2. Em fins da Idade Média, percebemos uma literatura
oral proveniente de séculos. Contada tanto nos
castelos pelas classes mais favorecidas quanto pelos
trabalhadores e camponeses em suas cabanas, a
literatura foi sendo difundida, carregando traços do
período e narrando um mundo extremamente
medieval.
FONTES ORAIS
O problema se inicia pela questão das fontes – das fontes escritas, para sermos mais precisos –, pois não há uma versão escrita de
forma integral em documentos medievais de Chapeuzinho Vermelho ou do Pequeno Polegar, por exemplo, essas histórias já
circulavam na oralidade camponesa medieval há séculos e tenham sobrevivido até serem coletadas e transcritas em papel por
Charles Perrault.
3. A primeira publicação dos Contos da Mamãe Gansa de Charles Perrault, em 1697, seria,
nesse casso, uma narrativa medieval?
Por que, na primeira versão escrita de Chapeuzinho Vermelho, coletada da oralidade
francesa no século XVII, Chapeuzinho é vorazmente devorada pelo lobo?
Na mesma história, na versão da antologia dos irmãos Grimm (de meados do século XIX),
ela é devorada junto com sua avó, resgatada da barriga do lobo por um caçador que nem
existia na versão francesa de Perrault e ambas as personagens vivem “felizes para sempre”.
4. Era necessário adequar à clientela dos salões as
novas versões dos contos, agora destinado aos
saraus da corte francesa. E também, a distinção
entre a infância e a vida adulta ganhou espaço.
Ocorre o aparecimento de novas versões dos contos,
diferentes das que circulavam apenas entre os
camponeses.
Os contos foram desconectados do universo da realidade
camponesa, para ganhar espaço no fantástico, no
imaginário.
‘Era uma vez’, ‘Caminhando, caminhando’, ‘E viveram
felizes para sempre’ [...] funcionam como sinais capazes
de explicitar ao ouvinte o fato de que está para ouvir uma
narrativa fictícia.
5. Robert Darnton (1986, p. 29) não exagera
ao dizer que “os contos retratavam um
mundo de brutalidade nua e crua”.
Trata-se de casos de violência,
antropofagia, assassinato, sofrimento,
incesto etc.
“Os contos franceses tem um estilo
comum, que comunica uma maneira
comum de elaborar experiências. Ao
contrario dos contos de Perrault, não
são moralizantes, (...) mostram como é
feito o mundo e como se pode enfrentá-
lo.” (DARNTON, 1988, p.92)
6. LER
A versão dos camponeses ultrapassa as versões
escritas posteriormente em violência e sexo.
(Seguindo os Grimm e Perrault, Fromm e
Bettelheím não mencionam o ato de canibalismo
com a avó e, strip-tease antes de a menina ser
devorada).
Evidentemente os camponeses não precisavam
de um Código secreto para falar sobre tabus.
A moral da história original, sem os acréscimos
posteriores, seria, para as meninas, afastarem-se
dos lobos; (DARNTON, 1986, p. 22)
LER
Mais de metade das trinta e cinco versões
registradas de "Chapeuzinho Vermelho“
terminam com o lobo devorando a menina.
Ela nada fizera para merecer esse destino;
porque, nos Contos camponeses, ao contrário
dos contos de PerrauIt e dos Irmaos Grimm, não
desobedece a sua mãe nem deixa de ler os
Letreiros de uma ordem moral implícita, escritos
no mundo que a rodeia.
Ela, simplesmente, caminhou para dentro das
Mandíbulas da morte.
A natureza incompreensível e implacável de
calamidade que torna os contos tão comoventes,
e não os finais felizes que eles, com frequência,
adquirem depois do século XVIII.
7. • Sem fazer pregações nem dar lições de moral os contos (Franceses)
demonstram que o mundo é duro e perigoso.
• Embora, na maioria, não fossem endereçados às crianças, tendem a sugerir
cautela.
• Como se erguessem Letreiros de advertência, por exemplo, em torno à busca de
fortuna: "Perigo!"; "Estrada interrompida"!; "Vá devagar!"; "Pare!”.
• Alguns estranhos talvez se transformem em sujeitos bondosos, mas outros
podem ser lobos, e não há maneira de distinguir uns dos outros.
