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1
Edição de Pessach 5778 - 70 Anos de Israel
ANO 10 No
12 ABRIL DE 2018 ISSN 2527-0826
ISRAEL 70 ANOS
TANTOEMTÃOPOUCOTEMPO
Isaac Essoudry
OÚLTIMOCABALISTA
DORECIFE
A Hagadá de Moacyr Scliar
UMSEDER PARANOSSOSDIAS
2 AJ No 12 - ABRIL 2018
Congratulamo-nos com Medinat
Israel pelos 70 anos de criação e
desejamos um Feliz Pessach a
toda a Kehilá
Parabenizamos Israel pelos 70 anos e
desejamos Pessach Sameach
a todo Am Israel
3
EDITORIAL
“ ...descobri que minha arma é o que a memória guarda...
...em volta desta mesa velhos e moços lembrando o que já
foi...
... em volta dessa mesa existem outras falando tão igual...”
(Trecho da música Conversando Num Bar de Milton Nascimento e Fernando Brant)
Bem que estes belos versos de Nascimento e Brant poderiam ser um trecho
fazendo referência ao Pessach e seu momento clímax: o Seder e a leitura
da Hagadá. Afinal, estes dois elementos centrais da nossa tradição, são uma
verdadeira arqueologia da memória.
É também e principalmente, do que nosso saudoso Moacyr Scliar z”l fala
em seu magistral texto (ver as colunas “Imagem da Capa” e “Matéria de
Capa”) “ Um Seder para o nosso tempo”.
É de memória que nos fala Pessach. É da preservação da sua memória que
vem falando, vivendo e vivenciando o povo judeu há milênios.
É guardando tais elementos e com eles aprendendo, todo este tempo, que
seguimos adiante.
E memória é um dos temas centrais desta edição. O outro é renascimento.
O júbilo de nosso povo na celebração dos 70 anos do Estado de Israel. (ver
matéria de Elias Salgado sobre o tema)
Amazônia Judaica, há mais de 15 anos vem contribuindo ao colocar tijolos
neste edifício tão sólido que é o judaísmo, o amazônico em particular e
os vários judaísmos, na Diáspora e em Eretz Israel. E nesta missão tão
importante, nos acompanham, na presente edição, grandes estudiosos do
tema e grandes amigos-colaboradores da nossa revista: Moacyr Scliar z”l,
Henrique Cymerman Benarroch, Renato Athias e os luxuosos estreantes
por aqui: Jane Bichmacher, Joice Santos, entre outros. Enfim um time de
craques do qual nos orgulhamos muito, porque razões não nos faltam.
Pois na sua companhia, é que lhes propomos que atravessem mais
este Pessach, e que celebrem conosco, a passagem de mais um ano de
independência da única nação judaica do mundo.
Boa leitura e Chag HaPessah VeYom Haatzmaut Sameach.
Os editores,
David e Elias Salgado
Editores
David Salgado
Elias Salgado
Diretor de Arte e Design
Eddy Zlotnitzki
Projeto Gráfico
Thiago Zeitune
Revisão
Mariza Blanco
Arte e diagramação
Eddy Zlotnitzki
Colaboradores
Henrique Cymerman Benarroch
Jane Bichmacher
.Joice Santos
Renato Athias
Simon Romero
Portal e Arquivo Amazônia
Judaica
www.amazoniajudaica.org
Amazônia Judaica No Facebook
Amazônia Judaica
Email
portal200anos@gmail.com
contat@amazoniajudaica.org
Conselho Editorial
HOMENAGEM ESPECIAL
Prof. Samuel Isaac Benchimol z”l
Andre de Lemos Freixo
Fernando Lattman-Weltman
Heliete Vaitsman
Henrique Cymerman Benarroch
Ilana Feldman
Isaac Dahan
Jeffrey Lesser
Michel Gherman
Monica Grin
Regina Igel
Renato Athias
Wagner Bentes Lins
4 AJ No 12 - ABRIL 20184 AJ No 12 - ABRIL 20184 AJ No 12 - ABRIL 2018
UM SEDER PARA OS
NOSSOS DIAS*
(“A HAGADÁ DE MOACYR SCLIAR”)
A festa, 1925, Marc Chagall, coleção privada
“Esta mesa em torno à qual nos reunimos,
esta mesa com as matzót e com as ervas
amargas, esta mesa de Pessach com sua
toalha imaculada, esta mesa não é uma
mesa: é a mágica embarcação com a qual
navegamos pelas brumas do passado, em
busca das memórias de nosso povo.
A esta mesa sentemo-nos, pois.
Somos muitos, nesta noite.
Somos os que estão e os que já foram:
somos os pais e os filhos, e somos também
os nossos antepassados. Somos um
povo inteiro, em torno a esta mesa. Aqui
estamos, para celebrar, aqui estamos para
dar testemunho.
Dar testemunho é a missão maior do
judaísmo. Dar testemunho é distinguir
entre a luz e as trevas, entre o justo e
o injusto. É relembrar os tempos que
passaram para que deles se extraia o
presente a sua lição”...
Entendemos que o autor faz aqui uma
referência clara ao imperioso dever a que
nos encarregaram nossos sábios: “Be chol
Dor VaDor chaiav haadam lirot et atzmó
kehilú hu iatzá miMitzraim” – “ A cada
geração deve o homem ver-se a si mesmo,
como se ele próprio, tivesse saído do
Egito”
A IMAGEM DA CAPA
* Este é um pequeno trecho da abertura de um texto escrito há
muitas décadas pelo escritor judeu gaúcho, Moacyr Scliar z”l.
Por anos a fio era lido no Seder Comunal das chaverot do Grupo
Feminino Chaviva Reich e ficou conhecido como “A Hagadá
de Moacyr Scliar”.
55
AMAZÔNIA JUDAICA No 12 - ABRIL 2018
70 ANOS DE ISRAEL | 6
Israel: Tanto em tão pouco
tempo
NOSSOS SABIOS|12
O Marroquino Chacham
dos retornados em Recife
CAPA|30
Um Seder para os
Nossos Dias
EDITORIAL 3
A IMAGEM DA CAPA 4
ETNO-ARQUEOLOGIA 20
HISTÓRIA 24
Sepultura Nazista no Brasil
MEMÓRIA 26
DIÁSPORA JUDEU 40
MARROQUINA
TRAÇOS 44
Presença Judaica
na Língua Portuguesa
CRÓNICA 48
PELO NOSSO PORTAL 50
MENSAGENS 54
6 AJ No 12 - ABRIL 2018
ESPECIAL 70 ANOS
ISRAEL: TANTO EMPor Elias Salgado
Para muitos, a criação do moderno Estado de Israel
alvez tal pensamento lhes
ocorra dada a emoção
consequente da grandiosidade
dofatohistóricoparaopovodeIsrael
disperso pelo mundo em diáspora,
desde 70 da Era Comum; bem como
certas circunstâncias e ocorrências
na trajetória das lutas e adversidades
pelas quais passaram os judeus, nos
quase 2000 anos que viveram como
párias sem a existência de um estado
nacional próprio, à mercê da boa e
da má vontade dos demais povos.
A justificativa sobre a qual está
alicerçado o direito dos judeus a um
estado próprio, em nossa opinião, na
de vários pensadores, na maior parte
do povo judeu e boa parte das nações
e povos do mundo, na verdade
são duas: desde o surgimento do
nacionalismo na Europa, existe o
conceito e o consenso de que a cada
povo cabe o direito de viver numa
nação soberana e independente. E
ao povo judeu que havia perdido sua
independência e soberania, caberia,
então, o direito a readquiri-la. E a
outra, certamente a mais premente,
advém da tragédia pela qual
passaram os judeus - a Shoá.
Já o direito a um país na histórica
Terra de Israel (Palestina), tem
T
O logotipo
comemorativo
para os 70 anos
de Israel
7
TÃO POUCO TEMPO
em 14 de maio de 1948, foi um verdadeiro milagre
quase a mesma idade da existência
do povo judeu na História – cerca de
4.000 anos. Os laços entre a nação
judaica e seu território original, não
são apenas sentimentais, religiosos,
como descritos na Torá. Há
registro arqueológicos e históricos
da presença do povo hebreu,
vivendo de forma independente
ou não, na antiga Terra de Canaã,
posteriormente denominada Terra
de Israel e que no período romano,
passa a ser chamada, de Palestina,
até a criação do moderno Estado
de Israel. É portanto, em nosso
entendimento, indubitável a relação
histórica ininterrupta do povo judeu
com a Terra de Israel.
Porém longo foi o percurso
histórico e das lutas travadas a nível
ideológico e político, até que se
logrou, finalmente, a independência
do moderno Estado de Israel.
Antissemitismo e o
surgimento do Sionismo
Desde os primeiros séculos da
experiência judaica na diáspora
que o povo judeu convive com a
existência de preconceito, baseado
em ódio contra seu histórico étnico,
cultural e/ou religioso. Na era
moderna, este ódio passou a ser
denominado antissemitismo.
O antissemitismo é manifestado de
diversas formas, indo de expressões
individuais de ódio e discriminação
contra indivíduos judeus a violentos
ataques organizados (pogrom),
políticas públicas ou ataques
militares contra comunidades
judaicas. Entre os casos extremos
de perseguição estão a Primeira
Cruzada de 1096, a expulsão da
Inglaterra em 1290, a Inquisição
Espanhola, a expulsão da Espanha
em 1492, a expulsão de Portugal
em 1497, diversos pogroms, o Caso
Dreyfus e o Holocausto perpetrado
pela Alemanha Nazista.
No século XIX, na Europa do Leste,
Vista panorâmica da costa de Tel Aviv
8 AJ No 12 - ABRIL 2018
ESPECIAL 70 ANOS
o antissemitismo ganha força,
consequência do surgimento do
capitalismo e vários pogroms são
perpetrados e como consequência,
se dá uma onda migratória rumo
ao ocidente – América e também
para a Palestina. Várias iniciativas
surgiram visando dar solução às
perseguições sofridas naquele
continente. As principais foram:
compra de terras para criação de
colônias agrícolas na Argentina,
pelo Barão Hirsh e na Palestina, por
Edmond Rotchild.
Na França surge a gota d’agua,
com o conhecido Caso Dreyfus
– a condenação de um oficial
judeu do exército francês, acusado
injustamente de espionagem e
traição, como foi comprovado
posteriormente.
O fato teve imensa repercussão
em todo o continente europeu e
teve como maior consequência, o
surgimento do movimento nacional
judaico, o Sionismo, criado por
iniciativa de Theodor Hertzel, que
concluiu, diante do antissemitismo,
que a solução para a “questão
judaica” era a criação de um estado
judeu soberano, na histórica Terra
de Israel.
O termo “sionismo” é derivado da
palavra “Sion”, que é o nome de uma
das colinas que cercam Jerusalém, e
dela se tornou sinônimo. Na Torá os
hebreus são também chamados de
Bnei Tzion.
Porém, somente muitas décadas e
vários Congressos Sionistas depois,
é que o sonho de Hertzel, de vários
líderes sionistas e de grande parte do
Manchete
do jornal
jerusalem
post sobre o
nascimento
de Israel
A Declaração Balfour
9
povo judeu pôde se concretizar.
Infelizmente, somente após o
extermínio de 6 milhões de judeus
no Holocausto, na Europa, durante a
2ª. Guerra Mundial, foi que a ONU
se sensibilizou e votou a criação
de dois estados - um judeu e outro
árabe, no território da Palestina.
A liderança dos judeus, que desde
fins do século XIX e primeiras
décadas do século XX, haviam
imigrado e formado o chamado
Ishuv da Palestina, declararam, sob
a liderança de David Ben Gurion, a
criação do Estado de Israel, em Tel
Aviv, no dia 14 de maio de 1948.
Assim nasceu a única nação
judaica do mundo: cercada de
vizinhos árabes que sempre tiveram
dificuldade de aceitar sua existência
(exceto Egito e Jordânia, que
décadas após, assinaram acordos
de paz com Israel, que permanecem
em vigência até os dias de hoje).
Os demais países árabes que não
reconhecem Israel, mantém ativo
um conflito que não parece ter fim.
Originário deste conflito com os
árabes, nasceu outro: o chamado
conflito israeli-palestino, no qual o
cerne do desentendimento, está na
disputa pela criação de um estado
palestino na Cisjordania.
1o. Congresso Sionista
Alta tecnologia agrícola
10 AJ No 12 - ABRIL 2018
ESPECIAL 70 ANOS
E assim, surgido como consequência
deumalongatrajetóriadesofrimento
e luta do povo judeu na diáspora
e apesar dos conflitos políticos e
militares com seus vizinhos e que
mantêm sempre elevado o perigo
de segurança e a sua luta pela
soberania, esta jovem nação, chega
aos 70 de independência, como uma
das grandes economias do planeta.
Economia
Israel é considerado um dos países
mais avançados do sudoeste da Ásia
em desenvolvimento econômico e
industrial. O país foi classificado
como o de nível mais elevado
da região pelo Banco Mundial,
bem como, no Fórum Econômico
Mundial. Tem o maior número
de empresas cotadas na bolsa
NASDAQ fora daAmérica do Norte.
Em 2008, Israel tinha o 41º produto
interno bruto (PIB) mais alto e o 22º
maior PIB per capta do mundo (em
paridade de poder de compra), com
199,5 bilhões de dólares e 33.299
de dólares, respectivamente. Em
2007, Israel foi convidado a aderir
à Organização para a Cooperação
e Desenvolvimento Econômico
(OCDE), que promove a cooperação
entre os países que aderem aos
princípios democráticos e explorar
economias de mercado.
Apesar dos limitados recursos
naturais,ointensivodesenvolvimento
industrial e da agricultura ao longo
das últimas décadas fez com que
Israel se tornasse amplamente
autossuficiente na produção de
alimentos, especialmente grãos
e carne. Entre os produtos muito
importados por Israel, totalizando
47,8 bilhões de dólares em 2006,
incluem-se combustíveis fósseis,
as matérias-primas e equipamentos
militares. Os produtos que Israel
mais exporta são frutas, vegetais,
A Arrow 2 israelense
intercepta um míssil
de superfície a ar Sirai
S-200-1
11
produtos farmacêuticos, softwares,
produtos químicos, tecnologia
militar, diamantes. Em 2006, o
volume de exportações do país
atingiu 42,86 bilhões de dólares.
Em 2010, Israel foi classificado pelo
“IMD’s World Competitiveness
Yearbook” no 17º lugar entre
as nações mais desenvolvidas
economicamente. Também foi
qualificado,nessamesmapublicação,
como a mais durável economia em
temposdecriseeem1ºlugarnonível
de investimentos em pesquisas e em
centros de desenvolvimento. Israel
possui o segundo maior número de
companhias start-up no mundo, logo
depois dos Estados Unidos.
O turismo, especialmente o turismo
religioso, é outra importante
fonte de renda em Israel. Com um
clima mediterrâneo, praias, sítios
arqueológicos e históricos, além da
única geografia, o país atrai milhões
de turistas todos os anos. Problemas
de segurança de Israel afetam a
indústria do turismo, mas o número
de turistas continua em alta. Em
2008, mais de 3 milhões de turistas
visitaram Israel.
Em Israel o Turismo é um
grande motor da
economia, Cidade Velha
de Jerusalém
Israel o Paraíso da
Alta Tecnologia em
Haifa
12 AJ No 12 - ABRIL 2018
NOSSOS SÁBIOS
IsaacEssoudry:
OMARROQUINO
CHACHAMDOS
RETORNADOS
EM RECIFEPor Renato Athias (*)
Foi a minha amiga e colega Tania Kaufman que me
apresentou a Isaac Essoudry ainda nos finais do anos
noventa.
oi a minha a amiga e colega
Tania Kaufman que me
apresentou a Isaac Essoudry
ainda nos finais do anos noventa,
e depois eu acompanhei sua
trajetória através de alunos do
Programa de Pós Graduação em
Antropologia que fizeram várias
entrevistas sobre diversos assuntos
do judaísmo para suas dissertações
de mestrado vinculadas ao programa
de Pós-graduação em Antropologia,
todos eles ligados ao Grupo
Interdisciplinar de Estudos do
Judaísmo, coordenado pela Profa.
Tania, que estava vinculado ao
Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre
Etnicidade (NEPE) que coordeno
até hoje na Universidade Federal
de Pernambuco. Não se trata aqui
de fazer uma biografia ou história
de vida de nosso Chacham Isaac, de
abençoada memória. Eu me propus
com este texto [1] delinear alguns
elementos de sua pedagogia, que
eu tive o prazer de acompanhar de
muito perto nesses últimos anos, e
assim compreender seu pensamento
sobre o judaísmo. Eu devo dizer que
Isaac foi, de fato, o meu mestre. É
commuitoorgulho,quedigosempre,
que grande parte do judaísmo
que possuo, eu recebi através de
seus ensinamentos. Durante a
organização da celebração de seu
aniversário de 80 anos, no Recife,
eu iniciei uma longa entrevista com
ele, buscando entender um pouco
mais de sua trajetória de vida. Sem
dúvida, acumulei muitas páginas
de anotações. Mas, foi somente
em 2017, ano passado, que tive
a oportunidade de conhecer duas
irmãs de Isaac. A Célia, a sua irmã
mais nova, que mora em uma
F
13
cidadezinha perto de Toulouse, na
França, e, Alegria, sua irmã mais
velha que mora atualmente em
Montreal. Foi através dessas duas
senhoras cultas, ambas artistas,
uma professora de música, e, a
outra, artista plástica, que com
muita sensibilidade e emoção me
relataram fatos sobre Isaac que eu
desconhecia, e que pelo sabemos, de
seu jeito de ser, ele jamais contaria,
pois falava muito pouco de sua vida
para nós. Esses fatos me que fizeram
admirá-lo ainda mais.
No Marrocos, a família Essoudry
estava sempre muito unida. A figura
paterna foi importante para todos.
Samuel Essoudry, de abençoada
memória, seu pai foi um grande
exemplo de vida. Certamente, pelo
que sabemos foi seguido por todos
os filhos. Max Essoudry Z”L, irmão
de Isaac, foi rabino em Israel e
em Montreal apoiando sempre as
atividades de Isaac no Recife. Célia
e Alegria viam Isaac como uma
pessoa dedicada a família, e que
até a sua juventude esteve voltado
para o estudo da Torá a exemplo de
Samuel, que exerceu uma enorme
influência na trajetória de vida
de Isaac. Ele deixou a Yeshivá no
Marrocos para ir à Israel, e lá no
exército Israelense esteve presente
nos conflitos do Suez em 1956, com
21 anos de idade. Alegria e Célia
me falam, para a minha surpresa,
que a língua materna, ou seja, a
língua falada em casa, quando todos
ainda estavam juntos no Marrocos,
sempre foi o Djudéo-Espanyol por
várias gerações. Essa era língua
falada entre os judeus em Sefarad,
e, como sabemos, essa era a língua
de muitos sábios, cujos livros nós
lemos até hoje. Certamente esses
e outros fatos farão parte de outros
textos sobre Isaac, mas, interessa-
me aqui comentar sobre as bases de
sua pedagogia, que sem dúvida faz,
parte do que costumo de chamar
de Judaísmo Marroquino. Até 1958
cerca de 250 mil judeus deixaram
o Marrocos. Foi quando a família
Essoudry deixa o Marrocos. A
diáspora do judaísmo marroquino é
imensa, podemos encontrar grupos
deles em muitos países do ocidente.
Talvez a maior dessa diáspora, ou
quem sabe, talvez a mais organizada,
encontra-se na região Amazônica,
no Brasil e no Peru, ao longo das
margens do Rio Amazonas. Uma
diáspora que se iniciou ainda nos
anos de 1810 de acordo com os
principais historiadores como o
General Ramiro Abraham Bentes
e o Prof. Samuel Benchimol, de
abençoadas memórias [2]. Isaac se
junta a essa diáspora no final dos
anos cinquenta, em Belém do Pará,
quando a grande maioria dos Judeus
do Marrocos já tinham deixado o
país, para nunca mais voltarem.
Deixaram pra trás, além das suas
lembranças e histórias de longínqua
data os inúmeros imóveis e bens.
Não foi difícil a sua adaptação
em Belém, na realidade ele não se
encontrava “desterritorializado”,
tal como Deleuze & Guatari (1977)
[3] vão discorrer e desenvolver esse
conceito em sua obra sobre Kafka.
Na realidade, nem pela língua e
muitos menos pela cultura, pois
muitos falavam o Djudéo-Espanyol,
pois em Belém a cultura marroquina
estava sempre fortemente presente
nas comunidades de judeus da
capital e dos interiores no Pará e no
Amazonas.
Em nossas conversas, eu descubro
Tocando o Shofar na Beit Shmuel 2012
14 AJ No 12 - ABRIL 2018
que ele conhecera meu avô Jacob
Athias e ambos estiveram juntos
durante as festas de Rosh Hashaná
e Yom Kipur no início dos anos
sessenta, Issac, nunca foi bom em
precisar as datas. Ele me disse que
era sempre chamado para fazer
o papel de Baal Koré durante as
celebrações na sinagoga da Travessa
Campos Sales, em Belém pela
qualidade de sua leitura da Torá
e sobretudo pela sua voz, esses
momentos foram testemunhados por
Isaac Dahan, atual Shaliach Tsibur
da Comunidade de Manaus, quando
era ainda jovem iniciante na leitura
da Torá, em Belém. Quando o nosso
Chachan completou 80 anos, Isaac
Dahan enviou a seguinte mensagem:
“Lembro-me bem da passagem
do Isaac Essoudry por Belém, eu
ainda era novinho e já estava dando
os primeiros passos para leitura da
Torá e Chazanut. O papai, q.e.p.d.
me colocava para ouvir
a perashá dele (sempre
foi um exímio Baal
Korê), tudo na Esnoga
Eshel Avraham, da
Campos Sales. O pessoal
se atrapalhava com o
sobrenomedeleechamava
Isaac “Sodré”. De certa
forma, ele também
participou no início da
minha formação como
Chazan, porém depois
deixou Belém. Claro, a
minha cópia e espelho foi
o Leon Bengió (mejorado
120 anos), hoje morando
em Israel. E, mejorado
120 anos também para
o querido Essoudry,
que fez de Recife sua morada,
sedimentando um judaísmo
idealista, onde a vontade de servir
e manter as tradições sempre falou
mais forte. Eu sempre o vi assim,
felizes os membros da comunidade
de Recife por contar com um
judeu deste quilate dirigindo sua
orientação religiosa”. (Trecho de
e-mail enviado a Renato Athias em
25 de agosto de 2015).
Isaac lia muito, e sempre comentava
o que mais gostava de suas leituras
conosco, com comentários diretos
e certeiros. Em geral eram livros
escritos em castelhano, francês,
inglês, ou seja, as línguas que ele
dominava além do português, mas
escrevia pouco. Ele gostava mesmo
era de fazer traduções. Aliás esse
é um elemento da pedagogia que
ele usava. Não eram simplesmente
traduções de palavras, eu diria
que eram traduções culturais,
pois com ele tinha viajado muito
passado por muitos lugares, as
traduções eram exemplos repletos
de fatos interessantes. Porém existe
uma tradução que ele fez para o
português, de um dos famosos livros
do professor Jaime Barylko[4]
judeu, filósofo e escritor argentino,
cujo o texto foi bastante usado em
suas aulas. Em julho de 2017, eu
estava em Belém, conversando
com o Chazan Ignácio Obadia, da
Esnoga Eshel Abraham, ele me
falou que Isaac logo que chegou do
Marrocos, antes de se casar, morou
na sua casa, ele lembra que seu
pai Elieser Obadia, de abençoada
memória, tinha longas conversas
com Isaac. Nessa ocasião, Ignácio
me pediu para perguntar ao Isaac
o título de um livro sobre a Cabala
que seu pai lia juntamente com ele.
Era um livro muito precioso para
seu pai. Voltando ao Recife, na
conversa que tive com o Isaac ele
Em Israel em 2010, na Knesset falando em nome dos Bnei Anusim do Recife.
NOSSOS SÁBIOS
15
lembrava muito bem
desta época. Relatou
as suas discussões e o
quanto aprendeu, e foi me dizendo
vários livros sobre os quais os dois
debatiam. Um deles, o “Agadoth
Shlomo Hamelech” era o mais
famoso e que teria sido enterrado
junto com seu companheiro Elieser
Obadia Z”L de debates cabalísticos.
“A memória do passado foi
sempre um componente central
da experiência judaica”, conforme
assinala o grande historiador
Uma página
impressa do
Talmude contém:
(1)Mishnah,
(2) Guemará,
(3) Comentários de
Rashi,
(4) Tosefot
(5) Mesoret haShas,
(6) Ein Misphat, Ner
Mitzvá,
(7) Torah Or,
(8) Glosário,
(9) Outros
comentários
16 AJ No 12 - ABRIL 2018
judeu Yosef Yerushalmi [5]. É
exatamente com esse sentido que
trago essas lembranças, quando
temos a oportunidade de lembrar
a pedagogia e a espiritualidade de
Isaac Essoudry.
Ele será sempre visto, por todos
nós, que convivemos com ele, como
“o Chacham dos Retornados”,
daqueles judeus que fazem a
“grande viagem da volta”, da
Teshuvá como ele costumava
dizer. Ele certamente foi o
primeiro a abrir as portas na
Sinagoga da Martins Junior
e depois manteve essa porta
sempre aberta na Sinagoga Beit
Shmuel, para todos aqueles
que desejavam retornar aos
caminhos da Torá, como ele
mesmo se expressava para nós.
O que Isaac pensava a respeito
desse grupo de Bnei Anussim,
significativo e importante na
cidade do Recife?Acredito, que
ele depois de muito ler e refletir,
e, sobretudo pela sua vivência
em muitos lugares, deu a ele
um amplo entendimento sobre
essa questão dos Marranos.
Ele teve a oportunidade de
falar claramente, sobre essa
questão em vários momentos:
Na Knesset, em Israel em
2010, e, publicamente em
seu discurso no Recife logo
que recebeu o diploma de
Honra ao Mérito por serviços
prestados a comunidade,
outorgado pela Universidade
Federal Rural do Pernambuco,
em 2014. Nessas ocasiões ele
falou longamente sobre o seu
pensamento. Presenciamos
inúmeros depoimentos de Isaac
e existem, todos sabemos, muitos
escritos sobre essa questão.
