2. Março/Abril 2014Jornal Saúde da Família
2
Ademir Lopes Jr.
Diretor de Comunicação da SBMFC
Editorial
Discutindo o MM e a
formação dos profissionais
E
m julho de 2013, o Ministério da
Saúde lançou o Programa Mais
Médicos (MM) como medida
emergencial para o provimento
de médicos na Atenção Primária à Saúde
(APS). O MM contou com a participação
de médicos estrangeiros e brasileiros, em
especial cubanos que já tinham partici-
pado de outras expedições internacionais.
Na ocasião, a SBMFC divulgou
posicionamento sobre o assunto, reco-
nhecendo a necessidade de políticas que
enfrentassem a escassez de profissionais
no interior do país, entretanto, ressaltava
que o MM deveria estar acompanhado de
políticas públicas consistentes e perma-
nentes que visassem a melhoria da quali-
dade e resolutividade dos serviços de APS.
Quase um ano após a implementação do
MM, para a matéria de capa desta edição,
ouvimos tutores Médicos de Família que
convivem diretamente com as mudanças,
desafios e dificuldades do MM.
Nessa edição, também conheça uma
das propostas da SBMFC consideradas
estratégicas para a estruturação da APS
a longo prazo: a expansão das vagas de
residência em MFC e o incentivo a ocu-
pação dessas vagas. O diretor de Pesquisa
e Pós-Graduação Lato Sensu da SBMFC,
Daniel Knupp, detalha a proposta e explica
as mudanças observadas na ocupação
de vagas desses programas de residên-
cia após o Mais Médicos e o Programa de
Valorização dos Profissionais da Atenção
Básica (Provab). Boa leitura!
DIRETORIA (órgão executivo - gestão 2012-2014)
Presidente: Nulvio Lermen Junior
Vice-Presidente: Thiago Gomes Trindade
Secretário-Geral: Paulo Poli Neto
Diretor Financeiro: Cléo Borges
Diretor de Comunicação: Ademir Lopes Junior
Diretor de Pesquisa e
Pós-Graduação Lato Sensu: Daniel Knupp
Diretor de Graduação e
Pós-Graduação Stricto Sensu: Roberto Umpierre
Diretora Científica: Juliana Oliveira Soares
Diretor de Titulação: Emílio Rossetti Pacheco
Diretor de Exercício Profissional: Oscarino dos Santos Barreto Jr.
Diretor de Medicina Rural: Nilson Massakazu Ando
Expediente
Jornalista responsável:
Roberto Souza | MTB: 11.408
Editor: Rodrigo Moraes
Subeditoras: Samantha Cerquetani e Tatiana Piva
Reportagem: Vinicius Morais
Revisão: Paulo Furstenau
Projeto Gráfico: Luiz Fernando Almeida
Diagramação: Felipe Santiago, Leonardo Fial,
Luiz Fernando Almeida, Rafael Tadeu Sarto e
Willian Fernandes
Quase um ano após a implementação do
MM, para a matéria de capa desta edição,
ouvimos tutores Médicos de Família que
convivem diretamente com as mudanças,
desafios e dificuldades do MM
8. Março/Abril 2014Jornal Saúde da Família
8 Entrevista
Quais foram as mudanças na área de
residência de MFC com o Programa Mais
Médicos?
Já foi possível identificar que o Mais
Médicos causou uma redução significa-
tiva na procura pela residência na espe-
cialidade. Até o ano passado, vínhamos
de uma série de 10 anos seguidos com
aumento do número absoluto de residen-
tes de medicina de família e comunidade
(MFC) no País e uma taxa de ocupação
das vagas credenciadas sempre variando
próximo de 30% a 35%. Mesmo com o
Programa de Valorização dos Profissionais
da Atenção Básica (Provab), não havíamos
notado impacto nesses índices. Entretanto,
na primeira entrada de residentes após a
implementação do Mais Médicos, não só
notamos uma diminuição da taxa de ocu-
pação, que deve ficar pouco acima de 25%,
como também houve redução do número
absoluto de residentes de medicina de
família e comunidade no País.
Esse é um cenário muito desalenta-
dor quando se tem como objetivo que
pelo menos 40% das vagas de residência
seja para MFC, e que essas vagas estejam
integralmente ocupadas. Essa proporção
de MFC sobre todos os médicos especia-
listas é essencial para o equilíbrio de um
sistema de saúde de financiamento público
que se fundamenta nos princípios de uni-
versalidade, integralidade e equidade, e que
tenha um modelo assistencial baseado na
atenção primária à saúde.
Qual a proposta da SBMFC para reduzir
essa ociosidade?