8. A que, necessariamente, essas
reelaborações de discursos buscavam
atender?
Seria a ideia da infância, já em pleno
final do século XVII?
Ou a demanda de uma sociedade
moderna?
PORQUE O CONTO FOI MUDADO
QUANDO DEIXOU A ORALIDADE
PARA IR PARA OS LIVROS?
10. a) Mentalidade Medieval e Moderna sobre a Mulher
1. Debilidade Física e Debilidade Intelectual
B) Movimento de Caça às Bruxas
1. Quando? Números? Leis? Acusações
11. Idade Média vs Idade
Moderna
Na Idade Média
Por mais que já houvesse uma notória
divisão sexual do trabalho que atribuía
mais direitos aos homens sobre as terras,
ainda assim as mulheres tinham esse
espaço de inserção e de sociabilidade.
As atividades domésticas não eram
desvalorizadas e não supunham relações
sociais diferentes das dos homens. Todo
trabalho era visto como contribuição
para o sustento.
Na Idade Moderna
• Visões sobre as Mulheres
• Caça às bruxas
• Trabalho e Mão de obra
barata
• Encarceramento
• Prostituição
12. Visões sobre as Mulheres no Antigo
Regime
Debilidade física
• Desigual por natureza e inferior ao
homem feita da costela do homem, por
isso não detinha a mesma autonomia.
• Nascer mulher era uma fraqueza da
natureza (discurso religioso e médico)
• O estatuto biológico da mulher (parir
e procriar) estaria ligado a um
outro, moral e metafísico: ser mãe,
frágil e submissa, ter bons
sentimentos etc.
Debilidade intelectual Maldade
• As mulheres eram menos capazes por isso
deveriam estar sujeita à tutela de alguém, mas
sabiam distinguir entre o bem e o mal;
• Por isso, se a mulher comete um delito contra o
direito divino e direito natural deve ser castigada
(dolo).
• Adultério pena capital (morte)
• A culpa pelo estupro recaia sobre a mulher, que se
deixou capturar.
• As mulheres não eram confiáveis, porque
deixavam-se seduzir. As mulheres são más,
astutas, ardilosas.
13. • a) Eva, a pecadora;
• b) Maria, a redentora;
• c) a dama; a “mulher ardilosa”.
No direito Moderno Mulheres eram condenadas
a) serem menos dignas;
b) serem mais frágeis e passivas;
c) serem lascívias, astutas, ardilosas, más, perversas.
Os modelos femininos durante a Idade Média e
Moderna
14. Caça às Bruxas: QUANDO?
• Apesar de a bruxaria ser proibida e ter penas escritas em vários códigos de leis no período
medieval (hereges), foi somente no século XV que a caça às bruxas se tornou constante.
• Entre 1435 e 1487, foram escritos vinte e oito tratados sobre bruxaria.
• Foi depois de meados do século XVI, que começou a aumentar a quantidade de mulheres julgadas
como bruxas.
Mulher sendo preparada para execução por bruxaria. - representação
15. Caça às Bruxas: NÚMEROS
É muito difícil estabelecer quantas mulheres
foram executadas ou morreram pelas torturas
que sofreram: “Muitos arquivos [ela escreve]
não enumeravam os vereditos dos
julgamentos […] [ou] não incluem as mortas
na prisão […]
Outras levadas ao desespero pela tortura se
suicidaram nas celas […]
Muitas bruxas acusadas foram assassinadas
na prisão […] Outras morreram nos
calabouços pelas torturas sofridas ou
linchadas” (Barstow, pp. 22-3)
16. Existem estimativas regionais:
• No sudeste da Alemanha ao
menos 3.200 bruxas foram
queimadas somente entre
1560 e 1670, um período no
qual “já não queimavam
uma ou duas bruxas, mas
vintenas e centenas”
• Estima-se em 4.500 a
quantidade de mulheres
executadas na Escócia entre
1590 e 1650;
17. Império Alemão - Constitutio Criminalis Carolina — promulgado pelo rei católico Carlos V
em 1532 pena de morte.