Uma definição de Marrano, talvez a
mais interessante a qual tive acesso,
é aquela do Antropólogo Shmuel
Trigano (1992) que o aponta com
sendo o pioneiro da modernidade.
Ele diz o seguinte: “O Marrano
é, por definição, um ator —  um
paradoxo — na história. Nisto, não
é apenas o resíduo fossilizado de
um mundo desaparecido no qual
o novo mundo seria construído.
O que é o marrano, aquele que
está condenado a desaparecer
estruturalmente e essencialmente,
é compromete-se a sobreviver
e graças a ele continuar em
As lamparinas que Isaac acendia na Esnoga Beit Shemuel no início de Shabat
antes de ler o Shir Hashirim e iniciar a tefilá de Cabalat Shabat
NOSSOS SÁBIOS
17
seu desaparecimento. Assim, o
judaísmo marrano é mais que o
laboratório do homem moderno
num estado-nação emergente:
chamado de dupla identidade,
novo cristão por fora e judeu por
dentro. O Marrano é cidadão no
público, mas vive em dualidade
no domínio privado. Assim, o mito
judeu da América
é algo além de um
testemunho enterrado
no inconsciente. O
Marrano é um dos
primeiros pioneiros da
modernidade (1992:
349) [6].
Mas, no campo do
judaísmo, para Isaac
o Marrano, que fazia
a viagem da volta não
precisa se “converter”,
pois, sempre foi judeu.
Ele pensava de acordo
com Yossef Obadia,
Grão Rabino Sefaradita
por muitos anos em
Israel, basta o retorno
sincero para a Torá, se
apresentardocumentado
em um Beit Din e
passar pela Mikvé,
recebendo assim uma
Teudá de Retornado.A
imagem que sempre
vem a minha memória é
aquela de Isaac sentado
na cabeceira da grande
e importante mesa da
Beit Shmuel, iniciando
o estudo da Torá. Sempre
começando com a
perashá hashavuá. Ele
já havia lido e estudado
durante a semana.
Lia uma frase em hebraico e,
em seguida fazia a tradução para
o português diretamente. Era a
sua tradução, a sua interpretação
baseada em inúmeros comentários
que ele havia lido. Parava olhava
para o grupo sentado ao redor da
mesa e explicava a frase. Explicava
com poucas palavras o essencial da
Parashá, diretamente, sem rodeios
como era seu estilo. Ora usando as
interpretações apoiadas nos mestres
comentaristas da Torá, como Rashi,
Or Hachaim Hakadosh, Ba’al Ha-
Turim entre outros, ora usando
também a Guemátria, que ele
usava de uma maneira brilhante,
para dar uma interpretação a partir
dos significados escondidos das
palavras hebraicas. Ele ia fundo
nos termos das raízes das palavras
do texto em hebraico. Explicando
detalhadamente à sua maneira a
sua compreensão da narrativa em
questão. Em seguida, com o seu
jeito, ele perguntava ao grupo que
estava escutando se havia questões
e aspectos que poderiam ser ainda
comentados com outras palavras
e outros textos. Essa era a maneira
que ele havia aprendido ainda garoto
no Marrocos. Eu, pessoalmente
denomino essa metodologia
presente na pedagogia de Isaac, aliás
bastante antiga na tradição judaica,
e sempre presente nas Yeshivot de
“A pedagogia dialógica”, na qual
perguntas e respostas estão presentes
ao mesmo tempo, e aí podia-se ir
longe como se fosse uma bola de
neve desenvolvendo argumentos
e análises dentro do contexto da
frase, no atual contexto histórico, ou
seja, do mundo e a sua vinculação
com a narrativa da perashá. Esta
pedagogia está presente também
no texto Talmúdico, pode ser até
visualizada nas páginas impressas
onde aparece os nomes de
inúmeras pessoas que comentaram
determinado texto da Torá ou de uma
questão temática. É a construção
de um saber moldado através de
uma uma pedagogia dialógica,
ou seja, no sentido profundo da
pergunta e nas respostas baseadas
em diversas interpretações. Esse
diálogo promovia o conhecimento
na contemporaneidade seria como
estivéssemos escrevendo hoje uma
nova página do Talmude.
Qual era a base dessa fórmula na
pedagogia, no jeito de Isaac ensinar?
O que ele possuía de especial que as
pessoas o procurarem sempre? De
um lado eu percebia a sua grande
abertura para com outro, e de outro
lado a sua maneira firme, sem
rodeios, tanto no falar quanto no
perguntar. Recentemente, eu tenho
me debruçado a entender um pouco
mais sobre um dos sábios de Salé,
Marrocos, cidade onde nasceu meu
avô JacobAthias Z”L e vários outros
conterrâneos que conheço que
vivem na Amazônia, nessa grande
diáspora do judaísmo marroquino.
Este sábio é conhecido no mundo
como Or Hachayim Hakadosh, o
famoso Ribi Haim Ben Attar, de
iluminada memória, que aliás me
foi introduzido por Isaac em nossas
conversas. Eu, lendo sobre a vida
desse sábio, vejo elementos para
refletir sobre o jeito de Isaac, a sua
maneira de ler, interpretar e falar dos
caminhos da Torá. O que existe em
comum com esses dois sábios? Seria
talvez, o fato deles aceitarem de
serem de fato, o “intermediário”
18 AJ No 12 - ABRIL 2018
de unir o Criador à Shechiná.
Não seria a tarefa de um simples
tradutor. É na realidade fazer uma
intermediação. Isso, os místicos do
judaísmo, Simon Bar Yochai, entre
outros, por exemplo chamam de
“Unificar o Criador” da unidade
do povo de Israel, proveniente da
essência da Neshamá. Cada ato, cada
cumprimento de uma Mitzvá, em
um tempo e em um espaço, provoca
um fragmento desta unidade, nos
dizia Isaac. Isso seria, de fato,
proclamar a unidade do “lugar” com
a presença do Criador. Isaac sabia
fazer isso. Presenciamos muitas
vezes, ele conhecia profundamente
o seu principal guia: as palavras da
Torá.
Para ele o acendimento das velas de
Shabat em seguida a recitação do
Shir Hashirim no início do Shabat,
a tefilá de Cabalat Shabat, o kidush
de shabat, a Shaharit, a leitura da
Perashat Hashavuá, em seguida até
a Havdalá, na saída do Shabat Isaac
se transforma, é, na realidade, a sua
Neshamá Ieterá comandando todos
os seus movimentos no Shabat, para
fazer essa unidade com o Criador.
Evidentemente,issonarealidade,são
os princípios cabalísticos presentes,
ou seja, a “recepção” na sua mais
profunda pureza. Cabala é uma única
palavra, que na realidade expressa
na concretude do momento e do
lugar, um duplo movimento aquele
do Criador inclinando-se em direção
das pessoas, e, as pessoas, a criação
unindo-se ao Criador. No espírito
da cabala, o Criador, a Criatura e o
Mundo estão intimamente ligados
com esse movimento. Este gesto,
esse movimento apenas uma palavra
pode resumir tudo: o Amor. O
espírito da cabala se recriando. Isaac
dizia que a Cabala estava presente
desde o ato mesmo da criação,
mas que só foi revelada no Sinai, o
lugar onde aconteceu a unificação
do criador com a criatura e de
onde vem a Shechiná que falamos
hoje. Moisés, apenas introduziu na
história de Israel. Portanto eu diria
que procurar manter essa shechiná
no Shabat, era de fato a fórmula, o
jeito de Isaac.
O espírito da cabala, nos dizia o
nosso Chacham Isaac, inspirado
nos místicos do judaísmo, é, na
realidade, a compreensão plena
da Torá pelo Amor do Criador. Ou
seja, sua presença está no interior
da Torá, a sua neshamá. A Torá,
Luz que ilumina tudo. As fontes,
os córregos, os rios e os mares, se
espalhando em todas as direções.
“Quem pode revelar os mistérios
que tu escondes?” (Zohar III, 166
b.). Sim! Realmente Isaac Essoudry
foi e, sempre, será visto como o
“Chachan dos Retornados”, mas
na realidade, parafraseando outros
autores, eu penso, sinceramente, que
ele foi também o “Último Cabalista
de Recife”.
[1] Texto inicialmente preparado
para o II Congresso de Estudos
Antropologia da Religião,
promovido pela Cátedra Anita
Novisnky da UFRPE, Recife.
Gostaria de agradecer a Caesar
Sobreira pelo convite, ao
Guilherme Zaikaner e a todos
os organizadores deste evento a
oportunidade de poder falar um
pouco mais sobre nosso Chacham
Isaac Essoudry.
[2] RAMIRO ABRAHAM BENTES
escreveu “Das Ruinas de Jerusalém
à Verdejante Amazônia” em
1983 e o Prof. Samuel Benchimol
publicou“Eretz Amazônia” cuja
primeira edição impressa em
1998 e saiu uma outra edição em
Hebraico em 2013.
[3] DELEUZE & GUATARI, Kafka:
por uma literatura menor. Trad.
Júlio Castañon Guimarães, Rio de
Janeiro: Imago, 1977.
[4] Tradução do livro:“A Tora:
Livro da Vida” de Jaime Barylko
em 2000.
[5] YERUSHALMI, Y. H. Zakhor:
história judaica e memória judaica.
Rio de Janeiro: Imago Ed, 1992, p.
18.
[6] TRIGANO, S. publicado na
revista L’HOMME, no.122 em 1992
pp.349
(*) Renato Athias é Doutor em
Antropologia, do Departamento
de Antropologia e Museologia
Professor no Programa de Pós-
Graduação em Antropologia
da Universidade Federal de
Pernambuco.
NOSSOS SÁBIOS
1919
Parabéns à Israel pelos 70
anos e Chag Pessach
Kasher VeSameach
‫ושמח‬ ‫כשר‬ ‫פסח‬ ‫חג‬
‫שמח‬ ‫עצמאות‬ ‫יום‬
20 AJ No 12 - ABRIL 2018
ESTUDOS NA MAIOR NECRÓPOLE
JUDAICA DO CICLO DA BORRACHA
EM GURUPÁ (PA)Joice Santos
(Fonte:. Informativo do Ciam)
Agência Museu Goeldi – Os pioneiros chegaram entre 1810 e
1820, na sequência dos tratados assinados entre Portugal e
Inglaterra, que abriram os portos e o comércio
entrada na Amazônia foi a ci-
dade de Belém do Grão Pará
e as primeiras famílias ju-
daicas eram, na maioria, sefarditas,
originários da Península Ibérica e do
norte da África, provenientes espe-
cialmente, do Marrocos. Coordena-
do pelo Museu Paraense Emílio Go-
eldi, um estudo etno-arqueológico
no município paraense de Gurupá,
arquipélago do Marajó, traz evidên-
cias da forte presença de judeus na
história amazônica, a partir de estu-
dos na maior necrópole judaica do
Ciclo da Borracha.
A pesquisa no cemitério judaico
de Gurupá, o maior em número
de túmulos até agora identificado,
está sendo feita pela bioarqueóloga
ClaudiaCunha, bolsista do Programa
de Capacitação Institucional do
Museu Goeldi, e pelos arqueólogos
Fernando Marques, pesquisador do
Museu Goeldi, e Diego Fonseca,
doutorando da Universidade Federal
do Pará, com o envolvimento da
comunidade local, principalmente
escolares, professores e historiadores.
Esse primeiro levantamento etno-
arqueológico, ocorrido entre 3 e
10 de julho, faz parte do projeto
Origens, Cultura eAmbiente (OCA),
ETNO-ARQUEOLOGIA
A
21
coordenado pela arqueóloga Helena
Pinto Lima, do Museu Goeldi.
Até o momento foram inventariados
29 túmulos, mas este número
pode crescer, pois ainda não foi
feito levantamento na totalidade
da necrópole – há áreas que estão
tomadas pelo mato, além da
possibilidade de existirem sepulturas
soterradas ao longo do tempo. “É
necessário limpar a vegetação
totalmente e talvez fazer a análise
geofísica do espaço – uma técnica
de imagem que não implica em
escavação”, explica Claudia Cunha.
A equipe de arqueólogos e
voluntários fizeram a limpeza dos
túmulos e do cemitério, recolheram
informações nas lápides e com os
moradores da redondeza. Também
cuidaram do levantamento gráfico
e fotográfico do cemitério. Cunha
ressalta que “toda a abordagem não
foi invasiva e resultou em maior
visibilidade do local, além de um
trabalho de conscientização junto à
comunidade do seu entorno para a
proteção da necrópole”.
Segundo os especialistas, o
levantamento etno-arqueológico
aponta que, ao contabilizar o
número de túmulos inventariados,
o cemitério de Gurupá é a maior
necrópole judaica do Ciclo da
Borracha no Pará – a mais antiga
necrópole judaica da Amazônia está
localizada em Belém, onde também
se encontra a mais antiga sinagoga
em funcionamento no Brasil.
“Nesta campanha, já foram
resgatados túmulos cobertos por
vegetação,todavia,existemáreasno
cemitério onde prováveis sepulturas
estejam em sub-superfície, o que
irá requerer futuras intervenções
para o correto mapeamento do
cemitério. A maioria das sepulturas
cujas datas ainda são visíveis são
de fins do século XIX e inícios do
século XX, embora alguns túmulos
em tijoleira artesanal possam
remeter a meados ou mesmo ao
início do século XIX”, acrescenta
Claudia Cunha.
Amazônia Judaica – Com a rota
iniciandonoMarrocos,osimigrantes
judeus chegaram a Amazônia nas
primeiras décadas do século XIX
através da cidade de Belém, indo
trabalhar, inicialmente, no comércio
de produtos industrializados da
capital para o interior e de produtos
do extrativismo florestal do interior
para Belém. Era época dos famosos
regatões que percorriam largas
extensões dos rios amazônicos.
Na década de 1840, esse comércio
passou a ser dominado pelo
extrativismo e exportação da
borracha. A dependência do
comércio de produtos originários da
floresta motivou a presença judaica
para o interior da região, propiciando
a instalação dos imigrantes nas
proximidades das áreas de captação
dos produtos a serem exportados.
Até1850 chegariam à Amazônia
cerca de 300 famílias judaicas.
Elas fugiam da pobreza, super
população, epidemias de cólera e
peste bubônica, de perseguições
e sofrimentos diversos como
apedrejamento, além de destruição
de sinagogas, como relatam em seus
trabalhos Elias Salgado e Samuel
Benchimol.
A arqueóloga Claudia Cunha pontua
que “ainda na fase pioneira, jovens
imigrantes recém chegados ao
Brasil, que trabalhavam para casas
comerciais de judeus estabelecidos
em Belém, partiram para a região
de Gurupá. A cidade tornou-se
nesseperíodopostoavançadodestes
comerciantes que logo mandavam
buscar suas famílias ou noivas
em Belém, na Espanha ou no
Marrocos. Em Gurupá fixaram-se
as famílias: Azulay, Serfaty, Aben-
Athar, Sicsú, Dabilla, Alcaim,
Castiel, Levy, entre outras”.
No Brasil atual vive a segunda
maior população de praticantes da
religião judaica na América Latina,
mas a quantidade de descendentes
dos pioneiros judeus sefarditas e
asquenazes é muito maior. Segundo
Simon Schwartzman, no final do
século XX, os portadores dessa história
seriam cerca de 400 mil brasileiros.
22 AJ No 12 - ABRIL 2018
Hoje, em Gurupá, os pesquisadores
do Museu Goeldi contam que
existem descendentes das famílias
judaicas, mas, até onde sabem,
esses já não praticam a religião
judaica. Cássia Benathar, professora
e historiadora do município, é
uma das descendentes das famílias
pioneiras que estão engajadas como
voluntária na pesquisa e na limpeza
da necrópole judaica e estará
envolvida nos futuros estudos sobre
o espaço.
A população sabia do local, mas as
visitas normalmente restringiam-se
a pessoas de fora que ouviam falar
do cemitério e visitavam o espaço.
Claudia explica que há uma certa
resistência a visitar cemitérios,
quando a maioria das pessoas não
reconhece um parentesco com
os mortos. Muitas das lápides
estão escritas apenas em hebraico
e não havendo quem as leia,
não reconhecem o morto como
familiar. As sepulturas que estão
em português ou nas duas línguas
suscitam mais memórias.
“Até há algumas décadas, D.
Raimunda Sabá tomava conta do
cemitério na sua vizinhança, mas
já está idosa. Esporadicamente,
descendentes tentam cuidar dos
túmulos de familiares”, explica
Claudia Cunha. Por sua vez,
a prefeitura de Gurupá cortou
recentemente parte da vegetação
invasora da necrópole a pedido dos
vizinhos, que o viam se tornar um
local de consumo de álcool e drogas.
“No nosso primeiro dia para
conhecer e investigar o cemitério,
retiramos montes (literalmente)
de folhas e galhos cortados pela
prefeitura durante a última capina
do local e três sacos de 100 litros
de lixo composto na sua maioria de
plástico, papel e vidro”, relembra a
arqueóloga.
Dominando fluentemente o inglês
e o francês, os imigrantes judeus se
tornaram exportadores, liderando
negócios no exterior, participando
de congressos e exposições.
Segundo Samuel Benchimol,
“na época da crise da borracha,
quando os exportadores ingleses,
alemães e franceses abandonaram
Manaus e Belém, coube aos judeus
marroquinos brasileiros substituí-
los nessas funções, fornecendo
à sociedade local a liderança
econômica e social necessária
para sobreviver nas décadas de
depressão e débâcle da borracha”.
Com as escavações na necrópole
judaica do município de Gurupá
teremos a chance de conhecer e
entender mais um pouco da saga dos
imigrantes pioneiros que ajudaram
a escrever a história recente da
Amazônia.
ETNO-ARQUEOLOGIA
23
À Israel, a nossa Kehilá
e a todo o povo judeu –
Parabéns pelos 70 anos de
criação e um Feliz Pessach
A Esnoga Beit Shmuel do
Recife congratula-se com
Israel pelos 70 anos e deseja
à todos Feliz Pessach
Parabéns à Israel pelos 70 anos e
Pessach Sameach à toda a Kehilá
Diretoria do Comitê Israelita do Amazonas –
Chag Sameach
Parabéns a Medinat Israel pelos 70 anos, e ao nosso
Kahal Kadosh, Pessach Kasher VeSameach
24 AJ No 12 - ABRIL 2018
HISTÓRIA
Uma inscrição na cruz diz,
em alemão: “Joseph Greiner
morreu aqui de febre em
2 de janeiro de 1936, a serviço da
pesquisa alemã”.
Por que há um túmulo nazista
no interior distante da floresta
Amazônica brasileira?
Pesquisadores documentaram
meticulosamente como criminosos
de guerra nazistas fugiram para a
América do Sul após a Segunda
Guerra Mundial. Mas muito menos
se sabe sobre um plano que se
enraizou antes e durante a guerra: os
nazistas esperavam estabelecer uma
cabeça de ponte alemã na América
do Sul, conquistando um trecho da
bacia do rio Amazonas.
O plano secreto, chamado Projeto
Guiana, teve sua origem em uma
expedição à Amazônia liderada
por Otto Schulz-Kampfhenkel,
um zoólogo de Berlim, cineasta
documentarista e membro da SS de
Hitler.
Por 17 meses, de 1935 a 1937,
exploradores nazistas guiados por
Schulz-Kampfhenkel percorreram
as florestas próximas da fronteira do
Brasil com a Guiana Francesa. Eles
coletaram crânios de animais e joias
indígenas, assim como estudaram a
topografia ao longo do rio Jari, um
afluente de 790 quilômetros do rio
Amazonas.
“A expedição teve início com as
habituais pretensões científicas”,
disse Jens Glusing, um antigo
correspondente no Brasil da revista
alemã “Der Spiegel”, que escreveu
um livro sobre o Projeto Guiana.
“Mas ao voltar para a Alemanha,
U
SEPULTURA NAZISTA
NO BRASIL
RESISTE COMO REGISTRO
DE PLANO SECRETO
DE COLONIZAÇÃO
POR SIMON ROMERO
(Postado em 11 de fevereiro de 2017 por FIQUE POR DENTRO)
Um persistente ar de mistério cerca uma grande cruz
com uma suástica gravada em um cemitério próximo da
remota cidade brasileira de Laranjal do Jari, no Amapá
25
com o início da guerra, Schulz-
Kampfhenkel fez uso da ideia para
fins da expansão colonial nazista.”
Schulz-Kampfhenkel apresentou
seu plano em 1940 para Heinrich
Himmler,ochefedaSSedaGestapo.
Ele via o empreendimento como
uma forma de reduzir a influência
regional dos Estados Unidos, ao
assumir o controle da Guiana
Francesa e das colônias vizinhas
holandesa e britânica (atualmente os
países independentes do Suriname e
Guiana).
Mas o sonho de forjar uma Guiana
Alemã fracassou. Talvez isso
tenha acontecido porque a Guiana
Francesa já tinha caído nas mãos
amigas do regime colaboracionista
de Vichy.
Ou talvez tenha sido devido à própria
expedição malfadada ao Jari.
A expedição contava com um
hidroavião Heinkel He 72 Seekadett,
queerapromovidocomoumexemplo
da inovação industrial nazista. Mas
o avião virou após atingir madeira
flutuante algumas poucas semanas
após o início da expedição.
Ao longo de toda a jornada, os
exploradores da autodescrita “raça
superior” tiveram que depender das
tribos indígenas para sobreviver e
encontrar seu caminho na selva.
Os alemães sofreram com a
malária e outras doenças. Schulz-
Kampfhenkel enfrentou uma
difteria severa, e uma febre não
especificada matou Greiner, o
capataz da expedição. Seu túmulo
permanece até hoje como testamento
da desafortunada incursão nazista na
Amazônia.
“Joseph Greiner morreu
aqui” diz inscrição na cruz
com suástica
26 AJ No 12 - ABRIL 2018
MEMÓRIA
“Visitar Auschwitz-Birkenau com meus filhos,
meus netos e minha bisneta, todos eles seres
livres em Israel, significa que vencemos os
nazis. É o doce sabor da vitória”
O DIA MUNDIHenrique Cymerman Benarroch. Especial para a AJ
27
declarou emocionada
faz poucos ias Tzecha
Reichman, de 90 anos, que
acaba de visitar o lugar no qual
assassinaram a sua mãe nas câmaras
de gás, e do qual estava segura que
tanto ela como sua irmã gêmea,
Amália, não sairiam com vida. Sua
filha Ofira Azrieli, de 47 anos, a
mira com carinho e lhe promete que
ela, membro da segunda geração da
Shoá e que cresceu com pais que
venceram o horror nazista, promete
fazer todo o possível para perpetuar
a lembrança da maior tragédia da
história da humanidade. “Eu não
sou uma historiadora, porém decidi
dedicar minha vida a contar todas as
terríveis vivencias que minha mãe,
minha tia e meu pai me explicaram
por primeira vez só quando meu
irmão e eu já éramos adultos”.
Porém esclareceu: “durante toda
minha infância sentimos que havia
uma nuvem sobre nosso lar, porém
eles não queriam nos dar detalhes”.
Tzecha e sua irmã gêmea Amalia,
nasceram na Polônia perto da cidade
de Lodge, num pequeno povoado
chamado Pabianitze. Antes da
eclosão da II Guerra Mundial, sua
família, que possuía várias fábricas,
viveu uma vida confortável, na
qual Tzecha cresceu rodeada de
seus 8 irmãos. “Um dia chegaram
IAL DA SHOÁ
D
28 AJ No 12 - ABRIL 2018
MEMÓRIA
os nazistas e obrigaram a todos os
judeus a mudar para um gueto,
onde vivemos apinhados durante
anos. Muita gente começou a morrer
de frío, fome enfermermidades”.
Em1944, as duas gêmeas, a irmã
mais velha e sua mãe foram levadas
ao campo da morte nos trens que
transportaram milhões de judeus
para seu fim. Ao descer do vagão, o
instinto materno salvou as vidas das
jovens. Imediatamente escutou que
os nazistas buscavam“zwillinge”
(gêmeos). A última coisa que a mãe
disse a Tzecha y Amalia foi que a
partir daquele estavam proibidas
voltar a estar no mesmo lugar
em Auschwitz, e tinham que se
distanciar uma da outra.
Mais tarde entenderam que
o doutor Mengele, apelidado
“Anjo da morte”, levava a cabo
impiedosos experimentos com
humanos, transformando o campo
de concentração num laboratório de
macabras experiências. Os gêmeos
eram um de seus objetivos, já que
pretendia descobrir a sequência
completa do DNA humano para
clonar uma nova raça ariana. Para
isso, infectavam gêmeos judeus com
todo tipo de bactérias, lhes faziam
provas de resistência de dor, ou os
costuravam uns aos outros para
“criar siameses”. A mãe foi levada
de imediato as câmaras de gás, e
as meninas sobreviveram durante
longos meses separadas sem ser
descobertas por Mengele.
No momento da liberação do campo,
as jovens de 17 anos pesavam cada
uma 20 kilos. Foram trasladadas a
Suécia, onde durante dos anos as
trataram e curaram antes de partir
para Israel em 1947, as vésperas
da declaração de independência
do estado judeu. Ofira Azrieli, a
filha de Tzecha, conta que ela foi a
única menina de sua turma a quem
os pais nunca permitiram participar
de acampamentos dos“boy scouts”
no bosque, já que para eles a
natureza equivalia a morte. “Eu
não conseguia entender porque
Tzecha, a gêmea sobrevivente e sua filha Ofira
29
todos meus companheiros de turma
passavam duas semanas acampados
durante o verão fazendo atividades
juvenis, e eu não tinha permissão.
Tampouco entendia porque em
minha casa todos comíamos tanto,
era uma autêntica obsessão pela
alimentação, e eu dizia a meus
pais que nossa casa parecia um
supermercado. Muito mais tarde
eles me explicaram que quem
passou fome como eles, convertem a
comida em uma autêntica prioridade
para seus seres queridos”.
A cada ano, em 27 de janeiro
a comunidade internacional
comemora a jornada em memória do
Holocausto, e este ano o Congresso
Mundial Judaico reúne as fotos de
ao menos 6 milhões de pessoas que
empunham um cartaz com o lema
“We Remember” (nós recordamos).