A proposta é que a residência se torne
etapa obrigatória para o exercício da medi-
cina para os graduandos que se formarem
a partir de 2020, e que a distribuição das
vagas entre as especialidades seja feita pelo
Governo, seguindo as necessidades sociais
e do sistema de saúde, o que garantiria
pelo menos 40% das vagas em MFC. Até
lá, passaríamos por um período de tran-
sição marcado por ações de expansão das
vagas de residência em MFC e políticas
de estímulos ao ingresso na especiali-
dade e redução da ociosidade das vagas
de residência. Como uma dessas políticas
de estímulos, a SBMFC vem propondo
o que temos chamado Mais Médicos -
Residência, onde o residente de medicina
de família e comunidade faria jus à bolsa
com valor equivalente ao dos bolsistas
do Programa Mais Médicos, ocupando
uma vaga definida para o Mais Médicos
e seguindo o currículo e as atividades da
residência médica. Essa proposta é viável
em qualquer município onde coexistam
um programa de residência em MFC e o
Programa Mais Médicos, e são inúmeros
os municípios nessa situação.
ApropostadoMaisMédicos -Residência
não tem impacto financeiro para o governo
federal, uma vez que já temos mais de 13
mil médicos no Programa, o que repre-
senta um número mais do que suficiente.
Indo além, essas bolsas concedidas pelo
Programa Mais Médicos poderiam cobrir
aproximadamente 85% do total de vagas
de residência médica no País. A bolsa de
residência médica, entretanto, é cerca de
um quarto do valor da bolsa do Programa
Mais Médicos, ou seja, não parece haver
limitação orçamentária.
A regulação da formação de especialistas
não limitaria a liberdade de escolha dos gra-
duandos? Como ocorre em outros países?
A SBMFC vem
propondo o que
temos chamado Mais
Médicos - Residência,
onde o residente de
medicina de família
e comunidade faria
jus à bolsa com
valor equivalente
ao dos bolsistas
do Programa Mais
Médicos, ocupando
uma vaga definida
para o Mais Médicos
e seguindo o currículo
e as atividades da
residência médica
9. Jornal Saúde da Família2014 Março/Abril
9
Qualquer convívio em sociedade implica
algum grau de restrição às liberdades indi-
viduais. No Brasil, a Constituição Federal
diz que a saúde é direito de todos e dever
do Estado. Certamente, para alcançarmos
isso, a sociedade deverá abdicar de algum
grau de liberdade individual em prol do
coletivo. Naturalmente, não é diferente em
outros países que pretendem ter sistemas
de saúde universais e de financiamento
público – Canadá, Inglaterra, Espanha,
Holanda e Portugal são só alguns exem-
plos, além de a residência médica ser obri-
gatória e as vagas definidas pelo governo,
segundo necessidade do sistema de saúde.
Por lá, a proporção de vagas de MFC é de
aproximadamente 40% ou mais - essa é a
regra nos países onde predomina o finan-
ciamento público dos serviços de saúde.
Curiosamente, no Brasil e nos Estados
Unidos, onde temos um financiamento
majoritariamente privado dos serviços
de saúde, com mais de 50% dos gastos em
saúde sendo de origem privada em ambos
os casos, a proporção de vagas de residên-
cia em MFC é muito parecida: cerca de 8%
do total aqui e 11% lá.
Não existe um país que tenha desen-
volvido um sistema de saúde universal,
público e de qualidade sem que Estado
e sociedade façam sua parte. E cabe ao
governo ir conduzindo essa transforma-
ção, se assim entender por bem. Vejamos
como o próximo Governo conduzirá a
questão. No fim das contas, o sistema de
saúde e, por consequência, o modelo de
formação médica, são simplesmente um
reflexo dos valores da sociedade.
Qual o perfil do preceptor para a residên-
cia de MFC?
O preceptor ideal para a residência de MFC
éalguémquetenhafeitoresidênciaemMFC,
experiência em serviços de atenção primá-
ria à saúde, preferencialmente na mesma
área onde recebe o residente, e formação
específica para a prática da preceptoria em
residência médica. A SBMFC já formou
mais de mil preceptores com sua Oficina de
Capacitação de Preceptores. Além disso, o
númerodemédicosdefamíliaecomunidade
com residência ou titulação já ultrapassa
os três mil. Considerando uma proporção
de dois a quatro residentes por preceptor,
que são números razoáveis, o universo de
potenciais preceptores que já temos hoje é
suficiente para atender a uma larga expan-
são das atuais vagas de residência.
É preciso considerar também que na
medida em que aumenta o número de
médicos de família e comunidade egres-
sos das residências de MFC, também
aumenta a oferta de potenciais precepto-
res para futuras expansões da residência.
O número de preceptores, portanto, não
é um obstáculo intransponível à expansão
da residência em MFC.
Como conseguir esses preceptores espe-
cialistas em MFC em tão pouco tempo se
há escassez de médicos de família e comu-
nidade (ou MFCs) no País atualmente?
A SBMFC desenvolveu um plano para o
aumento gradual e escalonado do número
de preceptores em MFC para os próximos
anos. No que tange à formação específica
para a prática da preceptoria, temos duas
frentes de trabalho. A primeira, que temos
chamado carinhosamente de BRASACT,
em uma alusão ao EURACT, o programa
de formação de preceptores da associa-
ção europeia de preceptores e professores
O número de
médicos de família
e comunidade
com residência ou
titulação já ultrapassa
os três mil.
Considerando uma
proporção de dois a
quatro residentes por
preceptor, que são
números razoáveis, o
universo de potenciais
preceptores que
já temos hoje é
suficiente para
atender a uma larga
expansão das atuais
vagas de residência