A Inglaterra protestante aprova 3 Atos do Parlamento, em 1542, em 1563 e em 1604,
sendo que o ultimo introduziu a pena de morte inclusive na ausência de dano a pessoas
ou a coisas.
Depois de 1550, Escócia, Suíça, Franca e Países Baixos Espanhóis, também foram
aprovadas leis e ordenanças que fizeram da bruxaria um crime capital e incitaram a
população a denunciar as suspeitas de bruxaria;
Os homens da lei contaram com a cooperação dos intelectuais de maior prestigio da
época: Thomas Hobbes (aprovou a perseguição como forma de controle social) Jean
Bodin, o famoso advogado e teórico politico francês defendia que as mulheres deveriam
ser queimadas vivas, em vez de “misericordiosamente” estranguladas antes de serem
atiradas as chamas.
Caça às Bruxas: LEIS
18. QUEM definia uma bruxa?
Autoridades do estado e religiosas
expressaram publicamente sua
preocupação com a propagação das
bruxas e viajaram de aldeia em aldeia
para ensinar as pessoas a reconhece-las
e ameaçando castigar aqueles que as
dessem asilo ou lhes oferecessem ajuda.
Nas igrejas, foram colocadas urnas
para permitir aos informantes o
anonimato
19. QUEM definia uma bruxa?
Na Alemanha, esta era a tarefa dos
“visitantes” designados pela Igreja
Luterana com o consentimento dos
príncipes alemães (Strauss, 1975, p. 54).
Na Itália setentrional, eram os ministros
e as autoridades que alimentavam
suspeitas e que se asseguravam de que
resultassem em denuncias; também
certificavam-se de que as acusadas
ficassem completamente isoladas,
forçando-as, entre outras coisas, a levar
cartazes nas suas vestimentas para que as
pessoas se mantivessem longe delas.
20. Acusações
A obscuridade da acusação — o fato de que era impossível comprova-la, ao mesmo tempo
que evocava o máximo horror – implicava que pudesse ser utilizada para castigar qualquer
forma de protesto, com a finalidade de gerar suspeita inclusive sobre os aspectos mais
corriqueiros da vida cotidiana.
1. Vender seu corpo e sua alma ao demônio
2. Práticas de magia para assassinar crianças, sugado seu sangue, fabricado poções com
sua carne, magia para provocar a morte de seus vizinhos
3. Uso de encantamentos, magia com ervas, raízes e ramos de certas árvores.
4. Magia para provocar tempestades e destruir gado e cultivos
5. O “mau-olhado”, maldição do mendigo a quem se negou a esmola.
21. O conhecimento sobre o corpo e a reprodução que estava nas mãos de mulheres (parteiras,
curandeiras) estava em conflito com as ideias de ciência (masculina) e de racionalidade,
justificava-se queimar quem a praticasse.
a) eram acusadas de ofenderem a razão e a medicina moderna em virtude de suas
práticas que usavam não apenas ervas, mas chás com o intuito de curar o corpo, ou
por ajudar/realizar partos;
b) eram acusadas de serem insaciáveis, de manifestarem uma sexualidade desenfreada e de
forma subversiva seja pela idade seja pelo gesto;
c) por ser filha e irmã do Diabo, como fora estabelecido pelo Concílio de Latrão
deveriam ser exterminadas, queimando-as, preferencialmente, em praça com requintes
eróticos
Acusações
22.
23. Exemplo de denúncia
Acusações contra Margaret Harkett, uma velha viúva de sessenta e cinco anos
enforcada em Tyburn em 1585:
Ela colheu uma cesta de peras no campo do vizinho sem pedir
autorização. Quando pediram que as devolvesse, atirou-as no chão com
raiva; desde então, nenhuma pera cresceu no campo. Mais tarde, o
criado de William Goodwin negou-se a lhe dar levedura, ao que seu
tonel para fermentar cerveja secou. Ela foi golpeada por um oficial de
justiça que a havia visto roubando madeira do campo do senhor; o
oficial enlouqueceu. Um vizinho não lhe emprestou um cavalo; todos os
seus cavalos morreram. Outro pagou-lhe menos do que ela havia
pedido por um par de sapatos; logo morreu. (Thomas, 1971, p. 556)
24. CONTOS
Os contos sempre foram utilizados no universo infantil para distrair
crianças?