Ofira, que dedica sua vida à
memória, já fotografou centenas de
pessoas em Israel e enviou as fotos
aos responsáveis pelo evento: “me
estremece pensar que no futuro
alguém diga que não pode ser que
algo assim aconteceu a meados do
século XX. Me preocupa quem
fato como a Shoá volte a afetar não
somente ao povo judeu, mas também
a outros povos do mundo. Temos a
missão de contar as histórias reais
vividas então, apesar de não sermos
historiadores”.
Em Israel vivem cerca de 200.000
sobreviventes do Holocausto.
Cada dia falecem em média uns
40 sobreviventes por velhice ou
doenças. Se temos em conta que
a II Guerra Mundial terminou em
maio de 1945, a idade mínima
dos sobreviventes é de mais de
670 anos e a maioria já passou
dos 80, ou mesmo 90 anos. Nos
últimos tempos, se ampliou o termo
“sobrevivente da Shoá”, incluindo
todos os países que estiveram sob o
regime nazista, como por exemplo
países do norte da África como
Líbia, Tunísia ou Marrocos, a pesar
de que ali não foram construídos
guetos. Do que não cabe dúvida é
que também os filhos e inclusive
os netos dos sobreviventes, levam
consigo a herança do extermínio
nazista: “ minha avó tinha 17 anos
quando esteve com sua irmã gêmea
em Auschwitz. A primeira coisa que
pensei ao visitar este lugar foi que eu
provavelmente não teria conseguido
sobreviver como elas”, afirma seu
neto Yair. A filha de Tzecha, Ofira,
acrescenta que sua mãe sempre
lhe disse que o fato de que lograra
trazer filhos ao mundo com tudo o
que passaram “lá”, é po si mesmo
um milagre. Eu vivo sabendo que
não faltou muito para que eu não
pudesse nascer”, reconhece Ofira.
UM SEDER PARA O
(AHagadádeMoacyrScliarZ”L3
CAPA
30 AMAZÔNIA JUDAICA No 10 - ABRIL 2018
O saudoso escritor
judeu gaúcho,
Moacyr Scliar
OS NOSSOS DIAS*
30anosdepois)
Esta mesa em torno à qual nos
reunimos, esta mesa com as matzót e
com as ervas amargas, esta mesa de
Pessach com sua toalha imaculada,
esta mesa não é uma mesa: é mágica
embarcação com a qual navegamos
pelas brumas do passado, em busca
das memórias de nosso povo
31
32 AJ No 12 - ABRIL 2018
CAPA
esta mesa sentemo-nos, pois.
Somos muitos, nesta noite.
Somos os que estão e os que já foram: somos
os pais e os filhos, e somos também os nossos
antepassados. Somos um povo inteiro, em torno a esta
mesa. Aqui estamos, para celebrar, aqui estamos para
dar testemunho.
Dar testemunho é a missão maior do judaísmo. Dar
testemunho é distinguir entre a luz e as trevas, entre o
justo e o injusto. É relembrar os tempos que passaram
para que deles se extraia o presente a sua lição.
Olhemos, pois, a matzá que está sobre a mesa. Este é o
pão da pobreza que comeram os nossos antepassados
na terra do Egito.
Quem tiver fome – e muitos são os que têm fome, neste
mundo em que vivemos – que venha e coma.
Quem estiver necessitado – e muitos são os que amargam
necessidades, neste mundo em que vivemos – que venha
e celebre conosco o Pessach.
É o legado ético de nosso povo, a mensagem contida
neste simples alimento, neste pão ázimo que sustentou
no deserto, e o que o vem sustentando ao longo das
gerações.
É preciso ser justo e solidário, é preciso amparar o
fraco e ajudar o desvalido. O deserto que hoje temos de
atravessar não é uma extensão de areia estéril, calcinada
pelo sol implacável.
É o deserto da desconfiança, da hostilidade, da alienação
de seres humanos.
Paraestatravessiatemosdenosmunirdasreservas
morais que o judaísmo acumulou das poucas e
simples verdades que constituem a sabedoria do
povo.
Ama teu próximo como a ti mesmo. Reparte com ele
teu pão. Convida-o para tua mesa. Ajuda-o a atravessar
o deserto de sua existência.
Tu me perguntas, meu filho, porque é diferente esta
noite de todas as noites. Porque todas as noites comemos
chamets e matzá, e esta noite somente matzá.
Porque todas as noites comemos verduras diversas, e
esta noite somente maror.
Eu te agradeço, meu filho. Agradeço-te por perguntares.
Porque, se me perguntas, não posso esquecer: se indagas,
não posso ficar calado.
Por tua voz inocente, meu filho, fala a nossa consciência.
A
33
Tua voz me conduz à verdade.
Por que esta noite é diferente de todas as noites, meu
filho? Porque esta noite lembramos.
Lembramos os que foram escravos no Egito, aqueles
sobre cujo dorso estalava o látego do Faraó.
Lembramos a fome, o cansaço, o suor, o sangue, as
lágrimas. Lembramos o desamparo dos oprimidos
diante da arrogância dos poderoso.
Lembramos com alívio: é o passado. Lembramos com
tristeza: é o presente.
Ainda existem Faraós. Ainda existem escravos.
Os Faraós modernos já não constroem pirâmides,
massimestruturasdepodereimpériosfinanceiros.
Os Faraós modernos já não usam apenas o látego:
submetem corações e mentes mediante técnicas
sofisticadas.
Seus escravos se contam aos milhões, neste mundo em
que vivemos. São os negros privados de seus direitos,
na África do Sul; os poetas que, em Cuba, não podem
publicar seus versos;
os imigrantes a quem, na Europa, está reversado o
trabalho pesa e a hostilidade dos grupos fascistas; os
refuseniks soviéticos que clamam por sua identidade; as
mulheres e os jovens fanatizados pelo regime doAiatolá,
os prisioneiros políticos do Chile, os famélicos do
Sahel e do nordeste brasileiro, as populações indígenas
lentamente exterminadas em tantos lugares;os operários
explorados e os camponeses sem terra.
Para estes, ainda não chegou o dia da travessia. Estes
ainda não encontraram a sua Terra Prometida. Para eles,
a vida ainda é amarga como o maror. É a eles também
que lembramos nesta noite, meu filho. Com eles
repartirmos, em imaginação, o nosso pedaço de matzá.
Não sejas como o ingênuo, que ignora os dramas de seu
mundo. Não sejas como o perverso, que os conhece,
mas nada faz para mudar a situação.
Pergunta, meu filho, pergunta tudo o que queres saber
34 AJ No 12 - ABRIL 2018
– a dúvida é o caminho para o
conhecimento.
Mas quando te tornares sábio,
procura usar a tua sabedoria em
benefício dos outros. Reparte-a,
como hoje repartirmos nossa
matzá. Segue o conselho de nossos
sábios, e lembra a saída do Egito,
não só na noite de Pessach, mas
todos os dias de tua vida.
Falemos deste povo, então.
Falemos dos judeus: pequeno
grupo humano que viria a
desempenhar um grande papel
na história da humanidade. Um
povo inquieto. Um povo que não
buscava o repouso, nem para si,
nem para os outros povos.
Há cerca de 4000 anos a trajetória
deste povo teve início – quando
Abraão deixou o seu lugar de origem, na região entre o
Tigre e o Eufrates, para ir a Canaan.
Pois disse-lhe o Senhor:
“Sai de tua terra, e da terra de tua gente, e da casa de
teu pai, e vem para a terra que eu te mostrarei; Eu farei
de ti uma grande nação, e te abençoarei, e farei grande
teu nome; e serás uma benção; E eu abençoarei quem
te abençoar, e amaldiçoarei quem te amaldiçoar; e em
ti serão todos os povos da terra abençoados.” (Gênesis
12, 1-3)
Mas não cessou com a chegada a Cannan e peregrinação
judaica. Povo nômade, os hebreus deslocavam-se
constantemente. E por isso não construíram grandes
cidades, nem monumentos comparáveis às pirâmides.
O que os hebreus levavam consigo, em suas
migrações, era a sua tradição, era a palavra do
Senhor,daqualeramguardiães;apalavraquedeu
origemaolivrosagrado,aBíblia,seugrandelegado
paraahumanidade.
De Abraão nasceu Isaac, de Isaac Jacob, e de Jacob,
José e seus irmãos. José, o vidente; José, que se tornou
vizir do Faraó.
Com José foram ter seus ingratos irmãos, quando a fome
assaltou as terras de Canaan. Na terra de Goshen foram
viver, e ali se multiplicaram como as estrelas no céu e os
grãos de areia das praias do mar.
Mas então nuvens negras surgem neste céu tranqüilo.
Um novo Faraó reina no Egito; ele teme que os filhos
de Israel, agora numerosos, se rebelem contra ele. E
decreta: toda criança judia, de sexo masculino, deve ser
morta ao nascer.
Mas um menino escapa. O destino poupa-o para ser o
libertador de seu povo: é Moisés, que a filha do Faraó
salva das águas para dele fazer um príncipe. Moisés,
Príncipe do Egito, Moisés, poderoso entre os poderosos.
Háuminstantenavidadecadahomememqueele
sevêdiantedeseudestino.Uminstanteemquelhe
édadofazeraescolhatranscendente,aescolhaque
seráodivisordeáguasdesuaexistência.Esteinstante
chegouparaMoisés.
Diante do feitor que espancava cruelmente o escravo
judeu, ele não hesitou: tomou o lado do fraco contra o
forte, do oprimido contra o opressor. Jogou sua sorte
com a sorte pobre, desprotegido povo.
EentãoqueD’uslhefala.Nãoantesdogestodecoragem,
mas depois: é como se a divindade só se pudesse revelar
depois que Moisés descobriu a si mesmo.
Este é o Deus de Abraão, o Deus de Isaac, o Deus de
Jacob; o Deus que fala da sarça ardente, como a indicar
que é preciso manter viva a chama da fé e da dignidade.
Este D’us estende Sua mão para Moisés, e acena-lhe
CAPA
35
com a promessa que desde então tem animado a todos
os povos: terra e liberdade, liberdade e terra. A doce
liberdade, a fértil terra da qual fluiria o leite e o mel.
E então, acompanhado de Arão, que por ele falava,
Moisés foi ter com o Faraó e disse: Deixa meu povo
sair. Deixa meu povo sair.
Era a primeira vez que ecoava esta frase no reduto
do poder, mas não seria a última. Nas masmorras dos
romanos: deixa meu povo sair. Nos guetos medievais:
deixa meu povo sair. Nas aldeias ameaçadas pelos
pogroms: deixa meu povo sair. Na Alemanha nazista:
deixa meu povo sair. Na Rússia, na Síria, na Etiópia:
deixa meu povo sair. Este apelo desesperado não
encontra eco.
A insensibilidade dos poderosos torna-os surdos e
cegos. O sofrimento dos oprimidos clama aos céus. E
os céus respondem com fúria. Mas a divindade poupa a
seu povo o ódio.
Minha é a vingança, diz o Senhor. Só Deus pode dosar o
castigo do ímpio, de maneira a não pagar injustiça com
injustiça.
São as forças da natureza que Adonai mobiliza para
punir os pecadores; como a sugerir a própria natureza se
revolta contra a iniquidade E vêm as pragas.
As águas se transformam em sangue.
Feras atacam os homens.
Gafanhotos devoram as colheitas.
Pestilências ceifam vidas.
O granizo cai sobre as plantações.
As trevas reinam sobre a Terra.
Castigos terríveis, mas que nos soam estranhamente
familiares. Pois hoje, como ontem, seres humanos
fazem da natureza palco de luta contra outros seres
humanos. A casa do homem é uma casa dividida.
Punhos se erguem ameaçadores, vozes bradam iradas.
A ganância e a especulação sobrepujam a solidariedade
e a compensação.
E de novo as pragas nos ameaçam. As águas já não se
transformam em sangue, mas nos rios poluídos e nos
mares envenenados os peixes boiam mortos. As pragas
que devoravam as colheitas foram repelidas, mas ficam
nos frutos da terra os resíduos dos venenos usados.
Indiscriminadamente.
As feras que os homens temiam hoje são pobres criaturas
em extinção. Mas o tigre com dentes atômicos faz ouvir
o seu rugido, os submarinos nucleares percorrem os
mares como sinistros Leviatãs. Enquanto enormes
contingentes humanos vegetam na mais espantosa
miséria, há nas metrópoles uma minoria que busca
no consumismo desenfreado, no álcool e na droga, a
satisfação que jamais encontra.
AstrevasreinamsobreaTerra,masnãosãoastrevas
resultantes de um sol eclipsado; são, isto sim, as
trevasdoobscurantismo,quealimentaofanatismo
earmaobraçodoterrorista.
As pestilências de outrora deram lugar às doenças da
civilização, igualmente mortíferas; e de outra parte,
se perpetuam entre aqueles que não têm acesso às
conquistas da medicina. Dir-se-ia que os homens não
aprendem. Que a escalada do erro – e do castigo – não
tem fim.
A paciência do Senhor chega a seu término. Decide dar
ao faraó a prova definitiva de Seu poder: os primogênitos
serão exterminados. Mas pelas portas das casas judaicas,
untadas com o sangue do animal sacrificado, a ira do
Senhor passará sem se deter. É a Páscoa: a passagem.
Mais uma vez Deus avoca a si o castigo. Pois somente a
um desígnio insondável tão espantosa punição pode ser
atribuída. E o Faraó cede. Por fim, o Faraó cede.
Podeis partir, ele diz a Moisés e Arão.
E os judeus partem. Às pressas: o pão que levam sequer
pode fermentar. É da matzá que eles agora comerão.
E há razão para a pressa. Os poderosos não costumam
honrar compromissos.
O Mar Vermelho se abre... Promessas são esquecidas,
36 AJ No 12 - ABRIL 2018
tratados são rasgados. E os exércitos do Faraó vão no
encalço dos fugitivos, surpreendem-nos às margens do
Mar Vermelho.
Mais uma vez Deus protege seu povo. Mais uma vez um
prodígio da natureza dá testemunho da aliança sagrada.
As águas do mar se abrem diante dos hebreus e se fecham
sobre as armadas do Faraó. É o castigo definitivo. É um
castigo, mas não é um ato de ódio. Pois, conta o Talmud,
depois que os judeus atravessaram o Mar Vermelho,
entoaram um hino de agradecimento ao senhor – que
Ele recusou dizendo: “Não cantareis enquanto meus
outros filhos se afogam”.
A violência?
Sim, é permitida, como resposta à violência. Mas não é
permitido a ninguém alegrar-se na violência.Ao fim e ao
cabo, somos todos irmãos. Mesmo quando um destino
trágico nos coloca face a face, armas na mão. Uma lição
que vale para o Oriente Médio de nossos dias.
EstaéanarrativadoÊxodo.Dela, oqueélenda?
O que é História? Impossível saber. Na poeira
do tempo confunde-se fantasia e realidade, fato e
imaginação. Não importa, porém. Não é o fato
histórico que conta, mas sim a lição que dele se
extrai.
Como diz o Seder:
“Em toda geração deve o homem considerar como se
tivesse saído do Egito”.
Neste,comoestásintetizadatodaagamadepossibilidades
que a tradição, mais que o frio
relato dos acontecimentos,
proporciona aos seres
humanos. A possibilidade de
evocarmos, por uma noite que
seja, o terror da escravidão. A
possibilidade de vivermos,
por uma noite que seja, a
glória da libertação.
Como se é suficiente. Uma
noite é suficiente. Foi numa
noite que Jacob lutou contra o
anjo, e, vencendo-o, tornou-se
Israel, legando-nos esta lição:
que um povo tem de lutar
por sua identidade, ainda que
desafiando os mensageiros do
Senhor.
Foi numa noite que Daniel
foi salvo da cova dos leões,
mostrando que o justo nada
tem a temer, nem mesmo as
feras selvagens.
Foi numa noite que o perverso
Haman foi condenado e o
povo judeu foi salvo. Porque
a justiça brilha na escuridão
da noite como a luz do dia.
Sentem-nos, pois, em torno à
mesa nesta noite, e tomemos
o vinho de Pessach, doce
CAPA
37
como a liberdade. E falemos da doçura de ser livres;
falemos principalmente aos jovens.
Sigamos o que diz o nosso Seder: “contarás a teu filho”.
Porque a mensagem de Pessach é dirigida sobretudo às
crianças e aos jovens. Como sentinelas na noite, temos
de velar por eles, velar para que recebam a mensagem
de liberdade.
Pessach é a festa das gerações. É a festa em que os
pais falam a seus filhos. E é por isso que a festa do
Pessach é celebrada em família. Não num templo,
masemcasa.
Em torno a uma mesa, de modo que as pessoas se
possam olhar, de modo que o filho possa ouvir do pai o
simples, eloquente relato. A saga de um pequeno povo
de incultos nômades que ensinou a um poderoso império
uma lição de justiça e de dignidade.
Esta é a lição que os judeus vem repetindo ao longo
de muitos e muitos séculos. Nos dias esplendorosos
do Templo de Jerusalém e nos amargos tempos da
dispersão. No Galut e agora, em Israel.
Os prodígios da saída do Egito ficaram reverberando
pelos séculos afora. Pois tantos foram, e tão notáveis,
que evocá-los leva-nos ao limite do suportável: daienu,
diz o Seder: bastar-nos-ia.
Se nos tirasse do Egito e não os justificasse, bastar-nos-ia.
Se não abrisse o mar, se não nos desse o maná, se não
nos desse o Sábado, se não nos desse a Torá – bastar-
nos-ia.
O primeiro agradecimento ao Senhor é pela liberdade:
se nos tirasse do Egito, bastar-nos-ia.Todo o resto é
consequência. O maná, a Lei, a Terra prometida, tudo é
decorrência da libertação do povo.
Falemos da luta pela liberdade.
Falemos do gueto de Varsóvia.
No começo da Segunda Guerra, Varsóvia era um centro
judaico de primeira grandeza, célebre por suas ieshivot,
seu teatro ídiche, seus centros culturais, seus artistas e
escritores. Mas então veio a invasão nazista, e com ela
a fria deliberação de transformar a cidade num portal
para o inferno. Quase meio milhão de pessoas foram
confinadas na minúscula área do gueto, cercado e
isolado.
Logo a fome, a falta de higiene, as doenças começaram
a fazer suas vítimas. A um ritmo que não era satisfatório
para os nazis: em julho de 1942 começaram as
deportações para os campos de Treblinka, Auschwitz,
Maidanek e Belsen.
Foi então que as organizações juvenis adotaram uma
decisão: a de resistir até o fim. Armas e munição
começaram a ser contrabandeadas para o gueto…Na
madrugada de 19 de abril de 1943 um tiro ecoou na
38 AJ No 12 - ABRIL 2018
rua Nalewki. Era o sinal para a rebelião, que oporia
40.000 remanescentes da população judaica, lutadores
famintos e mal armados, contra a poderosa máquina de
guerra nazista.
Durante semanas os combatentes resistiram. O
comandante do levante, Mordechai Anielewicz
E seus companheiros, morreram lutando no quartel-
general da Rua Mila, 18. Ninguém se rendeu.
Não podemos falar em liberdade sem falar
no Gueto de Varsóvia. Não podemos falar em
liberdade enquanto outros guetos existirem em
nossomundo.
Agora, meu filho, vamos colocar vinho neste copo, e
vamos abrir a porta.
Perguntas se estamos esperando alguém. Sim, esperamos
alguém. Esperamos Eliahu Hanavi, o Profeta Elias, o
precursor do Messias. É um hóspede ilustre, aguardado
há ‘séculos. Até hoje não veio, e não é certo que nos
visite esta noite. Não tem importância. O importante é
que nossa porta esteja aberta. Para o profeta ou para o
nosso vizinho; para o Messias ou para o pobre que nos
vem pedir um pouco de comida.
Queespiem,osdefora,porestaraportaaberta.Quevejam
uma família reunida em torno à mesa, celebrando. Que
constatem: eles nada têm a esconder. Eles não praticam
rituais secretos, eles não são uma seita misteriosa.
São gente como a gente. Os cristãos, os judeus, os
muçulmanos, os budistas,
somos todos iguais. Nossas
festas têm nomes diferentes,
ocorrem em datas diferentes,
mas no fundo, une-nos a
alegria da celebração. Eu
sei, meu filho, que nem
todos pensam assim. E é por
isso que a porta precisa ficar
aberta. Para que o profeta
Elias venha, anunciando a
paz entre os povos.
Atravessia do MarVermelho
não pôs fim aos infortúnios
do povo judeu. Muito teriam
eles de vagar, ainda, na
desolação do deserto. Foi
uma dura prova, a que nem
sempre resistiram. Quando
mais forte se tornou o
assédio da fome e a sede,
CAPA
39
foram queixar-se a Moisés: tu nos trouxeste ao deserto,
disseram, para que aqui morramos à míngua. E em seu
desespero, chegavam a lembrar com saudade os tempos
do Egito: éramos escravos, mas tínhamos o que comer.
Como Esaú, estavam dispostos a trocar sua dignidade
por um prato de comida.
Deus não os castigou. Ao contrário: deu-lhes o manjar
do céu. O Maná, e as tábuas da lei. Nesta ordem: o
alimento e depois o mandamento. A nutrição para o
corpo, seguida do dever espiritual. E esta é mais uma
lição que o judaísmo, na sua sóbria e milenar sabedoria,
nos transmite: não se pode exigir deveres morais de
quem tem fome.
Os direitos humanos começam pelo simples, e
peloelementar.Osdireitosdohomemcomeçam
porumpedaçodepão,ázimoounão.
Vejo, meu filho, que encontras o afikoman que escondi.
Muito bem, tens direito a uma recompensa. O que
queres? É uma história, que queres? Muito bem. Deixa
que te conte então uma história muito curta.
É a história de um homem e de sua mala. O homem
já não vive; a mala, que eu saiba, já não existe. Mas
a mala estava com a família desse homem há muitas
gerações. Nesta mala ele colocou todas suas coisas
quando, jovem ainda, deixou sua casa, numa aldeia
da Rússia czarista, e foi para a Polônia, onde esperava
viver. Lá ficou alguns anos, até que teve de fugir de
novo, por causa da ameaça de bandos antissemitas.
Pegou a mala e foi para a Alemanha, a civilizada
Alemanha, pensando encontrar a paz. Mas o ano era
1939…
Conseguiu fugir para o Brasil, sempre com sua mala.
Trabalhou duro, no comércio; conseguiu juntar alguma
coisa e já estava até esquecendo as privações que
passara quando, por ocasião dos distúrbios de rua que
se seguiram ao suicídio de Getúlio Vargas, sua loja foi
depredada. Ficou tão assustado, que decidiu: daí em
diante, nunca mais desmanchou a mala. Estava sempre
pronto para partir, a qualquer hora do dia e da noite.
Várias vezes pensou que o momento tinha chegado:
quando Jânio renunciou, em 1961; quando houve o
golpe militar, em 1964, e os policiais prenderam os
filhos de seu vizinho.
Não chegou a ser necessário. Aparentemente, ele era
considerado um homenzinho inofensivo; ninguém
se preocupava com ele. No entanto, continuava
preparado. Para o Êxodo. Como seus antepassados no
Egito, que constantemente evocava.
Uma noite um ladrão entrou na casa e roubou-lhe
a mala. E de repente, ele se deu conta: já não podia
mais fugir. E assim ficou. Até que uma noite o Anjo
da Morte veio chamá-lo; e as pessoas que estavam a
seu lado, no quarto do hospital, ouviram-no murmurar
baixinho:
Eu não fugi. Eu estou aqui.
Nós estamos aqui. E podemos saborear em paz nosso
manjar, nosso afikoman. Nós o merecemos, como tudo
mereceste. Tu, porque o encontraste; nós, porque nos
encontramos.
Chag Sameach, meu filho.
*Esta Hagadá foi escrita por Moacyr Scliar há exatos
30 anos, em março de 1988, sob a atmosfera pesada da
ditadura militar. Foi publicada naquele mesmo ano pela
antiga Revista Shalom dirigida por Patrícia Finzi. É
parte do legado humanista e imortal que Moacyr deixou
para as futuras gerações.
Todas as iluminuras e manuscritos desta matéria, são da
Hagadá de Sarajevo- Espanha, século XIV
40 AJ No 12 - ABRIL 2018
DIÁSPORA JUDEU MARROQUINA
DE UMA JUDIARIA
EM MARROCOS
NASCEU UM IMPÉRIO
NOS AÇORES(Fonte: www.sabado.pt)
O clã dos Bensaude dos Açores
41
Os Bensaude
partiram de
Marrocos no
século XIX em
busca da terra
prometida.
São hoje a
família com
mais poder na
economia dos
Açores
ão era fácil a vida dos judeus
sefarditas que habitavam
as cidades costeiras de
Marrocos, para onde haviam
fugido do Santo Ofício. Os sultões
toleravam os judeus, que lhes
enchiam os cofres. Mas sempre que
mudava o monarca, eram alvo de
violência e extorsão. Obrigados a
viver em judiarias tinham ainda de
usar vestuário distintivo.
O conhecimento dos movimentos
sociais europeus dos finais do século
XVIII, mais favoráveis à tolerância
religiosa, alimentou a esperança
numa existência diferente. Abraão
Bensaude e outras famílias judaicas
chegam à ilha de São Miguel em
1819. É a viagem inaugural de um
percurso que levaria à criação do
império Bensaude, o maior grupo
privado dos Açores.
O relato da epopeia é escrito por
Alfredo Bensaude, no livro “A
Vida de José Bensaude”, seu pai.
Aquele que foi o fundador do
Instituto Superior Técnico, em
Lisboa, acrescenta como motivo
a recuperação do prestígio que o
povo hebraico tivera em Espanha
e Portugal. “A lembrança da época
brilhante da civilização hispano-
luso-judaica nunca se perdeu
na memória dos descendentes,
que sempre se consideraram
peninsulares”. Porque Espanha
continuava fechada, no início do
séc. XIX, “os judeus aventuraram-
se por terras portuguesas e alguns
desembarcaram no arquipélago dos
Açores”, lê-se na tradução francesa
da obra.
A mudança não era isenta de riscos.
