes e proprietários.Já de acordo com Sabrina Souza,em 1826 Rio Pardo apresentava um total de 730 casas,das quais 20 eram estabelecimentos comerciais. As escadarias existentes nas calçadas são uma peculiaridade da área central de Rio Pardo. O caso típico é o prédio onde atualmente funciona o Museu Barão de Santo Ângelo. Como não era permitido fazer escadarias no passeio público, a solução foi construir escadarias que elevassem o nível do passeio como um todo. Relevo definiu traçado das ruas CAPÍTULO AvidaURBANA A formação da área urbana de Rio Pardo; o comércio intenso dá origem a uma elite social e econômica no município; os hábitos de higiene no passado e a preocupação com a saúde.