Eles refletiam um modo (camponês) de ver o mundo que não
precisava de pudor para tratar de assuntos daquela realidade.
Contos falam da brutalidade do mundo, dos riscos enfrentados, da
condição de vida, da fome, do medo.
CAÇA ÀS BRUXAS
O processo de perseguição das mulheres segue no período
moderno, sob uma nova legislação e novas relações sociais.
Representou uma forma de controle – violento - dos sujeitos que
não aceitaram de modo pacato as novas condições sociais.
A desqualificação da mulher foi a ser construída e ainda está
presente na atualidade, exemplo: “Para desqualificar um homem
ouvimos a expressão MULHERZINHA, por quê?
25. Referência
FEDERICI, Silvia. Calibã e a bruxa: mulheres,
corpo e acumulação primitiva. São Paulo: Ed.
Elefante, 2017.
DARNTON, R. O grande massacre de gatos, e
ouros episódios da história cultural francesa;
tradução de Sônia Coutinho. Rio de Janeiro:
Graal, 1986.
Recomendação de leitura:
Guaranha, M.; Campos, A.; Gomes, A. O Fantástico na
Literatura: Contos Medievais e Oitocentistas.
Disponível em:
https://periodicos.ufpel.edu.br/ojs2/index.php/cadernodelet
ras/article/view/17527
Notas do Editor
Darnton, os camponeses trabalhavam do amanhecer ao anoitecer em suas pequenas propriedades de terras dadas pelos senhores em troca de alimento e força de trabalho. As mulheres se casavam tarde, entre 25 e 27 anos, e davam a luz a cinco a seis filhos entre estes dois ou três chegavam à vida adulta. A comida era escassa, para sobreviver os camponeses comiam uma papa feita de pão e água sendo desnutridos em sua maioria. A carne se comia poucas vezes ao ano, em dias de festas ou depois dos abates do outono. Os bebês eram algumas vezes sufocados por seus pais na cama, acidente bastante comum, episcopais proibiam os pais de dormirem na mesma cama com filhos menores de um ano de idade. As casas eram bastante pequenas, dormiam-se a família, pais e filhos no mesmo quarto, assim as crianças se tornavam observadoras das atividades sexuais dos pais, afirma Darnton em seu livro O Grande Massacre de Gatos.
A obra Chapeuzinho Vermelho“ inseriu-se na tradição literária alemã e, mais tarde, na inglesa, com suas origens francesas não detectadas.
Tudo isso configura uma teia de significados pertencentes a contextos históricos de épocas e culturas de séculos atrás, que, de algum modo, conseguiram resistir por meio das narrativas ao migrarem da oralidade ao redor das lareiras para as transcrições para o papel.
Apesar de a bruxaria ser proibida e ter penas escritas em vários códigos de leis no período medieval, foi somente no século XV que a caça às bruxas se tornou veemente, quando a Igreja Católica conseguiu incutir na mentalidade coletiva o seu modelo. Esse sortilégio, a partir daí, adquiriu uma importância muito maior e deixou de ser visto apenas como uma maneira de fazer mal aos outros, passando a ser considerado uma grande perversão sexual, moral e religiosa.
Até o século XIV o medo das feiticeiras estava mais no imaginário das populações, era encarado como uma superstição pela Igreja. No século XIV e XV a coisa muda dada a crise moral da época. A partir de então: “Ocorreu , portanto, uma mudança importante na ideia que se tinha a respeito das feiticeiras. Na consciência das autoridades floresceu a certeza de que determinadas pessoas estavam sujeitas a uma “desnaturalização” voluntária, prontas a deixar o serviço de Deus para adorar o Diabo. A ligação das atividades mágicas –próprias das feiticeiras –ao culto satânico e à depravação sexual deu origem a figura da bruxa e ao fenômeno da bruxaria que, ao contrário, da feitiçaria era grupal. Temia-se não apenas a bruxa, mas a reunião delas: o sabat”. O autor em outro momento deixa assente que os modelos femininos durante a Idade Média e Moderna são: a) Eva, a pecadora; b) Maria, a redentora; a dama; a “mulher ardilosa”.