A Inquisição continuava a existir,
embora sem o poder e prestígio de
outros tempos. Seria abolida pela
Assembleia Constituinte a 24 de
Março de 1821. Isso não impediu
que os “judeus marroquinos”,
como eram nomeados, tivessem
enfrentado uma forte oposição dos
N
Alfredo Bensaude, fundador do Instituto Superior
Técnico de Lisboa
42 AJ No 12 - ABRIL 2018
comerciantes locais e discriminação
pelas autoridades municipais.
Abraão Bensaude foi o primeiro a
estabelecer-se nos Açores, em Ponta
Delgada. Os negócios arrancam em
1820, ano que o Grupo Bensaude
fixa como data da sua fundação. Tal
como as outras famílias de judeus
que chegaram, Abraão dedicava-se
ao comércio de tecidos importados
do continente e de Inglaterra, mais
finos e vendidos mais baratos que
os feitos no arquipélago. Os barcos
que traziam os tecidos levavam
laranjas, então o principal sustento
económico das ilhas, e cereais.
A sorte diferente dos
Bensaude
Abraão não foi o único Bensaude
a partir para os Açores. Poucos
anos depois chegam também o
irmão Elias e o primo Salomão. Se
Abraão acabaria por não ser bem
sucedido nos negócios, falecendo
com dívidas por pagar, como relata
a historiadora Fátima Sequeira
Dias no artigo “Quando as Ilhas se
Tornavam Demasiado Pequenas”,
os outros dois haveriam de vingar.
Em particular Elias Bensaude, que
segundo a mesma historiadora
“conseguiu uma posição de domínio
no comércio de redistribuição
insular”, com negócios em São
Miguel, Faial, Terceira, Lisboa,
Manchester e Londres.
José Bensaude, filho de Abraão,
há-de vingar o infortúnio do pai.
Envereda pela área industrial. É ele
que desenvolve o cultivo do tabaco
em São Miguel, com a fundação da
Fábrica de Tabaco Micaelense, em
1866. Actividade que se revelaria
fundamental para a economia e o
emprego nas ilhas após o declínio
acentuado da “economia da laranja”
que ocorre a partir dessa altura. Esse
iria também o primeiro grande teste à
capacidade de adaptação da família,
José Bensaude
DIÁSPORA JUDEU MARROQUINA
43
que respondeu com a diversificação
dos negócios.
Assim nasce a maior
empresa dos Açores
O Grupo Bensaude nasce da junção
das empresas de Elias e Salomão,
negócio precedido da união das
famílias pelo matrimónio – a filha de
um casa com o filho de outro. Após
a morte dos primos é constituída em
1873 a Bensaude & Co., criando
aquela que é desde então a maior
empresa dos Açores e uma das
maiores do país.
A criação da sociedade é
acompanhada da mudança da
sede para Lisboa. O grupo aposta
no armazenamento de carvão e
no transporte marítimo, com a
Companhia Insulana de Navegação.
No Barreiro é fundada, em 1891, a
Parceria Geral de Pescas, que se
tornaria no maior armador português
da pesca ao Bacalhau. Acabaria por
entrar em declínio após a adesão de
Portugal à CEE, em 1986, devido à
introdução das quotas.
A entrada no turismo
A dinastia segue com Vasco
Bensaude, neto de José, que herda
quotas pertencentes aos vários ramos
da família e torna-se o detentor
único do património familiar. A
diversificação de actividades do
Grupo prossegue ao longo do século
XX. Vasco Bensaude é o principal
investidor na construção do Hotel
Terra Nostra nas Furnas, durante a
década de 30, ainda hoje a unidade
mais emblemática do Grupo no
turismo.
Seguem-se a aquisição da
Companhia de Seguros Açoreana e
do Banco Micaelense. Os Bensaude
sãotambémfundadoresdaSociedade
Açoreana de Estudos Aéreos (hoje
SATA), em 1941. A mais antiga
companhia aérea portuguesa nasce
da visão de que o transporte aéreo
iria passar a ter mais relevo que o
marítimo. Os negócios corriam de
feição, mas a família haveria de
enfrentar um novo e decisivo teste.
Nacionalizações levam
banco e seguradora
Com as nacionalizações do pós-
25 de Abril os Bensaude perdem
grande parte do património: o
banco e a seguradora (hoje parte do
Banif) passam para o Estado. Assim
como a fábrica de tabaco. Poucos
anos depois, o Grupo é também
“convidado” a vender a SATA.
A família não abandona o País, mas
sai da capital. Filipe Bensaude, filho
primogénito de Vasco, muda a sede
do Grupo para Ponta Delgada em
1976.
“O regresso a São Miguel resulta
de uma solicitação insistente
feita pelos trabalhadores”, conta
António Castro Freire, sobrinho de
Filipe e vice-presidente do conselho
de administração. Desnatado de
alguns dos seus principais activos,
Filipe fica com a difícil tarefa
de assegurar a sobrevivência do
negócio da família. “Seguiram-se
anos de recuperação depois das
perdas sofridas.
Foi um processo longo para o qual
concorreu o trabalho dos membros
da família activos na empresa e
o apoio dos restantes accionistas
familiares”. O armazenamento e
comercialização de combustíveis
assume-se como uma das âncoras
do renascimento do Grupo. Área
ainda hoje central na actividade
da Bensaude, parceira da Repsol
desde 2005, e que é alargada com
a integração dos postos da BP
por efeito da aquisição do Grupo
Nicolau Sousa Lima em 2007.
É no entanto outra a principal mais-
valia daquela compra. Os Bensaude
herdam a parceria com a Sonae
Distribuição nos Açores, o que vem
aumentar em muito a dimensão e o
número de trabalhadores do Grupo.
A fase mais recente é marcada pela
saída da família da gestão executiva
e a aposta na profissionalização.
Luís Bensaude, filho de Filipe, cede
em 2009 o seu lugar a Victor Cruz,
antigo líder do PSD Açores.
O Grupo faz 195 anos. António
Castro Freire atribuiu esta
longevidade em primeiro lugar “à
forte ligação aosAçores, que sempre
foi uma orientação estratégica ao
longo de várias gerações”. Uma
longevidade que “não pode nunca ser
considerada um dado adquirido”.
44 AJ No 12 - ABRIL 2018
TRAÇOS
PRESENÇA JUDAICA
NALÍNGUAPORTUGUESAEXPRESSÕES E DITOS EM PORTUGUÊS DE ORIGEM MARRANA
Jane Bichmacher de Glasman *
O objetivo do presente trabalho é apresentar alguns exemplos
de influência judaica na línguaportuguesa, a partir de uma ampla
pesquisa sócio-lingüística que venho desenvolvendo há anos
opção por judaica (e não
hebraica) deve-se a uma
perspectiva filológica e
histórica mais abrangente, englo-
bando dialetos e idiomas judaicos,
como o ladino (judeu-espanhol)
e o iídiche (alemão), entre os mais
conhecidos, além de vocábulos
judaicos e expressões hebraicas que
passaram a integrar o vernáculo
a partir de subterfúgios e/ ou
corruptelas, cuja origem remonta à
bagagem cultural de colonizadores
judeus, cristãos-novos e marranos.
Abasehistóricaparataléaimigração
maciça de judeus expulsos da
Espanha, em 1492, para Portugal,
devido à contigüidade geográfica
A
45
como suas origens e explicações, a
partir da origem judaica “marrana”.
“Antes de exemplificar a
contribuição lingüística marrana,
convém ressaltar que a vinda dos
portugueses para o Brasil trouxe
consigo todos os empréstimos
culturais e lingüísticos que já haviam
sido incorporados ao cotidiano
ibérico, desde uma época anterior
à Inquisição, além de novos hábitos
e características; muitas palavras
e expressões de origem hebraica
foram incorporadas ao léxico da
língua portuguesa mesmo antes de
os portugueses chegarem ao Brasil.
Elas encontram-se tão arraigadas
em nosso idioma que muitas vezes
têm sua origem confundida como
sendo árabe ou grega. Exemplo:
a “azeite”, comumente atribuída
uma origem árabe por se assemelhar
a um grande número de palavras
começadas por “al-” (como alface,
alfarrábio, etc.),
identificadas como sendo de origem
árabe poresta partícula corresponder
ao artigo nesta língua.
O artigo definido hebraico é
a partícula “a-” e “azeite”
significa, literalmente, emhebraico
“a azeitona” (ha-zait). Apesar da
presença judaica por tantos séculos,
em Portugal como no Brasil, as
perseguições resultaram também em
exclusões vocabulares.
A maior parte dos hebraísmos
chegou ao português por
influência da linguagem religiosa,
particularmente da Igreja Católica,
fazendo escala no grego e no
latim eclesiásticos, quase sempre
relacionados a conceitos religiosos,
exemplos: aleluia, amém, bálsamo,
cabala, éden, fariseu, hosana,
jubileu, maná, messias, satanás,
páscoa, querubim, rabino, sábado,
serafim e muitos outros.
Algumas palavras adotaram outros
significados, ainda que relacionados
à idéia do texto bíblico. Exemplos:
babel indicando bagunça; amém
passando a qualquer concordância
com desejos; aleluia usada como
interjeição de alívio.
O preconceito marca palavras
originárias do hebraico usadas
de forma depreciativa, como:
desmazelo (de mazal – negligência,
desleixo), malsim (de mashlin
– delator, traidor), zote (de zot /
subterrâneo, inferior, parte de
e às promessas (não cumpridas)
do Rei D. Manuel I, que traziam
esperança de sua sobrevivência
judaica como tal. Mesmo com a
expulsão de Portugal em 1497, os
judeus (além dos cristãos-novos
e dos cripto-judeus ou marranos)
chegaram a constituir 20 a 25% da
população local.
Sefaradim (de Sefarad, Espanha,
da Península Ibérica) procuraram
refúgio em países próximos no
Mediterrâneo, norte da África,
Holanda e nas recém-descobertas
terras de além-mar nas Américas,
procurando escapar da Inquisição.
Até hoje é controversa a origem
judaica ou criptojudaica de desco-
bridores e colonizadores do Brasil,
para onde imigraram incontáveis
cristãos-novos, alternando durante
séculos uma vida como judeus
assumidos e marranos, praticando o
judaísmo secretamente (fora os
que permaneceram efetivamente
católicos), de acordo com os ventos
políticos, sob o domínio holandês
ou a atuação da Inquisição, variando
de um clima de maior tolerância
e liberdade à total intolerância e
repressão.
A citada alternância entre vidas
assumidamente judaicas e marranas,
praticando judaísmo em segredo,
com costumes variados, unificados
pela “camuflagem” de seu teor
judaico, gerou comportamentos
e aspectos culturais (abrangendo
rituais, superstições, ditados
populares, etc.) que se arraigaram
à cultura nacional. A maioria da
população desconhece que muitos
costumes e dizeres que fazem parte
da cultura brasileira têm sua origem
em práticas criptojudaicas.
Apresentarei alguns exemplos bem
46 AJ No 12 - ABRIL 2018
baixo – pateta, idiota, parvo,
tolo), ou tacanho (de katan – que
tem pequena estatura, acanhado;
pequeno; estúpido, avarento); além
de palavras relacionadas a questões
financeiras, como cacife, derivada
de kessef = dinheiro.
Há ainda algumas palavras e
expressões oriundas do misticismo
judaico, tão desenvolvido na idade
média. O estudo do Talmud e da
Cabalá trouxe também contribuições
do aramaico, como a conhecida
expressão “abracadabra”, que é
tida pela nossa cultura como uma
“palavra mágica” (num sentido
fabuloso), mas que, na realidade
pode ser traduzida como “criarei à
medida que falo” (num sentido real
e sólido para a cultura judaica).
Algumas palavras também
designam práticas judaicas ou
formas de encobri-las, especialmente
observávelnoscostumesalimentares.
Porexemplo:osjudeussãoproibidos
pela Torá de comer carne de porco,
porque tem os cascos fendidos
e não rumina, sendo, portanto,
impuro. Para simular o abandono
desse princípio e enganar espiões
da Inquisição, os cristãos-novos
inventaram as alheiras, embutidos
à base de carne de vitelo, pato,
galinha, peru – e nada de porco.
Após algumas horas de defumação
já podem ser consumidos. Da
mesma forma, peixes “de couro”
(sem escamas) não serviam para
consumo.
Passando às expressões, apresento
alguns exemplos, sua origem e
explicação:
“Ficar A Ver Navios” Em 1492
foi determinado que os judeus
que não se convertessem teriam
de deixar a Espanha até ao fim de
julho. Centenas de milhares então se
fixaram em Portugal. O casamento
do rei D. Manuel com D. Isabel, filha
dos Reis Católicos, levou-o a aceitar
a exigência espanhola de expulsar
todos os judeus residentes em
Portugal que não se convertessem
ao catolicismo, num prazo que ia
de Janeiro a Outubro de 1497. O rei
Dom Manuel precisava dos judeus
portugueses, pois eram toda a classe
média e toda a mão-de-obra, além
da influência intelectual.
Se Portugal os expulsasse logo como
fez a Espanha, o país passaria por
uma crise terrível. Na realidade D.
Manuel não tinha qualquer interesse
em expulsar esta comunidade,
que então constituía um destacado
elemento de progresso nos setores da
economia e das profissões liberais.
A sua esperança era que, retendo os
judeus no país, os seus descendentes
pudessem eventualmente, como
cristãos, atingir um maior grau
de aculturação. Para obter os
seus fins lançou mão de medidas
extremamente drásticas, como ter
ordenado que os filhos menores de
14 anos fossem tirados aos pais a
fim de serem convertidos.
Então fingiu marcar uma data
de expulsão na Páscoa. Quando
chegou a data do embarque dos
que se recusavam a aceitar o
catolicismo, alegou que não havia
navios suficientes para os levar e
determinou um batismo em massa
dos que se tinham concentrado em
Lisboa à espera de transporte para
outros países. No dia marcado,
estavam todos os judeus no porto
esperando os navios que não vieram.
Todos foram convertidos e batizados
à força, em pé. Daí a expressão:
“ficaram a ver navios”.
O rei então declarou: não há mais
judeus em Portugal, são todos
cristãos (cristãos-novos). Muitos
foram arrastados até a pia batismal
pelas barbas ou pelos cabelos.
“Pensar na morte da bezerra”:
frase tão comumente dita por
sertanejos quando querem referir-se
a alguém que está meditando com
ares de preocupação: “está pensando
na morte da bezerra”. Registram
as denunciações e as confissões
feitas ao Santo Oficio, a noção
popular, naquele distante período,
do que seria o livro fundamental
do judaísmo: a Torá. De Torá veio
Toura e depois, bezerra, havendo
inclusive quem afirmasse ter visto
em cara de alguns cristãos-novos, o
citado objeto, com chifres e tudo.
“Passar a mão na cabeça”, com
o sentido de perdoar ou acobertar
erro cometido por algum protegido,
Uma característica do comportamento de
cristãos-novos“suspeitos” foi procurar ser
“mais católicos do que os católicos”, buscando
sobreviver à intolerância e determinando
práticassócio-culturais e lingüísticas
TRAÇOS
47
é memória da maneira judaica
de abençoar de cristãos-novos,
passando a mão pela cabeça e
descendo pela face, enquanto
pronunciava a bênção.
Seridó, região no Rio Grande do
Norte, tem seu nome originário da
forma hebraica contraída: Refúgio
dele. Porém, não é o que escreve
Luís da Câmara Cascudo, indicando
uma origem indígena do nome da
região, de “ceri-toh”. Em hebraico, a
palavra Sarid significa sobrevivente.
Acrescentando-se o sufixo ó, temos
a tradução sobrevivente dele.
A variação Serid, “o que escapou”,
pode ser traduzido também por
refúgio. Desse modo, a tradução
para o nome seridó seria refúgio
dele ou seus sobreviventes.
Passar mel na boca: quando da
circuncisão,o rabino passa mel na
boca da criança para evitar o choro.
Daí a origem da expressão:
“Passar mel na boca de fulano”.
Para o santo: o hábito sertanejo de,
antes de beber, derramar uma parte
do cálice, tem raízes no rito hebraico
milenar de reservar, na festa de
Pessach (Páscoa), um copo de vinho
para o profeta Elias (representando
o Messias que virá, anunciado pelo
Profeta Elias).
“Que massada!” usada para se
referir a uma tragédia ou contra-
tempo, é uma alusão à fortaleza de
Massada na região do Mar Morto,
Israel, reduto de Zelotes, onde
permaneceram anos resistindo às
forças romanas após a destruição
do Templo em 70 d.C., culminando
com um suicídio coletivo para não
se renderem, de acordo com relato
do historiador Flávio Josefo.
“Pagar siza” significando pagar
imposto vem do hebraico e do
aramaico (mas = imposto, em
hebraico de misa, em aramaico).
“Vestir a carapuça” ou “a carapuça
serve para ...” vem da Idade Média
inquisitorial, quando judeus eram
obrigados a usar chapéus pontudos
(ou com três pontas) para serem
identificados.
“Fazer mesuras” origina-se na
reverência à Mezuzá (pergaminho
com versículos de DT.6, 4-9 e
11,13-21, afixado, dentro de caixas
variadas, no batente direito das
portas).
"Deus te crie" após o espirro de
alguém é uma herança judaica da
frase Hayim Tovim,
que pode ser traduzido como tenha
uma boa vida.
“Pedir a bênção” aos pais, ao sair e
chegar em casa, é prática judaica que
remonta à benção sacerdotal bíblica,
com a qual pais abençoam os filhos,
como no Shabat e no Ano Novo.
“Entraresairpelamesmaportatraz
felicidade” bem como o costume de
varrer a casa da porta para dentro,
costume arraigado até os dias de
hoje, para “não jogar a sorte fora”
é uma camuflagem do respeito pela
Mezuzá, afixada nos portais de
entrada, bem como aos dias de
faxina obrigatória religiosa judaica,
como antes do Shabat (Sábado, dia
santo de descanso semanal) e de
Pessach.
“Apontar estrelas faz crescer
verrugasnosdedos”eraasuperstição
que se contava às crianças para não
serem vistas contando estrelas em
público e denunciadas à Inquisição,
pois o dia judaico começa no
anoitecer do dia anterior, ao
despontar das primeiras estrelas,
dado necessário para identificar
o início do Shabat e dos feriados
judaicos.
Para concluir, gostaria de mencionar
um tema polêmico decorrente deste
intercâmbio cultural-religioso:
sua influência no português, em
vocábulos que adquiriram uma
conotação pejorativa e negativa.
Os mais discutidos são: judeu,
significando usurário, o verbo
judiar (e o substantivo judiação)
com o sentido de maltratar, torturar,
atormentar. Seja sua origem a prática
de “judaizar” (cristãos-novos
mantendo judaísmo em segredo
e/ ou divulgando-o a outros), seja
como referência ao maltrato e às
perseguições sofridas pelos judeus
durante a Inquisição, o fato é que,
sem dúvidas, sua conotação é
negativa, e cabe a nós estudiosos do
assunto e vítimas do preconceito,
esclarecer a população e a mídia,
alertando e visando à erradicação
deste uso, não só pelo desgastado
“politicamente correto”, que leva
a certos exageros, mas para uma
conscientização do eco subliminar
de um longo passado recente, Pelo
qual não basta o pedido de perdão,
se não conduzir a uma mudança no
comportamento social.
* Doutora em Literarura Judaica.
Professora da UERJ
48 AJ No 12 - ABRIL 2018
ealmente, não sei a
resposta. Portanto, levanto
a questão perante vocês e
os convido a respondê-la, se for
de sua vontade.
Numa segunda-feira, como
qualquer segunda-feira de
verão em Jerusalém, fui
“arrastado” para o centro da
cidade, por razões que não cabe
explicar agora, pois é uma outra
história...
Ali estava eu no ponto, à espera
do próximo ônibus para o
Monte Scopus, um dos campi
da Universidade de Jerusalém.
Foi quando se aproximou de
mim um jovem em seus 15
anos no máximo, ortodoxo –
a esta conclusão cheguei pela
obviedade da sua aparência externa:
solidéu na cabeça, peiot (costeletas
longas) e franjas para fora da camisa
– que me perguntou:
-- Você estuda na Universidade,
não?
Respondi que sim, num misto de
desconfiança e curiosidade sobre
quais seriam suas intenções. No
Brasil, quando alguém nos aborda
assim de forma súbita como ele o
fez, logo pensamos no pior: “vai
pedir alguma ou me assaltar”.
Assim pensei também na minha
paranoia de cidadão carioca. E no
mesmo instante em que buscava
uma desculpa para me livrar dele,
chegou o ônibus da linha 9 e então
eu disse, aliviado:
-- Sinto muito, meu ônibus chegou
-- e corri na direção do coletivo.
Presumi precipitadamente:
-- Ufa! consegui me livrar
dele com facilidade, que
sorte!
Porém, para minha surpresa,
não aconteceu assim: o jovem
correu em minha direção,
segurando na mão uma nota
de 50 shekalim (plural de
shekel, moeda corrente em
Israel) e um pedido que me
surpreendeu totalmente:
-- Por favor, você poderia
levar este dinheiro para a
sinagoga da universidade?
Eu não soube como reagir
e tampouco poderia, pois o
ônibus já estava de saída:
-- Onde, na sinagoga? Na
caixa de tzedaká (doações)?
-- Sim -- me respondeu o jovem,
enquanto o ônibus zarpava bem à
moda sabra (israelense) e eu dentro
dele, atônito, com a nota de 50
shekalim na mão, enquanto, ainda
estupefacto, tentei acompanhá-lo
com o olhar. Ele já havia dado meia
volta e seguido o seu caminho...
Caminho? Mas, qual era o seu
caminho? Que intenções teria? Seria
R
CRÔNICA
SÓ COM MINHA
CONSCIÊNCIA(Elias Salgado, da série contos de Jerusalém 1997-8)
Quantas e quantas vezes, me perguntei, se é a vida que
alimenta as histórias dos escritores ou se são eles que
precisam persegui-las?
49
ele real? O quê significava tudo
aquilo? Imaginem vocês em que
situação constrangedora ele me
colocou, aquele rapaz! Eu que
imaginei que ele queria me pedir,
ou até mesmo me roubar – aquele
mesmo jovem enigmático entrega a
um estranho, na rua, dinheiro para
uma boa ação?!
Entre todas as coisas que me
vieram à cabeça, lembrei-me da
breve conversa que tivera aquela
manhã com Karmia, a professora de
hebraico, sobre o significado e valor
da palavra “consciência”. Se não
me falha a memória, eu disse a ela
que consciência, na minha opinião,
é algo que todos nós possuímos: só
que a de alguns é positiva e a de
outros, nem tanto...
E agora estou eu aqui, sentado
frente à minha consciência e uma
nota de 50 shekalim... E pensando:
- Neste mundo não faltam histórias
para alimentar histórias. E que
tudo pode acontecer – até mesmo
o time do Betar Jerusalém vencer a
Bélgica no futebol, quando todos os
prognósticos eram contrários...
Mas o quê fazer com a minha
consciência e os 50 shekalim
daquele jovem misterioso? O que
ambos me pediram, tanto minha
consciência, quanto ele: procurar
a caixa de doações da sinagoga na
universidade e meter lá dentro a
nota. E foi o que fiz.Linha 4 para a Universidade de Jerusalém
Interior da Sinagoga Hecht
- Universidade de Jerusalém -
Monte Scopus
Prédio da Sinagoga Hecht
- Universidade de Jerusalém -
Monte Scopus
50 AJ No 12 - ABRIL 2018
Olá, li na newsletter de vocês sobre a
história do cemitério municipal de Manaus e os
judeus ali enterrados. Sou historiadora, venho
acompanhando a história dos cemitérios das
polacas aqui em São Paulo e em Cubatão. Recebi
indicações da Chevra Kadisha que no cemitério
de Manaus haveria 70 sepulturas deste grupo.
Comecei a ler Eretz Amazonia, gostaria muito de
conhecer o cemitério, conhecer o autor, o algum
descendente que posso conversar comigo aí.
Gostaria de ir para Manaus no feriado do dia 12
de outubro. Será que é possível. Grande abraço e
boas festas.
Paula Janovitch
Gostaria de saber sobre Jaime Benlolo, se
há algum registro sobre ele.
Daniela Benlolo
Procuro informações sobre a família do
meu pai, emigrada para Belém do Pará, onde
o meu bisavô foi rabino. Meu avô David Bibas,
morreu antes do meu nascimento e a minha avó
não contou-me muita coisa sobre ele. Poderiam
ajudar-me?
Heliana Bibas
Como faço pra obter algumas revistas , que
falem sobre os judeus na Amazônia, pois eu estou
fazendo um projeto falando sobre isso.
Nádia Freitas
Olá, bom dia.
Gostaria de saber como faço para participar das
reuniões na sinagoga.
Tenho parentes que são judeus praticantes e eu
sempre tive vontade de ir visitar, mas nunca fui.
Moysés Abraham Larrat Fróes
Procuro curso de hebraico na cidade
Manaus.
Att,
Márcio Pinheiro
Bom dia! Gostaria de saber onde poderia
ter mais informações sobre o meu avô materno
que era judeu, nascido em Tanger e que veio para
o Amazonas na época do ciclo da borracha. O seu
nome era Samuel Toledano e ele viveu em Fonte
Boa, vindo a falecer nesta cidade em 1956. Onde
posso solicitar mais informações sobre ele? Fico
no aguardo de uma resposta. Obrigado!
Luis Carlos Toledano Pereira
luistoledano@ig.com.br
Ola, gostaria de obter informação sobre
a possibilidade de eu me juntar ao judaísmo.
Atualmente sou evangélica e meu sobrinho é
judeu. Gostaria também, de saber onde posso
encontrar uma sinagoga em Manaus nas
proximidades do Alvorada e se posso visitar,
conhecer melhor. Aguardo uma resposta.
Grata pela atenção
Maria Lima
51
Na publicação “História e Memória” de
Elias e David Salgado não vem quase nenhuma
referência à firma B.Levy & Cia da qual meu avô,
Rafael Benoliel foi Presidente. Porquê? Apenas
uma referência de uma linha sobre uma empresa
que foi grande no seu tempo. Agradeço resposta
Marcos Benoliel Zagury
Gostaria de saber onde poderia fazer um
curso de hebraico em Belém do Pará?
Odete Vanzeler Sabá
Oi Elias, parabéns pela revista!
Adorei a capa!
Monica Grin –
Coordenadora do NIEJ/ IfCS/UFRJ
Bom dia!
Como faço para conseguir a edição N.04/2011
da revista Amazônia Judaica, que traz na capa a
sinagoga Shaar HaShamaim de Belém?
Att.
Danielle Moramay
Gostaria de receber os newsletter da AJ
Izaak Vaidergorn
Elias,
Super! A revista está SUPER MARAVILHOSA!
Parabéns! Extraordinária mesmo! Digna
dos 15 anos, digna de vocês e seu trabalho
extraordinário! Parabéns, infinitas vezes!
Seu trabalho e de seu irmão é algo que ficará na
história do judaísmo brasileiro!
Regina Igel, Maryland University, USA
Elias querido que maravilha...acabei de
ver...está excelente... queria colocar a matéria
na página de Brimas com a capa da revista ..ou
mesmo a revista toda... como é isso? Posso?
Gratíssima pela matéria linda,
Bjs
Chag Sameach
Brima Beth
P.S. Vou mandar pros brimos Simone e Luiz.
Elias e David,
Adorei... e já enviei para um montão de gente.
Recebi alguns elogios da edição de Rosh
Hashana... está muito boa.
Renato Amram Athias , Etnólogo, UFPE
Caro Elias, muito obrigada. Eu li a matéria
do pesquisador Eliahu Birbaum, achei muito
interessante. Primeiro porque é um rabino
olhando para esta questão de uma maneira
generosa e de integração, depois porque a
pesquisa dele é muito boa mesmo. Estamos aqui
em São Paulo lutando para integrar esta história
no percurso da imigração.
Abraços. Paula Janovitch
52 AJ No 12 - ABRIL 2018
DESTAQUES
2018
EM PERSPECTIVA
Após 15 anos de atividades, Amazônia Judaica segue
nadando contra a maré e acreditando que contra a crise
só há um remédio: seguir em frente sempre
O selo“Talú”, passa agora
a denominar-se“Talú
Cultural” com previsão de
5 novos lançamentos de
ficção e não ficção: 02 novos
livros de contos e crônicas
de Elias Salgado; o livro
“Força e coragem” de autoria
do historiador André de
Lemos Freixo, sobre os 70 do
Hashomer Hatzair, que nos
foi encomendado por aquele
movimento. A criação de duas
novas coleções: “Postagens
Sagazes” (título provisório),
composta de títulos de
autores que fazem sucesso
com seus posts nas redes
sociais. A coleção será criada
com o lançamento de livro do
historiador Michel Gherman,
em fase de edição e com
publicação prevista para o 2º.
Semestre deste ano.
Em fase de planejamento,
também, uma Coleção
de Clássicos nacionais e
internacionais, de autores cuja
obra encontra-se em domínio
público.
E diversos outros projetos
editoriais, para o futuro
próximo.
A “Talú Cultural”, passará
a ser a marca e o setor que
cuidará da realização dos
eventos culturais de nossa
empresa, a nível nacional
e internacional, tais como:
lançamentos, exposições,
ciclos, seminários e afins.
A seguir apresentamos a nossos amigos colaboradores,
leitores de sempre e os que estão chegando; nosso programa
de atividades e novidades para o ano de 2018.
Revista Amazônia Judaica - Ediçãi 12
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Revista Amazônia Judaica - Ediçãi 12

  • 1. 1 Edição de Pessach 5778 - 70 Anos de Israel ANO 10 No 12 ABRIL DE 2018 ISSN 2527-0826 ISRAEL 70 ANOS TANTOEMTÃOPOUCOTEMPO Isaac Essoudry OÚLTIMOCABALISTA DORECIFE A Hagadá de Moacyr Scliar UMSEDER PARANOSSOSDIAS
  • 2. 2 AJ No 12 - ABRIL 2018 Congratulamo-nos com Medinat Israel pelos 70 anos de criação e desejamos um Feliz Pessach a toda a Kehilá Parabenizamos Israel pelos 70 anos e desejamos Pessach Sameach a todo Am Israel
  • 3. 3 EDITORIAL “ ...descobri que minha arma é o que a memória guarda... ...em volta desta mesa velhos e moços lembrando o que já foi... ... em volta dessa mesa existem outras falando tão igual...” (Trecho da música Conversando Num Bar de Milton Nascimento e Fernando Brant) Bem que estes belos versos de Nascimento e Brant poderiam ser um trecho fazendo referência ao Pessach e seu momento clímax: o Seder e a leitura da Hagadá. Afinal, estes dois elementos centrais da nossa tradição, são uma verdadeira arqueologia da memória. É também e principalmente, do que nosso saudoso Moacyr Scliar z”l fala em seu magistral texto (ver as colunas “Imagem da Capa” e “Matéria de Capa”) “ Um Seder para o nosso tempo”. É de memória que nos fala Pessach. É da preservação da sua memória que vem falando, vivendo e vivenciando o povo judeu há milênios. É guardando tais elementos e com eles aprendendo, todo este tempo, que seguimos adiante. E memória é um dos temas centrais desta edição. O outro é renascimento. O júbilo de nosso povo na celebração dos 70 anos do Estado de Israel. (ver matéria de Elias Salgado sobre o tema) Amazônia Judaica, há mais de 15 anos vem contribuindo ao colocar tijolos neste edifício tão sólido que é o judaísmo, o amazônico em particular e os vários judaísmos, na Diáspora e em Eretz Israel. E nesta missão tão importante, nos acompanham, na presente edição, grandes estudiosos do tema e grandes amigos-colaboradores da nossa revista: Moacyr Scliar z”l, Henrique Cymerman Benarroch, Renato Athias e os luxuosos estreantes por aqui: Jane Bichmacher, Joice Santos, entre outros. Enfim um time de craques do qual nos orgulhamos muito, porque razões não nos faltam. Pois na sua companhia, é que lhes propomos que atravessem mais este Pessach, e que celebrem conosco, a passagem de mais um ano de independência da única nação judaica do mundo. Boa leitura e Chag HaPessah VeYom Haatzmaut Sameach. Os editores, David e Elias Salgado Editores David Salgado Elias Salgado Diretor de Arte e Design Eddy Zlotnitzki Projeto Gráfico Thiago Zeitune Revisão Mariza Blanco Arte e diagramação Eddy Zlotnitzki Colaboradores Henrique Cymerman Benarroch Jane Bichmacher .Joice Santos Renato Athias Simon Romero Portal e Arquivo Amazônia Judaica www.amazoniajudaica.org Amazônia Judaica No Facebook Amazônia Judaica Email portal200anos@gmail.com contat@amazoniajudaica.org Conselho Editorial HOMENAGEM ESPECIAL Prof. Samuel Isaac Benchimol z”l Andre de Lemos Freixo Fernando Lattman-Weltman Heliete Vaitsman Henrique Cymerman Benarroch Ilana Feldman Isaac Dahan Jeffrey Lesser Michel Gherman Monica Grin Regina Igel Renato Athias Wagner Bentes Lins
  • 4. 4 AJ No 12 - ABRIL 20184 AJ No 12 - ABRIL 20184 AJ No 12 - ABRIL 2018 UM SEDER PARA OS NOSSOS DIAS* (“A HAGADÁ DE MOACYR SCLIAR”) A festa, 1925, Marc Chagall, coleção privada “Esta mesa em torno à qual nos reunimos, esta mesa com as matzót e com as ervas amargas, esta mesa de Pessach com sua toalha imaculada, esta mesa não é uma mesa: é a mágica embarcação com a qual navegamos pelas brumas do passado, em busca das memórias de nosso povo. A esta mesa sentemo-nos, pois. Somos muitos, nesta noite. Somos os que estão e os que já foram: somos os pais e os filhos, e somos também os nossos antepassados. Somos um povo inteiro, em torno a esta mesa. Aqui estamos, para celebrar, aqui estamos para dar testemunho. Dar testemunho é a missão maior do judaísmo. Dar testemunho é distinguir entre a luz e as trevas, entre o justo e o injusto. É relembrar os tempos que passaram para que deles se extraia o presente a sua lição”... Entendemos que o autor faz aqui uma referência clara ao imperioso dever a que nos encarregaram nossos sábios: “Be chol Dor VaDor chaiav haadam lirot et atzmó kehilú hu iatzá miMitzraim” – “ A cada geração deve o homem ver-se a si mesmo, como se ele próprio, tivesse saído do Egito” A IMAGEM DA CAPA * Este é um pequeno trecho da abertura de um texto escrito há muitas décadas pelo escritor judeu gaúcho, Moacyr Scliar z”l. Por anos a fio era lido no Seder Comunal das chaverot do Grupo Feminino Chaviva Reich e ficou conhecido como “A Hagadá de Moacyr Scliar”.
  • 5. 55 AMAZÔNIA JUDAICA No 12 - ABRIL 2018 70 ANOS DE ISRAEL | 6 Israel: Tanto em tão pouco tempo NOSSOS SABIOS|12 O Marroquino Chacham dos retornados em Recife CAPA|30 Um Seder para os Nossos Dias EDITORIAL 3 A IMAGEM DA CAPA 4 ETNO-ARQUEOLOGIA 20 HISTÓRIA 24 Sepultura Nazista no Brasil MEMÓRIA 26 DIÁSPORA JUDEU 40 MARROQUINA TRAÇOS 44 Presença Judaica na Língua Portuguesa CRÓNICA 48 PELO NOSSO PORTAL 50 MENSAGENS 54
  • 6. 6 AJ No 12 - ABRIL 2018 ESPECIAL 70 ANOS ISRAEL: TANTO EMPor Elias Salgado Para muitos, a criação do moderno Estado de Israel alvez tal pensamento lhes ocorra dada a emoção consequente da grandiosidade dofatohistóricoparaopovodeIsrael disperso pelo mundo em diáspora, desde 70 da Era Comum; bem como certas circunstâncias e ocorrências na trajetória das lutas e adversidades pelas quais passaram os judeus, nos quase 2000 anos que viveram como párias sem a existência de um estado nacional próprio, à mercê da boa e da má vontade dos demais povos. A justificativa sobre a qual está alicerçado o direito dos judeus a um estado próprio, em nossa opinião, na de vários pensadores, na maior parte do povo judeu e boa parte das nações e povos do mundo, na verdade são duas: desde o surgimento do nacionalismo na Europa, existe o conceito e o consenso de que a cada povo cabe o direito de viver numa nação soberana e independente. E ao povo judeu que havia perdido sua independência e soberania, caberia, então, o direito a readquiri-la. E a outra, certamente a mais premente, advém da tragédia pela qual passaram os judeus - a Shoá. Já o direito a um país na histórica Terra de Israel (Palestina), tem T O logotipo comemorativo para os 70 anos de Israel
  • 7. 7 TÃO POUCO TEMPO em 14 de maio de 1948, foi um verdadeiro milagre quase a mesma idade da existência do povo judeu na História – cerca de 4.000 anos. Os laços entre a nação judaica e seu território original, não são apenas sentimentais, religiosos, como descritos na Torá. Há registro arqueológicos e históricos da presença do povo hebreu, vivendo de forma independente ou não, na antiga Terra de Canaã, posteriormente denominada Terra de Israel e que no período romano, passa a ser chamada, de Palestina, até a criação do moderno Estado de Israel. É portanto, em nosso entendimento, indubitável a relação histórica ininterrupta do povo judeu com a Terra de Israel. Porém longo foi o percurso histórico e das lutas travadas a nível ideológico e político, até que se logrou, finalmente, a independência do moderno Estado de Israel. Antissemitismo e o surgimento do Sionismo Desde os primeiros séculos da experiência judaica na diáspora que o povo judeu convive com a existência de preconceito, baseado em ódio contra seu histórico étnico, cultural e/ou religioso. Na era moderna, este ódio passou a ser denominado antissemitismo. O antissemitismo é manifestado de diversas formas, indo de expressões individuais de ódio e discriminação contra indivíduos judeus a violentos ataques organizados (pogrom), políticas públicas ou ataques militares contra comunidades judaicas. Entre os casos extremos de perseguição estão a Primeira Cruzada de 1096, a expulsão da Inglaterra em 1290, a Inquisição Espanhola, a expulsão da Espanha em 1492, a expulsão de Portugal em 1497, diversos pogroms, o Caso Dreyfus e o Holocausto perpetrado pela Alemanha Nazista. No século XIX, na Europa do Leste, Vista panorâmica da costa de Tel Aviv
  • 8. 8 AJ No 12 - ABRIL 2018 ESPECIAL 70 ANOS o antissemitismo ganha força, consequência do surgimento do capitalismo e vários pogroms são perpetrados e como consequência, se dá uma onda migratória rumo ao ocidente – América e também para a Palestina. Várias iniciativas surgiram visando dar solução às perseguições sofridas naquele continente. As principais foram: compra de terras para criação de colônias agrícolas na Argentina, pelo Barão Hirsh e na Palestina, por Edmond Rotchild. Na França surge a gota d’agua, com o conhecido Caso Dreyfus – a condenação de um oficial judeu do exército francês, acusado injustamente de espionagem e traição, como foi comprovado posteriormente. O fato teve imensa repercussão em todo o continente europeu e teve como maior consequência, o surgimento do movimento nacional judaico, o Sionismo, criado por iniciativa de Theodor Hertzel, que concluiu, diante do antissemitismo, que a solução para a “questão judaica” era a criação de um estado judeu soberano, na histórica Terra de Israel. O termo “sionismo” é derivado da palavra “Sion”, que é o nome de uma das colinas que cercam Jerusalém, e dela se tornou sinônimo. Na Torá os hebreus são também chamados de Bnei Tzion. Porém, somente muitas décadas e vários Congressos Sionistas depois, é que o sonho de Hertzel, de vários líderes sionistas e de grande parte do Manchete do jornal jerusalem post sobre o nascimento de Israel A Declaração Balfour
  • 9. 9 povo judeu pôde se concretizar. Infelizmente, somente após o extermínio de 6 milhões de judeus no Holocausto, na Europa, durante a 2ª. Guerra Mundial, foi que a ONU se sensibilizou e votou a criação de dois estados - um judeu e outro árabe, no território da Palestina. A liderança dos judeus, que desde fins do século XIX e primeiras décadas do século XX, haviam imigrado e formado o chamado Ishuv da Palestina, declararam, sob a liderança de David Ben Gurion, a criação do Estado de Israel, em Tel Aviv, no dia 14 de maio de 1948. Assim nasceu a única nação judaica do mundo: cercada de vizinhos árabes que sempre tiveram dificuldade de aceitar sua existência (exceto Egito e Jordânia, que décadas após, assinaram acordos de paz com Israel, que permanecem em vigência até os dias de hoje). Os demais países árabes que não reconhecem Israel, mantém ativo um conflito que não parece ter fim. Originário deste conflito com os árabes, nasceu outro: o chamado conflito israeli-palestino, no qual o cerne do desentendimento, está na disputa pela criação de um estado palestino na Cisjordania. 1o. Congresso Sionista Alta tecnologia agrícola
  • 10. 10 AJ No 12 - ABRIL 2018 ESPECIAL 70 ANOS E assim, surgido como consequência deumalongatrajetóriadesofrimento e luta do povo judeu na diáspora e apesar dos conflitos políticos e militares com seus vizinhos e que mantêm sempre elevado o perigo de segurança e a sua luta pela soberania, esta jovem nação, chega aos 70 de independência, como uma das grandes economias do planeta. Economia Israel é considerado um dos países mais avançados do sudoeste da Ásia em desenvolvimento econômico e industrial. O país foi classificado como o de nível mais elevado da região pelo Banco Mundial, bem como, no Fórum Econômico Mundial. Tem o maior número de empresas cotadas na bolsa NASDAQ fora daAmérica do Norte. Em 2008, Israel tinha o 41º produto interno bruto (PIB) mais alto e o 22º maior PIB per capta do mundo (em paridade de poder de compra), com 199,5 bilhões de dólares e 33.299 de dólares, respectivamente. Em 2007, Israel foi convidado a aderir à Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), que promove a cooperação entre os países que aderem aos princípios democráticos e explorar economias de mercado. Apesar dos limitados recursos naturais,ointensivodesenvolvimento industrial e da agricultura ao longo das últimas décadas fez com que Israel se tornasse amplamente autossuficiente na produção de alimentos, especialmente grãos e carne. Entre os produtos muito importados por Israel, totalizando 47,8 bilhões de dólares em 2006, incluem-se combustíveis fósseis, as matérias-primas e equipamentos militares. Os produtos que Israel mais exporta são frutas, vegetais, A Arrow 2 israelense intercepta um míssil de superfície a ar Sirai S-200-1
  • 11. 11 produtos farmacêuticos, softwares, produtos químicos, tecnologia militar, diamantes. Em 2006, o volume de exportações do país atingiu 42,86 bilhões de dólares. Em 2010, Israel foi classificado pelo “IMD’s World Competitiveness Yearbook” no 17º lugar entre as nações mais desenvolvidas economicamente. Também foi qualificado,nessamesmapublicação, como a mais durável economia em temposdecriseeem1ºlugarnonível de investimentos em pesquisas e em centros de desenvolvimento. Israel possui o segundo maior número de companhias start-up no mundo, logo depois dos Estados Unidos. O turismo, especialmente o turismo religioso, é outra importante fonte de renda em Israel. Com um clima mediterrâneo, praias, sítios arqueológicos e históricos, além da única geografia, o país atrai milhões de turistas todos os anos. Problemas de segurança de Israel afetam a indústria do turismo, mas o número de turistas continua em alta. Em 2008, mais de 3 milhões de turistas visitaram Israel. Em Israel o Turismo é um grande motor da economia, Cidade Velha de Jerusalém Israel o Paraíso da Alta Tecnologia em Haifa
  • 12. 12 AJ No 12 - ABRIL 2018 NOSSOS SÁBIOS IsaacEssoudry: OMARROQUINO CHACHAMDOS RETORNADOS EM RECIFEPor Renato Athias (*) Foi a minha amiga e colega Tania Kaufman que me apresentou a Isaac Essoudry ainda nos finais do anos noventa. oi a minha a amiga e colega Tania Kaufman que me apresentou a Isaac Essoudry ainda nos finais do anos noventa, e depois eu acompanhei sua trajetória através de alunos do Programa de Pós Graduação em Antropologia que fizeram várias entrevistas sobre diversos assuntos do judaísmo para suas dissertações de mestrado vinculadas ao programa de Pós-graduação em Antropologia, todos eles ligados ao Grupo Interdisciplinar de Estudos do Judaísmo, coordenado pela Profa. Tania, que estava vinculado ao Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre Etnicidade (NEPE) que coordeno até hoje na Universidade Federal de Pernambuco. Não se trata aqui de fazer uma biografia ou história de vida de nosso Chacham Isaac, de abençoada memória. Eu me propus com este texto [1] delinear alguns elementos de sua pedagogia, que eu tive o prazer de acompanhar de muito perto nesses últimos anos, e assim compreender seu pensamento sobre o judaísmo. Eu devo dizer que Isaac foi, de fato, o meu mestre. É commuitoorgulho,quedigosempre, que grande parte do judaísmo que possuo, eu recebi através de seus ensinamentos. Durante a organização da celebração de seu aniversário de 80 anos, no Recife, eu iniciei uma longa entrevista com ele, buscando entender um pouco mais de sua trajetória de vida. Sem dúvida, acumulei muitas páginas de anotações. Mas, foi somente em 2017, ano passado, que tive a oportunidade de conhecer duas irmãs de Isaac. A Célia, a sua irmã mais nova, que mora em uma F
  • 13. 13 cidadezinha perto de Toulouse, na França, e, Alegria, sua irmã mais velha que mora atualmente em Montreal. Foi através dessas duas senhoras cultas, ambas artistas, uma professora de música, e, a outra, artista plástica, que com muita sensibilidade e emoção me relataram fatos sobre Isaac que eu desconhecia, e que pelo sabemos, de seu jeito de ser, ele jamais contaria, pois falava muito pouco de sua vida para nós. Esses fatos me que fizeram admirá-lo ainda mais. No Marrocos, a família Essoudry estava sempre muito unida. A figura paterna foi importante para todos. Samuel Essoudry, de abençoada memória, seu pai foi um grande exemplo de vida. Certamente, pelo que sabemos foi seguido por todos os filhos. Max Essoudry Z”L, irmão de Isaac, foi rabino em Israel e em Montreal apoiando sempre as atividades de Isaac no Recife. Célia e Alegria viam Isaac como uma pessoa dedicada a família, e que até a sua juventude esteve voltado para o estudo da Torá a exemplo de Samuel, que exerceu uma enorme influência na trajetória de vida de Isaac. Ele deixou a Yeshivá no Marrocos para ir à Israel, e lá no exército Israelense esteve presente nos conflitos do Suez em 1956, com 21 anos de idade. Alegria e Célia me falam, para a minha surpresa, que a língua materna, ou seja, a língua falada em casa, quando todos ainda estavam juntos no Marrocos, sempre foi o Djudéo-Espanyol por várias gerações. Essa era língua falada entre os judeus em Sefarad, e, como sabemos, essa era a língua de muitos sábios, cujos livros nós lemos até hoje. Certamente esses e outros fatos farão parte de outros textos sobre Isaac, mas, interessa- me aqui comentar sobre as bases de sua pedagogia, que sem dúvida faz, parte do que costumo de chamar de Judaísmo Marroquino. Até 1958 cerca de 250 mil judeus deixaram o Marrocos. Foi quando a família Essoudry deixa o Marrocos. A diáspora do judaísmo marroquino é imensa, podemos encontrar grupos deles em muitos países do ocidente. Talvez a maior dessa diáspora, ou quem sabe, talvez a mais organizada, encontra-se na região Amazônica, no Brasil e no Peru, ao longo das margens do Rio Amazonas. Uma diáspora que se iniciou ainda nos anos de 1810 de acordo com os principais historiadores como o General Ramiro Abraham Bentes e o Prof. Samuel Benchimol, de abençoadas memórias [2]. Isaac se junta a essa diáspora no final dos anos cinquenta, em Belém do Pará, quando a grande maioria dos Judeus do Marrocos já tinham deixado o país, para nunca mais voltarem. Deixaram pra trás, além das suas lembranças e histórias de longínqua data os inúmeros imóveis e bens. Não foi difícil a sua adaptação em Belém, na realidade ele não se encontrava “desterritorializado”, tal como Deleuze & Guatari (1977) [3] vão discorrer e desenvolver esse conceito em sua obra sobre Kafka. Na realidade, nem pela língua e muitos menos pela cultura, pois muitos falavam o Djudéo-Espanyol, pois em Belém a cultura marroquina estava sempre fortemente presente nas comunidades de judeus da capital e dos interiores no Pará e no Amazonas. Em nossas conversas, eu descubro Tocando o Shofar na Beit Shmuel 2012
  • 14. 14 AJ No 12 - ABRIL 2018 que ele conhecera meu avô Jacob Athias e ambos estiveram juntos durante as festas de Rosh Hashaná e Yom Kipur no início dos anos sessenta, Issac, nunca foi bom em precisar as datas. Ele me disse que era sempre chamado para fazer o papel de Baal Koré durante as celebrações na sinagoga da Travessa Campos Sales, em Belém pela qualidade de sua leitura da Torá e sobretudo pela sua voz, esses momentos foram testemunhados por Isaac Dahan, atual Shaliach Tsibur da Comunidade de Manaus, quando era ainda jovem iniciante na leitura da Torá, em Belém. Quando o nosso Chachan completou 80 anos, Isaac Dahan enviou a seguinte mensagem: “Lembro-me bem da passagem do Isaac Essoudry por Belém, eu ainda era novinho e já estava dando os primeiros passos para leitura da Torá e Chazanut. O papai, q.e.p.d. me colocava para ouvir a perashá dele (sempre foi um exímio Baal Korê), tudo na Esnoga Eshel Avraham, da Campos Sales. O pessoal se atrapalhava com o sobrenomedeleechamava Isaac “Sodré”. De certa forma, ele também participou no início da minha formação como Chazan, porém depois deixou Belém. Claro, a minha cópia e espelho foi o Leon Bengió (mejorado 120 anos), hoje morando em Israel. E, mejorado 120 anos também para o querido Essoudry, que fez de Recife sua morada, sedimentando um judaísmo idealista, onde a vontade de servir e manter as tradições sempre falou mais forte. Eu sempre o vi assim, felizes os membros da comunidade de Recife por contar com um judeu deste quilate dirigindo sua orientação religiosa”. (Trecho de e-mail enviado a Renato Athias em 25 de agosto de 2015). Isaac lia muito, e sempre comentava o que mais gostava de suas leituras conosco, com comentários diretos e certeiros. Em geral eram livros escritos em castelhano, francês, inglês, ou seja, as línguas que ele dominava além do português, mas escrevia pouco. Ele gostava mesmo era de fazer traduções. Aliás esse é um elemento da pedagogia que ele usava. Não eram simplesmente traduções de palavras, eu diria que eram traduções culturais, pois com ele tinha viajado muito passado por muitos lugares, as traduções eram exemplos repletos de fatos interessantes. Porém existe uma tradução que ele fez para o português, de um dos famosos livros do professor Jaime Barylko[4] judeu, filósofo e escritor argentino, cujo o texto foi bastante usado em suas aulas. Em julho de 2017, eu estava em Belém, conversando com o Chazan Ignácio Obadia, da Esnoga Eshel Abraham, ele me falou que Isaac logo que chegou do Marrocos, antes de se casar, morou na sua casa, ele lembra que seu pai Elieser Obadia, de abençoada memória, tinha longas conversas com Isaac. Nessa ocasião, Ignácio me pediu para perguntar ao Isaac o título de um livro sobre a Cabala que seu pai lia juntamente com ele. Era um livro muito precioso para seu pai. Voltando ao Recife, na conversa que tive com o Isaac ele Em Israel em 2010, na Knesset falando em nome dos Bnei Anusim do Recife. NOSSOS SÁBIOS
  • 15. 15 lembrava muito bem desta época. Relatou as suas discussões e o quanto aprendeu, e foi me dizendo vários livros sobre os quais os dois debatiam. Um deles, o “Agadoth Shlomo Hamelech” era o mais famoso e que teria sido enterrado junto com seu companheiro Elieser Obadia Z”L de debates cabalísticos. “A memória do passado foi sempre um componente central da experiência judaica”, conforme assinala o grande historiador Uma página impressa do Talmude contém: (1)Mishnah, (2) Guemará, (3) Comentários de Rashi, (4) Tosefot (5) Mesoret haShas, (6) Ein Misphat, Ner Mitzvá, (7) Torah Or, (8) Glosário, (9) Outros comentários
  • 16. 16 AJ No 12 - ABRIL 2018 judeu Yosef Yerushalmi [5]. É exatamente com esse sentido que trago essas lembranças, quando temos a oportunidade de lembrar a pedagogia e a espiritualidade de Isaac Essoudry. Ele será sempre visto, por todos nós, que convivemos com ele, como “o Chacham dos Retornados”, daqueles judeus que fazem a “grande viagem da volta”, da Teshuvá como ele costumava dizer. Ele certamente foi o primeiro a abrir as portas na Sinagoga da Martins Junior e depois manteve essa porta sempre aberta na Sinagoga Beit Shmuel, para todos aqueles que desejavam retornar aos caminhos da Torá, como ele mesmo se expressava para nós. O que Isaac pensava a respeito desse grupo de Bnei Anussim, significativo e importante na cidade do Recife?Acredito, que ele depois de muito ler e refletir, e, sobretudo pela sua vivência em muitos lugares, deu a ele um amplo entendimento sobre essa questão dos Marranos. Ele teve a oportunidade de falar claramente, sobre essa questão em vários momentos: Na Knesset, em Israel em 2010, e, publicamente em seu discurso no Recife logo que recebeu o diploma de Honra ao Mérito por serviços prestados a comunidade, outorgado pela Universidade Federal Rural do Pernambuco, em 2014. Nessas ocasiões ele falou longamente sobre o seu pensamento. Presenciamos inúmeros depoimentos de Isaac e existem, todos sabemos, muitos escritos sobre essa questão. Uma definição de Marrano, talvez a mais interessante a qual tive acesso, é aquela do Antropólogo Shmuel Trigano (1992) que o aponta com sendo o pioneiro da modernidade. Ele diz o seguinte: “O Marrano é, por definição, um ator —  um paradoxo — na história. Nisto, não é apenas o resíduo fossilizado de um mundo desaparecido no qual o novo mundo seria construído. O que é o marrano, aquele que está condenado a desaparecer estruturalmente e essencialmente, é compromete-se a sobreviver e graças a ele continuar em As lamparinas que Isaac acendia na Esnoga Beit Shemuel no início de Shabat antes de ler o Shir Hashirim e iniciar a tefilá de Cabalat Shabat NOSSOS SÁBIOS
  • 17. 17 seu desaparecimento. Assim, o judaísmo marrano é mais que o laboratório do homem moderno num estado-nação emergente: chamado de dupla identidade, novo cristão por fora e judeu por dentro. O Marrano é cidadão no público, mas vive em dualidade no domínio privado. Assim, o mito judeu da América é algo além de um testemunho enterrado no inconsciente. O Marrano é um dos primeiros pioneiros da modernidade (1992: 349) [6]. Mas, no campo do judaísmo, para Isaac o Marrano, que fazia a viagem da volta não precisa se “converter”, pois, sempre foi judeu. Ele pensava de acordo com Yossef Obadia, Grão Rabino Sefaradita por muitos anos em Israel, basta o retorno sincero para a Torá, se apresentardocumentado em um Beit Din e passar pela Mikvé, recebendo assim uma Teudá de Retornado.A imagem que sempre vem a minha memória é aquela de Isaac sentado na cabeceira da grande e importante mesa da Beit Shmuel, iniciando o estudo da Torá. Sempre começando com a perashá hashavuá. Ele já havia lido e estudado durante a semana. Lia uma frase em hebraico e, em seguida fazia a tradução para o português diretamente. Era a sua tradução, a sua interpretação baseada em inúmeros comentários que ele havia lido. Parava olhava para o grupo sentado ao redor da mesa e explicava a frase. Explicava com poucas palavras o essencial da Parashá, diretamente, sem rodeios como era seu estilo. Ora usando as interpretações apoiadas nos mestres comentaristas da Torá, como Rashi, Or Hachaim Hakadosh, Ba’al Ha- Turim entre outros, ora usando também a Guemátria, que ele usava de uma maneira brilhante, para dar uma interpretação a partir dos significados escondidos das palavras hebraicas. Ele ia fundo nos termos das raízes das palavras do texto em hebraico. Explicando detalhadamente à sua maneira a sua compreensão da narrativa em questão. Em seguida, com o seu jeito, ele perguntava ao grupo que estava escutando se havia questões e aspectos que poderiam ser ainda comentados com outras palavras e outros textos. Essa era a maneira que ele havia aprendido ainda garoto no Marrocos. Eu, pessoalmente denomino essa metodologia presente na pedagogia de Isaac, aliás bastante antiga na tradição judaica, e sempre presente nas Yeshivot de “A pedagogia dialógica”, na qual perguntas e respostas estão presentes ao mesmo tempo, e aí podia-se ir longe como se fosse uma bola de neve desenvolvendo argumentos e análises dentro do contexto da frase, no atual contexto histórico, ou seja, do mundo e a sua vinculação com a narrativa da perashá. Esta pedagogia está presente também no texto Talmúdico, pode ser até visualizada nas páginas impressas onde aparece os nomes de inúmeras pessoas que comentaram determinado texto da Torá ou de uma questão temática. É a construção de um saber moldado através de uma uma pedagogia dialógica, ou seja, no sentido profundo da pergunta e nas respostas baseadas em diversas interpretações. Esse diálogo promovia o conhecimento na contemporaneidade seria como estivéssemos escrevendo hoje uma nova página do Talmude. Qual era a base dessa fórmula na pedagogia, no jeito de Isaac ensinar? O que ele possuía de especial que as pessoas o procurarem sempre? De um lado eu percebia a sua grande abertura para com outro, e de outro lado a sua maneira firme, sem rodeios, tanto no falar quanto no perguntar. Recentemente, eu tenho me debruçado a entender um pouco mais sobre um dos sábios de Salé, Marrocos, cidade onde nasceu meu avô JacobAthias Z”L e vários outros conterrâneos que conheço que vivem na Amazônia, nessa grande diáspora do judaísmo marroquino. Este sábio é conhecido no mundo como Or Hachayim Hakadosh, o famoso Ribi Haim Ben Attar, de iluminada memória, que aliás me foi introduzido por Isaac em nossas conversas. Eu, lendo sobre a vida desse sábio, vejo elementos para refletir sobre o jeito de Isaac, a sua maneira de ler, interpretar e falar dos caminhos da Torá. O que existe em comum com esses dois sábios? Seria talvez, o fato deles aceitarem de serem de fato, o “intermediário”
  • 18. 18 AJ No 12 - ABRIL 2018 de unir o Criador à Shechiná. Não seria a tarefa de um simples tradutor. É na realidade fazer uma intermediação. Isso, os místicos do judaísmo, Simon Bar Yochai, entre outros, por exemplo chamam de “Unificar o Criador” da unidade do povo de Israel, proveniente da essência da Neshamá. Cada ato, cada cumprimento de uma Mitzvá, em um tempo e em um espaço, provoca um fragmento desta unidade, nos dizia Isaac. Isso seria, de fato, proclamar a unidade do “lugar” com a presença do Criador. Isaac sabia fazer isso. Presenciamos muitas vezes, ele conhecia profundamente o seu principal guia: as palavras da Torá. Para ele o acendimento das velas de Shabat em seguida a recitação do Shir Hashirim no início do Shabat, a tefilá de Cabalat Shabat, o kidush de shabat, a Shaharit, a leitura da Perashat Hashavuá, em seguida até a Havdalá, na saída do Shabat Isaac se transforma, é, na realidade, a sua Neshamá Ieterá comandando todos os seus movimentos no Shabat, para fazer essa unidade com o Criador. Evidentemente,issonarealidade,são os princípios cabalísticos presentes, ou seja, a “recepção” na sua mais profunda pureza. Cabala é uma única palavra, que na realidade expressa na concretude do momento e do lugar, um duplo movimento aquele do Criador inclinando-se em direção das pessoas, e, as pessoas, a criação unindo-se ao Criador. No espírito da cabala, o Criador, a Criatura e o Mundo estão intimamente ligados com esse movimento. Este gesto, esse movimento apenas uma palavra pode resumir tudo: o Amor. O espírito da cabala se recriando. Isaac dizia que a Cabala estava presente desde o ato mesmo da criação, mas que só foi revelada no Sinai, o lugar onde aconteceu a unificação do criador com a criatura e de onde vem a Shechiná que falamos hoje. Moisés, apenas introduziu na história de Israel. Portanto eu diria que procurar manter essa shechiná no Shabat, era de fato a fórmula, o jeito de Isaac. O espírito da cabala, nos dizia o nosso Chacham Isaac, inspirado nos místicos do judaísmo, é, na realidade, a compreensão plena da Torá pelo Amor do Criador. Ou seja, sua presença está no interior da Torá, a sua neshamá. A Torá, Luz que ilumina tudo. As fontes, os córregos, os rios e os mares, se espalhando em todas as direções. “Quem pode revelar os mistérios que tu escondes?” (Zohar III, 166 b.). Sim! Realmente Isaac Essoudry foi e, sempre, será visto como o “Chachan dos Retornados”, mas na realidade, parafraseando outros autores, eu penso, sinceramente, que ele foi também o “Último Cabalista de Recife”. [1] Texto inicialmente preparado para o II Congresso de Estudos Antropologia da Religião, promovido pela Cátedra Anita Novisnky da UFRPE, Recife. Gostaria de agradecer a Caesar Sobreira pelo convite, ao Guilherme Zaikaner e a todos os organizadores deste evento a oportunidade de poder falar um pouco mais sobre nosso Chacham Isaac Essoudry. [2] RAMIRO ABRAHAM BENTES escreveu “Das Ruinas de Jerusalém à Verdejante Amazônia” em 1983 e o Prof. Samuel Benchimol publicou“Eretz Amazônia” cuja primeira edição impressa em 1998 e saiu uma outra edição em Hebraico em 2013. [3] DELEUZE & GUATARI, Kafka: por uma literatura menor. Trad. Júlio Castañon Guimarães, Rio de Janeiro: Imago, 1977. [4] Tradução do livro:“A Tora: Livro da Vida” de Jaime Barylko em 2000. [5] YERUSHALMI, Y. H. Zakhor: história judaica e memória judaica. Rio de Janeiro: Imago Ed, 1992, p. 18. [6] TRIGANO, S. publicado na revista L’HOMME, no.122 em 1992 pp.349 (*) Renato Athias é Doutor em Antropologia, do Departamento de Antropologia e Museologia Professor no Programa de Pós- Graduação em Antropologia da Universidade Federal de Pernambuco. NOSSOS SÁBIOS
  • 19. 1919 Parabéns à Israel pelos 70 anos e Chag Pessach Kasher VeSameach ‫ושמח‬ ‫כשר‬ ‫פסח‬ ‫חג‬ ‫שמח‬ ‫עצמאות‬ ‫יום‬
  • 20. 20 AJ No 12 - ABRIL 2018 ESTUDOS NA MAIOR NECRÓPOLE JUDAICA DO CICLO DA BORRACHA EM GURUPÁ (PA)Joice Santos (Fonte:. Informativo do Ciam) Agência Museu Goeldi – Os pioneiros chegaram entre 1810 e 1820, na sequência dos tratados assinados entre Portugal e Inglaterra, que abriram os portos e o comércio entrada na Amazônia foi a ci- dade de Belém do Grão Pará e as primeiras famílias ju- daicas eram, na maioria, sefarditas, originários da Península Ibérica e do norte da África, provenientes espe- cialmente, do Marrocos. Coordena- do pelo Museu Paraense Emílio Go- eldi, um estudo etno-arqueológico no município paraense de Gurupá, arquipélago do Marajó, traz evidên- cias da forte presença de judeus na história amazônica, a partir de estu- dos na maior necrópole judaica do Ciclo da Borracha. A pesquisa no cemitério judaico de Gurupá, o maior em número de túmulos até agora identificado, está sendo feita pela bioarqueóloga ClaudiaCunha, bolsista do Programa de Capacitação Institucional do Museu Goeldi, e pelos arqueólogos Fernando Marques, pesquisador do Museu Goeldi, e Diego Fonseca, doutorando da Universidade Federal do Pará, com o envolvimento da comunidade local, principalmente escolares, professores e historiadores. Esse primeiro levantamento etno- arqueológico, ocorrido entre 3 e 10 de julho, faz parte do projeto Origens, Cultura eAmbiente (OCA), ETNO-ARQUEOLOGIA A
  • 21. 21 coordenado pela arqueóloga Helena Pinto Lima, do Museu Goeldi. Até o momento foram inventariados 29 túmulos, mas este número pode crescer, pois ainda não foi feito levantamento na totalidade da necrópole – há áreas que estão tomadas pelo mato, além da possibilidade de existirem sepulturas soterradas ao longo do tempo. “É necessário limpar a vegetação totalmente e talvez fazer a análise geofísica do espaço – uma técnica de imagem que não implica em escavação”, explica Claudia Cunha. A equipe de arqueólogos e voluntários fizeram a limpeza dos túmulos e do cemitério, recolheram informações nas lápides e com os moradores da redondeza. Também cuidaram do levantamento gráfico e fotográfico do cemitério. Cunha ressalta que “toda a abordagem não foi invasiva e resultou em maior visibilidade do local, além de um trabalho de conscientização junto à comunidade do seu entorno para a proteção da necrópole”. Segundo os especialistas, o levantamento etno-arqueológico aponta que, ao contabilizar o número de túmulos inventariados, o cemitério de Gurupá é a maior necrópole judaica do Ciclo da Borracha no Pará – a mais antiga necrópole judaica da Amazônia está localizada em Belém, onde também se encontra a mais antiga sinagoga em funcionamento no Brasil. “Nesta campanha, já foram resgatados túmulos cobertos por vegetação,todavia,existemáreasno cemitério onde prováveis sepulturas estejam em sub-superfície, o que irá requerer futuras intervenções para o correto mapeamento do cemitério. A maioria das sepulturas cujas datas ainda são visíveis são de fins do século XIX e inícios do século XX, embora alguns túmulos em tijoleira artesanal possam remeter a meados ou mesmo ao início do século XIX”, acrescenta Claudia Cunha. Amazônia Judaica – Com a rota iniciandonoMarrocos,osimigrantes judeus chegaram a Amazônia nas primeiras décadas do século XIX através da cidade de Belém, indo trabalhar, inicialmente, no comércio de produtos industrializados da capital para o interior e de produtos do extrativismo florestal do interior para Belém. Era época dos famosos regatões que percorriam largas extensões dos rios amazônicos. Na década de 1840, esse comércio passou a ser dominado pelo extrativismo e exportação da borracha. A dependência do comércio de produtos originários da floresta motivou a presença judaica para o interior da região, propiciando a instalação dos imigrantes nas proximidades das áreas de captação dos produtos a serem exportados. Até1850 chegariam à Amazônia cerca de 300 famílias judaicas. Elas fugiam da pobreza, super população, epidemias de cólera e peste bubônica, de perseguições e sofrimentos diversos como apedrejamento, além de destruição de sinagogas, como relatam em seus trabalhos Elias Salgado e Samuel Benchimol. A arqueóloga Claudia Cunha pontua que “ainda na fase pioneira, jovens imigrantes recém chegados ao Brasil, que trabalhavam para casas comerciais de judeus estabelecidos em Belém, partiram para a região de Gurupá. A cidade tornou-se nesseperíodopostoavançadodestes comerciantes que logo mandavam buscar suas famílias ou noivas em Belém, na Espanha ou no Marrocos. Em Gurupá fixaram-se as famílias: Azulay, Serfaty, Aben- Athar, Sicsú, Dabilla, Alcaim, Castiel, Levy, entre outras”. No Brasil atual vive a segunda maior população de praticantes da religião judaica na América Latina, mas a quantidade de descendentes dos pioneiros judeus sefarditas e asquenazes é muito maior. Segundo Simon Schwartzman, no final do século XX, os portadores dessa história seriam cerca de 400 mil brasileiros.
  • 22. 22 AJ No 12 - ABRIL 2018 Hoje, em Gurupá, os pesquisadores do Museu Goeldi contam que existem descendentes das famílias judaicas, mas, até onde sabem, esses já não praticam a religião judaica. Cássia Benathar, professora e historiadora do município, é uma das descendentes das famílias pioneiras que estão engajadas como voluntária na pesquisa e na limpeza da necrópole judaica e estará envolvida nos futuros estudos sobre o espaço. A população sabia do local, mas as visitas normalmente restringiam-se a pessoas de fora que ouviam falar do cemitério e visitavam o espaço. Claudia explica que há uma certa resistência a visitar cemitérios, quando a maioria das pessoas não reconhece um parentesco com os mortos. Muitas das lápides estão escritas apenas em hebraico e não havendo quem as leia, não reconhecem o morto como familiar. As sepulturas que estão em português ou nas duas línguas suscitam mais memórias. “Até há algumas décadas, D. Raimunda Sabá tomava conta do cemitério na sua vizinhança, mas já está idosa. Esporadicamente, descendentes tentam cuidar dos túmulos de familiares”, explica Claudia Cunha. Por sua vez, a prefeitura de Gurupá cortou recentemente parte da vegetação invasora da necrópole a pedido dos vizinhos, que o viam se tornar um local de consumo de álcool e drogas. “No nosso primeiro dia para conhecer e investigar o cemitério, retiramos montes (literalmente) de folhas e galhos cortados pela prefeitura durante a última capina do local e três sacos de 100 litros de lixo composto na sua maioria de plástico, papel e vidro”, relembra a arqueóloga. Dominando fluentemente o inglês e o francês, os imigrantes judeus se tornaram exportadores, liderando negócios no exterior, participando de congressos e exposições. Segundo Samuel Benchimol, “na época da crise da borracha, quando os exportadores ingleses, alemães e franceses abandonaram Manaus e Belém, coube aos judeus marroquinos brasileiros substituí- los nessas funções, fornecendo à sociedade local a liderança econômica e social necessária para sobreviver nas décadas de depressão e débâcle da borracha”. Com as escavações na necrópole judaica do município de Gurupá teremos a chance de conhecer e entender mais um pouco da saga dos imigrantes pioneiros que ajudaram a escrever a história recente da Amazônia. ETNO-ARQUEOLOGIA
  • 23. 23 À Israel, a nossa Kehilá e a todo o povo judeu – Parabéns pelos 70 anos de criação e um Feliz Pessach A Esnoga Beit Shmuel do Recife congratula-se com Israel pelos 70 anos e deseja à todos Feliz Pessach Parabéns à Israel pelos 70 anos e Pessach Sameach à toda a Kehilá Diretoria do Comitê Israelita do Amazonas – Chag Sameach Parabéns a Medinat Israel pelos 70 anos, e ao nosso Kahal Kadosh, Pessach Kasher VeSameach
  • 24. 24 AJ No 12 - ABRIL 2018 HISTÓRIA Uma inscrição na cruz diz, em alemão: “Joseph Greiner morreu aqui de febre em 2 de janeiro de 1936, a serviço da pesquisa alemã”. Por que há um túmulo nazista no interior distante da floresta Amazônica brasileira? Pesquisadores documentaram meticulosamente como criminosos de guerra nazistas fugiram para a América do Sul após a Segunda Guerra Mundial. Mas muito menos se sabe sobre um plano que se enraizou antes e durante a guerra: os nazistas esperavam estabelecer uma cabeça de ponte alemã na América do Sul, conquistando um trecho da bacia do rio Amazonas. O plano secreto, chamado Projeto Guiana, teve sua origem em uma expedição à Amazônia liderada por Otto Schulz-Kampfhenkel, um zoólogo de Berlim, cineasta documentarista e membro da SS de Hitler. Por 17 meses, de 1935 a 1937, exploradores nazistas guiados por Schulz-Kampfhenkel percorreram as florestas próximas da fronteira do Brasil com a Guiana Francesa. Eles coletaram crânios de animais e joias indígenas, assim como estudaram a topografia ao longo do rio Jari, um afluente de 790 quilômetros do rio Amazonas. “A expedição teve início com as habituais pretensões científicas”, disse Jens Glusing, um antigo correspondente no Brasil da revista alemã “Der Spiegel”, que escreveu um livro sobre o Projeto Guiana. “Mas ao voltar para a Alemanha, U SEPULTURA NAZISTA NO BRASIL RESISTE COMO REGISTRO DE PLANO SECRETO DE COLONIZAÇÃO POR SIMON ROMERO (Postado em 11 de fevereiro de 2017 por FIQUE POR DENTRO) Um persistente ar de mistério cerca uma grande cruz com uma suástica gravada em um cemitério próximo da remota cidade brasileira de Laranjal do Jari, no Amapá
  • 25. 25 com o início da guerra, Schulz- Kampfhenkel fez uso da ideia para fins da expansão colonial nazista.” Schulz-Kampfhenkel apresentou seu plano em 1940 para Heinrich Himmler,ochefedaSSedaGestapo. Ele via o empreendimento como uma forma de reduzir a influência regional dos Estados Unidos, ao assumir o controle da Guiana Francesa e das colônias vizinhas holandesa e britânica (atualmente os países independentes do Suriname e Guiana). Mas o sonho de forjar uma Guiana Alemã fracassou. Talvez isso tenha acontecido porque a Guiana Francesa já tinha caído nas mãos amigas do regime colaboracionista de Vichy. Ou talvez tenha sido devido à própria expedição malfadada ao Jari. A expedição contava com um hidroavião Heinkel He 72 Seekadett, queerapromovidocomoumexemplo da inovação industrial nazista. Mas o avião virou após atingir madeira flutuante algumas poucas semanas após o início da expedição. Ao longo de toda a jornada, os exploradores da autodescrita “raça superior” tiveram que depender das tribos indígenas para sobreviver e encontrar seu caminho na selva. Os alemães sofreram com a malária e outras doenças. Schulz- Kampfhenkel enfrentou uma difteria severa, e uma febre não especificada matou Greiner, o capataz da expedição. Seu túmulo permanece até hoje como testamento da desafortunada incursão nazista na Amazônia. “Joseph Greiner morreu aqui” diz inscrição na cruz com suástica
  • 26. 26 AJ No 12 - ABRIL 2018 MEMÓRIA “Visitar Auschwitz-Birkenau com meus filhos, meus netos e minha bisneta, todos eles seres livres em Israel, significa que vencemos os nazis. É o doce sabor da vitória” O DIA MUNDIHenrique Cymerman Benarroch. Especial para a AJ
  • 27. 27 declarou emocionada faz poucos ias Tzecha Reichman, de 90 anos, que acaba de visitar o lugar no qual assassinaram a sua mãe nas câmaras de gás, e do qual estava segura que tanto ela como sua irmã gêmea, Amália, não sairiam com vida. Sua filha Ofira Azrieli, de 47 anos, a mira com carinho e lhe promete que ela, membro da segunda geração da Shoá e que cresceu com pais que venceram o horror nazista, promete fazer todo o possível para perpetuar a lembrança da maior tragédia da história da humanidade. “Eu não sou uma historiadora, porém decidi dedicar minha vida a contar todas as terríveis vivencias que minha mãe, minha tia e meu pai me explicaram por primeira vez só quando meu irmão e eu já éramos adultos”. Porém esclareceu: “durante toda minha infância sentimos que havia uma nuvem sobre nosso lar, porém eles não queriam nos dar detalhes”. Tzecha e sua irmã gêmea Amalia, nasceram na Polônia perto da cidade de Lodge, num pequeno povoado chamado Pabianitze. Antes da eclosão da II Guerra Mundial, sua família, que possuía várias fábricas, viveu uma vida confortável, na qual Tzecha cresceu rodeada de seus 8 irmãos. “Um dia chegaram IAL DA SHOÁ D
  • 28. 28 AJ No 12 - ABRIL 2018 MEMÓRIA os nazistas e obrigaram a todos os judeus a mudar para um gueto, onde vivemos apinhados durante anos. Muita gente começou a morrer de frío, fome enfermermidades”. Em1944, as duas gêmeas, a irmã mais velha e sua mãe foram levadas ao campo da morte nos trens que transportaram milhões de judeus para seu fim. Ao descer do vagão, o instinto materno salvou as vidas das jovens. Imediatamente escutou que os nazistas buscavam“zwillinge” (gêmeos). A última coisa que a mãe disse a Tzecha y Amalia foi que a partir daquele estavam proibidas voltar a estar no mesmo lugar em Auschwitz, e tinham que se distanciar uma da outra. Mais tarde entenderam que o doutor Mengele, apelidado “Anjo da morte”, levava a cabo impiedosos experimentos com humanos, transformando o campo de concentração num laboratório de macabras experiências. Os gêmeos eram um de seus objetivos, já que pretendia descobrir a sequência completa do DNA humano para clonar uma nova raça ariana. Para isso, infectavam gêmeos judeus com todo tipo de bactérias, lhes faziam provas de resistência de dor, ou os costuravam uns aos outros para “criar siameses”. A mãe foi levada de imediato as câmaras de gás, e as meninas sobreviveram durante longos meses separadas sem ser descobertas por Mengele. No momento da liberação do campo, as jovens de 17 anos pesavam cada uma 20 kilos. Foram trasladadas a Suécia, onde durante dos anos as trataram e curaram antes de partir para Israel em 1947, as vésperas da declaração de independência do estado judeu. Ofira Azrieli, a filha de Tzecha, conta que ela foi a única menina de sua turma a quem os pais nunca permitiram participar de acampamentos dos“boy scouts” no bosque, já que para eles a natureza equivalia a morte. “Eu não conseguia entender porque Tzecha, a gêmea sobrevivente e sua filha Ofira
  • 29. 29 todos meus companheiros de turma passavam duas semanas acampados durante o verão fazendo atividades juvenis, e eu não tinha permissão. Tampouco entendia porque em minha casa todos comíamos tanto, era uma autêntica obsessão pela alimentação, e eu dizia a meus pais que nossa casa parecia um supermercado. Muito mais tarde eles me explicaram que quem passou fome como eles, convertem a comida em uma autêntica prioridade para seus seres queridos”. A cada ano, em 27 de janeiro a comunidade internacional comemora a jornada em memória do Holocausto, e este ano o Congresso Mundial Judaico reúne as fotos de ao menos 6 milhões de pessoas que empunham um cartaz com o lema “We Remember” (nós recordamos). Ofira, que dedica sua vida à memória, já fotografou centenas de pessoas em Israel e enviou as fotos aos responsáveis pelo evento: “me estremece pensar que no futuro alguém diga que não pode ser que algo assim aconteceu a meados do século XX. Me preocupa quem fato como a Shoá volte a afetar não somente ao povo judeu, mas também a outros povos do mundo. Temos a missão de contar as histórias reais vividas então, apesar de não sermos historiadores”. Em Israel vivem cerca de 200.000 sobreviventes do Holocausto. Cada dia falecem em média uns 40 sobreviventes por velhice ou doenças. Se temos em conta que a II Guerra Mundial terminou em maio de 1945, a idade mínima dos sobreviventes é de mais de 670 anos e a maioria já passou dos 80, ou mesmo 90 anos. Nos últimos tempos, se ampliou o termo “sobrevivente da Shoá”, incluindo todos os países que estiveram sob o regime nazista, como por exemplo países do norte da África como Líbia, Tunísia ou Marrocos, a pesar de que ali não foram construídos guetos. Do que não cabe dúvida é que também os filhos e inclusive os netos dos sobreviventes, levam consigo a herança do extermínio nazista: “ minha avó tinha 17 anos quando esteve com sua irmã gêmea em Auschwitz. A primeira coisa que pensei ao visitar este lugar foi que eu provavelmente não teria conseguido sobreviver como elas”, afirma seu neto Yair. A filha de Tzecha, Ofira, acrescenta que sua mãe sempre lhe disse que o fato de que lograra trazer filhos ao mundo com tudo o que passaram “lá”, é po si mesmo um milagre. Eu vivo sabendo que não faltou muito para que eu não pudesse nascer”, reconhece Ofira.
  • 30. UM SEDER PARA O (AHagadádeMoacyrScliarZ”L3 CAPA 30 AMAZÔNIA JUDAICA No 10 - ABRIL 2018 O saudoso escritor judeu gaúcho, Moacyr Scliar
  • 31. OS NOSSOS DIAS* 30anosdepois) Esta mesa em torno à qual nos reunimos, esta mesa com as matzót e com as ervas amargas, esta mesa de Pessach com sua toalha imaculada, esta mesa não é uma mesa: é mágica embarcação com a qual navegamos pelas brumas do passado, em busca das memórias de nosso povo 31
  • 32. 32 AJ No 12 - ABRIL 2018 CAPA esta mesa sentemo-nos, pois. Somos muitos, nesta noite. Somos os que estão e os que já foram: somos os pais e os filhos, e somos também os nossos antepassados. Somos um povo inteiro, em torno a esta mesa. Aqui estamos, para celebrar, aqui estamos para dar testemunho. Dar testemunho é a missão maior do judaísmo. Dar testemunho é distinguir entre a luz e as trevas, entre o justo e o injusto. É relembrar os tempos que passaram para que deles se extraia o presente a sua lição. Olhemos, pois, a matzá que está sobre a mesa. Este é o pão da pobreza que comeram os nossos antepassados na terra do Egito. Quem tiver fome – e muitos são os que têm fome, neste mundo em que vivemos – que venha e coma. Quem estiver necessitado – e muitos são os que amargam necessidades, neste mundo em que vivemos – que venha e celebre conosco o Pessach. É o legado ético de nosso povo, a mensagem contida neste simples alimento, neste pão ázimo que sustentou no deserto, e o que o vem sustentando ao longo das gerações. É preciso ser justo e solidário, é preciso amparar o fraco e ajudar o desvalido. O deserto que hoje temos de atravessar não é uma extensão de areia estéril, calcinada pelo sol implacável. É o deserto da desconfiança, da hostilidade, da alienação de seres humanos. Paraestatravessiatemosdenosmunirdasreservas morais que o judaísmo acumulou das poucas e simples verdades que constituem a sabedoria do povo. Ama teu próximo como a ti mesmo. Reparte com ele teu pão. Convida-o para tua mesa. Ajuda-o a atravessar o deserto de sua existência. Tu me perguntas, meu filho, porque é diferente esta noite de todas as noites. Porque todas as noites comemos chamets e matzá, e esta noite somente matzá. Porque todas as noites comemos verduras diversas, e esta noite somente maror. Eu te agradeço, meu filho. Agradeço-te por perguntares. Porque, se me perguntas, não posso esquecer: se indagas, não posso ficar calado. Por tua voz inocente, meu filho, fala a nossa consciência. A
  • 33. 33 Tua voz me conduz à verdade. Por que esta noite é diferente de todas as noites, meu filho? Porque esta noite lembramos. Lembramos os que foram escravos no Egito, aqueles sobre cujo dorso estalava o látego do Faraó. Lembramos a fome, o cansaço, o suor, o sangue, as lágrimas. Lembramos o desamparo dos oprimidos diante da arrogância dos poderoso. Lembramos com alívio: é o passado. Lembramos com tristeza: é o presente. Ainda existem Faraós. Ainda existem escravos. Os Faraós modernos já não constroem pirâmides, massimestruturasdepodereimpériosfinanceiros. Os Faraós modernos já não usam apenas o látego: submetem corações e mentes mediante técnicas sofisticadas. Seus escravos se contam aos milhões, neste mundo em que vivemos. São os negros privados de seus direitos, na África do Sul; os poetas que, em Cuba, não podem publicar seus versos; os imigrantes a quem, na Europa, está reversado o trabalho pesa e a hostilidade dos grupos fascistas; os refuseniks soviéticos que clamam por sua identidade; as mulheres e os jovens fanatizados pelo regime doAiatolá, os prisioneiros políticos do Chile, os famélicos do Sahel e do nordeste brasileiro, as populações indígenas lentamente exterminadas em tantos lugares;os operários explorados e os camponeses sem terra. Para estes, ainda não chegou o dia da travessia. Estes ainda não encontraram a sua Terra Prometida. Para eles, a vida ainda é amarga como o maror. É a eles também que lembramos nesta noite, meu filho. Com eles repartirmos, em imaginação, o nosso pedaço de matzá. Não sejas como o ingênuo, que ignora os dramas de seu mundo. Não sejas como o perverso, que os conhece, mas nada faz para mudar a situação. Pergunta, meu filho, pergunta tudo o que queres saber
  • 34. 34 AJ No 12 - ABRIL 2018 – a dúvida é o caminho para o conhecimento. Mas quando te tornares sábio, procura usar a tua sabedoria em benefício dos outros. Reparte-a, como hoje repartirmos nossa matzá. Segue o conselho de nossos sábios, e lembra a saída do Egito, não só na noite de Pessach, mas todos os dias de tua vida. Falemos deste povo, então. Falemos dos judeus: pequeno grupo humano que viria a desempenhar um grande papel na história da humanidade. Um povo inquieto. Um povo que não buscava o repouso, nem para si, nem para os outros povos. Há cerca de 4000 anos a trajetória deste povo teve início – quando Abraão deixou o seu lugar de origem, na região entre o Tigre e o Eufrates, para ir a Canaan. Pois disse-lhe o Senhor: “Sai de tua terra, e da terra de tua gente, e da casa de teu pai, e vem para a terra que eu te mostrarei; Eu farei de ti uma grande nação, e te abençoarei, e farei grande teu nome; e serás uma benção; E eu abençoarei quem te abençoar, e amaldiçoarei quem te amaldiçoar; e em ti serão todos os povos da terra abençoados.” (Gênesis 12, 1-3) Mas não cessou com a chegada a Cannan e peregrinação judaica. Povo nômade, os hebreus deslocavam-se constantemente. E por isso não construíram grandes cidades, nem monumentos comparáveis às pirâmides. O que os hebreus levavam consigo, em suas migrações, era a sua tradição, era a palavra do Senhor,daqualeramguardiães;apalavraquedeu origemaolivrosagrado,aBíblia,seugrandelegado paraahumanidade. De Abraão nasceu Isaac, de Isaac Jacob, e de Jacob, José e seus irmãos. José, o vidente; José, que se tornou vizir do Faraó. Com José foram ter seus ingratos irmãos, quando a fome assaltou as terras de Canaan. Na terra de Goshen foram viver, e ali se multiplicaram como as estrelas no céu e os grãos de areia das praias do mar. Mas então nuvens negras surgem neste céu tranqüilo. Um novo Faraó reina no Egito; ele teme que os filhos de Israel, agora numerosos, se rebelem contra ele. E decreta: toda criança judia, de sexo masculino, deve ser morta ao nascer. Mas um menino escapa. O destino poupa-o para ser o libertador de seu povo: é Moisés, que a filha do Faraó salva das águas para dele fazer um príncipe. Moisés, Príncipe do Egito, Moisés, poderoso entre os poderosos. Háuminstantenavidadecadahomememqueele sevêdiantedeseudestino.Uminstanteemquelhe édadofazeraescolhatranscendente,aescolhaque seráodivisordeáguasdesuaexistência.Esteinstante chegouparaMoisés. Diante do feitor que espancava cruelmente o escravo judeu, ele não hesitou: tomou o lado do fraco contra o forte, do oprimido contra o opressor. Jogou sua sorte com a sorte pobre, desprotegido povo. EentãoqueD’uslhefala.Nãoantesdogestodecoragem, mas depois: é como se a divindade só se pudesse revelar depois que Moisés descobriu a si mesmo. Este é o Deus de Abraão, o Deus de Isaac, o Deus de Jacob; o Deus que fala da sarça ardente, como a indicar que é preciso manter viva a chama da fé e da dignidade. Este D’us estende Sua mão para Moisés, e acena-lhe CAPA
  • 35. 35 com a promessa que desde então tem animado a todos os povos: terra e liberdade, liberdade e terra. A doce liberdade, a fértil terra da qual fluiria o leite e o mel. E então, acompanhado de Arão, que por ele falava, Moisés foi ter com o Faraó e disse: Deixa meu povo sair. Deixa meu povo sair. Era a primeira vez que ecoava esta frase no reduto do poder, mas não seria a última. Nas masmorras dos romanos: deixa meu povo sair. Nos guetos medievais: deixa meu povo sair. Nas aldeias ameaçadas pelos pogroms: deixa meu povo sair. Na Alemanha nazista: deixa meu povo sair. Na Rússia, na Síria, na Etiópia: deixa meu povo sair. Este apelo desesperado não encontra eco. A insensibilidade dos poderosos torna-os surdos e cegos. O sofrimento dos oprimidos clama aos céus. E os céus respondem com fúria. Mas a divindade poupa a seu povo o ódio. Minha é a vingança, diz o Senhor. Só Deus pode dosar o castigo do ímpio, de maneira a não pagar injustiça com injustiça. São as forças da natureza que Adonai mobiliza para punir os pecadores; como a sugerir a própria natureza se revolta contra a iniquidade E vêm as pragas. As águas se transformam em sangue. Feras atacam os homens. Gafanhotos devoram as colheitas. Pestilências ceifam vidas. O granizo cai sobre as plantações. As trevas reinam sobre a Terra. Castigos terríveis, mas que nos soam estranhamente familiares. Pois hoje, como ontem, seres humanos fazem da natureza palco de luta contra outros seres humanos. A casa do homem é uma casa dividida. Punhos se erguem ameaçadores, vozes bradam iradas. A ganância e a especulação sobrepujam a solidariedade e a compensação. E de novo as pragas nos ameaçam. As águas já não se transformam em sangue, mas nos rios poluídos e nos mares envenenados os peixes boiam mortos. As pragas que devoravam as colheitas foram repelidas, mas ficam nos frutos da terra os resíduos dos venenos usados. Indiscriminadamente. As feras que os homens temiam hoje são pobres criaturas em extinção. Mas o tigre com dentes atômicos faz ouvir o seu rugido, os submarinos nucleares percorrem os mares como sinistros Leviatãs. Enquanto enormes contingentes humanos vegetam na mais espantosa miséria, há nas metrópoles uma minoria que busca no consumismo desenfreado, no álcool e na droga, a satisfação que jamais encontra. AstrevasreinamsobreaTerra,masnãosãoastrevas resultantes de um sol eclipsado; são, isto sim, as trevasdoobscurantismo,quealimentaofanatismo earmaobraçodoterrorista. As pestilências de outrora deram lugar às doenças da civilização, igualmente mortíferas; e de outra parte, se perpetuam entre aqueles que não têm acesso às conquistas da medicina. Dir-se-ia que os homens não aprendem. Que a escalada do erro – e do castigo – não tem fim. A paciência do Senhor chega a seu término. Decide dar ao faraó a prova definitiva de Seu poder: os primogênitos serão exterminados. Mas pelas portas das casas judaicas, untadas com o sangue do animal sacrificado, a ira do Senhor passará sem se deter. É a Páscoa: a passagem. Mais uma vez Deus avoca a si o castigo. Pois somente a um desígnio insondável tão espantosa punição pode ser atribuída. E o Faraó cede. Por fim, o Faraó cede. Podeis partir, ele diz a Moisés e Arão. E os judeus partem. Às pressas: o pão que levam sequer pode fermentar. É da matzá que eles agora comerão. E há razão para a pressa. Os poderosos não costumam honrar compromissos. O Mar Vermelho se abre... Promessas são esquecidas,
  • 36. 36 AJ No 12 - ABRIL 2018 tratados são rasgados. E os exércitos do Faraó vão no encalço dos fugitivos, surpreendem-nos às margens do Mar Vermelho. Mais uma vez Deus protege seu povo. Mais uma vez um prodígio da natureza dá testemunho da aliança sagrada. As águas do mar se abrem diante dos hebreus e se fecham sobre as armadas do Faraó. É o castigo definitivo. É um castigo, mas não é um ato de ódio. Pois, conta o Talmud, depois que os judeus atravessaram o Mar Vermelho, entoaram um hino de agradecimento ao senhor – que Ele recusou dizendo: “Não cantareis enquanto meus outros filhos se afogam”. A violência? Sim, é permitida, como resposta à violência. Mas não é permitido a ninguém alegrar-se na violência.Ao fim e ao cabo, somos todos irmãos. Mesmo quando um destino trágico nos coloca face a face, armas na mão. Uma lição que vale para o Oriente Médio de nossos dias. EstaéanarrativadoÊxodo.Dela, oqueélenda? O que é História? Impossível saber. Na poeira do tempo confunde-se fantasia e realidade, fato e imaginação. Não importa, porém. Não é o fato histórico que conta, mas sim a lição que dele se extrai. Como diz o Seder: “Em toda geração deve o homem considerar como se tivesse saído do Egito”. Neste,comoestásintetizadatodaagamadepossibilidades que a tradição, mais que o frio relato dos acontecimentos, proporciona aos seres humanos. A possibilidade de evocarmos, por uma noite que seja, o terror da escravidão. A possibilidade de vivermos, por uma noite que seja, a glória da libertação. Como se é suficiente. Uma noite é suficiente. Foi numa noite que Jacob lutou contra o anjo, e, vencendo-o, tornou-se Israel, legando-nos esta lição: que um povo tem de lutar por sua identidade, ainda que desafiando os mensageiros do Senhor. Foi numa noite que Daniel foi salvo da cova dos leões, mostrando que o justo nada tem a temer, nem mesmo as feras selvagens. Foi numa noite que o perverso Haman foi condenado e o povo judeu foi salvo. Porque a justiça brilha na escuridão da noite como a luz do dia. Sentem-nos, pois, em torno à mesa nesta noite, e tomemos o vinho de Pessach, doce CAPA
  • 37. 37 como a liberdade. E falemos da doçura de ser livres; falemos principalmente aos jovens. Sigamos o que diz o nosso Seder: “contarás a teu filho”. Porque a mensagem de Pessach é dirigida sobretudo às crianças e aos jovens. Como sentinelas na noite, temos de velar por eles, velar para que recebam a mensagem de liberdade. Pessach é a festa das gerações. É a festa em que os pais falam a seus filhos. E é por isso que a festa do Pessach é celebrada em família. Não num templo, masemcasa. Em torno a uma mesa, de modo que as pessoas se possam olhar, de modo que o filho possa ouvir do pai o simples, eloquente relato. A saga de um pequeno povo de incultos nômades que ensinou a um poderoso império uma lição de justiça e de dignidade. Esta é a lição que os judeus vem repetindo ao longo de muitos e muitos séculos. Nos dias esplendorosos do Templo de Jerusalém e nos amargos tempos da dispersão. No Galut e agora, em Israel. Os prodígios da saída do Egito ficaram reverberando pelos séculos afora. Pois tantos foram, e tão notáveis, que evocá-los leva-nos ao limite do suportável: daienu, diz o Seder: bastar-nos-ia. Se nos tirasse do Egito e não os justificasse, bastar-nos-ia. Se não abrisse o mar, se não nos desse o maná, se não nos desse o Sábado, se não nos desse a Torá – bastar- nos-ia. O primeiro agradecimento ao Senhor é pela liberdade: se nos tirasse do Egito, bastar-nos-ia.Todo o resto é consequência. O maná, a Lei, a Terra prometida, tudo é decorrência da libertação do povo. Falemos da luta pela liberdade. Falemos do gueto de Varsóvia. No começo da Segunda Guerra, Varsóvia era um centro judaico de primeira grandeza, célebre por suas ieshivot, seu teatro ídiche, seus centros culturais, seus artistas e escritores. Mas então veio a invasão nazista, e com ela a fria deliberação de transformar a cidade num portal para o inferno. Quase meio milhão de pessoas foram confinadas na minúscula área do gueto, cercado e isolado. Logo a fome, a falta de higiene, as doenças começaram a fazer suas vítimas. A um ritmo que não era satisfatório para os nazis: em julho de 1942 começaram as deportações para os campos de Treblinka, Auschwitz, Maidanek e Belsen. Foi então que as organizações juvenis adotaram uma decisão: a de resistir até o fim. Armas e munição começaram a ser contrabandeadas para o gueto…Na madrugada de 19 de abril de 1943 um tiro ecoou na
  • 38. 38 AJ No 12 - ABRIL 2018 rua Nalewki. Era o sinal para a rebelião, que oporia 40.000 remanescentes da população judaica, lutadores famintos e mal armados, contra a poderosa máquina de guerra nazista. Durante semanas os combatentes resistiram. O comandante do levante, Mordechai Anielewicz E seus companheiros, morreram lutando no quartel- general da Rua Mila, 18. Ninguém se rendeu. Não podemos falar em liberdade sem falar no Gueto de Varsóvia. Não podemos falar em liberdade enquanto outros guetos existirem em nossomundo. Agora, meu filho, vamos colocar vinho neste copo, e vamos abrir a porta. Perguntas se estamos esperando alguém. Sim, esperamos alguém. Esperamos Eliahu Hanavi, o Profeta Elias, o precursor do Messias. É um hóspede ilustre, aguardado há ‘séculos. Até hoje não veio, e não é certo que nos visite esta noite. Não tem importância. O importante é que nossa porta esteja aberta. Para o profeta ou para o nosso vizinho; para o Messias ou para o pobre que nos vem pedir um pouco de comida. Queespiem,osdefora,porestaraportaaberta.Quevejam uma família reunida em torno à mesa, celebrando. Que constatem: eles nada têm a esconder. Eles não praticam rituais secretos, eles não são uma seita misteriosa. São gente como a gente. Os cristãos, os judeus, os muçulmanos, os budistas, somos todos iguais. Nossas festas têm nomes diferentes, ocorrem em datas diferentes, mas no fundo, une-nos a alegria da celebração. Eu sei, meu filho, que nem todos pensam assim. E é por isso que a porta precisa ficar aberta. Para que o profeta Elias venha, anunciando a paz entre os povos. Atravessia do MarVermelho não pôs fim aos infortúnios do povo judeu. Muito teriam eles de vagar, ainda, na desolação do deserto. Foi uma dura prova, a que nem sempre resistiram. Quando mais forte se tornou o assédio da fome e a sede, CAPA
  • 39. 39 foram queixar-se a Moisés: tu nos trouxeste ao deserto, disseram, para que aqui morramos à míngua. E em seu desespero, chegavam a lembrar com saudade os tempos do Egito: éramos escravos, mas tínhamos o que comer. Como Esaú, estavam dispostos a trocar sua dignidade por um prato de comida. Deus não os castigou. Ao contrário: deu-lhes o manjar do céu. O Maná, e as tábuas da lei. Nesta ordem: o alimento e depois o mandamento. A nutrição para o corpo, seguida do dever espiritual. E esta é mais uma lição que o judaísmo, na sua sóbria e milenar sabedoria, nos transmite: não se pode exigir deveres morais de quem tem fome. Os direitos humanos começam pelo simples, e peloelementar.Osdireitosdohomemcomeçam porumpedaçodepão,ázimoounão. Vejo, meu filho, que encontras o afikoman que escondi. Muito bem, tens direito a uma recompensa. O que queres? É uma história, que queres? Muito bem. Deixa que te conte então uma história muito curta. É a história de um homem e de sua mala. O homem já não vive; a mala, que eu saiba, já não existe. Mas a mala estava com a família desse homem há muitas gerações. Nesta mala ele colocou todas suas coisas quando, jovem ainda, deixou sua casa, numa aldeia da Rússia czarista, e foi para a Polônia, onde esperava viver. Lá ficou alguns anos, até que teve de fugir de novo, por causa da ameaça de bandos antissemitas. Pegou a mala e foi para a Alemanha, a civilizada Alemanha, pensando encontrar a paz. Mas o ano era 1939… Conseguiu fugir para o Brasil, sempre com sua mala. Trabalhou duro, no comércio; conseguiu juntar alguma coisa e já estava até esquecendo as privações que passara quando, por ocasião dos distúrbios de rua que se seguiram ao suicídio de Getúlio Vargas, sua loja foi depredada. Ficou tão assustado, que decidiu: daí em diante, nunca mais desmanchou a mala. Estava sempre pronto para partir, a qualquer hora do dia e da noite. Várias vezes pensou que o momento tinha chegado: quando Jânio renunciou, em 1961; quando houve o golpe militar, em 1964, e os policiais prenderam os filhos de seu vizinho. Não chegou a ser necessário. Aparentemente, ele era considerado um homenzinho inofensivo; ninguém se preocupava com ele. No entanto, continuava preparado. Para o Êxodo. Como seus antepassados no Egito, que constantemente evocava. Uma noite um ladrão entrou na casa e roubou-lhe a mala. E de repente, ele se deu conta: já não podia mais fugir. E assim ficou. Até que uma noite o Anjo da Morte veio chamá-lo; e as pessoas que estavam a seu lado, no quarto do hospital, ouviram-no murmurar baixinho: Eu não fugi. Eu estou aqui. Nós estamos aqui. E podemos saborear em paz nosso manjar, nosso afikoman. Nós o merecemos, como tudo mereceste. Tu, porque o encontraste; nós, porque nos encontramos. Chag Sameach, meu filho. *Esta Hagadá foi escrita por Moacyr Scliar há exatos 30 anos, em março de 1988, sob a atmosfera pesada da ditadura militar. Foi publicada naquele mesmo ano pela antiga Revista Shalom dirigida por Patrícia Finzi. É parte do legado humanista e imortal que Moacyr deixou para as futuras gerações. Todas as iluminuras e manuscritos desta matéria, são da Hagadá de Sarajevo- Espanha, século XIV
  • 40. 40 AJ No 12 - ABRIL 2018 DIÁSPORA JUDEU MARROQUINA DE UMA JUDIARIA EM MARROCOS NASCEU UM IMPÉRIO NOS AÇORES(Fonte: www.sabado.pt) O clã dos Bensaude dos Açores
  • 41. 41 Os Bensaude partiram de Marrocos no século XIX em busca da terra prometida. São hoje a família com mais poder na economia dos Açores ão era fácil a vida dos judeus sefarditas que habitavam as cidades costeiras de Marrocos, para onde haviam fugido do Santo Ofício. Os sultões toleravam os judeus, que lhes enchiam os cofres. Mas sempre que mudava o monarca, eram alvo de violência e extorsão. Obrigados a viver em judiarias tinham ainda de usar vestuário distintivo. O conhecimento dos movimentos sociais europeus dos finais do século XVIII, mais favoráveis à tolerância religiosa, alimentou a esperança numa existência diferente. Abraão Bensaude e outras famílias judaicas chegam à ilha de São Miguel em 1819. É a viagem inaugural de um percurso que levaria à criação do império Bensaude, o maior grupo privado dos Açores. O relato da epopeia é escrito por Alfredo Bensaude, no livro “A Vida de José Bensaude”, seu pai. Aquele que foi o fundador do Instituto Superior Técnico, em Lisboa, acrescenta como motivo a recuperação do prestígio que o povo hebraico tivera em Espanha e Portugal. “A lembrança da época brilhante da civilização hispano- luso-judaica nunca se perdeu na memória dos descendentes, que sempre se consideraram peninsulares”. Porque Espanha continuava fechada, no início do séc. XIX, “os judeus aventuraram- se por terras portuguesas e alguns desembarcaram no arquipélago dos Açores”, lê-se na tradução francesa da obra. A mudança não era isenta de riscos. A Inquisição continuava a existir, embora sem o poder e prestígio de outros tempos. Seria abolida pela Assembleia Constituinte a 24 de Março de 1821. Isso não impediu que os “judeus marroquinos”, como eram nomeados, tivessem enfrentado uma forte oposição dos N Alfredo Bensaude, fundador do Instituto Superior Técnico de Lisboa
  • 42. 42 AJ No 12 - ABRIL 2018 comerciantes locais e discriminação pelas autoridades municipais. Abraão Bensaude foi o primeiro a estabelecer-se nos Açores, em Ponta Delgada. Os negócios arrancam em 1820, ano que o Grupo Bensaude fixa como data da sua fundação. Tal como as outras famílias de judeus que chegaram, Abraão dedicava-se ao comércio de tecidos importados do continente e de Inglaterra, mais finos e vendidos mais baratos que os feitos no arquipélago. Os barcos que traziam os tecidos levavam laranjas, então o principal sustento económico das ilhas, e cereais. A sorte diferente dos Bensaude Abraão não foi o único Bensaude a partir para os Açores. Poucos anos depois chegam também o irmão Elias e o primo Salomão. Se Abraão acabaria por não ser bem sucedido nos negócios, falecendo com dívidas por pagar, como relata a historiadora Fátima Sequeira Dias no artigo “Quando as Ilhas se Tornavam Demasiado Pequenas”, os outros dois haveriam de vingar. Em particular Elias Bensaude, que segundo a mesma historiadora “conseguiu uma posição de domínio no comércio de redistribuição insular”, com negócios em São Miguel, Faial, Terceira, Lisboa, Manchester e Londres. José Bensaude, filho de Abraão, há-de vingar o infortúnio do pai. Envereda pela área industrial. É ele que desenvolve o cultivo do tabaco em São Miguel, com a fundação da Fábrica de Tabaco Micaelense, em 1866. Actividade que se revelaria fundamental para a economia e o emprego nas ilhas após o declínio acentuado da “economia da laranja” que ocorre a partir dessa altura. Esse iria também o primeiro grande teste à capacidade de adaptação da família, José Bensaude DIÁSPORA JUDEU MARROQUINA
  • 43. 43 que respondeu com a diversificação dos negócios. Assim nasce a maior empresa dos Açores O Grupo Bensaude nasce da junção das empresas de Elias e Salomão, negócio precedido da união das famílias pelo matrimónio – a filha de um casa com o filho de outro. Após a morte dos primos é constituída em 1873 a Bensaude & Co., criando aquela que é desde então a maior empresa dos Açores e uma das maiores do país. A criação da sociedade é acompanhada da mudança da sede para Lisboa. O grupo aposta no armazenamento de carvão e no transporte marítimo, com a Companhia Insulana de Navegação. No Barreiro é fundada, em 1891, a Parceria Geral de Pescas, que se tornaria no maior armador português da pesca ao Bacalhau. Acabaria por entrar em declínio após a adesão de Portugal à CEE, em 1986, devido à introdução das quotas. A entrada no turismo A dinastia segue com Vasco Bensaude, neto de José, que herda quotas pertencentes aos vários ramos da família e torna-se o detentor único do património familiar. A diversificação de actividades do Grupo prossegue ao longo do século XX. Vasco Bensaude é o principal investidor na construção do Hotel Terra Nostra nas Furnas, durante a década de 30, ainda hoje a unidade mais emblemática do Grupo no turismo. Seguem-se a aquisição da Companhia de Seguros Açoreana e do Banco Micaelense. Os Bensaude sãotambémfundadoresdaSociedade Açoreana de Estudos Aéreos (hoje SATA), em 1941. A mais antiga companhia aérea portuguesa nasce da visão de que o transporte aéreo iria passar a ter mais relevo que o marítimo. Os negócios corriam de feição, mas a família haveria de enfrentar um novo e decisivo teste. Nacionalizações levam banco e seguradora Com as nacionalizações do pós- 25 de Abril os Bensaude perdem grande parte do património: o banco e a seguradora (hoje parte do Banif) passam para o Estado. Assim como a fábrica de tabaco. Poucos anos depois, o Grupo é também “convidado” a vender a SATA. A família não abandona o País, mas sai da capital. Filipe Bensaude, filho primogénito de Vasco, muda a sede do Grupo para Ponta Delgada em 1976. “O regresso a São Miguel resulta de uma solicitação insistente feita pelos trabalhadores”, conta António Castro Freire, sobrinho de Filipe e vice-presidente do conselho de administração. Desnatado de alguns dos seus principais activos, Filipe fica com a difícil tarefa de assegurar a sobrevivência do negócio da família. “Seguiram-se anos de recuperação depois das perdas sofridas. Foi um processo longo para o qual concorreu o trabalho dos membros da família activos na empresa e o apoio dos restantes accionistas familiares”. O armazenamento e comercialização de combustíveis assume-se como uma das âncoras do renascimento do Grupo. Área ainda hoje central na actividade da Bensaude, parceira da Repsol desde 2005, e que é alargada com a integração dos postos da BP por efeito da aquisição do Grupo Nicolau Sousa Lima em 2007. É no entanto outra a principal mais- valia daquela compra. Os Bensaude herdam a parceria com a Sonae Distribuição nos Açores, o que vem aumentar em muito a dimensão e o número de trabalhadores do Grupo. A fase mais recente é marcada pela saída da família da gestão executiva e a aposta na profissionalização. Luís Bensaude, filho de Filipe, cede em 2009 o seu lugar a Victor Cruz, antigo líder do PSD Açores. O Grupo faz 195 anos. António Castro Freire atribuiu esta longevidade em primeiro lugar “à forte ligação aosAçores, que sempre foi uma orientação estratégica ao longo de várias gerações”. Uma longevidade que “não pode nunca ser considerada um dado adquirido”.
  • 44. 44 AJ No 12 - ABRIL 2018 TRAÇOS PRESENÇA JUDAICA NALÍNGUAPORTUGUESAEXPRESSÕES E DITOS EM PORTUGUÊS DE ORIGEM MARRANA Jane Bichmacher de Glasman * O objetivo do presente trabalho é apresentar alguns exemplos de influência judaica na línguaportuguesa, a partir de uma ampla pesquisa sócio-lingüística que venho desenvolvendo há anos opção por judaica (e não hebraica) deve-se a uma perspectiva filológica e histórica mais abrangente, englo- bando dialetos e idiomas judaicos, como o ladino (judeu-espanhol) e o iídiche (alemão), entre os mais conhecidos, além de vocábulos judaicos e expressões hebraicas que passaram a integrar o vernáculo a partir de subterfúgios e/ ou corruptelas, cuja origem remonta à bagagem cultural de colonizadores judeus, cristãos-novos e marranos. Abasehistóricaparataléaimigração maciça de judeus expulsos da Espanha, em 1492, para Portugal, devido à contigüidade geográfica A
  • 45. 45 como suas origens e explicações, a partir da origem judaica “marrana”. “Antes de exemplificar a contribuição lingüística marrana, convém ressaltar que a vinda dos portugueses para o Brasil trouxe consigo todos os empréstimos culturais e lingüísticos que já haviam sido incorporados ao cotidiano ibérico, desde uma época anterior à Inquisição, além de novos hábitos e características; muitas palavras e expressões de origem hebraica foram incorporadas ao léxico da língua portuguesa mesmo antes de os portugueses chegarem ao Brasil. Elas encontram-se tão arraigadas em nosso idioma que muitas vezes têm sua origem confundida como sendo árabe ou grega. Exemplo: a “azeite”, comumente atribuída uma origem árabe por se assemelhar a um grande número de palavras começadas por “al-” (como alface, alfarrábio, etc.), identificadas como sendo de origem árabe poresta partícula corresponder ao artigo nesta língua. O artigo definido hebraico é a partícula “a-” e “azeite” significa, literalmente, emhebraico “a azeitona” (ha-zait). Apesar da presença judaica por tantos séculos, em Portugal como no Brasil, as perseguições resultaram também em exclusões vocabulares. A maior parte dos hebraísmos chegou ao português por influência da linguagem religiosa, particularmente da Igreja Católica, fazendo escala no grego e no latim eclesiásticos, quase sempre relacionados a conceitos religiosos, exemplos: aleluia, amém, bálsamo, cabala, éden, fariseu, hosana, jubileu, maná, messias, satanás, páscoa, querubim, rabino, sábado, serafim e muitos outros. Algumas palavras adotaram outros significados, ainda que relacionados à idéia do texto bíblico. Exemplos: babel indicando bagunça; amém passando a qualquer concordância com desejos; aleluia usada como interjeição de alívio. O preconceito marca palavras originárias do hebraico usadas de forma depreciativa, como: desmazelo (de mazal – negligência, desleixo), malsim (de mashlin – delator, traidor), zote (de zot / subterrâneo, inferior, parte de e às promessas (não cumpridas) do Rei D. Manuel I, que traziam esperança de sua sobrevivência judaica como tal. Mesmo com a expulsão de Portugal em 1497, os judeus (além dos cristãos-novos e dos cripto-judeus ou marranos) chegaram a constituir 20 a 25% da população local. Sefaradim (de Sefarad, Espanha, da Península Ibérica) procuraram refúgio em países próximos no Mediterrâneo, norte da África, Holanda e nas recém-descobertas terras de além-mar nas Américas, procurando escapar da Inquisição. Até hoje é controversa a origem judaica ou criptojudaica de desco- bridores e colonizadores do Brasil, para onde imigraram incontáveis cristãos-novos, alternando durante séculos uma vida como judeus assumidos e marranos, praticando o judaísmo secretamente (fora os que permaneceram efetivamente católicos), de acordo com os ventos políticos, sob o domínio holandês ou a atuação da Inquisição, variando de um clima de maior tolerância e liberdade à total intolerância e repressão. A citada alternância entre vidas assumidamente judaicas e marranas, praticando judaísmo em segredo, com costumes variados, unificados pela “camuflagem” de seu teor judaico, gerou comportamentos e aspectos culturais (abrangendo rituais, superstições, ditados populares, etc.) que se arraigaram à cultura nacional. A maioria da população desconhece que muitos costumes e dizeres que fazem parte da cultura brasileira têm sua origem em práticas criptojudaicas. Apresentarei alguns exemplos bem
  • 46. 46 AJ No 12 - ABRIL 2018 baixo – pateta, idiota, parvo, tolo), ou tacanho (de katan – que tem pequena estatura, acanhado; pequeno; estúpido, avarento); além de palavras relacionadas a questões financeiras, como cacife, derivada de kessef = dinheiro. Há ainda algumas palavras e expressões oriundas do misticismo judaico, tão desenvolvido na idade média. O estudo do Talmud e da Cabalá trouxe também contribuições do aramaico, como a conhecida expressão “abracadabra”, que é tida pela nossa cultura como uma “palavra mágica” (num sentido fabuloso), mas que, na realidade pode ser traduzida como “criarei à medida que falo” (num sentido real e sólido para a cultura judaica). Algumas palavras também designam práticas judaicas ou formas de encobri-las, especialmente observávelnoscostumesalimentares. Porexemplo:osjudeussãoproibidos pela Torá de comer carne de porco, porque tem os cascos fendidos e não rumina, sendo, portanto, impuro. Para simular o abandono desse princípio e enganar espiões da Inquisição, os cristãos-novos inventaram as alheiras, embutidos à base de carne de vitelo, pato, galinha, peru – e nada de porco. Após algumas horas de defumação já podem ser consumidos. Da mesma forma, peixes “de couro” (sem escamas) não serviam para consumo. Passando às expressões, apresento alguns exemplos, sua origem e explicação: “Ficar A Ver Navios” Em 1492 foi determinado que os judeus que não se convertessem teriam de deixar a Espanha até ao fim de julho. Centenas de milhares então se fixaram em Portugal. O casamento do rei D. Manuel com D. Isabel, filha dos Reis Católicos, levou-o a aceitar a exigência espanhola de expulsar todos os judeus residentes em Portugal que não se convertessem ao catolicismo, num prazo que ia de Janeiro a Outubro de 1497. O rei Dom Manuel precisava dos judeus portugueses, pois eram toda a classe média e toda a mão-de-obra, além da influência intelectual. Se Portugal os expulsasse logo como fez a Espanha, o país passaria por uma crise terrível. Na realidade D. Manuel não tinha qualquer interesse em expulsar esta comunidade, que então constituía um destacado elemento de progresso nos setores da economia e das profissões liberais. A sua esperança era que, retendo os judeus no país, os seus descendentes pudessem eventualmente, como cristãos, atingir um maior grau de aculturação. Para obter os seus fins lançou mão de medidas extremamente drásticas, como ter ordenado que os filhos menores de 14 anos fossem tirados aos pais a fim de serem convertidos. Então fingiu marcar uma data de expulsão na Páscoa. Quando chegou a data do embarque dos que se recusavam a aceitar o catolicismo, alegou que não havia navios suficientes para os levar e determinou um batismo em massa dos que se tinham concentrado em Lisboa à espera de transporte para outros países. No dia marcado, estavam todos os judeus no porto esperando os navios que não vieram. Todos foram convertidos e batizados à força, em pé. Daí a expressão: “ficaram a ver navios”. O rei então declarou: não há mais judeus em Portugal, são todos cristãos (cristãos-novos). Muitos foram arrastados até a pia batismal pelas barbas ou pelos cabelos. “Pensar na morte da bezerra”: frase tão comumente dita por sertanejos quando querem referir-se a alguém que está meditando com ares de preocupação: “está pensando na morte da bezerra”. Registram as denunciações e as confissões feitas ao Santo Oficio, a noção popular, naquele distante período, do que seria o livro fundamental do judaísmo: a Torá. De Torá veio Toura e depois, bezerra, havendo inclusive quem afirmasse ter visto em cara de alguns cristãos-novos, o citado objeto, com chifres e tudo. “Passar a mão na cabeça”, com o sentido de perdoar ou acobertar erro cometido por algum protegido, Uma característica do comportamento de cristãos-novos“suspeitos” foi procurar ser “mais católicos do que os católicos”, buscando sobreviver à intolerância e determinando práticassócio-culturais e lingüísticas TRAÇOS
  • 47. 47 é memória da maneira judaica de abençoar de cristãos-novos, passando a mão pela cabeça e descendo pela face, enquanto pronunciava a bênção. Seridó, região no Rio Grande do Norte, tem seu nome originário da forma hebraica contraída: Refúgio dele. Porém, não é o que escreve Luís da Câmara Cascudo, indicando uma origem indígena do nome da região, de “ceri-toh”. Em hebraico, a palavra Sarid significa sobrevivente. Acrescentando-se o sufixo ó, temos a tradução sobrevivente dele. A variação Serid, “o que escapou”, pode ser traduzido também por refúgio. Desse modo, a tradução para o nome seridó seria refúgio dele ou seus sobreviventes. Passar mel na boca: quando da circuncisão,o rabino passa mel na boca da criança para evitar o choro. Daí a origem da expressão: “Passar mel na boca de fulano”. Para o santo: o hábito sertanejo de, antes de beber, derramar uma parte do cálice, tem raízes no rito hebraico milenar de reservar, na festa de Pessach (Páscoa), um copo de vinho para o profeta Elias (representando o Messias que virá, anunciado pelo Profeta Elias). “Que massada!” usada para se referir a uma tragédia ou contra- tempo, é uma alusão à fortaleza de Massada na região do Mar Morto, Israel, reduto de Zelotes, onde permaneceram anos resistindo às forças romanas após a destruição do Templo em 70 d.C., culminando com um suicídio coletivo para não se renderem, de acordo com relato do historiador Flávio Josefo. “Pagar siza” significando pagar imposto vem do hebraico e do aramaico (mas = imposto, em hebraico de misa, em aramaico). “Vestir a carapuça” ou “a carapuça serve para ...” vem da Idade Média inquisitorial, quando judeus eram obrigados a usar chapéus pontudos (ou com três pontas) para serem identificados. “Fazer mesuras” origina-se na reverência à Mezuzá (pergaminho com versículos de DT.6, 4-9 e 11,13-21, afixado, dentro de caixas variadas, no batente direito das portas). "Deus te crie" após o espirro de alguém é uma herança judaica da frase Hayim Tovim, que pode ser traduzido como tenha uma boa vida. “Pedir a bênção” aos pais, ao sair e chegar em casa, é prática judaica que remonta à benção sacerdotal bíblica, com a qual pais abençoam os filhos, como no Shabat e no Ano Novo. “Entraresairpelamesmaportatraz felicidade” bem como o costume de varrer a casa da porta para dentro, costume arraigado até os dias de hoje, para “não jogar a sorte fora” é uma camuflagem do respeito pela Mezuzá, afixada nos portais de entrada, bem como aos dias de faxina obrigatória religiosa judaica, como antes do Shabat (Sábado, dia santo de descanso semanal) e de Pessach. “Apontar estrelas faz crescer verrugasnosdedos”eraasuperstição que se contava às crianças para não serem vistas contando estrelas em público e denunciadas à Inquisição, pois o dia judaico começa no anoitecer do dia anterior, ao despontar das primeiras estrelas, dado necessário para identificar o início do Shabat e dos feriados judaicos. Para concluir, gostaria de mencionar um tema polêmico decorrente deste intercâmbio cultural-religioso: sua influência no português, em vocábulos que adquiriram uma conotação pejorativa e negativa. Os mais discutidos são: judeu, significando usurário, o verbo judiar (e o substantivo judiação) com o sentido de maltratar, torturar, atormentar. Seja sua origem a prática de “judaizar” (cristãos-novos mantendo judaísmo em segredo e/ ou divulgando-o a outros), seja como referência ao maltrato e às perseguições sofridas pelos judeus durante a Inquisição, o fato é que, sem dúvidas, sua conotação é negativa, e cabe a nós estudiosos do assunto e vítimas do preconceito, esclarecer a população e a mídia, alertando e visando à erradicação deste uso, não só pelo desgastado “politicamente correto”, que leva a certos exageros, mas para uma conscientização do eco subliminar de um longo passado recente, Pelo qual não basta o pedido de perdão, se não conduzir a uma mudança no comportamento social. * Doutora em Literarura Judaica. Professora da UERJ
  • 48. 48 AJ No 12 - ABRIL 2018 ealmente, não sei a resposta. Portanto, levanto a questão perante vocês e os convido a respondê-la, se for de sua vontade. Numa segunda-feira, como qualquer segunda-feira de verão em Jerusalém, fui “arrastado” para o centro da cidade, por razões que não cabe explicar agora, pois é uma outra história... Ali estava eu no ponto, à espera do próximo ônibus para o Monte Scopus, um dos campi da Universidade de Jerusalém. Foi quando se aproximou de mim um jovem em seus 15 anos no máximo, ortodoxo – a esta conclusão cheguei pela obviedade da sua aparência externa: solidéu na cabeça, peiot (costeletas longas) e franjas para fora da camisa – que me perguntou: -- Você estuda na Universidade, não? Respondi que sim, num misto de desconfiança e curiosidade sobre quais seriam suas intenções. No Brasil, quando alguém nos aborda assim de forma súbita como ele o fez, logo pensamos no pior: “vai pedir alguma ou me assaltar”. Assim pensei também na minha paranoia de cidadão carioca. E no mesmo instante em que buscava uma desculpa para me livrar dele, chegou o ônibus da linha 9 e então eu disse, aliviado: -- Sinto muito, meu ônibus chegou -- e corri na direção do coletivo. Presumi precipitadamente: -- Ufa! consegui me livrar dele com facilidade, que sorte! Porém, para minha surpresa, não aconteceu assim: o jovem correu em minha direção, segurando na mão uma nota de 50 shekalim (plural de shekel, moeda corrente em Israel) e um pedido que me surpreendeu totalmente: -- Por favor, você poderia levar este dinheiro para a sinagoga da universidade? Eu não soube como reagir e tampouco poderia, pois o ônibus já estava de saída: -- Onde, na sinagoga? Na caixa de tzedaká (doações)? -- Sim -- me respondeu o jovem, enquanto o ônibus zarpava bem à moda sabra (israelense) e eu dentro dele, atônito, com a nota de 50 shekalim na mão, enquanto, ainda estupefacto, tentei acompanhá-lo com o olhar. Ele já havia dado meia volta e seguido o seu caminho... Caminho? Mas, qual era o seu caminho? Que intenções teria? Seria R CRÔNICA SÓ COM MINHA CONSCIÊNCIA(Elias Salgado, da série contos de Jerusalém 1997-8) Quantas e quantas vezes, me perguntei, se é a vida que alimenta as histórias dos escritores ou se são eles que precisam persegui-las?
  • 49. 49 ele real? O quê significava tudo aquilo? Imaginem vocês em que situação constrangedora ele me colocou, aquele rapaz! Eu que imaginei que ele queria me pedir, ou até mesmo me roubar – aquele mesmo jovem enigmático entrega a um estranho, na rua, dinheiro para uma boa ação?! Entre todas as coisas que me vieram à cabeça, lembrei-me da breve conversa que tivera aquela manhã com Karmia, a professora de hebraico, sobre o significado e valor da palavra “consciência”. Se não me falha a memória, eu disse a ela que consciência, na minha opinião, é algo que todos nós possuímos: só que a de alguns é positiva e a de outros, nem tanto... E agora estou eu aqui, sentado frente à minha consciência e uma nota de 50 shekalim... E pensando: - Neste mundo não faltam histórias para alimentar histórias. E que tudo pode acontecer – até mesmo o time do Betar Jerusalém vencer a Bélgica no futebol, quando todos os prognósticos eram contrários... Mas o quê fazer com a minha consciência e os 50 shekalim daquele jovem misterioso? O que ambos me pediram, tanto minha consciência, quanto ele: procurar a caixa de doações da sinagoga na universidade e meter lá dentro a nota. E foi o que fiz.Linha 4 para a Universidade de Jerusalém Interior da Sinagoga Hecht - Universidade de Jerusalém - Monte Scopus Prédio da Sinagoga Hecht - Universidade de Jerusalém - Monte Scopus
  • 50. 50 AJ No 12 - ABRIL 2018 Olá, li na newsletter de vocês sobre a história do cemitério municipal de Manaus e os judeus ali enterrados. Sou historiadora, venho acompanhando a história dos cemitérios das polacas aqui em São Paulo e em Cubatão. Recebi indicações da Chevra Kadisha que no cemitério de Manaus haveria 70 sepulturas deste grupo. Comecei a ler Eretz Amazonia, gostaria muito de conhecer o cemitério, conhecer o autor, o algum descendente que posso conversar comigo aí. Gostaria de ir para Manaus no feriado do dia 12 de outubro. Será que é possível. Grande abraço e boas festas. Paula Janovitch Gostaria de saber sobre Jaime Benlolo, se há algum registro sobre ele. Daniela Benlolo Procuro informações sobre a família do meu pai, emigrada para Belém do Pará, onde o meu bisavô foi rabino. Meu avô David Bibas, morreu antes do meu nascimento e a minha avó não contou-me muita coisa sobre ele. Poderiam ajudar-me? Heliana Bibas Como faço pra obter algumas revistas , que falem sobre os judeus na Amazônia, pois eu estou fazendo um projeto falando sobre isso. Nádia Freitas Olá, bom dia. Gostaria de saber como faço para participar das reuniões na sinagoga. Tenho parentes que são judeus praticantes e eu sempre tive vontade de ir visitar, mas nunca fui. Moysés Abraham Larrat Fróes Procuro curso de hebraico na cidade Manaus. Att, Márcio Pinheiro Bom dia! Gostaria de saber onde poderia ter mais informações sobre o meu avô materno que era judeu, nascido em Tanger e que veio para o Amazonas na época do ciclo da borracha. O seu nome era Samuel Toledano e ele viveu em Fonte Boa, vindo a falecer nesta cidade em 1956. Onde posso solicitar mais informações sobre ele? Fico no aguardo de uma resposta. Obrigado! Luis Carlos Toledano Pereira luistoledano@ig.com.br Ola, gostaria de obter informação sobre a possibilidade de eu me juntar ao judaísmo. Atualmente sou evangélica e meu sobrinho é judeu. Gostaria também, de saber onde posso encontrar uma sinagoga em Manaus nas proximidades do Alvorada e se posso visitar, conhecer melhor. Aguardo uma resposta. Grata pela atenção Maria Lima
  • 51. 51 Na publicação “História e Memória” de Elias e David Salgado não vem quase nenhuma referência à firma B.Levy & Cia da qual meu avô, Rafael Benoliel foi Presidente. Porquê? Apenas uma referência de uma linha sobre uma empresa que foi grande no seu tempo. Agradeço resposta Marcos Benoliel Zagury Gostaria de saber onde poderia fazer um curso de hebraico em Belém do Pará? Odete Vanzeler Sabá Oi Elias, parabéns pela revista! Adorei a capa! Monica Grin – Coordenadora do NIEJ/ IfCS/UFRJ Bom dia! Como faço para conseguir a edição N.04/2011 da revista Amazônia Judaica, que traz na capa a sinagoga Shaar HaShamaim de Belém? Att. Danielle Moramay Gostaria de receber os newsletter da AJ Izaak Vaidergorn Elias, Super! A revista está SUPER MARAVILHOSA! Parabéns! Extraordinária mesmo! Digna dos 15 anos, digna de vocês e seu trabalho extraordinário! Parabéns, infinitas vezes! Seu trabalho e de seu irmão é algo que ficará na história do judaísmo brasileiro! Regina Igel, Maryland University, USA Elias querido que maravilha...acabei de ver...está excelente... queria colocar a matéria na página de Brimas com a capa da revista ..ou mesmo a revista toda... como é isso? Posso? Gratíssima pela matéria linda, Bjs Chag Sameach Brima Beth P.S. Vou mandar pros brimos Simone e Luiz. Elias e David, Adorei... e já enviei para um montão de gente. Recebi alguns elogios da edição de Rosh Hashana... está muito boa. Renato Amram Athias , Etnólogo, UFPE Caro Elias, muito obrigada. Eu li a matéria do pesquisador Eliahu Birbaum, achei muito interessante. Primeiro porque é um rabino olhando para esta questão de uma maneira generosa e de integração, depois porque a pesquisa dele é muito boa mesmo. Estamos aqui em São Paulo lutando para integrar esta história no percurso da imigração. Abraços. Paula Janovitch
  • 52. 52 AJ No 12 - ABRIL 2018 DESTAQUES 2018 EM PERSPECTIVA Após 15 anos de atividades, Amazônia Judaica segue nadando contra a maré e acreditando que contra a crise só há um remédio: seguir em frente sempre O selo“Talú”, passa agora a denominar-se“Talú Cultural” com previsão de 5 novos lançamentos de ficção e não ficção: 02 novos livros de contos e crônicas de Elias Salgado; o livro “Força e coragem” de autoria do historiador André de Lemos Freixo, sobre os 70 do Hashomer Hatzair, que nos foi encomendado por aquele movimento. A criação de duas novas coleções: “Postagens Sagazes” (título provisório), composta de títulos de autores que fazem sucesso com seus posts nas redes sociais. A coleção será criada com o lançamento de livro do historiador Michel Gherman, em fase de edição e com publicação prevista para o 2º. Semestre deste ano. Em fase de planejamento, também, uma Coleção de Clássicos nacionais e internacionais, de autores cuja obra encontra-se em domínio público. E diversos outros projetos editoriais, para o futuro próximo. A “Talú Cultural”, passará a ser a marca e o setor que cuidará da realização dos eventos culturais de nossa empresa, a nível nacional e internacional, tais como: lançamentos, exposições, ciclos, seminários e afins. A seguir apresentamos a nossos amigos colaboradores, leitores de sempre e os que estão chegando; nosso programa de atividades e novidades para o ano de 2018.